Prestes a completar 80 anos, Francisco Carvalho
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Prestes a completar 80 anos, Francisco Carvalho
vida & arte FORTALEZA-CE, TERÇA-FEIRA, 27 de fevereiro de 2007 VERSOS FEITOS DE SILÊNCI0 POESIA E TEATRO ] Aos 79 anos, o poeta cearense Francisco Carvalho é homenageado pelo dramaturgo Ricardo Guilherme, que faz leituras dramatizadas dos poemas do autor, hoje, às 16h, no Centro Cultural Banco do Nordeste. Em entrevista ao O POVO, Carvalho fala de poesia, timidez, infância e finitude TRECHOS CLÁUDIO LIMA-5/10/2004 DEUS SOMBRIO A solidão, meu Deus, é uma cadela que me persegue com furor maligno. Esta tarde é uma outra face. Não aquela tarde de aldeia em que nem sol nem sino celebram meu sonho. Hora e estrela são achas que se acendem no menino. Quando o arcanjo alça vôo, uma janela se abre para as terras do divino. Esta tarde é outra tarde. E em mim se deita seu perfil de afogado, a gotejar. De vento e espuma e eternidade é feita. Esta é uma ponte. Eu sou o rio que carrega espantalhos para o mar e adoça espigas para um deus sombrio. VIDA A vida, esse réptil de espinhaço veloz que arrasta o céu a vértebra indomada. A vida, essa potranca de estirpe grega que anda a galope nos prados da treva. Essa loba parida que amamenta as crias com o leito ácido de suas orgias. (...) Essa vertente obscura que jorra do corpo e o leva de volta para junto dos mortos. PERFIL Com mais de 50 anos dedicados ao fazer poético, o cearense Francisco Carvalho nasceu em Russas, no dia 11 de junho de 1927. Entre seus principais livros de poesia, estão Centauros Urbanos (2003), Memórias do Espantalho - Poemas Escolhidos (2004) e Corvos de Alumínio (2007). Venceu a 1ª Bienal Nestlé de Literatura Brasileira com o livro Quadrante Solar (1982) e obteve o prêmio da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, com Girassóis de Barro (1997). Há 49 anos, é casado com Dora Carvalho, 75, e tem três filhos, oito netos e um bisneto. POEMAS de Francisco Carvalho ganham leitura dramática do teatrólogo Ricardo Guilherme. Abaixo , trecho de resposta da entrevista enviada pelo poeta á Redação datilografada em papel azul Camila Vieira da Redação E m busca da palavra essencial, o poeta recolhe-se à solidão. “Um bom poema é silêncio”, dizia o filósofo e escritor francês Paul Valéry. No encontro com o verso tácito, o poeta cearense Francisco Carvalho, 79, acredita que escrever poesia é estar disposto a conviver com o silêncio e reverberá-lo na escrita. Testemunho das limitações humanas e “forma de compromisso com todas as seduções da vida”, o poema deve absorver o intangível. “Todo poema é estrada de incerteza / caminho que se alonga ou se bifurca”, verseja no livro Memórias do Espantalho (2004). Antologia dos melhores poemas de Francisco Carvalho, a obra é o mote da leitura dramática proposta pelo ator e dramaturgo Ricardo Guilherme, que celebra o poeta cearense hoje, às 16h, no programa Ouvir Dizer, do Centro Cultural Banco do Nordeste. A homenagem induziu uma entrevista com Francisco Carvalho, que já contabiliza 50 anos de poesia. Inquilino da timidez, o poeta preferiu ser sabatinado à distância. As perguntas deveriam ser enviadas por escrito, sem a possibilidade da tradicional entrevista feita frente a frente. Nem tanto por causa do acanhamento, mas principalmente pelo rigor e compromisso com o discurso, que precisa ser podado dos excessos para encontrar as palavras exatas. Se “o poema não deve dizer demais”, a prosa tampouco precisa tagarelar. Com a ajuda da esposa do poeta, Dora Carvalho, 75, as 10 perguntas prévias foram entregues nas mãos de Francisco Carvalho, na tarde chuvosa da última sexta-feira. Os olhos curiosos e o leve sorriso no rosto do poeta resultaram na disposição para responder o questionário. No dia seguinte, um novo breve encontro. Em envelope lacrado, as respostas chegaram datilografadas em