CADERNO PEDAGÓGICO

Transcrição

CADERNO PEDAGÓGICO
CADERNO
PEDAGÓGICO
Reflexões Pedagógicas sobre as Questões Étnico-Raciais
Parâmetros para inclusão de
“HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA,
AFRICANA E INDÍGENA” no Currículo Escolar
Implementação das Leis Federais N° 10.639/03 e
11.645/08
APRESENTAÇÃO
Desde o ano de 2006, a Secretaria Municipal de Educação de Cabo Frio vem
desenvolvendo ações concretas no sentido de implementar políticas educacionais visando o
cumprimento da Lei 10.639/03, e, mais recentemente, da 11.645/08. Estas ações têm como
principal objetivo promover a sensibilização e formação dos profissionais de educação da
Rede Municipal de Ensino, no que tange ao resgate da história, memória e cultura dos nossos
ancestrais, os africanos e indígenas.
Este Caderno Pedagógico é o segundo que aborda a História e Cultura AfroBrasileira e Africana, e é um importante recurso que pretende facilitar a vida do professor,
oferecendo-lhes informações, sugestões de atividades práticas e experiências sobre o tema.
Desta forma, fica clara a intenção da SEME, que é a de trabalhar ao encontro do que
diz o texto da Lei e o parecer que a normatiza. Oferecendo formação continuada, material
didático e apoio pedagógico a todos que compõem o quadro de professores do município,
espera-se contribuir para a diminuição do racismo no país.
Cabo Frio / março / 2011
Laura Porto Guimarães Barreto
Secretária Municipal de Educação
SUMÁRIO
Introdução...............................................................................................................................
África, berço da humanidade................................................................................................
África, um continente desconhecido.....................................................................................
A escravidão............................................................................................................................
A religiosidade negra..............................................................................................................
África: da colonização à descolonização...............................................................................
Baobá, árvore símbolo............................................................................................................
Geografia Africana..................................................................................................................
Os recursos...............................................................................................................................
Quilombos no Brasil ...............................................................................................................
As alforrias...............................................................................................................................
Revoltas e resistência...............................................................................................................
A África contemporânea........................................................................................................
Valores civilizatórios afro-brasileiros...................................................................................
Atividades................................................................................................................................
INTRODUÇÃO
As Leis Federais Nº. 10.639/03 e 11.645/09 alteraram as diretrizes e bases da
educação nacional fixadas pela Lei Nº. 9.394/02 ao tornar obrigatório o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena no Ensino Fundamental e no Ensino Médio em
todos os sistemas de ensino. Considerando que a implementação das leis tem por objetivo
eliminar discriminações e promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema
educacional brasileiro, é necessário que haja na unidade de ensino uma discussão permanente
sobre os temas, para que as questões étnico-raciais façam parte da prática pedagógica de
nossos alunos, professores, demais funcionários e responsáveis.
A obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e
Indígena nos currículos de Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes
repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. É preciso valorizar
devidamente a história e a cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há
cinco séculos, fortificando sua identidade e discutindo seus direitos. A relevância do estudo de
temas decorrentes da história e da cultura afro-brasileira, africana e indígena, não se restringe
aos negros e índios; ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem
educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica,
capazes de construir uma nação mais justa, igualitária e democrática.
A Secretaria Municipal de Educação de Cabo Frio tem assegurado aos professores da
Rede Municipal deste município, possibilidades e o direito de estarem se aperfeiçoando,
construindo novos conceitos e desenvolvendo novas competências. Aproximar ainda mais as
questões étnico-raciais do universo escolar é uma missão nossa. Por isso, intensificamos as
visitas às escolas, promovemos oficinas, participamos de reuniões pedagógicas, conversamos
com nossos profissionais de educação.
Este Caderno Pedagógico tem como principal objetivo promover maiores
esclarecimentos a cerca destes temas, mostrando caminhos e oferecendo embasamento
teórico/metodológico aos professores e equipe técnica da Rede Municipal de Ensino de Cabo
Frio. Vem preencher uma lacuna importante, uma vez que procura resgatar a história do povo
africano e afro-descendente, sua contribuição na cultura e na formação do povo brasileiro.
É fundamental entendermos que a questão racial perpassa situações encontrados no
dia a dia de nossas escolas, da vida dos nossos professores e do nosso alunado, bem como de
suas famílias, e, que somente através do estudo, da ciência, é que o indivíduo consegue
libertar-se de antigos conceitos preconcebidos, naturalmente gerados no ambiente sóciofamiliar. O conhecimento tem a função de esclarecer o homem, contribuindo para que uma
nova sociedade surja, mais esclarecida, humanitária, tolerante, enfim, livre de preconceitos.
África, berço da Humanidade
Fonte: Revista Ciência Hoje das Crianças ano 19 / nº168/ Maio de 2006
Se alguém disser a você que o homem veio do macaco, não dê ouvido. Por uma
razão muito simples: não é verdade. O homem não descende do macaco. Os seres humanos
atuais e os macacos, na realidade, têm parentes em comum no passado distante, assim como
nós temos parentes em comum com os outros mamíferos, com os outros vertebrados. Somos
todos parentes, porque temos características em comum.
Acontece que, de todas as criaturas do mundo, nós temos muito mais em comum
com os primatas, o grupo de mamíferos que inclui, além dos seres humanos, os macacos. Isso,
porém, não significa que nós sejamos descendentes dos macacos, como você descende dos
seus pais, que descendem dos seus avós... Na verdade, isso quer dizer que, em algum
momento no passado, os seres humanos e os macacos tiveram um ancestral em comum. Esse
ancestral deu origem, de um lado, aos grupos que originaram os seres humanos atuais e, de
outro, aos grupos que originaram os macacos de hoje em dia. Essa divisão em dois grupos,
segundo os dados disponíveis atualmente, deve ter ocorrido há cerca de sete milhões de anos.
E sabe onde ele deve ter ocorrido? Na África. Podemos afirmar isso, em primeiro lugar,
porque os fósseis mais antigos de primatas do planeta foram achados no continente africano.
Em segundo lugar, porque também foi lá que apareceram os primeiros primatas bípedes, ou
seja, que andam sobre duas pernas. Essas criaturas são os nossos parentes mais antigos.
Alguns grupos de primatas bípedes se extinguiram, mas outros sobreviveram. É desses grupos
que surge, graças a mudanças evolutivas, a espécie humana atual: o Homo Sapiens.
Assim, a África é considerada o berço da humanidade. Não só porque aí encontramos
os vestígios dos nossos parentes mais antigos, mas, também, porque é lá que surge a nossa
espécie, os primeiros seres humanos como nós. A diferença é que eles aparecem bem depois
dos primeiros primatas bípedes: há cerca de 200 mil anos.
Nossos antigos parentes
Entre quatro milhões de anos e dois milhões de anos atrás, viviam na África os
australopitecíneos: primatas bípedes, pequenos, todos com o cérebro mais ou menos do
mesmo tamanho, bem menor do que o do homem atual. Essas criaturas se dividiam em cerca
de oito espécies. As pesquisas indicam que uma delas é justamente o nosso parente distante
mais representativo: trata-se do Australopithecus afarensis, também conhecido como Lucy.
Ao contrário de espécies como Australopithecus boisei ou Australopithecus robustus
– que eram mais robustos em termos físicos e comiam folhas e galhos de plantas -, o
Australopithecus afarensis tinha uma estrutura óssea mais delicada e a capacidade de comer
folhas e frutos, além da carne de outros animais.
Na época em que os australopitecíneos viveram, porém, uma grande mudança
ambiental estava em curso na África. Em função de mudanças climáticas em todo o planeta, o
clima do continente africano estava ficando muito seco, diminuindo a quantidade de florestas,
uma vez que as árvores precisam de muita água para sobreviver.
Nesse ambiente mais árido, em que há poucas árvores e pouca água, a disputas pelos
recursos naturais é muito grande. Muitas espécies morrem, porque não encontram comida. As
espécies que conseguem se adaptar com menos alimentos ou ampliando a sua dieta vão
sobrevivendo. E as que não se adaptam com menos comida disponível têm de procurar
alternativas ou irão desaparecer. Aquelas que são mais flexíveis têm mais chance de
sobrevivência.
Foi o que aconteceu com os australopitecíneos. A maioria deles acabou se
extinguindo, como é o caso do Australopithecus robustus e do Australopithecus boisei, por
conta da sua alimentação muito restrita. Algo que não ocorreu, porém, com Lucy e seus
parentes. Com sua dieta mais variada, eles puderam sobreviver e deixar descendentes.
Assim sendo, os ancestrais do homem atual são os australopitecíneos que descendem
do Australopithecus afarensis e não do Australopithecus robustus ou Australopithecus boisei.
Afinal, eles desapareceram. Esse fato fica mais claro quando se analisa um outro parente do
homem moderno, mais recente: o Homo habilis. Essa criatura, fisicamente, era mais
semelhante aos Australopithecus afarensis do que aos Australopithecus robustus. Também
tinha uma outra característica muito importante...
O homem habilidoso e o homem que saiu da África
Era o início da década de 1920 quando cientistas descobriram, na África, um fóssil
com características semelhantes às do homem atual e, por perto dele, instrumentos de pedra.
As circunstâncias levaram os pesquisadores a acreditar que a espécie recém-encontrada era
quem havia feito os instrumentos. Por conta disso, na hora de batizá-la, consideraram
importante dar a ela um outro nome, que não australopithecus, uma vez que, no momento em
que essa espécie começou a fazer instrumentos, passou a estar mais próxima de nós, seres
humanos atuais. O nome escolhido, então, seria “Homem que faz instrumento”. Em latim,
“Homo habilis”. Um homem habilidoso.
Hoje em dia, existe uma controvérsia a respeito do Homo habilis. Não se sabe se essa
criatura de tato pode ser colocada no gênero Homo - ao qual nós pertencemos – ou no gênero
Australopithecus. Justamente porque, atualmente, sabe-se que muitos primatas usavam
instrumentos de pedra, e, além disso, há poucos fósseis de Homo habilis. O debate continua
em aberto.
Seja como for, no período em que viveu o Homo habilis, há cerca de dois milhões e
meio de anos, o planeta que vinha se aquecendo, há anos, começou a se resfriar. Nesse
período de resfriamento, houve o aparecimento de animais maiores, que pode ter influenciado
no surgimento de uma nova espécie: o Homo erectus.
Com um cérebro e um corpo bem maiores do que o do Homo habilis, o Homo
erectus apareceu na Terra há cerca de dois milhões de anos e produziu ferramentas mais
complexas do que o “homem habilidoso”. Mas, o mais interessante é que ele foi o nosso
primeiro parente a sair da África. Essa migração indica que o Homo erectus estaria utilizando,
pelo menos, alguma proteção física, como peles de animais (lembre-se de que o planeta, nessa
época, passava por um processo de resfriamento) e fazendo uso do fogo.
Mas por que o Homo erctus – e não o Homo habilis ou os australopitecíneos – foi o
nosso primeiro parente a sair da África? Uma das hipóteses levantadas para explicar essa
migração afirma que, provavelmente, o Homo erectus era um caçador ativo e, como tal, tinha
de seguir a caça onde quer que ela fosse, diferentemente do Homo habilis, que, ao que parece,
se alimentava de carcaça de animais. Assim, ao seguir os animais quando eles migravam, para
garantir alimento, o Homo erectus chegou a outros continentes.
O homem das cavernas e o homem moderno
Parte do grupo de Homo erectus que deixou a África deve ter chegado à Europa e ao
Oriente Médio, segundo acredita a maioria dos pesquisadores. Sem contato com outros grupos
humanos que estavam se espalhando pelo mundo, por conta do resfriamento do planeta, que,
naquela época, isolou a Europa e o leste do Oriente Médio em grandes blocos de gelo, este
grupo diferenciou-se, dando origem a uma nova espécie, chamada Homo neanderthalensis.
Os neandertais _ cujos primeiros fósseis foram descobertos no vale de Neander, na
Alemanha, no início do século 19 – eram muito parecidos conosco: eram apenas mais baixos
do que nós, em média, e bem mais fortes. No entanto, a imagem que as pessoas têm deles, em
geral, é a do “homem das cavernas”: brutos, encurvados. Isso por causa de um erro que
aconteceu durante descrição dos fósseis do Vale do Neander. Os primeiros fósseis de Homo
neanderthalensis descritos pela ciência eram de um indivíduo que tinha artrite e artrose,
portanto, era um esqueleto doente e, por isso, era arqueado. O anatomista que analisou, no
entanto, não percebeu isso e, por muito tempo, acreditou-se que todos os neardertais fossem
assim.
Enquanto os neandertais viviam na Europa e em parte do Oriente Médio, na África,
surgia a espécie humana atual, a qual nós pertencemos: a Homo sapiens. Provavelmente, os
Homo sapiens surgiram a partir do isolamento de algum dos grupos de Homo erectus, que,
nessa época, eram encontrados na África e na Ásia. O que ocorreu para dar origem à nova
espécie, porém, ainda é tema de intenso debate.
Duas hipóteses
A maioria dos pesquisadores afirma que o Homo sapiens surgiu na África e migrou
para fora do continente, espalhando-se pelo mundo, também seguindo os animais que caçava,
como ocorreu com o Homo erectus. Gradualmente, nossa espécie teria causado a extinção das
outras espécies que existiam, por competição. Já que conseguia caçar melhor, se comunicar
melhor e fabricar melhores instrumentos, então, teria conseguido sobreviver mais e deixar
mais descendentes.
Há cientistas, porém, que sustentam uma outra possibilidade: o Homo sapiens
apareceu na África, migrou para fora do continente, e, pouco a pouco, misturou-se aos outros
grupos humanos que existiam na época – os Homo erectus, Homo neanderthalensis e outros
grupos chamados Homo sapiens arcaicos. Por fim, dessa mistura gradual, originou-se o Homo
sapiens arcaicos. Por fim, dessa mistura gradual, originou-se o Homo sapiens que temos hoje.
Assim, encontraríamos nas pessoas que vivem na Europa mais características Homo erectus,
sendo que todos os seres humanos atuais seriam parte do grupo comum chamado Homo
sapiens.
Atualmente, a primeira hipótese é a mais aceita, porque o estudo do nosso DNA – o
código que existe dentro de nossas células e determina as nossas características físicas –
indica que nós, enquanto espécie, somos muito homogêneos, ou seja, apresentamos apenas
uma pequena variedade biológica. Como a maior parte dessa variedade está na África, sugerese que a população humana que existe hoje no planeta descende de apenas uma população que
existiu originalmente na África.
Quando surge a humanidade?
Há pesquisadores que acreditam que nós somos humanos, que temos Humanidade,
desde que começamos a nos relacionar de uma forma diferente com o mundo, que passamos a
fazer instrumentos e que esses instrumentos nos levaram a adaptar e modificar o ambiente à
nossa volta. Mas há cientistas que não concordam com isso. Para eles, a Humanidade somente
surge quando passamos a ter a capacidade de abstrair, de imaginar, e passamos a fazer
pinturas em cavernas, por exemplo, o que somente ocorre em torno de 50 mil anos atrás.
Não há uma opção que seja mais certa do que a outra. O que existem são definições
diferentes. Se você somente considera humana uma criatura que seja capaz de ter pensamentos
complexos e abstratos, então, você irá dizer que o ser humano surgiu há algumas dezenas de
milhares de anos. Se, ao contrário, você considera ser humano aquele que vive em grupo e que
modifica o ambiente de forma como nunca ocorreu antes na natureza, dirá que o homem
surgiu há muito mais tempo. Tudo é uma questão de escolha.
Hilton P. Silva
Departamento de Antropologia. Museu Nacional, UFRJ
A África, um continente desconhecido
A diversidade e a exuberância da flora e da fauna africanas contrastam, sem sombra
de dúvida, com a visão estereotipada que desde a Antiguidade se teve desse continente, da sua
história e da sua cultura. A palavra África deriva, ao que tudo indica, do termo afer com o
qual se designavam os afri, ancestrais dos berberes contemporâneos que habitavam as regiões
ao sul de Cartago, a antiga colônia fenícia fundada em IX a.C. que durante séculos gozou de
uma significativa influência na bacia do Mediterrâneo Ocidental. Em arábico, afar significa
pó, poeira, daí que os afri poderiam ser identificados como povos poeirentos, o que talvez
comporte um juízo de valor negativo sobre eles.
Em pouco tempo, vagas de imigrantes provenientes da Itália iniciaram a ocupação do
território, com a fundação de colônias e cidades. Em virtude do processo de expansão imperial
a sul do Mediterrâneo, outras províncias adjacentes foram sendo criadas (Mauritânia,
Numídia, Cirene, Tripolitânia e outras), ao passo que em 30 a.C. o Egito é anexado ao
Império. Aos poucos, o termo África passou a designar, para os romanos, o conjunto das
províncias do Império a sul do Mediterrâneo, tendo como fronteira natural (em latim, limes) o
deserto do Saara. Para além do deserto e das zonas costeiras, os romanos não se aventuraram.
Com o passar do tempo, o termo África se torna recorrente, sendo empregado para designar o
continente em sua totalidade, incluindo territórios jamais ocupados pelos romanos e cuja
diversidade certamente ignoravam.
O desconhecimento com relação à história e à cultura da África, no entanto, nunca
foi um privilégio dos romanos. Mesmo o Egito, a despeito da sua inequívoca inserção no
continente, nunca se aventurou além da Núbia (atual Sudão), mantendo-se assim afastado do
contato direto com a África Central ou Ocidental.
Os romanos, por sua vez, também empreenderam viagens exploratórias pela costa
africana. A falta de dados concretos sobre o continente africano na época romana era tão
evidente que Estrabão, autor do mais famoso compêndio geográfico da Antiguidade,
acreditava que o oceano não circundava o continente, opondo-se assim a outros autores (como
Heródoto) que afirmavam o contrário baseados na informação sobre o périplo de Necau. Já o
erudito e geógrafo Alexandrino Ptolomeu elabora, no século II d.C., um mapa do continente
que servirá de fundamento para a cartografia da África até o século XVIII. No mapa, o
Oceano Índico aparece como um mar fechado e a costa oriental da África se prolonga bastante
para o Leste. Pompônio Mela, autor do século I d.C., por sua vez, nos transmite uma descrição
absolutamente fantasiosa da África Negra que iria influenciar bastante a mentalidade
medieval. Segundo o autor:
“Para além dos desertos, encontram-se povos mudos que só conseguem fazer-se entender
por sinais: uns têm língua e não conseguem falar; outros são inteiramente desprovidos deste
órgão; há outros ainda com a boca naturalmente fechada, que apenas apresentam sob as
narinas um buraquinho pelo qual bebem com o auxílio de uma cana e, quando precisam
comer, aspiram um a um os grãos que ocasionalmente encontram no chão.”
Outro autor romano, Plínio, o Velho, descreve em sua História Natural os povos que
habitavam o centro e o sul da África nos seguintes termos:
“Os Atlantes, se acreditarmos no que dizem, perderam as características de seres humanos;
não usam nomes que os distingam uns dos outros; contemplam o sol nascente e o poente,
lançando imprecações terríveis, como se tratasse de um astro funesto às suas pessoas e às
suas culturas; nunca têm sonhos, como é o caso dos outros homens. Os Trogloditas fazem
cavernas que lhes servem de casas; alimentam-se da carne das serpentes; guincham, não
têm voz e desconhecem o uso da palavra. Os Garamantes não se casam e as mulheres são
propriedade comum.”[2]
Preconceitos dessa natureza, que bestializavam os habitantes da África Negra e
desprezavam os seus usos e costumes, moldaram a representação dos ocidentais sobre o
continente ao longo dos séculos. De fato, no decorrer do período em que a África foi terra
franca para os exploradores e colonizadores modernos, a história do Continente Negro
significava, quando muito, um apêndice da história desta ou daquela metrópole européia,
como Hegel sintetizou de modo surpreendente ao declarar, em 1830, no seu Curso sobre a
filosofia da História que “a África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos,
progressos a mostrar, movimentos históricos próprios dela. Quer isto dizer que a sua parte
setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático. Aquilo que entendemos precisamente
pela África é o espírito a-histórico, o espírito não desenvolvido, ainda envolto em condições
de natureza e que deve ser aqui apresentado apenas como no limiar da história do mundo” .
Uma opinião como essa encontrava eco, por exemplo, na obra “As raças e a história”, na qual
o seu autor, Eugène Pittard, declarava o seguinte: “As raças africanas propriamente ditas – à
exceção do Egito e de uma parte da África Menor – não participaram na história, tal como a
entendem os historiadores... Não me recuso a aceitar que tenhamos nas veias algumas gotas de
um sangue africano (de africano provavelmente de pele amarela), mas devemos confessar que
aquilo que delas pode subsistir é muito difícil de encontrar”.
Tais interpretações, eivadas de um preconceito explícito contra um continente
humilhado pela violência da colonização, contribuíram bastante para a ignorância acerca da
História da África, reforçando-se o mito histórico primário acerca da inércia dos povos
africanos, cujo desenvolvimento cultural teria sido sempre o resultado de alguma influência
proveniente do exterior. Essa situação começou a se modificar a partir do movimento geral de
descolonização iniciado logo após o término da Segunda Guerra Mundial, com a
multiplicação de estudos levados a cabo pelos próprios intelectuais africanos e por africanistas
de diversas nacionalidades que refutam com veemência os pressupostos da visão colonial
européia sobre o continente. O que se observa, desde então, é a luta da África para afirmar a
sua identidade e a sua importância, não apenas no cenário mundial contemporâneo, mas
igualmente no contexto da própria História da Humanidade. No decorrer dessa empreitada, a
Arqueologia, a Antropologia e a História Antiga, com toda a sua renovação conceitual, têm
fornecido um auxílio inestimável ao movimento de revalorização da História da África que se
observa nos dias de hoje e isso de duas maneiras:
a) pondo em evidência o fato de que o processo de hominização, ou seja, de evolução da
própria Humanidade teve o seu início no continente africano;
b) investigando as culturas africanas da Antiguidade, com destaque para o aprofundamento
dos estudos sobre as civilizações egípcias, meroítica e axumita e para a descoberta de novas
civilizações.
As expedições
Algumas idéias impulsionaram as “explorações” na África (séc. XIX): a civilização,
a religião e o comércio. Comerciantes, filantropos financiavam as explorações pelo continente
africano, alguns por motivos religiosos, outros por ideologia, por acharem que os africanos
deveriam ser “civilizados”, catequizados, “transformados” em “homens”, tais como os
europeus (etnocentrismo).
Expedições, por vezes solitárias e perigosas pelo interior da África, foram realizadas
ao longo da História. Alguns viajantes deixaram por escrito a visão que tiveram do continente.
Abu Ubayd al-Bakri (1040-1094), filólogo, poeta, geógrafo, historiador, viajante e erudito
religioso muçulmano, escreveu a Descrição da África, considerada a principal fonte para essa
região.
Descrição da África (1087)
Al-Bakri (1040-1094)
Tradução e notas: Dr. Ricardo da Costa
A capital de Gana é chamada Kumbi Saleh. A cidade consiste na reunião de duas cidades que
se unem em uma planície, a maior delas habitada por muçulmanos e com doze mesquitas.
Kumbi Saleh possui também um grande número de juízes e de homens instruídos. Ao redor de
ambas as cidades, há poços de água doce e potável, e próximos a eles, terras cultivadas com
vegetais. A cidade habitada pelo rei está a seis milhas da outra cidade (muçulmana) e é
chamada de Al-Ghana. A área entre as duas cidades é coberta com casas feitas de pedra e de
madeira. O rei tem um palácio e choças de formato cônico, cercadas por paredes. Na cidade
do rei, não muito longe da corte de justiça real, há uma mesquita. Os muçulmanos que vêm
em missões ao rei podem rezar ali. Há ainda uma grande avenida, que cruza a cidade de leste
a oeste.
O rei adorna a si mesmo, como se fosse uma mulher, usando colares ao redor do pescoço e
braceletes em seus antebraços. Quando se senta diante do povo, fica sobre uma elevação
decorada com ouro e se veste com um turbante de pano fino. A corte de apelação fica em um
pavilhão abobadado, com dez cavalos estacionados e cobertos com um tecido bordado com
ouro. Atrás do rei, ficam dez pajens segurando escudos e espadas, ambas decoradas com
ouro. À sua direita, ficam os filhos dos vassalos do país do rei, vestindo esplêndidas roupas e
com os cabelos trançados com ouro. O governador da cidade senta-se na terra diante do rei e
os ministros ficam, do mesmo modo, sentados ao redor. Na porta do pavilhão, estão cães de
excelente pedigree e que dificilmente saem do lugar de onde o rei está, pois estão ali para
protegê-lo. Os cães usam ao redor de seus pescoços colares de ouro e de prata cheios de sinos
com o mesmo metal. A audiência é anunciada pela batida em um longo cilindro oco que se
chama daba. Quando os povos que professam a mesma religião se aproximam do rei, caem de
joelhos e polvilham suas cabeças com pó, uma forma de mostrar respeito por ele. Quanto aos
muçulmanos, eles cumprimentam-no somente batendo suas mãos. [...]
Ao redor da cidade do rei há choupanas abobadadas e bosques onde vivem os feiticeiros,
homens encarregados de seus cultos religiosos. Ali se encontram também os ídolos e os
túmulos dos reis. Estes bosques são guardados: ninguém pode entrar ou descobrir seus
recipientes. As prisões dos vivos também estão ali, e se alguém é aprisionado lá, nunca mais
se ouve falar dele. Quando o rei morre, constroem uma enorme abóbada de madeira no lugar
do enterro. Então trazem-no em uma cama levemente coberta e colocam-no dentro da
abóbada. A seu lado, colocam seus ornamentos, suas armas e os recipientes que ele usava
para comer e beber. A serpente é a guardiã do Estado e vive em uma caverna que lhe é
devotada. Quando o rei morre, seus possíveis sucessores se reúnem em uma assembléia e a
serpente é trazida para picar um deles com seu focinho. Essa pessoa é então chamada para
ser o novo rei.
Descrição da África (1526)
Al Hasan (1483-1554)
Tradução e notas: Dr. Ricardo da Costa
O reino recebeu recentemente esse nome, depois que uma cidade foi construída por um rei
chamado Mansa Suleyman, no ano 610 da Hégira, próxima doze milhas de uma filial do rio
Níger .
As casas de Tombuctu são choupanas feitas de pau-a-pique de argila, cobertas com telhados
de palha. No centro da cidade, há um templo construído de pedra e de almofariz por um
arquiteto de nome Granata . Além do templo, há um grande palácio também construído pelo
mesmo arquiteto, onde o rei vive. As lojas dos artesãos, dos comerciantes, e, especialmente, as
dos tecelões de pano de algodão, são muito numerosas. As telas são importadas da Europa
para Tombuctu, carregadas por comerciantes da Barbária.
As mulheres da cidade mantêm o costume de vendar seus rostos, com exceção dos escravos,
que vendem todos os gêneros alimentícios. Os habitantes são tão ricos, especialmente os
estrangeiros que se estabeleceram no país, que o rei atual deu duas de suas filhas a dois
irmãos, ambos homens de negócios, pois era ciente de suas riquezas.
Há muitos poços que contêm água doce em Tumbuctu. Além disso, quando o rio Níger está
cheio, canais levam a água para a cidade. Grãos e animais são abundantes, de modo que o
consumo de leite e de manteiga é considerável. Contudo, o fornecimento de sal é fraco,
porque ele é levado daqui para Tegaza, que fica cerca de 500 milhas de Tumbuctu. Eu mesmo
estava na cidade no momento em que uma carga de sal foi vendida por oito ducados. O rei
tem um rico tesouro rico de moedas e pepitas de ouro. Uma dessas pepitas pesa 970 libras .
A corte real é magnífica e muito bem organizada. Quando o rei vai de uma cidade a outra
com as gentes de sua corte, monta um camelo e os cavalos são conduzidos manualmente por
servos. Se a luta é necessária, os servos montam os camelos e todos os soldados montam nas
costas dos cavalos. Quando alguém desejar falar com o rei, deve ajoelhar-se diante dele e
curvar-se ao chão; mas isto é exigido somente daqueles que nunca falaram nem com o rei,
nem com seus embaixadores.
O rei tem aproximadamente 3.000 cavaleiros e uma infinidade de soldados de infantaria,
todos armados com arcos feitos de funcho selvagem, e com o qual disparam setas
envenenadas. Este rei faz a guerra somente contra os inimigos vizinhos e contra aqueles que
não aceitam lhe pagar tributo. Quando obtêm uma vitória, ele vende todos os inimigos,
inclusive as crianças, no mercado em Tumbuctu.
Os pobres cavalos nascem pequenos neste país. Os comerciantes usam-nos para suas viagens
e os cortesãos para mover-se na cidade. Os bons cavalos vêm da Barbária. Chegam em uma
caravana e, dez ou doze dias mais tarde, são conduzidos ao soberano, que, caso goste, os
examina e paga apropriadamente por eles.
O rei é um inimigo declarado dos judeus. Ele não permitirá que nenhum deles viva na cidade.
Caso ouça que um comerciante da Barbária anda ou faz negócio com eles, o rei confisca seus
bens. Há numerosos juízes em Tumbuctu, professores e sacerdotes, todos bem nomeados pelo
rei, que honra muito as letras. Muitos livros escritos à mão e importados da Barbária são
vendidos. Há mais lucro nesse comércio do que em toda a mercadoria restante.
Ao invés de dinheiro, são usadas pepitas puras de ouro como moeda de troca. Para compras
pequenas, escudos de cauris trazidos da Pérsia; quatrocentos cauris igualam um ducado. Seis
ducados e dois terços correspondem a uma onça romana de ouro .
Os povos do Tumbuctu são de natureza calma. Têm um costume quase regular de caminhar à
noite pela cidade (com exceção daqueles que vendem ouro), entre dez e uma hora da
madrugada, tocando instrumentos musicais e dançando. Os cidadãos têm muitos escravos a
seu serviço, tanto homens quanto mulheres.
A cidade corre muito perigo de incêndios. Quando eu estava lá em minha segunda viagem ,
metade da cidade queimou no espaço de cinco horas. Com medo de o vento violento levar o
fogo para a outra metade da cidade e também queimá-la, os habitantes começaram a tirar
seus pertences.
Não há nenhum jardim ou pomar na área que cerca Tumbuctu.
Geografia Africana
Diversidades geográficas e históricas da África
Adaptação feita por Angela Navarro do texto escrito pelo Ms. Luís dos
Santos Alves (doutorando em História IFCH/Uerj).
O continente africano é maciço, com poucos lagos. Apresenta um contorno
geográfico bastante preciso e compacto, com um litoral isento de golfos, baías, penínsulas e
lagos litorâneos. Seu terreno é rochoso e possui poucas placas tectônicas. O “Rift Valley” é
um importante acidente geográfico do relevo africano.Este fenômeno surgiu durante o
movimento das placas tectônicas na separação dos continentes (Pangéia), e tem como
característica um grande lago. O lago Tanganika se formou porque as placas tectônicas
africana e arábica não se romperam totalmente durante a “Pangéia”, criando uma fenda
profunda e extensa no território africano. O Grande Vale do Rift é um complexo de falhas
tectônicas criado há cerca de 35 milhões de anos. Estende-se no sentido norte-sul por cerca de
5000 Km, desde o norte da Síria até o centro de Moçambique, com uma largura que varia
entre 30 a 100 Km, sua profundidade possui algumas centenas ou milhares de metros. Não é
um acidente comum em outros continentes. Continuando a separação das placas, dentro de
alguns milhões de anos, a África Oriental será inundada pelo Oceano Índico e formar-se-á
uma grande ilha com a região da costa da África. No Vale do Rift têm-se depositado, ao longo
dos anos, sedimentos provenientes da erosão das suas margens e este ambiente é propício à
conservação de despojos orgânicos.
Nas proximidades do continente, tanto a Ocidente quanto a Oriente, temos algumas
poucas ilhas, tais como Madeira, Canárias, Cabo Verde, São Tomé, Príncipe e a maior de
todas, Madagascar, atual República Malgaxe. Tomando-se como referência o deserto do
Saara, o continente se divide em duas regiões distintas, a África Mediterrânea e a África
subsaariana. O Saara é o maior deserto do mundo, estendendo-se por 5000 Km do Atlântico
ao Mar Vermelho e compreendendo os territórios do Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito,
Sudão, Chade, Níger, Mali e Mauritânia. O Saara nem sempre foi um deserto, há 4/5 mil anos
atrás era um grande pasto, explorado e habitado por populações. Depois de passar por um
período de glaciação e mudanças bruscas da temperatura, o pasto foi morrendo dando lugar ao
maior deserto do planeta. Quanto ao relevo, ultrapassada a faixa costeira e adentrando-se no
continente, o território sofre uma elevação progressiva, com a formação de planaltos, de
maneira que toda a África se apresenta como um bloco planáltico estável cuja coesão é
rompida em alguns momentos por falhas no relevo.
A forma compacta do território africano determina a continentalidade e a
tropicalidade de seu clima. De fato, a África é caracterizada basicamente pelo clima tropical.
À medida que nos afastamos da Linha do Equador, a temperatura se torna mais amena e a
estação de seca, mais prolongada. A estiagem chega por vezes a ter a duração de oito ou nove
meses. Já em outras regiões não chove nunca. Próximo à Linha do Equador, no entanto, o
clima é quente e úmido, com chuvas constantes e intensas e a alternância da estação seca com
a chuvosa. Partindo-se do norte, marcado pelo predomínio da zona desértica, passa-se para
uma estreita faixa com vegetação de estepe, ou seja, adaptada aos climas seco ou semi-árido,
para em seguida adentrar-se nas savanas (campos abertos com poucas árvores) e nos cerrados,
caracterizados por uma vegetação arbustiva. Nas áreas de estepe, savana e cerrado é que se
encontram os grandes mamíferos africanos: o búfalo, o elefante, o rinoceronte, o hipopótamo,
a zebra, a girafa, o leão, o leopardo, a hiena e os numerosos tipos de símios e antílopes.
Descendo um pouco mais rumo ao sul, temos a vegetação de floresta, habitat dos grandes
macacos, incluindo o gorila e o chimpanzé. Nas florestas, abundam os pássaros, os répteis, os
mamíferos que vivem em árvores e os insetos. Vencida a floresta, temos novamente a savana e
a estepe, com algumas zonas de mata anã. Do ponto de vista hidrográfico, a mais importante
bacia é a do Zaire, com seus afluentes caudalosos e propícios às inundações. Outros rios
importantes, além do Nilo, do qual trataremos mais adiante, são o Níger, o Senegal e o Chade.
As condições naturais do próprio continente (a floresta do Congo, a savana, os
desertos do Saara e do Kalahari) e as condições históricas geradas pelo homem especialmente
durante a ocupação do colonialismo europeu explicam a extrema diversidade geográfica e
histórica. Existem várias Áfricas que se interpenetram numa enorme complexidade cultural,
econômica e política. Trata-se de uma paisagem humana e social muito além dos estereótipos
etnocêntricos que povoam o imaginário brasileiro.
A população africana é estimada em 645 milhões (sendo 550 milhões na África
Subsaariana) e a sua taxa de crescimento anual é de 3% indicando uma duplicação da
população em 25 anos. Com o fim do escravismo, a população da África aumentou
consideravelmente e com ela os seus problemas também aumentaram. Enquanto no norte
predomina uma população berbere islamizada, na África ao sul do Saara há uma grande
diversidade cultural, étnica e linguística. Oito grandes conjuntos são dominantes: sudanês,
guinéu, congolês , nilótico, zambeziano, etíope, pigmeu e bosquímano. Os dois últimos estão
restritos às áreas de floresta equatorial do Congo e ao deserto de Kalahari respectivamente.
Nas regiões litorâneas da África Oriental e na África do Sul encontramos bolsões de
população europeia, hindu e árabe, principalmente nos centros urbanos (Durban,
Joannesburgo, Mombaça).
Às religiões autóctones (animistas) vieram se somar o islamismo e o cristianismo
através de suas várias denominações. Enquanto o animismo está disseminado por todo o
continente, o islamismo, a religião em maior crescimento no continente, concentra-se na
África do Norte e na África Ocidental. O cristianismo é encontrado principalmente na Etiópia
e na África do Sul sendo, com a exceção da Etiópia, um desdobramento do colonialismo
europeu.
A ideia que se tem de duas Áfricas não é muito bem aceita por alguns teóricos, pois a
noção de “branca” e “negra” não corresponde à realidade, uma vez que brancos e negros
dividiam seus espaços. Trabalhando em cima desta divisão, analisemos o esquema que se
segue:
África Branca
África do Norte
(Setentrional)
(Saariana)
África Negra
África Subsaariana
(Meridional)
(Austral)
- população árabe
- islamização
- climas secos
- nomadismo
- petróleo
proximidade com a Europa
- etnias negras
- animismo e cristianismo
- climas úmidos
- mineração
- agricultura tribal
A África Saariana ainda é considerada o carro-chefe da economia africana. Ela
possui ainda duas divisões Maghreb e Mackrech, observe o esquema:
Maghreb
} Argélia, Tunísia e Marrocos
Mackrech
} Líbia e Egito
Maghreb – Região mais importante do norte da África. Tanto por questões econômicas,
quanto por questões ambientais e religiosas. Muitos autores a consideram uma continuidade
do Oriente Médio. A região é rica em petróleo e tem clima Mediterrâneo, muito mais úmido e
favorável às atividades agro-pastoris do que a porção sul da África setentrional, dominada por
climas áridos.
A força da religião islâmica na região é incontestável. Há um predomínio absoluto de
população que pratica esta religião. Também chama a atenção a presença de movimentos
extremistas muçulmanos nestas áreas.
