Jornalismo Automotivo

Transcrição

Jornalismo Automotivo
Jornalismo Automotivo
Histórias & dicas
Paulo Campo Grande
Jornalismo Automotivo
Histórias & dicas
São Paulo, 2014
© Paulo Campo Grande
Segundo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)
Publishers: Carlos Henrique Carvalho Filho
Eduardo Acácio Cunha
Editor: Jorge Henrique Bastos
Revisão: Luís Fernando Quaresma
Capa, Projeto gráfico e diagramação: Rodrigo Rojas
Imagem de capa: © codrupsiho - Fotolia
Proibida reprodução desta obra sem autorização expressa da editora
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G779j
Campo Grande, Paulo
Jornalismo automotivo / Paulo Campo Grande. - 1. ed. - São Paulo: B4 Ed., 2014. 156 p; 21 cm. ISBN 978-85-65358-76-7
1. Jornalismo. I. Título.
14-09082CDD: 070.43
CDU: 070.4
2014
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Para José Augusto, Maria Natália, Tânia e Júlia
Sumário
Agradecimentos...................................................................................... 11
Introdução............................................................................................. 13
I - História............................................................................................. 17
Desde os primórdios até hoje em dia................................................ 17
O primeiro Salão do Automóvel ...................................................... 18
Surge a indústria brasileira............................................................... 20
O sucesso do Jornal do Carro........................................................... 23
Os novos tempos.............................................................................. 24
Fenômeno do crescimento............................................................... 29
II - Especialização .................................................................................. 31
A minha jornada.............................................................................. 31
Jornal do Carro e Quatro Rodas....................................................... 34
A formação do jornalista.................................................................. 36
Plano de estudos.............................................................................. 37
Mantenha o foco.............................................................................. 39
Ser ou não ser................................................................................... 40
Jornalista x entusiasta....................................................................... 42
Criar um site.................................................................................... 43
IV - Meus carros .................................................................................... 45
V - Cobertura......................................................................................... 49
Como, onde e por quê..................................................................... 49
Áreas e temas................................................................................... 50
Segredo............................................................................................ 54
Veículos segmentados ...................................................................... 58
VI - Conversa de salão............................................................................ 61
VII - Na redação.................................................................................... 65
Doce rotina...................................................................................... 65
É dada a partida............................................................................... 68
Vamos em frente.............................................................................. 69
Fechamento..................................................................................... 70
VIII - Packard 1935............................................................................... 73
IX - Campo de provas............................................................................ 77
Pistas de testes.................................................................................. 77
60.000 km....................................................................................... 79
Como apurar um teste..................................................................... 81
Condições de teste........................................................................... 83
Passo a passo.................................................................................... 84
Na pista........................................................................................... 85
Consumo......................................................................................... 89
Todo os sentidos.............................................................................. 90
X - Dinâmica Veicular............................................................................ 93
XI - Reflexões......................................................................................... 95
De onde vim para onde vou............................................................. 95
Balcão de anúncios........................................................................... 98
Relacionamento com as fontes....................................................... 100
Na dúvida, fique com o leitor ........................................................ 101
Medo de perguntar ....................................................................... 102
Carro de fábrica x carro de loja....................................................... 102
Vestido de festa.............................................................................. 108
Testes Comparativos II................................................................... 108
O outro lado da moeda.................................................................. 109
XII - Ferrari.......................................................................................... 111
A primeira rodada a gente nunca esquece....................................... 112
Ma che hai fatto?............................................................................. 113
XIII - Os leitores.................................................................................. 117
Respeitável público....................................................................... 117
Muita calma nessa hora.................................................................. 118
Compreender e ser compreendido.................................................. 121
Discutindo a relação....................................................................... 122
Nas ondas digitais.......................................................................... 124
XIV - Viagens....................................................................................... 127
Viajar é preciso............................................................................... 127
XV - Assessoria de Imprensa................................................................. 131
Possível carreira.............................................................................. 131
Na prática...................................................................................... 132
Atuações diferentes ........................................................................ 133
Recall ............................................................................................ 135
Assessores são necessários............................................................... 136
Repórteres x Assessores................................................................... 137
XVI - Internet...................................................................................... 139
Tsunami digital.............................................................................. 139
Vale o escrito.................................................................................. 144
XVII - Automóvel................................................................................ 147
E agora José?.................................................................................. 147
Referências Bibliográficas..................................................................... 153
Agradecimentos
Agradeço a Fred Carvalho, Isadora Carvalho e Sergio
Berezovsky pelas dicas, sugestões, apoio e principalmente
pela amizade. E também a Armando Bordallo (in memoriam)
que me ajudou no início da carreira.
