e-Terra Modelação tridimensional da geologia de

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e-Terra Modelação tridimensional da geologia de
e-Terra
http://e-terra.geopor.pt
ISSN 1645-0388
Volume 22 – nº 12
2010
Revista Electrónica de Ciências da Terra
Geosciences On-line Journal
GEOTIC – Sociedade Geológica de Portugal
VIII Congresso Nacional de Geologia
_________________________________________________________
Modelação tridimensional da geologia de Lisboa
3D modelling of Lisbon geology
R. MATILDES – [email protected] (Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, Departamento de
Geologia)
R. TABORDA – [email protected] (Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, Departamento de Geologia)
I. MOITINHO DE ALMEIDA – [email protected] (Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências,
Departamento de Geologia)
C. PINTO – [email protected] (Câmara Municipal de Lisboa e Universidade de Lisboa, Faculdade de
Ciências, Departamento de Geologia)
F. T. JEREMIAS – [email protected] (LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil)
RESUMO: Este trabalho, realizado no âmbito do projecto GeoSis_Lx, tem por objectivo o
desenvolvimento de um modelo geológico 3D, paralelamente à criação de uma base de dados geológicos
e geotécnicos, baseados em perfis geológicos. O modelo preliminar exibe padrões cartográficos próximos
da realidade geológica cartografada. A modelação das regiões afectadas por falhas constituiu desafio
complementar, requerendo refinamento localizado. Iniciar-se-á um processo iterativo de validação
cruzada com a base de dados de sondagens. Os primeiros resultados indicam que a metodologia se adequa
ao problema.
PALAVRAS-CHAVE: modelação 3D, SIG, geologia, krigagem, Lisboa.
ABSTRACT: This work, performed within the GeoSis_Lx project, aims to develop a 3D geological model,
parallel to the creation of a geological and geotechnical database, based on geological profiles . The
model shows cartographic patterns close to the mapped geological reality. Modelling regions affected by
faults posed an extra challenge, and requires localized refinement. A cross validation iterative process
will be carried out with the borehole database. First results show that the proposed methodology suits
well the problem presented.
KEYWORDS: 3D modeling, GIS, geology, kriging, Lisboa.
1. INTRODUÇÃO
A informação geológica e geotécnica existente acerca da cidade de Lisboa, resultante de
várias décadas de estudos e projectos, constitui um importante conjunto de dados. Esta
informação tem sido usada apenas pontualmente e não foram ainda estabelecidas metodologias
de organização e transferência dos dados que permitam uma utilização optimizada dos mesmos.
O projecto GeosSIS_Lx pretende utilizar os dados geológicos e geotécnicos disponíveis
acerca da cidade de Lisboa para cumprir dois objectivos complementares: implementar uma base
de dados geológicos e geotécnicos, coleccionados nas empresas e instituições com informação
relevante, e construir um modelo geológico/geotécnico tridimensional. Estas duas tarefas têm
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sido desenvolvidas simultaneamente e irão interagir segundo um processo iterativo de calibração
simultânea do modelo e validação dos dados.
A capacidade computacional disponível, que já permite gerir e processar grandes quantidades
de informação em formato digital, aumenta as possibilidades de utilização dos dados existentes
no planeamento urbano e em projectos de engenharia, através da aplicação da tecnologia de um
sistema de informação geográfica à Geologia Aplicada.
A longo prazo, com a base de conhecimentos que se pretende implementar, uma vez que
muita informação poderá ser directamente deduzida do modelo geológico de Lisboa, será
possível alterar-se o processo tradicional de investigação geológico-geotécnica, adequando o
plano de estudos, com evidente vantagem do ponto de vista da qualidade dos resultados obtidos
relativamente aos encargos de tempo e económicos. Por outro lado, esta informação permitirá a
actualização constante da cartografia geológica.
2. ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO
Os estudos geológicos realizados no século XIX trouxeram um contributo essencial para o
conhecimento actual da geologia de Lisboa na medida em que, na época, existiam inúmeros
afloramentos de boa qualidade (p.e. Cotter, 1956). Mais recentemente, a execução de diversos
estudos de engenharia, motivados pela expansão e reabilitação urbana, permitiram aumentar esse
conhecimento, especialmente em profundidade. Embora actualmente a disponibilidade de
afloramentos geológicos seja muito reduzida, o conhecimento da geologia de Lisboa, que
continua a ser possível através da intensa prospecção com sondagens, permite reunir grande
volume de dados.
