A remuneração dos executivos da indústria financeira
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A remuneração dos executivos da indústria financeira
A remuneração dos executivos da indústria financeira Em regulação, a Teoria do Agente é uma das mais importantes contribuições para entender a crítica - verdadeira - da remuneração dos executivos dos bancos como uma das causas da crise de 2007-2009. Em síntese, o problema da agência se resume à existência de um principal (um acionista) e de um agente (os executivos do banco) que, como entidades (pessoas físicas ou jurídicas) distintas, não partilham dos mesmos objetivos. O principal (o acionista) deseja induzir o agente (o executivo) a agir com base no seu interesse particular (maximizar o lucro), mas não possui informações completas nem sobre as diversas variáveis que afetam o negócio, nem sobre a possibilidade real de dirigir o comportamento do agente, que está disposto a incorrer em grandes riscos - já que o seu incentivo (o bônus) depende de resultado, mas o prejuízo é só do principal (ou do acionista). Se pensarmos que ele, agente, sempre agirá no seu próprio interesse, o incentivo se constituirá na mais importante prioridade, tornando-se, assim, suficientemente atrativo para induzir o agente a se relacionar com o principal. Daí a dúvida: qual deve ser o grau de atratividade ideal para incentivar o agente, sem aumentar os riscos ou os custos de transação na economia, nem impor um padrão rígido de sancionamento? O assunto é tão importante que, recentemente, o Federal Reserve Board (Fed, banco central americano) emanou uma Proposta de Parecer de Orientação ("Proposed Guidance") com o objetivo de oferecer princípios a serem seguidos por todas as instituições financeiras reguladas, inclusive aquelas que receberam auxílio do TARP ou mesmo as subsidiárias de bancos americanos. Aberta a audiência pública, a proposta avança no sentido de propor o estabelecimento de um contrato entre o principal e o agente, ou entre o regulador e o regulado. Diferente do que a opinião pública poderia imaginar, não há uma limitação máxima de valores ou forma mais arbitrária de estabelecer a remuneração dos executivos financeiros. No parecer, são estabelecidos princípios gerais para se implementar e monitorar os esquemas de compensação, fixo e variável, dos executivos - e não apenas da administração superior (ou estatutária) e também dá ideias de como limitar a remuneração por bônus como uma porcentagem do total das receitas líquidas. Com o alívio da indústria, que esperava uma abordagem mais formularesca e limitadora, o Fed promete uma revisão horizontal de todas as instituições, incluindo os 28 maiores bancos (ou na expressão legal, o Large Complex Banking Organizations, LCBO), com o objetivo de desenhar as melhores práticas a partir de um exame detalhado de toda a remuneração compensatória dos executivos envolvidos, como parte da administração mais ampla do risco bancário. A proposta se baseia na noção de risco ponderado aos incentivos e resultados. Ou seja, enquanto é louvável se esperar por maior resultado e receita, não se está desenhando um sistema no qual quanto maior o risco, maiores os bônus; ao contrário, a instituição deve considerar o risco envolvido para a obtenção daquela meta e a remuneração do executivo (ou do trader) e adequar sua base de capital para tal meta. Além disso, está se vislumbrando uma maior participação fixa na remuneração do executivo - afinal, o agente está lá em nome do principal para prestar um serviço e vender sua força de trabalho - não para especular com os recursos de tesouraria da instituição. Similarmente, a proposta considera aqueles que não estão diretamente envolvidos com risco e receita, tais como áreas de apoio e serviços compartilhados, que devem participar, mas compreendendo que sua remuneração varia com o grau de risco envolvido. Finalmente, após avaliação do funcionário designado pelo Fed, o TARP Special Master, Kenneth Feinberg (que alegou que não conhecia os meandros da indústria para determinar o que seria uma remuneração "justa", no final estabelecida no máximo em US$ 500 mil anuais), e que foi designado para avaliar os cinco principais executivos de cada banco que recebeu ajuda estatal (AIG, Citigroup, Bank of America, Chrysler, GM, GMAC e Chrysler Financial), chegou-se à conclusão de que o processo de criar esquemas de governança corporativa mais sólidos e resistentes deveria passar pelo crivo de maiores e melhores controles. Por exemplo, de nada adianta não ter um bônus elevado, se há uma remuneração de "luvas" no início da relação, quando é firmado o contrato de trabalho, ou uma multa rescisória elevada quando é demitido. Ou ainda, permitir que um trader júnior estabeleça ele mesmo suas posições em operações alavancadas apenas considerando sua remuneração. Em síntese, são seis as recomendações que passam a valer a todos os agentes segundo a proposta em comento: 1) identificar os executivos e empregados que possam expor a instituição a risco material; 2) identificar o horizonte de tempo de tais riscos; 3) avaliar o impacto das medidas de desempenho nos arranjos de remuneração dos colaboradores; 4) incluir medidas para balancear a remuneração com os incentivos e o perfil desejado de riscos de uma instituição financeira; 5) comunicar aos colaboradores as formas em que os pagamentos ou prêmios devem ser ajustados, para refletir riscos dentro da organização; 6) monitorar os prêmios e pagamentos e modificá-los, caso a estrutura implementada não reflita adequadamente o perfil de risco e retorno apresentado. O Brasil deve acompanhar o debate e tentar aprender lições importantes dos erros alheios. Jairo Saddi - Pós-doutor pela Universidade de Oxford; doutor em Direito Econômico (USP); professor e coordenador geral do curso de Direito do Insper Ibmec São Paulo; árbitro da Câmara de Arbitragem da Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima) e redator-chefe da Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais (Ed. RT). Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 12/11/09.