Por que os planetas não falam? Hugo Rosenthal Lacan propõe no
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Por que os planetas não falam? Hugo Rosenthal Lacan propõe no
Por que os planetas não falam? Hugo Rosenthal Lacan propõe no Seminário 2, O eu na teoria de Freud e na técnica psicanalítica, uma curiosa pergunta: por que os planetas não falam? Sua resposta não é menos surpreendente: porque os calaram. Conclui-se que, para Lacan, os tais planetas falavam e, em algum momento, alguém ou algo os calou. Essa estranha colocação faz sentido sob a perspectiva da distinção que faz Lacan entre fala e linguagem, distinção esta que norteará todo o seminário em questão. Desde Freud, o inconsciente está associado às falhas que surgem no discurso através das formações do inconsciente. Lacan, fazendo uso da linguistica estrutural, leva a relação entre linguagem e inconsciente às últimas consequencias: o inconsciente está estruturado como linguagem. Esta é a hipótese central que norteará toda a perspectiva lacaniana do inconsciente, no seu chamado primeiro ensino, cuja ênfase está no simbólico. No seminário 2, Lacan apresenta o esquema L. O que se destaca nesse esquema são, por um lado, a relação do eu com o outro, e por outro, a relação da fala com a linguagem. S a' (outro) Muro da linguagem (eu) a Inconsciente A (Outro) O esquema L comporta a crítica às relações de objeto. O eu e o outro são objetos imaginários. O lado esquerdo, do sujeito, e o lado direito do outro, são duais. Do lado esquerdo se diferencia o sujeito do inconsciente e o eu. Do lado direito, o outro especular e o Outro como alteridade radical. "Não pode haver uma correta concepção e condução da análise se se confundem os extremos heterogêneos, tanto do lado esquerdo, como do lado direito." (Eldezstein, 1992, pág. 67) É por esta razão que Lacan utiliza a mesma letra para designar o eu (a) e o outro (a'). "Esta forma do outro tem a mais estreita relação com o seu eu, ela pode ser superposta e nós a escrevemos a'. Existem pois, o plano do espelho, o mundo simétrico dos eus e dos outros homogêneos." (Lacan, 1985-1, pág. 307) O esquema L apresenta dois eixos que interligam os lados, esquerdo do sujeito, e direito, do outro. O eixo imaginário, aa', inscreve a dialética do estádio do espelho. Também inscreve a função da linguagem que se distingue da função da palavra. Lacan a denomina "muro da linguagem". Se a linguagem é simbólica, porque ele a coloca no eixo imaginário? "Existem, pois, o plano do espelho, e o mundo simétrico dos ego-ais e dos outros homogêneos. Carece distinguir desse aí, um outro plano, que vamos chamar de muro da linguagem. É a partir da ordem definida pelo muro da linguagem que o imaginário toma sua falsa realidade, que é, contudo, uma realidade verificada. O eu, tal como o entendemos, o outro, o semelhante, estes imaginários todos, são objetos. É verdade que eles não são homogêneos às luas - e a cada instante, corremos o risco de esquecer isto. Porém são efetivamente objetos, por serem assim denominados num sistema organizado que é o muro da linguagem." (Lacan, 1985-1, pág. 307) A linguagem adquire uma função imaginária na medida em que objetiva o sujeito como "eu" e o outro. Ambos são objetos. Opondo-se à função objetivante da linguagem, temos no eixo AS a palavra que cumpre a função de reconhecimento. "Na palavra verdadeira, o Outro é aquilo diante do que vocês se fazem reconhecer. Mas vocês só podem se fazer reconhecer por ele porque ele é em primeiro lugar reconhecido. Ele deve ser reconhecido para que vocês possam fazer-se reconhecer." (Lacan, 1985-2, pág. 63) O sujeito no esquema L é o sujeito do inconsciente, aquele que não sabe o que diz. E o inconsciente é justamente, o discurso deste Outro, como alteridade radical. Ou como aponta Lacan: o inconsciente é a parte do discurso concreto, como transindividual, que falta à disposição do sujeito para estabelecer a continuidade de seu discurso consciente. Bem, retornando à questão lançada no início deste trabalho, o que o silêncio dos planetas teria a ver com o esquema L? Lacan propõe que durante muito tempo e, até recentemente, os planetas possuíam uma existência subjetiva. A ciência foi paulatinamente destituindo o caráter de seres dos planetas, até que veio Newton e, com ele, a matematização radical dos corpos celestes. Todo o comportamento dos planetas reduziu-se a inscrever-se numa linguagem, conforme havia enunciado Galileu: "a natureza está escrita em linguagem matemática". A teoria do campo unificado, resumida na lei da gravitação, demonstra como tudo se move e se mantém unido a partir de uma linguagem simples que comporta três letras. "Tudo o que entrar no campo unificado nunca mais falará, por tratar-se de realidades completamente reduzidas à linguagem. Penso que vocês estão vendo aqui a oposição que existe entre fala e linguagem." (Lacan, 1985-1, pág. 302). Lacan, bem mais à frente no seu ensino, irá trazer novos elementos à questão da fala e da linguagem relacionadas aos planetas. Em O real no século XXI, por exemplo, Miller assinala que Lacan, no texto A ciência e a verdade (Escritos), inscreve a magia e a ciência como duas das quatro condições fundamentais da verdade, além da religião e da psicanálise. O mago busca fazer a natureza falar através do significante encantamento. Com a ciência passa-se da fala à escrita. Porém a magia já indicava uma aspiração ao discurso científico, na medida em que ao fazer a natureza falar, perturbava-a, infringindo a ordem divina. Newton, além de formulador da teoria da gravitação universal, foi um eminente alquimista. Referências bibliográficas Eidelsztein, A. Modelos, Esquemas y Grafos em la Enseñanza de Lacan. Buenos Aires: Ediciones Manancial, 1992. Lacan, J. O seminário. Livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica psicanalítica. Rio de janeiro: Zahar, 1885. Lacan, J. O seminário. Livro 3: As Psicoses. Rio de janeiro: Zahar, 1885. Miller, J.A. O real no século XXI. Conferência apresentada em 26/04/2012 no VIII Congresso da AMP. Buenos Aires.