No que concerne à geologia, o subsolo da cidade é muito diversificado em termos de
formações estratigráficas: observam-se unidades de idades Cretácicas a Miocénicas, cobertas por
formações do Pleistocénico e Holocénico. É relevante salientar a existência de vários e
importantes depósitos de aterro, heterogéneos na sua distribuição geográfica, natureza e
espessura. A importante rede fluvial existente proporciona também a existência de depósitos
aluvionares.
A geologia de Lisboa é, assim, dominada pelas formações sedimentares do Cretácico e do
Miocénico. Inclui calcários cristalinos e margosos cretácicos, bem como arenitos, siltitos e
conglomerados do Complexo de Benfica, e ainda argilitos, arenitos, siltitos, calcarenitos e
calcários miocénicos. O Complexo Vulcânico de Lisboa, de natureza basáltica, é caracterizado
por uma importante variação de espessura. Nesta formação é possível observar uma estrutura de
escoadas de lava, intercaladas por camadas piroclásticas e mesmo, em alguns locais, camadas
sedimentares (Pais et al., 2006).
Em toda a extensão do concelho observam-se dobramentos pouco acentuados e, na região
sudoeste, correspondente à Folha 3 da Carta Geológica do Concelho de Lisboa 1 : 10000,
observa-se um importante conjunto de falhas, que muitas vezes se intersectam, com uma
expressão complexa.
3. MODELAÇÃO GEOLÓGICA 3D
Tendo em consideração as características relativamente simples da estrutura geológica de
Lisboa, e de forma a poder disponibilizar a informação produzida no âmbito do projecto ao
maior número de utilizadores interessados, foi decidido executar a modelação numa plataforma
standard de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), ArcGIS 9.3.
A primeira fase da modelação tridimensional baseou-se exclusivamente na cartografia
geológica disponível na Carta Geológica do Concelho de Lisboa 1: 10000, e respectivos cortes
geológicos interpretativos, bem como 4 cortes geológicos interpretativos realizados por Almeida
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(1991) sob a mesma fonte de informação. Um modelo geológico pode ser construído por
sobreposição de superfícies sequenciais, criadas através de interpolação de diversos perfis
geológicos (Tonini et al., 2008) mas, ainda antes do próprio modelo, é necessário compreender a
correlação entre todas as unidades, as fronteiras que as separam, à superfície e em profundidade,
definindo a estratigrafia local (Culshaw, 2005). Assim, os 20 perfis interpretativos foram
previamente transpostos para formato digital e referenciados ao seu sistema local de distância vs.
profundidade. Foi compilado um conjunto de ficheiros de pontos, representativos das fronteiras
entre unidades estratigráficas e, realizado o processamento dos dados que permitiu passar de
informação distância vs. profundidade para informação tridimensional x,y,z, foram geradas, por
interpolação, superfícies que representam o topo de cada unidade estratigráfica considerada,
originando um conjunto total de 19 camadas geológicas. Todas as superfícies foram geradas por
krigagem ordinária, à excepção das superfícies representativas de unidades afectadas por falhas.
O método de krigagem permite ter em conta o comportamento especial dos dados numa
vizinhança relevante. Aplicado à geração das unidades geológicas, possibilitando a definição de
parâmetros como a remoção de tendência de primeira ordem e remoção do efeito pepita, a
krigagem retribuiu superfícies homogéneas, com inclinação, onde se pode observar, onde
existente, algum dobramento bastante expressivo.
O tratamento das unidades afectadas por falhas, que constituíram um desafio interessante,
passou pela interpolação executada por spline com barreiras, que permite introduzir fronteiras de
utilização de dados para a interpolação.
De forma a representar a realidade geológica, cada uma destas camadas sofreu as operações
matemáticas necessárias à sua representação no subsolo, tendo sido eliminados todos os pixels
de cota superior à superfície topográfica, representada por modelo digital de terreno com 5 m de
resolução (Figura 1).