Outra forma de divisão é aquela originária da ordem colonial estabelecida a partir da
Conferência de Berlim (1885) e de profundas consequências para a divisão política da África
contemporânea. Os países africanos podem ser classificados de acordo com a potência
colonizadora europeia que os subjugou diretamente e que continua a influenciá-los
culturalmente, economicamente e politicamente. Desta forma, existe uma África arabófona,
uma África anglófona, uma África francófona e uma África lusófona. Isto indica a
permanência dos laços econômicos e políticos com a ex-metrópole e o caráter incompleto do
processo de descolonização iniciado na década de 50.
Quando da realização da Conferência de Berlim, os europeus ocupavam posições
esparsas no litoral africano, principalmente na área banhada pelo Oceano Atlântico. Eram
entrepostos de comércio e tráfico de escravos, cuja fundação remontava ao século XV, época
em que os portugueses se instalaram no Golfo da Guiné e na costa de Angola. Entretanto, uma
fixação permanente foi constituída pelos holandeses em 1652, com a fundação da Colônia do
Cabo (África do Sul). Seus descendentes – os bôeres – avançaram lentamente em direção ao
interior em busca de pastagem para o gado. Neste processo, que durou aproximadamente
duzentos anos, chamado Grande Trek, os bôeres entraram em conflito com os zulus e os xosas
e fundaram colônias no Orange e Transvaal, onde no último quartel do século XIX foram
descobertas minas de diamante e ouro.
Até o século XIX, a Colônia do Cabo constituiu uma exceção nas relações entre a
África e a Europa. Contudo, na metade do século XIX, aguçou-se o interesse europeu pelo
continente. À medida que a Revolução Industrial avançava, cresciam as necessidades de
matéria-prima e mercados, e transformavam-se as relações de trabalho levando à
obsolescência a utilização do trabalho escravo, até então o principal interesse europeu na
África, liderada principalmente por sociedades missionárias e antiescravistas britânicas. Estas
sociedades somadas às sociedades de exploração geográfica (a Royal Geographical Society
britânica foi a mais notória) contribuíram eficazmente para o reconhecimento do interior
africano. Desta forma, a bacia do Zambeze foi desbravada por David Livingstone (18411873), a bacia do Congo foi explorada por Henry Stanley (1871 – 1889) e Savorgnam de
Brazza (1875-1878). Em 1859, os ingleses Speke e Burton atingiram a nascente do Nilo e os
Grandes Lagos.
A sucessão de exploradores e descobertas levou os Estados a disputarem a concessão
e posse dos territórios uma mescla de interesses econômicos, políticos e estratégicos motivou
uma corrida imperialista na África gerando inúmeros conflitos e barganhas. Seu ápice foi a
Conferência de Berlim (1885), um marco na história da presença europeia na África.
Nesta conferência, patrocinada pelo chanceler alemão Bismarck, foi regulamentada a
partilha do continente de acordo com o princípio da ocupação efetiva do território, mas com
total desprezo e desconhecimento das características particulares de cada etnia. Assim, povos
inimigos foram agrupados num mesmo território criado artificialmente pelo colonizador ou
dividido entre duas ou mais metrópoles. Esta divisão artificial do território africano mais a
espoliação colonial é uma das causas da profunda instabilidade vivida pelo continente após a
descolonização.
Os Países Africanos
Texto extraído do livro O Brasil e a África de ANDRADE, Manuel Correia, Ed. Contexto, 2001.
A África está dividida politicamente e suas fronteiras, que separam os vários
Estados, são em geral formadas por linhas retas. Na verdade, estes Estados não resultaram da
evolução natural dos antigos reinos africanos, mas da partilha colonial, e as fronteiras não
delimitam áreas de influência étnica ou cultural, mas áreas de domínio das várias potências no
período colonial. Elas foram traçadas sem consultar os interesses e aspirações dos habitantes,
daí os grandes litígios fronteiriços entre os vários países e as dissensões internas.
A maioria dos estados tem uma vida autônoma curta, ou, aqueles seculares, como o
Egito e a Etiópia, tiveram a sua vida nacional interrompida por uma fase de dominação
estrangeira no século XX. O surto de libertação dos países africanos iniciou-se em 1950, com
o reconhecimento da Tunísia como país independente.
Em 1951, a Líbia conseguia a sua independência, sendo acompanhada , em 1956,
pelo Sudão e pelo Marrocos, que continuaria a ser governada pela sua tradicional dinastia que
não fora destituída durante a dominação franco-espanhola. Em 1957, foi a vez da libertação de
Gana, antiga Costa do Ouro, e em 1958, a da Guiné francesa, que formaria uma república
popular de tendência socialista. Em 1960, libertaram-se várias antigas colônias francesas –
Togo, Madagascar, Mali, Benin, Burkina, Camarões, Costa do Marfim, Chade, República
Centro-Africana, Níger, Congo, Gabão, Senegal, Mauritânia que compunham as antigas
federações da África Ocidental e Oriental, sob o domínio francês.
Ainda neste mesmo ano tivemos a independência da República Democrática do
Congo, antigo Congo Belga, que entrou em uma sangrenta guerra civil, estimulada por
empresas belgas, nas províncias de Catanga e Cassai. Dentre as colônias inglesas, adquiriram
a independência em 1960, a Nigéria, que passou a ser o país de maior população da África e,
sendo multinacional, enfrentou sérios problemas de unificação em face da tentativa de
secessão feita pelos ibos, habitantes da Biafra; e a Somália, antiga colônia italiana e inglesa.
Ela teve os dois territórios unificados e tornou-se também um país independente.
Em 1961, Serra Leoa alcançou a sua independência e no ano seguinte seria a vez de
Ruanda e Burundi, até então mandatos confiados à Bélgica ; da Argélia, após uma guerra
contra a França; e de Uganda, situada em planalto na alta bacia do Nilo. Em 1963, resolvidos
os problemas entre os grupos de origem inglesa e os negros, o Quênia tornou-se independente,
seguido em 1964, por Zâmbia, Tanzânia, Gâmbia, colônias inglesas. Em 1966, libertavam-se
Botsuana e Lesoto, e, no ano seguinte as Ilhas Maurício e a Guiné Equatorial. Na década de
60, os franceses e ingleses outorgaram a independência formal aos seus territórios coloniais,
resguardando naturalmente, os seus interesses econômicos.
Portugal, país pobre e dependente das colônias africanas, optou por resistir ao
movimento de independência e organizou a resistência, mas sofreu uma campanha que o
esgotou econômica e socialmente. Daí as suas colônias, que eram classificadas como
província de além-mar, só haverem se libertado na década de 70, ou mais precisamente, a
partir de 1973, com a Guiné-Bissau, seguida, em 1975, por São Tomé e Príncipe,
Moçambique, Cabo verde e Angola. Nessa ocasião, a independência havia sido alcançada pela
maioria dos países africanos, mas ainda se observou a libertação em 1975, das ilhas Camores,
em 1976, das ilhas Seichelles, em 1978, da Suazilândia e, finalmente, em1980, depois de uma
grande resistência da minoria branca, a do Zimbábue.
Em busca de uma tipologia
É difícil fazer-se uma classificação dos países africanos devido às diferenças em uma
série de fatores de extensão territorial, quantidade e qualidade do contingente populacional,
nível de desenvolvimento, penetração do capitalismo, maior ou menor unidade étnica e
linguística, disponibilidade de recursos naturais e maior ou menor dependência de países do
Primeiro e do Segundo Mundos.
Quanto às condições naturais, observa-se que alguns países têm a maior parte de seu
território em áreas desérticas e semidesérticas, outros em áreas equatoriais quentes e úmidas,
enquanto são pouco expressivas as porções situadas em áreas subtropicais ou em climas
tropicais de altitude, fatos que têm tido alguma influência sobre a distribuição da população e
o uso do solo.
Não dispondo de um melhor critério, resolvemos classificar os países, de acordo com
a sua extensão territorial, em muito grandes, grandes, médios, pequenos e muito pequenos ou
mini-países; e deixamos fora da classificação, os países que ainda são dependências
metropolitanas. Procuramos fazer uma análise sucinta dos problemas enfrentados por cada um
deles.
OS PAÍSES MUITO GRANDES
Classificamos como muito grandes apenas os países com mais de 1.500.000 Km²
O maior país africano é o Sudão, situado no médio Nilo e banhado pelo Mar
vermelho. Produto da ocupação colonial, ele apresenta uma população muito heterogênea,
sendo dominado pelos árabes islamizados ao norte e por negros animistas e cristãos ao sul.
Daí a existência de uma guerra civil que assola o país por dezenas de anos, ficando em alguns
períodos amainada e, em outros, mais acirrada. A densidade demográfica é baixa, 9,4
hab/Km², e a população se concentra no Vale do Nilo, uma vez que a maior porção do seu
território possui clima árido. O país é sobretudo produtor e exportador de algodão.
A Argélia, às margens do Mediterrâneo, é habitada basicamente por árabes e
berberes, tendo permanecido, durante séculos, sob o domínio de árabes e turcos. A maior
porção do seu território se estende pelas áreas secas do Saara, mas a sua população se
concentra sobretudo no litoral e no Atlas. O país se destaca como produtor e exportador de
petróleo, de vinhos e de frutas, apresentado a vantagem de se encontrar próximo aos grandes
mercados europeus, o que barateia consideravelmente os transportes. Com a independência,
conseguida após lutas muito prolongadas, os argelinos vêm procurando diminuir a influência
francesa, consolidada em mais de um século de ocupação e dominação política, e desenvolver
um processo de socialização da economia e de arabização da cultura. Com uma densidade
demográfica de 9,9 hab/Km², o país se encontra superpovoado – a maior porção do território é
desértica, não oferecendo condições para um povoamento mais intenso – havendo, em
consequência, um grande fluxo emigratório de argelinos para a Europa, sobretudo para a
França, onde forma uma colônia estrangeira muito expressiva.
A República Democrática do Congo é a antiga colônia do Congo Belga que
alcançou a independência política sem ter conseguido um certo grau de integração entre as
várias províncias que a compõem. Situada em plena área equatorial, drenada pelo rio que lhe
deu o nome e por seus principais afluentes, possui extensas florestas e é rica em minerais,
sendo grande produtora de diamantes industrializados, de minérios de cobre, de cassiterita, de
manganês e de zinco. Com um litoral de pequena extensão, tem grande parte de sua produção
exportada por portos situados em Angola e ligados à República Democrática do Congo por
ferrovia. As lutas pela independência em Angola e na República Democrática do Congo
desorganizaram por algum tempo a sua política de exportação. A densidade demográfica é da
ordem de 13,6 hab/Km², havendo uma concentração populacional maior na margem dos rios
navegáveis.
A Líbia é uma grande extensão de deserto situada sobre jazidas petrolíferas. A
densidade demográfica é muito baixa, 2,2 hab/Km², e a população se concentra, em sua
imensa maioria, em pontos do litoral em que se situam as principais cidades e em oásis
localizados no interior. Ao se tornar independente, adotou a forma monárquica de governo,
profundamente submissa às potências colonizadoras, o que deu condições a uma revolução
nacionalista militar, do tipo nasserista, que nacionalizou o petróleo e vem se opondo à política
imperialista no mundo islâmico. Esta política tem provocado fortes incidentes com os Estados
Unidos, que acusam o governo líbio de ser comprometido com o terrorismo internacional e até
já bombardearam cidades líbias. As posições radicais da Líbia têm provocado confrontos
também com o Egito e com a França, sobretudo face à intervenção em negócios no Chade.
OS PAÍSES GRANDES
Consideramos como países grandes os que possuem mais de 500.000 e menos de
1.500.000 Km², havendo na África cerca de 16 deles, com localizações geográficas e
características étnicas e econômicas as mais diversas .
Numerosos países são subpovoados, se utilizarmos o critério da densidade demográfica,
possuindo menos de cinco hab/Km²; são a Botsuana, a República Centro-Africana, a
Mauritânia, o Níger e o Chade. Todos esses países possuem grandes porções do seu território
em áreas desérticas e semidesérticas.
A Namíbia é uma região desértica, ocupada pelos alemães que a exploraram até o
fim da Primeira Guerra Mundial, quando foi entregue como mandato à África do Sul. Trata-se
de área rica em minérios como urânio, diamantes, cobre, zinco e manganês. No período da
descolonização, as Nações Unidas reconheceram o direito à independência da região, mas a
África do Sul, pretendendo controlar-lhe as riquezas tratou de mantê-las sob o seu controle
militar, desencadeando uma forte perseguição dos partidários da independência. Estes,
organizaram-se em guerrilhas e com um certo apoio de Angola e Zâmbia vêm lutando para
efetivar a independência. Os sul-africanos, mais fortes, vêm fazendo pressão sobre os países
vizinhos e dando apoio a Jonas Savimbi, da UNITA, para tentar derrubar o governo popular
de Angola e expandir mais ainda a sua área de influência. Para a África do Sul teria uma
grande importância geopolítica a colocação de governos títeres em Angola e Moçambique.
A África do Sul é o mais rico e desenvolvido do grupo, dispondo de áreas de solos
férteis e de clima subtropical, mas, sobretudo, de uma grande riqueza mineral. Tem, porém,
um sério problema, uma vez que o país é inteiramente controlado por uma minoria branca –
menos de 5.000.000 de habitantes – que detém o poder de forma autoritária, desenvolvendo
um sistema legal de discriminação racial contra os negros, mulatos e indianos, o apartheid.
Este sistema é condenado a nível internacional, mas tolerado pelas grandes potências
colonizadoras, que mantêm um comércio intenso com a África do Sul.
Para um maior controle dos recursos do país, os brancos se apossaram das minas e
das melhores terras e procuram manter os negros enquistados em bairros próprios ou nas
regiões pobres, onde criaram os bantustões ou “lares bantus”, onde os negros gozam de uma
certa autonomia interna. Consideram estes bantustões como países independentes, mas os
demais países do mundo não reconhecem sua independência, uma vez que é evidente o
controle deles pelo governo sul-africano. Ainda controlam o território da Namíbia, que
deveria ter ficado independente, e interferem na vida dos países negros vizinhos, através de
grupos fantoches. Daí a falta de estabilidade política de países como Angola, Botsuana,
Moçambique e dos pequenos enclaves formados pelo Lesoto e pela Suazilândia.
Angola é um país de grande extensão territorial que permaneceu por quase
quinhentos anos como colônia portuguesa, sendo rico em minérios, como o petróleo (região de
Cabinda), diamantes, ferro, cobre, manganês, fosfato e sal. A densidade demográfica é baixa,
da ordem de 6,4 hab/Km², e o país vem sendo devastado por uma cruenta guerra civil, que se
sucedeu à luta pela libertação nacional, quando o poder foi disputado por três grupos rivais,
separados por posições ideológicas e por rivalidades tribais. Na luta pela independência houve
interferência de potências estrangeiras, como os Estados Unidos, em apoio à FNLA - Frente
Nacional Libertadora de Angola – contra o UNITA – apoiada pela África do Sul - e o MPLA
– Movimento Popular de Libertação de Angola, liderado por Agostinho Neto e apoiado pela
União Soviética e Cuba. Com a retirada dos portugueses, o MPLA apossou-se de Luanda e
organizou o governo independente de Angola, eliminando a FNLA; mas, ainda hoje, apesar da
ajuda recebida de soldados cubanos, luta contra a UNITA – União Nacional pela
Independência Total de Angola – que é apoiada pelo governo racista da África do Sul.
A Botsuana é um país em grande parte desértico, com 2,0 hab/Km², porém rico em
diamantes e outros minérios, sendo habitado por povos bantus. Por ser central, vive na
dependência da África do Sul, que já tem interferido em seu território para prender políticos
que contrariam o apartheid. Procura uma maior aproximação com as nações negras da África
meridional e tem dado algum apoio cauteloso à causa da independência da Namíbia.
O Egito é um país de grande importância histórica e possui relíquias arqueológicas
do maior valor. A maior parte do seu território é formada por um deserto, interrompido pelo
Vale do Nilo, onde se concentra a sua grande população. A fertilidade das terras do vale,
consequência em grande parte do húmus depositado durante as cheias do rio, levou Heródoto,
o famoso sábio grego, a afirmar que “o Egito é uma dádiva do Nilo”. A sua densidade
demográfica é de 51,8 hab/Km², mas a área habitada é muito pequena, apresentando
densidades, no meio rural, superiores a 1.000 hab/Km². Tendo sido, na Antiguidade, a sede de
um grande império, sofreu o domínio sucessivo de povos estrangeiros – gregos, romanos,
árabes, turcos, ingleses, etc. – e hoje luta por firmar a sua independência frente à ameaça
israelense, ora aliando-se à União Soviética, ora aos Estados Unidos. As grandes obras
construídas no Nilo, como a represa de Assuã, têm provocado a sua modernização econômica,
embora às custas de impactos ecológicos que podem trazer grandes problemas ao país. Seu
destino está ligado ao do mundo árabe, embora o Egito não seja etnicamente um país árabe,
mas apenas muçulmano.
A Etiópia é outro país secular que se atribui tenha sido o reino cristão de Preste João
das lendas do século XVI. Nela convivem várias etnias que disputam o poder. A unidade e a
consciência nacionais ainda não se consolidaram, apesar de sua existência milenar. Tem
grandes áreas de clima desértico, sobretudo na porção meridional e possui uma densidade
demográfica de 37,6 hab/Km². A Eritréia, anexada à Etiópia, após a conclusão da Segunda
Guerra Mundial, tem mantido uma luta pela independência que vem desgastando o país. Após
a queda da dinastia, representada por Hailé Selassié (1974), os militares que tomaram o poder
fizeram uma opção socialista de governo, mas não conseguiram planificar a economia, nem
atenuar a fome e a baixa qualidade de vida da população. Além disso, as secas vêm
provocando grandes problemas ao velho império copta.
Madagascar é um país insular, com uma densidade demográfica da ordem de 18,1
hab/Km², onde a maioria da população se dedica a produtos tropicais e à pequena mineração.
Habitada por povos de raça amarela, a ilha esteve durante decênios sob o domínio da França e
ainda mantém intenso intercâmbio com a antiga metrópole.
A Mauritânia é um deserto de grande extensão e pequena população, 1,9 hab/Km²,
sendo rica em minério de ferro. Habitada por povos árabes, tentou conquistar, junto com
Marrocos, a porção meridional do Saara Ocidental, quando os espanhóis se retiraram da área.
Após alguns anos de guerra, retirou-se do conflito, que continua a ser conduzido pelo
Marrocos.
O Mali é um país em grande parte desértico, onde convivem numerosas
nacionalidades, apresentando uma densidade da ordem de 6,8 hab/Km². Trata-se de país
pobre, de baixa renda per capta, onde são cultivados o algodão e o amendoim - produtos de
exportação – e a tamareira, esta sobretudo, nos oásis.
Moçambique é uma antiga possessão portuguesa onde, ao lado da população negra,
existe um grande contingente de indianos. Apresenta uma densidade demográfica da ordem de
16,8 hab/Km². Sua economia é dominantemente agrícola, baseada em produtos tropicais,
como o café, a castanha-de-caju, a cana-de-açúcar, o chá, etc.; mas possui reservas minerais –
já prospectadas e ainda não exploradas – bastante expressivas. O país foi muito prejudicado
pela longa guerra de independência contra os portugueses e, em seguida, pela sabotagem e
intervenção da África do Sul, que procura desestabilizar a sua economia visando a impedir o
seu crescimento. Também o interesse da África do Sul se baseia no fato de utilizar, em suas
minas, a força de trabalho de migrantes moçambicanos que recebem salários muito baixos.
O Níger é uma porção desértica cortada pelo médio curso do rio do mesmo nome,
onde vive uma população rarefeita de 1,6 hab/Km², dedicada, sobretudo, ao pastoreio e à
exploração das tamareiras nos oásis. Possui reservas de urânio e cassiterita, em exploração por
empresas de capital francês.
A Nigéria é o principal país africano por sua população; o único com mais de cem
milhões de habitantes e uma densidade demográfica da ordem de 117,6 hab/Km², muito
elevada, portanto, para um país situado em área de clima tropical úmido. Tem uma agricultura
bastante diversificada, por possuir áreas no trópico úmido e semi-árido, sendo também rico em
minérios, sobretudo em gás natural, petróleo, ferro e urânio. As dissensões internas entre os
iorubás, ibos e huassas, principais grupos étnicos, põem em risco a unidade nacional, estando
o governo sob o controle militar.
A República Centro-Africana, que esteve em evidência na imprensa no ano de
1977, quando o general Bocassa proclamou-se imperador, é um território pouco povoado, com
4,3 hab/Km², e exportador de diamantes e madeiras tropicais. Sendo um país central, faz suas
relações comerciais com o exterior através dos afluentes do Zaire, como o Chari e o Ubanghi.
A Somália, apesar de possuir uma densidade demográfica de 7,7 hab/Km², é em
grande parte desértica, situando-se na África Oriental, ao sul da Etiópia. Como a porção
meridional deste país é habitada por povos somalis, ela reivindica a incorporação de uma parte
da Etiópia ao seu território. A economia se baseia na exploração mineral e na pecuária,
sobretudo, de cabras ovelhas e camelos.
A Tanzânia compreende o território de Tanganica, antiga colônia alemã, e o
Sultanato de Zanzibar, que se unificaram. Tem grande porção do seu território em região de
altitude, permitindo que a densidade demográfica atinja os 24,9 hab/Km², que é relativamente
elevada para a África. Tornou-se famosa pela experiência socialista africana, desenvolvida
pelo seu líder J. Neierere nas décadas de 60 e 70, ao procurar caminhos para o
desenvolvimento autêntico do seu país.
O Quênia é um país também com “letras altas” e densidade demográfica razoável,
38,4 hab/Km², possuindo no planalto um grupo de fazendeiros brancos, de origem inglesa, que
se dedica à pecuária e à agricultura. Possui também recursos minerais em exploração.
Zâmbia é um país da África austral, rico em minério de cobre, cobalto e chumbo.
Tem parte de seu território em áreas de clima semi-árido e está próximo à área conflagrada de
Angola, Namíbia e África do Sul, o que torna vulnerável devido à passagem de guerrilheiros e
de exércitos perseguidores dos mesmos, pelo seu território. O fato de ser um país central
também traz sérios entraves ao seu desenvolvimento.
Analisando-se os países considerados grandes, nota-se que eles apresentam grandes
problemas para suas realizações como Estados-nações. Em geral, se excetuarmos a África do
Sul, são pobres, endividados e sempre ameaçados por interferências estrangeiras em suas
fronteiras.
O Chade é um país interior do norte da África Central, com uma superfície de 1 284
000 km². Situa-se a sul da Líbia, e tem 5 968 km de fronteiras com os Camarões, a República
Centro-Africana, o Níger, a Nigéria e o Sudão. O Chade tem quatro zonas climáticas:
planícies amplas e áridas no centro do país, deserto no norte, montanhas secas no noroeste e
terras baixas tropicais no sul. Só cerca de 3% do país é terra arável, e nenhuma desta terra tem
cultivo permanente. O Chade está sujeito a secas periódicas, a pragas de gafanhotos e aos
ventos quentes, secos e poeirentos do harmattan, que ocorrem no norte do país. O lago Chade,
partilhado pelo Chade e pelos Camarões, foi em tempos o segundo maior lago de África, mas
durante as últimas décadas o seu tamanho diminuiu dramaticamente e está hoje reduzido a
menos de 10% da sua anterior extensão.
OS PAÍSES MÉDIOS
Consideramos como médios os países que possuem uma superfície superior a
100.000 Km². Na África, eles são representados por 16 unidades que se distribuem por suas
várias regiões, daí haver entre os mesmos alguns com grande densidade demográfica e um
certo desenvolvimento industrial e outros subpovoados com economia primitiva.
Existem três países com densidades demográficas muito baixas: o Saara Ocidental, com 0,5
hab/Km², inteiramente desértico, e os países equatoriais, o Congo e o Gabão com,
respectivamente, 6,1 e 4,5 hab/Km². Os demais possuem mais de 20 hab/Km², elevando-se
esta densidade a 62,5 hab/Km² no Malavi e a 67,4 hab/Km² em Uganda.
O Benin, situado no Golfo da Guiné, é uma estreita faixa de terra que se alonga para
o interior, onde uma população expressiva se dedica à agricultura de produtos tropicais, tanto
para a subsistência, como para a exportação e à exploração do petróleo.
O Burkina Faso, antigo Alto Volta, é um país central, extremamente pobre, situado
no médio volta, onde a população vive de exploração do solo – produção de sorgo, de algodão
e de amendoim -, em condições muito difíceis, devido aos rigores do clima e às baixas
condições técnicas dominantes na exploração agrícola. A sua centralidade, que o faz depender
dos vizinhos nas relações comerciais, agrava a pobreza e pesa sobre a qualidade de vida.
Merece referência, ainda, que os burkinenses, em grande número, migram para Gana e Costa
do Marfim, na época da colheita do café e do cacau, contribuindo assim para melhorar as
condições de renda da população do país.
O Congo, situado na margem do rio Zaire, é um país equatorial em que a maioria da
população se dedica à exploração agrícola e florestal, assim como à pesca. Possui ricas jazidas
de potássio, cuja exploração vem sendo intensificada, além de jazidas menos expressivas de
ouro e petróleo.
Os Camarões, situados no Golfo da Guiné, apresentam uma agricultura de produtos
tropicais bastante ativa e diversificada e começa a intensificar a exploração das jazidas de
petróleo, gás natural, bauxita e estanho. O desenvolvimento industrial, apesar de incipiente, é
expressivo em relação ao continente africano.
Costa do Marfim é um país rico, de vez que a sua área de clima tropical úmido é
grande produtora de cacau e de café, tendo para estes produtos um mercado garantido em sua
ex-metrópole, a França, e em outros países europeus. Possui uma densidade demográfica
expressiva (33,5 hab/Km²) e tem capacidade de atração da força de trabalho de países vizinhos
no período de colheita destes produtos tropicais. Na porção setentrional, de clima semi-árido,
há uma expressiva atividade pecuária. Destaca-se, ainda, pela riqueza florestal e por sua opção
pelo sistema capitalista de desenvolvimento, após a independência , o que lhe deu maior poder
de barganha junto aos países capitalistas, na disputa de créditos e investimentos, frente a
países que adotaram uma linha político-econômica de tendência socialista, como Gana e
Guiné .
O Gabão é uma porção de floresta equatorial subpovoada. O país se destaca,
sobretudo pela produção e exportação de madeiras de lei e por sua riqueza em minérios,
principalmente em manganês, em que é um dos principais produtores mundiais. Tanto o
manganês, como outros minérios, são explorados por empresas transnacionais, resultando em
poucas vantagens para a população nativa, com a perspectiva de esgotamento, a médio prazo,
dos recursos disponíveis.
Gana, a antiga Costa do Ouro, é um dos principais países africanos no Golfo da
Guiné, tendo sido uma colônia britânica que deu elevadas rendas à coroa. Independente, sob a
liderança de Nkrumah, ela procurou encontrar um caminho socialista autêntico, africano,
tendo tido sérios problemas para reorganizar a sua economia, baseada na mineração e na
produção de café e cacau, e atenuar a pressão dos países capitalistas. Em 1966, os militares
depuseram o governo progressista e estabeleceram um regime autoritário de direita, que
procurou enquadrar o país nas linhas prescritas pelos antigos colonizadores e pelas empresas
transnacionais.
A Guiné viveu uma interessante experiência ao sair do regime colonial. Seu líder,
Sekou Touré, em 1958, ao ser consultado sobre se o país preferia ficar inteiramente
independente ou participar da Comunidade Francesa, em organização, conduziu o país a optar
pela primeira alternativa, o que provocou, da parte de De Gaulle, o corte imediato de toda a
assistência que a França dava à Guiné. Isolada, ela recorreu à ajuda dos países socialistas e,
para se desenvolver, procurou industrializar a bauxita, a fim de produzir alumina e alumínio.
O boicote das empresas internacionais que controlam o setor trouxe sérios problemas à nova
república. O principal suporte econômico do país é hoje representado pela exploração do
minério de ferro e da bauxita, assim como pela pesca e pela agricultura de produtos tropicais.
A Libéria foi criada na primeira metade do século XIX, por uma sociedade norteamericana que procurava fazer retornar à África escravos negros libertados. Daí o nome do
país, sendo a sua capital denominada de Monróvia, em homenagem ao presidente americano
James Monroe, que apoiou a iniciativa. Esteve sempre sob a tutela disfarçada dos Estados
Unidos, o que impediu a anexação aos domínios britânico e francês, por ocasião do avanço
mais agressivo do imperialismo. A exploração do minério de ferro, do ouro e de diamantes, ao
lado de uma pequena agricultura, constituem-se as principais atividades econômicas do país.
A Libéria, porém, é famosa por permitir que as grandes empresas de transporte internacionais
utilizem, em seus navios, a bandeira liberiana, visando, naturalmente, vantagens fiscais, sendo
um dos países que possui uma das maiores frotas mercantes do mundo.
O Malaui, situado sobre um planalto às margens do lago de Niassa, é um país
central; cercado por Estados rivais, vem fazendo uma política de grandes concessões à África
do Sul, o que traz sérios prejuízos a Moçambique e à África negra, em geral. Gozando de um
clima tropical de altitude, tem uma agricultura desenvolvida e diversificada e uma elevada
densidade demográfica.
O Marrocos é um tradicional reino muçulmano banhado pelo Atlântico e pelo
Mediterrâneo. Com inúmeros monumentos históricos ligados à tradição islâmica, procura
desenvolver o turismo, que é hoje uma das principais atividades econômicas do país. Situado
próximo da Europa e apresentando características consideradas pelos europeus exóticas, o
Marrocos é um dos grandes pólos de atração de turistas de toda a Europa. Sua economia é
bastante diversificada, tendo importante produção de fosfato e de minério de ferro, uma
agricultura muito variada de produtos mediterrâneos e um artesanato que, no setor de
tapeçaria, tem grande aceitação nos países ricos. A distribuição de renda, porém, é muito
injusta, havendo grandes desníveis sociais e econômicos da população.
O Senegal foi, durante decênios, o centro de irradiação da colonização francesa na
África Ocidental, daí o crescimento demográfico e funcional da cidade de Dacar. Com a
independência, os políticos locais tentaram organizar uma confederação de Estados africanos
francófonos, evitando o desmembramento da antiga África Ocidental Francesa, mas
fracassaram, conseguindo apenas manter uma união com o Mali, de 1960 a 1961. O país, que
possui uma elevada taxa de urbanização, é, sobretudo, produtor de amendoim, principal
produto de exportação, e de sorgo, destinado à alimentação da população da população nativa.
A Tunísia é um país árabe que permaneceu por mais de meio século sob o
“protetorado” da França, embora recebesse também grande influência italiana. Os italianos,
inclusive, desejavam ocupar a Tunísia, a fim de possuírem as ruínas da antiga Cartago, a
grande inimiga de Roma. Além de produzir fosfato e petróleo, o país possui uma indústria de
bens de consumo ponderável e uma agricultura bastante diversificada. O turismo também é
uma das suas principais fontes de renda.
Uganda, situada na África Oriental, nas margens do lago Vitória, no alto do Nilo,
goza de um clima tropical de altitude que permite o desenvolvimento de uma agricultura
diversificada, com expressiva produção de café, algodão e chá. Também possui uma
mineração significativa de cobre e sal. No período colonial formava uma monarquia
reconhecida e “protegida” pelos ingleses; com a independência, foi proclamada a república
por Milton Obote e, em seguida, passou por períodos difíceis em que foi governada por
militares despóticos, como o famoso Idi Amim Dada, hoje exilado na Arábia Saudita.
O Zimbábue é a antiga Rodésia do Sul, onde uma minoria de fazendeiros brancos
tentou, a partir de 1965, implantar um regime semelhante ao da África do Sul, entrando em
choque com a própria Grã-Bretanha. Apesar do apoio sul-africano, o regime de minoria
branca não conseguiu manter o controle do poder e passou o governo aos grupos negros, em
1978. Sua economia é dominantemente primária – agrícola e pecuária – e bastante
diversificada.
O Saara Ocidental é a antiga colônia espanhola do Rio do Ouro, que foi desocupada
pelo dominador europeu, em 1976, e invadida imediatamente pelo Marrocos e pela
Mauritânia, que pretendiam dividir, entre eles o seu território. O grupo político que liderara a
luta pela independência, a Frente Polisário, obteve o apoio da Argélia e conseguiu a retirada
da Mauritânia do conflito. O Marrocos quer expandir o seu território, alegando direitos
históricos sobre o Saara Ocidental, desejoso de se apossar das riquezas minerais aí existentes.
Também teme um cerco de países de tendência socialista – Argélia e Saara Ocidental – em
suas fronteiras, o que poderia pôr em risco a estabilidade da monarquia.
PAÍSES PEQUENOS
Considerando como pequenos os países que possuem menos de 100.000 e mais de
10.000 Km², encontramos, na África, cerca de dez Estados.
Estes países apresentam uma série de características comuns, ao lado de outras que
os diferenciam. Assim, Burundi e Ruanda se situam em terras altas na África Central e
estiveram sob o controle alemão antes da Primeira Guerra Mundial. Com a derrota alemã,
foram entregues como mandatos da Sociedade das Nações à Bélgica e só vieram a se libertar
na segunda metade do século XX. Possuem elevada densidade demográfica – 179,6 hab/Km²
no Burundi e 54,4 hab/Km² em Ruanda – tendo o primeiro uma economia dominantemente
agrícola, enquanto o segundo, ao lado da agricultura, desenvolve uma expressiva produção de
cassiterita, minério de estanho.
Djibuti é um antigo porto controlado pelos franceses, na saída meridional do Mar
Vermelho, que se desenvolveu por ser a estação inicial da estrada de ferro que ligava Adis
Abeda, capital da Etiópia, ao litoral. Habitada em grande parte por somalis, ao se tornar
independente foi reivindicada pela Somália, que englobava as colônias inglesas e italiana, mas
com o apoio da França manteve-se como país independente. O país depende quase
inteiramente de ajuda francesa, tendo uma economia inexpressiva.
Gâmbia é uma estreita faixa de terra encravada no Senegal, acompanhando o curso
inferior do rio do mesmo nome. Destaca-se pela produção de amendoim e algodão, mas vive
sérios problemas políticos e econômicos. Em função da sua posição geográfica, depende em
grande parte do Senegal, para o qual cria problemas de circulação, e faz desenvolver a idéia de
fusão dos dois, formando, no futuro, o Senegâmbia.
O Lesoto e a Suazilândia são dois pequenos países encravados na África do Sul, da
qual dependem inteiramente, já que ela usa força de trabalho dos seus habitantes, em suas
minas – pagando-lhes baixos salários. Há uma permanente pressão política sul-africana sobre
os dois pequenos Estados, a fim de impedir que líderes negros de oposição ao apartheid se
refugiem aí.
A Guiné-Bissau permaneceu por mais cinco séculos sob a dominação portuguesa e
ao se libertar, após cruenta guerra, era um dos países mais pobres e atrasados da África, tendo
a sua economia baseada na agricultura tradicional, na pesca e na exploração florestal. O
projeto político dos libertadores da Guiné era formar uma federação com Cabo Verde,
arquipélago também colonizado pelos portugueses, mas os interesses internacionais o
impediram, criando sérios problemas de viabilidade aos dois países.
A Guiné Equatorial, um pequeno enclave entre o Gabão e o Camarões, foi colônia
espanhola. Dispõe de uma agricultura primitiva e diversificada – mandioca, café, cana-deaçúcar, palmeira de óleo, etc. – e de uma indústria pouco expressiva e sem grande
possibilidade de desenvolvimento, devido às limitações quantitativas e qualitativas do
mercado.
Serra Leoa é uma antiga colônia inglesa que se tornou independente na segunda
metade do século XX. Sua economia se baseia na exploração mineral – minério de ferro,
urânio, rútilo, etc. – e em uma agricultura tropical bastante diversificada. Após a
independência, o país tem atravessado períodos de grande instabilidade política, estimulada
por ambições tribais e por interesses das grandes empresas que exploraram os seus recursos.
Togo é um pequeno país no Golfo da Guiné que se destaca pela produção de cacau e
de café, assim como exportação de fosfato. Tem fronteiras artificiais com Benin e Gana, que
não respeitam as distribuições geográficas das etnias, o que dificulta a integração nacional.
OS PAÍSES MUITO PEQUENOS OU MINI PAÍSES
Existem na África cinco mini países com superfícies inferiores a 5.000 Km², todos
eles formados por pequenos arquipélagos que se distribuem a uma relativa distância da costa,
nos oceanos Atlântico e Indico.
Dentre os mini países, o mais extenso é Cabo Verde, o de maior população é
Maurício e o de menos extensão territorial Seichelles. Todos têm densidades demográficas
muito elevadas, destacando-se sobretudo Maurício com 589,8 hab/Km², e Camores, com
209,7 hab/Km².
Cabo Verde é um país muito pobre, que se mantém com a pesca, com uma
agricultura diversificada tradicional e com a produção de sal. Uma das ilhas do arquipélago
chama-se Ilha do Sal. É também um país de emigração, sendo grande o contingente de
caboverdianos que trabalha e vive nos países europeus.
As Comores formam um arquipélago no Oceano Indico, próximo a Madagascar,
onde há importante cultura de baunilha e de plantas aromáticas. Tem uma expressiva atividade
pesqueira e pode se beneficiar da atividade turística.
São Tomé e Príncipe formam um conjunto de ilhas muito pobres, de uma
agricultura primitiva e da pesca. Foi, durante vários séculos, uma colônia portuguesa e serviu
de entreposto ao comércio negreiro.
Seichelles é o menor país africano e sua pequena população vive da pesca e da
agricultura. Localizada em área de clima tropical, pode, no futuro, ser explorada pela atividade
turística.
Maurícia ou Maurício, também chamada de Ilhas Maurícias ou Ilhas Maurício, é
um país do Oceano Índico, constituído pelas ilhas Mascarenhas orientais (ilha Maurícia e
Rodrigues) e por dois arquipélagos de ilhotas mais a norte: as ilhas Cargados Carajos e
Agalega. A Maurícia disputa ainda com Madagascar e a França, a ilha de Tromelin. Os seus
vizinhos mais próximos são o departamento francês de Reunião, a oeste, e as Seychelles, a
norte. Sua capital é Port Louis.
