MAN CRUSH - 007 (Pelo Mundo, Segundo Caderno de O Globo)
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MAN CRUSH - 007 (Pelo Mundo, Segundo Caderno de O Globo)
2 l O GLOBO | l Segundo Caderno l Pelo Mundo De Los Angeles | _ EDUARDO LEVY [email protected] _ Quinta-feira 15.11.2012 A intensidade e a supremacia da forma em ‘Suburbia’ DIVULGAÇÃO Artigo Man crush – 007 Para quem não conhece, o termo “man crush” é definido como a atração que um homem heterossexual tem por outro homem, sem conotação sexual, mas, sim, como uma forma de idolatria. Muitos por aí têm por jogadores de futebol. Bom exemplo. My man crush, however, is Royal Navy Commander Bond, James Bond. I rresistível, invencível, imortal, o mais esperto dos espertos, gato com 23 vidas no cinema. Até agora. E hoje, apesar de loiro de olhos azuis, verdadeiramente cruel, cru e mentalmente combalido como seu criador Ian Fleming o imaginou há 60 anos nas páginas dos livros que escreveu sobre o personagem, sempre buscando inspiração em sua própria vida de bon vivant e militar nascido em berço de ouro. Neste século XXI, os filmes de Bond deixaram de ser pop culture, tornaram-se propriedades da realeza do cinema. Cineastas e atores consagrados, vencedores de Oscars entram na fila pela chance de dirigir, escrever e atuar para o mais famoso dos agentes secretos. E nós, espectadores e espectadoras, esperamos mais ansiosos por sua vinda, como um cometa que cruza os céus de tempos em tempos. “007 — Operação Skyfall”, ou simplesmente “Skyfall”, a mais recente de suas aventuras, é prova de tudo isso. Lançado mundo afora há algumas semanas e nos EUA apenas no weekend que passou, já está prestes a bater todos os recordes de bilheteria da série. Dirigido por Sam Mendes, Oscar de melhor diretor por “Beleza americana”, fotografado por Roger Deakins, indicado à estatueta apenas 9 vezes, e com Judi Dench, Javier Bardem, Ralph Fiennes e até mesmo uma ponta de Albert Finney — 16 indicações entre os quatro, só para manter o tema — “Skyfall” é dos mais cativantes. Críticos correm para anunciar que deve ser o melhor de todos. Algumas considerações antes de prosseguirmos: para mim a distinção ainda fica com “Cassino Royale”, o reboot de 2006 e o primeiro com Daniel Craig no papel principal. Não confundir com o “Cassino Royale” de 1967, uma besteira divertida com David Niven, Peter Sellers, Woody Allen, Orson Welles e muitos outros, e que nada tinha a ver com o primeiro livro escrito por Fleming. De qualquer forma, há filmes que definem um ator, um personagem, uma série. Esse, “Skyfall”, é o filme. Craig é imbatível no papel principal. Posso dizer que já era Bond antes de ser Bond. É só assistir “Layer cake”, de 2004, ou, como foi lançado no Brasil, “Nem tudo é o que parece”. Daniel already kicked some serious ass back then! Sempre preferi Sean Connery. Marcelinha adorava Roger Moore. Isso quando aquele universo nos parecia preto ou branco e muito ingênuo. Mas Craig é ao mesmo tempo sensível e macho cheio de testosterona. Representa a mudança de costumes e ponto de vista neste mundo cinza escuro em que vivemos. Nos três filmes da série em que apareceu, e que nos levaram ao início das suas missões para o MI-6 (ou SIS, ou Serviço Secreto de Inteligência), o seu Bond aprendeu, na marra, apanhando, torturado fisica e emocionalmente, que boas pessoas também morrem, e não importa quantas vezes salve o planeta, ele não vai necessariamente se tornar um lugar melhor. Bem, no fim das contas o filme foi produzido para divertir, entreter as massas de todos os continentes. Há os exageros de sempre, mais charmosos dos que os encontrados normalmente. As cenas de ação são sempre excepcionais. O vilão de Bardem é especial, cativante, por vezes engraçado, e preciso. Não quer destruir ou dominar. Quer algo menor, mais pessoal. Determinado, obviamente deixa um rastro de