papel azul piscina. Sobre as letras impressas pela máquina de escrever, as últimas correções feitas com caneta. No rodapé de cada página, a rubrica do poeta. Ao finalizar a entrevista, Francisco Carvalho formula para si a 11ª pergunta: “Quais as suas expectativas para o futuro?” E responde de prontidão: “Estou numa faixa etária em que as pessoas costumam morrer. Não se trata de uma questão de pessimismo. Velho otimista não passa de uma fraude. Aos 80 anos, não existem razões biológicas nem ontológicas para uma pessoa posar de otimista. Nessa idade estamos à mercê do imponderável. Um minúsculo trombo nas artérias erosadas, e tudo desmorona. E um velho não tem o direito de ignorar quando o bonde chega ao fim da linha”. O POVO - Em vários poemas seus, há vestígios de sua infância em Russas e das impressões causadas pela cidade ao menino Francisco Carvalho. Que recordações desse período foram importantes para o seu fazer poético? Francisco Carvalho - Parte de minha infância vivi na cidade de Russas, em casa de parentes meus. É natural que algumas recordações desse período tenham influenciado alguns dos meus primeiros poemas, infelizmente de má qualidade. São reminiscências banais de um menino de imaginação precária, numa cidade pobre de acontecimentos e expectativas econômicas e culturais. Era um tempo em que as beatas acredi- tavam piamente que o papa Pio XII conversava diretamente com Deus. OP - Como começou seu interesse por poesia? Quando o senhor descobriu-se poeta? Carvalho - Comecei a me interessar por poesia quando fazia o curso primário no Ateneu São Bernardo, de Russas. Um dos meus livros de leitura era uma antologia de escritores brasileiros e portugueses, constituída de textos em prosa e de poemas. Minha predileção pelos poetas, com o passar do tempo, veio a se transformar numa opção definitiva. OP - Quando passou a morar em Fortaleza, como se deu o encontro com a geração de poetas e prosadores que aqui residiam? Que lembranças o senhor nutre dessa época? Carvalho - Em 1946, aos 19 anos, passei a residir definitivamente em Fortaleza. Era então uma cidade de costumes nitidamente provincianos e de limitados atrativos arquitetônicos. Durante algum tempo, desprovido de base intelectual, acompanhei de longe os eventos literários da capital, protagonizados por poetas e prosadores ligados ao Grupo Clã. A esse tempo trabalhava no comércio, de modo que os assuntos literários me chegavam através dos jornais da época. Minhas lembranças desse tempo são inconsistentes, até porque só mais tarde vim a dialogar com alguns intelectuais integrantes do Grupo. OP - Em entrevista ao O POVO, o senhor afirmou que “sempre foi inquilino da timidez”. É difícil conviver nessa morada ou o senhor já se acostumou? Carvalho - A timidez me acompanhou desde menino. Algo semelhante a uma verruga que já nascemos com ela. Talvez pelo fato de, com a morte de meu pai, ter vivido algum tempo em casa de parentes, inclusive em Fortaleza. A timidez não leva a lugar nenhum, mas tudo indica que isso está escrito no DNA de cada pessoa. É um estigma para o resto da vida. OP - De que maneira sua postura reservada e taciturna de “ser um poeta obscuro por conta própria” influencia no seu ofício de poeta? Carvalho - Não sou daqueles que vão à praça pública declamar os seus poemas. Nenhuma censura de minha parte aos que procedem desse modo, muito pelo contrário. As galinhas também cantam para anunciar a postura de seus ovos. Parece que tudo se reduz a uma questão de temperamento. Não acredito que esse modo de ser venha a prejudicar o desempenho dos poetas. Carlos Drummond de Andrade, conhecido por sua timidez e ojeriza à publicidade, não causou dano algum à sua grandeza por causa disso. CONTINUA NA 2 SERVIÇO OUVIR DIZER - O ator e dramaturgo Ricardo Guilherme faz leitura dramatizada de poemas do livro Memórias do Espantalho, do poeta cearense Francisco