Introdução
Fazer um livro em uma época de grandes transformações no jornalismo, com os mais pessimistas falando no
fim dessa atividade, pode parecer algo temerário ou sem
sentido. Quem se interessaria em ler esse livro, a menos que
por nostalgia ou curiosidade histórica?
No momento em que eu terminava esta obra, confesso
que fiquei preocupado com essa questão. Mas, depois de ler
muito sobre as recentes mudanças na profissão e refletir,
cheguei a conclusão de que, apesar de alguns prognósticos
ruins, o mundo não vai acabar e as pessoas vão continuar a
ler e a buscar de informações sobre o que se passa a sua volta,
por necessidade ou prazer. Sendo assim, as mídias podem
mudar, os suportes podem ser alterados e um novo modelo
de negócios pode surgir, mas a informação permanecerá necessária e, portanto, o jornalismo não desaparecerá.
Quando comecei a escrever este livro, eu pensava em
fazer um relato para estudantes de jornalismo. Meu objetivo
era falar sobre o trabalho do jornalista especializado em automóveis, abordar as atividades do dia-a-dia nos diferentes
tipos de veículos de comunicação, os caminhos para a especialização e contar um pouco da minha trajetória profissional. Com o tempo, porém, passei a ver o livro como uma
oportunidade de dividir minhas experiências com os colegas
de profissão, como forma de recordar episódios e refletir
sobre temas importantes que, na correria dos fechamentos,
acabam esquecidos.
Jornalismo Automotivo - Histórias e dicas ● 13
Por fim, percebi que, com exceção das informações específicas da atividade, o que eu descrevia poderia interessar a
um número maior de leitores, formado por pessoas com
curiosidade em relação ao jornalismo e aos automóveis, incluindo os apaixonados por carros, muitos dos quais alimentam o sonho de trabalhar em qualquer atividade ligada a
eles e volta e meia escrevem às redações perguntando como
podem se tornar um jornalista especializado em automóveis.
Em função disso, resolvi incluir no livro histórias de
bastidores da profissão, experiências com os carros que já
dirigi e salões de automóveis que visitei, além de aprofundar
as informações sobre os testes, chegando a criar um capítulo
que trata de Dinâmica Veicular, uma disciplina do curso de
engenharia automobilística, que eu não tenho a pretensão de
ensinar, mas que julgo interessante para o entusiasta e importante para o jornalista especializado conhecer -- ainda que
sem se aprofundar nos cálculos matemáticos das forças que
atuam sobre o veículo durante o movimento.
Essa alteração de curso com o aumento da abrangência
de temas, não foi a única, porém. No começo, minha intenção era considerar o jornalismo praticado nos diferentes
tipos de mídia -- jornal, revista, rádio, TV e internet, não
esquecendo da assessoria de imprensa, um caminho trilhado
por muitos profissionais da área – mas, depois, percebi que
eu teria mais autoridade para falar dos meios em que eu tive
maior experiência: jornal e revista. Nos meus vinte e poucos
anos de profissão, passei a maior parte do tempo em revista
mensal (Quatro Rodas). Trabalhei em jornal diário (O Estado
de S. Paulo) e semanal (Jornal do Carro) por períodos que
somados dariam cerca de cinco anos. Minhas experiências
14 ● Paulo Campo Grande
em rádio e TV foram muito poucas, atuei apenas como
convidado em programas. Na internet fiz dois blogs: o
Blog do PCG, hospedado no site da Quatro Rodas e duas
vezes finalista do prêmio Abril de Jornalismo, e o Carrões
do PCG, no site da revista Alfa, também da Editora Abril,
que ficaram no ar três anos e um ano, respectivamente.