Os Recursos Africanos
Os Recursos Minerais
Os minerais talvez constituam os mais significativos dos recursos naturais que
permitiram ao homem o controle do seu meio ambiente.
A importância dos minerais no desenvolvimento da tecnologia humana, durante a
pré-história, vai além da simples fabricação de ferramentas, armas e recipientes. Abrange,
também, a construção de moradias, para as quais a argila foi fator preponderante.
Edifícios públicos, monumentos (como as pirâmides) exigiram grandes quantidades de
rochas graníticas duras ou de quartzito.
Os minerais forneceram os pigmentos para as pinturas rupestres, algumas das
quais no Saara e na África Meridional conservaram se admiravelmente até os nossos dias.
Os pigmentos eram obtidos através da trituração de diferentes tipos de rocha, como a
hematita, o manganês e o caulim, misturando-se o resultante com elementos gordurosos
ou resinosos.
Mas foi o ferro o minério mais importante para o desenvolvimento da África no fim
da era pré-histórica, a partir da utilização do laterito ou crosta ferruginosa, como base das
primeiras atividades da metalurgia do ferro.
Vastas zonas da África repousam sobre massas rochosas classificadas dentre as
mais antigas do planeta. As rochas cristalinas antigas, consideradas como "o pedestal
rochoso do continente" recobrem, pelo menos, um terço de sua superfície. Compreendem,
sobretudo, granitos e rochas metamórficas, como os xistos e os gnaisses, parte das quais
são altamente mineralizadas.
Dentre as mais importantes dessas formações, destacam-se as reservas de cobre do
Shaba, na República Democrática do Congo, cujas extensões ultrapassam 300 quilômetros.
Esta zona contém não só as maiores jazidas de cobre do mundo, como também algumas das
mais ricas jazidas de rádio e cobalto.
No Transvaal (África do Sul), o complexo vulcânico do Bushweld, com a superfície
de seis mil quilômetros quadrados, e o Great Dike, que atravessa o Transvaal numa extensão
de quinhentos quilômetros, até o Zimbábue, são igualmente abundantes em minérios, como a
platina, o cromo e o amianto.
A zona diamantífera africana não tem correspondência no resto do mundo. E na
África do Sul que atinge a sua maior concentração, embora haja outras jazidas na Tanzânia,
em Angola, na Namíbia e na, República Democrática do Congo. A África do Sul, Gana e a
República Democrática do Congo possuem minas de oura; o estanho é encontrado na
República Democrática do Congo e na Nigéria.
Há que se ressaltar, também, a presença de importantes jazidas de minério de ferro
na África Ocidental, como as da Mauritânia, Libéria, Guiné e Serra Leoa. Somente a Guiné
possui mais da metade das reservas mundiais de bauxita (minério do alumínio). Ao longo da
margem norte do continente, numa área que se estende do Marrocos à Tunísia, atravessando a
Argélia, encontra-se o grande cinturão dos fosfatos, associados às jazidas de ferro
extremamente ricas. Importantes jazidas de minério de ferro, de origem sedimentar, podem
ser encontradas, ainda, na região de Caroo (África do Sul e Namíbia). O carvão mineral
praticamente inexiste no Continente, salvo pequenas ocorrências na África do Sul, Zimbábue
e no Egito.
Supõe-se que o controle do comércio do ouro, através do deserto, entre o oeste e o
norte da África, foi uma das principais razões do surgimento de impérios e reinos no Sudão
Ocidental. É certo que a partir do últimos mil anos o comércio do ouro e do minério de ferro
atraiu os árabes para a África Oriental.
Os europeus, no decorrer dos últimos séculos, concentraram-se na África,
transformando-a em reservatório colonial de minérios brutos para alimentar o crescimento das
indústrias européias.
As rochas sedimentares mais recentes, do pós-cretáceo, encerram no Saara e no
litoral da África Ocidental vastos lençóis de petróleo e de gás natural.
Apesar do subsolo rico da África, os africanos dispõem de poucos recursos para
explorá-lo, dependendo de investimentos estrangeiros. Entretanto, em algumas áreas, os
conflitos étnicos e as guerras civis têm afastado os investidores.
Alguns países privatizaram suas minas, como as jazidas de bauxita da Guiné e as
minas de cobre e cobalto do Congo e da Zâmbia. As exploradoras multinacionais européias,
norte-americanas e sul-africanas continuam a investir na exploração mineral.
Recursos Vegetais
O Continente Africano, graças aos recursos vegetais, pode suprir as necessidades de
sua população, cuja densidade não cessou de aumentar.
A África e, antes de tudo, um continente de pradarias. Uma grande variedade de
ervas de uso forrageiro cobre mais da metade da sua superfície. Em seguida vem o deserto,
com cerca de trinta por cento. Depois, a floresta, com menos de vinte por cento.
Essa diversidade de meios-ambientes foi importante para a ocupação humana, uma vez que
asseguraram a subsistência com a caça, com frutas ou raízes comestíveis, bem como matérias
para a fabricação de utensílios, vestimentas e abrigos, e forneceram matrizes para a criação
das culturas agrícolas. A zona das pradarias e a reserva da caça africana, com sua grande
variedade de antílopes, gazelas, girafas, zebras, leões, búfalos e outros bubalinos (gnus, por
exemplo), elefantes, hipopótamos, rinocerontes, sem contar a caça de pequeno porte. Tal fato
explica que aí estejam os mais antigos sítios da ocupação humana, ao longo dos cursos
d’água, à beira dos lagos ou do mar.
A floresta era despovoada. Somente o desenvolvimento das técnicas incitaram o
homem a ocupar todos os tipos de região.
Ao mesmo tempo em que se beneficiavam das riquezas animais oferecidas pelas
diferentes zonas de vegetação, o homem explorava estas áreas para se abastecer de frutas e
raízes comestíveis. A presença de florestas-ciliares (= linhas de florestas que acompanham as
margens dos rios) permitiu ao homem a coleta de frutas, sementes e nozes das florestas e das
savanas.
Quando o crescimento da população atingiu grandes proporções, comunidades que
viviam da coleta iniciaram o plantio intencional de grãos, que conduziu a era da expansão
agrícola. As riquezas vegetais tiveram importância capital, também, no que concerne a
provisão de utensílios e indumentária e a moradia.
A utilização de instrumentos de madeira foi comum em quase toda a África,
inclusive quanto à construção de cercas, estacas e armadilhas de caça. Usou-se casca de
árvores para a confecção de vestimentas, recipientes e cordas, além da construção de abrigos
que substituíram as cavernas como habitação.
As condições ambientais da África permitiram ao homem a criação de novas
espécies cultiváveis (os cultígenos), a partir da coleta de variedades selvagens. De um modo
geral, se admite que, neste campo, a participação da África foi inferior à da Ásia. A savana
foi mais importante que a floresta. Ali foi selecionado grande número de variedades
silvestres apropriadas para o cultivo, em geral, pela semeadura, enquanto nas regiões da
floresta se desenvolveu o preparo de mudas, brotos e rizomas e tubérculos. As aclimatações
mais importantes nessa região foram a do inhame - do qual inúmeras espécies são
atualmente cultivadas - e do dendezeiro.
A África deve à Ásia e à América do Sul um bom número de novas culturas.
As riquezas vegetais desempenharam papel preponderante na evolução histórica do
homem na África, além de provê-lo com abundantes reservas de frutas e de tubérculos, e
permitirem a criação de culturas que cuidadas e protegidas proporcionaram-lhe novos e mais
ricos meios de subsistência.
A agricultura teve, também, um importante papel na
mudança das organizações políticas dos povos africanos.
A implantação das culturas agrícolas de exportação, imposta
pelas potências coloniais - cacau, café, tabaco , amendoim,
algodão, sisal, dendê e borracha - em lugar das culturas de
subsistência, determinou a necessidade da importação de
alimentos de outras regiões, contribuindo para a ocorrência
da fome e da subnutrição.
Recursos Animais
A distribuição das riquezas animais está estritamente relacionada com a distribuição
das riquezas vegetais. A África sempre foi considerado um continente particularmente rico em
mamíferos. Afirma-se que, excluindo o morcego, existem 38 famílias de mamíferos africanos.
A distribuição desses animais no Continente evoluiu no espaço e no tempo. Vestígios fósseis
indicam que todas as regiões da África, em algum momento, foram povoadas por grandes
espécies selvagens. A região mediterrânea da África do Norte abrigou animais, como o leão e
o elefante, que foram vítimas da ação do homem, no decorrer dos dois últimos milênios. O
próprio deserto ainda conserva uma série de espécimes da fauna selvagem: gazelas dorca e
dama, o ádax, o órix (com chifres em cimitarra), o órix algazel e outros. Sabe-se que, em
períodos mais úmidos, muito remotos, habitaram na região do deserto, animais como o
hipopótamo, a girafa, o búfalo gigante (hoje extinto) e antílopes de porte maior.
São as savanas africanas o verdadeiro reduto da caça de animais de grande porte. Nas
savanas do oeste, leste, centro e sul da África, encontram-se animais carnívoros como o leão,
o leopardo, o gato-tigre africano e a hiena. Ali vivem também, entre outros, o búfalo, a gazela,
o antílope, a zebra, a girafa e o avestruz. É o habitat, também, do elefante e do rinoceronte
negro. A extensão do território ocupado por cada espécie modificou-se ao longo dos séculos.
Todos esses animais sofreram, por parte do homem, grandes devastações.
Entre os mais notáveis habitantes da floresta encontram-se os porcos-do-mato,o
javali-gigante, os grandes macacos (como o chimpanzé e o gorila), a girafa, bem como ocapi
(mamífero da família das girafas). Também nessa região as modificações do meio, provocadas
pelo homem, afetaram a extensão do território.
A abundância de recursos animais foi, sem dúvida, útil ao homem durante o longo
período em que se dedicou, basicamente, à caça. As reservas pareciam, a tal ponto,
inesgotáveis, que algumas comunidades africanas até hoje se mantêm nesta atividade.
Os peixes representam outra categoria importante de recursos animais. Tanto os
cursos d’água como os lagos de água doce atraíram os grupos humanos por sua piscosidade.
Nas suas margens, têm sido encontrados vestígios de comunidades muito antigas, que
utilizavam arpões e anzóis feitos de osso e que também caçavam e consumiam hipopótamos e
crocodilos.
Até recentemente, as comunidades de pescadores africanos não dispunham de
tecnologia para se aventurar sistemática e intensamente na pesca de alto-mar.
A extraordinária riqueza e variedade da fauna terrestre forneceu enorme reserva
potencial de animais domésticos. Contudo, a domesticação de animais na África restringiu-se
praticamente ao jumento, ao gato, a galinha-d'angola, ao carneiro e ao boi.
O pastoreio não se desenvolveu de maneira uniforme por todo o continente.
Enquanto a maior parte das comunidades logrou dominar as variedades menores de gado,
apenas uma minoria conseguiu domesticar as maiores, como foi o caso dos tuareg no Saara,
dos peul da savana da África Ocidental e dos massai das pradarias da África Oriental, que
continuam ligados à vida pastoril, renunciando a todas as tentativas de conciliar esse modo de
vida com a agricultura. Seguindo incessantemente os seus rebanhos em busca de água e
pastagens, essas comunidades mantém até hoje uma vida nômade, na sua mais pura forma.
Alguns grupos bantu da Árica Oriental conseguiram, entretanto, associar a criação de gado à
prática agrícola em proveito de ambas as atividades.
A proliferação de outras espécies animais exerceu influência negativa sobre o
desenvolvimento do pastoreio na África. É o caso da mosca tsé-tsé. Grande e bastante móvel é
ela o principal, mas não o único, transmissor tripanossomíase (infecção que provoca no
homem a doença do sono e que é mortal para os animais).
A descida dos rebanhos da África do Norte para o Sul ficou condicionada a
existência de corredores livres da mosca, tanto naturais, quanto criados por comunidades
agrícolas organizadas. Sem dúvida, a história da África teria sido diferente se não tivesse a
presença da mosca tsé-tsé, uma vez que ela impossibilitou a utilização do gado de grande
porte, para tração, pelas comunidades agrícolas. Por outro lado, a facilidade de deslocamento
de certos povos, propiciada pela presença do gado de montaria, não deixou de excitá-los à
agressão e ao domínio sobre os povos sedentários.
Outro caso é a presença da malária. Dentre as muitas espécies de mosquitos capazes
de transmitir os diferentes tipos de parasitas da malária, algumas são mais atraídas pelo sangue
humano que outras.
O mosquito transmissor mais frequente na África é o anopheles gambiae, de difícil
erradicação, pois também se alimenta de sangue animal. O mosquito, em geral, procria em
águas estagnadas, sendo mais incidente nas imediações de pântanos e de rios. Sua reprodução
cresce com o aumento das chuvas e as altas temperaturas estimulam tanto o desenvolvimento
das suas larvas, quanto o ciclo do plasmódio (= o micróbio que provoca a doença), no inseto
adulto. Já as temperaturas mais frias, dos locais de maior altitude, reduzem sua virulência.
Assim, a malária endêmica tende a desaparecer em altitudes acima de 1000 metros, ainda que
a transmissão possa persistir.
O mosquito da malária desempenhou papel importante na história do Continente. Até
o século XX, ele, efetivamente, desencorajou os europeus de se instalarem sob o clima quente
e úmido da África Ocidental, resguardando assim a região dos problemas interraciais que
abalaram a história das terras altas da África do Norte, do Leste, do Centro e do Sul, vítimas
da colonização.
Os gafanhotos fazem parte das pragas tradicionais da África. Insetos grandes que,
normalmente, vivem solitários ou em pequenos grupos, são encontrados nas zonas de
transição das vegetações, às margens do deserto ou da savana herbórea e da floresta. Ao sul do
Saara encontram-se três tipos principais: o gafanhoto-vermelho, o gafanhoto migrador
africano e o gafanhoto do deserto. Eles requerem dois tipos diferentes de habitat: solo
desértico para depositar os ovos e paisagem verde para alimentar-se. Quando, por motivos
diversos, seu terreno de alimentação se restringe demasiadamente, esses insetos se agrupam
em enormes enxames e invadem zonas próximas ou distantes. Para as populações agrícolas
sedentárias, as depredações causadas pelas nuvens de gafanhotos, sobretudo, quando ocorrem
logo antes da colheita, podem significar uma passagem brutal da abundância à fome. Quando,
no passado, condições climáticas adversas, como a seca, por exemplo, coincidiam com essas
invasões, sobrevinham grandes transtornos políticos e sociais.
28
Um vulcão coberto de neve
Celso Dal Ré Carneiro, Instituto de Geociências,Universidade Estadual de Campinas.
Quando se fala em África, logo vem à cabeça a imagem de uma savana. Veja se você
pensou em uma cena parecida: mata baixa, leões disfarçados à procura de uma presa,
rinocerontes, elefantes, sol escaldante - capaz de fritar um ovo no chão - e um pouquinho de
neve ... Opa! Há algo errado! Neve? Na África?
É mesmo difícil de acreditar, mas embaixo de todo esse calor, muito perto de leões,
girafas e rinocerontes, existe um vulcão coberto de neve: o Kilimanjaro. Ele está localizado na
Tanzânia, país da costa leste do continente, e tem quase seis mil metros de altitude.
Ué, mas a lava do vulcão expelida não derreteria a neve? Derreteria. Acontece que
não há registros de erupções nesse vulcão. Isso porque o Kilimanjaro não é um vulcão ativo, e,
sim, dormente. No seu interior, há lava derretida e ele, de vez em quando, solta no ar vapor de
água, poeira e gases, que parecem uma fumaça. Por isso, não é descartada a hipótese de que
entre em erupção no futuro, o que causaria o fim da camada de gelo.
Mas você deve estar se perguntando: por que, afinal, a neve se acumulou em cima do
vulcão? Guarde bem para não esquecer: em locais extremamente altos, como no topo do
Kilimanjaro, a temperatura média chega a ser tão fria como nos pólos da Terra. Quem se
aventura a escalar essa montanha começa enfrentando c1ima quente como o da Amazônia, até
que, com a subida, a temperatura vai baixando, há chuvas e, no topo, gelo! Ali, ocorre um
fenômeno conhecido como “neve eterna”. Essa neve cai nos dias mais frios do inverno e não
consegue ser derretida durante o resto do ano. Só que esse quadro mudou ...
Há 100 anos, o gelo cobria todo o alto da montanha - uma área de, aproximadamente,
12 quilômetros quadrados. Comparada ao que já foi, hoje ela é bem pouca. Acumula-se em
cerca de dois quilômetros quadrados, ou seja, um sexto de seu tamanho original. Foi o
aquecimento do planeta que fez com que, pouco a pouco, a neve eterna se derretesse.
Resultado: o desaparecimento da neve no topo do Kilimanjaro, paralelamente,
provocara a diminuição do volume de águas dos rios que as neves alimentam. E aí pode
ocorrer o desaparecimento das florestas também.
Se você acha que ainda vai levar tempo para isso acontecer, preste atenção: por conta
das mudanças no c1ima da Terra, alguns cientistas prevêem que o branquinho no topo do
Kilimanjaro desapareça em futuro próximo, daqui a 10 ou 15 anos. Aproveite, então, para ver
depressa esse fenômeno, ainda que seja por fotos.
29
ÁFRICA: DA COLONIZAÇÃO À DESCOLONIZAÇÃO
As grandes navegações e as feitorias na costa
Texto extraído do livro, O Brasil e a África de
ANDRADE, Manuel Correia de. Ed. Contexto, 2001.
A conquista da África pelos países europeus iniciou-se no século XV, quando os
portugueses, procurando encontrar o caminho marítimo para as Índias, intensificaram as
navegações e contornaram o continente negro. A descoberta do caminho que daria a Portugal,
por algum tempo, o monopólio do comércio das especiarias, levaria, ainda, praticamente, um
século, e os empreendimentos comerciais tinham que ser autossustentados. Intensificou-se,
então, o comércio de produtos tropicais e de escravos entre os portugueses e alguns potentados
africanos.
Numa primeira etapa de colonialismo mercantil, os portugueses não almejavam
estabelecer extensas colônias, nem fazer penetrações no território africano. Sabendo-se de sua
fraqueza em homens e capitais, procuraram os peninsulares fazer aliança com chefes locais e
desenvolver o comércio.
As instituições africanas não foram modificadas, permanecendo as leis e costumes
dominantes. Ao longo da costa, encontraram áreas organizadas em Estados - pequenos e
médios reinos – e áreas ainda sob o controle de tribos com organização social e política
primária.
Foi nesse sentido que os portugueses implantaram feitorias em lugares mais
favoráveis ao comércio ou de maior valor estratégico, que permitiriam, posteriormente, a
formação de colônias destinadas, sobretudo ao comércio de escravos. Só no século XIX, é que
as feitorias se transformaram em pontos de apoio para a conquista do interior e as colônias
ganharam expressão territorial, fazendo surgir os atuais Estados de Angola, de Moçambique e
de Guiné-Bissau. Algumas ilhas no Atlântico também foram ocupadas por europeus e
utilizadas tanto para o povoamento, como para pontos de apoio ao comércio com a costa
africana.
Nos séculos XVI e XVII, outros países europeus também se interessaram pela
conquista de partes do território africano e organizaram companhias de comércio que
fundaram feitorias e desenvolveram relações com os nativos. O comércio mais vantajoso, a
partir dos fins do século XVI, foi o de escravos; nele se empenharam não só os portugueses,
tentando abastecer o Brasil de força de trabalho, como também os ingleses e holandeses que
procuravam desenvolver suas colônias no Caribe e fornecer trabalhadores para a América
espanhola. A importância da escravidão era de tal monta que os holandeses, para garantirem a
posse de Pernambuco, conquistaram Angola aos portugueses.
Na África Oriental, banhada pelo Oceano Índico, os europeus encontraram uma forte
oposição de mercadores árabes que já antes da viagem de Vasco da Gama controlavam, por
via terrestre ou através do Mar Vermelho, o comércio das especiarias, sendo eles também
grandes negociantes de escravos.
Nos séculos XV, XVI e XVII, os europeus fizeram reconhecimentos na costa
africana, exploraram os recursos disponíveis, arregimentaram os nativos através da coação e
da cooptação, e iniciaram uma tímida política de colonização. Esta foi melhor estruturada no
século XVIII e consolidada com conquista de todo o território no século XIX, quando
praticamente toda a África foi dividida entre países colonizadores. O desenvolvimento do
30
capitalismo industrial e financeiro, consubstanciando o imperialismo, possibilitaria a expansão
pelo interior do continente e a formação de grandes impérios coloniais.
A experiência Bôer
No século XVII, famílias holandesas se fixaram na África do Sul, fundando a
Colônia do Cabo e conquistando terras aos hotentotes e bosquímanos – negros que
dominavam a região – com a finalidade de criar fazendas de gado. A palavra “bôer”, com que
se autodenominavam , significa fazendeiro, criador de gado. Aí se organizaram, beneficiandose da fertilidade das terras, do domínio de um clima subtropical, bem diverso do dominante na
maioria do território africano e do comércio que faziam com os navios que iam para as Índias,
tornando-se a Cidade do Cabo escala obrigatória para estes navios.
Os ingleses, sabendo da qualidade das terras e do valor geopolítico de sua
localização, aproveitaram-se das guerras napoleônicas e ocuparam a Colônia do Cabo, em
1806. Os “bôers”, não satisfeitos com a perda de sua autonomia, migraram para o interior e se
estabeleceram ao norte, nas áreas drenadas pelos rios Orange e Vaal, fundando duas
repúblicas independentes, o Estado Livre do Orange e o Transvaal, em 1839 e 1849. Lá,
porém, existiam minas de diamantes, e os ingleses, através de suas companhias mineradoras,
passaram a explorá-las, exigindo participação no governo desses países. Sendo duas pequenas
repúblicas centrais, os seus produtos tinham que ser exportados pelo porto do Cabo, o que
dava aos ingleses o controle da economia das mesmas. Para fugirem à influência inglesa, os
“bôers” construíram uma ferrovia que chegava ao Oceano Índico, em Moçambique, território
português.
À proporção que aumentava a produção de diamantes pioravam as relações entre
ingleses e “bôers”, tanto pelo desejo de controle das minas, como pela aspiração inglesa de
estender os seus domínios para o Norte, ocupando a Becuanalândia e impedindo que os
portugueses unissem Angola a Moçambique.
A situação se deteriorou e, apesar de a Inglaterra haver reconhecido a independência
das repúblicas “bôers” (1881), iniciou-se em 1899, uma guerra que durou três anos e terminou
em 1902, com a vitória inglesa e a anexação do Transvaal e do Orange às colônias britânicas.
Estes seriam agregados à Colônia do Cabo e a Natal, formando a União Sul-Africana, em
1910, que conseguiu a sua independência em 1961, retirando-se da Comunidade Britânica de
Nações e adotando a forma republicana de governo.
Hoje, forma um país em que 15% da população é branca – “bôers” e descendentes de
ingleses – e 85% é negra, indiana e mulata, mas onde os brancos têm o controle do poder
político, possuem as melhores terras, negam os direitos civis aos negros e desenvolvem a
política apartheid. Ainda ocupam a Namíbia, país negro que esteve sob a tutela da União SulAfricana desde a conclusão da Primeira Guerra Mundial, mesmo contra a determinação das
Nações Unidas, que a reconhecem como Estado independente. [...]
O Imperialismo e a ocupação do espaço africano
Admitindo-se que o imperialismo tenha ganhado maior importância a partir de 1870,
observa-se que foi a partir desta data que os países europeus consolidaram a exploração do
interior do território africano e dividiram o continente entre eles.
31
Há grande disparidade entre as várias áreas do território africano. Não apenas do
ponto de vista físico, mas também do cultural, deve-se distinguir a África do norte,
mediterrânea, da África do sul do Saara, negra e equatorial.
A África do norte, habitada por berberes, esteve nominalmente sob o controle do
Império Turco ou Otomano até os fins do século XIX. Esse controle foi se tornando cada vez
menos intenso à proporção que o Império entrou em decadência e os vários povos por ele
dominados foram se libertando de sua tutela. Estando próxima à Europa, possuía um certo
intercâmbio com os países europeus, provocando problemas à navegação no Mediterrâneo,
uma vez que seus portos eram muitas vezes utilizados como bases, por navios piratas.
A França foi o primeiro país europeu a ocupar uma porção da África mediterrânea,
quando, em 1830, invadiu e conquistou a Argélia, depondo os representantes do governo
turco. Os franceses não só procuraram se beneficiar da apropriação dos recursos naturais,
como também desapropriar grandes extensões de terra muito férteis, para instalar colonos
franceses, a fim de desenvolverem a cultura da vinha. O domínio francês na Argélia se
estenderia por mais de um século, só terminando em 1963, após uma guerra de libertação, que
durou 9 anos, e que provocou o repatriamento de centenas de milhares de argelinos de origem
francesa.
O Egito seria objeto de disputa entre a Inglaterra e a França desde o início do século.
Disputa que se intensificava à medida que ele fugia do controle do governo de Istambul. Os
franceses, com Napoleão, invadiram o Egito, em 1798, mas a destruição da esquadra francesa,
por Nelson, forçou a retirada. Em 1869, os franceses organizaram uma sociedade e
construíram o Canal de Suez, que aproximaria consideravelmente a Europa da Índia; mas os
ingleses, que eram grandes credores do Egito, forçaram este governo a vender as ações da
empresa controladora do canal e passaram a controlá-lo. Para a Inglaterra, senhora das Índias,
o Canal de Suez era essencial ao esquema do controle.
A partir de 1882, os ingleses começaram a controlar política e administrativamente o
Egito, que se separou da Turquia e passou a ser um protetorado da Inglaterra. A França,
temerosa de perder a sua influência no Mediterrâneo e, credora da Tunísia, ocupou este país,
em 1883, estabelecendo um protetorado.
Em 1912, ela fez o mesmo com Marrocos, embora reconhecesse direitos da Espanha
a alguns portos mediterrâneos situados neste reino e o controle do Rio do Ouro, atual
República do Saara Ocidental. Na África do norte, a Turquia conservaria mais tempo o
controle da Líbia, que passou para a Itália em 1911/12.
Mas, não eram só os franceses e ingleses que disputavam a África. Os espanhóis
conservaram alguns territórios de menor importância, e os portugueses, apesar da perda de
importância do seu país no contexto mundial, conservaram ricas e grandes colônias até os
anos 70.
Definida a situação do Mediterrâneo, os franceses procuraram estender seus
domínios, do Atlântico ao Índico nas áreas do Saara, do Sahel e do Sudão, conquistando as
regiões drenadas pelo Senegal, pelo Níger e pelo Volta. Pararam a leste, quando encontraram
os ingleses no alto Nilo, já senhores do Sudão.
Por sua vez, os ingleses procuraram estender o seu domínio na África Oriental desde
o Egito até o Cabo, mas, após anexação de vários territórios, foram barrados pelos alemães
que haviam se apossado de Tanganica. Os belgas, a princípio, em um empreendimento pessoal
do rei Leopoldo II e depois como Estado colonialista, apoderaram-se de grande parte da bacia
do Congo, formando o Congo Belga, atual Zaire.
No Golfo de Guiné, franceses, ingleses e alemães apossaram-se de porções do
território, formando colônias diretamente governadas por delegados europeus. Os italianos,
além da Líbia, voltaram-se para a África Oriental, conquistando a Eritréia e a Somália e
tentaram anexar a Etiópia, a princípio, sem sucesso (1896) e, em seguida, realizaram a
conquista (1935/36)
32
Os americanos, preocupados com a expansão na América Latina, não tiveram grande
atividade na conquista da África no período anterior à Primeira Guerra Mundial, mas
organizara, uma república “independente”, a Libéria, para servir de lar aos escravos libertos,
após 1822, que desejassem voltar às origens. Assim, ao iniciar-se a Segunda Guerra Mundial,
apenas a Libéria era considerada um país independente na África, estando os demais sob o
controle, maior ou menor, de países europeus.
Plantando Sementes: Áfricas e Afro-Brasis
Heloísa Pires Lima
Imagine uma árvore de onde se colhem histórias. Pois a adansonia digitata pode
frutificar inúmeras atividades em sala de aula. Bastante requerida para representar identidades
africanas (aparece, por exemplo, na bandeira do Senegal!), vem inspirar as demandas para a
implementação da Lei 10.639 no cotidiano escolar. Esta via saborosa para o aprendizado pode
iniciar com o nome da planta que varia conforme a região africana: baobá, embondeiro,
ximbúio, nacuo, mbondo, etc. Dessa forma, já entramos em contato com uma África nada
homogênea. Ao contrário, o caso da variedade lingüística expõe uma geografia composta por
mais de 50 países e suas etnicidades que rebatem aquela idéia da África como país, que ainda
circula muito por aí. O aspecto cultural pode relacionar mitologias e a literatura das
populações africanas que vivem ao seu redor. Contam que esta árvore teria sido plantada de
ponta cabeça pelo Criador. E que suas raízes ficariam voltadas para o alto. A oralidade criativa
se inspirou na forma dos galhos dessa espécie.
O conto é milenar e acompanha a idade da árvore. Debates ente os botânicos atestam
que sua existência chega aos seis mil anos de idade. Mais velha, só a sequóia e um cedro
japonês. Os séculos passam e seu tronco vai engordando. Dizem que chega aos 45 metros de
diâmetro. A grandeza do assunto, os muitos nomes, anos e metros pode seguir múltiplas
trilhas da botânica ocidental. Pode ser aquela da homenagem ao "descobridor" da espécie,
processo semelhante de dar nomes dados às estrelas. O nome científico da adansonia foi por
causa do naturalista francês, Michel Adanson. Nos idos de 1750, é ele quem relata sua
existência colossal para as instituições científicas da época, bastante interessadas no valor
econômico da flora "exótica". O episódio histórico das caixas com mudas de plantinhas que
atravessavam os oceanos sugere a pesquisa das árvores cultivadas no Brasil que carregam uma
origem africana. E, assim, podemos chegar aos baobás do Brasil. Afinal, além de integrarmos
o conteúdo particular aos universais, os estudantes brasileiros podem elaborar a aproximação
entre os dois universos para além do marco da escravidão. Importante, porém não absoluto.
Outro mais antigo nasceu no Rio Grande do Norte. Segundo o imaginário local, teria
inspirado Saint Exupéry para o personagem que habita sua obra. O baobá, aos olhos do
príncipe, é uma planta ruim que infestava seu planeta, cujas sementes do mal precisavam ser
logo arrancadas. Este inimigo terrível vem entrando nas cabeças de crianças por várias
gerações. Já os valores africanos a dignificam chegando a ter status de sagrada. Pela filosofia
moçambicana, a sabedoria é como o tronco de um embondeiro. Uma pessoa sozinha não
consegue abraçá-lo. Ou como dizem na Costa do Marfim, enquanto todas as árvores tiram sua
força da terra, o baobá vai buscá-la no infinito dos céus. E provérbios revelam a sofisticação
do pensamento. Árvore da vida, árvore generosa, continua até os dias de hoje a conversar com
o Criador que, ao olhá-la, enxerga os humanos. Sendo assim, os paulistas podem se animar,
pois uma delas foi plantada nos jardins que homenageiam o geógrafo negro Milton Santos no
33
campus da Unicamp. E a história continua por aqui, e até o dinamismo para os nomes; são
também conhecidas pela alcunha de Maria Gorda ou Barriguda. Outro aspecto nesse conjunto
em potencial é a descoberta dos milenares jogos lógico-matemáticos criados em África, a
partir das sementes do fruto do baobá ou embondeiro ou adansonia.
Jornal Bolando Aula de História – Ano 10 - Número 55 Maio/Junho 2007
A ESCRAVIDÃO
PENSE...
Texto extraído do livro História Temática – 6ª série do Ensino Fundamental – p.154
Ser escravo não é somente viver trancado em uma senzala, sob vigilância contínua ou
amarrado em ferros. Sem dúvida, um escravo não tem direito de escolha, tem sua liberdade
restringida, mas não necessariamente é um homem que vive aprisionado. Ao longo da história,
existiram, entre os diversos POVOS, diferentes formas de escravidão.
Antes de tudo, ser escravo é ser propriedade de outro, não ter o direito de decidir sobre a sua
própria vida; significa, enfim, ter sua vontade dominada pela de outra pessoa.
Em quase todos os casos, no decorrer da história humana, o não cumprimento das ordens do
senhor por parte do escravo resultava em castigo corporal ou na execução de alguma tarefa
árdua. No Brasil colonial, por exemplo, muitos castigos eram públicos, de modo que outros
escravos soubessem o que lhes poderia ocorrer quando fugissem ou desobedecessem a seu
senhor.
No entanto, alguns escravos, principalmente os urbanos, exerciam atividades que permitiam
sua livre circulação. Eram vendedores, sapateiros, ferreiros, comerciantes, cozinheiros, etc.
Então, o que faz um homem escravo, em diferentes momentos históricos, é o reconhecimento
forçado da sua relação de obediência a um senhor, é sua falta de liberdade e autonomia.
A escravidão na Antiguidade
No período chamado pelos historiadores de Antiguidade (2000 a.C - invenção
da escrita - até 476 d.C - queda do Império Romano), os escravos eram, em sua maioria,
estrangeiros capturados em guerras contra cidades inimigas. Havia também a escravidão por
dívidas. Não existiam profissões destinadas somente a escravos, e muitos deles eram homens
letrados ou especializados em funções técnicas.
Em Roma, entre 50 a.C e 200 d.C, por exemplo, cerca de 700 escravos trabalhavam
na manutenção do sistema de abastecimento de água para a cidade, estando entre eles os
arquitetos e os coordenadores técnicos do sistema.
34
Havia ainda escravos no serviço doméstico, trabalhando como administradores
públicos, pedagogos, tecelões, etc. Na Grécia e Roma antigas, o fato de ser escravo não se relacionava às tarefas realizadas, mas a ausência de direitos políticos. Os escravos não eram
cidadãos, não podiam participar das decisões políticas, estavam sempre subordinados às
ordens de seus senhores e eram considerados ferramentas de trabalho - manual ou intelectual.
Texto extraído do livro História Temática – 6ª série do Ensino Fundamental – p.158
A África pré-colonial
Antes da chegada dos europeus, os povos do continente africano estavam
organizados em clãs e reinos, um pouco semelhantes às nações ameríndias. Havia grande
diversidade entre eles em aspectos físicos, características culturais, número de integrantes, etc.
Na região centro-ocidental da África, por exemplo, na bacia do rio Congo, os povos bantos
haviam-se estabelecido desde o século X. Quando os portugueses chegaram a essa região
(parte da atual República Democrática do Congo e Norte de Angola), encontraram diversos
povos que formavam reinos poderosos e organizados. Entre esses povos estavam os Bakongo,
organizados nos reinos de Congo, Luango, Ngoio e Cacongo, e os Kimbundu e Ovimbundu,
nos reinos de Ndongo e Matamba.
O reino do Congo era rico em ferro, sal, jóias, ouro e marfim. No início, a relação
firmada entre os nativos e os europeus foi amistosa, e, posteriormente, o rei converteu-se ao
cristianismo. Com o tempo, a exigência cada vez maior dos colonizadores gerou conflitos
internos no próprio reino, desintegrando-o.
Na década de 1530, exploradores portugueses subiram o rio Zambeze (que
desemboca no atual território de Moçambique) e descobriram minas de ouro. Estabelecendo
comércio no interior da África com o reino Monomotapa, acabaram por aniquilá-lo. Outro
importante reino africano no século XVI era o de Rozwi, no atual território de Zimbábue.
Mais ao norte, próximos dos limites do deserto do Saara, encontravam-se outros importantes
reinos: os Estados Haussá e Iorubá e os reinos de Oió, Benin e da Etiópia, entre outros .
Muitos desses povos africanos guerreavam entre si e era habitual que prisioneiros de
guerra fossem escravizados. Além disso, havia um secular comércio de africanos para os
países islâmicos em torno dos mares Mediterrâneo e Vermelho.
Contudo, somente a partir do momento em que os europeus aportaram nas costas da
África, no final do século XV, a escala desse comércio atingia cifras de milhões de
indivíduos, ao longo de quase quatrocentos anos. Em 1482, os portugueses construíram o
primeiro posto comercial no golfo da Guiné, transformado em importante porto de embarque
de escravos para a América.
A escravidão na América Portuguesa
No Brasil, inicialmente, foram escravizados os nativos indígenas, mas logo se
recorreu ao comércio de negros africanos. Além de contornar as dificuldades de submeter
populações indígenas, que conheciam melhor que seus captores o meio em que viviam e
35
podiam empreender fugas bem-sucedidas, o tráfico negreiro caracterizava-se como mais um
lucrativo empreendimento de exploração colonial para os europeus.
Para companhias portuguesas, espanholas, inglesas, holandesas, o tráfico negreiro consistia no
aprisionamento de homens negros nas costas africanas para serem vendidos como escravos no
Brasil e em outras partes da América.
Os navios que os recolhiam traziam da Europa mercadorias manufaturadas (tecidos,
bebidas, armas, ferramentas, etc.) que comerciavam em troca dos escravos negros. Após
deixarem as Américas, voltavam à Europa carregados dos produtos tropicais explorados nas
colônias. Estabelecia-se, assim, o comércio triangular, que tantos lucros deu aos comerciantes
europeus entre os séculos XVI e XIX.
Nesse sistema escravagista, a questão racial passou a estar vinculada à condição
mesma da escravidão, pois todos os indígenas e, em especial, os negros seriam potencialmente
cativos apenas em virtude de sua etnia, da cor de sua pele.
Estabeleceu-se uma hierarquia na qual certos trabalhos eram destinados aos escravos,
principalmente os braçais, como o cultivo da cana-de-açúcar ou os afazeres domésticos nas
casas dos ricos senhores. Quanto menos características físicas de índios ou negros os
indivíduos tivessem, maiores seriam suas chances de não serem identificados como escravos.
