Educação e Aprendizagem Corânica na África Ocidental

Transcrição

Educação e Aprendizagem Corânica na África Ocidental
Notas sobre SI
Nº 11, Agosto de 1999
Banco Mundial
Educação e Aprendizagem Corânica na África Ocidental
Quais são as capacidades “práticas” e
literárias que os estudantes adquirem em
diferentes níveis do ensino Corânico
praticado na África Ocidental? Em que
actividades
diárias
são
esses
conhecimentos aplicados e, atarvés de
que ligações sao utilizados
e
desenvolvidos? O ensino Corânico, nas
suas múltiplas formas, constitui um
sistema paralelo de educação, que existe
há muito tempo na maior parte do
Continente Africano. Embora sendo
praticado há séculos, continua sendo
relativamente desconhecido para os
planificadores do desenvolvimento e,
por isso, raramente é considerado de
forma explícta nas políticas e estratégias.
até, a chegada das embarcações
Europeias à Costa Ocidental de África ,e
a instituição do comércio trans-Atlântico
de escravos e do comércio triangular
entre África, Europa e o Novo Mundo
por ele alimentado. No início a espinha
dorsal do comércio trans-Sahariano era
constituida por uma rede de cidades
estabelecidas ao longo das rotas
comerciais
frequentadas
por
comerciantes itinerantes do Norte de
África, que se foram , gradualmente ,
sedentarizandos e/ou sendo substituidos
por grupos locais. O desenvolvimento e
prosperidade deste comércio forneceu a
maior parte dos recursos necessárias
para o estabelecimento dos estados.
O Islamismo tem uma história extensa
na África Ocidental e os seus sistemas
de educação têm, de facto, estado
activos há muito mais tempo que os
sistemas Ocidentais. A fé Islâmica
iniciou a sua expansão em África, no
século VII. Por volta do século X,
comunidades de comerciantes e sábios
Muçulmanos tinham-se já estabelecido
em vários centros comerciais do Sahara
Ocidental e do Sahel. No século XI ou
XII, os governantes de reinos como
Takrur, Anciente Ghana e Gao
converteram-se
ao
Islamismo
e
designaram Muçulmanos instruídos em
Árabe como seus conselheiros.
A estrutura de um sistema subemerso
O comércio trans-Sahariano prosperou
no período pré-coloniail e
foi
responsável pela maior parte das
mercadorias trocadas entre África e a
Europa entre os séculos XI e XVI - isso
O sistema de aprendizagem Islâmico ao
longo da África Ocidental é constituido
por fases interligados mas nao é tão
rígidamnete estruturado como o
seu
contraparte Ocidental.
As Notas sobre o SI reportam periodicamente
sobre iniciativas de Saber Indígena (SI) na
África Sub-Sahariana. São publicados pelo
Centro de Conhecimento e Aprendizagens
para a Região de África como parte da
actividade da parceria sobre SI, envolvendo o
Banco
Mundial,
comunidades,
ONGs
instituições
de
desenvolvimento
e
organizações multilaterais. Os pontos de vista
expressos neste artigo são dos respectivos
autores e não devem ser atribuidos ao Grupo
do Banco Mundial ou seus parceiros nesta
iniciativa. A página da internet sobre SI está
disponível em:
http://www.worldbank.org/aftdr/ik/def
aut.htm
Adicionalmente, aquele
sistema inclui
hoje,
um programa tradicional (o
próprio ensino Coârnico), um programa
formal,
equivalente
ao
ensino
“moderno”
(escolas Franco-Árabicas,
por vezes denominadas madrassas), e
formas
intermédias
ou
híbridas
geralmente referidas como “ensino
Corânico melhorado”.
Na base do
sistema tradicional estão os maktab ou
escolas Coranicas de
nível primário,
onde as crianças entre os 3 aos 10 anos
começam, a aprender o Alcorão e os
princípios básicos da vida Islâmica.
Esse nível é seguido pelo madris ou
escola secundária onde, os alunos que
tiverem essencialmente memorizado e
transcrito grande parte (no mínimo) do
Alcorão, continuam os seus estudos nas
chamadas “Ciências Islâmicas” (ilm),
incluindo as tradições escritas da religião
e uma quantidade variável de outros
materiais didácticos. Uma pequena parte
dos
estudantes
,
devidamente
seleccionados , prosseguem para além
deste nível fazendo estudo avançados
com imams e marabouts famosos da
região ou em Universidades Islâmicas no
Norte de África e noutros países
Muçulmanos.
