Um “sistema perito” - Universidade Federal de Uberlândia
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Um “sistema perito” - Universidade Federal de Uberlândia
VOLUME 2 – NÚMERO 2 AUTOR : João Augusto Neves Pires. Graduando em História na Universidade Federal de Uberlândia. Contato [email protected] A LAN HOUSE NO TERMINAL RODOVIARIO DE UBERLÂNDIA: Um “sistema perito” e um “não-lugar”? Resumen Resumo Las tecnologías digitales desde hace años As tecnologias digitais vêm, já há alguns anos, vienen ocupando espacios en nuestra vida ocupando espaços em nosso cotidiano sem que cotidiana haja tempo para movimentações que retardem manifestaciones que retarden tal proceso. En las tal processo. Nas ruas, casas, lojas, empresas, calles, escolas, aeroportos e rodoviárias sentimos o aeropuertos y terminales de autobuses sentimos cheiro, gosto, peso e o fantasmagórico milagre el olor, sabor, peso y el milagro fantasmal de das tecnologias. Assim nos resta, criadores e las tecnologías. Así queda a los creadores y consumidores destas máquinas, problematizar o consumidores de estas maquinas, problematizar sentido que elas fazem em nossas vidas e de que los sentidos que ellas hacen en nuestras vidas y maneira elas ocupam nosso dia-a-dia, para que de qué manera ellas ocupan nuestro dia a dia sejamos críticos do processo ao qual nos para que seamos críticos del proceso que inserimos neste mundo moderno da cultura (do) sugerimos en este mundo moderno de la cultura digital. Deste modo, eu fui a campo para digital. compreender de que maneira a Lan House da De tal manera, me fui al campo Rodoviária de Uberlândia compõe este universo comprender como el Cibercafé del Terminal de multiespacial Autobuses de la Ciudad de Uberlândia/MG, e multitemporal contemporaneidade, como também da procuro sin casas, compone este que ventas, haya tiempo empresas, universo para escuelas, multiespacial para y analisar o modo pelo qual as pessoas usam as multitemporal de la contemporaneidad, como tecnologias digitais, presentes na Lan House, también intenté analizar la forma de cómo la como um ―sistema perito‖ que lhes dão acesso gente utiliza las tecnologías digitales presentes ao ciberespaço e como este ambiente de acesso en el Cibercafé, como un ―sistema perito‖ que ao virtual vai ao encontro da representação de les dan acceso al ciberespacio, y como este um ―não-lugar‖. Por fim, este trabalho é apenas ambiente de acceso al virtual va de encuentro a uma especulação – se assim o posso chamar – la representación de un ―no-lugar‖. Finalmente, de visa este trabajo es apenas la especulación – se así problematizar as as tecnologias digitais e suas puedo llamarlo – de un recién investigador que imbricações na vida cotidiana e na cultura de busca problematizar las tecnologías digitales y seus usuários. sus implicaciones en la vida cotidiana y en la um recente pesquisador que cultura de sus usuarios. RECS 1 VOLUME 2 – NÚMERO 2 Palavras-chave: Contemporaneidade; Cultura Palabras-llave: Contemporaneidad; Cultura Digital; Sociologia do Cotidiano; Sistema Digital; Sociología de la Cotidiana; Sistema perito; Não-lugar. perito; No-lugar. y sus implicaciones en la vida cotidiana y en la cultura de sus usuarios. estão na fronteira entre o mundo rural e o urbano, entre a casa e a rua, o bairro e o centro, Introdução Irônica e contraditória nossa voz denuncia a uma fazenda e a outra, enfim, convergindo entre vida moderna em nome dos valores que a lugares distantes que se encontram no âmbito da própria modernidade criou. (COLLIGERE, venda. Tais espaços podem ser entendidos como 2003) lugares de ligação íntima, identificação e confiabilidade. No capítulo XVI da obra de Miguel de Cervantes, Dom Quixote se envolve em uma trama graciosa com seu companheiro Sancho Pansa. Os cavaleiros andantes entram em uma venda, após se confrontarem com alguns ―desalmados Yangueses‖, pensando ser ali um castelo e abrigo para curar suas feridas. Durante o capítulo e nos outros dois posteriores a história se desenvolve na venda que ganha um significado representativo, o qual eu trago para discussão. profusão de diferentes lugares de confiabilidade e sociabilidade, onde o desenvolvimento das tecnologias digitais fundamental para aparece como lugar de encontro, descanso