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Trechos 1o. capítulo
A Torre de Babel
A princesa Nûria e sua escrava Ajatija buscam repouso provisório em Babel.
Na cidade, a jovem mulher é surpreendida por um homem que, um pouco alterado pela
cerveja, decide pregar-lhe uma inocente peça.
Assim, num momento tão banal, o destino mudaria completamente aquelas vidas.
A admirável cidade de Hammurabi possuía um excelente karum, porto, onde
atracavam barcos de diversos tamanhos e procedências... Todas essas facilidades e
encantos faziam com que Babel fosse freqüentada por pessoas de diferentes regiões e
culturas, em busca de todo tipo de oportunidade.
– Veja quantas pessoas! Estarão procurando refúgio, como nós? – perguntou
Ajatija, impressionada com a multidão que trafegava em direção à cidade.
– Realmente, quanta gente!... Mas não creio que seja por esta razão que
estejam aqui – respondeu a princesa, esboçando um leve sorriso diante daquela
observação tão inocente.
– O que estarão vindo fazer? – prosseguiu a escrava, intrigada.
– Deve ser por causa do comércio e, certamente, muitas dentre elas vieram
também visitar a grande Esagila. Dizem que a morada de Marduk é esplendorosa!
– Iremos vê-la?
– Em alguns momentos falas como se fosses uma criança. Não estamos aqui
para isso. Ficaremos na cidade apenas dois a três dias no máximo, depois seguiremos
viagem. Tudo dependerá de como te sentires. Se for seguro, faremos oferendas a
Shamash, nosso Senhor – disse Nûria.
Ao ser repreendida, Ajatija disfarçou o mais que pôde seu descontentamento.
Inclinando a cabeça e piscando os grandes olhos amendoados, demonstrava uma
meiguice que não lhe era natural. Com a fala mansa, resolveu revelar o que tinha em
mente.
– Estive pensando, por que não permanecemos aqui por mais tempo, por mais
uns dias? Poderíamos ficar até o final de ullulu, partiremos no início do mês de tasritu,
antes da chegada das chuvas, até a semente realmente vingar e, assim, podermos
viajar em segurança – argumentou ela, temendo ter de empreender tão cedo outra
longa viagem.
– Pode ser, talvez tenhas razão. Poderíamos realmente ficar aqui por algum
tempo. Numa cidade tão grande, não nos encontrarão facilmente. Isso, se acharmos
onde ficar. De qualquer forma, seria bom comprar mais alimentos. Agora, silêncio,
pois estamos chegando – observou a jovem senhora, receando que alguém ouvisse o
que elas diziam.
Atormentada e indisposta, retirou o minúsculo véu que lhe protegia o alto da
cabeça para enxugar a face e a nuca. “O que não daria por um bom caneco de água
fresca?”, pensou. Recompondo-se, arrumou os cabelos já desfeitos pelo vento, que
agora se recusava a soprar, e recolocou seu véu. Nûria já havia andado um bocado,
até que sua sede conduziu-a por fim a uma taberna, a primeira que avistou, cuja
sabitum, taberneira, estava à porta. Esta, vendo uma cliente tão distinta aproximarse, veio prontamente atendê-la.
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B A B E L
– O que desejas, minha boa senhora. Posso oferecer uma deliciosa cerveja? –
perguntou, tentando aguçar a sede da mulher, pois ela não parecia ser alguém que
tivesse vindo fazer compras.
A princesa resolveu perguntar logo por aquilo que procurava. Depois, mataria
sua sede.
– Gostaria de saber onde posso alugar uma casa.
A comerciante iria de bom grado indicar-lhe um lugar, quando um certo homem
que ali estava, tomando cerveja com alguns soldados, interveio.
– Vais ter dificuldade. Neste momento, todas as casas estão ocupadas –
sentenciou ele.
A comerciante, ouvindo a resposta, arregalou os olhos e ergueu as
sobrancelhas. No entanto, mesmo espantada, aquiesceu com a cabeça. Apesar de
saber que não era verdade, não se atreveria a contradizer o sharrum. Afinal, ele era o
rei.