Em assessoria de imprensa, tive uma oportunidade que
durou dois anos. Trabalhei como coordenador de imprensa na área de automóveis da Mercedes-Benz do Brasil,
durante o período de lançamento e comercialização da
primeira geração do modelo Classe A, que foi fabricado
em Juiz de Fora (MG).
Por conta da minha maior experiência como revisteiro,
por mais que eu tenha me esforçado em lembrar o tempo
todo dos outros meios, acredito que o livro acabou por apresentar, de forma mais precisa, o jornalismo automotivo em
revista, embora eu acredite que, na essência, os desafios do
jornalista sejam os mesmos em todos os meios.
À medida que eu escrevia e refletia sobre jornalismo,
automóveis e jornalismo automotivo, novos temas surgiam
como obrigatórios o que acarretava mais mudanças no
plano original. Esse foi o caso do capítulo que dediquei aos
leitores. Todo jornalista sabe da importância do público em
seu dia a dia. Leitores, ouvintes, internautas estão presentes
desde a escolha das pautas até depois da realização do
trabalho, quando fazem o papel de críticos. Por isso, não
poderia deixar de levá-los em consideração. Outro assunto
que se impôs foi a internet, uma tecnologia que está
mudando radicalmente a forma como nós jornalistas e
público lidamos com a informação.
Jornalismo Automotivo - Histórias e dicas ● 15
Ao final, dividi o livro em 15 capítulos editados de
forma lógica, mas que têm conteúdo próprio e podem ser
lidos a qualquer momento, fora de ordem, sem prejuízo.
Dessa forma, espero ter apresentado um retrato interessante
sobre o jornalismo especializado em automóveis e ter contribuído para promover reflexões não só sobre esse tipo de
jornalismo, mas para o jornalismo em geral com suas contradições e transformações profundas.
16 ● Paulo Campo Grande
I - História
Desde os primórdios até hoje em dia
A primeira publicação especializada em automóveis de
que se tem notícia no Brasil foi a Revista de Automóveis,
lançada em outubro de 1911, no Rio de Janeiro. A capa do
primeiro número era composta apenas pelo cabeçalho e um
anúncio de uma importadora de carros. A “Carlos Schlosser
& Cia” oferecia “automóveis de passeio e de corrida”, da
marca Benz; pneus Continental; e magnetos Bosch. Internamente, a revista trazia avaliações de veículos, dicas de
manutenção e notícias sobre carros.
O automóvel ainda era novidade em todo o mundo,
mas, por aqui, já havia pessoas interessadas em ler sobre essa
invenção. Isso talvez se deva ao fato do Brasil ter sido um dos
primeiros lugares do mundo a ver essas máquinas circulando.
Já em 1871, um exemplar movido a vapor teria sido o
primeiro “auto-móvel” a rodar no país. Essa estreia aconteceu
na cidade de Salvador, na Bahia.
Considerando os veículos equipados com motor a explosão, cuja primeira patente é de 1886 – requerida pelo
alemão Karl Benz, em 29 de janeiro, em Berlin, na Alemanha
– o primeiro carro a andar no Brasil seria um Peugeot Tipo
3 1891. Esse modelo francês, equipado com motor alemão
Daimler, pertenceu a Aberto Santos Dumont, o Pai da
Aviação, que vivia em Teresópolis (RJ), quando estava no
Brasil. Anos mais tarde Santos Dumont trouxe outro modelo,
Jornalismo Automotivo - Histórias e dicas ● 17
o Tipo 15 1897, este já com motor Peugeot, que presenteou
ao irmão mais velho Henrique Santos Dumont. Consta dos
arquivos da prefeitura de São Paulo que Henrique Santos
Dumont foi o primeiro motorista registrado na cidade.
Em 1904, já se falava em produzir automóveis no Brasil.
A iniciativa ocorreu em São Bernardo do Campo (SP),
quando os empresários Luiz e Fortunado Grassi criaram a
Luiz Grassi & Irmão Indústria de Carros e Automóveis, uma
derivação da empresa Luiz Grassi & Irmão, que se dedicava
a produção de carruagens para tração animal. O primeiro (e
único) automóvel montado foi um Fiat, com peças trazidas
da Itália, que ficou pronto em 1907.
A imprensa especializada se concentrava no Rio de
Janeiro, cidade que na época era a capital federal do país.