e, de circulação de notícias daquela região ou de lugares mais distantes. Este espaço de socialização e contato com o mundo, isto é, o espaço da tem assumido reorganização papel dessas fronteiras de encontro. Segundo Thompson (2011), o desenvolvimento dessas fronteiras modifica o processo de formação dos seres, mas também conduz a um novo tipo de relação íntima. Porém, este tipo de relação íntima apresenta A venda na história do cavaleiro de La Mancha principalmente, Por outro lado, na contemporaneidade verifico a aspectos diferentes, mas fundamentais, das formas de intimidade da interação face a face nas sociedades prémodernas. Nesse sentido, as fronteiras que normalmente são lugares de passagens como as vendas, rodoviárias, aeroportos, salas de espera, supermercados e as Lan Houses ganham uma dimensão interessante a ser analisada, pois, venda - distante nos momentos de viagens narrado por Cervantes -, esteve presente nas sociedades ―pré-modernas‖. Espaços estes que como pontuei logo acima, cria-se uma confiança entre o sujeito que chega – e logo se vai – e o sistema que ali vigora. RECS 2 VOLUME 2 – NÚMERO 2 Giddens (1991), ao pensar sobre a modernidade, mediadores entre a vida comum e o mundo da observa que um de seus elementos constitutivos informa(tiza)ção. é a confiança que as pessoas empregam nos Quando as práticas cotidianas são ―trazidas à luz ―sistemas é como modo de existência em que o indivíduo incorporada às nossas atividades cotidianas e cria relações na base de sua própria experiência, ―[...] de em abstratos‖. grande circunstâncias Essa parte intrínsecas confiança reforçadas do pelas dia-a-dia‖ sua própria possibilidade de ação‖ (PETERSEN, 1995, p.52), podemos verificar as (GIDDENS,1991, p.82). Viver na modernidade táticas significa, portanto, ―ter fé‖ nas informações que confrontos, os rituais, a desconstrução e estão na fronteira ou pontos de acesso – ―pontos reconstrução de conexão entre os indivíduos e coletividades diariamente por sujeitos simples em suas leigas e os representantes de sistemas abstratos‖ (rel)ações e modos de representar/apresentar o 1 mundo. Para analisar o que a Lan House (IBID, 1991, p.81)– e nos símbolos contidos e resistências do aos sub-reptícias, mundo moderno passageiros e os feita nos lugares de passagem. representa moradores Partindo dessa premissa, analiso brevemente próximos ao terminal, embaso-me nos conceitos alguns aspectos da Lan House que se constituem da sociologia do cotidiano. na Rodoviária de Uberlândia como fronteira Através de observações com notas de campo, entre a vida cotidiana dos habitantes de bairros entrevistas realizadas com usuários da Lan próximos ou viajantes – usuários deste sistema – House, funcionário da mesma e leituras feitas e o ciberespaço2. De maneira especial, observo sobre a temática, repensei não só esse cotidiano, como a Lan House e o funcionário da mesma mas também o das pessoas que o transformam. assumem o papel de peritos3 – sendo-lhes, A Lan House, por seu turno, ao assumir e ser inclusive, confiadas informações pessoais – e entendida no cotidiano dos seus usuários como a fronteira entre a vida comum e o ciberespaço, nos faz problematizar a modernidade, pois 1 Podemos definir como sistemas abstratos os mecanismos desenvolvidos socialmente que, de certa maneira, são capazes de organizar e gerir as relações entre as pessoas e as invenções da modernidade. 2 Segundo Lévy o ciberespaço é ―a terra do saber, a nova fronteira cuja exploração poderá ser, hoje, a tarefa mais importante da humanidade‖, pois ela ―condiciona o caráter plástico, fluido, calculável com precisão tratável em tempo real, hipertextual, interativo e, resumindo, virtual da informação que é, parece-me, [sua] marca distintiva.