Também, quanto mais intelectual - e, portanto, menos braçal - fosse o trabalho que executassem, mais distantes estariam de ser identificados como escravos e mais próximos estariam
de ocupar um lugar de maior prestígio na sociedade.
Não é por acaso que, em países como o Brasil, o trabalho intelectual é mais
valorizado do que o trabalho braçal. O preconceito construído no mundo colonial permanece
vivo no cotidiano atual do nosso país, permitindo que muitas desigualdades ocorram em
função daquela divisão de trabalho.
Texto extraído do livro História Temática – 6ª série do Ensino Fundamental – p.157
A escravidão africana
Ao se iniciar a última década do século XVI, estavam bem demarcadas duas grandes
áreas africanas fornecedoras de escravos destinados ao Brasil: a costa ocidental, chamada
pelos portugueses de Costa da Mina e a costa centro-ocidental, identificada como Congo e
Angola, cada uma delas reunindo uma grande diversidade de povos, línguas e tradições.
Nesses tempos, o comércio de ouro e escravos da Costa da Mina – que tantas riquezas deram a
Portugal no século anterior – estava em declínio. Portugal passou a investir seu esforço em
Angola, de onde saía grande parte da escravaria destinada ao Brasil. A fundação da cidade de
São Paulo de Loanda, no ano de 1575, foi mais um marco da presença portuguesa nesta costa.
Entre os anos de 1575 e 1591, Angola exportou 52.053 “peças de escravos” para o Brasil .
Entre os quatro principais núcleos de ocupação na colônia, a recepção dos escravos
africanos se dava da seguinte forma: Pernambuco e Bahia receberam a maior parcela, o Rio de
Janeiro uma proporção bem menor e São Vicente, a única localizada longe do litoral, tinha
farto suprimento de mão-de-obra indígena, não recorrendo ainda ao escravo africano, a não ser
em baixíssima escala.
Por volta de 1600, é possível que a população escrava negra girasse em torno de
15.000 pessoas, representando cerca de 15% da população total da colônia. Segundo
estimativas da época, os brancos seriam 30 mil e os mestiços e índios integrados, muitos dos
quais escravizados, 55 mil (estes números são aproximativos e é preciso ter em mente que tais
dados não são unânimes e podem vir a ser retificados no futuro, a partir de novas pesquisas e
estimativas históricas).
36
A escravidão moderna
Se a escravidão africana tomou um novo impulso com o empreendimento
colonizador das Américas, ela não era exatamente uma novidade na história européia; ela foi
uma realidade do mundo ocidental desde a Antiguidade até o final do século XIX. Assim
como outras formas de trabalho compulsório, a escravidão pode ser entendida, como mostra o
historiador Moses I. Finley, como uma relação social marcada pela sujeição de um ou mais
indivíduos a um determinado grupo social que usufrui dos benefícios de seu trabalho. Esta
sujeição tende a se dar de forma completa, isto é, implicando em direitos, mais ou menos
formalizados, do grupo dominante sobre a própria pessoa escravizada. O modo como esta
sujeição aconteceu variou de uma sociedade para a outra, naquelas que se utilizaram em largas
proporções do trabalho escravo, ou mesmo em diferentes segmentos de uma mesma
sociedade. Segundo Finley, uma condição básica para o surgimento do trabalho escravo na
Antiguidade foi o fato de que algumas famílias dispunham de vastas extensões de terra,
superiores à sua capacidade de dispor de mão-de-obra. Para não abrir mão da terra, essas
famílias passaram a recorrer a trabalhadores de fora do grupo familiar.
A escravidão em larga escala esteve presente, principalmente, nas sociedades da
Grécia antiga e no Império Romano, quando se constituiu na principal forma de organização
do trabalho, envolvendo centenas de milhares de indivíduos escravizados, em sua maioria
estrangeiros provenientes de regiões da Europa do norte e central, que haviam sido capturados
em guerras.
Depois de um período em que não chegou a desaparecer, mas tomou claramente
dimensões secundárias em relação ao emprego de outras formas de trabalho compulsório nas
sociedades ocidentais, a escravidão renasceu com a expansão européia em direção à África,
Ásia e Américas, a partir de meados do século XV. Em grandes áreas das colônias americanas
modernas, principalmente na América portuguesa, no Caribe e na região sul da América
inglesa, ocorreu a formação de sociedades assentadas na grande propriedade territorial voltada
para a produção para o mercado europeu. Este fato, somado à inclusão do comércio de
escravos africanos entre uma das principais atividades econômicas desenvolvidas por
portugueses e outros comerciantes do sul da Europa, fez com que os grandes proprietários
buscassem junto à população indígena nativa e à população africana a mão-de-obra necessária
à implementação de seus empreendimentos.
O antropólogo francês Claude Meillassoux se dedicou à compreensão da moderna
escravidão africana, mostrando ser o tráfico componente inerente a ela, à medida que o
escravo foi sempre buscado fora, não apenas do grupo social que empregava e explorava o seu
trabalho, mas da própria sociedade que, no seu conjunto, se beneficiava dele. Para ele, manter
o escravo socialmente isolado da sociedade que usufruía do seu trabalho era uma condição
indispensável à sobrevivência do sistema. Nesse sentido, o fornecimento regular de novos
estoques e impossibilidade, ou a imensa dificuldade do estabelecimento de laços familiares
entre segmentos sociais livres e escravos foram condições indispensáveis à escravidão.
Quando um ou outro ficaram comprometidos, acabaram por comprometer o sistema como um
todo.
Para além das questões econômicas, a escravidão dos povos gentios da América e da
África esteve também associada ao debate sobre a legitimidade da escravidão no seio da
Igreja. Amparada na bula papal Romanus Pontifex (1454), a Coroa de Portugal passou a
indiscutível direito de conquista sobre as terras e povos gentios da África. A elevação desses
povos à condição de cristãos em potencial trouxe à baila a problemática da conversão e, como
contrapartida, a regulamentação do resgate dos povos que resistissem à catequese. Já então a
conquista se fazia em duas frentes: a conversão dos gentios aliados e o resgate dos rebelados.
Durante as primeiras décadas de ocupação da áfrica, os portugueses se esforçaram,
nem sempre com sucesso, em converter os povos gentios. Sua estratégia, a exemplo daquela
que empregaram na região do Congo, era conseguir a conversão dos soberanos nativos para,
37
através deles, cristianizar os demais. Ainda no final do século XV, os portugueses começaram
a adotar, em Angola, uma política sistemática de apresamento de escravos. Minimizavam-se,
em proveito do comércio atlântico e da produção de açúcar nas ilhas atlânticas, os princípios
cristãos de resgate e conversão que haviam norteado as primeiras expedições.
No Brasil do século XVI, os engenhos de cana-de-açúcar do Recôncavo baiano,
constituídos a partir da distribuição de sesmarias e formando um sistema de propriedade da
terra baseado na grande propriedade, combinaram o uso de escravos índios e africanos. A
dificuldade para manter o indígena nativo no cativeiro, associada à política missionária
jesuítica e aos interesses do comércio atlântico em prol do tráfico atlântico, levaram ao
crescimento da demanda pela mão-de-obra africana. Foi ao longo do século XVII,
especialmente nos engenhos, que o trabalho indígena começou a ser progressivamente
substituído pelo trabalho dos escravos africanos. Entretanto, é importante destacar que, no
Brasil, até o século XVIII, em diferentes proporções e dependendo da atividade e da região, a
escravidão africana conviveu com a escravidão indígena. Conviveram também dois projetos
missionários distintos, ambos implementados pelos jesuítas: de um lado, os aldeamentos das
missões, que catequizavam os índios e restringiam o acesso dos aldeamentos das missões, que
catequizavam os índios e restringiam o acesso dos agricultores ao trabalho compulsório
indígena e, de outro, as irmandades e capelas frequentadas pelos escravos africanos
convertidos e seus descendentes que ali aprendiam a obediência e a submissão a seus senhores
em troca do reino dos céus, ao mesmo tempo em que eram lugares em que seus membros
podiam garantir pequenas conquistas e, para alguns, individualmente, até mesmo a liberdade.
Como era feito o tráfico internacional
As descrições das condições de apresamento e transporte dos escravos provêm de
diferentes testemunhos e são movidas por interesses diversos. Contrapostas umas às outras,
ajudam a compor o quadro desta "indústria assassina" que une por quatro séculos a África às
Américas. Uma das unanimidades das descrições era que todos buscavam escravos jovens e
sadios. Aprisionados em guerras ou em excursões de resgate, os futuros escravos formavam
longas fileiras, presos uns aos outros pelos libambos (corrente que prende um escravo a outro
pelo pescoço). Depois de percorrerem a pé e mal alimentados centenas de milhas, chegavam
aos portos de embarque em péssimo estado de saúde.
Logo que chegavam eram submetidos a uma vistoria. Quando doentes, eram postos
em quarentena para não contaminar os demais. Os sadios eram expostos e vendidos aos
compradores das embarcações. Eram negociados em troca de aguardente, fumo e toda sorte de
mercadorias: bacias, vasos de barro, ferro para fazer armas, tecidos, alfinetes para fazer anzóis
de pesca, sem falar numa grande quantidade de contas de Veneza e caudas de cavalo, usadas
como adornos e objetos rituais. Em Ajudá, eram despidos e inspecionados pelos "cirurgiões"
da Companhia das Índias, a maior compradora de escravos deste porto.
Depois de vendidos, eram marcados com a marca do comprador e quando não
embarcados imediatamente eram instalados em barracões onde ficavam à espera das
embarcações. As marcas variavam de lugar, mas geralmente eram colocadas no lado interno
do pulso, no peito direito ou no lado interno do braço direito. A marcação era feita com ferro
quente, tendo-se antes o cuidado de untar o local com sebo. Em Luanda, além da alimentação,
era costume fornecer óleo de palma para untarem o corpo, prevenindo doenças de pele.
Durante esse tempo, eram mantidos a ferros e fechados nos barracões (um tipo de armazém
térreo) ou em pátios seguros, de paredes altas. Aí recebiam uma ração diária à base de feijão e
milho, temperados com sal. Os mais bem tratados recebiam um "naco de peixe". Era a
chamada "engorda". Na Mina, os holandeses quase não lhes davam alimento algum. Os
escravos negociados pela Companhia recebiam o pior tratamento, apenas a pão e água.
Enquanto as embarcações portuguesas costumavam transportar em torno de 500 escravos, os
38
holandeses chegavam a encher suas embarcações com 600 ou 700 escravos de uma só vez,
fazendo compensar dessa forma as perdas da viagem. Diante de maior ou menor miséria,
muitos se sufocavam, comiam terra ou cortavam o pescoço com uma navalha; outros, em
desespero, se lançavam nos poços, se atiravam das janelas ou matavam seus condutores.
As condições da viagem chegavam a levar alguns ao suicídio: punham o queixo entre
os joelhos, tapavam os ouvidos com as mãos e assim permaneciam sem comer ou beber até
morrer. Em algumas ocasiões, certamente, aconteciam levantes. Poucos ficaram registrados.
Em 1702, estourou uma dessas revoltas num navio holandês ancorado em Ajudá. Era por volta
de seis da tarde e os embarcados apoderaram-se de várias armas e lançaram-se sobre a
tripulação. A luta prolongou-se por meia hora com dois mortos e vários feridos. No dia
seguinte, vários dos rebelados foram enforcados na ponta do mastro, onde permaneceram
pendurados para servir de exemplo.
Em Luanda, os escravos eram batizados antes do embarque. Sem qualquer
doutrinação, recebiam um nome cristão. Uma marca divina - pequena cruz no peito, feita a
ferro - vinha se somar às marcas do comércio. Dessa forma, a escrita do tráfico ia ficando
inscrita no corpo de cada um. Quando o batismo não era realizado antes do embarque, devia
ser administrado ao longo da viagem ou na chegada. As condições necessárias à administração
do batismo haviam sido fixadas no século XVI. Desde então, segundo as normas do concílio
de Trento, era exigida a doutrinação do neófito antes de proceder-se ao sacramento do
batismo. No Brasil, até 1707, o cumprimento das recomendações do Concilio de Trento
ficavam a cargo das autoridades dos bispados. Neste ano, são então aprovadas e publicadas as
Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia que, entre outras determinações,
regulamentaram os batismos e seus respectivos assentos. Como essas novas normas não
estabelecem nenhuma regra específica para o batismo e a doutrinação dos escravos, o
problema passou a ser sua aplicabilidade ou não aos negros traficados, o que produziu intenso
debate teológico. A questão do batismo dos escravos, no momento do embarque seguia as
regras de resgate dos povos gentios estabelecidas desde o século XV. A problemática assumiu
novo perfil quando os portugueses começaram a perder o controle dos portos africanos e com
isso a primazia do resgate. A chegada de outras nações européias, especialmente holandeses e
ingleses, ambos não-católicos, levou não apenas à perda do controle português sobre os
corpos, mas também sobre as almas dos negros traficados. A introdução dessa intermediação
rompia com a noção de resgate, pondo a nu o caráter comercial do tráfico. Tais condições
fizeram com que os escravos saídos de Luanda embarcassem já batizados, enquanto que os
negociados na Costa da Mina, onde eram disputados por várias nações européias, fossem
enviados ainda pagãos.
Uma vez a embarcação posta ao largo, fosse ela portadora de pagãos ou de cristãos, o
sofrimento era ainda maior. Nos porões faltava o próprio ar. A ração de comida não diferia da
servida em terra, só que em alto mar se estragava com maior rapidez. A água era pouca,
quente e com freqüência podre. Os maus tratos prolongados: sujeira, ratos, piolhos, cegueira e
sarna corroíam os corpos. A morte vinha pelo escorbuto, sarampo, bexiga e diarréias que
dizimavam em média 10% dos embarcados, quando a perda não era maior. Em poucos dias,
os corpos começavam a ser jogados no mar.
Ao desembarcarem nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro, os sobreviventes eram
novamente divididos em lotes e levados para o local, onde eram postos à venda. Além dos
desembarques regulares, pode-se listar uma grande variedade de desembarques irregulares em
toda a costa. A apreensão de embarcações que atuavam desta forma - algumas delas de nações
estrangeiras – mostra a frequência com que tal artifício era usado. Em 1715, foi enviada à
Bahia uma sumaca francesa apreendida no litoral do Rio de Janeiro carregada de africanos
para venda. Não se sabe ao certo quantos eram. Do total, 102 haviam morrido. Os restantes
foram vendidos em praça pública a baixo preço, devido ao estado em que se encontravam...
A rede de comerciantes envolvida no tráfico de escravos a partir do século XVIII e
também o modo então estabelecido para seu transporte foram aqueles mantidos ao longo dos
39
quatro séculos da escravidão. No século XIX, essa rede fecha o cerco sobre as populações
africanas, fazendo crescer os números das estatísticas do tráfico. Em Angola, os tumbeiros
continuam indo buscar escravos no interior para vendê-los nos portos do litoral atlântico. A
melhor época para apresamento era o período do plantio, das roças, quando os moradores das
aldeias estavam reunidos para o trabalho. No Daomé, chegou a constituir-se uma verdadeira
dinastia de intermediários do tráfico, os chachás. O cargo de chachá pertencia à família
Souza, proveniente do Brasil e residente em Ajudá. No século XVIII, tiveram seu primeiro
membro indicado pelo rei do Daomé como responsável pela negociação dos escravos com os
comerciantes europeus neste reino. Ainda hoje, mesmo extinto o tráfico, o título de chachá
passa de geração a geração.
Quanto ao transporte oceânico propriamente, ao longo do século XIX, as condições
parecem ter piorado ainda mais. Durante a travessia, nos piores momentos, estima-se que a
mortalidade tenha chegado a mais de 50%. Se antes os mortos e doentes eram jogados ao mar,
no período do tráfico clandestino até os vivos e sadios podiam ter este destino. Antes de serem
abordadas por embarcações encarregadas da vigilância dos mares contra o contrabando, os
capitães dos negreiros se desfaziam das provas de seu crime. Mais valia perder uma leva de
escravos que pôr em risco sua licença e a própria embarcação, apreendida em caso de
comprovação de contrabando. O mar foi sepultura de todos aqueles que por desespero, doença
ou esperteza de seus algozes não conseguiram chegar ao outro lado do Atlântico.
“Episódios de história afro-brasileira”, escrito por SALLES,
Ricardo e SOARES,Mariza;Ed.DP&A,2005.
PARA LER, REFLETIR e DISCUTIR
TEXTO 1
Homens-mercadorias
(...) De fato, houve um tempo no Brasil em que alguns homens eram donos de outros homens, e
estes, por isso, eram chamados de escravos. ( ... )
“Na Rua da Misericórdia nº 3, vendem-se bilhetes a $60, de uma rifa unida a Loteria da
Misericórdia que consta de uma negra com 2 filhos; cada bilhete tem 20 números.” (O Volantim,
Nº 8, 10/9/1822)
(...) Quem quiser comprar uma linda negrinha, própria para uma mucama, com 10 anos, pouco
mais ou menos, dirija-se a Rua de S. Pedro, na Cidade Nova, defronte de uma venda e padaria,
numa casa de quitanda, e falar a Joana Mª da Encarnação” (O Volantim, nº 43,21/10/1822)
Esquisito, não é? Gente sendo vendida, alugada, rifada ...Sendo anunciada pelo jornal... Mas
era assim no Brasil daquele tempo.
(...)
O Chico ficou admirado da figura de um negro que tinha uma espécie de colar de ferro no
pescoço; desse colar, saía uma corrente que ia até o tornozelo. Seu avô explicou:
“Este era um dos castigos que se davam aos escravos que fugiam. Os ferros eram pesados e
incômodos e por isso impediam uma nova fuga. Existia ainda uma espécie de focinheira usada
no rosto dos escravos que gostavam de beber. Também havia o tronco: dois pedaços de
madeira ligados por uma dobradiça de ferro, com buracos em que os escravos eram obrigados
a enfiar os pés, ou mesmo a cabeça e as mãos, sempre em posições muito incômodas.”
“Havia chicotes especiais para açoitar os escravos. Eles eram amarrados e açoitados no
pelourinho, uma espécie de poste que ficava num lugar de destaque para que todo mundo
visse. Pior é que, depois da surra, suas feridas eram banhadas em vinagre e pimenta para
cicatrizarem mais rápido."
(...)
As histórias de escravos maltratados até a morte levaram ao aparecimento de lendas como a
do Negrinho do Pastoreio (...)
Trechos de LUSTOSA, Isabel. História dos Escravos. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998.p.11-9.
40
Da escravidão à liberdade, breve análise do contexto
Este texto é parte integrante da monografia de final de curso da Profª. Angela Navarro F.da Costa
O Brasil foi, do continente americano, a região que mais escravos africanos importou
entre os séculos XVI e meados do XIX. Foram, segundo estimativas mais recentes, em torno
de quatro milhões de homens, mulheres e crianças. Uma contabilidade que não é para ser
comemorada, mas, a partir dela é que se pode melhor entender a contribuição africana para a
formação histórica e cultural do país.
O tráfico transatlântico povoou o Brasil por gente vinda de diversas regiões do
continente africano. Esses africanos sabiam que viviam em “terra de branco”, onde as chances
de escapar pacificamente da escravidão, embora existissem, eram poucas. Daí a resistência
escrava que assumiu diversas formas.
A escravidão era uma maneira de se organizar a sociedade onde o escravo deveria
sempre atender e repercutir a vontade do seu senhor. A escravidão brasileira não se deu de
forma passiva ou cordial. Muitas revoltas ocorreram, desde as mais simples e domésticas, até
as revoltas armadas e fugas propriamente ditas.
O escravo que assassina o seu dono, o fugitivo que vai para o quilombo e a revolta
coletiva (mais comum), são demonstrações de resistência. O escravo que se fingia de doente
para não trabalhar, fazia o “corpo mole”(1) , quebrava ferramentas, incendiava lavoura, cometia
pequenos furtos (ataque ao galinheiro ou à dispensa) e/ou manipulava psicologicamente o seu
senhor para que cumprisse sua vontade, estava de toda a forma demonstrando todo tipo de
revolta.
Em KARASCH (2000, p.425) verificamos exemplo de resistência escrava:
“Em vez disso, os escravos da cidade travavam batalhas de pequena escala contra seus
donos ou outras pessoas livres que envolviam ataques pessoais aos senhores ou suas
propriedades. Alguns, sem disposição para arriscar um confronto físico com seus senhores,
apelavam para interrupções no trabalho, doença fingida, insultos, apatia e formas
autodestrutivas de comportamento, como o alcoolismo e o abuso da maconha”
Os africanos não pararam de chegar até meados do século XIX, quando o tráfico foi
devidamente proibido. Durante a maior parte da longa história da escravidão brasileira, os
escravos nascidos no Brasil formavam uma minoria, sendo mudada esta realidade somente a
partir de 1850, quando se intensificou o processo de “nacionalização” da população escrava.
Os crioulos (2), e , em menor escala, os mestiços, aos poucos passaram a ser maioria em
relação aos africanos.
O início da formação de um setor negro-mestiço livre no Brasil data de tempos
anteriores do séc. XIX. Alforrias de escravos negros e de mestiços existiram desde os
primeiros tempos do escravismo, mas é a partir do séc. XVIII que uma grande população livre
e de cor começou a emergir, trazendo preocupações às autoridades de várias regiões, que viam
aquela população como diminuída e não devidamente integrada à sociedade colonial. Os
negros e mestiços livres no séc.XIX se multiplicaram, não como decorrência de alforrias, mas
de crescimento natural. Era gente livre tendo filhos livres. A população livre “de cor”
constituiu parcelas grandes das camadas urbanas.
Analisando o fenômeno da mestiçagem, concluiremos que este foi um fator
considerável quanto à formação do povo brasileiro. A miscigenação brasileira se daria
principalmente fora da família, no âmbito das uniões consensuais, que predominavam no
Brasil de outrora. Ou ainda de relações eventuais e muitas vezes violentas entres senhores e
escravos, ou entre brancos de várias classes sociais e negras livres.
41
Gilberto Freyre, em “Casa-Grande e Senzala”, viria enaltecer a mestiçagem racial e
cultural, elogiando a contribuição negra à formação da sociedade brasileira e propondo que
ideais de igualdade racial fizeram parte das relações sociais do Brasil.
“A escassez de mulheres brancas criou zonas de confraternização entre vencedores e
vencidos, entre senhores e escravos. Sem deixarem de ser relações – as dos brancos com as
mulheres de cor – de “superiores” com “inferiores” e, num maior número de casos, de
senhores desabusados e sádicos com escravas passivas, adoçaram-se, entretanto, com a
necessidade experimentada por muitos colonos de constituírem famílias dentro dessas
circunstâncias e sobre essa base. A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a
distância social que doutro modo se teria conservado enorme entre a casa-grande e a mata
tropical; entre a casa-grande e a senzala”
As redes de sociabilidade do negro foram submetidas à uma pressão às vezes
intolerável que se intensificou a partir do séc. XIX, quando a elite nacional quis a criação de
uma sociedade europeia nos trópicos. Isto representava, para os europocêntricos(3), aniquilar a
cultura negra africana da população da sociedade brasileira, através de estratégias políticas e
estratégias públicas explícitas de branqueamento demográfico e cultural. Esta seria, de certa
forma, a explicação para o esforço em promover a imigração européia, parecendo ser este o
caminho, para a necessária substituição do escravo pelo trabalhador livre.
Em sua análise acerca do mito da democracia racial, VIOTTI (1999, p.371) descreve
a tentativa de adequar as ideias racistas europeias, da segunda metade do séc.XIX, à realidade
brasileira.
“Confrontando as teorias que realçaram a superioridade da população branca e a
inferioridade dos mestiços e negros, a elite brasileira – uma minoria de brancos, alguns dos
quais não estavam seguros da “pureza” de seu sangue, cercados por uma maioria de
mestiços – não descobriu melhor solução do que colocar suas esperanças no processo de
“branqueamento”. O Brasil superaria seus problemas raciais, sua inferioridade, através da
miscigenação. A população tornar-se-ia crescentemente branca”
Foi sob este clima que ocorreu a abolição no Brasil, num momento em que
subsidiando decisões políticas, intelectuais apresentavam ideologias europeias raciais,
disfarçadas de ciências. A idéia do negro e do mestiço como indivíduos de raça pequena,
inferior, era a máxima dentre a grande maioria da elite letrada. Os mais otimistas, como por
exemplo, Oliveira Viana e Silvio Romero, chegaram a discordar dos mestres europeus de que
o mestiço fosse um completo degenerado; viam-lhe como uma solução, para que em longo
prazo o branqueamento da população, devido ao predomínio dos caracteres genéticos da raça
superior pudesse ocorrer.
A lei que aboliu a escravatura no Brasil mais é um exemplo paradigmático da relação
entre o que está escrito e a aplicação prática, efetiva do que se propõe na lei. Algumas
palavras impessoais, porém muito representativas para alguns milhares de negros escravos
vindos da África para trabalhar no Brasil, numa instituição que perdurara por mais de três
séculos. A abolição intervém numa época em que o sistema escravista mostra indícios muito
nítidos de exaustão, “liberta” as classes produtoras do país de um sistema de trabalho
ultrapassado.
Os escravos comemoraram a concessão da liberdade, tambores e atabaques foram
tocados por três dias. Em registro de MATTOSO (2001, p.238/239)
“13 de maio de 1888: crioulo ou africano, negro de pele de ébano ou mulato de pele de
branco, nem um só escravo deixou de cantar e dançar o anúncio da boa nova [...] Durante
três dias e três noites cantou-se, dançou-se, todo mundo se divertiu. Os sons dos atabaques
encheram a ilha. No quarto dia, o feitor mandou reunir os ex-escravos. E os despediu.
Deviam deixar imediatamente a fazenda. Ali não havia mais lugar para eles.”
42
Tiveram que deixar as fazendas de seus antigos Senhores, fazendas estas onde
criaram riquezas no cultivo da terra, na exploração das minas, transformando, fabricando,
vendendo seus produtos. A liberdade tão sonhada, transformara-se de certa forma num
castigo. Liberdade para continuar pobre, indigente, começando neste instante uma vida de
errância e sofrimento. Aos poucos, os ex-escravos vão se dispersando, refugiando-se nas
grandes cidades, incorporando-se aos marginais que têm todas as dificuldades de arranjar
trabalho.
A abolição não ofereceu qualquer garantia de segurança econômica, nem uma
assistência especial a esses milhares de escravos libertos.
KARASCH (2000, p.471) em seu livro “A vida dos escravos no Rio de Janeiro 18081850” aponta :
“A fim de sobreviver, alguns libertos passavam a roubar; com efeito, o número de libertos
às voltas com a lei era desproporcional ao total de sua população na cidade. Eles entravam
para grupos de capoeira, bandos de ladrões, ou de quilombolas nos refúgios próximos da
cidade”.
Alguns libertos conseguiram ao longo da sua servidão, juntar algum dinheiro obtido
através de serviços prestados na cidade ou de pagamentos efetuados eventualmente por seus
senhores, e , com esta reserva, compraram lotes de terra para plantar e morar com suas
famílias. Como muitos dominavam a técnica agrícola, cultivavam para o próprio consumo e
para a venda, alcançando os mercados da sua região. Em alguns casos, serviam a outros
proprietários rurais, realizando dupla jornada de trabalho. A produção de alimentos –
destacando-se a importância da farinha de mandioca – ou outros produtos como o mel, lenha,
drogas do sertão, gado e outros produtos completavam a economia.
Além destas, outras atividades econômicas passaram a fazer parte da vida dos
negros, como o trabalho na pesca, nas salinas das cidades litorâneas por volta do séc. XIX, no
nordeste brasileiro o cultivo de cacau e do tabaco e mais recentemente a exploração de
petróleo do recôncavo baiano.
Segundo DARCY RIBEIRO (1995, p. 304):
“Dentre outras, se contam diversas especializações produtivas que diversificaram certas
parcelas da população e certas zonas, configurando intrusões dentro da área. Tais são,
principalmente, os núcleos litorâneos de pescadores - os jangadeiros nordestinos, de
salineiros e as sub áreas de cultivo de cacau e do tabaco e as explorações de petróleo do
recôncavo baiano. Apesar das diferenças de seus modos de produção essas intrusões
representam, pela composição de seus contingentes populacionais; por seu patrimônio de
saber, de normas e de valores, meras variantes da cultura crioula”
Uma vez que muitas pessoas livres eram mulheres, elas continuavam a trabalhar de
criadas para seus antigos donos e manter velhos padrões de dependência. Jovens libertas, que
não tinham meios para se sustentar, apelavam para a prostituição ou concubinato para viver.
Embora muitas das prostitutas negras fossem libertas, é difícil definir a que altura elas
obtinham sua liberdade, se antes ou depois de entrarem na “profissão”.
A passagem em KARASCH (2000, p.471) a respeito da prostituição da negra liberta.
“Jovens libertas, que não tinham meios de se sustentar, apelavam para a prostituição ou
concubinato para viver. Embora muitas das prostitutas negras fossem libertas, é difícil
definir a que altura elas obtinham sua liberdade, se antes ou depois de entrarem na
profissão”.
43
A sociedade brasileira, mais do que permanecer desigual em termos econômicos,
sociais e fundamentalmente raciais, a partir de 1888, reproduz e aumenta a tais desigualdades,
marcando homens e mulheres. A questão não foi somente a falta de políticas públicas, após a
Abolição. Houve mesmo políticas públicas no período republicano reforçando a intolerância
contra a população negra: concentração fundiária nas áreas rurais/marginalização e repressão
nas áreas urbanas.
Os negros sobreviveram e se multiplicaram. Ainda com mais força, multiplicaram-se
os mestiços, sem que alcançassem o branqueamento dos brasileiros previsto pelos defensores
do arianismo. Mas um ambiente desfavorável aos negros dificultou enormemente a sua
integração no Brasil republicano. O racismo se manifestava no trabalho, nas ruas, nas
instituições políticas e no imaginário das pessoas.
Em São Paulo, porém, estabeleceu-se uma imprensa, uma rede de organizações
sociais, um movimento político voltado para defender os direitos civis e políticos da
população afro-brasileira, como os jornais A Voz da Raça, O Clarim da Alvorada, clubes
sociais negros e a Frente Negra Brasileira. Esta última espalhou-se por todo o país, embora
com mais força em São Paulo, tornando-se o único partido político do Brasil
caracteristicamente étnico. Funcionou entre 1931 e 1937, tendo sido fechado pelo Estado
Novo, juntamente com outras agremiações. Seus representantes apoiaram o “projeto
nacionalista” de Vargas, acreditando na valorização do trabalhador nacional. O objetivo dessa
organização era a inserção do negro na sociedade brasileira, mesmo que para isso fosse
necessário renegar o seu passado africano.
Em artigo intitulado “A presença negra: apontamentos para um balanço”, REIS
(2004) trabalha com a idéia acima citada:
“A estratégia daquela organização era a integração do negro na sociedade brasileira e para
isso seus dirigentes procuraram renegar tradições que lembravam mais diretamente o
passado africano da população que desejava representar, particularmente, a religião e os
folguedos afro-brasileiros. Tratava-se, por assim dizer, de um projeto de integração no
mundo dos brancos”.
Não podemos relegar índios e negros a tão somente a história da escravidão, que via
de regra analisa mais a estrutura econômica do que o indivíduo. Temos que incluí-lo na
História Social do Trabalho, reivindicarmos o conhecimento da nossa história significativa e a
inclusão da reflexão sobre a exclusão.
Notas:
(1) Termo utilizado para expressar movimento de lentidão para realizar atividades.
(2) Nomenclatura usada por João José dos Reis diferenciando os negros dos mestiços, sem nenhum tom
pejorativo.
(3) Daquele que coloca a vida e o pensamento europeu como modelo, supervalorizando-o.
44
DOCUMENTO 1
Sítios de SP mantém mão-de-obra ilegal
Blitz do Ministério do Trabalho flagraram crianças na colheita de laranja,
aliciamento de trabalhadores de outros estados, condições subumanas de alojamento e indícios
de condições de trabalho semelhantes à escravidão no interior de São Paulo.
Quatro crianças com idade entre 10 e 13 anos trazidas da Bahia foram encontradas
trabalhando no sítio Taquaral, no município de Olímpia (450 km a noroeste de São Paulo).
Havia ainda outros dez jovens com idade entre 14 e 17 anos trabalhando sem registro em
carteira.
O dono do sítio Taquaral, Oscar Pelegrini, disse que contratou uma cooperativa para
fazer a colheita, mas ignorava a utilização de menores de idade. Ele será autuado por usar de
mão-de-obra infantil, de acordo com o chefe da fiscalização, José Sandoval.
Os pais poderão ser processados por maus-tratos e abandono intelectual, segundo a procurador
Dimas Moreira, que acompanhou a operação. (...)
Aliciamento
Acompanhados de três agentes da Polícia Federal, os fiscais do Ministério do
Trabalho encontraram ontem 51 trabalhadores que teriam sido aliciados no Paraná para
trabalhar na colheita de laranja no sítio São José. Eles passaram a noite amontoados em um
casarão.
Ontem, Álvaro Anselmo ganhou R$ 5,60 pelo dia de trabalho no sítio São José, mas
já havia gastado R$ 5 com refeição.
O dono do sítio, Bianor Trinca, estava pescando, segundo uma pessoa que se
apresentou como seu filho, mas não disse o nome.
O cerco do Ministério do Trabalho na região começou há dez dias. Já foram
localizados cerca de 300 trabalhadores em condições irregulares, alguns presos ao trabalho por
dívidas com alimentação. (...)
FOLHA DE S.PAULO, 73 set. 7997. p. 7 -77. Edição eletrônica, 1994-- 1997.
DOCUMENTO 2
O "gato" Adão Franco fala para um trabalhador em uma
fazenda do Pará:
"Você nunca vai embora daqui sem pagar o que deve: tenho
ordens de te matar se você não voltar para o trabalho”.
Comissão Pastoral da Terra. Terra, água e paz. Maio de 1992.
In: SUTTON, Alison. Trabalho escravo: um elo na
cadeia da modernização no Brasil de hoje. São Paulo: Loyola, 1994.p.22
45
DOCUMENTO 3
Presos na floresta
Fugir é difícil. Os trabalhadores, por serem de outras regiões, por terem, em geral,
chegado embriagados e, à noite, não conhecem o caminho de volta, as fazendas são imensas, a
mata fechada e há animais ferozes. Escapar pela estrada é impossível, porque os pistoleiros
têm carro e as alcançariam facilmente.
Depoimento do padre Ricardo Rezende ao receber o Prêmio Anti-Slavery em 1992. In: SUTTON, Alison. Trabalho escravo:
um elo na cadeia da modernização no Brasil de hoje. São Paulo: Loyola, 7994. p.52.
DOCUMENTO 4
Procedimentos da Inspeção do Trabalho na Área Rural
Instrução Normativa Intersecretarial número 1 de 24 março 1994.
Do trabalho forçado
Constitui-se forte indício de trabalho forçado a situação em que o trabalhador é
reduzido à condição análoga à de escravo, por meio de fraude, dívida, retenção de salários,
retenção de documentos, ameaças ou violências que impliquem o cerceamento da liberdade
dele e/ou de seus familiares em deixar o local onde presta seus serviços, ou mesmo quando o
empregador se negar a fornecer transporte para que ele se retire do local para onde foi levado,
não havendo outros meios de sair em condições seguras, devido às dificuldades de ordem
econômica ou física da região.
Da fraude
Por definição legal, fraude é o instrumento pelo qual o empregador, por si ou por
outrem a seu mando, falseia ou oculta a verdade com a intenção de prejudicar ou de enganar o
trabalhador.
Do aliciamento de mão-de-obra
Considera-se forte indício de aliciamento de mão-de-obra o fato de alguém, por si ou
em nome de outro, recrutar trabalhadores para prestar serviços em outras localidades do
território nacional (...) sem uma contratação regular.
SUTTON, Alison. Trabalho escravo: um elo na cadeia da modernização no Brasil de hoje. São Paulo: Loyola,
7994. p. 769.
46
Lendo sobre o tema
Carvoeiros trabalham por arroz e farinha
A corrente que prende homens e crianças
de até 10 anos nas carvoarias do norte e noroeste
de Minas e a dívida contraída em armazéns.
Essa dívida decorre da compra de arroz e
farinha, que mal repõem as energias necessárias
para começar mais um dia de trabalho e que
nunca dura menos de 18 horas.
A carvoaria queima a madeira e consome
esses homens e crianças. Alguns nunca viram
dinheiro.
Meninos, como Luiz Carlos da Silva, 10
anos, que trabalha nas terras da empresa
Agrosete, nunca foram à escola.
Os “gatos” (empreiteiros contratados para
recrutar mão de obra de forma ilegal) utilizam o
mecanismo do endividamento para manter
presos os trabalhadores nas áreas de cerrado e
reflorestamento.
Isolados das cidades, os carvoeiros são
obrigados a comprar arroz e farinha nos
armazéns dos próprios "gatos".
No fim do mês, os trabalhadores recebem a
conta: o arroz e a farinha valem muito mais do
que 18 horas por dia de trabalho.
Os carvoeiros ficam impossibilitados de
abandonar as carvoarias ate saldar as dívidas
(... )
A história se repete em várias outras
carvoarias do estado.
Durante quatro dias, um repórter dividiu
com Valdivino, sua mulher, Jane Ferreira, 26,
com os filhos, Janaína, 5, Valdivilson e Josiane,
de 11 meses, uma casa de 24 metros quadrados.
A casa, construída com eucalipto e
bambu e coberta com sapê, fica na fazenda do
Onça, distante 30 quilômetros do centro de
Buritizeiro pelo rio São Francisco.
Enquanto retirava o carvão do forno,
Valdivino contou que foi recrutado pelo "gato"
Duti Matheus, em Mirabela (MG), há cerca de
seis meses.
