AS RELAÇÕES HUMANAS: O PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO

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AS RELAÇÕES HUMANAS: O PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO
Centro de Formação de Professores Waldorf AS RELAÇÕES HUMANAS: O PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO Autora: Glauce Kalisch Orientadora: Melanie Guerra Trabalho de Conclusão de Curso São Paulo -­‐ Julho/2013 Dedicatória: Dedico este trabalho àqueles que me mostram, dia após dia, que é a partir das relações que a Vida acontece: minha família, meu marido Alexandre, minha mãe Luzia, meu pai Nelson e meus amigos queridos, que me proporcionam inúmeros momentos de “EU e TU” e dão sentido ao meu “mundo do ISSO”. 2 Agradecimentos: Agradeço primeiramente a Deus e a cada anjinho que ele manda lá do céu, que chamamos aqui na Terra de “crianças”, pois são elas a motivação de todo este trabalho. E Deus, na sua generosidade, colocou em meu caminho pessoas incríveis que foram fundamentais para este trabalho acontecer: Melanie Guerra pelo apoio atencioso de EU para TU, Paula Levy pelo carinho e por ter me proporcionado vivências práticas de “EU e TU” inesquecíveis, a Dona Luiza Lameirão e ao Sr. Antonio Ponce, por me inspirarem e terem me extendido a mão a cada passo que precisei de ajuda em toda trajetória dessa formação e todos que estão comprometidos com a Pedagogia Waldorf, que traduzem em si a esperança de a cada dia sermos melhores seres humanos. Sumário 3  Resumo........................................................................................................ 5  Introdução................................................................................................... 6  Capitulo 1: A Flor da Vida............................................................................ 7  Capitulo 2: “Deus, o Geômetro”................................................................ 11  Capitulo 3: “No princípio é a relação”...................................................... 16  Capitulo 4: “Eu estou no outro e o outro está em mim”........................... 27  Capitulo 5: A educação à partir das relações humanas ............................ 35  Capitulo 6: O cultivo da “vida rítmica” no educar..................................... 39  Capitulo 7: “Se não tiver amor, nada adiantará”...................................... 45  Conclusão ................................................................................................. 49  Bibliografia ............................................................................................... 51  Resumo 4 Quando o assunto é educação, uma das primeiras imagens que vem à mente das pessoas é do professor com seus alunos. Mas esse professor dificilmente está sozinho nessa imagem, vizualiza-­‐se também uma escola, com outros professores, outros alunos, uma diretoria; alguns já incluem também os pais e logo percebemos que, ao se falar em educação, facilmente chegamos a uma imagem de um pequeno sistema, uma pequena comunidade onde encontramos pessoas com um objetivo comum: educação. Os professores anseiam em compartilhar vivências, conhecimento; a administração organiza o funcionamento da escola, os pais confiam seus filhos, e as crianças, se tudo ocorrer bem, são educadas! Podemos dizer que é da boa vontade, interesse e dedicação dessas pessoas que a educação acontece, mas como ela acontece? Poderíamos pensar que basta o professor saber o conteúdo, a escola estar em funcionamento, os pais deixarem seus filhos e as crianças estarem na sala de aula para a educação se dar, mas se olharmos atentamente, tais eventos podem ser meras ações isoladas, que só fazem sentido e cumprem seu objetivo, a educação, se há algo que as une, que podemos chamar de relação. A presente tese tem por objetivo mostrar como a educação acontece por meio das relações humanas, e o quanto é necessário, do ponto de vista do educador, cultivar todas as relações que o cercam (crianças, familias, colegas), uma vez que a qualidade das relações é determinante para a educação acontecer de forma consolidada. Para abordarmos a relação da individualidade com seu meio, ou seja, com o mundo, faremos uma relação do indivíduo com a “Meditação do ponto e do círculo”, proposta por Rudolf Steiner, consequentemente com todo o simbolismo de tal figura geométrica. A sequência se dará com o aprofundamento na obra “Eu e Tu” do filósofo austríaco Martim Buber, onde o autor afirma que “No principio é a relação. A 5 relação, o diálogo, será o testemunho originário e o testemunho final da existência humana.” (pg XXXI) Então trançaremos harmoniosamente os conceitos de relação propostos por Martim Buber com um caminho profundo de autoeducação, autodesenvolvimento e autoconhecimento visando proporcionar reflexões e a possibilidade de construção de um caminho pessoal que facilite a cada um estar à altura das relações que podem ser concebidas para que a educação e algo muito maior aconteça entre os seres humanos. Mais importante do que existir um “eu” e existir um “outro” é que exista o “entre” esses dois seres.  Introdução O ambiente escolar é um ambiente muito rico, permeado por um ideal comum, muitas vezes altruísta, de se doar para os alunos em prol da construção de um futuro melhor! Lindo, não? Leiamos a narrativa: “Mais um dia é o despertador que tira o professor cedo da cama para que possa estar no seu posto de trabalho no horário devido, se possível adiantado, para preparar detalhes finais da aula, a sala, se preparar para mais um dia começar! Porém chega aquele aluno que é um amor, mas que a mãe fala demais e logo a mãe entra na sala para contar o problema que ela teve hoje pela manhã! (como ela faz todos os dias!) Pode acontecer do professor pensar: mas como este aluno tão incrível pode ter uma mãe assim, que família chata! Como se não bastasse chega aquele colega que faz um desenho de lousa incrível mas tem uma voz insuportável, nossa como ele é irritante! E é lógico que tem sempre aquele aluno desastrado, que ao invés de apresentar suas vênias ao professor, abre a porta de forma deselegante bem na hora da sua meditação matinal! Será que vou aguentar olhar para esse aluno de novo? Claro que hoje já está sendo melhor do que ontem, que o despertador não tocou, o professor chegou atrasado e a mãe que sempre conta seus problemas pessoais o segurou no portão, que foi o tempo de chegar o professor da voz irritante e falar um bom dia bem forte ao pé do ouvido, e 6 ainda no pátio, o aluno desastrado tromba com você, fazendo com que derrube todo o chá quente que pegou na sala dos professores para ser seu café da manhã! O Professor nem chegou em sua sala mas já pensa “Que dia difícil que acabou de começar”! ” A pequena narrativa nos mostra que por mais que o professor estude, se prepare, existe essa questão fundamental que permeia todo o seu trabalho que são as relações humanas. Estas são o verdadeiro pano de fundo da vida do professor e se este “pano” estiver amassado, amarrotado, será muito difícil colorí-­‐lo ou esticar qualquer outro pano por cima. Precisamos nos questionar: é possível amar um aluno e não gostar dos pais? Principalmente a criança de primeiro setênio, que ainda não remodelou seu corpo herdado, está totalmente ligada a hereditariedade, como fica a minha relação com essa criança se não consigo estabelecer uma relação saudável com os responsáveis por ela no mundo? Quando adentramos ao âmbito do ideal, como posso desenvolver um trabalho integrado e coerente se não consigo olhar no rosto do meu colega que me incomoda? Como podemos criar uma escola que tem como premissa um trabalho à partir do bom, do belo e do verdadeiro se não consigo encontrar isso nos meus colegas? Se existe um medo de ser criticado ou questionado por colegas em relação ao trabalho, não caberia uma autoreflexão, de por que preciso “fechar as cortinas” em relação a mostrar meu trabalho para meus colegas? E ainda é possível educar uma criança ou um jovem sem nutrir amor e veneração por este ser que veio à mim pelas tramas do destino?  Capitulo 1: A Flor da Vida Podemos ver que cada ser humano é um Eu, um ser autoconsciente que de acordo com suas particularidades habita no mundo. Uma representação possível para essa imagem é pensarmos o Eu enquanto um ponto, cada indivíduo sendo um centro, 7 e que o mundo é tudo que está ao seu redor. Porém cada ser humano vive dentro de uma expansão de si mesmo cercada de limites impostos por ele de um lado e de limites colocados pelo mundo do outro lado, como uma pele, sensível de ambos os lados, é como se existisse uma linha que se expande do seu Eu central e que moldará o caminho encarnatório que será percorrido. Temos então uma linha que forma uma circunferência ao redor desse ponto. Chamemos essa linha de destino. Entre este Eu central e este destino abre-­‐se um espaço onde a vida acontece, onde minha personalidade atua. Mas é possível que cada ser humano seja um ponto e uma circunferência isolada? Pode a Vida se dar dessa forma? Se olharmos ao nosso redor, observarmos a natureza, talvez tenhamos dificuldade em encontrar uma esfera, uma circunferência perfeita, porém a esfera é a forma fundamental, dos planetas até as células que compõem os seres vivos, como afirma Alexander Strakosch na obra “Introdução à geometria por meio da contemplação e da atividade prática”, onde ele cita: “A forma básica da geometria era o círculo, aquela linha curva volta sobre si mesma e cujos pontos tem todos a mesma distância do centro.” (pág. 21) Alexander Strakosch nos indica que ao traçarmos algumas circunferências sobrepostas, respeitando o princípio de traçar uma circunferência central e então, mantendo a mesma abertura do compasso, colocar a ponta seca do compasso em qualquer ponto da circunferência e traçar outra circunferência assumindo então o novo ponto de intersecção que surge como centro de uma nova circunferência, ao fazermos 6 dessas circunferências chegamos na forma abaixo, a “flor de 6 pétalas”, de onde, unindo os pontos de intersecção chegamos a triângulos equiláteros e 8 formas que podem ser compostas de triângulos equiláteros, conforme nos mostram as figuras abaixo: A partir da “flor de 12 pétalas” (que, segundo Alexander Strakosch, obtemos à partir da “flor de 6 pétalas”, porém usando o espaço entre as “pétalas” para centro de mais 6 circunferências, conforme nos mostra a figura abaixo), podemos descobrir quadrados, bem como losangos, hexágonos, etc, porém sempre a partir de retas que partem de algum ponto de intersecção entre circunferências. Percebemos então que de cada intersecção de duas ou mais circunferências temos um ponto, que representa um ponto de partida para uma possibilidade