‖ (LÈVY, 1999, p.104 grifo meu) 3 Os peritos caracterizam-se pela ―excelência ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje. (...) [fornecendo] ‗garantias‘ de expectativas através de tempo-espaço distanciado‖ (ROGERIO, 2009,p.85). ―hoje vivemos num mundo no qual a capacidade de experimentar se desligou da atividade de encontrar‖ (THOMPSON, 2011, p.80) e no qual abstratos assumem papel sistemas fundamental nos ―conectando‖ a contextos, a tempos e espaços distantes. Por conseguinte, ao entender os usuários da Lan House, busco verificar, também, como a modernidade vem recebendo e (re)significando RECS 3 VOLUME 2 – NÚMERO 2 essa ―rotineira mistura de experiências‖ constituem este lugar passageiro, dilatando o mediadas pela cultura digital, pois o ―modo de espaço e o tempo. vida urbano, a vida na sociedade de produção Entre as faces que se agonizam com o tempo, as industrial têm características próprias no que se lanchonetes e lojas que se articulam para vender refere à sociabilidade cotidiana‖ (D‘INCAO, alguns minutos (de lazer? Comida? Conversa? 1992, p.103). Descanso?) ao passageiro e entre a entrada e a saída para embarque, percebi rostos cansados, Algumas metáforas da Rodoviária de ansiosos, sonolentos, bêbados, alegres, aflitos; Uberlândia rostos que se diluem na espera de algo ou Ao ser transferida, no ano de 1976, para a atual alguém, preenchendo o salão de espera. No localidade (próxima à BR- 365), a rodoviária da lugar cidade de Uberlândia - MG ganhou novas passageiros viam-se mais rostos, muitos ônibus, características. Símbolo do desenvolvimento muita poluição sonora, visual e social. Os urbano, sua arquitetura está em consonância ônibus e passageiros entravam e saiam. Não era com o que representa a vida moderna, rápida, necessário avisá-los, tudo já estava programado. racional, efêmera, com poucos lugares para a Assim, este lugar de passagem cria significados socialização e manutenção de relacionamento próprios, que estão intrinsecamente ligados ao duráveis. Divide-se em partes, com funções mundo moderno, à vida moderna de ―eterno determinadas, que se congelam, perdendo retorno‖. qualquer sentido permanente, entre o fluxo Neste constante de pessoas. passageiros, Na entrada, nos deparamos com 31 (trinta e um) fronteira, que também embarca pessoas. Levam- guichês de diferentes empresas de transportes e nos a distâncias, experiências diferentes em um corredor enorme com uma circulação de espaços e tempos diversos: a Lan House. Com pessoas a todo instante. Falas e correrias: ―-- suas Moça! Seu bilhete!‖; ―-- O próximo ônibus só informatizado, ela espera, continuamente, por às 21h!‖, ―-- Não fazemos este percurso!‖, ―-- seu próximo usuário. Com apenas R$ 3,00 (três Gostaria de saber, se...‖ ―-- Mas não tem outro reais), há a possibilidade de viagem a qualquer dia?‖, ―-- Você poderia?‖. Além disso, há a parte do planeta, informar-se e comunicar-se incidência de gestos que se misturam, corpos com tudo e com todos, transgredindo espaços e que se cruzam, mas não se veem. Malas, tempo. símbolos, sinais, sanitários, lanchonetes, táxis, E é neste cotidiano que me insiro, procurando plataforma de nos usuários da modernidade os significados informações, lojas, pessoas e personalidades que atribuídos a estes espaços e tempos estilhaçados de embarque, guichê de embarque espaço de fluxo encontrei cabines e desembarque de outro conectadas de passagens lugar, ao e outra mundo RECS 4 VOLUME 2 – NÚMERO 2 nas cidades, arquiteturas, relações humanas, nos cotidiano, e corrobora com Pais (2003) ciberespaços e, finalmente, na Lan Hause. afirmando que ao aceitar descrever a vida social como uma trama, devemos ter em conta que ―a Duas ou três palavras sobre o cotidiano existência cotidiana é fragmentada, polissêmica, Alguns autores/pensadores nos surpreendem constituída de luz e sombras, feita por um com homem que é ao mesmo tempo sapiens e sua capacidade de síntese sobre determinado tema, tornando imprescindível demens, é necessário admitir que estes voltar-se a seus textos para compreendê-los. elementos não podem ser desprezados na Assim o é José Machado Pais, que ao pensar a análise social‖(PETERSEN, 1995, p.63), assim, sociologia do cotidiano nos apresenta uma série para entender as relações sociais, devemos nos de questões capazes de nos inquietar e fazer-nos aprofundar nas contradições humanas, pois avançar cada vez mais a esta especialidade da [...] a vida cotidiana é trazida à luz como um modo sociologia. de existência em que o indivíduo cria relações na Em poucas palavras o autor base de sua própria experiência, de sua própria consegue possibilidade e ação. As ―práticas cotidianas‖, demonstrar e iluminar caminhos àqueles que se reveladoras entregarão(am) a este campo de investigação. deste modo de existência, são