Além da Revista de Automóveis, de circulação mensal, em
1912, surgiu a Auto Sport dedicando-se aos esportes em geral,
entre eles o automobilismo e o futebol, outra novidade da
época. Em 1915, foram lançados outros dois títulos: O Automóvel, que era mensal e trazia reportagens de mercado e de
serviços, e Auto-Propulsão, semanal, que tratava de “automobilismo, motociclismo, aviação e motorismo náutico”.
O primeiro Salão do Automóvel
A americana Ford foi a primeira marca a se instalar no
Brasil, em 1919, apesar da predileção do mercado pelos automóveis franceses. A empresa construiu uma linha de
montagem de veículos a partir de peças importadas. A fábrica
ficava na rua Florêncio de Abreu, no centro de São Paulo, de
onde saíram os automóveis Modelo T e os caminhões TT.
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O primeiro Salão do Automóvel, ou Exposição de Automóveis do Brasil, nome oficial do evento, abriu as portas
no Palácio das Indústrias em São Paulo, no dia 4 de outubro
de 1924. Sua realização repercutiu na imprensa de todo o
país, cada vez mais atenta a esse tema de importância
crescente para a economia. Em 1925, surge O Auto, publicação do Rio Grande do Sul e, em 1926, estreia a revista
paulista Auto Illustrado.
Nessa época, foi a vez da General Motors desembarcar
em solo brasileiro. A empresa se instalou no bairro paulistano
do Ipiranga e foi registrada como Companhia Geral de
Motores do Brasil S/A, em janeiro de 1925. O veículo que
inaugurou a linha ficou pronto oito meses depois. Era um
furgão da marca Chevrolet.
Apesar do mercado em expansão, a maioria dos títulos
editoriais lançados tinha vida curta. A Revista de Automóveis,
de 1911, durou dois anos; a Auto Illustrado, de 1926, alguns
meses. Uma das que tiveram maior longevidade foi a Auto
Sport que circulou entre 1915 e 1927.
A Volkswagen chegou ao Brasil somente em 1953,
fazendo uma associação com o Grupo Monteiro Aranha.
Mas seus veículos, o VW Sedan (Fusca) e a perua VW
Kombi, já circulavam no país desde 1950, importados da
Alemanha pela empresa Brasmotor.
As restrições crescentes às importações feitas pelo
Governo Getúlio Vargas e a existência de um plano de industrialização automotiva comandado pelo Almirante Lucio
Meira, através da Subcomissão para Fabricação de Jeeps, Caminhões e Automóveis, faz com que a matriz alemã tome a
decisão de se instalar no país.
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Em 1954, o título Revista de Automóveis voltou à cena.
O nome era o mesmo da primeira publicação editada 43
anos antes, mas essa era a única coisa que as duas tinham em
comum. Desta vez o título durou seis anos.
Surge a indústria brasileira
Em meados dos anos 50, o Brasil já possuía uma indústria de autopeças desenvolvida, em razão das dificuldades
geradas pela II Guerra Mundial (1939-1945), que impossibilitou as importações, e da natural criatividade dos imigrantes que aqui aportavam vindos de paises onde veículos já
eram bem mais conhecidos. Duas importantes feiras automotivas acontecem em 1953: uma no saguão do aeroporto
Santos Dumont, no Rio de Janeiro, então Capital Federal, e
outra na Galeria Prestes Maia, no Centro de São Paulo. Tal
movimentação, em decorrência da proibição da importação
de veículos montados, a partir daquele ano.