de algo novo; com a ajuda de retas devidamente traçadas temos a possibilidade de surgirem formas. Pensemos então analogamente na relação de duas ou mais pessoas, onde cada encontro é como um ponto e os frutos desse encontro são como retas, que são a base para a criação de novas formas, de novas possibilidades. Exploremos ainda mais o círculo que é a forma primordial, percorrendo um caminho para chegar a reta à partir dele. Alexander Strakosch nos lembra que um arco é uma secção de circunferência, e que quanto maior a circunferência, maior o 9 raio (a distância de um ponto da circunferência até seu centro) e que neste processo de expansão da circunferência o arco vai se aplainando e aproxima-­‐se cada vez mais de uma reta. Porém enquanto o raio for mensurável, por mais aplainado que seja o arco, será ainda arco. Mas se projetamos o centro para o infinito, o raio passa a ser imensurável, e do arco temos então uma reta. Alexander Strakosch ainda diz que uma reta pode surgir simplesmente da ligação de dois pontos de intersecção entre 2 circunferências, conforme figura abaixo: Temos então o conceito de reta que surge da intersecção entre dois pontos e o conceito de reta que pode ser considerada uma porção de arco de uma circunferência cujo centro está no infinito. Podemos nos perguntar, o que é esse centro que está no infinito? Analogamente a reta pode ser o fruto da ligação entre dois encontros. Esta mesma reta, que de outro ponto de vista, tem sua origem de um arco cujo centro está no infinito. Podemos dizer então, ainda por analogia, que esse centro no infinito é o próprio Cristo. O Cristo então que atua à partir do infinito, à partir do Alto, do Cosmos, naquilo que frutifica onde dois ou mais seres humanos estiverem reunidos, estiverem em encontro, em relação. É curioso refletirmos sobre o que Alexander Strakosch nos traz, que entre dois pontos só pode ser traçada uma única reta, que é um princípio básico da geometria, um axioma que dispensa comprovação, ou seja, cada reta, cada ligação entre dois pontos é unica, logo, cada relação que acontece conosco ou ao nosso redor é uma 10 possibilidade única que acontece. Diz Martim Buber que “Toda relação atual com um ser presente no mundo é exclusiva” (BUBER, Martim -­‐ “EU e TU”, pág. 91) Observemos também que cada vez que uma reta corta esses pontos de intersecção entre duas circunferências temos um eixo de simetria, a partir do qual podemos pensar analogamente que cada relação em algum nível nos propõem um espelhamento, nos propõem uma situação que tem dois lados, dois pontos de vista pelo menos e que de alguma forma reverberará para os pontos que estão ao redor. Lembremos que em uma sala de aula, por exemplo, temos muitas vezes 30 “circunferências” interagindo, se sobrepondo umas as outras e muitos pontos de intersecção surgem, ou seja, temos a base para que infinitas formas, infinitas possibilidades possam acontecer.  Capitulo 2: “Deus, o Geômetro” “...Outra era a maneira de pensar dos velhos egípcios. Para eles, as órbitas celestes das estrelas eram a expressão da mais elevada sabedoria e harmonia divinas; quando tinham que traçar um círculo na terra, não podiam imaginar essa atividade senão como fruto da ajuda benigna da Deusa da direção. “ -­‐ “...quando marcavam o eixo e a planta do templo, a deusa era representada por seu sacerdote, que era justamente aquele esticador da corda. Para se traçar o círculo uma das varas era plantada no chão e mantida em posição vertical, enquanto o portador da outra vara, mantendo-­‐a fixa, conservando a corda bem esticada, e desenhando com a extremidade livre de sua vara uma circunferência... “Quando traçamos um círculo, em nossos dias, não cogitamos de pedir auxílio 11 de uma deusa ou um representante seu.” (STRAKOSCH, Alexander -­‐ “Introdução à geometria por meio da contemplação e da atividade prática”, pág. 21) Não seriam mesmo os deuses que esticam essa corda e traçam o nosso destino ao nosso redor? Mas parece que cada vez mais o ser humano, que busca a individualização, almeja traçar essa linha com seu “compasso humano”. Pensemos na influência que a sociedade, a mídia tem sobre nós, precisamos nos esforçar muito para seguir os traços que os deuses traçaram ao nosso redor, ou seja, o traço que nós mesmos traçamos para nossa vida no período entre morte e novo nascimento, mas que quando chegamos aqui “esquecemos” e dada a tantas interferências fica difícil encontrarmos vestígios desses traços. Porém, cada ser humano é um centro desse compasso que Deus coloca no mundo, como vemos nessa obra do século XIII conhecida como “Deus, o geômetro”. Interessante que temos uma linha tênue que forma a circunferência, porém há inúmeras variações na forma circular que estão no interior da circunferência, com diversas figuras, seriam elas representações do nosso “self (si mesmo)” e do ambiente em que vivemos? 12 Façamos previamente uma distinção de conceitos. William James, um dos pais da psicologia, distinguiu o "eu", como a instância interna conhecedora (I as knower), e o "si mesmo", como o conhecimento que o indivíduo tem sobre si próprio (self as known). Segundo Carl Gustav Jung, o si mesmo é o centro de toda a personalidade. Segundo Carver e Scheier, personalidade é uma organização interna e dinâmica que cria os padrões de comportar-­‐se, de pensar e de sentir característicos de uma pessoa. Logo, vemos que a personalidade é uma força ativa que ajuda a determinar o relacionamento da pessoa com o mundo que a cerca. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_personalidade ) Temos então a personalidade como o elemento que permeia a região entre o Eu e o destino que acontece ao redor desse Eu, ou seja, o que emana do Eu acaba invariavelmente sendo filtrado pela personalidade até chegar na circunferência, no destino, no outro. Aprofundemos então a questão perguntando-­‐nos quanto da nossa personalidade molda o Eu, molda o outro e a sua personalidade e até mesmo o destino do outro. Com as nossas intenções não é diferente, pois a intencionalidade é algo que está entre o Eu e o mundo. Pensemos então que, por exemplo, a minha intenção de sair de casa e chegar no trabalho está entre eu e o trabalho, bem como a minha intenção de sair da cadeira e ir cumprimentar alguém está entre eu e esse alguém. Logo estou envolvido em minhas intenções que partem do centro, mas que atravessam a personalidade para chegar na periferia. Pensando no ponto e na circunferência, o espaço entre o ponto e a circunferência, o espaço da personalidade, é o espaço que a intenção atravessa. Poderíamos pensar que as intenções moldam a personalidade e vice-­‐versa, a personalidade molda as intenções? Considerando então a influência da nossa personalidade, que funciona como um filtro para o que emana do nosso centro, logo precisamos refletir se a personalidade tende a enobrecer ou distorcer o que vem do nosso Eu, pois é a personalidade que tem grande influência em moldar, em dar o tom do ambiente, e 13 tudo o que nos rodeia até que nosso Eu chegue no âmago do outro. Rudolf Steiner é bem incisivo e deixa claro que: “o ser humano, em sua primeira infância, é totalmente dirigido e organizado interiormente, até sua circulação sanguínea, conforme o que ocorre em seu ambiente, e a partir daí flui o que ele assimilou como diretrizes de pensamentos.” (STEINER, Rudolf -­‐ “A prática pedagógica”, pág. 41) Quando falamos em educação de crianças é imprescindível que o educador tenha consciência da influência de sua personalidade no ambiente, pois este reverbera na criança. Tratamos aqui do que está além de gestos, atitudes e de tudo que é visível e perceptível, mas também do sutil, do que pensamos e sentimos. Sabemos que o que atua na criança é aquilo que está por dentro das ações que a rodeiam, mas cabe a nós cuidarmos do que permeia nossas ações. Segundo Steiner, antes de começarmos a educar, o educador e a criança estão presentes (face a face) e aí já existe uma atuação entre ambos e logo, a primeira questão importante é como o professor se coloca diante da criança. (STEINER, Rudolf -­‐ “A Metodologia do ensino e as condições da vida do educar”, pág. 14). Mais importante do que o educador faz é quem o educador é; ou nas palavras do próprio Rudolf Steiner: “O que é de máxima importância é que tipo de pessoa eu sou, quais as impressões que a criança recebe por meu intermédio, se ela pode me imitar.” (pág. 21) Ao enfocarmos a relação do ser humano em crescimento e o ambiente que o cerca, teremos normas éticas e sociais da educação. Rudolf Steiner fala da atuação terrivel que tem sobre as crianças as inverdades interiores do professor e educador, principalmente nas incoerências, ou seja, quando o professor estipula algo ético para a criança e ele mesmo não está de acordo, não cumpre com o que prega. (STEINER, Rudolf -­‐ “A Prática pedagogica”, pág 144). Ele ressalta que essa desonestidade atua indiretamente, via sistema neuro-­‐sensorial, sobre a organização do aparelho digestivo e sobre a vesícula biliar. Portanto, Rudolf Steiner destaca três virtudes que precisam ser consideradas e devem permear o ambiente, que é a gratidão, o amor e o dever ligados a vontade. 