sangue em seu caminho até atingir seu objetivo. E fico absolutamente jubilante vendo Ben Whishaw como o jovem Q. Essa coluna trata de outro assunto, mas escrevam esse nome em um pedacinho de papel para abrir em alguns anos. Talentoso, camaleão em tudo o que faz, Whishaw vai dar muito o que falar porque já dá o que falar no teatro, em filmes como “Perfume — A história de um assassino” e em diversos programas para a tevê britânica. Ao fim do espetáculo é difícil não compará-lo ao epílogo de “Star Wars: Episódio III — A vingança dos Sith”, quando tudo o que sabemos daquele mundo se encaixa e passa a fazer sentido. O mesmo aqui com James Bond desde sua estreia nas telas em “007 contra o satânico Dr. No”. Durante o ano, nomes de quem sucederia Daniel Craig cruzaram países, até que ele assinou por duas produções adicionais. Mesmo assim, deve encerrar a carreira de agente ainda nesta década. Seja quem for ou quando acontecer, uma coisa é certa: Bond is a grown up now and he’ll never be the same. l SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA FRANCISCO Pelo HERMANO FELIPE Pelo mundo VIANNA HIRSCH mundo BOSCO CRISTINA EDUARDO RUIZ GRAÇA BERLIM NOVA YORK ANA PAULA SOUSA EDUARDO LEVY LONDRES LOS ANGELES SÁBADO DOMINGO JOSÉ CAETANO MIGUEL VELOSO WISNIK LUIZ EDUARDO SOARES [email protected] L uiz Fernando Carvalho realizou obras marcantes no cinema e na TV, com ousadia estética amplamente reconhecida. O compromisso formal articula-se, agora, na série “Suburbia”, com uma leitura reconstrutiva da sociedade carioca, promovendo um resultado soberbo. O roteiro foi escrito pelo diretor com Paulo Lins e Carla Madeira. Os atores e atrizes, quase todos negros, são descobertas notáveis, que jogam por música com alguns talentos veteranos. De “Cidade de Deus” a “Desde que o samba é samba”, Paulo Lins se dedica a mesclar observação etnográfica com elaboração narrativa ficional. Sua experiência biográfica enriquece a etnografia, transmitindo ao olhar reflexivo um sabor testemunhal, ao mesmo tempo que confere ao testemunho densidade analítica. Por isso, seus escritos são tão ricos e fortes. Em “Suburbia”, a poesia dos criadores captura a vitalidade da Zona Norte e flagra a urgência de uma sociedade que ferve no fogo do medo e do desejo, no alvoroço das possibilidades, na fricção das contradições, longe do olhar bovino da Casa Grande, que acha feio o que não é clichê, que decalca o futuro nos moldes do passado idealizado, que discrimina e não se crê racista, que ainda sonha o velho sonho americano da prosperidade ilimitada, cujo prazo de validade esgotou-se na matriz. Quando as cores do subúrbio carioca entram em cena pela primeira vez, no primeiro episódio de “Suburbia”, a luz comove antes que se diga uma palavra, derramando áfricas e mississipis imemoriais em nossa mais remota sensibilidade. No segundo episódio, essa mesma luz invade nossa praia interior como uma onda irresistível de empatia calorosa, aquém de conceitos e significados. Parece triunfar a fantasia de uma civilização fraterna e livre nos trópicos, regida por Eros, no embalo de todos os ritmos e sons, credos e cores. Civilização idealizada da qual sabemos pouco na vida real, embora sua imagem nos interpele. Se os subúrbios norte-americamos encenaram o paraíso da classe média, que calculava a felicidade pela métrica fetichista do consumo, os subúrbios cariocas armam palcos para múltiplas utopias, das mais torpes e redundantes às mais belas e Poesia. Érika Januza como Jéssica: Luiz Fernando Carvalho faz uma leitura reconstrutiva da sociedade carioca generosas. Nossos subúrbios entram em cena irradiando a voltagem indomesticável da força vital de seres humanos individuais e incomparáveis, nas tramas complexas de suas relações. Enigmas e potência estão ali, o que cancela ilusões, porque, havendo potência criativa, liberdade e diversidade, é