Figura 1 - Extracto do modelo tridimensional geológico de Lisboa e respectiva legenda, representativa da
ordem de sobreposição das camadas geológicas (Exagero 6x).
4. RESULTADOS
Uma vez definidas as camadas geológicas, é necessário confrontar os resultados com uma
fonte de informação independente. A base de dados geológicos e geotécnicos não se encontra
ainda numa fase que permita que os dados nela contidos possam confrontar as informações do
modelo tridimensional. Assim, a primeira validação dos dados do modelo foi realizada por
comparação de linhas de contacto do modelo (Tonini et al., 2008), geradas pela intersecção do
modelo digital de terreno e as camadas geológicas, com os padrões geológicos à superfície
constantes na carta geológica 1: 10000.
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Os primeiros resultados podem considerar-se satisfatórios, sendo necessárias correcções
locais às superfícies modeladas, especialmente nos locais de pior distribuição de dados de base e
nas regiões afectadas por falhas, cuja modelação requer uma análise mais pormenorizada, não
compatível com a densidade de informação utilizada.
Na segunda fase do projecto, com a disponibilização da base de dados, será possível não só a
verificação directa do modelo, com base em sondagens seleccionadas, mas também iniciar um
processo iterativo entre modelo e base de dados de forma a calibrar e validar ambas as
ferramentas.
5. CONCLUSÕES
Apesar das intervenções ainda necessárias no modelo, este pode considerar-se implementado.
Iniciar-se-á brevemente a exploração da base de dados geológico geotécnicos, que permitirá
melhorar a consistência do modelo que, por sua vez, permitirá corrigir inconsistências nos dados
deste repositório.
Estando as duas ferramentas convenientemente implementadas e disponibilizadas ao público
interessado, poder-se-á evoluir significativamente no que é a tradicional investigação geológica e
geotécnica. Tais fontes de informação permitirão a consulta de grandes quantidades de dados,
sem necessidade de serem repetidas algumas tarefas no terreno, por vezes morosas e
dispendiosas, optimizando os estudos de engenharia, o planeamento do território e a gestão de
riscos, e contribuirão para a disponibilização de uma cartografia geológica actualizada, incluindo
não só as formações do substrato mas também os depósitos superficiais.
Ambas as ferramentas encontrar-se-ão em permanente actualização, e poderão beneficiar da
implementação de um procedimento semi-automático de transferência de dados entre empresas e
instituições com responsabilidades na temática da geologia de engenharia.
A qualidade e validade de todo este processo, desde a interpretação dos dados à integração
nos modelos geológico e geotécnico, dependente de um controlo e orientação a realizar por
técnicos especializados.
Agradecimentos
Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto “GeoSIS_Lx - Modelação e cartografia geológica e
geotécnica tridimensional em áreas urbanas. Aplicação a Lisboa” (PTDC/ECM/64167/2006) financiado
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Referências
Almeida, F.M. (1986) - Carta Geológica do Concelho Lisboa, 1: 10000. Serviços Geológicos, Portugal.
Almeida, I.M. (1991) - Propriedades Geotécnicas dos Solos de Lisboa. PhD Thesis (Unpub.). Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa.
Cotter, J.B. (1956) - O Miocénico Marinho de. Lisboa. Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal. XXXVI
suplemento. Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos. 170 p.
Culshaw, M.G. (2005) - From concept towards reality: developing the attributed 3D geological model of the shallow
subsurface. Quarterly Journal of Engineering Geology and Hydrogeology, 38, pp. 231-284.
Pais, J., Moniz, C., Cabral, J., Cardoso, J., Legoinha, P., Machado, S., Morais, M., Lourenço, C., Ribeiro, M.,
Henriques, P. & Falé, P. (2006) - Notícia explicativa da Folha 34-D Lisboa. Instituto Nacional de Engenharia,
Tecnologia e Inovação.
Tonini, A., Guastaldi, E., Massa, G. & Conti, P. (2008) - 3D geo-mapping based on surface data for preliminary
study of underground works: A case study in Val Topina (Central Italy). Engineering Geology, 99, pp. 61-69.
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