"Viemos na carroceria de um caminhão.
Todo mundo apertado. A viagem foi feita à noite
por causa dos fiscais do trabalho”, conta.
O "gato" se comprometeu a dar a
Valdivino 6% da venda do carvão. Valdivino,
até hoje, não sabe qual é o preço do metro
cúbico do carvão e nem quanto ele e sua
família produziram.
"O gato diz apenas que é pouco e que
não dá nem para pagar a dívida do armazém.
Se não pagar a dívida, não dá para sair", diz.
A exemplo da maioria dos carvoeiros
Valdivino e sua família se alimentam à base de
arroz e farinha: ''A gente pede pra o gato trazer
uma verdura e pôr na conta e ele nunca traz".
Trabalhando quatro dias com a família
de Valdivino,o repórter da Agência Folha
apurou que ela produz cerca de dois fornos por
dia, equivalentes a cinco metro cúbicos (40
sacos de estopa) por dia.
O carvão é vendido por R$ 22,00, o
metro cúbico (oito sacas de estopa).
Trabalhando 30 dias por mês, Valdivino
deveria receber cerca de R$ 423,00
(equivalente a 6% de R$ 6.600, que é a
produção total).
Desde que chegou à fazenda do Onça,
no entanto, Valdivino nunca viu a cor de
dinheiro. Ao contrário da maioria das demais
carvoarias, Valdivino queima madeira do
cerrado em vez de eucalipto.
A madeira é transformada em carvão
principal matéria-prima que fornece energia às
indústrias siderúrgicas.
Nas áreas de reflorestamento, as
propriedades são fechadas até com cadeados,
como é o caso da fazenda da empresa
Interlagos, na BR-040, em Três Marias. Os
carvoeiros só saem do local com autorização.
"Para a gente sair daqui, tem que pedir
permissão para o vigia que tem a chave do
cadeado", disse o carvoeiro José Augusto
Pereira.
RIBEIRO Jr., Amaury. In:Folha de SãoPaulo, 31jul. 1994
47
AS REVOLTAS
A Conjuração dos Alfaiates ou Conjuração Baiana
“Episódios de história afro-brasileira”, escrito por
SALLES, Ricardo e SOARES, Mariza, Ed. DP&A, 2005.
Em 1798, as autoridades desbarataram outra articulação com vistas a realizar a
independência de uma região da colônia. Desta feita, em Salvador. Desde o ano anterior, a
cidade vinha sendo palco de motins devidos à carestia e à deterioração das condições de vida
da população pobre, em sua maioria negra ou mestiça. Por outro lado, as idéias estrangeiras,
agora denominadas francesas por conta dos acontecimentos da Revolução Francesa, eram
difundidas entre a elite letrada e econômica e mesmo entre o povo pobre. Deste setor, na
verdade soldados, artesãos, alfaiates e mesmo escravos, provinham as principais lideranças do
movimento, que pregava a independência, a república, a igualdade de todos homens
independente de sua condição social e de sua cor. Estas ideias eram divulgadas através de
panfletos afixados nas paredes da cidade. Atentas ao que se desenrolava, as autoridades
prenderam o soldado Luís Gonzaga das Virgens. Este fato precipitou os acontecimentos. Os
demais participantes da "inconfidência" marcaram urna reunião em local mais distante da
cidade para que pudessem passar à ação. Já alertadas, as autoridades se anteciparam,
impedindo a reunião e realizando novas prisões. Desta vez, as punições aos envolvidos foram
muito mais rigorosas, denotando que havia um conteúdo social e racial no movimento,
somando-se a seus aspectos políticos. Além de diversas condenações, quatro implicados,
todos mestiços, foram condenados à morte e executados: os soldados Luiz Gonzaga das
Virgens e Lucas Dantas do Amorim Torres e os alfaiates João de Deus do Nascimento e
Manoel Faustino dos Santos Lira, este último forro, tendo nascido escravo. Também alguns
membros da elite letrada, envolvidos na conspiração, sofreram punições mais brandas como o
médico Cipriano Barata que, mais tarde, viria a desempenhar um importante papel no
processo de independência brasileira.
O Outro 13 de Maio – A Revolta de Carrancas
Texto escrito por Marcos Ferreira de Andrade, Prof. UEMGe do
Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI/BH) e doutor em História
pela Universidade Federal Fluminense (UFF), retirado da “Revista de
História”, Ano I / Nº 2, agosto de 2005.
A tarde de 13 de maio de 1833, os escravos da fazenda Campo Alegre, propriedade
do deputado Gabriel Francisco Junqueira, se rebelaram e mataram seu filho, que se encontrava
na roça supervisionando o trabalho dos cativos. Sem condições de oferecer reação, o filho do
deputado foi surpreendido pelos escravos Ventura Mina, Julião e Domingos, retirado à força
de cima de seu cavalo e assassinado com golpes de porrete na cabeça. Alguns dos escravos
que trabalhavam na roça naquele momento se uniram ao grupo de rebeldes, liderados por
Ventura Mina, e seguiram em direção à fazenda Campo Alegre.
O grupo agora era bem maior e só não atacou a sede da fazenda porque um escravo,
de nome Francisco, havia saído às pressas naquela direção, avisando aos outros familiares do
deputado o que sucedera. Os escravos chegaram até o terreiro da fazenda e perceberam que
ela era guarnecida por dois capitães-do-mato. Então decidiram partir para a fazenda Bela
Cruz, onde assassinaram oito integrantes da família do irmão do deputado José Francisco
Junqueira, incluindo três crianças e duas pessoas “de cor”. A partir daquele momento, o grupo
de insurgentes se dividiu em dois: um permaneceu na fazenda Bela Cruz e preparou uma
48
emboscada para assassinar o genro de José Francisco, o que ocorreu assim que este cruzou a
porteira. O outro grupo, liderado por Ventura, seguiu para a fazenda Bom Jardim, onde
encontrou grande resistência por parte do proprietário, João Candido da Costa Junqueira. Este
já havia sido informado dos acontecimentos nas fazendas de Campo Alegre e Bela Cruz e
rapidamente armou parte dos seus escravos, que provavelmente eram de sua confiança,
reunindo-os em uma sala, onde ficaram à espera dos insurgentes. Quando apareceram, os
escravos rebelados foram mortos no confronto.
As informações sobre os combates entre as forças repressoras e os escravos rebeldes
são escassas e não merecem muita atenção nos relatos feitos pelas autoridades da época. Mas
há informações sobre cativos que se embrenharam nas matas da região e foram capturados
alguns dias depois. Assim terminou uma das rebeliões mais dramáticas da história da
escravidão no Brasil, ocorrida no distrito de Carrancas, pertencente à vila de São João Del
Rei, comarca do Rio das Mortes, nas terras da família Junqueira, atualmente localizadas no
município Cruzília (MG). Trata-se da maior rebelião escrava da província de Minas Gerais,
que aconteceu em uma época particularmente tensa da história do Império do Brasil, o período
regencial. Decisivo na história da formação do Estado brasileiro e do processo de
consolidação da Monarquia, o período regencial - compreendido entre a abdicação de D.
Pedro I (1831) e a maioridade de D. Pedro II (julho de 1840)- foi agitado, marcado por
violentos protestos coletivos, como sedições militares, motins, revoltas escravas, revoltas
provinciais e regionais. Também foi um tempo marcado por mudanças na ordem jurídica,
política e administrativa, resultado das disputas travadas entre diversos grupos e facções
políticas.
Os escravos da família Junqueira se apropriaram, a seu modo, do contexto de
disputas entre as principais facções políticas da época. Fazendo uso até mesmo os apelidos
que alguns membros da elite utilizavam para desqualificar ou enquadrar seus oponentes. O
depoimento de Maria Joaquina do Espírito Santo, agregada e moradora na fazenda Bom
Jardim, é revelador nesse aspecto. O grupo de escravos, liderados por Ventura, que se dirigiu
para aquela fazenda, na noite do dia 13, passou pela casa da testemunha. Depois de ameaçá-la,
exigiu que lhes entregasse as espingardas que havia na casa. Um dos escravos que fazia parte
do grupo, o preto Antônio Benguela, "pulava no seu terreiro e batia nos peitos dizendo para
ela e seu companheiro: 'vocês não costumam falar nos caramurus, nós somos os caramurus,
vamos arrasar tudo...'".
O que mais chama a atenção na Revolta de Carrancas foi a organização e a
articulação dos escravos de diversas fazendas, além da violência na execução das mortes e o
número de escravos condenados à pena máxima. A revolta contou com a participação de
cativos de origens diversas: crioulos, minas, angolas, benguelas, congos, cassanges e
moçambiques. Dos 31 escravos indiciados no processo, havia nove (29%) crioulos -cativos
nascidos no Brasil-, dezessete (54,8%) oriundos da África Central e dois minas (nome dado
aos escravos africanos que chegaram ao Brasil provenientes da Costa da Mina, na África
Ocidental). Constata-se a presença significativa de escravos de origem banto (designação
aplicada aos escravos falantes de línguas banto, oriundos da costa atlântica da África Centro0cidental), considerados pela historiografia como mais acomodados e menos afeitos a
revoltas, diferentemente dos minas e nagôs (designação dada aos escravos africanos que
chegaram à Bahia nas primeiras décadas do século XIX, falantes de iorubá, procedentes da
região de Oyo, no norte da atual Nigéria). A diversidade étnica e cultural dos escravos poderia
resultar em conflitos e disputas entre eles, o que, até certo ponto, os senhores tentavam
manipular. Por outro lado, essas diferenças poderiam ser superadas, especialmente em casos
de rebeliões, quando , estavam em questão a luta contra um inimigo comum e a busca da
liberdade. Nesse caso, a Revolta de Carrancas representa um caso exemplar.
49
Revoltas provinciais e populares
“Episódios de história afro-brasileira”, escrito por
SALLES, Ricardo e SOARES, Mariza, Ed. DP&A,2005
As primeiras destas revoltas ocorreram na própria Corte, onde a tropa e populares
organizaram diversos motins, todos reprimidos, entre 1832 e 1835. Apesar das reformas que
diminuíram as atribuições do poder central, as revoltas nas províncias não cessaram. No
mesmo período em que a Corte era sacudida por estes distúrbios urbanos, mais uma vez em
Pernambuco, ocorreu a Guerra dos Cabanos. Reunindo pequenos proprietários rurais - os
poucos grandes proprietários que haviam aderido no início do movimento logo o
abandonaram ao perceber seu caráter social -, trabalhadores do campo, alguns escravos e
índios, os Cabanos queriam a volta do imperador, defendiam os princípios religiosos e
opunham-se aos "jacobinos" (referência aos radicais da Revolução Francesa) que dominavam
a política provincial desde a abdicação de Dom Pedro I. Mesmo com o apoio de comerciantes
portugueses do Recife, que aproveitavam o descontentamento popular para fazer valer seus
interesses, foram derrotados por autoridades provinciais com o suporte dos grandes
proprietários de terras e de escravos. .
Em 1835, foi a vez do Pará com a revolta da Cabanagem, que duraria até 1840.
Aproveitando-se de uma disputa no interior da pequena elite branca, concentrada em Belém, e
que resultou na proclamação da independência da província, uma multidão de trabalhadores
rurais, escravos e índios revoltou-se. Os rebeldes organizaram-se militarmente e chegaram a
tomar a capital. Apesar de muitos escravos terem participado do levante, a escravidão não foi
abolida e uma insurreição de escravos foi reprimida. A rebelião foi duramente combatida e,
após muita luta, derrotada. Calcula-se que 30.000 pessoas, 20% da população da província,
tenham perecido.
Em 1837, ocorreu a Sabinada, uma revolta popular e urbana. O cenário agora era
Salvador. Suas principais bandeiras eram a república e o federalismo. Seu nome derivava de
seu líder, o médico e jornalista Sabino Barroso. A Sabinada contou com a presença expressiva
de negros e mestiços livres e também de alguns escravos. Sua posição quanto à escravidão
denota o quanto eram profundas as divisões entre africanos, como vimos, em sua grande
maioria escravos, e os negros e mestiços brasileiros, majoritariamente livres. Seriam
libertados somente os escravos nacionais que houvessem pegado em armas, em contraposição
aos estrangeiros, isto é, africanos. O movimento não conseguiu expandir-se para o Recôncavo,
onde os grandes proprietários rurais organizaram a reação armada. A cidade foi invadida e os
sabinos rapidamente derrotados num sangrento combate pelas ruas de Salvador que resultou
em cerca de 1.800 mortos.
A Balaiada
No Maranhão, em 1838, ocorreu a Balaiada. O nome da revolta provinha da
ocupação de um de seus líderes, Francisco dos Anjos Ferreira, apelidado de o Balaio por conta
do ofício de fazer e vender balaios. O outro líder da revolta era o cafuzo Raimundo Gomes. Os
dois encabeçaram um movimento popular envolvendo pequenos produtores de algodão e
criadores de gado que, aproveitando-se das disputas entre os setores dominantes locais,
divididos entre as facções dos cabanos e dos bem-te-vis, se espalhou pelo sul do Maranhão e
partes do Piauí. Em 1839, os rebeldes tomaram Caxias, a segunda maior cidade da província.
O ideário dos rebeldes não era muito claro. Defendiam a religião católica e o imperador, mas
não é difícil de supor que as duras condições de vida estivessem na raiz de sua insatisfação,
principalmente devido à condição social de suas lideranças. Esta suposição se torna ainda
mais factível quando sabemos que um contingente significativo de cerca de 3.000 escravos
fugidos havia se juntado à revolta sob a liderança de um deles, de nome Cosme, que se
intitulava Tutor e Imperador das Liberdades Bem-te-vis, alcunhado de Preto Cosme.
50
Em 1840, sem que o movimento desse sinais de ceder, o governo central enviou
tropas para a região para debelar a revolta. Após a derrota dos rebeldes, uma anistia foi dada
em troca, entre outras concessões, da recondução dos antigos escravos que haviam participado
na rebelião ao cativeiro. Preto Cosme seguiu na luta e, tendo sido capturado, foi enforcado em
1842. Não houve anistia ou indulto para os escravos rebeldes.
A sorte de Cosme, no contexto da anistia aos outros rebeldes balaios, é expressiva da
estratégia do governo central de colocar uma cunha entre os movimentos sociais de escravos e
de setores livres, buscando atrair estes últimos para a esfera da ordem e reprimir duramente os
primeiros.
No comando das tropas imperiais contra os balaios, e na implementação desta
estratégia, estava Luís Alves de Lima e Silva, militar de carreira, que já tinha se notabilizado
na repressão dos levantes urbanos na Corte. Por sua vitória, foi-lhe concedido o título de barão
de Caxias. Como veremos, ele viria a ser o principal paladino da ordem no Império,
colocando-se à frente das mais importantes vitórias das tropas do governo central contra as
rebeliões provinciais. Mais tarde, já com o título de marquês, viria a comandar o exército
brasileiro durante o período mais duro da guerra do Paraguai, onde obteve significativas
vitórias e tomou a capital inimiga, Assunção. Por tudo isso, se tornaria o único nobre
brasileiro agraciado com o título de duque.
Rebeliões africanas na Bahia e o Levante dos Malês
Entre 1820 e 1840, a população negra e mestiça de Salvador participou ativamente
dos episódios políticos e militares relacionados à Independência e às lutas que se seguiram,
opondo brasileiros e portugueses e partidários do Império e defensores de uma organização
política que garantisse maior liberdade para as províncias da nova nação que se formava.
Neste clima, contudo, ocorreu urna série de rebeliões escravas, protagonizadas por africanos
cativos e libertos. Na verdade, as revoltas escravas, em Salvador e no Recôncavo,
antecederam as agitações políticas envolvendo a população livre da região.
Em 1807, um complô de escravos no interior foi denunciado e desbaratado. Os
rebeldes planejavam tomar a cidade de Salvador, depois de cercá-la e cortar seu
abastecimento. Igrejas e símbolos católicos seriam destruídos e queimados. Os brancos seriam
mortos e os negros e mestiços crioulos escravizados. Em seguida, os rebeldes buscariam unirse a outros escravos africanos em Pernambuco e formar um reino independente no interior.
Em 1809, a cidade de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo, foi atacada sem sucesso por
habitantes de um quilombo que se formara nas proximidades. Em 1814, escravos e libertos
atacaram marinas de pescadores. No mesmo ano, os escravos realizaram outro ataque na vila
de Iguape. No início de 1816, após realizarem algumas cerimônias religiosas, escravos
pilharam as vilas de Santo Amaro e São Francisco do Conde, queimando plantações, atacando
casas e matando alguns brancos e mesmo escravos que se recusaram a aderir ao movimento.
Merecem destaque ainda as revoltas de escravos que ocorreram durante a Guerra da
Independência na Bahia, entre 1822 e 1823, como já visto. Entre 1827 e 1831, foram
registrados outros movimentos e rebeliões de menor porte.
Nestas revoltas, é de se ressaltar a grande presença de muçulmanos, escravos e
libertos. Com efeito, na primeira metade do século XIX, foi intensa a vinda de escravos
africanos de religião muçulmana principalmente para a Bahia. Estes escravos eram
majoritariamente haussás e nagôs, mas também bornus, nupes e fulanis e provinham da região
do Golfo do Benin, tendo sido capturados nos conflitos que marcaram a desagregação do f
Império Oyo e a Jihad, guerra santa muçulmana, na área da atual Nigéria. No Brasil, os
escravos muçulmanos eram conhecidos como malês. Sua grande concentração na Bahia
51
favoreceu o planejamento e a execução de um grande levante de africanos escravos e libertos
em 1835.
O grande Levante dos Malês foi uma tentativa, organizada por africanos, em grande
parte ou pelo menos em sua liderança, muçulmanos, de tomar a cidade de Salvador. Além de
escravos, libertos também participaram do movimento.
Diferentemente dos episódios anteriores, esta conspiração era, no fundamental,
urbana, envolvendo escravos domésticos, ganhadores e trabalhadores e pequenos
comerciantes libertos. O plano previa uma insurreição, a ser realizada no dia da festa do
Bonfim, que surpreenderia as autoridades e a população livre envolvidas na comemoração.
Depois da tomada de pontos estratégicos, militares e políticos, os rebeldes dirigir-se-iam para
o Recôncavo para libertar e aliciar novos companheiros e eliminar qualquer possibilidade de
reação.
Entretanto, uma denúncia feita pela companheira de um dos conspiradores permitiu
que as autoridades se antecipassem e iniciassem a repressão ao movimento. Depois de breve,
mas intensa luta nas ruas da cidade, travada entre cerca de 600 revoltosos e tropas do governo
e milícias civis, o movimento foi debelado. Apesar de a maioria dos participantes do levante
ser formada por muçulmanos, houve também a adesão de escravos; e libertos de outras
religiões. Diferentemente da rebelião de 1807, não estavam planejados atos de ataque e
destruição a templos católicos.
O que pretendiam os rebeldes, uma vez eliminada a resistência, os documentos não
nos permitem aquilatar com clareza. Uma coisa é certa: não se tratou de mais uma rebelião ou
explosão de revolta, mas de uma conspiração cuidadosamente arquitetada que visava à tomada
do poder.
A dureza da repressão e o temor que levantes semelhantes viessem a se repetir
atestam este fato. Os rebeldes foram julgados e quatro deles executados. Alguns foram
condenados às galés perpétuas. Centenas de libertos, muitos sem envolvimento com a
conspiração ou participação comprovada no levante armado, foram deportados para a África,
dando vazão ao clima de terror antiafricano que se seguiu aos acontecimentos. Os escravos,
em sua maioria, tiveram que cumprir pesadas penas de açoite, levadas a cabo em vezes
sucessivas e em diferentes locais públicos. Muitos foram dispersados, sendo vendidos para
outras províncias.
A repercussão destas revoltas, principalmente do levante de 1835, foi grande. Desde
a independência do Haiti, obtida a partir de uma rebelião de escravos africanos, havia o temor
duradouro que sua concentração pudesse vir a ter resultados semelhantes em outras regiões da
América. Mas o Levante dos Malês calou fundo na alma da sociedade escravista porque
contrariava frontalmente uma de suas crenças mais estabelecidas. Desde muito tempo, o
escravo que não sabia português, isto é, praticamente todo o africano recém chegado era
conhecido como boçal O significado genérico da palavra era o de pessoa inculta, rude, não
educada. Esta associação entre boçalidade e africanidade era um dos pilares na justificativa
moral da escravidão brasileira e na afirmação de uma pretensa superioridade do homem
branco.
Ora, o levante dos muçulmanos na Bahia havia sido conduzido por sacerdotes.
Pessoas que tinham sobre seus seguidores uma ascendência moral profunda e que transcendia
claramente o universo da escravidão. Na verdade, para além da grande quantidade de
africanos muçulmanos de origem, estava em curso um processo social de conversão ao Islã no
seio da população de origem africana. Por sua vez, a sofisticação do levante era demonstrada
por seus planos detalhados e, principalmente, pela apreensão de material escrito, em árabe,
com os revoltosos. Este último fato causou forte impacto numa sociedade com altas taxas de
analfabetismo entre a população livre. Colocava em questão a associação entre boçalidade e
escravidão africana a que acima nos referimos.
Contudo, o Levante dos Malês, magistralmente estudado pelo historiador João José
Reis, seria o último da série das rebeliões escravas ou negras da Bahia. Além do castigo
52
exemplar aos revoltosos, da onda de terror, com perseguições, espancamentos, assassinatos e
deportações que se abateu sobre os africanos livres; da intensificação da vigilância senhorial e
do poder público sobre escravos e libertos, outros fatores concorreram para que não se
sucedessem novas rebeliões semelhantes. Em primeiro lugar, diminuiria o número de
africanos muçulmanos com experiência guerreira que, uma vez capturados por seus inimigos,
seria traficado para o Brasil, em especial para a Bahia. Com efeito, a partir de meados da
década de 1830, a generalização dos conflitos militares que assolavam a África ocidental
passam a atingir cada vez mais regiões em que a população era menos organizada do ponto de
vista militar e a presença muçulmana menor. Em segundo lugar, os conflitos internos que
dividiam a população livre na Bahia, assim como no restante do Império, diminuíram ou
mesmo cessaram de vez, o que possibilitou melhor controle sobre a população escrava e
liberta africana. Este último fato, aliás, teve no temor de um grande levante africano - a
repetição do Haiti no Brasil- uma de suas motivações.
Revolta da Chibata – O Almirante Negro
História do Negro Brasileiro / Clóvis Moura- São Paulo: Ed. Ática S.A.,1992
Uma das instituições na qual o comportamento escravista dos seus superiores mais se
evidenciava era a marinha de Guerra do Brasil. O uso do açoite como medida disciplinar
continuou sendo aplicado nos marinheiros, como no tempo em que existia o pelourinho.
Todos os marinheiros, na sua esmagadora maioria negros, continuavam a ser açoitados às
vistas dos companheiros, por determinação da oficialidade branca.
Os demais marujos eram obrigados a assistir à cena infamante no convéns das
belonaves. Com isto, criaram-se condições de revolta no seio da marujada. Os seus membros
não aceitavam mais passivamente esse tipo de castigo. Chefiados por Francisco Dias, João
Cândido e outros tripulantes do Minas Gerais, navio capitânia da esquadra, organizaram-se
contra a situação humilhante de que eram vítimas. Nos outros navios a marujada também se
organizava: o cabo Gregório conspirava no São Paulo, e no Deodoro havia o cabo André
Avelino.
Dia 22 de novembro de 1910. Final praticamente de mais um ano do início do
governo do marechal Hermes da Fonseca. A informação chega até o presidente: a esquadra se
sublevara. O movimento que vinha sendo articulado pelos marinheiros foi antecipado em face
da indignação dos marujos contra o espancamento de mais um companheiro. O marinheiro
negro Marcelino recebeu 250 chibatadas aos olhos de toda a tripulação, formada no convés do
Minas Gerais. Desmaiou, mas os açoites continuaram.
Os marinheiros, tendo João Cândido como líder, resolveram sublevar-se
imediatamente. Num golpe rápido, apoderaram-se dos principais navios da Marinha de Guerra
brasileira e se aproximaram do Rio de Janeiro. Em seguida, mandaram mensagem ao
presidente da República e ao ministro da Marinha exigindo a extinção do uso da chibata.
O governo ficou estarrecido. Supôs tratar-se de um golpe político das forças
inimigas. O pânico apoderou-se de grande parte da população da cidade. Muitas pessoas
fugiram. Somente em um dia correram 12 composições especiais para Petrópolis, levando 3
000 pessoas. Todos os navios amotinados hastearam bandeiras vermelhas. Alguns navios fiéis
ao governo ainda tentaram duelar com os revoltosos, mas foram logo silenciados. Com isto os
marujos criaram um impasse institucional. De um lado, a Marinha, que queria a punição dos
amotinados, em consequência da morte de alguns oficiais da armada; Do outro lado, o
governo e os políticos, que sabiam não ter forças para satisfazer essa exigência. Mesmo
porque os marinheiros estavam militarmente muito mais fortes do que a Marinha de Guerra,
53
pois comandavam, praticamente, a armada e tinham os canhões das belonaves apontados para
a capital da República.
Depois de muitas reuniões políticas, nas quais entrou, entre outros, Rui Barbosa, que
condenou os “abusos com os quais, na gloriosa época do abolicionismo, levantamos a
indignação dos nossos compatriotas”, foi aprovado um projeto de anistia para os amotinados.
Com isto, os marinheiros desceram as bandeiras vermelhas dos mastros dos seus navios. A
revolta havia durado cinco dias e terminava vitoriosa. Desaparecia, assim, o uso da chibata
como norma de punição disciplinar na Marinha de Guerra do Brasil.
As forças militares, não-conformadas com a solução política encontrada para a crise,
apertam o cerco contra os marinheiros. João Cândido, sentindo o perigo, ainda tenta reunir o
Comitê Geral da revolução, inutilmente. Procuram Rui Barbosa e Severino Vieira, que
defenderam a anistia em favor deles, mas sequer são recebidos por esses dois políticos. Unemse, agora, civis e militares para desafrontar os “brios da Marinha de Guerra” por eles
atingidos. Finalmente vem um decreto pelo qual qualquer marinheiro podia ser sumariamente
demitido. A anistia fora uma farsa para desarmá-los.
São acusados de conspiradores, espalham boatos de que haveria uma outra
sublevação. Finalmente, afirmam que a guarnição da ilha das Cobras havia se sublevado.
Pretexto para que a repressão se desencadeasse violentamente sobre os marinheiros negros. O
presidente Hermes da Fonseca necessitava de um pretexto para decretar o estado de sítio, a
fim de sufocar os movimentos democráticos que se organizavam. As oligarquias regionais
tinham interesse em um governo forte. Os poucos sublevados daquela ilha propõem rendição
incondicional, o que não é aceito. Segue-se uma verdadeira chacina. A ilha é bombardeada até
ser arrasada. Estava restaurada a honra da Marinha.
João Cândido e os seus companheiros de revolta são presos incomunicáveis, e o
governo e a Marinha resolvem exterminar fisicamente os marinheiros. Embarca-os no navio
Satélite rumo ao Amazonas.
Os 66 marujos que se encontravam em uma masmorra do Quartel do Exército e mais
31, que se encontravam no Quartel do 1º Regimento de Infantaria, são embarcados junto com
assassinos, ladrões e marginais para serem descarregados nas selvas amazônicas. Os
marinheiros, porém, tinham destino diferente dos demais embarcados. Ao lado dos muitos
nomes da lista entregue ao comandante do navio, havia uma cruz vermelha, feita à tinta, o que
significava a sua sentença de morte. Esses marinheiros foram sendo parceladamente
assassinados: fuzilados sumariamente e jogados ao mar.
João Cândido, que não embarca no Satélite, juntamente com alguns companheiros
foram recolhidos a uma masmorra da ilha das Cobras, onde viviam como animais. Dos 18
recolhidos ali, 16 morreram. Uns fuzilados sem julgamento, outros em consequência das
péssimas condições em que viviam enclausurados. João Cândido enlouqueceu, sendo
internado no Hospital dos Alienados. Tuberculoso e na miséria, consegue, contudo,
restabelecer-se física e psicologicamente. Perseguido constantemente, morre como vendedor
no Entreposto de Peixes da cidade do Rio de Janeiro, sem patente, sem aposentadoria e até
sem nome, este herói que um dia foi chamado, com mérito, de Almirante Negro.
ALFORRIAS
“Episódios de história afro-brasileira”, escrito por
SALLES, Ricardo e SOARES, Mariza, Ed. DP&A, 2005.
Retomar a liberdade foi um objetivo perseguido pela maioria dos africanos e seus
descendentes escravizados no Brasil ao longo de três séculos e meio de experiência de
cativeiro. Uma alternativa comum e legal para atingir este objetivo era a compra da liberdade 54
a alforria - para si ou para algum parente: os homens para suas mulheres e as mulheres para
seus filhos e netos. Geralmente, esta compra se inseria numa estratégia de grupo que visava
garantir a liberdade dos descendentes, tornando livres, preferencialmente as mulheres, para
que concebessem filhos livres. O recurso para a alforria era obtido com a formação de um
pecúlio, eventualmente combinado a empréstimos conseguidos junto a irmandades ou
organizações civis. Escravos mais raramente podiam ser libertados por iniciativa de seus
senhores. Isto podia ocorrer por diversas razões, algumas vezes sem qualquer negociação,
outras mediante pagamentos em parcelas ou em trabalho.
Era comum o senhor conceder a liberdade em testamento para ser cumprido por seus
herdeiros após sua morte, desejo nem sempre respeitado. Nas propriedades rurais, muitas
vezes, os alforriados e suas famílias permaneciam nas terras de seus senhores, dando origem a
comunidades rurais negras que se perpetuaram no tempo. Esta é a origem de muitas
comunidades denominadas "remanescentes de quilombos" que estão em vias de conquistar a
propriedade efetiva e legal das terras ocupadas por seus ancestrais em decorrência das
condições a que estiveram submetidos no tempo da escravidão.
O fenômeno das alforrias sempre existiu, mas se incrementou exponencialmente na
região das Minas Gerais. Alguns cálculos apontam que, se entre 1735 e 1749 os alforriados
representavam menos de 1,4% da população afrodescendente, em 1786 este percentual teria
saltado para 41,4%, e estes africanos e seus descendentes comporiam 34% da população total
da capitania. A sociedade colonial, em meados do século XVIII, atingira um grau de
complexidade que abria oportunidades de mobilidade para todos, inclusive para os escravos.
A economia diversificara-se e atingira maior integração entre as regiões. Se não
suplantava, ao menos equiparava-se à Metrópole. Mesmo com a decadência das minas, outras
atividades econômicas haviam se desenvolvido: o charque, o arroz, o linho, o anil, a
cochonilha, o fumo e o algodão. Em termos demográficos, também grandes mudanças haviam
ocorrido. A população do Brasil, no final do século, já era maior que a de Portugal.
Acontecera um processo de urbanização nunca antes experimentado. Na região das minas e
nas cidades, havia uma maior densidade populacional, marcada pela existência de grupos
sociais intermediários entre senhores e escravos e, consequentemente, possibilitando uma
maior circulação de vivências, culturas e ideias. Em termos artísticos e culturais, esta
sociedade propiciou as condições para o surgimento de um estilo próprio, o barroco brasileiro,
também chamado "colonial" e, especificamente, o barroco mineiro, que são reconhecidos
como uma configuração cultural particular no universo da civilização ocidental. O
intercâmbio de mercadorias, gentes, idéias com a Metrópole, e, indiretamente, com a Europa
das Luzes do século XVIII era, por sua vez, mais constante e frequente.
Escravos aproveitavam-se desta situação para ampliar seu espaço na sociedade
colonial e buscar a liberdade. Como vimos, auxiliados por irmandades, por parentes que já
gozavam de liberdade ou mesmo por conta própria, demandavam a compra de suas alforrias a
seus senhores. Apesar de não haver uma lei que obrigasse um senhor a libertar seu escravo
quando este, ou alguém agindo em seu nome, se oferecesse para comprar sua carta de alforria,
tal prática vinha se tornando mais comum. Muitas vezes, quando os senhores mostravam-se
renitentes ou queriam estabelecer um alto preço para a alforria, os escravos apelavam, através
de procuradores, para as autoridades coloniais para que estas interferissem em seu favor. As
apelações dirigiam-se aos governadores, ao vice-rei e mesmo diretamente à Coroa. É preciso
lembrar que desde 1761 havia sido proibido o tráfico de escravos para Portugal e que muitos
governantes e funcionários sofriam influência das idéias das Luzes que se difundiam por toda
a Europa. Ainda que sem suporte legal, frequentemente as autoridades pressionavam os
senhores a conceder a alforria. Quando o que estava em discussão era o preço da alforria,
indicavam um árbitro para examinar a questão.
O fato é que, através de fugas, alforrias, casamentos e uniões com brancos, a
população afro-descendente livre crescia e trabalhava nos setores desprezados por aqueles que
almejavam alguma fidalguia: dedicavam-se ao pequeno comércio, ao artesanato e a outras
55
atividades econômicas urbanas; eram os artistas que esculpiam os santos de madeira e pedra
sabão e que pintavam as cenas sacras dos tetos das igrejas e capelas barrocas; viviam da
agricultura, plantando para subsistência e também para o pequeno e médio comércio,
fornecendo principalmente gêneros alimentícios; estavam na criação de gado; ocupavam
posições de controle, postos militares, vigilância e repressão típicas da sociedade escravistas
(feitores, capitães-do-mato, tropeiros); desbravavam as fronteiras; lutavam contra índios e
quilombolas; fundavam vilas e arraiais. Alguns poucos até tornavam-se ricos e ascendiam a
posições sociais e econômicas importantes: donos de minas e fazendas, grandes comerciantes
e proprietários de escravos, como Chica da Silva e João Francisco Muzzi.
NEGRAS CIDADES
“Episódios de história afro-brasileira”, escrito por SALLES,
Ricardo e SOARES, Mariza, Ed. DP&A, 2005.
A presença de negros e mestiços livres e mesmo de escravos na Sabinada apenas
confirma a importância de sua participação nas agitações sociais e políticas das primeiras
décadas da nova nação que se forjava. Diferentemente do que supôs uma tradição
historiográfica atuante até dias recentes e que teve sua origem no Império, esta participação
não esteve relegada ao segundo plano de uma História protagonizada pelos setores dominantes
da sociedade. E não poderia ter sido diferente. Quanto mais não fosse, apenas por seu peso
numérico e por sua presença cultural e social em todas as regiões do país e em diferentes áreas
e estratos sociais.
Contudo, a presença negra e mestiça, africana e crioula era ainda mais marcante nos
centros urbanos, onde os acontecimentos políticos repercutiam com maior intensidade. Estes,
neste momento, experimentavam um acelerado processo de crescimento, particularmente, no
que diz respeito à população cativa.
De fato, se em 1821 a população da cidade do Rio de Janeiro saltara para pouco mais
de 79.000 habitantes, contra os 43.000 de 1799, a proporção de escravos experimentou um
crescimento ainda maior, passando de 35% para 46% do total no mesmo período (isto sem
levar em conta as freguesias Suburbanas, onde eram a maioria). Em 1849, às vésperas da
abolição efetiva do tráfico internacional, os escravos eram 48% de uma população de quase
206.000 habitantes (continuavam maioria nas freguesias suburbanas, representando 56% do
total). Destes, um número significativo, talvez até a maioria, era constituído de africanos que
eram trazidos pelo tráfico internacional ilegal em quantidades nunca antes experimentadas.
Abolido o tráfico internacional, a escravidão urbana, finalmente, tendeu a declinar com a
venda de cativos para as fazendas. Mesmo assim, em 1872, os escravos ainda representavam
18% da população global da cidade Rio de Janeiro.
Padrão semelhante era encontrado em Salvador, onde a camada de negros e mestiços
representava uma proporção ainda maior. Estima-se que, em 1807, eles fossem 80% dos cerca
de 51.000 habitantes da cidade. Em 1835, eram 72,2% de uma população estimada de 65.500
almas. Os africanos eram 22.000, representando 33,6% do total. A grande maioria deles,
17.325 pessoas, isto é, 25,5% da população total (percentual praticamente equivalente ao da
população branca, de 28,2%), eram de escravos. Estes, em seu conjunto, compunham 48,9%
de toda a população da cidade. Entre os negros e mestiços livres, isoladamente o grupo
majoritário da população, 29, 8% dos moradores de Salvador, quase 93% eram nascidos no
Brasil e pouco mais de 7% eram africanos.
Principalmente nestas cidades portuárias, realizava-se o intenso tráfico de escravos
africanos, que as conectava com Angola, a Costa da Guiné e Moçambique, principais fontes
de cativos. Por sua vez, através deste comércio ilegal, Rio e Salvador entretinham relações
56
com Cuba, destino de muitos dos africanos contrabandeados para o Novo Mundo, New York,
importante centro de comércio internacional com conexões com o tráfico africano, e outros
centros do comércio atlântico.
Assim, em suas ruas, transitava uma população composta de artesãos, prestadores de
serviços, pequenos empregados do comércio, pessoas sem ocupação definida, em sua maioria
afrodescentendes, cativos e livres; um contingente flutuante de escravos africanos a caminho
de outros destinos, no país ou no exterior; marinheiros de diferentes nacionalidades, muitos
deles africanos livres e alguns poucos escravos; viajantes de diversas procedências; escravos
fugidos, definitiva ou temporariamente etc. Este fato tornava estas cidades fervilhantes de
pessoas, de notícias de todos os cantos do mundo e de idéias. Um tal ambiente era propício,
principalmente se conjugado com outros fatores, à ebulição social e política.
QUILOMBOS NO BRASIL E A SINGULARIDADE DE PALMARES
Maria de Lourdes Siqueira*
O objetivo deste texto e oferecer aos profissionais da Educação formal e não-formal
subsídios a respeito da contribuição dos Quilombos articulados a outros diferentes núcleos de
resistência ao colonialismo, a escravidão, a dominação ocidental-européia e, ao mesmo
tempo, apontar para o significado dessa memória de nossos antepassados e sua continuidade
afro-brasileira, na sociedade contemporânea. Essas organizações são hoje, denominadas
Comunidades Remanescentes de Quilombos.