Em 1955, mais precisamente em dezembro, o recémeleito presidente Juscelino Kubtscheck assiste a fundição do
primeiro bloco de motor diesel na unidade industrial da
Sofunge, em São Bernardo do Campo (SP). E nos anos seguintes também faria as inagurações da Volkswagen (quando
desfila em um Fusca conversível)e da Mercedes-Benz, entre
outras. Foi no governo do presidente Juscelino Kubitschek
(1956-1961) que nasceu a indústria automobilística. Essa era
a 27ª meta do programa de governo, que contava com trinta
prioridades. Depois da construção de Brasília e da solução
dos problemas do Nordeste brasileiro (que até hoje não
foram resolvidos), a implantação da indústria era considerada
20 ● Paulo Campo Grande
uma “Meta Especial”. A proposta era implementar a indústria automobilística para produzir 170 mil veículos nacionalizados em 1960. E para isto o governo transformou a
antiga Subcomissão de Jeeps no GEIA – Grupo Executivo da
Industria Automobilistica – comandado pelo mesmo Almirante Lucio Meira. Nessa nova fase, mais precisamente em
1958, apareceu a primeira coluna de jornal dedicada à indústria, com o nome sui generis de Automóveis e Aviões, escrita
pelo jornalista (e mais tarde publicitário) Mauro Salles, no
jornal O Globo, do Rio de Janeiro. Os jornais ainda não se
interessavam suficientemente pelo tema a ponto de dedicar-lhe páginas inteiras ou cadernos especiais, mas começam a
surgir as revistas especializadas. Em 1960, chegaram às bancas
Mecânica Popular, da editora Efecê, e Quatro Rodas, da
editora Abril.
Mecânica Popular era a versão brasileira da norte-americana Popular Mechanics que trazia notícias sobre carros,
aviões, foguetes e todas as novidades tecnológicas da época,
enquanto Quatro Rodas apresentava os lançamentos da indústria, matérias de serviços, segurança, comportamento e roteiros de turismo. Em 1961, Quatro Rodas começou a avaliar
os carros tecnicamente para informar os leitores como os veículos andavam, freavam e quanto gastavam de combustível.
Em 1963, ocorreu a primeira tentativa de se produzir no
Brasil um carro 100% nacional. A decisão foi do empresário
Nelson Fernandes que fundou, em São Bernardo do Campo
(a mesma cidade onde em 1904 surgiu a empresa Luiz Grassi
& Irmão, mencionada anteriormente), a IBAP – Indústria
Brasileira de Automóveis Presidente. O modelo de estreia era
o Democrata, um cupê inspirado no americano Chevrolet
Jornalismo Automotivo - Histórias e dicas ● 21
Corvair, feito para brigar com os modelos de luxo da época
como Simca Chambord, Aero-Willys e FNM JK. O projeto
não deu certo em razão de uma série de irregularidades na
gestão do negócio, denunciadas pela imprensa, em especial
pela revista Quatro Rodas, que mais tarde foi acusada por Fernandes de participar de um complô contra o empreendimento.
Em novembro de 1964, chegou às bancas o primeiro
número de Auto Esporte, publicação da Efecê que apostava
suas fichas na cobertura das competições automobilísticas. A
edição número um trazia a primeira cobertura de Fórmula1
feita por um jornalista brasileiro, Mauro Forjaz, sobre o GP
dos Estados Unidos. No final da década, sua pauta se diversificou, passando a olhar para a indústria, com lançamentos,
segredos de fábrica, dicas de manutenção e reportagens de
geral. A Auto Esporte, que atualmente integra o portfólio da
editora Globo, é a responsável pelo prêmio Carro do Ano, no
Brasil, desde 1966.
No Salão do Automóvel de 1966, surge uma nova
marca nacional: a Gurgel. Desta vez, a ideia foi do engenheiro João Conrado do Amaral Gurgel, formado pela Escola
Politécnica de São Paulo, que depois de trabalhar em empresas como GM e Ford, decidiu fazer seu próprio automóvel. Seu carro era uma mistura de jipe e buggy e usava
mecânica e chassi do VW Sedan (o Fusca) sob carroceria de
plástico. A Gurgel Veículos Ltda. foi fundada oficialmente
três anos depois, em Rio Claro, no interior de São Paulo e
durou até 1996.
No início da década de 1970, as revistas concentravam
suas pautas nos raros lançamentos da indústria local, com
apenas três marcas (Ford, GM e VW) e alguns poucos fabri-
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cantes de modelos fora de série. Mesmo assim não faltou
assunto. A italiana Fiat estreou em 1976 (três anos depois do
acordo assinado com o governo mineiro para a construção de
uma fábrica no país), com o compacto 147. E o governo
ajudou a produzir notícias com a criação do Proálcool, o
Programa Nacional do Álcool, em 1975. O objetivo era viabilizar o álcool extraído da cana-de-açúcar como combustível,
de modo a reduzir a dependência do país, em relação ao petróleo cada vez mais caro.