14 A gratidão deve surgir a partir do desenvolvimento corpóreo da criança, quando ela está envolvida nesse aspecto religioso natural que a cerca. Não cabe à criança ser grata pelo que lhe é dado por seu ambiente, uma criança de primeiro setênio não precisa verbalizar as palavras politicamente corretas que mostram sinais de gratidão como por exemplo “obrigado”, mas cabe aos educadores expressarem a partir de si mesmo, na sua vida social, entre adultos, a gratidão, que pode aparecer muito mais na postura e no gesto em uma situação do que na fala; sendo assim a criança terá o sentimento de gratidão que reina em seu ambiente para poder imitar. Rudolf Steiner diz: “Se aquilo que aflui pela imitação refluir do interior da criança como veneração correta, como amor correto por quem está em volta dela, ou seja, os pais ou outros educadores, tudo o que emanar da alma da criança será perpassado por gratidão.” e continua: “é muito importante que o ser humano adquira um sentimento de gratidão com o mundo todo” (STEINER, Rudolf -­‐ “A prática pedagógica”, pág 110) pois então ele esclarece que do sentimento de gratidão, mesmo que inconsciente, por exemplo, frente ao sol que reaparece todas as manhãs, ou em relação a outros fenômenos da natureza, este sentimento de gratidão universal que é a base da verdadeira religiosidade do ser humano e a raiz do amor a Deus. A gratidão tem de crescer com a pessoa, por isso a importância dela ser implantada no período que as forças de crescimento estão no auge. O amor porém, tem de despertar. “Assim como o amor a Deus tem sua raízes na gratidão, a correta impulsividade moral tem por sua vez, sua origem no amor. A verdadeira virtude ética só é fundamentada pelo amor humano. Esse amor humano que faz com que não passemos um pelo outro sem nos conhecermos – o que muitas vezes não acontece hoje em dia, porque já não temos mais olhos para as características individuais do próximo.” (STEINER, Rudolf -­‐ “A prática pedagógica”, pág. 118) 15 Rudolf Steiner nos esclarece aqui a importância do amor nas relações humanas e já nos alerta para nosso estreitamento de percepção do próximo, do outro. Se não percebo o outro não tenho possibilidade de amá-­‐lo e sem amor o que vai fundamentar a relação? Muitas vezes passamos uns pelos outros sem nos conhecermos, sem nos percebermos, sem amor, ou seja, sem relação. Passamos então a ter “contatos”, que se demonstram “impessoais”, e não mais “relações”. Porém, é possível que a educação aconteça sem as relações, ou seja, sem perceber o outro, sem amor? E se o amor é o fundamento da verdadeira virtude ética, que deveria permear a vida em sociedade para que esta aconteça da maneira mais harmônica possível, como fica a consolidação de uma sociedade? Sem ética, sem amor, sem percepção do outro, sem relação, logo, de seres que, apesar da proximidade física vivem isolados. Se seguirmos esta linha de pensamento de forma radical, a idéia de sociedade entraria em colapso. Rudolf Steiner diz na mesma obra: “Para a pessoa que atua socialmente, há dois aspectos a considerar: entrega amorosa às próprias ações e aceitação compreensiva das atitudes dos outros.” (pág. 124) Se buscamos a construção de uma sociedade saudável optemos primeiramente pela aceitação do outro e então de suas atitudes, o que exigirá percebê-­‐lo, amá-­‐lo e entrar em relação com ele.  Capitulo 3: “No princípio é a relação” Este capítulo é destinado a uma dissertação livre sobre a obra “Eu e tu” do filósofo austríaco Martim Buber, que via sua missão como uma resposta à vocação que havia recebido: a de levar os homens a descobrirem a realidade vital de suas existências. Ele ajudava, com sua presença, o “parto do espírito” nos homens. Como nosso ponto central são as relações humanas, o ponto central da reflexão de Buber foi a filosofia do diálogo, da relação, a qual ele mesmo denominava “A filosofia do encontro”, como uma síntese do evento e da eternidade, destacando como fundamental para a compreensão do sentido da existência humana. 16 Buber parte da premissa que o EU tenha 2 tipos de relação primordial, considerando a existência de 2 mundos, o mundo do TU e o mundo do ISSO, logo temos a relação EU-­‐TU e a relação EU-­‐ISSO. Ele chama relação para EU-­‐TU e relacionamento para EU-­‐ISSO. TU e ISSO são duas fontes onde a eficácia da palavra-­‐
princípio (harmônico da palavra cósmica) se desenvolve constituindo a existência humana (Para Rudolf Steiner, a palavra cósmica permeia a entidade humana e nela se torna a organização do Eu, é o que faz um ser humano ser realmente um ser humano, de acordo com a obra “A Metodologia do ensino e as condições da vida do educar; pag. 57). O TU é primordial e consequentemente o ISSO é posterior ao TU. Deste modo o EU do homem é também duplo. Pois o EU da palavra-­‐principio EU-­‐TU é diferente do EU da palavra-­‐principio EU-­‐ISSO. Logo vemos que o EU, do EU-­‐ISSO proposto por Buber está em relação com o “Eu inferior” proposto por Rudolf Steiner, o eu “encarnado” que se percebe através dos relacionamentos, enquanto que o EU da relação EU-­‐TU é quando estabelecemos relação com o TU a partir de um impulso do “Eu superior” no “Eu inferior”. Há diversos modos de existência EU-­‐ISSO. Buber os resume em dois conceitos: experiência e a utilização ou uso. A experiência estabelece um contato na estrutura do relacionamento entre um EU e um objeto manipulável. Este relacionamento se caracteriza por uma coerência no espaço e no tempo. O mundo do ISSO, ordenado e coerente, é indispensável para a existência humana, ele é um dos lugares onde nós podemos nos entender com os outros. Buber o chama de reino dos verbos transitivos. Ele é essencial na vida humana, mas não pode ser só isso. Em si o EU-­‐ISSO não é um mal, ele se torna fonte de mal, na medida em que o homem vive só nisso, absorvido em seus fins meramente pessoais, enfraquecendo seu poder de decisão, sua responsabilidade, sua disponibilidade para o encontro com o outro, com o mundo e com Deus. 17 Diz Martim Buber: “Quando a relação perde seu sentido de construtora do engajamento responsável para com a verdade do interhumano, aí então, o EU-­‐ISSO é destruição do si-­‐mesmo, e o homem se torna arbitrário e submetido à fatalidade.” (pg LIX) É fato que o homem não pode viver sem o ISSO, mas Buber destaca que o ser humano que vive só com o ISSO não é ser humano. Tratando-­‐se do mundo do TU, o critério de maior importância é a reciprocidade. É um equívoco atribuir ao TU exclusivamente a relação interhumana, pois o TU pode ser qualquer coisa que esteja presente no face-­‐a-­‐face, seja outro ser humano, Deus, uma obra de arte, uma pedra, uma flor, uma peça musical. Assim como o ISSO pode ser qualquer ser que é considerado um objeto de uso, de conhecimento, de experiência, inclusive outro ser humano! “Quando a decisão vital do homem percebe o sopro do espírito entre ele e o parceiro da relação, acontece a conversão, advém a resposta, surge o TU.” (pg LIX) Entender que o EU não é, uma realidade em si, mas relacional, é fundamental. Não se pode falar em EU sem mundo, sem ISSO ou sem TU. No TU, finitude e ilimitação se confundem, pois a presença instaura também a finitude. As relações EU-­‐
TU, embora não apresentem coerência no espaço e no tempo, não estão simplesmente soltas. Os instantes fugazes de relação entremeiam na vida do homem os inúmeros e prolongados momentos de relacionamento EU-­‐ISSO. A presença do TU, subjacente no fluxo constante da relação EU-­‐TU e no relacionamento EU-­‐ISSO, evoca-­‐
nos a ideia de “campo de presença”. Somente na medida em que o TU se torna presente a presença se instaura, o instante atual e presente dá-­‐se somente quando existe presença, encontro, relação. Muitas vezes fazemos o contrário, procuramos estar em estado de presença para buscar a relação sendo que é a partir da relação que acontece a presença. 18 As principais características do mundo do TU são imediatez, reciprocidade, presença, totalidade, incoerência no espaço e no tempo, fugacidade e inobjetivação. São indícios para percebermos de uma forma um pouco mais concreta quando alçamos pequenos vôos no mundo do TU. O fenômeno da relação foi descrito por Buber com o emprego de vários termos como encontro, relação essencial e diálogo. O encontro é algo presente, um evento que acontece atualmente. A relação engloba o encontro, abrindo porém a possibilidade da latência; ela possibilita um encontro dialógico sempre novo. O diálogo é para Buber uma forma explicativa do fenômeno interhumano. Interhumano implica presença, pois é um evento de encontro mútuo. Presença significa presentificar e ser presentificado, precisam acontecer simultaneamente, uma vez que reciprocidade é a marca definitiva da atualização do fenômeno da relação. Aqui já podemos traçar um paralelo e refletir a respeito de como lidamos com esses fenômenos da relação. Estamos sempre encontrando pessoas, mas vivemos mesmo o encontro, uma vez que é algo “presente”, que acontece no agora e que exige de nós esta ação presente? A relação essencial, porém, engloba o encontro, mas com algo a mais, com a possibilidade de conter algo guardado em potencial. O que seria essa potencialidade velada que permeia cada relação? E para falar de diálogo ele fala do fenômeno interhumano, um acontecimento observável entre pessoas. Que acontecimento é esse? Para Buber o mundo da relação se realiza em 3 esferas. A primeira é a vida com a natureza. Nesta esfera a relação realiza-­‐se em caráter primário, mais instintivo, aquém da linguagem. A segunda é a vida com os seres humanos. Nesta esfera a relação é manifesta e explícita: podemos endereçar e receber o TU. A terceira é a vida com os seres-­‐espirituais. Ai a relação, ainda que envolta em nuvens, se revela, gerando uma linguagem “além”, silenciosa. Nós proferimos, de todo nosso ser, a palavra-­‐princípio sem que nossos lábios possam pronunciá-­‐la. Em cada uma das 19 esferas de relação, graças a tudo aquilo que se torna presente, nós vislumbramos a orla do TU Eterno, nós sentimos em cada TU um sopro provindo dele, nós o invocamos à maneira própria de cada esfera. Buber cita como exemplo a observação de uma árvore, onde diz: “...pode acontecer que simultaneamente, por vontade própria e por uma graça, ao observar a árvore, eu seja levado a entrar em relação com ela; ela já não é mais um ISSO. A força de sua exclusividade apoderou-­‐se de mim.”...”tudo o que pertence à árvore, sua forma, seu mecanismo, sua cor e suas substâncias químicas, sua conversação com os elementos do mundo e com as estrelas, tudo está incluído numa totalidade”. O que é essa vontade própria e o que é a graça nesse âmbito? Podemos entender vontade como esforço que “sobe” e graça como “presente que desce”, onde de certa forma a totalidade, a relação, acontece. O EU aspira à relação com o TU, mas o que permeia a relação é a graça. “A árvore não é uma impressão, um jogo de minha representação ou um valor emotivo”, que é o que geralmente transformamos nossas relações: em impressões, representações pessoais e valores emotivos, ou seja, quando isso acontece, já perdemos a relação e estamos no mundo do ISSO. Assim como a prece não se situa no tempo, mas o tempo na prece; do mesmo modo o homem a quem digo TU não encontro em algum tempo ou lugar. Eu posso situá-­‐lo, aliás sou obrigado a fazê-­‐lo constantemente, mas então, ele não é mais um TU e sim um ISSO (ou ELE/ELA); o TU é atemporal, ao situar no tempo e espaço se torna ISSO. O EU (do EU-­‐ISSO) não está no presente, só tem passado. O experenciar e utilizar nos leva a viver no passado e privar-­‐se de presença. Presença não é algo fugaz e passageiro, mas o que aguarda e permanece diante de nós. Por mais que falemos 20 em “estado de presença” é importante vermos este “estado” como fluxo, e não como algo estagnado. A partir de todo cenário proposto por Buber do mundo dos relacionamentos e das relações chegamos num ponto de grande drama, quando nos damos conta de que cada TU em nosso mundo deve tornar-­‐se irremediavelmente um ISSO, por mais exclusiva que tenha sido a sua presença na relação imediata. Por mais intensa que tenha sido a contemplação autêntica ela é breve e efêmera. O ser natural que se revela ao EU na relação, se torna