exaustivamente perseguidas pelos autores, através Ele alerta que sendo o cotidiano uma categoria dos domicílios, parentelas, vizinhanças e locais de do lazer e reuniões diversas, já que elas, por um lado, social, conflitos, ―[...] experimentam-se tensões, posições ideológicas, vão ser objeto da atenção da sociedade capitalista, mudanças, cuja necessidade de perpetuação implica controlar crises, que a sociologia geral e as diversas sociologias como parciais seus objetos‖ tomam a totalidade das relações sociais, tanto as ordinariamente institucionais como as que se desenvolvem na vida (PAIS, 2003, p.75), cotidiana e, por outro, elas vão constituir inúmeras tornando necessário ―[...] chegar ao [cotidiano] formas de resistência organizada, de confronto com teorias adaptáveis e flexíveis, cujos com o sistema, fora das instituições formais de quadros e categorias nos permitam, com ‗pinças produção e do poder. (IBID.,p.60) de cirurgião‘, a sua apreensão‖ (IBID., p.75). Seguindo esta linha de pensamento, outro Contudo, pontua Pais (2003),que neste contexto aspecto que foi considerado por estes autores - o desafio da sociologia do cotidiano é abrir que foram fundamentais para as análises sobre brechas as entre as tramas das pesquisas quais percorri - diz respeito ao sociológicas e iluminar os pontos obscuros que entrelaçamento intrínseco entre as análises preenchem o social. micro e macro sociológicas, isto é, entre ―o Da mesma forma, Petersen (1995) chama a atenção para as dificuldades de abordar o plano dos comportamentos dos indivíduos, com aqueles outros planos que resultam da conjugação de variáveis macrosociológicas, RECS 5 VOLUME 2 – NÚMERO 2 como poder, ideologia, autoridade, de continuar produzindo nos momentos de desigualdade social, alienação e etc.‖ (PAIS, espera. Todavia, ao submergir nas narrativas 2003, p.76). Sendo a ―partição do todo‖ parte dos que constroem e significam aquele espaço, das tradições científicas, o cotidiano revela verifiquei que a Lan House está além disso. Ali, também - quando mantida essa ligação entre o são tecidas relações entre diferentes espaços e micro e o macro social - a possibilidade de ser tempos, os sistemas burocráticos do Estado, a identificado como a partição de uma totalidade a cibercultura, enfim, entre o mundo moderno e ser compreendida. suas representações. Partindo dessas premissas e atento para não Nesse sentido, a fim de aprofundar minha transformar o cotidiano apenas no lugar da análise, utilizarei os conceitos de ―lugar‖ e repetição rotineira, volto-me à Lan House da ―não-lugar‖ de Marc Augé, para compreender Rodoviária de Uberlândia, a fim de apreender, como também, a maneira pela qual seus usuários ―supermodernidade” tornando-se espaço de inovam, reorganizam confiança, sendo ela a fronteira de acesso entre e transformam suas atividades cotidianas. a Lan House participa da a vida dos usuários - leigos ou não - e o ciberespaço. Segundo o autor, o conceito de Lan House: Um “sistema perito” e um “não- lugar se constitui e se ―[...] completa pela troca lugar”? alusiva de algumas senhas, na convivência e na Amanheceu mais uma vez. É hora de acordar para intimidade‖ (AUGÉ, 1994, p.73) entre sujeitos vencer. E ter o que falar. Alguém para mandar, que partilham relações que constroem e dão uma vida pra ordenar. Poder acumular e aí então viver. Viver e prosperar, mais nada a pensar. significados a lugares identitários, relacionais e históricos. Por outro lado, os não-lugares se (DEAD FISH, 1999) constituem Esperar algo ou alguém é sempre um momento tanto [como] construções necessárias à circulação de tensão ao homem moderno. A condição que acelerada das pessoas e bens (vias expressas, lhe impõe alguns minutos de silêncio e descanso trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios é sempre vista como improdutiva, pois sempre meios de transporte ou os grandes centros buscamos ―poder acumular‖, ―viver e prosperar‖. Por isso, a necessidade de criar comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são estacionados os refugiados do planeta (MORCELLIM, 2009,p.85). mecanismos em que a espera seja menos tortuosa. Esta foi a maneira, no primeiro momento, que percebi a Lan House do terminal rodoviário de Uberlândia, como lugar (ou não- Considerando o