Os primeiros modelos movidos a álcool chegaram às ruas
em 1980 e sua produção atingiu o auge em 1984. A “jovem”
Fiat saiu na frente com o seu 147. Mas as outras marcas vieram
logo em seguida. Nessa época, com o número de lançamentos
muito reduzido, era comum as revistas especializadas apresentarem testes comparativos de um mesmo carro equipado
com diferentes motores, álcool ou gasolina. Nesse período
houve duas novidades editoriais importantes. Em 1980, surgiu
a Motor 3, da Editora Três, que durou até 1987. E, em 1986,
a Oficina Mecânica, da Sisal, que existe até hoje.
O sucesso do Jornal do Carro
A imprensa diária ainda não dedicava espaço específico
e regular para os automóveis em sua cobertura. Um dos veículos pioneiros foi o saudoso Jornal da Tarde, de São Paulo,
que foi lançado em 1965, com uma proposta de jornalismo
voltada também para variedades, comportamento e estilo de
vida e que, desde os anos 1970 passou a publicar uma coluna
sobre automóveis. Essa coluna foi o embrião do Jornal do
Carro, lançado em 1982, ao mesmo tempo que o Jornal do
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Brasil, do Rio, apresentava o seu caderno Carro & Moto. O
JC circulava às quartas-feiras mostrando os lançamentos da
indústria, matérias sobre segurança e comportamento e a situação do mercado. Além de pesquisar os descontos que o
comércio oferecia na venda dos carros zero quilômetro, o JC
publicava tabelas com as cotações dos usados, atualizadas semanalmente. Essa pesquisa era de grande valia para quem
queria comprar ou vender um automóvel, principalmente
porque, nessa época, o Brasil convivia com uma inflação
mensal de 30% e as tabelas publicadas pelas revistas mensais
já chegavam às bancas desatualizadas.
A receita do JC fez tanto sucesso que o jornal virou referência para os motoristas particulares, para os lojistas e
também para as companhias de seguro, que passaram a
utilizar as tabelas do jornal para avaliar os automóveis usados.
As vendas do Jornal da Tarde explodiam às quartas-feiras. O
JC chegava a aumentar a circulação do JT em 30%, nesse dia
da semana, façanha que nem o caderno de esportes, que
trazia as notícias do futebol na segunda-feira, conseguia.
Muitas pessoas chegavam às bancas de jornais e pediam o
Jornal do Carro ao invés do Jornal da Tarde. Com o fechamento do JT, em 2012, o JC passou a fazer parte do
jornal O Estado de S. Paulo.
Os novos tempos
As publicações ganharam novo ânimo com a reabertura
das importações em 1990, no governo de Fernando Collor,
presidente que gostava de carros esportivos e dizia que os
modelos nacionais pareciam “carroças”. O mesmo governo
24 ● Paulo Campo Grande
que abriu o mercado, em 1990, foi o que criou o “Carro
Popular”. Os populares eram modelos básicos, equipados
com motores 1.0 e preço mais acessível (o equivalente a
7.350 dólares), para, segundo a versão oficial, beneficiar os
consumidores de baixa renda. Foi uma oportunidade para
muitas pessoas que tradicionalmente compravam veículos
em segunda mão, adquirir seu primeiro carro zero quilômetro. Para a indústria, foi uma boa saída para conviver
com a concorrência estrangeira que chegou ocupando os segmentos superiores do mercado.
O mercado editorial também se beneficiou. O interesse
dos leitores aumentou e o assunto passou a ser presença obrigatória em, virtualmente, todos os veículos de comunicação.
Em pouco tempo praticamente todos os jornais brasileiros
criaram colunas ou suplementos dedicados ao tema.
A partir de 1992, já com Itamar Franco no lugar de
Fernando Collor deposto do cargo, houve diversas medidas
de incentivo à indústria, como facilidades para a importação
de máquinas e ferramentas para instalação de novas fábricas
no país. Entre 1994 e 2003, foram investidos cerca de 28
bilhões de dólares no Brasil, pelas fábricas de automóveis e de
autopeças. De quatro marcas nós passamos a ter quatorze
com unidades fabris instaladas no país. Dessas, Audi,
Chrysler, Land Rover bateram em retirada como fabricantes,
tempos depois. Mas ainda assim sobram onze, dessa primeira
onda de investimentos: Fiat, GM, Ford e Volkswagen, que
já estavam aqui, mais Honda, Toyota, Renault, Nissan,
Peugeot, Citroën e Mitsubishi.