consequentemente descritível, decomponível, classificável; e o próprio amor não pode permanecer na relação imediata, ele dura, mas numa alternância de atualidade e latência. O ser humano que, agora mesmo era único e incondicionado, que não era experenciado, mas somente tocado, torna-­‐se um ISSO, um ELE ou ELA. Cada TU neste mundo é condenado, pela sua própria essência a tornar-­‐se uma coisa. Logo, percebemos que a relação EU-­‐TU deve ser construída a cada instante, não por ser efêmera, mas justamente por ser eterna, já que vivemos na relação tempo-­‐espaço e não na eternidade. O TU é único e incondicionado, só pode ser tangenciado, enquanto que o ELE(A)/ISSO é o reino das qualidades, da forma, pode ser experenciado. O ser humano se torna EU na relação com o TU. O face a face aparece e se desvanece, os eventos de relação se condensam e se dissimulam e é nesta alternância que a auto consciência do EU se esclarece e aumenta cada vez mais. Somente aquele que conhece a relação e a presença do TU, esta apto a tomar uma decisão. Aquele que toma uma decisão é livre, pois se apresenta diante da Face. Quando o espirito age livremente na vida, ele não é mais espirito “em si,” mas espírito no mundo, graças a seu poder de penetrar no mundo e transformá-­‐lo . O espirito só esta “consigo” quando está no face a face com o mundo que se lhe abre, mundo ao qual ele se doa, que ele liberta e pelo qual é libertado. E aqui precisamos falar sobre o que é livre arbítrio e o que é arbitrariedade. Livre arbítrio tem a ver com 21 liberdade, com escolha, arbitrariedade tem a ver com o aleatório. Arbitrariedade conduz a fatalidade, liberdade conduz ao destino. O homem sabe que pode ultrapassar a barreira do mundo do ISSO e chegar ao mundo do TU, sabendo, porém, que lá não pode permanecer, pois sua obrigação de deixá-­‐lo logo depois de atingí-­‐lo, incessantemente, esta intimamente ligada ao sentido e ao destino dessa vida, ele sabe que, enquanto homem, é aqui nas regiões inferiores, que a centelha divina deve se confirmar. Logo o que aqui se chama necessidade não o apavora, pois lá, no santuário, no mundo do TU, ele conheceu a verdadeira necessidade, isto é, o destino, o que faz com que, em seu coração, o mundo do ISSO seja permeado de sentido. Atentemo-­‐nos ao fato curioso das palavras destino e sentido serem anagramas. “Destino e liberdade juraram fidelidade mútua” (pág. 62) diz Buber. Poderíamos dizer que a liberdade se dá no mundo do TU e que o destino acontece no mundo do ISSO. Somente o homem que atualiza, que se reconecta com a liberdade encontra o destino. Quando eu descubro a ação que me requer, é ai, nesse movimento de minha liberdade que se me revela o mistério. Mas o mistério se revela a mim não só quando posso realizar esta ação como eu pretendia, mas também até na própria resistência. Àquele que se esquece de toda causalidade e toma uma decisão do fundo do seu ser, àquele que se despoja dos bens e da vestimenta para se apresentar despido diante da Face, a este homem livre, o destino aparece como réplica de sua liberdade. O destino não é o seu limite, mas o complemento; liberdade e destino unem-­‐se mutuamente para dar sentido; e neste sentido o destino, até há pouco olhar severo suaviza-­‐se como se fosse a própria graça. Assim como liberdade e destino estão interligados, assim também o estão o arbitrário e a fatalidade. O ser humano livre é aquele cujo querer é isento do arbitrário. É necessário sacrificar aquele pequeno querer, escravo, regido pelas coisas e pelos instintos, em favor do grande querer para ir ao encontro do destino. É 22 quando a personalidade não intervém mais, mas nem por isso permite que as coisas aconteçam pura e simplesmente. Ele espreita aquilo que por si mesmo se desenvolve, o caminho do ser no mundo; não para se deixar levar por ele, mas para atualizá-­‐lo como ele deseja ser atualizado, por meio do espírito humano e do ato humano. Ele crê, o que equivale dizer; ele se oferece ao encontro. O ser humano que vive no arbitrário não crê e não se oferece ao encontro. Ele desconhece o vínculo, ele só conhece o mundo “exterior” e serve-­‐se do que ele propõe aos sentidos. Na verdade, ele não vive seu destino, mas é somente um ser-­‐
determinado pelas coisas e pelos instintos, e isto é realizado com um sentimento de independência mas embasado no aleatório, que é justamente o arbitrário. O seu mundo é privado de oferta e graça, de encontro e presença, entravado nos fins e nos meios. Este mundo não pode ser diferente, é pura fatalidade. Quando somos deixados levar pela fatalidade no nosso dia a dia? Precisamos aprender a ser senhores do nosso destino, aprender a fazer escolhas, aprender a ser livre. As linhas de todas as relações, se prolongadas, entrecruzam-­‐se no TU eterno. O Tu eterno é aquele que tudo o mais vive da sua luz, cuja amplidão é incontestável. Entrar na relação pura com o TU eterno não significa prescindir de tudo, mas sim ver tudo no TU, não é renunciar ao mundo, mas sim proporcionar-­‐lhe fundamentação. Afastar o olhar do mundo não auxilia a ida para Deus, olhar fixamente nele também não faz aproximar de Deus, porém aquele que contempla o mundo em Deus, está na presença d’Ele. Buber afirma que sem dúvida Deus é o “totalmente outro”. Que é insensato e sem esperança aquele que se afaste de seu próprio caminho a fim de procurar Deus, mesmo que houvesse conquistado toda sabedoria da solidão e todo o poder de concentração, não o encontraria. Ao contrário, é antes como alguém que anda pelo seu caminho e deseja que este seja o caminho certo, é no poder de seu desejo que se manisfesta a sua aspiração. Cada evento de relação é uma etapa que lhe possibilita 23 um olhar sobre a relação completa. Ele vai pelo seu caminho, mesmo não estando pronto e não procurando, mas justamente por isso ele possui a serenidade para com as coisas e sabe como agir nas situações. Aqui nos questionamos, não seria essa a postura esperada de um professor? Quando aquele que vai pelo seu caminho encontra a relação completa, o seu coração se afasta das coisas, mesmo que tudo agora venha ao seu encontro de uma só vez, pois este achado não é o fim do caminho, mas o seu eterno centro. O que seria esse eterno centro? Uma possibilidade é a imagem da união do Eu superior com o Eu inferior no centro de nossa circunferência, em total harmonia. Quando um ser ama outro ser de tal modo que um se torna presente na vida do outro, o TU do olhar de um permite ao outro vislumbrar um raio do TU eterno. O homem voltado para o mundo espiritual já livrou-­‐se da tensão entre “ser e dever ser” e caminha acima da tensão entre “Deus e mundo”, seu “fardo passa a ser leve e o jugo suave”, não há mais desejo pessoal mas sim uma interação voluntariosa com o que é disposto, pois assim todo o dever fundamenta-­‐se no todo, no Tu eterno, e as coisas mundanas, se ainda subsistem, perdem o seu valor. Deve-­‐se desempenhar seu papel no mundo, mas em outro nível de compromisso, participando de suas ações sem delas se apropriar. Permuta-­‐se uma “responsabilidade finita”, que procura resultados, por uma responsabilidade infinita, a força de assumir com amor a responsabilidade por todos os acontecimentos inexploráveis do mundo. Ser moral já não é uma meta, mas tem-­‐se uma necessidade do agir corretamente, ímpeto que pertence à criação, porém este fazer não é imposto pelo mundo, mas cresce no homem. O fenômeno pelo qual o ser humano não sai do momento do encontro supremo do mesmo modo como entrou é uma ideia do que seria uma relação pura. O momento do encontro não é vivência que simplesmente surge na alma receptiva; mas algo ai acontece no ser humano. Às vezes parece um sopro, às vezes, como se 24 fora uma luta, pouco importa: acontece. Ao sair do ato essencial da relação pura, o ser humano tem em seu ser um “mais”, um acréscimo sobre o qual ele nada sabia antes e cuja origem ele não saberia caracterizar corretamente. Na verdade, a relação pura não pode atingir a estabilidade espaço-­‐temporal, mas pode ser realizada, efetivada na vida. O homem só pode corresponder à relação com Deus se ele atualiza Deus no mundo. A verdadeira garantia da continuidade consiste no fato de que a relação pura pode realizar-­‐se transformando os seres em TU, elevando-­‐os. O tempo da vida floresce em uma plenitude de atualidade, e a vida humana, embora não deva e nem possa libertar-­‐se do contato com o ISSO, é de tal modo impregnada de relação que adquire nela uma estabilidade radiante, irradiante. Os momentos de suprema relação não são relâmpagos nas trevas, mas como a lua que se levanta, em uma clara noite estrelada. E assim, a garantia autêntica de estabilidade no espaço, consiste no fato de que as relações dos homens com seu verdadeiro TU, os raios que vão de todos os Eus ao centro, formarem um círculo. Não é a periferia, isto é, a comunidade que é dada primeiro, mas os raios, a conformidade da relação com o centro. Somente ela garante a verdadeira consistência da comunidade. Buber conclui sua obra com a imagem dessa forma geométrica mágica, sagrada, o círculo. Reflitamos o que são esses raios propostos por Buber. Não são eles justamente o espaço entre o centro e a periferia? Ele propõe que o raio venha antes da periferia, ou seja, existe uma periferia porque existe o raio, logo existe uma comunidade porque existem relações. A partir desta obra podemos perceber que por mais que vivemos no mundo dos relacionamentos é fundamental que busquemos relações autênticas, pois é a partir da relação com o TU que o ser humano pode vislumbrar um real caminho de autoconsciência para o EU, por mais que viva nos relacionamentos EU – ISSO, os instantes de relação EU – TU, por mais fugazes que sejam, são o que alimentam essa 25 possibilidade do vir a ser da autoconsciência do EU, e é a partir da autoconsciência que vem o real poder de decisão do ser humano, o que faz com que seja livre. Desenvolver a autoconsciência do EU é ser livre, na medida em que se escolhe e não se deixa levar arbitrariamente. Para isso é necessário ter acessado o mundo do TU, ter entrado em relação com o TU, pois é somente a partir do mundo do TU que o ser humano conhece a verdadeira necessidade, ou seja, o destino. Conhecer o destino por meio da relação faz com que, mesmo encontrando-­‐se no mundo do ISSO, seu coração seja permeado de sentido. Aqui entendemos a frase enigmática de Buber, que parece antagônica, quando diz que destino e liberdade juraram fidelidade mútua. Esta frase só é compreensível se o EU acessa o mundo do TU, pois é lá que ele vislumbra seu destino, é lá onde ele escolhe livremente cumprir tal destino, pois é o que dá sentido ao mundo do ISSO. “As linhas de todas as relações, se