Os Quilombos representam uma das maiores expressões de luta organizada no
Brasil, em resistência ao sistema colonial-escravista, atuando sobre questões estruturais, em
diferentes momentos histórico-culturais do país, sob a inspiração, liderança e orientação
político-ideológica de africanos escravizados e de seus descendentes de africanos nascidos no
Brasil. O processo de colonização e escravidão no Brasil durou mais de 300 anos. O Brasil foi
o último país do mundo a abolir a escravidão, através de uma lei que atirou os exescravizados numa sociedade na qual estes não tinham condições mínimas de sobrevivência.
Quilombo é um movimento amplo e permanente que se caracteriza pelas seguintes
dimensões: vivência de povos africanos que se recusavam a submissão, a
exploração, a violência do sistema colonial e do escravismo; formas associativas
que se criavam em florestas de difícil acesso, com defesa e organização sócioeconômico política própria; sustentação da continuidade africana através de
genuínos grupos de resistência política e cultural. (NASCIMENTO, 1980, p.32) .
Desde o princípio da colonização no século XVI, os africanos escravizados se
engajaram num combate firme contra a condição de escravizados em núcleos de resistência
diversos. Os quilombos, entre os quais destaca-se a República de Palmares, a Revolta dos
Alfaiates, Balaiada, Revolta dos Malês, entre tantos outros núcleos que continuam no pósabolição em oposição às consequências da escravidão, continuam numa luta por uma
liberdade que sempre lhes foi negada (NASCIMENTO, 1980).
Os Quilombos continuam sendo sociedades livres, igualitárias, justas/soberanas em
busca de felicidade. Eram sociedades político-militares, que nasceram de movimentos de
insurreições, levantes, revoltas armadas, proclamando a queda do sistema escravocrata.
Frequentemente, aqueles movimentos tomavam a forma de quilombos a semelhança de
Palmares. Os quilombos existiram em múltiplos pontos do país em decorrência das lutas
ocorridas em diferentes lugares onde houvesse negação de liberdade, dominação, desrespeito
a direitos, acrescidas de preconceitos, desigualdades e racismo.
A dimensão dos quilombos variava de acordo com a proporção de habitantes, tamanho das terras ocupadas, e estrutura da produção agrícola organizada nos lugares onde se
eram estruturados.
57
Os quilombos eram sociedades avançadas, do ponto de vista da organização, dos
princípios, de valores, de práticas de socialização, de regime de propriedade.
A ARTICULAÇÃO DOS QUILOMBOS COM OUTROS NÚCLEOS
DE RESISTÊNCIA NEGRA
Nessa perspectiva de articulação entre a luta dos quilombos e a densidade da
resistência negra em outras iniciativas, na dinâmica do combate a escravidão, Nascimento
(1980) nos relembra que a memória dos afro-brasileiros não se inicia com O tráfico de
africanos escravizados, nem nos primórdios da escravização dos, africanos no século XV. Ao
contrário, os africanos trouxeram consigo saberes a respeito das mais diversas áreas do
conhecimento: culturas, religiões, línguas, artes, ciências, tecnologias.
Africanos de diferentes grupos étnicos mesclam-se nos quilombos, como forma de
resistir a uma determinação política anterior de separá-los de tudo o que significasse
expressão identitária de um povo: línguas, famílias, costumes, religiões, tradições. Tudo isso é
retomado em todos os momentos da resistência quilombola, na reinvenção de políticas e
estratégias de luta pela liberdade, sempre com postura crítica, face ao colonizador, ao
escravocrata, ao imperialista.
Esses núcleos de resistência tem continuidade e interagem com os quilombos através
de suas quilombolas tradições, valores, costumes, mitologias, rituais, formas organizativas,
organização familiar, experiência de socialização, o que alguns autores denominam de
comunalismo africano.
Os quilombos viviam nas florestas, nas matas, nas montanhas e, ao mesmo tempo,
em contato com a sociedade envolvente que as rodeava, as vigiava, controlava e perseguia.
E a partir desses indicadores que o conceito de Quilombo transcende, ganha proporções de
uma orientação para a educação, para formação de pessoas, para fortalecer a crença na riqueza
das diferenças étnicas e culturais que constituem a sociedade brasileira entre indígenas
originários da terra, africanos e colonizadores europeus.
Nesses contatos construíam-se novos processos dentro da própria guerra, com as
suas contradições inerentes aos conflitos de grupos, de interesses, de ideologias, nascidos no
interior da própria estrutura.
DIFERENTES DENOMINAÇÕES DE QUILOMBOS
Quilombo - Kilombo vem de Mbundu, origem africana, provavelmente significado de uma
sociedade iniciativa de jovens africanos guerreiras Mbundu - dos Imbangala.
Onde houve escravidão, houve resistência. E de vários tipos. Mesmo sob ameaça de
chicote, o escravo negociava espaços de autonomia, fazia corpo mole no trabalho,
quebrava ferramentas, incendiava plantações, agredia senhores e feitores, rebeleva-se individual e coletivamente. Houve um tipo de resistência que poderíamos
considerar a mais típica da escravidão [ ... ] trata-se das fugas e formação de grupos
de escravos fugidos [ ... ] essa fuga aconteceu nas Américas e tinha nomes
diferentes: na América espanhola: Palenques, Cumbes; na inglesa, Maroons; na
francesa, grand Marronage e petit Marronage [ ... ]; no Brasil, Quilombos e
Mocambos e seus membros: Quilombolas, Calhambolas ou Mocambeiros.
(REIS, 1996, pAl).
Hoje, no Brasil, estudos realizados por diferentes profissionais educadores,
sociólogos, antropólogos, historiadores e juristas buscam determinados critérios para
denominar a luta quilombola: comunidades negras rurais, terras de pretos, remanescentes
de comunidades de quilombos, hoje Comunidades Remanescentes de Quilombos compre58
endendo: descendentes dos primeiros habitantes da terra; trabalhadores rurais que ali mantém
sua residência habitual ou permaneçam emocionalmente vinculados (LINHARES, 2002).
Os debates em torno destas designações ganham sentido, sobretudo, para efeito de
medidas legais, jurídicas ou definição de direitos sociais, econômicos, políticos para os
quilombolas e seus descendentes. Por exemplo, direito à legalização da terra, à moradia, à
educação, à saúde, ao lazer (LINHARES, 2002).
A EXISTÊNCIA DE QUILOMBOS NO BRASIL NO
ESTADO DO AMAZONAS
Os quilombos mais representativos da Região do Amazonas são os da Bacia do Rio
Trombetas e do Baixo Rio Amazonas. Durante a século XIX, o quilombo Rio Trombetas
esteve situado nas proximidades das Cidades de Santarém e Óbidos. Outros quilombos da
Região são Inferno e Cipotena, nas cabeceiras do Rio Curuá.
Os quilombos do Baixo Amazonas são relevantes, não só do ponto de vista político,
mas também do econômico e social, pelo nível de desenvolvimento que alcançaram, ao
realizar intercâmbios, a que lhes conferiu uma consideração especial entre as quilombos da
Amazônia e em relação aos do Nordeste. O Quilombo de Trombetas chegou a reunir mais de
dois mil quilombolas nas proximidades da região de Óbidos.
ESTADO DA BAHIA
No período de 1807 a 1809, diferentes grupos de africanos escravizados organizaram
uma sociedade secreta denominada Og Bani, com a objetivo de lutar contra a escravidão. No
decurso de vários embates, entre avanços e repressões, no ano de 1826, muitos adeptos deste
combate organizam-se para criar o Quilombo do Urubu, situado nas proximidades de
Salvador, que teve como principal líder uma mulher chamada Zeferina.
Outros quilombos de igual significação na Bahia foram: o Quilombo Buraco do
Tatu, em Itapuã. Os chefes desses quilombos eram Antônio de Sousa, um capitão de guerra,
e Teodoro, com suas companheiras, que tinham a título de rainhas. O Quilombo Buraco do
Tatu durou 20 anos, até que a comunidade foi exterminada pelo autoritarismo colonial.
A Bahia conta hoje com Quilombos Contemporâneos na categoria denominada
Comunidades Remanescentes de Quilombos, incluindo as quilombos urbanos engajados na
luta pelo direito à terra e condições dignas de sobrevivência com auto-estima e cidadania.
Uma das Comunidades Remanescentes é a de Rio das Rãs em Rio de Contas (ILE
AIYE,2000).
ESTADO DE GOIÁS – O QUILOMBO KALUNGA
São histórias daqueles primeiros tempos, contadas pelo pai de seu avô, e antes dele,
pelo avô de seu bisavô. Dizem que ali naquelas serras havia uma mina chamada Boa
Vista. Ali os escravos trabalhavam de sol a sol, o trabalho era difícil e a vida era dura.
Fugir, mas ir para onde? [... ] Para o lugar mais distante onde ninguém pudesse
alcançar. E isso era o que faltava nas terras de Goiás. Assim nasceu o fenômeno que
hoje existe na região da Chapada dos Veadeiros, onde vive o povo Kalunga.
(BRASIL, 2001, p.15).
O Quilombo dos Kalunga começa com a aliança entre os indígenas que já viviam no
lugar há centenas de anos, de diversas nações: Acroá, Capepuxi, Xavante, Kaiapó, Karaja
entre outros. Tratavam-se por tapivas ou compadres. No quilombo também chegavam brancos
59
pobres. As terras eram dos próprios negros que acabavam sendo donos delas de várias
maneiras. Assim iam se formando as terras de pretos. O povo Kalunga foi se estendendo pelas
terras. Eles ocuparam um grande território que abrange três municípios do Estado de Goiás:
Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás (BRASIL, 2001).
Kalunga quer dizer Camundongo ou pessoa i1ustre, importante. Para os povos
chamados Congo ou Angola, Kalunga era uma palavra ligada às suas crenças religiosas. A
partir de outra inferência, Kalunga poderia ser o ato de incorporar aqueles que passam a uma
outra dimensão da vida – a força dos seus antepassados.
A vida do povo Kalunga incorpora no seu cotidiano a consciência da liberdade e o
respeito sagrado pela continuidade da vida.
ESTADO DO MARANHÃO
No Maranhão, os escravizados Negro Cosme e Manuel Balaio enfrentaram o
exército do Duque de Caxias, na Cidade de Caxias, a principal cidade da província - era a
guerra da Balaiada, cujos núcleos de resistência tinham os mesmos objetivos dos quilombos.
A revolta dos pretos de Viana - Os quilombos, por sua vez, espalhavam-se pelas
matas: grupos mais ou menos numerosos percorriam armados as estradas. Muitos pretos
retornaram aos quilombos já existentes e outros formaram novas povoações (ARAUJO,
1994).
Durante o jogo travado na fazenda Santa Bárbara, entre os insurretos e a força legal,
foram aprisionados alguns quilombolas: Benedito, Vicente, Martiniano, Severino e
Feliciano Costa Mato [...] A população de São Benedito variava entre 600 e 700
pessoas aproximadamente [...] e provável que a formação do Quilombo tenha se
iniciado na década de 50 do século. XIX. (ARAÚJO, 1994, p.23).
Outros Quilombos do Maranhão
▪Mocambo Frechal - Mirinzal.
▪Turiaçu e Maracassumé.
▪ Pericumã.
▪Itapecuru.
▪Laranjal em São Bento.
Não obstante tratarem-se de dados que carecem de investigações adicionais, há
referências a 92 povoados e concernem a práticas religiosas, festas de santo, danças,
bumba-meu-boi e tambor-de-crioula. No seu conjunto, abarcam expressões
ritualísticas, não necessariamente religiosas, que concorrem para reforçar a identidade e a coesão social nos povoados das chamadas Terras de Preto. Os
colonizadores europeus começam, a partir da "chegada" dos povos africanos ao
Brasil, uma ostensiva e explícita tentativa de aniquilamento das identidades culturais
daqueles diferentes grupos étnicos. Haussás, Minas, Nagôs, Cabindas, Benquelas,
Cassanges, Macuas, Fulas, são reduzidos culturalmente à condição de "NEGROS",
seres inferiores que tem a obrigação de aprender a língua, a cultura e a religião de
seus dominantes. (CENTRO DE CULTURA NEGRA DO MARANHÃO, 2002).
60
ESTADO DE MINAS GERAIS
Há uma tradição significativa de experiências de Quilombo no Estado de Minas Gerais. Dentre os mais importantes destacam-se o Quilombo dos Garimpeiros, o do Ambrósio,
o do Sapucaí, o do Paraibuna; o de Inficionado; o de Jabuticatubas; o de Misericórdia e
o de Campo Grande. Fala-se da existência de 160 quilombos na área de Minas Gerais. O
mais importante é o de Campo Grande, com uma população de 20 mil quilombolas apresentando uma organização parecida com a de Palmares.
Em Minas Gerais, existiu um celeiro de quilombos. No fim do século XVII, no momento em que o Quilombo de Palmares estava sendo destruído, descobriram-se em
Minas Gerais as jazidas de aura e diamante. Desde então, até o fim do século XVII,
a região das Minas constituiu-se a base geográfica e econômica do escravismo
colonial brasileiro. (SIQUEIRA; CARDOSO, 1995, pA5).
ESTADO DE SÃO PAULO
O Quilombo Jabaquara, situado na região montanhosa de Santos, que se tornou a
fortaleza onde se concentrava elevado número de escravizados que abandonaram em massa as
plantações de café no interior da província paulista (NASCIMENTO, 1980).
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
No interior da província fluminense, havia certo latifúndio chamado Fazenda
Freguesia, na qual os escravizados se levantaram em armas. Em seguida, invadiram outras
propriedades rurais e fugiram imediatamente para o seio das florestas. Seu líder, o escravo
Manuel Congo, foi aclamado Rei.
ESTADO DE PERNAMBUCO
No final da década de 1820, um quilombo preocupa as autoridades, na vizinhança de
Recife - o Quilombo de Catucá, liderado por Malunguinho, situado nas matas de Catucá, nas
áreas que, hoje, estão entre os Bairros de Dois Irmãos e Beberibe, no Município de Goiana, já
nas fronteiras da Paraíba (BENJAMIN, 2004).
RIO GRANDE DO SUL
No Rio Grande do Sul, os quilombos mais reconhecidos são:
• Serra Geral
• Serra dos Tapes
• Camizão
A REPÚBLICA DE PALMARES
A história da República de Palmares mostra-se especialmente peculiar. Não se
conhece, por exemplo, nenhuma fonte produzida pelos próprios palmarinos. (FREITAS,
2004).
61
Palmares nasceu com o perfil africano e com gentes brasis: Índios, negros, brancos e
mestiços. A riqueza da obra está mais no projeto social que ela nos oferece e menos
na capacidade bélica e militar de Palmares e seus líderes, Ganga-Zumba e Zumbi.
Em Alagoas, terra onde os organizadores e lideranças palmarinas, Aqualtune,
Ganga-Zumba, Zumbi e outros fixaram a Capital Cacus, atual Serra da Barriga,
desde os anos oitenta se presta homenagem a Zumbi e celebram as conquistas de
todos os quilombolas que foram assassinados pelo comandante do exército
português Bernardo Vieira de Melo e Domingos Jorge Velho [... J, tendo na figura
de Zumbi dos Palmares a personalidade mais emblemática da história do negro. Para
Zumbi o ideal de liberdade e a capacidade de organização eram os princípios
fundamentais para uma convivência com respeito as diferenças. (ARAUJO, 2004).
SITUAÇÃO FÍSICA E GEOGRÁFICA DE PALMARES, ESPAÇO,
ESTRUTURA
O Quilombo de Palmares: estende-se pela parte superior do Rio São Francisco uma
corda de mata brava, que vem a fazer termo sobre o sertão do Cabo de Santo Agostinho
correndo quase norte a sul, do mesmo modo que corre a costa do mar. Foram as árvores,
principais palmeiras agrestes, que deram ao terreno o nome de Palmares. Estas palmeiras são
tão fecundas para todos os usos da vida humana, que delas se faz vinho, azeite, sal, roupas; as
folhas servem para cobrir casa; os ramos, para os esteios da cobertura da casa; os frutos
servem de sustento; além de todos os gêneros de ligaduras e amarras.
Palmares é entrecortada por outras matas de diversas árvores. Na área Noroeste está
o Mucambo de Zumbi a dezesseis léguas de Porto Calvo; ao Norte, a cinco léguas de
distância, o de Aquatirene, a mãe do Rei; ao Leste, os mocambos chamados das Tobocas;
quatorze léguas ao noroeste o de Dambrabanga; ao norte deste, oito léguas, a cerca chamada Subupiraé; e ao norte desta, seis léguas, a cerca real chamada o macaco.
O Rei era Ganga-Zumba que quer dizer Senhor Grande - Rei e Senhor de todos os
que são de Palmares, e dos que chegam. O Rei habita O Palácio com sua família e é assistido
por guardas e oficiais que também tem suas casas reais.
A cidade real, O Macaco, e a metrópole entre outras cidades e povoações, toda
fortificada, cercada de pau a pique, com mais de mil e quinhentas casas habitadas. Entre os
habitantes há Ministros da Justiça que cuidavam da República.
A cidade tinha sua capela, com imagens de Menino Jesus, Nossa Senhora da
Conceição e São Brás, realizavam-se casamentos, batizados, porém sem a forma determinada
pela Igreja. Logo, Palmares era a cidade principal, dominada pelo Rei, e as outras cidades
ficavam a cargo de potentados e casos. A segunda cidade chamava-se Subupira, onde vivia o
irmão do Rei, o Lona, onde corre o rio Cachingi.
Algumas das razões por que as Entradas ao Quilombo de Palmares não conseguiam
facilmente destruí-lo eram os caminhos, a falta d'água, o desconforto dos soldados, elevadas
serras, matas espessas, muitos espinhos, muitos precipícios; tudo concorria para que os
soldados, que levavam às costas a arma, pólvora, balas, capote, farinha, água, peixe, carne e
rede para dormir, enfrentavam dificuldades, além dos rigores do frio entre as montanhas. Isso
tornava quase impossível o acesso ao local do quilombo.
O grande objetivo do poder oficial era que se destruíssem os Palmares, pois assim
teriam terras para a sua cultura, negros para o seu serviço e honra para a sua estimação.
Dentre as levas de ataques a Palmares registram-se o de Acaiene (Acotirene), a mãe
do Rei, o desmantelamento de uma comunidade onde prenderam de uma só vez cinquenta e
seis negros juntos, a maioria mulheres. Desse encontro levaram prisioneiro o Sangamuisa,
Mestre de Campo da gente de Angola, e genro do Rei. Notório também foi o Mucambo de
Amaro, a nove léguas de Serinhaem, com mais de mil casas, onde foi descoberto que se
encontrava o Rei. Aí travaram grande cerco para fechar a saída do sítio. O Rei conseguiu
62
escapar "tão arrojadamente, que largou uma pistola dourada e a espada que usava "estes
negros que se aglomeravam com o Amaro uma parte se salvou, mataram grande número e
feriram outros tantos. Cativaram mais o Anaguba com dois filhos do Rei, um chamado
Zumbi, e uma filha chamada Tavianena. Pereceu também o Tuculo, filho do Rei, grande
corsário, o Pacasã e o Daubi, poderosos senhores da luta quilombola". Esses eventos
abalaram Palmares. Consta, em documentos dos arquivos analisados por Freitas (2004), que a
região Palmarina tinha maior circunferência que todo o reino de Portugal.
GANGA-ZUMBA
O significado da importância de Ganga-Zumba está relacionado à necessidade de
compreensão da sociedade que se empenhava em destruir Palmares, principalmente os
conflitos que determinaram as contradições essenciais entre escravizados e senhores de
escravos.
São múltiplas as interpretações da capitulação de Ganga-Zumba.
No período de 1670 a 1687 Palmares foi governada por Ganga-Zumba, que vivia na fortaleza
Quilombola do Macaco, fundada em 1642.
Ganga-Zumba em 1678 tinha firmado um tratado de paz com as autoridades coloniais, após
um período de lutas entre conflitos, avanços, recuos, exercícios de destreza militar. Após
várias expedições para destruição de Palmares, o Governo de Pernambuco propõe um acordo
que Ganga-Zumba assina em Recife. O acordo não foi cumprido, o que foi considerado um
equívoco político gravíssimo pelo qual Palmares pagou com a destruição do Quilombo oficial
em CACAU e das estruturas da luta.
Zumbi foi aclamado Rei e conduziu com firmeza a luta mais emblemática dos Quilombos da
América (PRICE, 1996).
ZUMBI DOS PALMARES
Zumbi, o general das armas, cujo nome significa DEUS DAS ARMAS, negro de singular
valor, grande ânimo, constância admirável e inimigo capital da dominação dos brancos. A
documentação assim se refere a Zumbi: este é o mentor de todos, o mais destemido, o estorvo
de nossos bons sucessos, porque a sua "indústria", "viço" e constância, a nós nos serve de
embaraço e aos seus de incitamento, diz a literatura colonial (FREITAS, 2004).
E conhecido o fato de que Zumbi rebelou-se contra o pacto celebrado entre Ganga-Zumba e o
Estado colonial. Em decorrência, Zumbi assumiu o poder em Palmares e intensificou a luta
contra os proprietários, as autoridades, o sistema colonial e a escravidão.
O Rei de Portugal escreveu uma carta ao Comandante, capitão Zumbi dos Palmares, sobre a
intensidade do combate e da convicção de Zumbi à frente da luta, com o apoio dos
Quilombolas, seus companheiros. Dada a recusa de Zumbi, em aceitar negociações de paz
entre Palmares e o Estado colonial, depois de reorganizar o seu povo no Quilombo Real, o
exército colonial, sob o comando do bandeirante Domingos Jorge Velho, circunda as áreas
centrais do Quilombo de Palmares.
Na noite de 6 de fevereiro de 1694, os canhões de Domingos Jorge Velho atingiram a cerca
Real de Macaco, destruindo o último reduto de Palmares.
Zumbi, aos 39 anos de idade, combatente há 25, conseguiu escapar com vida, mas foi
finalmente capturado, lutando sem hesitação.
Este fato ocorreu no dia 20 de novembro de 1695. O corpo de Zumbi foi levado para a Cidade
de Porto Calvo. Hoje, no Brasil, o dia 20 de novembro é o dia Nacional da Consciência
Negra em homenagem à figura emblemática do herói nacional, Zumbi dos Palmares, e sua
herança político-civilizatória, pela construção de uma nova sociedade, onde as diferenças
tenham suas liberdades respeitadas e sua dignidade reconhecida (SIQUEIRA; CARDOSO,
63
1995).
A ORGANIZACÃO SOCIAL E POLÍTICA DE PALMARES
A organização social e política de Palmares refletia os princípios, valores, costumes, tradições
e religiões de um Estado africano, com estrutura, organização, hierarquia e socialização.
1) O coletivismo econômico dos palmarinos - tudo é de todos, nada é de ninguém-, tudo que
plantam e colhem é depositado em mãos do Conselho.
2) A existência de instituições políticas.
3) O Conselho de Justiça - recebe as queixas familiares e da Republicas que são analisadas
"sem recurso".
4) A prática religiosa: nos quilombos havia capela, imagens, celebravam-se casamentos e
batizados, mas eram guardadas as culturas e expressões religiosas africanas e/ou indígenas
próprias.
5) A organização familiar - há existência do direito ao sistema matrilinear. Os homens
habitam juntos à casa da mesma esposa, onde tudo é compartilhado.
6) A divisão e uso da terra. Todos têm direito ao uso das terras e os frutos do que plantam e
colhem é depositado nas mãos do Conselho de Maiorais, inclusive o que fabricam em suas
tendas. O Conselho reparte com cada um, segundo as necessidades de sua sobrevivência. O
núcleo familiar era a unidade básica da organização social e formação individual e coletiva.
7) Conselho de Maiorais. Todos os Maiorais são escolhidos em reunião pelos negros que
vivem nos Mocambos. Mas, o Maioral principal é escolhido só pelos Maiorais. O Maioral
principal (assim era chamado a época pela linguagem dos documentos, que era portuguesa)
resolve os negócios da guerra por vontade absoluta, ele ordena as estratégias e táticas da
guerra.
8) A maneira de vestir-se em Palmares. "o modo de vestir entre si é o mesmo que usam entre
nós, mais ou menos "enroupados, conforme as possibilidades". (FREITAS, 2004, p.25).
9) A língua falada em Palmares: em inúmeros documentos dá-se a entender que os negros
palmarinos falavam português. Mas fala-se também de "línguas", de intérpretes, e se o
governador enviou "línguas" a Palmares, significa que os palmarinos falavam suas próprias
línguas e eram das mais diferentes procedências.
10) As Comunidades Remanescentes de Quilombos - lutam, hoje, pela continuidade dos
princípios que na dinâmica da sociedade contemporânea revivem valores sociais, culturais e
políticos das civilizações africanas que fundamentalmente constituem a sociedade brasileira e
a cultura nacional.
* Pós-Doutorado em Antropologia das Populações de Origem Africana pela Universidade da África do Sul e
Professora da Universidade Federal da Bahia
A ÁFRICA CONTEMPORÂNEA: DILEMAS E POSSIBILIDADES
Muniz Ferreira
A CRISE DO COLONIALISMO EUROPEU E A EMERSÃO NACIONAL NA ÁFRICA
Uma das implicações históricas mais significativas da Segunda Grande Guerra
(1939-1945) foi o declínio da centralidade européia no sistema de poder mundial. Até então,
as potências do chamado “velho continente” haviam exercido uma duradoura supremacia
sobre as demais regiões do mundo, principalmente nos aspectos econômico, político,
64
diplomático e militar. Do topo de tal preeminência, os estados nacionais e os homens de
negócio europeus submeteram, pela força e pelo logro, povos e civilizações; exportaram
mercadorias, capitais e as regras da economia de mercado e impuseram suas línguas, religiões,
concepções de mundo e valores culturais. Como corolário de tais processos, o continente
africano experimentou a escravidão e o colonialismo, a subordinação de seus sistemas
tradicionais de organização social às leis da valorização do capital e testemunhou a
constituição de ordenamentos políticos internacionais, nos quais desempenhava o simples
papel de “área de influência” e “reserva estratégica” à disposição dos poderes coloniais. Fora
assim desde os tempos do Tratado de Tordesilhas (1494), primeiro tratado internacional
moderno, passando pelo sistema internacional da Convenção de Viena (1815-1817) — em
cuja vigência padeceu a partilha territorial em benefício das nações européias, pactuada na
Conferência de Berlim (1884-1885) —, até à época da Liga das Nações (1919-1939), cujo
objetivo de reordenar a vida internacional sobre os princípios da soberania nacional e da nãointervenção não contemplou as aspirações dos povos africanos e asiáticos à autodeterminação.
Porém, a Segunda Guerra Mundial contribuiria para modificar tal quadro. Esgotadas
econômica e militarmente pelo desenrolar da conflagração, as grandes potências européias
experimentaram uma limitação (mas não a eliminação) de sua capacidade de preservar
coercitivamente grandes impérios coloniais. Ademais, dois novos fatores concorriam para a
erosão das bases da legitimação do colonialismo europeu no mundo: a) o crescimento do
prestígio das concepções e dos movimentos democráticos e progressistas (por definição
anticolonialistas) no mundo, que se seguiu à derrota das forças do eixo nazi-fascista; b) a
ascensão, ao primeiro plano, da política internacional de duas novas grandes potências, as
quais, devido a motivações diferentes, encontravam-se descomprometidas com a preservação
dos domínios coloniais europeus na África e na Ásia: os Estados Unidos e a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas. Excluídos da partilha da África na Conferência de Berlim e,
conseqüentemente, marginalizados no acesso aos mercados, matérias-primas e áreas de
influência no continente africano, aos Estados Unidos interessava, num primeiro mo mento,
uma alteração no status quo internacional que lhe concedesse liberdade para realizar seus
interesses econômicos e estratégicos na África, sem os inconvenientes gerados pelo
exclusivismo colonial europeu. Para a União Soviética — potência cuja matriz histórica
remontava às revoluções do ano de 1917 na Rússia —, a descolonização representava um
enfraquecimento do “imperialismo ocidental” e otimizava as possibilidades de ampliação de
sua influência internacional através do apoio aos movimentos de libertação nacional africanos
(e asiáticos) e a aproximação das jovens nações africanas. É bem verdade que o
posicionamento norte-americano em face da questão se alteraria à medida em que se
deteriorava a atmosfera internacional e a aliança com a URSS era substituída pela guerra fria.
Nestas novas condições, a opção pelo desenvolvimento de uma política de contenção da
influência soviética na África reaproximou os EUA das antigas potências coloniais europeias
e os colocou na contramão dos movimentos de libertação nacional do continente, sobretudo
daqueles cuja radicalidade anticolonial e ênfase nas definições anti-imperialistas contribuíram
para uma aproximação com as posições soviéticas.
Assim, no hiato vigente entre o final da Segunda Grande Guerra e a cristalização da
bipolaridade leste-oeste, as concepções referenciadas na idéia de descolonização e
emancipação nacional do continente africano conquistaram carta de cidadania nas discussões
internacionais. De tal forma que, mesmo nos anos posteriores de recomposição do poderio
europeu e redefinição do posicionamento estadunidense frente ao problema colonial, o
processo de emancipação africano seguiria seu curso sem jamais parar. Teríamos assim, nos
anos 50, a independência da Tunísia (1950), da Líbia (1951), do Sudão, do Marrocos (1956),
de Gana (1957) e da Guiné (1958). No emblemático ano de 1960 — ano da independência da
África, segundo as Nações Unidas — verificar-se-iam as libertações de Camarões, Togo,
Madagascar, Zaire, Somália, Mali, Benin, Nigéria, Níger, Alto Volta (atual Burkina Faso),
Costa do Marfim, Chade, República Centro-Africana, Congo, Gabão, Senegal e Mauritânia;
65
em 1961, Serra Leoa; em 1962, Ruanda, Burundi, Argélia e Uganda; o Quênia em 1963;
Malauí, Zâmbia e Tanzânia em 1964; Gâmbia em 1965; Botsuana e Lesoto em 1966; Ilhas
Maurício e Guiné Equatorial em 1968. Na década de 70, Guiné Bissau em 1973; São Tomé e
Príncipe, Moçambique, Cabo Verde, Comores e Angola em 1975; Ilhas Seychelles em 1976;
Djibouti em 1977; Suazilândia em 1978. Já nos anos 80, Zimbábue, em 1980 e, finalmente, a
Namíbia, em 1990.
Foram variados os caminhos trilhados pelos povos africanos e seus movimentos de
libertação para a obtenção da tão almejada emancipação política. Tal diversidade esteve
associada a uma gama de fatores que caracterizaram os processos de dominação de cada
potência colonizadora, como seu grau de dependência econômica e estratégica em relação às
colônias e a variedade de recursos econômicos, políticos, militares e diplomáticos à disposição
de cada uma, quando do acirramento das reivindicações de independência. Os colonizadores
britânicos, por exemplo, recorriam, via de regra, a um sistema de colonização que procurava
conservar a autoridade das elites nativas nos escalões intermediários e inferiores da
administração colonial, cooptando o mais amplamente possível as aristocracias tradicionais
para um sistema de parceria subordinada.
Habituada desde séculos anteriores à implementação de uma política de autogoverno
em suas colônias de maioria populacional branca (Estados Unidos, Austrália e Oceania), a
Grã-Bretanha adotou, como recurso freqüente em suas antigas possessões africanas, uma
estratégia de “sair para ficar”, ou seja, substituir o controle dos postos chaves do governo das
colônias por elementos locais formados política e culturalmente nos marcos do sistema
colonial britânico, procurando reintegrá-los posteriormente à Comunidade Econômica
Britânica (British Commonwealth), garantindo, assim, a primazia de seus interesses
econômicos e empresariais na nova ordem política pós-colonial.
Já a França, segunda maior potência colonizadora européia na África, aferrou-se aos
métodos de dominação colonial direta e à prática ostensiva da assimilação cultural. O
resultado foi um enfrentamento, na maior parte das vezes, bastante violento entre as
administrações coloniais e os movimentos de libertação nacional, do qual são exemplos os
dois casos mais emblemáticos de revolução anticolonial verificados na Ásia e na África: a
guerra de independência da Argélia e o conflito do Vietnã. Algum tempo passaria até que a
França, seguindo os passos do Reino Unido, procurasse reintegrar suas antigas colônias
africanas à sua área de influência econômica (e, por conseguinte, militar e diplomática),
investindo na criação de uma zona comercial e financeira estruturada em torno de sua moeda
(o franco) e no desenvolvimento da chamada “Comunidade Francófona”.
A experiência belga na África simboliza o sistema colonial europeu no continente em
seu paroxismo de paternalismo autoritário, assimilacionista e discriminador. Em nenhum
outro lugar a espoliação econômica colonial se manifestou tão cruamente como nos casos das
colônias belgas do Congo, Burundi e Ruanda. Em nenhum outro lugar o esforço de devastação
cultural, as ingerências abertas no sentido de garantir a preservação dos interesses econômicos
e estratégicos da antiga metrópole colonial foram levados tão longe. Se a dominação colonial
francesa, em seu processo de declínio, legou ao mundo os exemplos sangrentos da Argélia e
do Vietnã mencionados acima, o legado colonial belga no Congo foi marcado pela deposição
e assassinato do líder nacionalista Patrice Lumumba, a deflagração de uma longa guerra civil e
a instauração da ditadura de Mobutu, uma das mais truculentas e corruptas conhecidas pela
África pós-colonial. Não foi menos trágico o destino e suas ex-colônias da África dos Grandes
Lagos (Ruanda e Burundi). Ali, o legado de atraso econômico e social somado às rivalidades
étnicas e culturais exacerbadas durante a dominação colonial produziram, nos anos 90 do
século XX, uma das piores catástrofes humanitárias da história do pós-Segunda Guerra
Mundial, cujas cifras precisas parecem estar fixadas entre 800 mil e 1 milhão de vítimas.
De forma negociada ou violenta, através de guerras civis ou de processos eleitorais,
os países africanos conquistaram, ao cabo de cinco décadas de grandes esforços, a
emancipação política da dominação colonial européia. Tal realização histórica, no entanto, foi
66
apenas o primeiro passo de uma longa caminhada que ainda está por ser concluída em direção
à reconquista plena da soberania, da dignidade e da autodeterminação desejada pelos povos do
continente.
NEOCOLONIALISMO, SUBDESENVOLVIMENTO E GUERRA FRIA
A África se viu às voltas com a necessidade de lutar por sua independência
econômica antes mesmo de concluir o processo de luta por sua emancipação política. Carentes
de quadros técnicos, de tecnologia industrial, de capitais e até de mercados, uma vez que o
processo de dissolução das economias tradicionais não acarretou necessariamente a formação
de um contingente significativo de consumidores com efetivo poder de compra, a virtual
totalidade dos países africanos já despertou para a vida independente submetida a uma
situação de subalternidade no âmbito da economia internacional. Premidos pelas necessidades
urgentes de populações intensamente espoliadas durante séculos pelo sistema colonial, a
primeira geração de dirigentes dos jovens estados africanos teve de equacionar, como primeiro
item de sua agenda pós-colonial, o problema do subdesenvolvimento econômico e social.
Produtoras e exportadoras de matérias primas e gêneros agro-pecuários, as novas
nações africanas viram-se inseridas em um sistema de trocas caracterizado pela deterioração
constante do valor de seus produtos primários em relação aos bens industrializados produzidos
pelos países centrais (Europa, Japão e Estados Unidos) e o monopólio dos capitais e da
tecnologia por parte destes, em muitos casos, suas antigas metrópoles coloniais. Alguns de
seus líderes mais esclarecidos, como o ganense N’ Krumah, o tanzaniano Nyerere, o queniano
Kenyatta, e o congolês Lumumba, diagnosticaram adequadamente as possibilidades e os
constrangimentos para o enfrentamento bem sucedido dos desafios econômicos apresentados
pela realidade. Compreendiam que a África possuía riquezas naturais extraordinárias, capazes
de propiciar as bases de seu crescimento econômico, como as maiores reservas de ferro e
carvão mineral do mundo, enormes jazidas de petróleo e um notável potencial hidrelétrico.
Por outro lado, eram capazes de identificar também os obstáculos ao progresso material de
suas sociedades: a grande fragmentação político territorial, a dependência tecnológica, a falta
de capitais para a exploração de suas próprias riquezas, as rivalidades étnicas internas, a falta
de competitividade econômica de sua produção agropecuária e o próprio controle de seus
principais recursos pelas grandes empresas ocidentais.
Coerente com tais constatações, a parcela mais engajada desta primeira geração de
líderes procurou adotar procedimentos práticos capazes de otimizar as condições para a
superação das mazelas deixadas pela dominação colonial, no âmbito interno: definição do
estado, enquanto ator fundamental do processo de desenvolvimento econômico, através da
regulação da atividade do capital estrangeiro e nacionalização, sempre que possível, de setores
estratégicos da economia; implementação de políticas de fomento à atividade industrial e
modernização da produção agro-pecuária. No âmbito externo, tratava de somar-se aos
esforços de estruturação de um movimento de países não-alinhados, juntamente com outros
estados da Ásia e América Latina, que tinham entre suas principais reivindicações a revisão
das regras do comércio mundial; a facilitação do acesso dos países emergentes às tecnologias,
mercados e capitais para exportação de seus produtos; o assessoramento técnico e o apoio
institucional das Nações Unidas aos seus programas de desenvolvimento econômico; em
resumo, uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI).