espaço da Lan House como não-lugar, o tratamento para com seus usuários, por parte do atendente, pode ser indiferente e de lugar?) de passar o tempo ou (re)ordenar a vida, RECS 6 VOLUME 2 – NÚMERO 2 impessoalidade, fazendo com que os vínculos já que ele apenas a utiliza com a finalidade de sejam ―desconectados‖ ao fim de cada acesso. sanar seus problemas. Desta forma, consumindo Vê-se bem que por ‗não-lugar‘ designamos duas alguns minutos de conexão, ele se relaciona realidades distintas: apenas provisoriamente com a Lan House, outra espaços constituídos em relação a certos fins característica fundamental para o conceito de complementares, porém, (transporte, trânsito, comércio, lazer) e a relação que os indivíduos mantêm com esses espaços. Se as duas relações se correspondem de maneira não-lugar, segundo Augé (2005). O esvaziamento de significados – permanentes bastante ampla e, em todo caso, oficialmente (os – a estes não-lugares, traz a modernidade uma indivíduos viajam, compram, repousam), não se nova percepção espaço-temporal. Tendo em confundem, no entanto, pois os não-lugares vista que o mundo moderno está sempre criando medeiam todo um conjunto de relações consigo e com os outros que só dizem respeito indiretamente a seus fins: assim como os lugares antropológicos mecanismos, muitas vezes representados como não-lugares, que modificam as relações sociais e criam um social orgânico, os não-lugares criam pulverizam as antigas apreensões espaços- tensão solitária.(IBID., p.89) temporais, fico convencido que, a maneira pela Não criando qualquer tipo de relação que qual as pessoas se relacionam com esses não- perdure por mais que 2 (duas) horas de acesso, lugares está diretamente colada com uma nova ―o senhor de meia idade‖ nos mostra que a Lan relação com o tempo e espaço, pois a House não possui sentidos compartilhados, mas modernidade nos transforma e transforma é, por seu turno, identificada apenas pelos fins a também a maneira pela qual nos relacionamos que se dedica, de acesso ao ciberespaço. com o tempo e o espaço. Um senhor de meia idade pede ao atendente 2h de Por conseguinte, para complexidade ao guichê número 5. O senhor se senta ali e acessa contemporaneidade devemos nos voltar aos um site de revista e abre outro navegador onde ―sistemas de excelência técnica ou competência entra em um site de jogos (...). O homem tem a seu profissional que organizam grandes áreas dos a meu ver, ele irá viajar dentro de algumas horas. 4 mudanças a acesso a internet. O atendente pede-lhe para que vá lado uma mala grande de rodinhas e outra mochila, dessas compreender na ambientes material e social em que vivemos hoje‖ (GIDDENS, 1991, p.30). Ao conversar com um senhor de 40 (quarenta) Uma senhora de idade chega ao atendente tira a anos com roupas formais que sempre utiliza os identidade e outra folha. Entrega seus documentos serviços de Lan House em terminais rodoviários a ele e pede-lhe para retirar a 2a via de uma conta devido sua. Diz a senhora: ―Eu atrasei de novo!‖ sorri para a exigências de sua profissão o moço.5 (comerciante), também aponta para a mesma questão do relacionamento com os não-lugares, 4 Nota de campo 2. Data 04/11/2011. 5 Nota de campo 3. Data 27/11/2011. RECS 7 VOLUME 2 – NÚMERO 2 Este fato nos demonstra a maneira pela qual um os habitantes dos arredores da Rodoviária têm grupo de usuários da Lan House se relaciona no com este espaço e com o atendente. Durante momentos em que lhe foram confiadas as uma entrevista informal, conforme o atendente, informações, o dono da Lan House lucra na muitos moradores da região utilizam seus posição que ocupa. Em serviços para ―estas coisas chatas‖, pedem para percebemos que ele está ciente da situação: consultar SPC (Serviço de Proteção ao Crédito); ―Final de semana isso aqui lota! Pessoal vem SERASA (empresa privada de centralização dos ver coisa de conta pra pagar, tirar Xerox de serviços bancários); 2ª via de conta; etc. A esse identidade [e CPF]!