Pelo menos, na sua forma elementar,
representada pelas escolas Corânicas
locais, o ensino Islâmico está espalhado
através de toda a África Ocidental. Por
exemplo, em 1990 estimava-se que só no
Niger havia 40.000 dessas escolas. Esta
forma de educação constitui, na
realidade, uma cultura de conhecimento
alternativa
(às
ideias
oficiais
e
Ocidentais), amplamente escondida
e
rivalizando
frequentemente
intersectando ou hibridizando- com a
educação oficial, mesmo considerando
que em vários paises Africanos a
instituição básica do ensino islâmico - o
maktab - não é considerado como sendo
uma escola . Os estudantes de Alcorão,
professores e crentes em geral a nível da
região estão bem cientes da longa
história e da infûencia da fé Islâmica
na África Ocidental pois muitos dos
seus maiores sábios
e professores
gozam de grande poder político e
económico, particularmente nas regiões
do Sahel. Os que, há anos estão
envolvidos no comércio de
produtos
agrícolas de rendimento no Niger, Mali
e Senegal, por exemplo, desenvolveram
redes comerciais bem capitalizadas com
ramificações nos sectores imobiliário e
indústrial e, cada vez mais, além
fronteiras.
Tudo
isto
fortalece
considerávelmente a atracção para
diferentes
formas
de
educação
islâmica,vista como via de entrada para
um sistema alternativo frequentemente
muto influente no domínio político e
económico. Em resumo, pode-se afirmar
que
está em actividade
uma forte
cultura trans-nacional.
Qualidade
extensiva,
variável,
cobertura
Apesar
das
tendências
para
a
uniformização, subjacentes à cultura e
orientação básica relegiosas, a natureza e
a qualidade de instrução das escolas
Corânicas, e o sistema Islâmico como
um todo, variam de forma notória de
uma região para outra. Nas áreas de
influência Islâmica a grande maioria das
crianças frequenta a escola
islâmica.
Elas aprendem, principalmente, por
memorização dos textos sagrados. Os
rapazes constituem a maioria dos
estudantes, mas frequentemente, nas
primeiras clases, a relação nao é maior
que 3/2 ou 2/1 . Em algumas regiões
comoem Futa Jalon na Guiné, os níveis
de
frequência
por
virtualmente os mesmos.
género,
são
Nestas regiões a
“profundidade” da
instrução Islâmica é muito variável, mas,
em geral ,os
estudantes do sexo
masculino que continuam para além dos
primeiros níveis do Alcorão, prosseguem
os seus estudos até níveis relativamente
superiores. É
muito raro
o
conhecimento
do árabe clássico ou
moderno, para além dos
textos do
Alcorão é muito raro, (excepto entre os
que tenham estudo em países de língua
Árabe): os níveis mais altos de
educação prática - ou seja, habilidade de
ler e escrever correspondência, tomar
notas e geralmente comunicar-se pela
escrita - são mais frequentemente
encontrados em áreas como
a Alta
Guiné, na Sine Saloum do Senegal, e em
regiões de língua Hausa no Niger, onde
existe um
desenvovido sistema de
transcrição de línguas Africanas usando
caracteres Árabes (denominado ajami na
língua Hausa e em Fulani). Na Guiné,
93 porcento de uma amostra de 77
homens
maomenanos
“alumni”
entrevistados declararam-se capazes de
ler e escrever em ajami. Em aldeias
contactadas no Senegal, entre 25 a 75
porcento de adultos do sexo masculino, e
entre 10 a 25 porcento de mulheres
declararam
o
mesmo
nível
de
aprendizagem.
Em todos casos, a
proporção foi bem superior - se não
múltipla - aos níveis de instrução em
língua Francêsa para as mesmas
comunidades, predominantemente rurais.
Por outro lado, apenas 26 porcento de
uma amostra de antigos estudantes de
Corão
guineenses,
consideraram-se
“hábeis em artimética” contra 93 % que
se
consideraram aptos em escrever
textos em ajami.
A maioria de
marabouts e imams aparentam, contudo,
ter adquirido habilidades numéricas, de
uma ou de outra forma, o que ajuda a
entender a frequência com que eles são
encontrados a assumir responsabilidades
contabilisticas
em
negócios
comunitários.