– Tens certeza? Pense bem – suplicou Nûria, dirigindo-se ainda à taberneira,
pois desconfiara das palavras daquele homem intrometido. – Trago comigo minha
amtum, que precisa muito descansar. Fizemos uma longa jornada, e não creio que ela
possa seguir viagem.
Sem deixar que a comerciante respondesse, o rei voltou a interpelá-la:
– Falando assim, minha gentil dama, sinto-me na obrigação de ajudá-la. Posso
indicar um excelente lugar para se hospedarem – disse ele, pensando em lhe oferecer
um lugar no palácio, extasiado que estava com a beleza da mulher.
– Agradeço, mas ainda não estou tão necessitada que precise da ajuda de um
redûm – respondeu Nûria, secamente, acreditando ser ele um mero soldado.
– Mas o que tens contra os redû? Vamos, vamos, não tenhas medo, vem
comigo, eu posso realmente ajudar-te! – disse ele, estendendo a mão para pegar no
braço da princesa, oferecendo-se para guiá-la.
– Lâ! Lâ! – reagiu ela, irritada, dando um passo para trás. “Que atrevimento!”,
pensou desvencilhando-se daquele homem tão inconveniente. Dando-se conta que a
sabitum não poderia ajudá-la, aborrecida seguiu mais adiante.
Todos que estavam em torno do rei riram da resposta dada pela mulher. Este,
por sua vez, resolveu continuar com a brincadeira. Por onde ela ia, vinha logo atrás
repetindo em alto e bom som que não encontraria lugar para ficar.
À primeira vista, as pessoas não o reconheciam, pois ele se trajava com as
mesmas vestes que um redûm. Mas quando percebiam que era o rei em pessoa, não
hesitavam em concordar com o próprio, pois percebiam que ele se divertia muito com
a situação...
Enquanto que a princesa, bastante chateada, pensava: “Era só o que me
faltava, atrair tanta atenção.”
segue
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Martha Sutter
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Trechos 3o. capítulo
O predador de pássaros
Nenhum pássaro voa livremente, enquanto seu predador ronda os céus.
De onde partiu Nûria, seguiu atrás dela a sombra do homem que lhe causara grandes
infortúnios.
A princesa tentava se distrair com outros pensamentos, mas era inegável que
Rammân-lâ-shanân, seu cunhado, era muito bonito. No entanto, seu jeito irreverente
de ser a deixava preocupada.
– Querias me ver, senhor? – perguntou Nûria, indo ao encontro do jovem
príncipe que a esperava no grande pátio.
– Não precisas me chamar de “senhor”, minha princesa – disse ele,
sedutoramente, sorrindo, alegre.
Sem responder, Nûria baixou os olhos e esperou que este prosseguisse.
– Bem – continuou o príncipe –, queria te falar sobre ontem à noite...
– Tu te deixaste levar pela bebida – interrompeu a mulher.
– A bebida tem pouco a ver com as minhas palavras, fui movido unicamente
pelos meus sentimentos.
– Por que insistes neste assunto? – recriminou ela.
– Porque é verdade! Meu coração está completamente tomado.
Assustada, Nûria fez menção de se retirar, mas o homem foi ágil o suficiente, a
ponto de pegá-la pelo braço e, insistentemente, pediu que o ouvisse.
– Espera! Preciso te falar, não estou propondo coisa alguma. Preciso apenas
falar contigo.
– Achas correto falar-me de tais sentimentos, sabendo-me casada, e logo com
teu irmão?! – reagiu a mulher.
– Tens uma parcela de responsabilidade no que sinto por ti.
– Estás dizendo tolices! Por acaso, me insinuei, te dei alguma esperança? –
contra-argumentou ela.
– Dos que moram aqui, apenas tu tens o coração generoso para lembrar-se de
um homem de que todos parecem querer esquecer. Saibas que sempre foi assim.
Quando minha amada mãe estava entre nós, as coisas não eram melhores. Ela
sempre foi ausente: nada via, nada ouvia, de nada sabia, era mais fugidia que um
peixe molhado. Sabes quantas vezes busquei consolo entre os empregados e,
sozinho, amargava as lágrimas que a solidão pode trazer? – perguntou ele, com a voz
embargada.