‖ 6. atendente, devido aos resultados seu de depoimento respeito, Giddens (1991) pontua que a ―maioria das pessoas leigas consulta "profissionais" — Conclusão advogados, arquitetos, médicos etc., — apenas Seria importante voltar a este lugar, em outros de modo periódico ou irregular. Mas os sistemas momentos, nos quais está integrado o conhecimento dos manifestações sobre aquele espaço. Todavia, peritos influencia em muitos aspectos do que este fazemos de uma maneira contínua‖(IBID., identificar a Lan House como parte do mundo p.30). Assim, questiono os significados que são moderno que se informatiza e se (re)significa atribuídos à Lan House, pois como aponta constantemente. Procura também verificar a Rogério (2009), esse saber – neste caso da maneira que nos relacionamos com os ―não- informática e dos trâmites burocráticos que se lugares‖ em que passamos e com os ―sistemas resolve no ciberespaço – ―embora esteja peritos‖ que utilizamos em nosso cotidiano para parcialmente disponível ao grande público, não viver na sociedade mediada por tecnologias. é do conhecimento pleno deste‖ (ROGÉRIO, Desta forma, esta breve pesquisa me leva a 2009, p.83), obrigando-o a se valer da confiança afirmar que a Lan House se identifica por dos sistemas peritos, já que ―o cotidiano é alguns aspectos: primeiro como um ―não-lugar‖ viabilizado [em grande parte] por mecanismos pela sua inconstância e efemeridade de uso, desconhecidos‖ (IBID,. p.83) que lhes são restringindo o relacionamento das pessoas com depositados confiança. aqueles Apesar dos riscos de entregar ao atendente comprados/alugados. Como também, posso informações pessoais, os usuários confiam neste dizer, ―especialista‖ por ele possuir a capacidade de moradores dos arredores da Rodoviária no trânsito no ciberespaço, sendo ele o único capaz especialista para breve trabalho espaços que reconhecer a teve como apenas confiança representa nos diferentes intenção minutos depositada uma relação pelos mais de realizar procedimentos usando mecanismos das tecnologias digitais. Utilizando da ―fé‖ que 6 Nota de campo 3. Data 27/11/2011. RECS 8 VOLUME 2 – NÚMERO 2 espaço FREHSE, F. Onde estamos? Entendendo os “não- significados de um lugar antropológico, no qual lugares” da “supermodernidade” de Marc Augé. você cria laços afetivos e identitários. De outro Lasc. São Paulo, 1996, p. 87-91. modo, a Lan House pode ser entendida como GIDDENS, A. As conseqüências da Modernidade. um ―sistema perito‖ capaz de embarcar as São Paulo: Editora UNESP, 1991. Tradução Paul pessoas leigas ou não, na cultura digital. Fiker. p.8-104 Não esgotando a discussão, mas caminhando LÈVY, P. Cibercultura. 1 ed. São Paulo: Ed. 34, para uma conclusão, posso dizer que a 1999. Tradução de: Carlos Irineu da Costa. submersão ao cotidiano da Lan House - munido MORCELLIM, A. Lugares, não-lugares, lugares das teorias da sociologia das relações cotidianas virtuais. Em Tese, Florianópolis, v.6, n. 3, jan./jul., - me permitiu verificar as contradições da vida 2009. moderna que se sustenta nos símbolos e PAIS, J. M. Vida Cotidiana. Enigmas e revelações. mecanismos construídos socialmente e nas São Paulo: Cortez, 2003 pessoalizada conferindo àquele relações dia após dia com o mundo da PETERSEN, S.R.F. Dilemas e desafio da informatização, como também foi possível historiografia brasileira: a temática da vida entender de que maneira o ―não-lugar‖, o cotidiana. In: MESQUITA, Z. ; BRANDÃO, C. R. ―lugar‖ e os ―sistemas peritos‖, como o caso da Territórios do cotidiano: Uma introdução a novos Lan House, estão intrinsecamente ligados a esta olhares e experiências. Santa Cruz do Sul: Ed. realidade paradoxal da contemporaneidade. UNISC, 1995. ROGERIO,de M. R. Etnografia de um espaço de fluxo no aeroporto de Fortaleza. 2009. p. 200. Referências Bibliográficas Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade AUGÉ, M. Não-lugares: Introdução a uma Federal do Ceará. Fortaleza, 2009. antropologia da supermodernidade. Campinas: THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: Uma Papirus, 2005. teoria social da mídia. 12 ed. Petrópolis: Vozes, COLLIGERE. Urge. In: Incerto. Liberation: São Paulo, 2003. 1 disco sonoro. 2011. Tradução de: Wagner de Oliveira Brandão ; revisão: Leonardo Avritzer. DEAD FISH. Sonho Médio. In: Sonho Médio. Terceiro Mundo Produções Fonográficas: São Paulo, Recebido em: 25/04/2012 1999. 1 disco sonoro. Aprovado em: 24/07/2012 D‘INCAO, M. A. Modos de ser e de viver: A sociabilidade urbana. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo v.4 jan/fev, 1992, 95-109. RECS 9