inevitável que bem e mal estejam presentes, e que seja plausível a hipótese de que o futuro nasça envenenado. Por outro lado, quanta vitalidade. A intensidade é a chave e o sentido, ainda que indizível. Não pode ser representada. Mas pode ser evocada, sensibilizando-se o olhar, encharcando a alma do espectador com a luz e a abertura do espectro das cores, com suas modulações quentes e suas nuances. Intensidade também se experimenta quando a música esculpe o tempo, no contraponto da imagem. Pode também ser evocada, mergulhando-se palavras, regras, conflitos e emoções no Piscinão de Ramos, aquele oceano retrátil que, no segundo episódio, verga a flecha do ódio. A intensidade, por sua ambivalência constitutiva, por sua natural amoralidade, não anula: dobra códigos morais, disciplina, leis, ritos, fronteiras, corpos e papéis. E o passo já é dança. A amizade, quase amor. O convívio beira a guerra. Desde a entrada em cena hipnótica do subúrbio, no primeiro episódio, até a liquidação das resistências de Vera ao amor entre Clayton e Conceição, no segundo, a imagem oscila entre a estridência de um tom metálico e rutilante, hiperrealista, e a suavidade da aquarela impressionista, quase abstrata, tão forte a impressão de que não há contornos, apenas a emoção de compartilhar um momento em um território. Como costuma ocorrer na estética rigorosa de Carvalho, as escolhas não são arbitrárias. Observe-se a chegada da turma agressiva ao baile funk, no segundo episódio. A estridência das cores esmaltadas do automóvel, da pintura dos olhos e dos adereços do figurino de Jéssica: a realidade superlativa nega a própria solidez e desmancha no ar. Atente-se para o contraste visual com a festa na praia. A variação não é aleatória, assim como é formalmente precisa a construção de diálogos e polifonias. Um exemplo brilhante é a intervenção da voz em off de Clayton, inaugurando um diálogo confessional com Cicinha, mas que soa, inicialmente, como flashback discursivo convencional, contando a história familiar do rapaz para explicar seu desejo de vingança. A edição surpreendente corta a sequência narrativa para o meio da conversa entre os namorados e redefine o que se viu, emprestando profundidade e dinamismo às cenas finais. A educação sentimental também é nossa. Em “Suburbia”, o alfabeto é sensorial. a intervenção de uma intelectual expõe as contradições brasileiras mais agudas, materializadas na perversa instituição que é o emprego doméstico. A proteção maternal traz consigo seu avesso. A sombra da generosidade é o cativeiro inconsciente de si. A marca ostensiva da violência vem com o estupro dentro de casa. O sexo que abre portas para a mulher belíssima cumpre papel de algoz, bloqueando sua passagem e aniquilando perspectivas. Não é o sexo a fonte da violência, por óbvio, mas a cultura machista, associada ao racismo e ao preconceito social. Contudo, sexo remete a natureza, ainda que se realize no campo da cultura. E a natureza está contaminada pelo princípio da corrosão, desde a origem carvoeira. A beleza é sempre a iminência da ruína, ainda que seja sublime e ponte para redenção. Assim como a sociabilidade arejada do subúrbio, morada de contradições e antagonismos, cujo destino não se resolve. No centro nervoso do labirinto dramatúrgico de “Suburbia”, o sentido se decide pela supremacia da forma, porque é graças ao rigor estético que as múltiplas dimensões narrativas se articulam, ecoando a tensão insolúvel entre polos antagônicos e identificando a potência irruptiva subterrânea na cartografia carioca. Em poucas palavras: o que, na tradição portuguesa, que a saga dos Maias representa, era ruptura da harmonia contida que sustentava a velha ordem aristocrática, aqui, em “Suburbia”, é ritmo e linguagem. O excesso incorporado é matriz de nossa sociabilidade popular, perdendo seu sentido original, portanto, e se