prolongadas, entrecruzam-­‐se no TU eterno.” (pág. 87) É dessa forma que Buber fala da relação com Deus, que não há um distanciamento, um caminho a ser percorrido para chegar a Deus, mas ao contrário, que estamos em Deus, e em Deus há um entrecruzar-­‐se das “linhas” de relação. O “estar em Deus” se revela a partir do outro, é o “totalmente outro” para cada EU. Aqui tanto o TU quanto o ISSO ganham a conotação de OUTRO quando o EU entra em relação com o Mundo (seja do TU ou seja do ISSO) a partir do Tu eterno, pois ai o EU inferior e o EU superior caminham juntos, harmoniosamente. O Mundo do ISSO é gratificado a partir do olhar do EU com o Tu eterno e então os relacionamentos EU-­‐ISSO são potencializados, e a partir da graça podem conquistar instantes de relação EU-­‐TU. Assim se dá o nosso cotidiano. Por mais envolvidos que estejamos nos relacionamentos do mundo do ISSO, se estivermos em Deus, portamos a potencialidade de uma relação autêntica acontecer e de a percebermos, por mais efêmera que seja. 26 Estes encontros de relação pura, mesmo que fugazes, são transformadores e percebemos que pequenas (ou em alguns casos grandes) coisas já não são mais como eram antes, nossa visão de mundo se transforma mesmo que milimétricamente. A relação pura nos atualiza com o mundo, nos coloca no instante e então mesmo que inconscientemente nos moldamos para a real necessidade do espírito. Por fim Buber nos oferece um caminho prático, que mesmo no mundo do ISSO cabe a nós buscarmos a verdadeira reciprocidade, mas sem esperar alívio; ele destaca que muitas vezes a vida se torna até mais pesada, porém é pesada de sentido. Sendo assim NADA mais pode ser sem sentido. Precisamos nos questionar de tudo que fazemos, sentimos e pensamos, inclusive nossos hábitos, até mesmo o que chamamos de “tradição,” pois o que estiver na forma do convencionalismo, do “porque sempre foi assim” não cabe mais. Este é o sentido que ele diz que não deve ser meramente experenciado, mas sim realizado, efetivado na vida.  Capitulo 4: “Eu estou no outro e o outro está em mim” Vimos no capítulo 1 a importância da relação entre as circunferências para as possibilidades de novas formas e tratemos então da relação entre as pessoas a partir da circunferência, considerando este espaço entre centro e periferia onde a personalidade atua e onde o ambiente pode ser decisivo. Vemos o Eu como ponto central e o outro na circunferência, na periferia. Mas muitas vezes o ser humano tem impulsos que alimentam e fortalecem a própria personalidade em detrimento do outro. Um exemplo seria uma atitude egoísta, como uma pessoa que tem acesso a uma informação e não compartilha com outras para que apenas ela se beneficie daquilo, ou uma atitude que prevaleça o orgulho, onde a pessoa se acha superior em uma situação; nestes casos o Eu deixa de ser um pequeno ponto central, pois a personalidade encobre o Eu que “infla-­‐se”então até chegar em um ponto de inversão, onde passa a ver o outro não mais na 27 circunferência ao seu redor mas como pontos isolados que deixam de se relacionar com o EU, que foi tomado pela personalidade inflada, como diz Jörgen Smit em sua obra “Meditação e experiência com o Cristo.” Neste caso faz-­‐se necessário redescobrir quem é o outro e perceber sua importância. Jörgen Smit destaca que um caminho possivel é perceber quanto determinada pessoa foi importante em algum momento especifico e assim sucessivamente, fazendo com que o outro cresça em importância ao meu redor, como mostram as figuras: Ou seja, voltamos para a forma onde o Eu é enquanto possibilidade de relação com o outro. E que a partir da relação com o outro, o outro possibilita a ida do Eu para a periferia de si mesmo, vislumbrando seu Eu superior que está simultâneamente no interior de si mesmo e nas outras pessoas ao redor. Na obra “Meditação e experiência com o Cristo”, de Jörgen Smit, ele cita: “Até agora eu acreditei que minha consciência do eu fosse o mais significativo perante tudo o que se encontra em meu ambiente; agora devo descobrir que todo círculo de minha vida é, na verdade, parte de mim mesmo, e que minha pequena e centrada consciência do eu pode ser expandida para as outras com as quais me relaciono.” (pág. 52) 28 Assim como temos atos egoístas, o outro também tem, e conforme já vimos o quanto estamos interligados em termos de relação, é esperado que tanto o Eu quanto o outro projete suas sombras um no outro, e que muitas vezes a sombra que vejo no outro é mera projeção da minha própria sombra. Logo, busquemos também o que há de positivo no outro enquanto que elevamos nossos ideais interiormente, e complementando com a busca pelo Cristo. “Se digo que posso encontrar o Cristo em mim e por isso não preciso dos outros, isso é um erro”, diz Jörgen Smit na mesma obra e complementa dizendo que “A pessoa pode encontrar o Cristo em si mesma, porém só quando simultâneamente o encontra na outra pessoa.”(SMIT, Jörgen -­‐ “Meditação e experiência com o Cristo”, pág. 68) Para maior aprofundamento, Rudolf Steiner nos propõe uma meditação (encontrada na obra “Curso de Pedagogia Curativa” pág. 158) que consiste em vivificar na consciência todas as noites antes de dormir a afirmação: “Deus está (é) em mim” – ou “o espírito divino”, ou algo semelhante, o mais importante é que seja de forma muito vívida. E nos mostra a representação nas cores azul e amarela, como vemos abaixo: “Deus está (é) em mim (In mir ist Gott)” E então pela manhã, de forma que isto ilumine todo o dia, deve-­‐se meditar em: “Eu estou (sou) em Deus (Ich bin in Gott)” 29 Rudolf Steiner explica: “Pela manhã os senhores deverão pensar: “Este é um círculo (onde aponta para o ponto central azul), este é um ponto (onde aponta para a circunferência amarela). Os senhores tem de compreender que um círculo é um ponto e um ponto é um círculo.” Ele continua: “Em primeiro lugar, contudo, deverá ser bastante claro que estas duas figuras, estas duas representações, são a mesma coisa; não tem diferença alguma uma da outra. Elas só aparecem diferentes quando vistas de fora.” (págs.158/159) Lembremos da indicação de Steiner de que “um círculo é um ponto e um ponto é um círculo” e pensemos no encontro deste ponto central que se expande no sentido da circunferência, e da circunferência que se concentra no sentido do ponto. Meditemos a partir da pulsação entre ponto e circunferência. Minha observação pessoal desse movimento de pulsação entre ponto e circunferência é que temos um momento de sobreposição de superfícies, e considerando as cores indicadas, tive a experiência de vivenciar brevemente um círculo verde que se forma. Segundo a autora Liane Collot D’Herbois, quando chegamos no verde estamos muito perto da fonte da luz, que é a cor que expressa o encontro entre a luz forte e a escuridão mais fraca. Ela fala do verde como a cor que porta a luz para a alma. 30 Consideremos que temos o ponto que expande, como que “Deus crescendo” em nós e a circunferência que contrai como que “eu diminuo para que Ele cresça”; nesta pulsação, neste círculo verde que surge de forma surpreendente, podemos nos referir como uma imagem de “Deus e eu somos um”. Como diz Santo Agostinho, em sua obra “Confissões”: “Por conseguinte, eu não existiria, meu Deus, de modo nenhum existiria, se Vós não estivésseis em mim. Ou antes, existiria eu se não estivesse em Vós, "de quem, por quem e em quem todas as coisas subsistem"?” Aqui podemos relacionar com o tema pelo qual Rudolf Steiner nos propôs essa meditação, que é para que cheguemos a uma profunda compreensão do que ele esboça em uma representação como “homem da cabeça” e “homem do metabolismo e membros”, conforme indica a figura da lousa abaixo, feita durante a quinta palestra que temos publicada no livro “Curso de Pedagogia Curativa” (pág.205): 31 Onde destacamos: Imagem 1 (“Cabeça”) Imagem 2 (“Corpo”) Na imagem 1 temos a organização do Eu que está bem no interior; seguida da organização astral como que irradiando para fora, mais afora a organização etérica e bem para fora a organização fisica. Na imagem 2 temos o contrário, a organização do Eu bem para fora, mais para dentro a organização astral, depois a etérica e então a física (Rudolf Steiner ressalta que essa é uma forma didática de tratar o assunto, para o pensar, pois os limites entre os corpos não se dão de forma tão definida como na representação). Rudolf Steiner explica essa lousa da seguinte maneira: “Desta forma, o primeiro ser foi transformado na cabeça humana e o segundo no sistema metabólico-­‐motor. De fato, é assim que são as coisas no Homem. Na organização da cabeça, o Eu se oculta bem internamente e o corpo astral está também comparativamente escondido no interior, enquanto, do lado de fora, aparecem configurados o corpo físico e o etérico, dando forma ao semblante. No sistema metabólico-­‐motor, ao contrário, o Eu está do lado de fora, vibrando, com sua sensibilidade, com o calor e o tato... Assim vemos na cabeça uma disposição centrífuga, originada no Eu e direcionada para fora, através do corpo físico. No sistema metabólico-­‐motor é centrípeta: do Eu ao físico, segue adentro.” (Pedagogia Curativa, pag. 73-­‐74) 32 Quando relacionamos as imagens da cabeça e do corpo com a meditação, ele nos indica que a imagem meditativa que levamos para noite esta relacionada com a imagem que temos para o corpo: “Deus está (é) em mim” (In mir ist Got) Imagem 2 (“Corpo”) Aqui precisamos ressaltar que Rudolf Steiner, ao desenhar a imagem meditativa da noite na lousa, desenhou a circunferência azul no sentido anti-­‐horário, de certa forma nos propondo para entrarmos, como que através de um encantamento mágico, em uma noite interior, cósmica, como diz Eric Arlin (na publicação “Seelenpflege in Heilpädagogik und Sozialtherapie”, pág. 19). Consideremos então que ao adormecermos levamos juntamente com a afirmação “Deus está em mim”, os frutos da vontade que exercemos no mundo juntamente com os impulsos que recebemos do mundo, através do nosso corpo, onde o Eu atua periféricamente com força centrípeta. Logo, esses frutos serão assimilados nessa “noite interior, cósmica”. Na noite essa força centrípeta misteriosamente me leva ao meu ponto central onde existe a possibilidade de perceber que “Deus está (é) em mim”. Ao desenhar a imagem meditativa da manhã, Rudolf Steiner desenhou a circunferência amarela no sentido horário, onde temos a seguinte relação: 33 “Eu estou (sou) em Deus (Ich bin in Gott)” Imagem 1 (“Cabeça”) No processo de acordar, temos a resolução do Eu atuando internamente com força centrífuga, ou seja, irradiando o que recebemos da assimilação noturna, como que um eco da noite que impulsionará para um novo dia onde temos a afirmação “Eu estou (sou) em Deus”. No