– Rammân-lâ-shanân, tu estás confuso, tens gratidão por mim. É isso, apenas
isso. Além do que, teu irmão te quer bem. Ele não esquece de ti, como acreditas –
disse a princesa, olhando-o nos olhos.
– Ah! Por favor!... Não tentes remediar esta situação. Diz, então, por que
Shamash-shemi nunca respondeu nenhuma de minhas cartas? Ele apenas me enviava
mensagens curtas para dar ordens ou me pedir favores. Certa vez, castiguei
pessoalmente um mensageiro porque preferia acreditar que a culpa era do pobre
infeliz do que aceitar que meu irmão jamais me escreveria. Sabes quantas vezes
escrevi, contando sobre os lugares em que vivi, as pessoas que conheci, relatando as
inúmeras batalhas que travei para salvaguardar a paz do nosso reino e deixar todos
aqui na corte em segurança? Foram inúmeras vezes! Durante todos esses anos, ele
me respondeu unicamente com seu silêncio, ignorando minhas palavras.
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– Deverias resolver estes desencontros falando diretamente a teu irmão –
concluiu Nûria, mas ela sabia que, neste caso, Rammân-lâ-shanân tinha toda razão.
Seu esposo não dava a menor atenção ao irmão, pois tinha ciúmes dele. No fundo,
era um grande egoísta.
– Isso eu farei e será em breve.
Mas o homem não estava mais preocupado com suas relações familiares. Queria
aproveitar aquele momento para expressar seu amor. Segurando a mão dela entre as
suas, cheirou-a com quem sente o perfume de uma flor recém-colhida. Apaixonado,
confessou:
– Saibas apenas que meu coração já é teu – insistiu o príncipe, soltando-a,
finalmente.
Nûria sentiu um forte arrepio tomar seu corpo, mas desvencilhou-se
rapidamente daquelas mãos, fugindo como um pássaro, que, de um salto, alcança o
vôo, assim que lhe dão liberdade. Rammân-lâ-shanân ficou parado olhando-a,
admirando calmamente a silhueta feminina afastar-se. Sorrindo de satisfação, gritou
a plenos pulmões para quem quisesse ouvir:
– Nûri, minha princesa! Se quiseres comigo se casar, estou aqui! Esperando...
O jovem príncipe era um hábil guerreiro. Sendo temerário, sobrava-lhe ousadia,
mas neste assunto faltou-lhe cautela. Ao ouvir a declaração de seu cunhado em alto e
bom som, Nûria sentiu como se houvesse sido atingida por um raio. Imediatamente,
entrou no palácio e recolheu-se em seus aposentos. Ela imaginou, e com razão, que
todos ficariam sabendo do ocorrido. O zunzunzum correu solto, as palavras saltavam
de uma boca para outro ouvido, mas nenhuma delas chegou até Shamash-shemi – o
marido.
Quando a princesa soube, por seu esposo, que ele iria caçar leões com o irmão,
agitou-se:
– Escuta, acho arriscado que vás caçar.
– O que dizes? Nunca duvidaste de mim. O que tens?... Na verdade, não queres
que eu vá com Rammân-lâ-shanân, é isso?!
– Exatamente, tens razão! – concordou, nervosa.
– E por quê? Eu sei! Não me respondas! Apenas porque ontem ele te pediu em
casamento?
– Ah! Então, teu irmão te contou. Achas isso normal?
– Estranhei, sim, que me escondesses tal coisa. Reagiste muito estranhamente
a uma simples brincadeira de meu irmão.
– Não vamos nos desentender só por causa disso. Achei por bem não te dizer
nada, ele havia bebido demais – justificou-se Nûria.
– E eu de menos! – resmungou o homem, recriminando-se por sua falta de
impulsividade. – Mulheres! Faço melhor em aceitar o convite de meu irmão!
No dia seguinte, bem cedo, os homens saíram para caçar, indo confraternizar
com o perigo...
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