Colégios militares. O ensino público que dá bons resultados

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Colégios militares. O ensino público que dá bons resultados
PÁGINA 4
COTIDIANO
FORTALEZA - CE, DOMINGO - 16 DE FEVEREIRO DE 2014
Colégios militares. O ensino
público que dá bons resultados
Inseridos na rede pública de ensino, mas separados das demais instituições por resultados. Assim são os colégios
ligados a instituições militares. Com seleções concorridas, no Ceará costumam despontar em avaliações e rankings
FÁBIO LIMA
Mariana Lazari
[email protected]
Ponto de vista
D
isciplina. As dez letras alinhadas no
papel indicam muito
mais que “obediência à autoridade”, como escreve o dicionário. Disciplina é ingrediente de uma fórmula de
sucesso. Está presente no cotidiano e no método de ensino
de colégios que, apesar de públicos, costumam figurar no
topo de rankings de desempenho estudantil: os colégios ligados a instituições militares.
No Ceará, os colégios Militar do Corpo de Bombeiros
(CMCB) Escritora Rachel de
Queiroz, da Polícia Militar General Edgard Facó (CPMGEF)
e Militar de Fortaleza (CMF)
superam (e muito) as médias do Estado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
2012, por exemplo. Os dois primeiros, da rede estadual, tiveram os melhores resultados
do Ceará no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2011. Além disso,
costumam ter alunos aprovados em difíceis vestibulares,
premiados em olimpíadas escolares, reconhecidos em prêmios. Chamam atenção por
ganharem notas altas enquanto as instituições “colegas de
rede” amargam baixos índices.
O que faz essas escolas públicas darem certo?
Além da disciplina, gestão
e professores comprometidos,
alunos interessados, estrutura
adequada e acompanhamento pedagógico são elementos
apontados como fundamentais para que as “vitórias”
dos alunos aconteçam. A
presença da família no ambiente escolar também.
Ainda há, como lembra a
professora e diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC),
Maria Isabel Filgueiras Lima
Geimison Maia, jornalista e
ex-aluno do Colégio da PM
Escola pública de
ótima qualidade
Hellen Belarmino, 17, estudou durante sete anos no CMCB.
Com a formação, foi aprovada em cinco vestibulares
Ciasca, um processo seletivo
para ingresso nas escolas militares. Isso é “determinante”
para os bons resultados, pondera. São estudantes, lembra a
professora, “que se preparam,
fazem prova rigorosa. Porque o
número de vagas é bem menor
que a demanda. Assim, você
vai acabar selecionando os melhores alunos. Você parte de
um patamar mais elevado”. A
valorização dos docentes também é citada como importante
por Isabel.
O que os alunos dizem
Hellen Belarmino do Prado
tem 17 anos e estudou durante sete anos no CMCB.
Com a formação, foi aprovada em cinco vestibulares. Começa neste mês a cursar Direito na UFC. Rodrigo Rocha é
advogado, tem 29 anos e cursou o ensino médio no CMF.
Apesar de serem ex-alunos de
diferentes colégios, Hellen e
Rodrigo compartilham o reconhecimento pela importância
que o local de estudos teve na
vida. Rodrigo vê na disciplina e
na relação escola-alunos grandes diferenciais. “Em colégios
particulares você é tratado
como produto. Lá (no CMF)
é tratado como pessoa”, diz.
“Lá (no CMCB) os professores são de ótima qualidade”,
elogia Hellen.
A família de Laís Nuto Rossman, 12, sabia desses elogios
e da qualidade dos militares.
Por isso, quando a menina não
passou para o 6º ano na seleção 2013 do CMF, decidiuse que ela continuaria no colégio particular e estudaria para,
neste ano, ingressar no Militar. E deu certo. Foi aprovada (em primeiro lugar) e agora
cursa (novamente) o 6º ano algo comum entre os alunos
do Militar. As chances de “ter
resultados melhores no futuro”
motivaram a escolha (inclusive pelo repeteco de uma série),
que é comemorada pela aluna
- que quer ser arquiteta. “Queria vir pra cá porque o ensino é
de excelência e está melhor do
que eu esperava.”
Saiba mais
A seleção para os colégios
militares acontece uma vez
por ano e é muito concorrida.
Participam apenas filhos de
civis. Os dependentes de
militares têm vaga garantida.
No CMF, para 2014, foram
ofertadas 60 vagas (45 para
o 6º ano e 15 para o 1º do
ensino médio). Mais de mil
candidatos se inscreveram.
Apesar de públicos,
os colégios cobram taxas
mensais dos alunos - também
chamadas “contribuições”. A
cobrada pelo CMF está
prevista no Regulamento
dos Colégios Militares. Na
rede estadual, a cobrança
está prevista na lei nº
12.999/2000, que instituiu
a criação dos colégios
da Polícia Militar e dos
Bombeiros.