decorrer do dia temos continuamente nossos corpos que se misturam de dentro para fora e de fora para dentro, o que compõe nosso sistema rítmico, onde irradiamos durante todo o dia que “Eu estou (sou) em Deus” e levamos para a noite a resolução de que “Deus está (é) em mim”. O importante é entender que a transformação do ponto em círculo e do círculo em ponto se dá através do sistema rítmico, através da relação entre nosso corpo físico com nossos corpos sutis, com o mundo de sentimento que vivemos, e que no decorrer de cada dia, cada encontro compõem esses laços entre “dois sistemas rítmicos”, e temos então essa “vida rítmica” que vivemos diariamente a qual nos oferta a substância para a nossa vida meditativa. Rudolf Steiner diz que ativando uma verdade como esta dentro de si que é possivel alcançar algo no campo da pedagogia, uma vez que a vida meditativa é a grande vinha do educador Waldorf. Vale destacar uma advertência que Rudolf Steiner nos deixa: “Contudo, nunca o alcançaremos (a vida meditativa) enquanto permitirmos que qualquer vestígio de vaidade permaneça em nós 34 – e a vaidade está a nos espreitar em cada canto da alma.” (STEINER, Rudolf -­‐ Pedagogia Curativa, pág. 160) Busquemos trilhar nossos caminhos atentos às armadilhas, muitas vezes colocadas por nós mesmos, que podem nos prender ou desviar a cada passo. Nesta imagem podemos considerar também como uma forma de exercício meditativo, o azul como sendo “eu” e o amarelo como sendo “o outro”, onde passamos a ver que “O outro está em mim e eu estou no outro.” A imagem do ponto e do círculo é tão grandiosa na vida humana, que desde a grande conquista do andar, do falar e do pensar, vemos como o ser humano começa a conquistar esse “círculo”. Quando a criança começa a andar, são os primeiros passos que podemos imaginar partindo do ponto ao encontro da circunferência, ou seja, do mundo, porém ainda de forma restrita. Já ao conquistar a fala, seu círculo de vida aumenta, mas é ainda pequeno. Contudo quando o ser humano conquista o pensar seu círculo aumenta de forma que ele faz parte de toda a humanidade, conforme citação de Rudolf Steiner: “...com o falar ainda estamos dentro de um círculo de vida menor; com o pensar, fazemos parte de toda a humanidade. Assim, ampliamos nosso círculo de vida com o andar, o falar e o pensar.” (STEINER, Rudolf -­‐ “A prática pedagógica”, pág. 56)  Capitulo 5: A educação à partir das relações humanas “Quero chamar a atenção para o fato de que conhecer realmente, verdadeiramente o ser humano não é ocupar-­‐se simplesmente da compreensão de cada pessoa, conforme seu corpo, sua alma, seu espírito, tal como ela se coloca diante de nós, mas sim querer captar, antes de mais nada, com os olhos da 35 alma, o que se passa entre as pessoas na vida terrena.” (STEINER, Rudolf -­‐ “A Metodologia de Ensino e as condições da vida do educar, pág. 11) A partir das palavras de Rudolf Steiner fica claro que a relação, por ser a base da existência humana, é a base da educação; que a partir da ciência espiritual antroposófica, vemos que o mais importante na educação e no ensino é o que se passa entre a alma do professor e a alma da criança, como um traço sutil, sem forma rígida, maleável que forma uma lemniscata circundando o educador e a criança num ir e vir sem cessar. O que o professor faz com a criança em idade escolar penetra profundamente em sua natureza física, psíquica e espiritual, logo lembremos de Martim Buber que diz: “Não tenho ensinamentos a transmitir... Tomo aquele que me ouve pela mão e o levo até a janela. Abro-­‐a e aponto para fora. Não tenho ensinamento algum, mas conduzo a um diálogo.” (“Eu e Tu”, pg LXIX). O que seria este “tomar pela mão”, o “levar até a janela”, “conduzir a um diálogo” senão o educador que “fala” de alma para alma com a criança, que se coloca como um meio e não um fim. Pensemos no processo educativo como um agir do qual eu participo sem poder dele me apropriar. “A vida pré-­‐natal das crianças é um puro vínculo cósmico, um afluxo de um para outro, uma interação corporal na qual o horizonte vital do ente em devir parece estar inscrito de um modo singular no horizonte do ente que o carrega, pois não é somente no seio de sua mãe que ele repousa. Cada criança em desenvolvimento, como todo ente em formação, repousa no seio da Grande Mãe, isto é, do mundo primordial indiferenciado e que precede toda forma.” (BUBER, Martim – “Eu e Tu”, pág 28) Frente a esta magnitude, como deve se portar um educador de primeiro setênio? Rudolf Steiner diz que o educador deve cair em uma disposição religiosa 36 como de um sacerdote, onde o serviço de educar torna-­‐se um serviço sacerdotal, como uma espécie de culto que é celebrado no altar sagrado da vida humana, fazendo com que o serviço religioso da educação se torne um assunto do coração, que não parta da individualidade, mas de algo maior, em harmonia com os mistérios do universo, que jorra para a vida física através do coração humano (“A Metodologia do ensino e as condições da vida do educar”, pág. 32). O professor deve então se consagrar em seu relacionamento com o mundo, pois seu olhar para a criança e sua atividade se transforma para realmente impulsionar a educação como exige o desenvolvimento do ser humano e consequentemente da humanidade. “A criança tem um prazo para substituir a ligação natural, que a unia ao universo, por uma ligação espiritual, isto é, a relação”, diz Martim Buber. Logo, a criança vai perdendo essa ligação natural que tem com o cosmos, mas cada relação que ela estabelece, desde sua infância, são como fios que ela tece e compõem essa ligação espiritual, agora consciente, com o universo. Citaremos ainda Martim Buber para falarmos da relação autêntica que circunda a criança a partir da fantasia: “A originalidade da aspiração de relação já aparece claramente desde o estado mais precoce e obscuro do desenvolvimento humano. Antes de poder perceber alguma coisa isolada, os tímidos olhares procuram no espaço obscuro algo de indefinido no vazio.” Não seria esse “lugar” de onde nasce a fantasia? Ele continua: “Pois estes olhares (das crianças), na verdade, depois de minuciosas tentativas, se fixarão em um arabesco vermelho de um tapete e dele não desprenderão até que a essência do vermelho se lhes tenha revelado.” Esta é então uma vivência de relação autêntica. Em se tratando de fantasia Martim Buber complementa: “não se trata de uma experiência de um objeto, mas de um confronto, que sem dúvida, se passa na 37 fantasia, com um parceiro vivo e atuante. Esta fantasia não é de modo algum uma animação, ela é o instinto de tudo transformar em TU, o instinto de relação que, quando o parceiro se apresentar em imagem e simbolicamente, vivo e atuante ela (a criança) lhe empresta vida e ação tirando de sua própria plenitude.” Vemos que a criança porta instintivamente a essência da conexão com o TU a partir da fantasia, que é esta vida e ação que brotam de sua plenitude. “Deve-­‐se ter interesse de que um desenvolvimento sadio se imponha nas relações da humanidade. É uma atitude sábia semear tanto amor quanto possível na Terra. Não há nada mais sábio do que promover o amor na Terra.” (GA 143, palestra de 17/12/1912, “Amor, poder, sabedoria”, pp. 23) E aqui Rudolf Steiner deixa claro qual a semente que deve ser semeada para que as relações brotem de maneira saudável: o Amor. Amor que não é mero sentimentalismo. “Os sentimentos, nós os possuimos, o amor acontece. Os sentimentos residem no homem, mas o homem habita em seu amor.” (BUBER, Martim – “Eu e Tu”, pág. 17) Segundo Buber, o amor é o que acontece entre o EU e o TU, é uma força cósmica, e responsabilidade de um EU para com um TU. Martim Buber vai ao encontro de Rudolf Steiner quando diz que “a verdadeira comunidade” não nasce do fato de que as pessoas têm sentimentos uma para com as outras (embora seja também importante e ela não possa, na verdade, nascer sem isso), mas ela nasce de duas coisas: de estarem todos em relação viva e mútua com um centro vivo e de estarem unidas umas às outras em relação viva e mútua. Entendamos esse centro vivo como o Cristo. Rudolf Steiner nos diz: 38 “Devemos ensinar com a consciência de que temos que realizar em cada criança uma salvação, na qual cada uma, ao longo de sua vida, seja levada a encontrar em si o Impulso do Cristo, um renascimento.” (STEINER, Rudolf -­‐ “A questão pedagógica como questão social”, pág.97) Ele destaca na mesma obra que deve-­‐se exigir do professorado que sua alma esteja fortemente envolvida com essa preocupação pela humanidade.  Capitulo 6: O cultivo da “vida rítmica” no educar Cultivar a vida rítmica do educar é buscar as mais fortes sementes para compor um jardim onde possamos trabalhar diariamente. O Amor é a substância primordial, que nutri a terra para todas as sementes. Cubriremos este jardim com um manto de terra fértil que podemos chamar de autoeducação, e é nesta terra que o educador precisa se aprofundar. É o trabalho de autoeducação que sustentará toda a vida do educador, é o pilar de sustentação sem o qual o educador literalmente despenca, pois de nada vale o aparente, o superficial se a essência, a fundação não está devidamente firme. Para falar de autoeducação é preciso despertar as camadas profundas da alma, é preciso ir além do estudo e da explicação intelectual. Primeiramente é necessário buscar um estado de recolhimento, para que as camadas profundas e íntimas da alma possam se tornar ativas e frutificar. É da relação do esforço pessoal com a realidade espiritual que pode se dar a autoeducação. Esforço já é uma palavra que nos traz a impressão de fardo, de cansaço, mas pensemos no esforço de um equilibrista. Leiamos a matéria abaixo: 39 “Daredevil Nik Wallenda, trapezista americano, levou cerca de 22 minutos a atravessar o Grande Canyon num cabo de aço de aproximadamente 5 centímetros de espessura, sem equipamento de segurança. "Obrigado senhor. Obrigado por teres acalmado o vento, Deus", afirmou 13 minutos depois de ter iniciado o percurso no cabo. Wallenda não quis utilizar um arnês (equipamento de segurança) e iniciou a acrobacia vagarosamente e de forma estável até que a mesma terminasse... Wallenda explicou que por vezes os ventos que sopram pelo desfiladeiro são imprevisíveis ...” (fonte: http://visao.sapo.pt/trapezista-­‐
atravessa-­‐grande-­‐canyon-­‐num-­‐cabo-­‐de-­‐aco-­‐a-­‐450-­‐metros-­‐de-­‐