Carvalho. Hoje, às 16h, no cine-teatro do Centro Cultural Banco do Nordeste (rua Floriano Peixoto, 941 - Centro). Grátis. Info.: 3464.3108. FALE COM A GENTE [ VIDA&ARTE ■ EDITORES: REGINA RIBEIRO, LUCIANO ALMEIDA E DALVIANE PIRES ■ FONES: 85 3255 6137 - 3255 6115 ■ FAX: 85 3255 6139 - 3255 6049 ■ E-MAIL: [email protected] ] www.opovo.com.br vida & arte 2 CRÔNICA FALE COM O CRONISTA [ [email protected] ] FORTALEZA-CE, TERÇA-FEIRA, 27 de fevereiro de 2007 [ Sonia Pinheiro [email protected] ...E EM SALVADOR DEFENSORES... AO CORRER DA PENA Airton Monte Cronista do Vida & Arte P osto em friorento sossego no alpendre de casa, deixo-me olhando a chuva chata despencar sem pressa de cessar como uma canção monótona, afogando lentamente a nascente madrugada, sob um céu gordo, cinzento e eu tão vazio. Subitamente menino, tenho uma vontade moleque de sair tomando banho pela rua, lavando a sambada moleira nas cascatinhas que jorram das biqueiras. Infelizmente vejo-me tolhido em meu desejo de ousar tal extravagância pelo fato de ainda me encontrar depauperado pela recente visitinha da velha chiadeira. Preso dentro de casa feito peixe no aquário, mais chateado do que bode amarrado embaixo de goteira, só me resta o fugaz consolo de escrever estas mal traçadas pra matar o tempo antes que ele me mate: inglória e vã batalha. Pra piorar a já periclitante situação, me aflige uma feroz falta de assunto. Nada de interessante no rádio, na tevê, na internet. Vou escrevendo palavras que me surgem na cabeça feito um pescador inexperiente ansiando que um peixe suicida fisgue a isca. O maior inimigo do cronista é o tempo. Há prazo pra enviar o pão ao forno voraz da redação. Eis-me num senta-levanta agoniado diante das teclas do computador escrevendo palavras ao correr da pena. Ao que parece, a única novidade acontecendo na cidade é a chuva propriamente dita. Pois é, vida de cronista é mesmo assim. O cotidiano ou vai ou racha com a ilusória inspiração. E as musas de plantão não passam em verdade de garotas de programa das mais volúveis. Ponho um disco na vitrola, ligo a tevê, leio os jornais do dia. Metido em tamanho aperreio, bem que podia apelar para o assunto da falta de assunto se tal desculpa não fosse tão manjada. Vinícus de Moraes dizia que a boa crônica se assemelha ao delicioso cafezinho que se bebe com incontido prazer após um lauto almoço. Por falar nisso, apesar de haver dobrado o Cabo da Boa Esperança, estar meio roído pela lagarta e totalmente fora da garantia, considero-me um quase sexagenário que viveu algumas experiências aterrorizantes: a primeira calça comprida, mostrar o primeiro poema, cantar a primeira namorada, escapar do serviço militar, o primeiro corpo de mulher, a primeira farra quando voltei pra casa ao amanhecer com os olhos de quem volta da Terra do Nunca. aiRton monte escreve neste espaço de segunda a sexta-feira ...da candidatura de Ciro Gomes à PR, em 2010, fazem coro ao NÃO do manito de Cid quanto à ocupação de ministério no poder Lula-2. n Primeiro, porque o PT não endossará tal objeto do desejo cirista-suceder Lula; segundo, porque Ciro terá que se esquecer que já integrou o staff lulista um dia; terceiro, porque um ministério para um presidenciável é chamariz inesgotável de pedidos por parte de políticos, e, finalmente, porque é no papel de parlamentar que CG formará suas alianças com os colegas sem gastar money(em tal capítulo) e ganhando nestes apoios legiões de deputados estaduais, alcaides e edis vinculados aos deputados aliados e, via acordão com siglas , endossos de senadores e governadores. n E mais: tendo, a cada momento, a tribuna como vitrine para exposição do que faz e do que projeta-é ali que se aprende, ainda, o chamado pulo do gato. A FAMOSA promoter Lícia Fábio com Eliana e Astrid Fontenele (Débora Paes clicou) EM GUARAMIRANGA E SOFT MESMO... ...anda a ex-vereadora e, ao que parece, ex-guerrilheira Rosa