Com a abertura das novas fábricas no país, houve
também a descentralização da indústria que se localizava em
Jornalismo Automotivo - Histórias e dicas ● 25
apenas dois estados São Paulo e Minas Gerais e migrou para
Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Goiás e Bahia.
Em 1993 e 1994, estrearam duas novas revistas feitas
em São Paulo, Carro e Motor Show, editadas por equipes
saídas da Quatro Rodas. A Carro tinha a proposta de ser uma
revista menos técnica que Quatro Rodas, com textos mais
acessíveis aos consumidores em geral e reportagens de serviço.
Seu slogan era “A revista do Consumidor”. Essa fórmula fez
sucesso, mas não teve continuidade depois que sua editora, a
BQ1, se associou ao grupo europeu Motorpress, que trazia a
experiência de títulos como a alemã Auto Motor und Sport,
uma publicação com abordagem bastante técnica. A MotorShow se focou nos entusiastas, explorando os modelos estrangeiros que não chegavam ao Brasil e matérias sobre
motores, corridas e segredos da indústria local. Em 1997, ela
firmou uma parceria com a italiana Quattroruote, uma revista
tradicional e reconhecida pelos apaixonados. Muitas revistas
que nasceram nessa época tiveram vida curta. VI (Veículos
Importados), Platina e Automóvel & Requinte são alguns dos
títulos que não vingaram. Em 1995, surgiu a 0 Km uma
revista customizada que também era vendida nas bancas,
produzida em parceria pela editora Globo e a Fiat Automóveis, com reportagens sobre as marcas do grupo Fiat –
Alfa Romeo, Ferrari, Fiat, Lancia e Maserati. Durou cerca de
um ano. As publicações customizadas que vieram depois,
porém, fizeram sucesso. As empresas descobriram esses
títulos como importantes ferramentas de marketing para um
público que apreciava a leitura. O título de maior sucesso
nessa área foi a primeira edição da Audi Magazine, editada
pela representante da Audi no Brasil, a Senna Import, entre
26 ● Paulo Campo Grande
1994 e 2006, ano em que a pareceria comercial entre as empresas foi desfeita. Dessa separação surgiram duas novas revistas. A Revista da Audi e a A Magazine. Hoje, marcas como
Mitsubishi, VW, Ferrari e Porsche possuem suas próprias
publicações.
Ainda em 1995, a BQ1 apresentou a Carro Hoje, uma
revista de automóveis semanal, feita para custar pouco e
vender muito, nos moldes das Auto Hoje, portuguesa, e Auto
Oggi, italiana, ambas licenciadas da editora alemã Axel
Springer, que faz a Auto Bild que é a revista de automóveis
mais vendida da Alemanha. A ideia era boa, mas durou
pouco. A primeira edição saiu em setembro de 1995 e a
última em abril de 1996.
Outro segmento em que se verificou expansão foi na
tv. Programas regionais surgiram em vários estados. Em
Salvador (BA), o TV Auto, com o jornalista Paulo Brandão
e, em Caxias do Sul (RS), o Carros & Cia, com o Paulo
Rodrigues, são dois exemplos importantes. Atualmente, as
maiores audiências estão com o programa Auto Esporte,
exibido pela Rede Globo, o programa Vrum, que passa no
SBT, e o Auto+, na Band.
No rádio, foram criados programas específicos sobre
automóveis como o Auto Papo transmitido pelas rádios
Guarani FM, de Belo Horizonte (MG) e Alpha FM, de São
Paulo (SP), com o jornalista Bóris Feldman. Hoje, redes
como CBN (com a equipe da revista Auto Esporte), Estadão
(Jornal do Carro) e Bandeirantes (com o jornalista Joel Leite),
mantém boletins dedicados ao assunto.