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO
Experiências bem-sucedidas dos militares
são compartilhadas com outras escolas
Os colégios costumam abrir
seleção para novos alunos no
segundo semestre:
O coordenador da
Superintendência das Escolas
Estaduais de Fortaleza, da
Secretaria da Educação
do Ceará (Seduc-CE), Célio
Pinheiro, garante que
as experiências “bemsucedidas” desenvolvidas
nas unidades estaduais
ligadas ao Estado são
compartilhadas em encontros
de gestores escolares. “Todas
as escolas da rede,
assim como professores
Colégio Militar de Fortaleza
Endereço: av. Santos Dumont,
485, Centro
Site: www.cmf.ensino. eb.br
Colégio Militar do Corpo de
Bombeiros
Endereço: rua Adriano Martins,
436, Jacarecanga
Site: www.cm.cb.ce. gov.br
Colégio da Polícia Militar
Endereço: avenida Mister Hull,
s/n, Antônio Bezerra
Telefone: 3101 4737
e gestores recebem o
mesmo tratamento”, frisa, em
entrevista por email.
Os bons resultados dos
alunos dessas instituições
vêm, na avaliação de
Pinheiro, por motivos
como a “forte disciplina”,
que promove “envolvimento
dos alunos com as
atividades pedagógicas”, o
controle de rendimento
escolar e frequência e
o acompanhamento familiar.
“Outro fator de primordial
importância é a qualidade
do trabalho dos professores
lotados nessas instituições.
Grande parte dos mestres já
possuem toda a sua carga
horária nas unidades e é
desejo dos gestores que,
dentro das possibilidades
técnicas, a maior parte
de seus professores possa
ter concentração de carga
horária”, considera o
coordenador. (Mariana Lazari)
Fui por seis anos aluno
do Colégio da Polícia Militar.
Nem consigo imaginar como
seria minha vida se não
tivesse passado por lá. É, sem
dúvida, uma escola pública
de ótima qualidade. Alguns
fatores ajudam a explicar o
bom desempenho das escolas
militares nas avaliações. Acho
que a principal delas é a
boa infraestrutura. Apesar de
não estar no patamar das
principais escolas particulares,
certamente elas estão bem
acima da média das demais
escolas públicas. Outro ponto
importante (e, de certa forma,
negativo) é o fato de existir
seleção para o ingresso
dos alunos. A maioria dos
concorrentes fica do lado
de fora. Isso, claro, aumenta
o “nível” dos estudantes
(expressão horrível, mas não
consegui outro sinônimo para
expressar a ideia).
Não sei se ainda é
assim, mas, quando era
estudante, os professores mais
bem colocados nos concursos
públicos podiam escolher a
escola onde gostariam de
trabalhar. A maioria deles
optava pelos estabelecimentos
militares. Isso ajudava a
manter um ótimo corpo
docente.
Normalmente, as pessoas
tendem a pensar que a
disciplina (militar) é o
principal fator que explica os
bons resultados. Discordo. No
máximo, isso proporciona um
ambiente de trabalho mais
tranquilo aos professores. Num
triste contexto de aumento
da violência nas escolas
em que, muitas vezes, os
alunos ameaçam os mestres.
Porém, acho que as regras
impostas aos alunos chegam
a ser rigorosas demais e,
por que não dizer, cheias de
“frescuras”.
Creio que não seria uma
boa opção a criação de
novas escolas militares ou
a “militarização” de escolas
públicas que já existem.
Entretanto, não tenho dúvidas
de que há muito a se aprender
com a experiência delas. As
escolas militares provam que é
possível, sim, existir qualidade
no ensino público.
ENSINO MILITAR
Colégios têm evasão e
reprovação baixas
Com professores concursados
e valorizados, gestão
compromissada, alunos
interessados e boa estrutura,
o Colégio Militar de Fortaleza
(CMF) tem reprovação anual
girando em torno dos 4%
e abandono escolar igual a
zero. “A gente trabalha de
uma maneira muito forte os
atributos da área afetiva, o
desenvolvimento dos valores. A
disciplina a gente trabalha não
só com objetivo de cumprimento
de normas, mas para mudança
de atitudes. Esse é o diferencial
dos nossos alunos”, analisa o
coronel Paulo Passos, subdiretor
de ensino.
Na escola, as turmas têm, no
máximo, 35 alunos, comenta o
coronel e os alunos interessados
podem reforçar conteúdos no
contra-turno. Motivo de alegria
para Gabriel Jucá, Lívia Borges
e Bernardo Collaço. Os três
compartilham o sonho de cursar
Medicina e acreditam que
as boas práticas do colégio
contribuirão para a conquista.
“É muito importante formar a
personalidade do aluno pra ser
uma pessoa íntegra e boa. Acho
que essa é a mesma visão que
o colégio tem”, pontua Lívia, que
está no 8º ano.
O “contra-turno” de aulas faz
parte do período regular de
estudo de alunos do Colégio
Militar do Corpo de Bombeiros
(CMCB) desde o ano passado.
“Hoje o colégio se encontra com
ensino integral para 2º e 3º
anos. Nossos alunos têm mais
contato com o conteúdo”, indica
o major José Ribamar Cunha
Rodrigues, diretor pedagógico.
“Nosso professor é da rede
pública como qualquer outro.
Mas quando ele vem para a
escola, encontra estrutura e clima
favoráveis para maior dedicação,
maior compromisso, e começa a
dar retorno”, diz. (Mariana Lazari)