altura=f737059#ixzz2YlSGsjDb) Sem dúvida o equilibrista D. N. Wallenda teve muito esforço, em diferentes níveis, até decidir atravessar o Grande Canyon. Horas de treino físico para ter a firmeza e a leveza necessárias para se equilibrar, um trabalho técnico que envolve saber qual a roupa, o calçado adequado, como dar cada passo, como segurar o bastão, como lidar com o vento, além de um intenso trabalho psíquico de concentração, de controle mental, de paz de espírito, confiança, entre outras coisas, ou seja, muito esforço. Porém, na hora que ele está na corda será que ele pensa, imagina, planeja cada passo? Se o fizer racionalmente certamente cairá. Ele precisa eliminar toda atividade do intelecto e da imaginação para evitar a queda, é a inteligência do seu sistema rítmico (respiratório e circulatório) que substitui a inteligência do seu cérebro. É neste momento que todo o esforço prévio transforma-­‐
se em concentração, agora, sem esforço, pois já não tem necessidade de pensar, mas sim de acontecer. Não é o esforço mental, mas é o acontecer da vontade, que flui de forma rítmica na sua respiração, na circulação do sangue por todo seu corpo, em plena harmonia e unicidade. É a concentração que silencia o automatismo intelectual e imaginário. 40 Leiamos então a declaração final do equilibrista: "Foi o caminho que mais teve vento que já percorri. Foi necessário cada pedaço de mim para manter o foco durante todo o percurso" (fonte: http://visao.sapo.pt/trapezista-­‐atravessa-­‐
grande-­‐canyon-­‐num-­‐cabo-­‐de-­‐aco-­‐a-­‐450-­‐metros-­‐de-­‐
altura=f737059#ixzz2YlSGsjDb) “Foi necessário cada pedaço de mim para manter o foco...” Wallenda nos deixa aqui a chave para se alcançar esse nível de concentração: “juntar cada pedaço de si mesmo”. O cotidiano exige cada vez mais que tenhamos atenção em muitas coisas ao mesmo tempo, o que faz com que nos “separamos de nós mesmos”, o que não tem problema, desde que tenhamos consciência e saibamos “juntar” depois, porque a tendência é ficarmos “despedaçados”. Um exemplo é quando ao falar com alguém estamos pensando em outra coisa, outro assunto; perdemos a oportunidade de estar com o outro, de entrar em relação. O automatismo intectual e imaginário é o combustível para viver nesse estado “despedaçado”, pois além de colocarmos atenção em muitas coisas simultâneamente, a maior parte delas colocamos atenção “automatizada”. Geralmente escovamos os dentes pensando em como será o dia, tomamos café da manhã planejando mentalmente a reunião que teremos em 1 hora, colocamos os sapatos lembrando que esquecemos de regar as plantas, regamos as plantas pensando no almoço na casa da sogra na semana que vem e lá se passaram atividades sem que estivéssemos nelas. Podemos pensar “mas são atividades bobas, é bom que aproveite meu tempo mentalmente com outras coisas”. Porém nem percebemos que no escovar dos dentes estava um dos nossos filhos observando nosso fazer, que na mesa do café da manhã estava toda família reunida à mesa com um delicado raio de sol que batia na janela clareando o rosto de todos ali presentes, que ao lado dos sapatos havia o bichinho de estimação da casa que teria apreciado um carinho e que aquela planta que há meses você rega finalmente floresceu! 41 Quando realizamos algo com o automatismo do intelecto e da imaginação podemos dizer sim que “tudo é feito, e muito bem feito”, porém não podemos dizer que tudo é vivido. Pois a vida só acontece no presente. O que passou é passado o que virá é futuro mas a vida é o agora. Podemos dizer que é premissa para a autoeducação buscar este estado de “concentração sem esforço” como o equilibrista, pois viver neste estado é estar em presença, é o fluir de todo esforço prévio que já está internalizado, é o encontro do pensar com o querer no sistema rítmico, como uma lemniscata, num ir e vir sem cessar, em estado de tranquilidade. É quando os desejos, as preocupações, a imaginação, a memória, o pensamento discursivo silenciam para que a vida possa acontecer. Para que se saiba o que se tem que saber, que se faça o que se tem que fazer simplesmente por estar em harmonia com o momento presente. Dennis Klocek cita em uma palestra: “Se quisermos tomar boas decisões é necessário que estejamos livres de tudo aquilo que pensamos, porque o que pensamos se coloca no caminho daquilo que tem de acontecer. (PEW – 49/2010 – pág. 4) Podemos vivenciar este estado por instantes, minutos que sejam, mas é importante que esteja sempre presente na vida da alma, que é como se a alma trabalhasse em contato direto com os céus. “O meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,30) são as palavras de Jesus Cristo. Ao olharmos para nossa vida, nosso cotidiano, podemos fazer das palavras do Mestre as nossas palavras? Geralmente nos identificamos mais com o Deus Atlas que carrega o peso do mundo nas costas! Como podemos migrar da sensação do Deus Atlas para o estado que se encontra Jesus Cristo? Se como educadores trabalhamos com crianças, aprendamos com elas. A criança resolve que ela é a mãe, o amiguinho é o filho. Ela vai até o cesto dos panos, coloca um “lindo vestido”, pega uma “roupa” para seu “filho”, coloca nele; com sua bolsa no ombro, pega na mão de seu “filho” e “vai ao mercado”,“fazer compras”. A 42 criança brinca. A brincadeira é séria. Se perguntar a ela: “Aonde vais?” Ela responderá com toda convicção: “No mercado fazer compras!” E ela vai. Seriamente. Passado alguns minutos a brincadeira mudou, o que não importa, importa que é séria, que tem comprometimento, que por mais efêmera que seja, durante o tempo que dura é eterna! Quando se toca o eterno, a alma toca o céu, que passa a trabalhar com a alma, e então não se carrega sozinho o que é preciso carregar: as forças do céu, as forças do alto ajudam e eis que “o jugo se torna suave e o fardo se torna leve”. Lembremos da declaração do equilibrista: "Obrigado senhor. Obrigado por teres acalmado o vento, Deus". Transformemos nosso trabalho em autêntica brincadeira de criança, com atenção inteira e indivisa, com espontaneidade e vontade, com todo comprometimento que uma criança tem. Para isso é preciso que saibamos observar uma criança, observar o mundo, observar a vida. Dennis Klocek também nos traz uma curiosidade interessante em relação à palavra “observar”, que nela temos embutido o verbo “servir”. Ele afirma: “Nós nos rendemos àquilo que observamos na vida interior da alma e para nos rendermos precisamos parar de pensar sobre aquilo; temos de entrar em um processo de pensar com aquilo ... Ao observar, a minha alma serve a alguém...” (PEW – 49/2010 – pág. 6) “Que o maior entre vós seja o servo de todos” (Mat 23:11) também foram palavras de Jesus Cristo ao seus discípulos. Que bela imagem para um professor, onde o professor não é o “maior” em termos de personalidade, mas é aquele que se torna “maior” no momento que entende que o que importa é ser o servo de todos; é a prática dessa virtude que o faz grande. Nesse caminho de “servo” o professor conquista a autoridade amada tão falada por Rudolf Steiner, onde sua autoridade pessoal não substitui a autoridade divina, mas ao contrário, cede o lugar a ela. Ao contrário de se preencher completamente com certezas, convicções, receitas, fórmulas, “tradições”, deixa um 43 espaço em si para o divino, para o espírito atuar. Assim disse Lao tsé (“Tao Te King”-­‐ pág 78, ed. Attar) : “Os vasos são feitos de argila, mas é graças ao seu vazio que ele pode ser usado, uma casa tem paredes, janelas, portas, mas é o seu vazio interior que a torna habitável. Assim o ser produz o útil, mas é o não-­‐ser que o torna eficaz” Podemos pensar que uma vez colocadas as flores no vaso, está preenchido, e está lindo, afinal de contas, são flores! Mas lembremos que se não trocarmos a água, apodrecerá. E mesmo trocando a água será necessário de tempos em tempos trocar as flores, que podem ser do mesmo tipo, mas serão outras, novas, frescas que trarão vitalidade e alegria renovando o ambiente que estão. No cultivo dessa terra fértil que é a autoeducação, quando conquistamos substâncias para essa “terra fértil” como o estado de presença, quando da relação do esforço pessoal com a realidade espiritual conseguimos nos colocar em estado de concentração “sem esforço”, quando conseguimos transformar nosso trabalho em “jogo”, quando nosso jugo se torna suave e nosso fardo se torna leve, nos damos conta que existe ainda algo maior, que abarca a tudo, inclusive cada um de nós, e que misteriosamente independe do esforço humano, que é a graça. “O Sol brilha igualmente sobre os bons e os maus, mas é necessario abrir as janelas para que a luz entre no quarto. A luz do Sol não foi criada nem é merecida por nós. Ela é dom puro e simples, gratia gratis data. Devemos, entretanto, abrir as nossas janelas para que ela entre em nossa morada como devemos abrir os olhos para vermos.” (diz autor anônimo em “Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô”,pág. 188) E então a terra está fértil o suficiente para enriquecer o jardim. Jardim que, até então, é terra, mas que agora pode receber as sementes, de todos os tipos. Porém, 44 em um bom pedaço de terra, plantamos, lado a lado, várias sementes do mesmo tipo e cabe a elas saberem como crescerem entre si, respeitando as raízes umas das outras, os espaços, mas que cresçam de forma harmônica. É dever do professor “saber crescer” com os seus colegas de trabalho. Não faz sentido um professor que não sabe se relacionar com seus colegas, uma vez que o princípio da educação é a relação entre as pessoas e o amor. O professor que não consegue florescer ao lado de seus semelhantes precisa de ajuda. O princípio de uma escola é inserir a criança no florescer de sua vida social. Uns dos exemplos mais dignos de ser imitável que ela pode ter são dois ou mais adultos que vivem uma relação em verdade, em amor. Se o professor não consegue se relacionar com os colegas que interage diariamente, com a pessoa que o auxilia todos os dias, com profissionais que ajudam a pulsar a vida anímica da escola, como pode este professor ter uma relação verdadeira com as crianças, com os pais, com as familias? Mesmo que ele consiga cultivar uma relação com as familias, é uma relação sem lastro, é imprimir na alma das crianças o conceito da hipocrisia de que “amamos o mundo,” mas não conseguimos amar o próximo, ou seja, o que está ao nosso lado. Por isso que antes de colocarmos as sementes na terra, é fundamental ter o cuidado de trabalhar esta terra, de fertilizá-­‐la com uma vida de autoeducação, que é desta terra bem tratada que dependem todas as sementes.  