Porém, os interesses conflitantes das grandes potências ocidentais, particularmente
da maior de todas elas, os Estados Unidos, não permitiriam que a marcha das nações africanas
rumo ao progresso e ao desenvolvimento se realizasse sem incidentes. Identificando no recuo
das antigas metrópoles colonizadoras européias na África uma ameaça de satelitização dos
jovens estados pela União Soviética, as administrações norte-americanas implementaram,
desde os anos 50, uma estratégia voltada para a substituição da influência européia por sua
própria influência sobre o continente africano, assumindo a responsabilidade pela contenção
67
do avanço da “influência soviética” nesta região. Recorrendo à chamada “diplomacia do
dólar”, os governos norte-americanos procuraram, a princípio, influenciar os estados
africanos, condicionando sua inclusão em programas de ajuda econômica e militar à
concessão de privilégios para a operação de empresas estadunidenses nestes países e ao
alinhamento diplomático e militar com Washington. Em outros casos, assessorou, treinou,
financiou e armou grupos de oposição, golpes de estado e movimentos separatistas contra
governos de orientação antineocolonialista, algumas vezes, em parceria com as antigas
metrópoles colonizadoras. Além disso, desenvolveu uma política permanente de apoio aos
regimes racistas da antiga Rodésia até 1980 e da RepúblicaSul Africana até 1994, que atuaram
como fatores de desestabilização econômica e militar dos estados africanos independentes da
África Meridional.
Como resposta a tais ações de desestabilização, os governos africanos de orientação
mais anticolonialista e antiimperialista investiram em uma aproximação maior com a União
Soviética e Cuba, de modo a obterem apoio diplomático e militar contra seus inimigos
internos e externos. Tal fato aumentou ainda mais a tensão diplomática e militar e as divisões
entre os estados africanos, deflagrando um longo e destrutivo ciclo de conflitos
intracontinentais e militarização. O acirramento das rivalidades intra-africanas inviabilizou a
cooperação e o desenvolvimento do comércio entre os países do continente, deteriorou as
bases já frágeis da união continental e, em vários países, desorganizou a economia e dilapidou
as riquezas naturais.
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, GLOBALIZAÇÃO E CRISE.
Dilacerada internamente, politicamente instável e economicamente estagnada a
maioria dos países do continente africano ainda teve que lidar com as transformações
verificadas na vida internacional nas últimas duas décadas do século XX.
As décadas de 80 e 90 do último século foram caracterizadas pelo fenômeno que
ficou conhecido como Terceira Revolução Industrial. Este processo, verdadeira reestruturação
produtiva do capitalismo mundial, se iniciou na seqüência dos choques nos preços do petróleo
dos anos 70 e 80 e foi, entre outras coisas, uma resposta dos países industrializados às ações
conjuntas dos países do chamado terceiro mundo na negociação de seus produtos no mercado
internacional. Orientada, originalmente, pelo interesse no aproveitamento de matérias primas e
fontes energéticas alternativas àquelas exportadas pelos países da periferia econômica do
mundo, a chamada revolução tecno-científica se realizou através da transição de um padrão de
produção industrial - baseado no uso extensivo da força de trabalho e no processamento de
insumos orgânicos -, para outro baseado no uso intensivo de força-de-trabalho e da tecnologia
e no processamento de insumos já elaborados.
Como resultado, toda uma geração de indústrias surgidas quando da chamada
Segunda Revolução Industrial, no final do século XIX, foi substituída por outra, alicerçada na
automação e na produção de artigos de alta tecnologia. Com isto, acentuou-se a subalternidade
econômica dos países africanos no comércio mundial, através da perda de relevância relativa
de suas importações, da sobrevalorização dos produtos exportados pelos países
industrializados no comércio bilateral, aumentando também o abismo que separa as precárias
economias do continente das indústrias high tech do mundo desenvolvido.
Além disto, um dos efeitos colaterais da reestruturação produtiva é o uso crescente
da tecnologia, o qual exige grandes investimentos em pesquisa, resultando na elevação do
custo de produção em contrapartida ao aumento do valor agregado das mercadorias. Este fato
combinado com a contração relativa dos mercados consumidores — como conseqüência do
desemprego produzido pela automação — nos próprios países centrais gera a necessidade de
uma ampliação sistemática dos investimentos, o que, em termos macro-econômicos, significa
68
um entrelaçamento cada vez maior entre as indústrias e os bancos. Estes, por sua vez,
crescentemente solicitados para o financiamento da pesquisa e da produção de novos
produtos, passam a cobrar caro pelos valores emprestados, acarretando uma elevação
significativa dos juros dos empréstimos contratados e o endurecimento da negociação dos
créditos já concedidos. Desta maneira, os países africanos, já excluídos do centro dinâmico da
economia mundial pelo monopólio tecnológico dos países centrais, descobrem-se também
excluídos dos créditos e financiamentos e com uma dívida a pagar.
O resultado prático deste elenco de adversidades tem sido dramático para o
continente africano. A participação do continente na economia mundial é, atualmente, inferior
a 2%, tendo o volume de sua interação comercial com o restante do mundo declinado 40% no
decorrer do período 1980-2000. A dívida externa africana atinge 315 bilhões de dólares, mais
que o triplo do total de sua receita anual de exportações. A renda per capita africana caiu 20%
desde 1980, passando, na África subsaariana, de US$ 752 a US$ 641. Os investimentos
diretos estrangeiros na África correspondem a menos de 5% do total obtido pelo Terceiro
Mundo
A UNIÃO AFRICANA: ALTERNATIVA PARA A EMANCIPAÇÃO
Com a finalidade de conduzir os esforços conjuntos dos países africanos a um
patamar superior, foi criada em Durban, na África do Sul, a 9 de julho de 2002, a União
Africana, em substituição à Organização da Unidade Africana, fundada em Adis-Abeba
(Etiópia), em 25 de maio de 1963. As tarefas da OUA foram as mesmas da primeira geração
de líderes africanos pós-independência e dos condutores dos processos de libertação nacional.
Seu objetivo principal consistiu em proporcionar apoio econômico, militar e
diplomático aos movimentos de luta pela descolonização, contribuir para sua unidade e
divulgação de suas atividades, no que foi, em geral, bem sucedida. Quanto a outros objetivos
inscritos na agenda da entidade, quando de sua instauração, os resultados foram, de modo
geral, bem mais modestos, a saber: o desenvolvimento de políticas comuns e da cooperação
econômica entre os países africanos, a consolidação da influência internacional dos estados do
continente, a proteção da soberania, da integridade territorial e da independência dos estados e
a coordenação das atividades destes em matéria de política externa, economia, defesa e
cultura.
A União Africana (UA) surge num contexto diferente. Trata-se de uma fase
caracterizada pela eliminação das últimas sobrevivências coloniais no seio do continente — o
regime racista da África do Sul, desmantelado em 1994 -; da pacificação de sociedades
dilaceradas por décadas por destrutivas guerras civis, como Angola e Moçambique; dos
avanços democráticos materializados na remoção de velhos ditadores do poder como Mobuto
e da emersão de novas lideranças regionais, como os dirigentes sul-africanos. Nesta atmosfera
estão dadas as condições substancialmente favoráveis para a construção de novos consensos
políticos continentais, para uma maior convergência diplomática e cooperação econômica.
Os objetivos da UA não são pequenos, como não é pequeno o tamanho dos desafios
que terá de enfrentar. Pretende-se a criação de um Parlamento Pan-Africano, do Tribunal de
Justiça, de um Conselho Econômico e Social, de uma força comum de defesa e de um sistema
financeiro (Banco Africano, Fundo Monetário Africano, Banco de Investimento Africano).
Trata-se de um esforço ambicioso, vertebrado por uma ampla coalizão de governos, a
serviço do enfrentamento dos graves problemas elencados anteriormente. À medida que o
mundo se torna cada vez mais assimétrico, excludente e inseguro, em que as próprias
economias avançadas promovem a formação de grandes blocos regionais, parece não haver
69
alternativa para as nações africanas a não investir decididamente nesta proposta ser de
unificação, capaz de otimizar o aproveitamento das grandes riquezas do continente,
fortalecendo sua posição negociadora e estimulando os intercâmbios econômico, científico e
cultural entre os povos da região. Acima de tudo, parece ser uma oportunidade absolutamente
original de reconciliar a África consigo mesma, com suas belezas e seus defeitos, com seus
valores e tradições, com sua riqueza e diversidade. É uma chance de encarar seu passado sem
as pressões do colonialismo e das rivalidades interestatais, na perspectiva de uma melhor
compreensão de seu complexo presente e ante o horizonte da construção de um grande futuro.
70
Valores Civilizatórios
http://www.canalfutura.org.br/acordacultura/main.asp?View=%7B58E05740-E0AB-469A-AD03-A4EB36683164%7D
Os afro-brasileiros estabeleceram, a partir da observação do que há de melhor na sua
cultura, dez valores civilizatórios para viver de acordo. Na verdade, são pequenas bússolas
que devem ser consultadas diariamente, visto que fogem a linearidade e se interpenetram,
obedecendo a fluxos de conexões de variadas naturezas.
Oralidade
Herança direta da cultura africana, a expressão oral é uma força comunicativa a ser
potencializada. Jamais como negação da escrita, mas como afirmação de independência. A
oralidade está associada ao corpo porque é através da voz, da memória e da música, por
exemplo, que nos comunicamos e nos identificamos com o próximo.
“Griots são contadores de histórias fundamentais para a permanência da humanidade:
são como um acervo vivo de um povo. Carregam nos seus corpos lendas, feitos, canções e
lições de vida de uma população, envoltos numa magia própria, específica dos que encantam
com o corpo e com sua oralidade.” (Gregório Filho)
71
Circularidade
Todos nós conhecemos o prazer que advém do ato de sentar com os amigos para
contar histórias, fazer música, brincar com jogos ou manifestar a religiosidade. Os próprios
valores civilizatórios são bons exemplos de circularidade. A vida é cíclica. Podemos estar
muito bem agora e numa posição ruim depois até que voltemos a um estado satisfatório. A
humanidade inteira permanece unida por este sentimento circular.
“O terreiro tem o papel importantíssimo de resgatar a Mãe África, mesmo que
através de uma nostalgia, de um lamento. E é esse território representado pelo círculo que vai
reaparecer em várias atividades, de cunho religiosos e também no espaço lúdico (como na
hora da rodinha por exemplo). Essa mesma roda está presente na capoeira, no jongo, no
tambor de criola, na gira da umbanda e no samba.”
Energia Vital / Axé
O princípio do axé é a vontade de viver com vigor, alegria e brilho no olho,
acreditando na força do presente. Em nada se assemelha à normas, burocracias, métodos
rígidos e imutáveis. Pelo contrário. Tudo é uma possibilidade para quem é guiado pelo axé.
“Perdi os dedos, mas não a força e a vontade de esculpir. Aprendi a usar os joelhos
como que usa os pés. Amarrei os instrumentos às mãos para continuar a trabalhar. Afinal, a
criação nasce na cabeça, não na ponta dos dedos (Heróis de Todo Mundo, programa sobra
Aleijadinho).”
Musicalidade
Famosa no mundo inteiro pela sua qualidade inconteste, a música brasileira tem os
dois pés bem fincados no Continente Negro. Quem resiste aos encantos de uma batucada? A
musicalidade, a dimensão do corpo que dança e vibra em resposta aos sons só reafirma a
consciência de que o corpo humano também é melódico e potencializa a musicalidade como
um valor.
“O som é o ponto dos primeiros habitantes do globo terrestre rumo à formação dos
primeiros habitantes do globo terrestre rumo à formação dos primeiros agrupamentos
humanos que, no curso da evolução, irão constituir a nossa civilização. A importância da
música, da qual o som é a matéria-prima, é superior à descoberta do fogo, ou à invenção da
roda ou da imprensa”. (Charles Murray)
Corporeidade
Este conceito nos ensina a respeitar cada milímetro do corpo humano, que deve estar
presente em cada ação e em diálogo com outros corpos. As demandas corporais devem ser
consideradas. Afinal, o corpo atua, registra nele próprio a memória de várias maneiras, seja
através da dança, da brincadeira, do desenho, da escrita, da fala. Das músicas às danças, com
tudo o que elas anunciam e denunciam. Os corpos dançantes revelam memórias coletivas.
“Aprendemos que as danças circulam e que o corpo informa sobre a vida de cada
dançarino.” (Antonio Nóbrega)
Religiosidade
Para nação afrodescendente, religiosidade é mais do que religião: é um exercício
permanente de respeito à vida e doação ao próximo. A propósito, em tempos de tanta
violência gratuita, vale pontuar que a vida é um dom divino, de caráter transcendental, e deve
ser usada para cuidar de si e do outro.
72
“A cada dia acontece uma lição de vida. Aprende-se de tudo, a comunicação com os
mais velhos, com os mais novos, o trabalho em grupo fazendo-se o que gosta ou que não
gosta, e, sobretudo, aprende-se o gosto pela vida, numa estreita relação com o Orixá”. (Mãe
Stella)
Ludicidade
Entre suas variadas utilidades, os jogos sempre viabilizaram o aprendizado. Também
serviram para transmitir as conquistas da sociedade em diversos campos do conhecimento.
Quando os membros mais velhos de um grupo revelam aos jovens como funciona um
determinado jogo de tabuleiro, por exemplo, eles transmitem uma série de conhecimentos que
fazem parte do patrimônio cultural daquele grupo.
“Antigamente, o jogo era associado a ritos mágicos e sagrados. Dependendo do
lugar, era reservado apenas para os homens, ou para os homens mais velhos, ou, ainda, era
exclusivo dos sacerdotes”. (Os Melhores Jogos do Mundo)
Memória
Para despertar o sentimento de aro-brasilidade e, sobretudo, de orgulho ao exibi-la, é
necessário mexer no eixo do racismo e da memória: o racismo como algo a ser enfrentado e a
memória para que a presença africana que habita em nós possa emergir livremente.
“Numa sociedade que exclui, oprime, oculta conflitos e as diferenças sob a ideologia
da igualdade, ainda que seja um fato biológico, ainda que sejamos memoriosos e
memorialistas, a memória é um valor, um direito a conquistar.” (Marilena Chauí)
Ancestralidade
Quando se pensa em ancestralidade, faz-se uma imediata ponte com a história e a
memória. Convém não esquecer o passado. Não há fórmulas complexas para vivenciar o que
é, de fato, a ancestralidade. Quer provar? Então saia em busca do relato dos mais velhos, que
trazem o rico imaginário afro-brasileiro.
“A memória compõe nossa identidade. É por intermédio da memória que
construímos nossa história. Ao construir a memória, construímos lembrança, que para existir
precisa do outro e necessita ser compartilhada. Assim também é a obra de arte.” (Franklin
Esparth Pedroso)
Cooperativismo / Comunitarismo
Falar sobre cultura negra requer usar a palavra ‘coletivo’. Pensar em africanidades é
pensar em comunidade, em diversidade, em grupo. Imaginem o que teria acontecido com a
população negra num sistema escravocrata se houvessem desprezado o princípio da parceria,
do diálogo, da cooperação? E ainda nos dias que corre, nesta sociedade racista excludente?
“Durante séculos os povos da África Central tinham lidado com a diversidade étnica,
desenvolvendo tradições religiosas comuns e compartilhado formas culturais. Essas
habilidades eles as transmitiram para o Brasil, onde utilizaram indiscutivelmente técnicas
similares para lidar com a diversidade cultural.” (Karasch)
73
A religiosidade dos escravos africanos
A partir do século XVI, os primeiros navios negreiros, chamados tumbeiros,
trouxeram africanos que iriam trabalhar como escravos nas plantações de cana-de-açúcar e
nos engenhos coloniais. Esses indivíduos trouxeram consigo sua cultura, da qual faziam parte,
cultos e crenças em divindades como os orixás.
Introduzido no Brasil por algumas nações africanas, com diferentes identidades
étnicas, o culto aos orixás expressa essas diferenças na língua em que é praticado, na forma de
tocar os instrumentos de percussão (atabaques) ou, ainda, nos nomes dados aos orixás.
Por exemplo, essas diferenças étnicas aparecem nos tipos de candomblé: o queto e o angola,
praticados nos terreiros da Bahia: o xangô, em Pernambuco; o batuque, no Rio Grande do Sul:
e o angola, em São Paulo. Além disso, há outras variações de culto, como a umbanda e a
quimbanda, por exemplo.
Durante séculos, a realização de cultos aos orixás era proibida no Brasil. Apesar
disso, os afro-brasileiros mantiveram suas práticas religiosas dando aos seus deuses os nomes
dos santos católicos.
No Haiti, na América Central, os africanos foram obrigados a praticar o cristianismo.
Entretanto, às escondidas, realizavam cultos afros, que, misturados aos símbolos e cerimônias
da religião católica, deram origem ao vodu. Essa mescla de religiões chama-se sincretismo.
As religiões africanas no Brasil
escravista
No século XIX, as ruas das principais cidades brasileiras estavam sempre cheias de
escravos oferecendo legumes e galinhas, vendendo aluá (bebida fermentada feita de abacaxi) e
bolo de milho, transportando potes de água, cadeirinhas de senhoras, sacos de mantimentos e
fardos de tecidos que chegavam pelos navios de outros lugares da costa brasileira e do outro
lado do oceano.
Os estrangeiros que aqui desembarcaram, principalmente depois da mudança da
família real portuguesa para o Rio de Janeiro e da abertura dos portos brasileiros para as
nações amigas em 1808, expressaram seu espanto ao encontrar na América um pedaço da
África, representada pela quantidade e variedade de africanos, visíveis em todo lugar.
Os africanos recém-chegados encontravam, porém, os ladinos e os crioulos vivendo
uma cultura híbrida, na qual aspectos africanos e portugueses se misturavam ou conviviam
lado a lado. Nesses intercâmbios entre negros e brancos, africanos e portugueses, sempre com
um tempero ameríndio aqui e ali, não só os escravos e negros livres eram expostos às
influências de seus senhores, como estes também se relacionavam com as práticas daqueles,
algumas vezes recorrendo a saberes africanos para cuidar dos males que os afligiam. Como
vimos, a classe senhorial conhecia pouco a vida das comunidades negras, mas alguma coisa
sabia, principalmente, no que diz respeito as suas temidas práticas mágico-religiosas, que
podiam tanto curar como matar.
O que nós chamamos de práticas mágico-religiosas, por meio das quais os homens
entram em contato com entidades sobrenaturais, espíritos, deuses e ancestrais, era um aspecto
central da vida de todos os africanos, assim como viria a ser na de seus descendentes
brasileiros. Dessa forma, a religião foi uma das áreas em torno da qual eles construíram novos
74
laços de solidariedade, novas identidades e novas comunidades. Além disso, em razão da
repressão voltada contra elas, temos mais informações sobre as práticas religiosas realizadas
num passado mais distante, nos séculos XVII e XVIII, do que sobre temas como a
organização familiar ou as associações de trabalho. Por serem associadas a ritos demoníacos
duramente perseguidos pelo Tribunal da Inquisição, elas eram denunciadas, o que gerou a
abertura de processos, nos quais testemunhas eram ouvidas e eram descritos muitos ritos,
crenças e práticas de adivinhação, de proteção e de cura.
Como vimos, entre os africanos, o sobrenatural era acionado por especialistas que
dominavam os conhecimentos necessários para que as entidades do além pudessem ajudar a
solucionar questões da vida cotidiana. Os problemas que os escravos e libertos tinham na
sociedade escravista eram bem diferentes daqueles que afligiam os agricultores e pastores das
aldeias que viviam livres na África, mas a maneira como uns e outros lidavam com eles era
parecida, uma vez que os afro-descendentes se mantinham próximos da maneira de pensar de
seus antepassados. Especialistas em curas e adivinhações, intermediários entre o mundo dos
homens e o dos espíritos e ancestrais, chamados de feiticeiros ou curandeiros pelos
portugueses que os haviam escravizado e trazido para o Brasil, tornavam-se membros
importantes de certas comunidades que usavam seus serviços e conhecimentos.
Nos grupos em que a influência banta era majoritária, as pessoas recorriam a ritos de
adivinhação para identificar culpados de atos condenáveis como roubo e assassinato,
encontrar pessoas desaparecidas, curar doenças (que eram muitas em vida tão árdua), amansar
senhores, conquistar o sexo oposto, fechar o corpo contra agressões e cuidar de muitas outras
coisas que afligiam os africanos e seus descendentes nascidos no Brasil. Praticava-se uma
grande variedade de ritos que permitiam que as forças do além agissem, às vezes, por meio da
possessão, com a descida dos espíritos invocados sobre o corpo dos sacerdotes, que tornados
por eles permitiam que se comunicassem com os interessados, orientando-os quanto à solução
dos problemas.
Outras vezes, os sacerdotes liam os indícios do além, por meio de oráculos, como
pontos riscados no chão, sobre o qual jogavam pedras, conchas, contas; consulta a cabaças
com conteúdos misteriosos, de onde saíam vozes; bacias de água na qual apareciam imagens a
serem decifradas. Conforme o resultado das consultas, medidas tinham de ser tomadas para
que a normalidade fosse restabelecida, ou para que o objeto desejado fosse alcançado.
Compostos de beberagens e pós deviam ser feitos à base de ingredientes incomuns: extratos
de plantas, dentes, garras e penas de animais, unhas, cabelos e secreções do corpo da pessoa
objeto da magia.
A angolana Luzia Pinta foi uma liberta denunciada à Inquisição em 1740 por realizar
ritos elaborados, em frente a um altar e ao som de tambores e címbalos, nos quais ouvia
ventos que lhe entravam pela cabeça e aconselhavam os que procuravam. Vendida para o
tráfico atlântico, chegou ao Brasil em torno de 1711, ainda mocinha, vinda de Luanda, onde
nasceu escrava, de pais escravos.
Os ritos que praticava, conforme as descrições contidas no processo, tinham nítidas
feições centro-africanas, mas nos interrogatórios pelos quais passou, alguns deles depois de
intensas sessões de tortura, como era comum aos que eram jogados nos cárceres da Inquisição,
apareceram vários elementos católicos. A acusada atribuía seus poderes aos santos católicos à
Virgem Maria e a Deus, e não às forças diabólicas, como os inquisidores queriam ouvir. Em
1744, foi condenada ao exílio no Algarve, quando tinha cerca de cinquenta anos, depois de
sofrer alguns anos em prisão insalubre e nas sessões de tortura, sem nunca admitir ter pacto
com o diabo. Depois disso não sabemos mais nada sobre ela.
Esse é um dos casos mais lembrados, dentre os conhecidos, mas há outros, nos quais
os ritos descritos são muito semelhantes aos que aparecem nos textos dos missionários que
percorreram a região do Congo e de Angola ganhando almas para Cristo e descrevendo o que
viam. No Brasil, os ritos desse tipo eram chamados de “calundus”, palavra de origem banto
que foi associada ao termo “kimbundo quilundo”, um nome genérico para qualquer espírito
75
que possuísse uma pessoa, geralmente, como punição pela falta de respeito ou veneração de
um espírito ancestral, que acabava por debilitar e até mesmo matar aquele que fosse possuído.
“Quilundo” provavelmente tornou-se, na África central, um termo referente a qualquer
possessão por espíritos, e no Brasil “calundu” também adquiriu um sentido geral de possessão
por espíritos entre as comunidades negras, além de designar um estado de espírito sombrio.
Quando analisamos os procedimentos dos ritos feitos no Brasil, os gestos e objetos
envolvidos, as situações, os fins a que se destinavam, percebemos as semelhanças dos
“calundus” com os rituais de possessão centro-africanos conhecidos como xinguila, nos quais
um espírito falava pela boca do médium. Segundo a descrição de Antonio Cavazzi,
missionário que assistiu aos imbangalas realizarem esses ritos no século XVII, o xinguila, ou
seja, o homem ou a mulher que recebia o espírito dava as ordens às pessoas presentes,
enquanto os músicos tocavam os instrumentos. No entender do missionário, era o demônio
que estava sendo invocado ali. Diz ele que em dado momento o médium, ou feiticeiro, ficava
quieto por uns minutos, então começava a se agitar, se contorcer, revirar os olhos e falar
coisas extravagantes, depois de dizer qual era o ancestral que a partir de então falava por sua
boca. Dizia ainda, o capuchinho, que os imbangalas procuravam esses feiticeiros, porque
acreditavam que eles sabiam tudo o que se passava na outra vida. Eles eram tratados como se
fossem semideuses e respondiam às perguntas que eram feitas não a ele, mas ao espírito
consultado.
Outra prática muito comum entre a comunidade negra eram as bolsas de mandinga,
ou seja, pequenos sacos de pano ou de couro usados junto ao corpo, pendurados no pescoço,
cintura, dentro dos quais estava costurada uma variedade de ingredientes. Estes podiam ser de
origem animal, vegetal e mineral, mas o mais importante deles eram papéis dobrados nos
quais estavam escritas orações católicas ou muçulmanas. Aparas de pedra-d 'ara, sobre a qual
a hóstia e o vinho da missa eram consagrados, ou deixar o papel da oração sob esta pedra
quando a missa era rezada, eram elementos importantes nas bolsas que continham orações
católicas.
Tudo indica que o hábito de fazer e usar as bolsas de mandinga tenha se espalhado a
partir da região habitada pelo: mandes, ou mandingas, antigos súditos do reino do Mali na
região da Alta Guiné, onde o islamismo se misturou às religiões tradicionais. Os guerreiros
daquela região geralmente levavam não uma, mas várias bolsas penduradas no corpo, pois,
com isso, acreditavam, eles se tornariam invulneráveis às armas dos inimigos. Elas foram
usadas na África, em Portugal e no Brasil, e atribuía-se a elas o mesmo poder que talismãs e
amuletos têm nas mais diversas culturas e épocas. Já foram consideradas as práticas mágicoreligiosas mais mestiças do Brasil colonial, agregando elementos cristãos, islâmicos,
ameríndios e africanos tradicionais.
Outro conjunto importante de práticas e crenças mágico-religiosas de matrizes
africanas que germinou no Brasil foram os candomblés, sendo do século XIX as primeiras
referências a eles. Apesar de o termo pertencer a língua banto, no Brasil se refere a cultos
religiosos de origem iorubá e daomeana. Neles, as principais entidades sobrenaturais são os
orixás, quando a inf1uência iorubá é maior, e voduns, quando a inf1uência daomeana se
destaca. Na Bahia, os iorubás também ficaram conhecidos como nagôs, e os daomeanos como
jêjes.
Os orixás e voduns são entidades ancestrais e heróis divinizados, fundadores de
linhagens, reinos e cidades-estado sendo eles não só a origem da organização social e política,
como aqueles que orientam toda ação dos homens em sua vida terrena à semelhança do que
ocorre entre os povos bantos. Também se comunicam por meio de sacerdotes que, ao serem
por eles possuídos, lhes permitem entrar em contato direto com quem os consulta em busca de
orientação e solução para os mais diversos problemas. No século XVIII, as cerimônias desse
tipo eram chamadas de “calundus”; a partir do século XIX, elas passaram a ser chamadas, de
candomblés e seus líderes ficaram conhecidos como pais e, principalmente, mães de santo,
76
sendo o santo o nome genérico, de nítida inf1uência católica, dado a entidade incorporada
durante a possessão a qual o culto é dirigido.
As casas que abrigavam candomblés e os sacerdotes que estavam a sua frente foram
importantes polos de organização das comunidades negras, mesmo perseguidas pela polícia
até meados do século XX, quando começaram a ser aceitas como espaços legítimos de
exercício de religiosidades afro-brasileiras. A repressão estava ligada não só ao tipo de prática
ali exercida, que ainda era relacionada a forças diabólicas, mas principalmente ao medo que os
ritos das comunidades negras despertavam. Mesmo em tempos de liberdade, e ainda mais
durante a vigência da escravidão os negros, principalmente quando reunidos, eram vistos
pelos grupos dominantes como ameaça potencial à ordem estabelecida.
Além dos ritos de possessão nos quais espíritos ancestrais e divinizados entravam em
contato com os também ritos de adivinhação, eram comuns entre as comunidades compostas
majoritariamente por grupos iorubás. Havia várias formas de consultar os oráculos como o de
Ifá, quando se jogavam nozes de cola sobre uma tábua esculpida, mas aquelas formas nas
quais eram usados búzios, se tornaram as mais disseminadas.
Principal maneira de lidar com as adversidades da vida cotidiana, as religiões foram
especialmente importantes na construção de comunidades negras na sociedade brasileira
escravista. Em torno de sacerdotes, especialistas que conheciam ritos de comunicação com o
além, de onde se supunha virem soluções para muitos problemas, grupos construíram
identidades, nas quais também eram consideradas as áreas de origem dos seus membros, ou
dos antepassados destes.
O catolicismo negro
Não foram, contudo, só as religiões de origem africana que ajudaram na construção
de novas solidariedades e identidades. O catolicismo, que deveria ser ensinado a todo africano
escravizado, era uma das principais obrigações dos senhores e também serviu de caminho para
a organização de novas comunidades negras, principalmente, quando agrupadas em
irmandades leigas de devoção a um determinado santo. Essas associações religiosas de
"homens pretos" eram não só aceitas como estimuladas pela Igreja Católica e pela
administração colonial. Mas esse lado oficial das irmandades não serviu apenas de
instrumento de controle sobre as comunidades negras: elas também foram um espaço de
organização e construção de novas identidades.
Os principais santos de devoção das irmandades de "homens pretos" eram Nossa
Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito. Além de cuidar do culto do santo elas
faziam o enterro dos irmãos mortos, mandavam rezar missas pelas suas almas e amparavam
suas famílias, caso elas não tivessem nenhum recurso. Cuidavam dos irmãos doentes e
algumas vezes tinham uma poupança para comprar a liberdade de alguns deles. Mas o
principal momento na vida da irmandade era a realização da festa do seu “orago”, ou seja, o
santo ou invocação de Nossa Senhora a qual era dedicada, que deveria acontecer todo ano. Era
frequente a coroação de rainhas e reis negros nessas festas, sendo eles muito importantes na
vida das comunidades as quais pertenciam.
Os reis negros ligados às irmandades eram coroados na igreja e festejados com
danças e cantos pelas ruas, ao som de ritmos e instrumentos de origem africana. No dia da
festa do santo saíam em cortejos que chamavam a atenção de todos, despertando em uns
sentimentos de reprovação, em outros de curiosidade. Esses reis, que tinham sua autoridade
reconhecida enquanto durava a festa em torno deles, geralmente líderes das comunidades que
os escolheram, eram procurados durante todo o ano para resolver problemas que surgissem
entre seus membros, ou entre estes e seus senhores ou representantes da ordem colonial.
Acostumados a ter, onde nasceram, um chefe que zelava pelo seu bem-estar e que resolvia as
disputas, os africanos frequentemente também escolhiam um líder nas comunidades que iam
77
organizando no Brasil. Tal costume foi adotado pelos
seus descendentes e incorporado às festas dos santos
católicos cultuados pelos negros.
Até o século XVIII, eram mais comuns os
chamados "reis de nação", que tinham ascendência
sobre um grupo com origem africana comum, como
os chamados “angolas”, “minas”, ou mesmo
designações mais especificas, como “rebolo” e
“cassanje”. No século XIX, todos eles passaram a ser
chamados de “rei do Congo”, agrupando sob seu
manto comunidades negras que percebiam menos
suas diferenças internas e ressaltavam a origem africana que unia a todos.
O fato de os reis do Congo, em terras africanas, terem adotado o catolicismo no final
do século XV e de os reis portugueses por muito tempo tê-los considerado governantes de um
reino irmão teve peso na escolha dessa designação para todos os reis negros festejados pelas
irmandades.
Por meio dos “reis do Congo”, algumas comunidades negras afirmavam uma
identidade africana que a todos unia, ao mesmo tempo que suas formas de organização eram
aceitas pelos administradores coloniais, que viam na rememoração do reino do Congo cristão
um sinal da inserção pacífica dos negros da sociedade escravista brasileira.
Os africanos e afrodescendentes de origem banto, vindos da região de Angola e do
Congo podiam aceitar o catolicismo ou alguns de seus elementos quando se ornavam
membros de uma irmandade ou quando haviam tido contato com o catolicismo ainda na
África. Principalmente, no caso de escravos que viveram por um período em Luanda ou em
outro centro de colonização portuguesa. Esse contato antigo com o catolicismo, ou com suas
formas africanas, facilitou o aparecimento, no Brasil, de ritos religiosos com estruturas
africanas, mas com a incorporação de elementos católicos. Assim, os ritos de possessão,
adivinhação e cura, muito parecidos na forma e na intenção com aqueles que eram feitos na
região de Angola, adotaram elementos do catolicismo, mas se mantiveram essencialmente
africanos. Imagens de santos e de Nossa Senhora apareceram nos altares dos ancestrais e
espíritos, que eram representados por pedras, esculturas de madeira, cabanas, cestas, panelas e
trouxas com ingredientes diversos.
Não só os centro-africanos, porém, receberam influência do catolicismo. Como já
vimos, as bolsas de mandinga, originárias da região do antigo reino do Mali, que continham
originalmente escritos árabes com poderes de proteção, no Brasil colonial se combinaram com
as influências lusitanas e passaram a conter também orações católicas e lascas de pedra-d'ara.
Também os cultos jêjes e nagôs, aos voduns e orixás, adotaram santos e rezas católicas,
incorporando-os ao seu panteão de representações e ritos re1igiosos, sem alterar a natureza
das antigas crenças nem a maneira de se relacionar com o sobrenatural.
Outro sinal de que o catolicismo muitas vezes passou a fazer parte da intimidade e da
vida cotidiana de africanos no Brasil, e principalmente de seus descendentes, são algumas
imagens de santos católicos, esculpidas em madeira e às vezes em osso. Podiam estar em
altares de igrejas e capelas, guardadas em casa, em altares domésticos, entre os objetos mais
preciosos ou trazidas junto ao corpo e geralmente tinham características de um amuleto,
portador de boa sorte e saúde. Por meio dessas imagens, mais próximas das esculturas
africanas do que dos santos portugueses, os afro-brasileiros obtinham a interferência do além
nos assuntos que lhes afligiam, da mesma forma que faziam os habitantes do “rei no do
Congo” com os minkisi, ou os portugueses e seus descendentes com as promessas para seus
santos de devoção. Os exemplos mais abundantes desse tipo de imagem são pequenas
representações de Santo Antônio feitas no século XIX, de poucos centímetros, que foram
coletadas na região do vale do rio Paraíba paulista.
Nessa época, era grande o número de escravos trazidos da região de Angola, onde o
catolicismo já estava presente havia cerca de trezentos anos e onde Santo Antônio era muito
78
popular. Esses escravos vindos de Angola foram quase todos trabalhar nas plantações de café
paulistas. No seu novo ambiente, reproduziam suas tradições ao mesmo tempo que construíam
uma vida diferente, conforme os contatos que fizessem e as oportunidades que percebessem.
Se já na África faziam pequenas esculturas de Santo Antônio e de Nossa Senhora, que
chamavam de Toni Malau e Sundi Malau, ao travarem um contato mais intenso com o
catolicismo, e1emento importante da sociedade escravista brasileira, a re1ação com os santos
católicos e suas representações ficou mais forte. As muitas imagens de santos esculpidas em
estilo nitidamente africano são testemunho de como o catolicismo e formas mestiças de
catolicismo foram adotados por afro-descendentes, que assim iam se integrando à sociedade
brasileira, da qual também eram formadores, mesmo que na qualidade de explorados e
oprimidos.
IRMANDADES LEIGAS NO BRASIL
As irmandades eram associações leigas, voltadas para o culto de um santo, o seu
orago. Cada irmandade tinha um santo de devoção, cujo altar era mantido por ela. A maioria
das igrejas coloniais foi construída por irmandades, que também eram responsáveis pela sua
manutenção. As irmandades possuíam bens, como a própria igreja, mas principalmente
imagens de santos e objetos utilizados nos cultos religiosos. Além de cuidar do patrimônio que
pertencia ao conjunto de irmãos - nome pelo qual eram chamados os seus membros-, suas
principais responsabilidades eram fazer a festa do orago e cuidar do enterro e das missas por
ocasião da morte de um irmão. Estes deviam pagar uma anuidade, além de contribuir para a
realização das festas na proporção de suas posses. As irmandades eram regidas por um
conjunto de regras chamadas de "compromisso", que deveriam ser aprovadas pela Igreja
Católica. Ali estavam fixadas as normas pelas quais deveriam ser administradas e as
obrigações e os direitos dos irmãos.
Os compromissos das irmandades estabeleciam quem poderia ser membro da
associação, quanto deveria pagar de anuidade, quais os seus deveres, como seria eleita a mesa
administradora e como seria a sua composição. As irmandades eram formadas por pessoas de
origem étnica semelhante, sendo compostas por brancos, negros ou pardos (nome pelo qual
eram chamadas as pessoas mestiças). Essas associações separavam as pessoas conforme suas
categorias sociais, sendo não só um espaço para praticar a vida religiosa como também para
marcar distinções e hierarquias entre os diferentes grupos. O lugar que ocupavam nas
procissões e a forma como se apresentavam tornavam pública sua maior ou menor riqueza e o
lugar que seus membros ocupavam no conjunto da sociedade. As irmandades eram
organizações importantes no período colonial, mas com a formação de um estado imperial,
a partir de 1822, foram substituídas gradativamente por outras formas de organização regidas
ela esfera civil e não mais pela esfera religiosa.
79
Origem e Fé
Origem
Mais de quatro milhões de africanos foram obrigados a cruzar o oceano,
amontoados nos porões infectos e sufocantes dos navios negreiros, em direção a uma vida
desumana de escravidão no chamado ‘novo mundo’. Este número estimado por
pesquisadores equivale a cerca de 40% do contingente de negros que desembarcaram nas
Américas, entre o final do século XV e o século XIX.
Uma quantidade significativa de africanos que aportaram no país vieram da Bacia
do rio Congo, de Moçambique, do Golfo de Guiné e de Angola e foram distribuídos por
quase todo o território brasileiro, para realizar o trabalho braçal nos engenhos e nas usinas de
cana, nas minas e nas plantações de café. Ainda hoje é possível identificar a herança da
diversidade cultural africana em estados como Maranhão, por onde passaram centenas de
negros do antigo Daomé, e Bahia, conhecida pela influência iorubá.