convertendo em intensidade, marca e valor culturais que o rigor estético de “Suburbia” nos deixa ver e sentir. l ORÁCULOS Antes de chegar à cidade, Conceição, ainda criança, habita a zona rural degradada, numa família miserável, que sobrevive produzindo carvão, isto é, produzindo a degradação ambiental e de si mesma. O campo não se opõe à cidade por virtudes idílicas. O único patrimônio valioso da família são os laços de afeto, além do cavalo branco e cego que o pai teima em sacrificar, mas acaba salvo pela menina. O animal roseano vê fundo na escuridão daqueles tempos e antevê a noite do futuro, mas oferece o garbo fiel de seu galope e abre caminhos à sua jovem protetora. Ele a leva ao trem que a conduzirá para longe, para depois das fronteiras do mundo cerrado daquele sertão mineiro, cuja natureza parece a mortalha de seu povo escasso, e figura como simples arena para o exercício do princípio de corrosão. A cegueira do cavalo veloz que vê no escuro, e além, dialoga, no segundo episódio, com a personagem Mãe Bia, “que lê pensamento”. A cegueira do animal e a religiosidade da matriarca são oráculos. Luiz Eduardo Soares é Ainda no primeiro episódio, antropólogo e escritor ANDREA, ‘JACINTA’ CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 1 E são as trapalhadas de Jacinta o grande motor do espetáculo: suas falhas e seus desacertos nos fazem rir — e rir também de nós mesmos. Sua desgraça é o fracasso comum a todos. Mas, em vez da tragédia, “Jacinta” pega um atalho e envereda pela diversão. Sua epopeia atravessa o Brasil. Na jornada, ela se une a diversos personagens, vividos por Gillray Coutinho, Isio Ghelman, José Mauro Brant, Augusto Madeira e Rodrigo França. Ao longo da saga, não é possível saber se Jacinta conseguirá tornar-se uma atriz reconhecida — seu grande trauma é nunca ter recebido aplausos. E nesse caminho, os autores põem até Shakespeare para lhe dar aulas. — Adaptamos uma passagem de “Hamlet”, que é uma verdadeira aula de teatro — diz Aderbal, referindo-se à cena em que o personagem orienta um grupo de atores. — Mas na peça colocamos as falas como sendo ditas por Shakespeare. Ele faz com que ela perceba a importância do equilíbrio entre fala e ação. São belos conselhos, um momento comovente. Você vê Jacinta tendo seus erros observados e consertados por Shakespeare. Andrea complementa: — É uma aula que vale para a vida. É sobre o significado e o modo de dizer as palavras, sobre a representação do humano dentro e fora do palco. É uma porrada linda, que descarta o que é falso, aquilo que é feito para agradar. É quando a Jacinta larga a ideia fixa de aplauso e entende que a arte é o que existe, a construção. Branco Mello, que já havia trabalhado com Andrea no musical infantil “Eu e meu guarda-chuva” (2002), sintetiza o espetáculo numa nota só: — É uma declaração de amor ao teatro no seu sentido mais amplo, que é a arte de subir num palco e se apresentar a alguém. E é por isso que é emocionante ver a Andrea fazendo essa personagem, porque além de atuar, ela sabe cantar. Sendo um musical, as letras funcionam como dramaturgia, e cada arranjo tem a função de desenhar um contexto. — A peça abre com uma música sobre a fome, depois há outra sobre a chegada dela ao Brasil, uma que narra suas aventuras e outra sobre o som do aplauso — enumera. Aplausos que Andrea certamente terá, e que, por tabela, serão redentores para Jacinta. — O bacana de ser atriz é poder emocionar, fazer rir, de um modo puro, mas sem ser ingênuo. Está além de ser só natural ou só estudado. É quando você pratica tanto que faz algo e parece que não há esforço. Muitas vezes arte e aplauso não caminham juntos. Você pode rasgar seu coração, e aquilo só ter sentido para você e mais meia-dúzia, mas pode ser também que você tenha a sorte de ser um atleta como o Messi, fazer um gol e ser aplaudido por um estádio lotado. l