da Fonseca. n Exemplinho: outro dia, ao vêla cruzando a Praça do Ferreira, um pop assim se dirigiu à eterna musa de Júlio Rego: - Eu não quero mais saber de política. Só penso, agora, em salvar a minha alma. Acabo de perceber que para este mundo não existe escapatória. E Rosa, toda meiguinha: n Você está sendo radical. Não é por aí. Há solução, sim! E como se fosse uma analista: - Vamos conversar. n Acontece que o tal pop, que imaginava uma resposta naquele figurino: Você tá certo, vamos tocar fogo em Roma, digo em Fortaleza...tratou, vapt-vupt, de dar no pé. E segurando o queixinho caído. O MAESTRO Poty Fontenele e sua New Orleans Jazz Band brilharam a mil durante o carnaval. A partir da meia-noite, o restô Confraria de Guaramiranga, na praça principal, virava uma festa só! Ao som de jazz e blues tradicionais até às 3 da manhã, como no último dia de folia. FESTA RELIGIOSA Muitos nomes conhecidos circularam, domingo, no bosque do Marina Park Hotel, onde o querido padre Airton Freire (de Arco Verde-PE)celebrava Missa gratulatória marcando seu jubileu de prata de sacerdócio. n Ao som de linda trilha sonora executada por Paulo José Benevides e Kelly Cristina. Ainda no script: bolo e refrigerantes no Salão Iracema. No capítulo: à frente da Fundação Terra, que já n tem ramificação no CE, Freire vai inaugurar, dia 3, a reforma da Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Maracanaú, que teve sua absoluta dedicação na restauração. n Compuseram, entre muitos outros nomes, a lista de presenças: os Assis Machado, os Lauro Fiuza, os Deda Studart, os Marcos Silveira, os Samuel Oliveira, os Carlos Augusto Morais, os Jaime Vieira Câmara, e os Pedro Fiuza. E também: os Luiz Wagner Gonzaga, os Eliseu Batista, Adauto Lúcio Couto e Daniela Quinderé, Maria Fiuza, Mara Ximenes, Ana Vale, Nelba Fortaleza e Erivan Carlos. Há 75 anos Fortaleza-ce, 17 de FEVEReiRO de 1932 Diretoria do Club 3 de Outubro toma posse Aconteceu no Teatro José de Alencar, a posse da primeira diretoria do Club 3 de Outubro do Ceará. Com a presença do srs. Major Juarez Távora e do capitão Carneiro de Mendonça, que foram recebidos com prolongadas salva de palmas. Imediatamente, tiveram começo os trabalhos, ocupando a presidência o Major Juarez Távora. HÁ 65 ANOS Fortaleza-ce, 17 de FEVEReiROO de 1942 Faltam padres no Brasil “Faltam padres no Brasil”, declarou o padre Newton de Almeida Batista. Esse sacerdote que é diretor das Obras de Vocações Sacerdotais acrescentou que há necessidade de mil padres, só no Rio de Janeiro, onde existem apenas 180. HÁ 50 ANOS Fortaleza-ce, 17 de FEVEReiRO de 1957 Novo presidente do Rotary Oeste Realizou-se a eleição para renovação dos órgãos dirigentes do Rotary Clube Oeste de Fortaleza, instituição que congrega as mais expressivas figuras das diversas camadas sociais de nossa terra. Foi eleito presidente do Rotary Oeste, numa congregadora unanimidade de votos, o nosso estimável conterrâneo, Dr. José Borges de Sales, médico dos mais conceituados de Fortaleza, professor da Faculdade de Farmácia e Odontologia e secretario-geral do Clube dos Diários. HÁ 30 ANOS Fortaleza-ce, 17 de FEVEReiRO de 1977 Pelé deixa o futebol mais uma vez O Rei Pelé jogará finalmente a última partida de sua carreira no dia primeiro de outubro de 77, justamente contra seu antigo clube, o Santos, segundo anunciou o presidente do Cosmos, Clive Toye. O astro máximo do futebol mundial, de 36 anos, prefere atuar durante a primeira etapa da partida com a camisa do Cosmos e na etapa complementar passará para o outro lado, com a camisa do Santos, o clube que o projetou. Toye adiantou que a pedido de Pelé foi cancelado um giro mundial do Cosmos. O jogador faria uma despedida particular em cada país. Pelé, autor de mais de 1.200 gols em seus 21 anos de futebol, prometeu dedicar todos os seus esforços para a conquista do campeonato norte-americano. M AT É RIA DE