Embora a iniciação vocacional não seja
uma componente curricular explícita de
ensino Corânico, muitos estudantes que
continuam depois do nível elementar
acabam trabalhando como aprendizes
junto aos marabouts ou com os artesãos
ou comerciantes filiados, nem que seja
apenas para ajudar no seu sustento e no
pagamento das propinas.
O ensino
Corânico tende a incluir elementos
práticos ligados à actividade
das
comunidades,
embora
so
eccepcinalmente
estes
sejam
sistematizados como uma verdadeira
instrução vocacional; e os estudantes
corânicos são incutidos com a noção de
que, depois de uma certa idade, (eles)
terão de olhar por si própios e deverão
encontrar bolsas apropriadas se quiserem
continuar os estudos. Isto levou um
investigador Senegalês, a comentar que :
“as escolas Corânicas formam criadores
de emprego, enquanto o sistema formal
forma procuradores de emprego – ou
seja pessoas habilitadas apenas a ser
empregadas.”.
Aplicações de ensino Corânico
A aplicação secular mais frequente do
estudo do Alcorão à nível individual é a
escrita e a correspondência e, a amior
aspiração dos graduados dos estudos
islâmicos é a de se tornarem marabouts
ou imams por haver uma considerável
procura de professores e prestadores de
serviços religiosos, dada a rápida
expansão do Islamismo da Africa
Ocidental nos últimos anos. Contudo,
mais de um quarto de inquiridos da
Guiné, referiram, e tendências similares
são evidentes na região, o exercício das
funções públicas locais como sendo um
resultado prático da sua formação.
Contudo,
aplicações
colectivas
e
comunais não são menos frequentes. No
Sahel, desde há
vários
séculos, a
moralidade,a
jurisprudência
e
a
autoridade Islâmica têm sido usadas
como pilares da governação tradicional.
De facto, em muitas das línguas do
Sahel a maior parte do vocabulário,
relacionado não só com a religião, mas
também com as leis, a administração
local, diplomacia, e o ensino superior, é
derivado ou, directamente “ emprestado”
do Árabe.
Conclusões: Vias alternativas para o
Conhecimento
O resultado da conjugação de todos
factores atrás referidos é que, a Instrução
Islâmica básica - do tipo da que é
ministrada nas escolas Corânicas locais
- tem actualmente, na África Ocidental,
aplicações práticas e impacto, em três
dimensões:
hConstitui uma introdução
nas
técnicas de escrita e, em menor grau, à
artimética,
para
uma proporção
considerável da população, constituída
por homens e mulheres, muitos dos
quais, doutro modo, teriam pouca ou
nenhuma educação.
Os que estudaram o suficiente para
ganhar fluência na leitura, escrita e
cálculos para usos práticos diários
(geralmente nalgumas línguas africanas,
uma vez que o conhecimento funcional
do Árabe é ainda mais restrito)
e
constituem
uma
minoria
apenas
quantificável nalgumas áreas. Além
disso, o estudo da escrita arábica
tornou-se um ponto de referência, em
muitos aglomerados rurais e pequenas
vilas , embora estes sejam tidos como
“analfabetos”, em termos Ocidentais.
h É um treino para liderança local, uma
vez que uma instrução Islâmica sólida é
geralmente aceite como um indicador de
moralidade, honestidade e disciplina e
portanto constiuti qualificação primária
para quem tiver que assumir posições de
responsabilidade
hAdicionalmente, tem sido sempre - e
dado o recente desagrado com o ensino
formal, tem se tornado, crescentemente uma via para a progressão social e
económica devido à relação estreita
entre os círculos Islâmicos e os círculos
comerciais e tradicionais na região. Os
graduados da escola Corânica têm maior
possibilidade de encontrar emprego ou
postos de aprendizagem junto
dos
comerciantes tradicionais e no sector
informal do comércio.
Este artigo basea-se na investigação feita por investigadores locais com o apoio
técnico e supervisão de Peter Easteon, Professor Associado, Graduado em Estudos de
Educação de Adultos, Universidade de Flórida, com a forte colaboração das
respectivas comunidades Africanas. A investigação foi conduzida sob égide conjunta
do Clube do Sahel/OECD, da CILSS e da Associação para o Desenvolvimento da
Educação em África (ADEA).