Capitulo 7: “Se não tiver amor, nada adiantará” A terra bem tratada, sementes e mudas bem escolhidas são as premissas para se ter um belo jardim, porém para manter este jardim é necessário cuidados constantes. A autoeducação não pode ser uma teoria distante, tem que ser uma prática presente em nosso dia a dia. Assim como existem técnicas de jardinagem, existem técnicas para se autoeducar. Cabe a cada educador procurar seu próprio caminho, de acordo com sua individualidade, porém cabe a todos lembrar que o mais 45 importante é “manter o jardim”. Não adianta irmos atrás dos melhores paisagistas e esquecermos de regar o jardim diariamente, bem como importar sementes exóticas se não percebermos as ervas daninhas que estão crescendo por entre as plantas. Mais importante do que fazer o extraordinário é fazer o ordinário, o simples, o essencial. Rudolf Steiner nos deixou muitos exercícios espirituais, meditações, orações como caminhos belíssimos de autoeducação que devem permear a vida do educador. Cabe então a cada um encontrar o caminho que tem mais afinidade, de acordo com aquilo que reverbera em seu coração. Lembremos, porém, de permear nossa vida com o simples e primordial, com um material muito rico que temos ao nosso alcance, que é base e alicerce de um caminho autêntico de autodesenvovlvimento, que são às Sagradas Escrituras, no caso, o Novo Testamento, que é a fonte primordial dos ensinamentos cristãos, e voltemos nossa atenção para às palavras de Paulo aos Coríntios quando ele diz: “Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e as dos anjos, se eu não tivesse a caridade, seria como bronze que soa ou como címbalo que tine. Ainda que eu tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda ciência, ainda que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse a caridade nada seria... ainda que entregasse meu corpo às chamas, se não tivesse a caridade, isso nada adiantaria. A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, 46 tudo espera, tudo suporta. ... Agora, portanto, permanecem fé, esperança, caridade, essas três coisas. A maior delas porém é a caridade.” (1 Coríntios 13 – Bíblia de Jerusalém) Paulo já havia nos deixado o caminho, o simples e o essencial, que deveria trilhar o educador. Primeiramente entendamos que ele chama por “caridade” o que conhecemos por “amor de dileção”, que é o amor não passional, o amor que quer o bem do próximo. Então ele nos esclarece que por mais que se saiba falar com seus semelhantes e até com hierarquias espirituais acima de nós, sem amor, todo discurso ecoaria indiferentemente. Ainda que se tivesse dons, seja para lidar com crianças, para as artes, para os trabalhos manuais, que se tivesse conhecimento, estudos, pesquisas e mesmo que se tivesse fé, que se fizesse orações, concentrações, meditações, sem amor nada adiantaria, pois não se poderia nem “Ser”. Aqui nos damos conta que realmente antes de todo e qualquer trabalho espiritual de natureza mais profunda é necessário uma real e sincera análise de como está minha caridade, meu amor que quer o bem do próximo. Para sabermos isso é só fazermos uma autoanálise do que é a prática desse amor: Eis que somos pacientes, prestativos, não invejosos, vivemos sem ostentar, sem orgulho, sem fazer o que é inconveniente, sem procurar sempre nossos próprios interesses, sem se irritar, sem guardar rancor, nos alegrando com a justiça e dispostos a tudo desculpar, crer, esperar e suportar? Horas de treinamento esotérico, de exercícios, de concentração, de estudos são em vão se não considerarmos as belas palavras que Paulo nos deixou; pois formam-­‐se intelectuais no assunto, mas dificilmente sábios. Temos então aquelas pessoas que fazem palestras de como fazer uma meditação, que conhecem todas as técnicas de concentração, mas que facilmente perdem a cabeça no trânsito; que falam do amor cristão, mas que seriam incapazes de comer na mesma mesa que a faxineira, que defendem a justiça, os “direitos iguais” para todos, mas pede para “furar uma fila”, para ter privilégios. Paulo mesmo nos diz que este caminho que ele 47 nos indica ultrapassa a todos, não por ser superior, mas por ser o primeiro, a primeira etapa de um longo caminho. Busquemos consequentemente o caminho medidativo para que cultivemos nossos dons, como nos lembram as palavras de Paulo: “Procurai o amor de dileção. Entretanto, aspirai aos dons do Espírito.” (1 Coríntios 14) Aspirar aos dons do espírito é fundamental para uma compreensão meditativa das relações que permeiam o nosso cotidiano. Cabe ao educador saber lidar com seus colegas educadores, com as crianças, com as familias, e obviamente distinguir as diferenças, os sentimentos que permeiam cada uma destas relações. Observemos a relação de Jesus com o menino possesso que curou (Mt 17: 14-­‐18), que foi permeada de certos sentimentos, e observemos a relação de Jesus com Lázaro quando operou o milagre da ressureição (Jo 11: 1-­‐46), que foi permeada por outros sentimentos, podemos dizer que cada situação foi permeada por sentimentos distintos, porém o amor em ambas as situações é um, é o mesmo. Os sentimentos que vivemos entre colegas de trabalho, com as crianças, com as famílias são diferentes, mas o amor é o mesmo. Não tem como afirmarmos que amamos as crianças e não amamos os pais! Que amamos um colega de trabalho e odiamos outro! Aliás, o contrário do amor, mitologicamente falando, não é o ódio, mas sim o egoísmo. No mito “O anel do Niebelungo”, Albérico abriu mão do Amor para roubar o ouro do Reno e forjar o anel do egoísmo. (HEINDEL, Max – “O Mistério das Grandes Óperas”) Se existe amor frente a uma relação e não existe frente a outra, é preciso fazer esse amor reverberar e permear todas as instâncias das relações, pois se não conseguimos fazer isso, então o que pensamos que é amor, não é amor, mas talvez um egoísmo recoberto com um sentimentalismo amoroso, que pode até ser um bom sentimento, mas que tem sua raiz no egoísmo e não no Amor. 48 Para garantirmos que nossos sentimentos tenham lastro no Amor e não no egoísmo, é preciso que lancemos um olhar para dentro de nós mesmos antes de olharmos para fora, para o outro, logo, é preciso que cultivemos o Amor próprio que jorra do Espírito. Que saibamos cultivar a paz, a autoconfiança, a autoestima, a força de vontade, a próatividade, o respeito, a intrepidez entre outras virtudes, lembrando que temos sempre as hierarquias espirituais que podemos invocar para nos ajudar e guiar em momentos difíceis, e então estamos prontos para amarmos o próximo como a nós mesmos. “Todas essas coisas o amor fará por vós a fim de que vos torneis sabedores dos segredos de vossos corações, e que, imbuídos desse saber, vos transformeis num fragmento do coração da Vida.” (GIBRAN, Khalil – “O profeta” pág. 14) E então voltamos, como que traçando uma bela circunferência, novamente ao ponto inicial, à meditação do ponto e círculo, com a citação de Khalil Gibran, na obra “O Profeta” : “Quando amardes, não deveríeis dizer: “Deus está em meu coração”, mas sim: “Eu estou no coração de Deus.” E não pensai que seríeis capazes de determinar seu curso, pois o amor, se considerar-­‐vos dignos, direcionar-­‐vos-­‐á.” (pág. 14)  Conclusão Em cidades grandes, é muito comum presenciarmos cenas onde um motoqueiro atravessa o sinal vermelho e quase choca-­‐se com um outro veículo, ou pessoas que andam apressadamente pelo metrô e esbarram-­‐se umas nas outras. Por que muitas vezes nos chocamos uns com os outros? Será que não levamos para a vida adulta a essência da vivência da criança pequena que “bate” no amigo para 49 buscar a relação? Quando nos chocamos com algo ou alguém cria-­‐se resistência, porém lembremos que só vemos a luz porque há algum nível de resistência para ela. Muitas vezes uma implicância com alguém, uma situação dificil faz você conviver mais com a pessoa, com a situação, faz você entrar em relação, não ficar só no relacionamento superficial. A pessoa passa a ter uma importância naquele momento que nos traz para o presente, para o agora e tem-­‐se uma relação EU-­‐TU! Precisamos agradecer toda oportunidade de relação que nos é ofertada. Permear de amor principalmente as relações difíceis. Relações difíceis muitas vezes desconstroem o que precisa ser desconstruido em nós: a egolatria, a vaidade, o orgulho. São relações que abalam nossas estruturas, porém nos proporcionam a oportunidade de revermos nossos alicerces e refletirmos no que estamos nos fundamentando, nos sedimentando. É o viver entre relações de simpatia e de antipatia que gera uma pulsação, e é esta pulsação que nos tira da zona mais perigosa: a da indiferença. Para neutralizarmos os extremos tanto da simpatia quanto da antipatia busquemos a relação sem interesse pessoal, que eu não me sirva do outro mas que eu me coloque a serviço do outro, que eu me coloque a serviço da relação para que o TU se manifeste. É no aqui, no agora, neste momento que entramos em relação com o Cristo, que é o Eterno. A chave para as relações humanas é ter disposição para sempre fazer o que precisa ser feito, no aqui, no agora e que eu seja o momento presente. Destarte o EU passa então a fazer o que precisa ser feito para o Cosmos, através e junto com o OUTRO. 50  Bibliografia -­‐ Livros/Apostilas: AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999 ANÔNIMO. Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô. São Paulo: Paulus, 1989 ARLIN, Eric. Seelenpflege in Heilpädagogik und Sozialtherapie. 4/2010 Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus 2002 BUBER, Martim. Eu e Tu. São Paulo: Centauro Editora, 1974 D’HERBOIS, Liane Collot. Luz, escuridão e cor na pintura terapêutica. (Apostila) São Paulo, 1996 GIBRAN, Khalil. O profeta. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011 HEINDEL, Max. O Mistério das Grandes Óperas. São Paulo: FRC, 2009 KLOCEK, Dennis. Seminário de Inicio do Ano Letivo de 2010. PEW – 49/2010 49 ed. ex.3 SMIT, Jörgen. Meditação e experiência com o Cristo. São Paulo: Editora Antroposófica, 1996 STEINER, Rudolf. A prática pedagógica. São Paulo: Editora Antroposófica, 2000 STEINER, Rudolf. Metodologia do ensino e as condições da vida do educar. São Paulo: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 1974 STEINER, Rudolf. Curso de Pedagogia Curativa. São Paulo: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 2005 STEINER, Rudolf. A questão pedagógica como questão social. São Paulo: Editora Antroposófica: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 2009 STEINER, Rudolf. Amor, poder, sabedoria. GA 143, palestra de 17/12/1912 STRAKOSCH, Alexander. Introdução à geometria por meio da contemplação e da atividade prática. São Paulo: Associação Pedagógica Rudolf Steiner, 1979 TSÉ, Lao. Tao Te King. São Paulo: Attar, 1995 -­‐ Sites: Teoria da Personalidade. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_personalidade Acesso em: 5/abril/2013 51 Jornal Visão. Disponível em: http://visao.sapo.pt/trapezista-­‐atravessa-­‐grande-­‐
canyon-­‐num-­‐cabo-­‐de-­‐aco-­‐a-­‐450-­‐metros-­‐de-­‐altura=f737059#ixzz2YlSGsjDb Acesso em: 18/julho/2013 52 

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