CA P A Falta oportunidade ao poetas do NE O POVO - Com mais de cinqüenta anos dedicados ao fazer poético e 30 livros publicados, sua obra é pouco conhecida tanto aqui como fora do Ceará, embora o senhor já tenha conquistado o Prêmio Nestlé de Literatura e o prêmio da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A que o senhor atribui o fato de não ter conquistado ainda o devido reconhecimento? Carvalho - Penso que essa falta de reconhecimento, antes de ser um fato de ordem geográfica, é um fenômeno que atinge a maioria dos poetas alojados nas cavernas (também chamadas de apartamentos) da periferia nacional. Todo mundo sabe os nomes da reduzida elite de poetas cortejados pelos grandes jornais do Rio, São Paulo e adjacências. Jamais deram oportunidade a poetas e escritores nordestinos. Preferem abrir as portas aos escritores estrangeiros, numa demonstração explícita de rebeldia à identidade nacional, segundo avaliação de Fábio Lucas, para quem testemunhamos “alguns exemplos de colonialismo na área das Letras, nesta era de degeneração da cul- tura e de anarquia de valores” (Expressões da Identidade Brasileira. São Paulo, 2002). Para não me alongar, diria que a falta de reconhecimento a prosadores e poetas do Nordeste deve-se a fatores de ordem geográfica e à mentalidade subdesenvolvida dos latinos, que se deslumbram facilmente com a retórica colonizadora dos alienígenas. OP - Segundo o senhor, “o poema não deve dizer demais, é preferível que diga de menos”. Para chegar ao poema ideal, como o senhor lida com esse confronto constante com as palavras? Carvalho - Para chegar ao ponto ideal, o poeta precisa ler muitos livros, inclusive de teoria política. Mas as teorias não bastam, uma vez que mudam aos caprichos das bússolas do vento. Precisa ser fiel a si mesmo e às suas raízes, às suas convicções, ao seu destino. Conhecer razoavelmente a língua em que fala e escreve, reciclar seus projetos poéticos com a convicção de que não existe palavra insubstituível no contexto do poema. O episó- dio citado por Manuel Bandeira (Itinerário de Pasárgada) sobre Castro Alves, é emblemático. O poeta dos escravos escreveu este verso num soneto de amor: “No seio da morena há tanta amora”. Posteriormente alterou o verso para: “No seio da morena há tanta amora”. Bandeira elogiou a mudança por entender que o poeta chegara à conclusão de que só havia duas amoras no seio da morena. OP - O senhor não costuma dar entrevistas pessoalmente. É uma conseqüência de sua preocupação com as dubiedades do discurso? Carvalho - Entrevistas pessoais são desaconselháveis para tímidos ou ansiosos. A preocupação pela busca da palavra exata e com a coordenação das idéias me deixa estressado. Quando isso acontece, acabo por dizer o que não devia. É uma situação vexatória, pois o entrevistador fica responsável pelo sentido e a lógica do texto. OP - Hoje, o dramaturgo Ricardo Guilherme fará leituras dramáticas de seus poemas publicados em Memórias do Espantalho, no auditório do Centro Cultural Banco do Nordeste. É possível que boa parte do público tenha o primeiro contato com sua obra a partir dessa iniciativa. Como o senhor se sente ao saber disso? Carvalho - Essa dramatização de poemas meus pelo grande ator Ricardo Guilherme é a realização de um sonho por mim acalentado há muito tempo. Acredito que esse espetáculo despertará a atenção do público para o meu trabalho e, obviamente, para o desempenho do Ricardo Guilherme, possuidor de inegáveis recursos cênicos. Com tantos livros publicados, me considero um autor praticamente inédito. A grande maioria dos livros que ofereço a intelectuais do Ceará e de outros Estados, fica sem resposta. Alguns o fazem em bilhetes absolutamente ilegíveis, até mesmo aos olhos das lupas. É nesse planeta em que vivem os poetas do Nordeste sem esgotos e água potável, no qual ainda se morre de fome, apesar da metafórica cesta básica.