Com o advento da internet, apareceram centenas de
sites especializados. Muitos tiveram vida efêmera, como
Jornalismo Automotivo - Histórias e dicas ● 27
vários empreendimentos feitos nessa fase da Web. O mais
tradicional que dura até hoje é o Best Cars Web Site, cujo
responsável é o jornalista Fabrício Samaha. O BCWS foi ao
ar pela primeira vez em 22 de outubro de 1997 e nada mais
era do que uma home-page, hospedada no site norte-americano Geocities. Mas logo ganhou notoriedade, cresceu e,
desde 1999, está abrigado no portal do Uol. Outros do
gênero surgiram em seguida, com destaque para nomes como
Carsale, AutoShow e Webmotors, que trazem material jornalístico, mas se concentram principalmente no comércio eletrônico de veículos.
Os jornais, as revistas e os programas de TV também
passaram a manter sites, disponibilizando conteúdo específico para o online e parte do que publicam offline.
O crescimento da mídia especializada, no início dos
anos 2000, foi tão grande que no Salão do Automóvel de
2004, as empresas expositoras foram pegas de surpresa com o
número de jornalistas que compareceram ao evento. Elas esperavam a visita de cerca de 200 profissionais e receberam o
dobro em seus estandes. Faltou material de divulgação para
atender a todos.
Ao mesmo tempo em que as publicações tradicionais se
consolidaram, surgiram novos títulos apontando para a segmentação do mercado, como os dedicados a som automotivo
(Car Audio), carros antigos (Classic Show), modelos off-road
(4x4 e Cia) e preparação (FullPower).
O ano de 2009 foi o melhor para a história da indústria
automobilística brasileira até então. Apesar de crise econômica que começou nos Estados Unidos, em 2008, e se
alastrou para o resto do mundo, no final do ano, o Brasil
28 ● Paulo Campo Grande
fechou o período com o quinto lugar entre os países produtores, com um volume de 3 milhões de automóveis, à
frente da Itália e atrás de China, Estados Unidos, Japão e
Alemanha. Nessa fase de prosperidade surgem dois novos
títulos: Car, editada pelo Grupo Metromídia de Comunicação, sob licença da Bauer Automotive inglesa, e Car and
Drive, da Escala, sob autorização da Hachette Filipacchi
Media, americana.
Fenômeno do crescimento
A crise mundial abrandou, nos Estados Unidos, em
2010, mas voltou recalibrada no ano seguinte, na Europa,
enquanto o Brasil seguia crescendo. Em 2010, foram 3,3
milhões de carros produzidos e, em 2011, 3,4 milhões. O
Brasil, junto com os outros países emergentes, passou a
chamar ainda mais a atenção da indústria e isso propiciou
uma segunda onda de investimentos. Para aproveitar o bom
momento do mercado, as empresas instaladas no país
trataram de abrir novas fábricas, ampliar as já existentes e
também investir no desenvolvimento local de novos
produtos. Considerando as obras iniciadas ou apenas anunciadas, na época, foram cinco as novas fábricas: Fiat (Goiana,
Pernambuco), Toyota (Sorocaba, São Paulo), Nissan
(Resende, Rio de Janeiro) e Hyundai (Piracicaba, São Paulo).
A Mitsubishi e o Grupo PSA (Peugeot e Citroën) anunciaram investimentos na ampliação das suas fábricas já existentes e no desenvolvimento de novos produtos, e a GM, a
construção de uma nova fábrica de motores em Joinville
(Santa Catarina).
Jornalismo Automotivo - Histórias e dicas ● 29
Em agosto de 2011, a Motorpress retomou o projeto de
revista semanal com o mesmo título, Carro Hoje, dos anos
90, só que, desta vez, já tendo uma rival, a Motor Quatro,
lançada em maio de 2010, pela Editora Cadiz. As duas
tiveram vida curta, porém, a primeira durou até 2012, a
outra seguiu apenas em versão digital, no site da editora.
Entramos em 2013 como quarto maior mercado do
mundo e sétimo maior entre os produtores, com investimentos e novas fábricas (BMW, JAC, Chery) chegando ao
país. O número de marcas atuando no país pulou para 43. As
marcas premium Audi, Mercedes e Land Rover iniciaram
estudos para voltar a produzir localmente. Em meados do
ano, havia a previsão de que em 2015, o número de marcas
com unidades fabris instaladas no Brasil chegaria a 30. Mas
isso ainda não faz parte da História.

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