A distribuição aleatória dos grupos africanos pelo país originou diferentes tradições
religiosas, como o candomblé de nação ketu, oyó e ijexá nos terreiros baianos, o batuque
gaúcho, o xangô pernambucano e a mina maranhense. Muitas destas linhas mesclam
elementos iorubás, bantos e jêjes, assim como suas variadas línguas, culturas e crenças
religiosas num fenômeno que passou a ser conhecido como a diáspora africana.
“O conceito de diáspora tenta aproximar as experiências que os descendentes de
africanos desenvolveram a partir das inúmeras áreas onde eles foram alocados. Existem
várias semelhanças religiosas, culinárias, estéticas e até mesmo corporais – na maneira de
andar e de vestir, por exemplo – que foram preservadas por esses povos espalhados pelo
planeta. A idéia de diáspora é uma tentativa de entrelaçar todas essas diferenças, mas
preservando uma característica em comum, que é trazer para aquele lugar onde esses
africanos foram colocados o que de mais importante existia no seu cotidiano na África: O
mundo simbólico, o batuque, a dança e as celebrações divinas. Tudo isso vai aparecer com
características um pouco distintas, mas com estruturas muito semelhantes, seja em Cuba, no
Brasil, no sul dos Estados Unidos ou no Caribe”.( Júlio Tavares – antropólogo)
“Os angolanos e os congueses chegaram primeiro aqui. A partir de 1580, já havia
uma grande quantidade de escravos na Bahia. Os negros de Angola foram escravizados junto
com os índios nas fazendas dos jesuítas e de certos senhores de engenho. Eles receberam dos
indígenas o segredo das plantas da terra e criaram os primeiros candomblés, chamados de
“calunduns”.
Houve uma primeira tradição na história do candomblé brasileiro que foi criado
pelos congos e pelos angolas, misturados com os indígenas. A próxima leva de escravos
africanos que vêm são os jêjes. Eles são muito importantes, numericamente, no século XIX.
Eles já encontram uma tradição organizada, herdam vários elementos, mas trazem muitos
recursos importantes da própria tradição jêje e criam uma segunda tradição aqui.
Ainda há um terceiro momento, dos nagôs e iorubás, que são os últimos a chegar,
mas vêm com tradições poderosíssimas, que trazem muitas novidades também, mas que
absorvem essa terminologia, essa organização espacial. Tanto é que dentro do candomblé de
“ketu” existem vários termos de Angola e do jêje, que foram absorvidos. Ou seja, o
candomblé de “ketu nagô” trouxe tradições que influenciaram todos os demais, mas, por sua
vez, eles também absorveram tradições que já estavam instaladas aqui”.
Além de se misturarem entre si, as tradições africanas também receberam
influências das culturas indígena e portuguesa. Este cruzamento é a base da criação de
religiões como a umbanda, o catimbó e a jurema nordestina.Para onde quer que olhemos,
80
vamos encontrar uma sonoridade, uma palavra, um sabor, uma obra de arte e também o
resultado de anos de trabalho dos negros africanos. A influência daquele povo está para além
do que enxergamos no mundo visível, neste nosso aiyê. Ela também reorientou a nossa fé
(Renato Silveira – pesquisador)
“Foi através da religião que essa experiência se unificou. Claro que eram muitas as
formas de adorar o divino e essas formas foram preservadas de maneira muito forte. Além
disso, essa preservação trazia aquilo que havia de mais importante para os africanos
deserdados: a celebração do território. A religiosidade traz, sobretudo, uma imagem do
território perdido, que é concretizado no terreiro.
O terreiro tem o papel importantíssimo de resgatar aquele território nativo, mesmo
que através de uma nostalgia, de um lamento. E é esse território representado pelo círculo
que vai reaparecer em várias atividades, de cunho religioso e também no espaço lúdico. Essa
mesma roda está presente na capoeira, no jongo, no tambor de crioula, na gira da umbanda e
no samba”
No fim do século XVIII, de cada dez habitantes da cidade de Salvador, seis eram
negros. E desses seis, a metade tinha vindo da atual Nigéria. Eram os Iorubás, aqui
chamados de nagôs.
Apesar da religiosidade africana existir no nosso país desde a chegada do primeiro
escravo, somente no século XIX as religiões afro se organizaram de forma sistemática. Um
marco desse movimento foi a abertura de terreiros, como a Casa Branca do Engenho Velho,
o mais antigo do Brasil.(JúlioTavares–antropólogo)
“É um equívoco, quando se fala em Bahia, pensar só em iorubá. Os iorubás
chegaram depois, quando já havia negros na Bahia. O recôncavo e a zona rural estão aí para
comprovar. Você encontra tantos sinais da presença banto, que talvez a gente nem
identifique mais porque já é brasileiríssimo, já está misturado. O povo banto chegou no
início do tráfico de africanos, quando os portugueses nos colonizaram. Eles formaram, com
indígenas e os próprios portugueses, a cultura do povo brasileiro”(Valdina Oliveira Pinto –
Pesquisadora baiana)
“Os escravos rurais, provenientes do território banto da África, foram os que mais
contato tiveram com os indígenas. Certamente trocaram experiências no campo das plantas,
da medicina dos vegetais e até no campo religioso mesmo. Independente da importância dos
outras matrizes, uma coisa é certa: a matriz banto foi a mais influente na africanidade do
Brasil”.( Nei Lopes – pesquisador e compositor)
Fé
Desde os primórdios, os humanos cultuam as divindades a fim de assegurar o
equilíbrio das forças vitais do universo. Junto com poderes, os orixás receberam tarefas. Exu,
Ogum e Oxóssi, por exemplo, atuam como guardiões. Alguns reinam sobre as águas, como
Iemanjá e Oxum. Iemanjá também está vinculada à infância e à maternidade, assim como
Ibeji. Ossaim e Oxumarê são as entidades da natureza. O ambiente de Xangô é regido pelo
fogo. Já Omolu e Nanã atuam sobre a saúde da humanidade, o que implica, muitas vezes, na
doença e na morte.
Exu, o princípio dinâmico que rege a vida, e Ifá, encarregado de transmitir os
propósitos dos orixás aos homens, são as duas divindades que aparecem com destaque nos
rituais afro-brasileiros. A casa de Exu fica próxima à entrada dos terreiros com o objetivo de
proteger o espaço sagrado. Muitas vezes confundido com o conceito cristão de demônio, Exu
é, na verdade, uma força que possibilita a ligação entre este mundo físico, Aiyê, e aquele
habitado pelas divindades, Orum.
“As divindades do panteão negro são princípios cosmológicos, ou seja, a
explicação de como e por que o homem foi instalado no mundo. Isso ocorre com Xangô,
81
Ogum e todos os orixás. Cada um é dotado de preceitos explicativos acerca dos humanos.
Exu é visto como perigoso porque traz o que é instável. É ele quem transporta a fala, o
fundamento da comunicação, e também está relacionado à sexualidade, que, em movimento,
é considerada perigosa.” Muniz Sodré – escritor
Quando os antropólogos anglicanos chegaram à África e estudaram o sistema nagô,
encontraram o Exu e toda a simbologia que há por trás desta divindade. Então, pensaram ‘se
é tão livre sexualmente, se não tem fixidez, é o diabo’. Foi assim que Exu passou a ser
representado para o ocidente como o demônio. Claro que os próprios cultos afro-brasileiros
assumiram esta definição e, por influência do catolicismo, apresentam o Exu com aqueles
chifres.
No culto negro não existe, sequer, diabo. E todo princípio cosmológico em toda a
divindade é ambivalente, com aspectos sexuais, de perigo, de luta, de guerra e de ciúme
porque tudo isso é constitutivo da humanidade. Só que Exu é o motor do sistema, é ele quem
transporta as mensagens, é ele quem constitui a individualidade do sujeito”.
“O culto a Ifá se originou no antigo Egito, depois migrou para a África, onde se
desenvolveu e, com o tráfico de escravos, chegou ao Brasil e em Cuba. Hoje em dia, está no
mundo inteiro. O oráculo de adivinhação de Ifá, formado por 256 hinos, é muito certeiro e
revela passado, presente e futuro dos homens. Trata-se de uma cultura iorubá sobre as
energias do mar, da terra, dos ventos, dos rios e funciona como a base do que conhecemos
como Candomblé”. Rafael Zamora, babalaô
O babalaô ocupa uma importante posição nos terreiros de Candomblé. É aquele que
se dedica ao culto do Ifá, também conhecido como Orunmilá, a divindade que tem livre
acesso a todos os segredos. O babalaô usa búzios e caroços de dendê para descobrir como foi
o passado e lançar previsões sobre o futuro, transmitindo a vontade de Olorum, o deus
supremo. O babalaô está acima ao babalorixá.
“O babalorixá é o sacerdote detentor dos conhecimentos a respeito do zelo e do culto
aos orixás. Ele passa por diversos estágios de formação. Ainda na fase de abiã, quando chega
à casa de culto, recebe o fio-de-conta, sua insígnia inicial. Em seguida, faz a primeira
obrigação e vira um iaô, quando desposar o orixá. Depois, ele aprofunda seus conhecimentos
numa etapa que dura a vida inteira. E após sete anos de obrigações gradativas, ele recebe um
axé que lhe garante o posto de babalorixá ou ialorixá, no caso das mulheres. Ou seja, alguém
preparado para iniciar outras pessoas ao sacerdócio” Pai Bira de Xangô (Ilê Axé Oba
Ogodô)
82
OS ORIXÁS
L OGUN EDÉ ►Orixá jovem da caça e da pesca
Dia da semana: quinta-feira e sábado.
Cores: azul turquesa e amarelo ouro.
Domínios: margens dos rios, várzeas, cachoeiras, cursos de água, florestas e
matas.
Oferendas: papa de milho com coco, milho cozido com feijão fradinho, ipetê,
papa de coco.
EXÚ ► Orixá guardião dos templos, encruzilhadas, passagens, casas,
cidades e das pessoas, mensageiro divino dos oráculos.
Dia da semana: segunda-feira.
Cores: vermelho e preto.
Domínios: caminhos, cruzamentos, alto das montanhas.
Oferendas: padê, inhame com dendê, piquiri.
NANÃ► Orixá feminino dos pântanos e da morte, mãe de Obaluaiê.
Dia da semana: terça-feira e sábado.
Cores: branco, preto, roxo e azul.
Domínios: lama, pântanos, lodo do fundo dos rios e mares.
Oferendas: feijão fradinho, milho branco, arroz, acaçá e pipoca.
OBÁ ► Orixá feminino do Rio Obá, uma das esposas de Xangô, é a
deusa
do amor.
Dia da Semana: 2° ou 4° feira.
Domínios: Águas Turbulentas.
Oferendas: Moqueca de ovos, manga, amalá.
Cores: Vermelho e branco ou amarelo e laranja.
OGUM ► Orixá do ferro, guerra, fogo, e tecnologia.
Dia da semana: terça-feira.
Cores: azul escuro, verde e branco.
Domínios: caminhos, profundezas da terra, jazidas de ferro, praias.
Oferendas: feijoada, vatapá, inhame com feijão preto, farofa de carne de
frango desfiada.
83
OMULÚ / OBALUAYÊ ► Orixá da varíola e das doenças
contagiosas.
Dia da semana: segunda-feira.
Cores: preto, branco e vermelho.
Domínios: terra, árvores, cemitérios, estradas abandonadas, universo das
doenças.
Oferendas: pipoca, sarapatel, cuscuz, inhame.
ORIXALÁ / OXALÁ ► Orixá mais respeitado, o pai de quase todos
os orixás, criador do mundo e dos corpos humanos.
Dia da semana é a sexta-feira.
Cor da roupa e da guia: branco.
Oferendas: sua comida é a canjica de milho branco cozida com mel e o acaçá
no leite de coco, sua bebida e o aluá de oxalá ou vinho de palma, sua fruta é
pêra, uva verde, maçã verde.
Domínios: atmosfera, oceanos, alto das montanhas, céu.
OSSAIN ► Orixá das Folhas sagradas, conhece o segredo de todas
elas.
Dia da semana: terça-feira.
Cores: verde-mata, branco e preto.
Domínios: matas, florestas, raízes e folhas.
Oferendas: mandioca ou inhame, folhas de fumo, folhas de café.
OXAGUIÃ ► Qualidade de Oxalá jovem e guerreiro.
OXÓSSI ► Orixá da caça e da fartura.
Dia da semana: quinta-feira.
Cores: azul turquesa e verde.
Domínios: florestas, matas e terras virgens.
Oferendas: aprecia muito o milho cozido.
OXÚM ► Orixá feminino dos rios, do ouro, jogo de búzios, e protetora dos
recém nascidos
Dia da semana: sábado.
Cores: amarelo ouro e rosa..
Domínios: rios, nascentes, olhos d’água, lagos, cachoeiras e mares.
Oferendas: omolocun, ipetê, papa de fubá doce.
84
OXUMARÉ ► Orixá da chuva e do arco-íris, o Dono das Cobras.
Dia da semana: terça-feira.
Cores: preto, verde, amarelo ou multicolorido.
Domínios: terra, atmosfera, chuva e arco-íris.
Oferendas: batata doce, amendoim, inhame.
OIÁ / IANSÃ ► Orixá feminino dos ventos, relâmpagos, tempestades,
e do Rio Niger.
Dia da semana: quarta-feira.
Cores: vermelho terra, marrom, branco e rosa.
Domínios: ventos, cemitérios, taquaral, caminhos, águas.
Oferendas: acarajé, inhame, broto de bambu.
XANGÔ ► Orixá do fogo e trovão, protetor da justiça.
Dia da semana: quarta-feira.
Cores: marrom, vermelho e branco.
Domínios: pedreiras, minérios, lava do vulcão, raios e trovões.
Oferendas. Amalá, arroz com carne seca, ajebó, rabada.
IEMANJÁ► Orixá feminino dos lagos, mares e fertilidade, mãe de
muitos Orixás.
Dia da semana: Sábado.
Cores: branco, prata, transparências de azul e verde.
Domínios: lagoas, mares (quebra-mar) e pororocas.
Oferendas: manjar branco, canjica amarela, milho branco com mel.
Lendas dos Orixás
A ponte entre o Orum e o Aiyê
Todas as religiões do mundo tentam explicar os grandes mistérios da humanidade: De
onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?
Reza uma história africana, originária de Ketu, que no início de tudo havia o Orum, o
espaço infinito, e lá vivia o deus supremo Olorum. Certo dia, Olorum criou uma imensa massa
de água, de onde nasceu o primeiro orixá: Oxalá, o único capaz de dar vida. Olorum mandou
85
Oxalá partir e criar o aiyê, o mundo. Só que Oxalá não fez as oferendas necessárias para a
viagem e enfrentou sérios problemas no caminho.
Quem acabou criando o mundo foi Odudua, sua porção feminina. Para consolar
Oxalá, o deus supremo lhe deu outra missão: a de inventar os seres que habitariam o aiyê.
Assim, Oxalá usou a água branca e a lama marrom para criar peixes azuis, árvores verdes e
homens de todas as cores. Foram justamente os homens que, mais tarde, imaginaram formas de
adorar e representar a saga de deuses como Oxalá, Odudua, Olorum e tantos outros.
O sopro sagrado de Olorum
Quando Olorum, o senhor do infinito, fez o universo com o seu hálito sagrado, criou
junto um punhado de seres imateriais com a finalidade de povoá-lo. Estes seres, os orixás,
foram dotados de poderes fantásticos, como o domínio sobre o fogo, a água, a terra, o ar, os
animais e as plantas e também o masculino e o feminino.
No princípio, eram muitas as divindades africanas, tantas que as comparamos às cores
da exuberante África. Ainda hoje, os adeptos das religiões afro-brasileiras continuam adorando
um pequeno grupo destas divindades, que representam todos os elementos essenciais à
natureza e à vida humana.
Os povos africanos produziram uma infinidade de mitos sobre a criação do mundo e
as forças espirituais. Isso porque a necessidade de explicar o mundo em que vivemos é
praticamente tão antiga quanto a própria humanidade.
Ossaim, o malabarista das folhas
Certo dia, Ifá, o senhor das adivinhações, veio ao mundo e foi morar em um campo
muito verde. Ele pretendia limpar o terreno e, para isso, adquiriu um escravo. O que Ifá não
esperava era que o servo se recusasse a arrancar as ervas, por saber o poder de cura de cada
uma delas. Muito impressionado com o conhecimento do escravo, Ifá leu nos búzios que o
criado era, na verdade, Ossaim, a divindade das plantas medicinais. Ifá e Ossaim passaram a
trabalhar juntos. Ossaim ensinava a Ifá como preparar banhos de folhas e remédios para curar
doenças e trazer sorte, sucesso e felicidade.
Os outros orixás ficaram muito enciumados com os poderes da dupla e almejaram, no
seu íntimo, possuir as folhas da magia. Um plano maquiavélico foi pensado: Iansã, a divindade
dos ventos, agitou a saia, provocando um tremendo vendaval. Ossaim, por sua vez, perdeu o
equilíbrio e deixou cair a cabaça onde guardava suas ervas mágicas. O vento espalhou a
coleção de folhas.
86
Oxalá, o pai de todos os orixás, agarrou as folhas brancas como algodão. Já Ogum, o
deus da guerra, pegou no ar uma folha em forma de espada. Xangô e Iansã se apoderaram das
vermelhas: a folha-de-fogo e a dormideira-vermelha. Oxum preferiu as folhas perfumadas e
Iemanjá escolheu o olho de santa-luzia. Mas Ossaim conseguiu pegar o igbó, a planta que
guarda o segredo de todas as outras e de suas misturas curativas. Portanto, o mistério e o poder
das plantas continuam preservados para sempre.
No tabuleiro de Iansã
Orixá das cores vermelha e branca, Iansã é a regente do vento e dos temporais.
Segundo uma antiga história da África, Xangô, marido de Iansã, certa vez a enviou para uma
aventura especial na terra dos baribas. A missão era buscar um preparado que lhe daria o poder
de cuspir fogo. Só que a guerreira, ousada como ela só, ao invés de obedecer ao marido, bebeu
a alquimia mágica, adquirindo para si a capacidade de soltar labaredas de fogo pela boca.
Mais tarde, os africanos inventaram cerimônias que saudavam divindades como Iansã,
através do fogo. E, para isso, usavam o àkàrà, um algodão embebido em azeite de dendê, num
ritual que lembra muito o preparo de um alimento bastante conhecido até os dias que correm: o
acarajé. Na verdade, o acarajé que abastece o tabuleiro das baianas é o alimento sagrado de
Iansã, também conhecida como Oyá.
O quitute tornou-se símbolo da culinária da Bahia e patrimônio cultural brasileiro. E,
assim como ele, diversos elementos da tradição africana fazem parte do nosso cotidiano. Em
sons, movimentos e cores, a arte encontrou na religião de origem africana seu sentido, sua
essência, sua identidade.
A porção humana dos orixás
Obá, a orixá guerreira, disputava o amor de Xangô com Iansã e Oxum. Obá sentia o
corpo arder de ciúme ao ver seu amado tratar Oxum com gestos de atenção e carinho e
passou a imaginar que sua rival colocava algum tempero especial na comida para enfeitiçar
Xangô.
Certo dia, Obá foi à cozinha disposta a descobrir o segredo de Oxum. Percebendo o
ciúme de Obá, Oxum resolveu pregar uma peça na guerreira e mentiu. Disse que seu
ingrediente era, na verdade, um pedaço de sua orelha. Obá então pôs uma tasca da própria
orelha na comida e serviu para Xangô, que rejeitou o prato. Foi quando Obá se deu conta que
87
caíra em uma armadilha e desde este dia, cobre as orelhas quando dança na presença de
Oxum.
Os sentimentos humanos sempre estiveram presentes na mitologia dos orixás e na
tradição oral africana. Sentimentos que mais tarde viriam contar outras histórias, que
compõem uma literatura tipicamente feita por negros no Brasil.
A espada justa de Ogum
Ogum é um orixá benfeitor, capaz de salvar muitas vidas, mas também destruidor de
reinos. Há quem diga que, um belo dia, Ogum chegou em uma aldeia onde ninguém falava
com ele. Sempre que se dirigia a um habitante do lugar, só recebia um grande vazio como
resposta.
Pensando que todos estavam zombando dele, Ogum ficou furioso e destruiu cada
pedacinho da aldeia. Logo em seguida, descobriu que aqueles moradores permaneceram
calados porque faziam voto de silêncio e se arrependeu amargamente por haver empregado as
suas forças numa ação bélica.
Desde então, o deus da guerra jurou ser mais cauteloso e proteger os mais fracos,
sobretudo, aqueles que estiverem sofrendo algum tipo de perseguição arbitrária. Tanto no
orum, o universo, como no aiyê, a terra, a luta dos negros contra as injustiças é encarada por
corajosos guerreiros espirituais e de carne e osso.
Omolu dança só
Há muitos e muitos anos, um episódio interessante percorre a África inteira. É sobre
uma grande festa, que reunia uma lista de ilustres convidados - Oxum, Iemanjá, Oxalá, Xangô,
Oxossi, Ossaim, Obá, Logunedé, Iansã, Nanã, Ogum e Oxumaré. Todos os orixás estavam lá.
Na verdade, quase todos, porque faltava o Omolu.
Omolu ficou do lado de fora com vergonha das marcas que a varíola lhe deixara no
rosto. Ao saber disso, Ogum correu até a floresta e teceu uma roupa de palha, o ofilá, para que
o irmão participasse da festa. Omolu entrou, mas ninguém quis dançar com ele. Mesmo
cobertas, suas feridas causavam repulsa nos orixás. A corajosa Iansã foi a única que o chamou
para uma dança. E como Iansã é a orixá dos ventos, sem querer, mandou a roupa de Omolu
pelos ares!
88
Qual não foi a surpresa quando, livre do ofilá, surgiu um homem lindo, sem defeito
algum. Ao ver a beleza de Omolu, os orixás femininos suspiraram e os masculinos se
morderam de inveja. Omolu ofereceu à Iansã uma recompensa, mas, a partir daquele dia,
passou a dançar sempre sozinho nas festividades.
Retirado do site : http://www.acordacultura.org.br/
ATIVIDADES
A partir de agora, você vai ver alguns exemplos de atividades que poderá
desenvolver com seus alunos, mas lembre-se, tudo deve estar contextualizado, a
atividade desvinculada de um todo não faz sentido!
Geografia
A África não é um país, e sim um continente
Essa afirmação pode parecer absurda, mas não é. "Há uma tendência em falar da
África como se todos que ali vivem tivessem os mesmos hábitos e tradições", diz Rafael
Sânzio Araújo dos Anjos, coordenador do Centro de Cartografia Aplicada e Informação
Geográfica da UnB. Ele sugere que o professor localize em mapas os diversos povos que
vieram para o Brasil e as riquezas de cada região, principalmente as minas de ouro e
diamantes, para a turma entender os motivos da exploração.
Ao falar sobre os diversos povos, é possível destacar as contribuições de cada um para
a economia do Brasil Colônia. "Eles trouxeram para cá a melhor tecnologia dos trópicos",
informa Rafael. Tanto que os donos das terras encomendavam aos mercadores mão-de-obra
especializada para a atividade de seus domínios. Os alunos da 4ª série da Escola Estadual
Luigino Burigotto, em Limeira (SP), ficaram espantados ao saber que a enxada, o arado e
técnicas de irrigação vieram para o Brasil com os negros. A visita à Fazenda Ibicaba, do início
do século 19, ilustrou esse capítulo da aula de Geografia, onde eles conheceram a casa-grande
e a senzala construídas pelos negros escravizados.
89
Atualidades
Problemas existem em todo o mundo
Miséria, epidemias e guerras civis existem hoje nos diversos países da África. Mas
também estão presentes em outros lugares. Elaine Lavezzo, professora de Cultura
Internacional da Escola Internacional de Alphaville, em Barueri, município da Grande São
Paulo, trabalha um continente por ano com os alunos de 7a e 8a séries. Usando notícias de
jornal e livros, ela discutiu com as turmas as guerras civis em Angola e em Ruanda, a fome e a
epidemia de Aids. Os alunos do Ensino Médio trabalharam com jovens de baixa renda da
comunidade de Santa Terezinha, em Carapicuíba, município vizinho. Reunidos uma vez por
semana, eles pesquisaram problemas comuns do Brasil e dos povos africanos e produziram
um programa de rádio, em português e em inglês, que organizações não-governamentais usam
em Moçambique e em Nairóbi. Ela contou com a colaboração do professor de Inglês da
escola, Bruce Kevin Mack, que falou sobre a sua infância de afrodescendente em Washington,
capital dos Estados Unidos, e contou curiosidades de seus antepassados.
História
A África já existia antes dos europeus
O professor do Ensino Médio Jorge Euzébio Assumpção, do Colégio Estadual
Presidente Arthur da Costa e Silva, em Porto Alegre, faz questão de mostrar como o
continente africano era dividido em reinos antes da chegada dos europeus. Livros, internet e
textos produzidos pelo professor são fonte para os estudantes perceberem a estrutura social e
política dos diversos povos. O reino do Congo, por exemplo, era dividido em aldeias
familiares, distritos e províncias e todos os governadores eram conselheiros do rei. No império
de Gana, os monarcas se reuniam todos os dias com os súditos para papear, ouvir
reclamações e tomar decisões. Essas informações são comparadas com o modo de vida do
negro no nosso país, na época da escravidão, nos quilombos e nos dias de hoje.
"A tradição oral é forte nas culturas africanas, mas os povos também sabiam ler,
escrever e viviam em cidades desenvolvidas", destaca Assumpção. Baseados em relatos, os
alunos construíram a maquete da cidade universitária de Tumbuctu, que começou a se
desenvolver a partir
do ano 12.
Ciências naturais
Somos todos africanos
Há 7 milhões de anos houve a separação entre as linhagens do macaco e do que viria a
ser o homem mais tarde. Os fósseis mais antigos de nossos ancestrais foram encontrados no
Vale da Grande Fenda, formação que atravessa a Etiópia, o Quênia e a Tanzânia. Milhões de
anos depois, o Homo erectus teria partido dessa região para povoar a Ásia e a Europa, onde se
transformou em homem de Neanderthal. Os que continuaram na África evoluíram para a
espécie sapiens, que mais uma vez migrou, dizimando ou substituindo os neandertais e os
hominídeos asiáticos. E assim o planeta foi povoado.
Douglas Verrangia, biólogo e pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
Universidade Federal de São Carlos, ressalta a importância de o professor mencionar isso ao
abordar a evolução das espécies, esclarecendo que biologicamente todos os seres humanos são
parecidos e que as pequenas diferenças físicas não interferem na capacidade intelectual: "Isso
90
vai ajudar o aluno a desmontar o falso embasamento científico que subdividiu a humanidade
em raças, no século 19, idéias que perduram até hoje".
Gislaine Mara Piran, professora de Ciências e também coordenadora pedagógica da
Escola Estadual Luigino Burigotto, inclui essa discussão nas aulas para as turmas de 5ª a 8ª
série durante o estudo do corpo humano e da genética: "Deixo claro que alguns povos têm
mais melanina na pele em consequência da adaptação ao ambiente em que viviam". Em
história das Ciências, você pode citar as contribuições dos povos africanos para a medicina e
outras áreas como mostra a linha do tempo das páginas anteriores.
Matemática
Simetria, geometria e cálculo
Na Escola Municipal Arthur de Sales, em Salvador, o projeto África na Sala de Aula é
interdisciplinar e faz parte do planejamento. Ao conhecer a cultura egípcia, os alunos de 2ª
série da professora Nilce Maria Dantas da Gama estudam as pirâmides e os triângulos.
Olhando gravuras que retratam a construção dos monumentos, eles tentam estimar a
quantidade de pessoas que trabalharam na obra e de tijolos usados.
A turma da professora Carla Ferreiro de Sena estudou simetria usando alguns símbolos
egípcios: "Esse conceito será importante depois, no estudo do corpo humano". Ela mostrou as
figuras e pediu que todos as interpretassem. Conhecendo os diferentes significados — como
pureza espiritual (unsum), solidez e perseverança (wawa aba), precisão e habilidade (nkyimu)
—, eles perceberam a importância de ler imagens. No final, a turma elegeu valores como
amizade, respeito e solidariedade — mais próximos deles — e criaram símbolos simétricos
para eles.
Língua estrangeira
Reggae e biografias
Algumas escolas de comunidades quilombolas prevêem no planejamento atividades
para resgatar a língua de seus ancestrais. Mas, mesmo quando o idioma a ser aprendido é o
inglês ou o espanhol, é possível inserir a cultura africana e afrodescendente. Cláudia
Alexandra Santos, professora de 5ª a 8ª série do Colégio Estadual Marquês de Maricá, em
Salvador, leva para suas turmas letras de músicas do afrodescendente jamaicano Bob Marley e
de outros cantores negros e textos em inglês sobre a vida de lideranças como os americanos
Malcom X e Martin Luther King. Para Vilma Reis, coordenadora executiva do Centro de
Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia, a introdução da cultura negra no
ensino de língua estrangeira deixa o aprendizado
mais próximo dos afrodescendentes.
91
Língua portuguesa
Palavras, lendas e heróis
Para mostrar a influência dos falares africanos no Brasil, você pode usar as palavras
de origem banta destacadas nesta reportagem, apenas um tiquinho em centenas já
incorporadas ao nosso vocabulário. Yeda Pessoa de Castro, professora da Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Bahia, sugere ainda que você leve para sala de aula
lendas africanas e histórias que tratem de diversidade. A professora Zuleica Maria Bispo, da
Escola Municipal de Educação Básica Antonio Stella Moruzzi, em São Carlos (SP), usa livros
como Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado, O Pássaro-da-Chuva, de Kersti
Chaplet, e o gibi Zumbi dos Palmares (produzido em 2001 pela Editora Lake é distribuído
gratuitamente) para atividades de leitura e escrita. Familiares dos alunos afrodescendentes
podem ser convidados para contar histórias de sua vida, informações que serão transformadas
em texto.
Artes
Na dança, nas máscaras e nos desenhos
A Escola Estadual Geraldo Melo dos Santos, em Maceió, usa elementos da cultura dos
povos africanos em todas as séries: a professora Moeme Maria da Silva trabalha conceitos de
arte abstrata e geometrismo com as 6as; danças, mitos e adereços com as 7ªs; e máscaras com
as 8ªs, relacionando essas produções às manifestações artísticas do continente europeu. Para
Ana Lúcia Lopes, coordenadora do Núcleo de Educação do Museu Afro-Brasil, em São Paulo,
o desafio é não resvalar no preconceito nem cair no encantamento do exótico: “Como a
cultura dos povos africanos é pouco conhecida para nós, fica fácil se deslumbrar com o
diferente e esquecer de dar valor às”.
culturas africanas em sua essência”.
Educação física
Vamos jogar iitop ou mbube-mbube?
Para a disciplina que se dedica à educação do corpo, brincadeiras que privilegiam as
competições em equipe. Antônio José dos Santos, também da escola Antonio Stella Moruzzi,
há um ano usa o iitop, o mbube-mbube (ou o tigre e o impala) e a mamba, e jogos como o
yote e a mancala. Ele inicia contando a história do jogo e os valores da cultura africana
presentes em cada um. Veja como construir o kalah, versão do mancala e conheça as regras
dos outros jogos.
Um jogo de tabuleiro que veio da África
O kalah, que simula o plantio de sementes, desenvolve a atenção e a capacidade
de antecipação da criançada
92
Há mais de 200 jogos africanos conhecidos por mancala, que simulam uma
semeadura. Eles podem ser jogados individualmente ou até por quatro pessoas e são
compostos pelos mesmos tipos de peça um tabuleiro de madeira com covas e sementes
populares na África. Um deles é o kalah, que, por ter regras simples, é indicado para crianças
a partir de 6 anos. A versão que você vai aprender a fazer é feita com caixa de ovos, tinta
acrílica, sementes e dois potinhos plásticos.
O kalah ajuda a desenvolver a atenção e a concentração da garotada, pois uma jogada
errada se transforma em vantagem para o adversário. A capacidade de antecipação é outra
importante competência que os alunos adquirem. O objetivo dos competidores é acumular o
maior número de sementes, mas nem sempre a melhor jogada é a que possibilita conseguir
uma grande quantidade delas de uma só vez. Durante a brincadeira, os pequenos também
vão ficar craques na contagem, já que precisam controlar as sementes a cada jogada.
As atividades com jogos enriquecem o seu planejamento, mas antes de incluir o
kalah nas aulas é importante estudá-lo bem. Calcule, por exemplo, quanto tempo é gasto em
uma partida. Depois de assimilar as regras, crie situações-problema para os estudantes, como
dispor algumas peças no tabuleiro e perguntar qual é a próxima jogada.
Como fazer
Cor no tabuleiro
Cacá Bratke
Corte a tampa da caixa de ovos e despreze-a. Pinte a base, que servirá de tabuleiro,
com tinta acrílica. Como o material da embalagem é de fácil absorção, a secagem dura em
torno de 30 min.
Estojo caprichado
Cacá Bratke
93
Outra caixa de ovos pintada com tintas de diferentes cores vira uma embalagem para
o jogo. Nela, você encaixa o tabuleiro de kalah e coloca as regras, escritas em papel
colorido. Deixe-a em um local de fácil acesso para as crianças.
Diferentes peças
Cacá Bratke
Qualquer versão de mancala é tradicionalmente jogada com sementes, mas você
pode substituí-las por outros grãos ou peças. Uma opção é o feijão-branco, mostrado na foto
de abertura na página ao lado, ou o grão-de-bico. É possível utilizar ainda miniaturas
feitas
com
massa
de biscuit, botões decorativos, macarrão e pedrinhas.
*Produção Samir Zavitoski, Assistente Susi Ramos
Agradecimentos Alegre Art (Cubos coloridos), Castelo dos Sonhos e Trenzinho (jogos), Gato Preto (tintas)
MATERIAL NECESSÁRIO
Cacá Bratke
2 caixas de ovos de 1 dúzia
Tinta acrílica de diversas cores
Pincel chato nº. 22
Tesoura
36 grãos de feijão-branco
2 potinhos plásticos
Regras do jogo
A cada rodada, participam duas crianças, sentadas frente a frente e tendo o tabuleiro
entre elas. Cada jogador fica com um lado do tabuleiro e com um potinho à sua direita
(chamado de casa de acumulação ou reservatório). São colocadas três sementes em cada cova.
O primeiro jogador pega as sementes de uma delas e as redistribui, uma por cova, no sentido
anti-horário. Sempre que o percurso incluir o próprio reservatório, ele deposita ali uma
semente que passa a pertencer apenas a ele. Ao passar pelo reservatório adversário, o jogador
94
não coloca sementes. Toda vez que a última semente cair no reservatório da própria criança,
ela joga de novo. Ela pode partir de qualquer cova de seu campo. Há outra maneira de se
apropriar de sementes. Quando a última semente do monte que está sendo distribuído cair em
uma cova vazia do próprio campo, o jogador pode pegar todas as sementes que estão na cova
da frente, no campo adversário. O jogo termina quando as sementes já estiverem nos
reservatórios dos jogadores ou quando não houver mais sementes no próprio campo para
jogar. Vence quem acumular mais sementes.
Tema: ÁGUA POTÁVEL
Material: mapa da escassez de água.
COLOCANDO EM PRÁTICA
Quando se fala da África, é importante abordar a falta de água. Você deverá
reproduzir um mapa múndi temático, em que os alunos poderão perceber em quais locais do
mundo existe a possível escassez de água e ainda descobrir que esta pode ser derivada de
diferentes fatores. O mapa foi elaborado de acordo com estudo divulgado pelo International
Water Management Institute (Instituto Internacional de Gerenciamento de Água), que afirma
que um terço da população mundial sofre com algum tipo de escassez do líquido. Na África,
um fator que influi diretamente nessa questão é de ordem econômica, pela falta de
investimento e infraestrutura e pela distribuição desigual dos recursos hídricos.
Apresente a turma o mapa de escassez de água e comente sobre o significado de sua
legenda. Pergunte aos alunos se eles conhecem ou poderiam pensar em formas alternativas
para uma distribuição igualitária de água e oriente-os a discutir, em pequenos grupos, as
possíveis causas da má distribuição.
Vários fatores contribuem para a escassez de água na África. De ordem
natural, está a grande extensão de regiões com clima árido e semi-árido, além da
pobreza da hidrografia. Isso pode ser observado, por exemplo, no Sahel,
localizado ao sul do deserto do Saara. Outro ponto importante é de ordem
econômica: o aumento da população eleva o consumo hídrico e os danos aos rios e à
paisagem vegetal.
O fenômeno da desertificação, em grande parte provocado pela ação
humana, também contribui – e muito – para a falta de água. Causas como a
prática de queimadas para a produção agrícola, o desmatamento de áreas
florestais, a intensificação do pastoreio e a erosão de solos fazem que áreas com
relativa facilidade de ocupação se tornem desérticas.
Fonte: Geografia Geral Geopolítica (Reinaldo Scalzaretto, Anglo)
95
MAPA-MÚNDI DA ESCASSEZ DE ÁGUA
DE QUEM É ESSE PÉ?
Tema: O SURGIMENTO DO PRIMEIRO HOMEM NA ÁFRICA
Materiais: água; areia; embalagem de pizza (de papelão); gesso em pó; pincel;
pote; água.
PASSO A PASSO FEITO PELOS ALUNOS
1. Primeiramente, peça que as crianças despejem areia na embalagem de pizza,
deixando uma camada de aproximadamente 5 cm. de espessura. Se os grãos
estiverem muito secos, solicite que os umedeçam, pois dessa forma conseguirão
moldar com mais facilidade. Para compactar a areia, oriente-os a sová-la com a
água, deixando-a firme na forma. Para alisá-la podem passar a régua sobre os
grãos. A seguir, devem colocar a embalagem no chão e, cuidadosamente, pisar na
areia, para marcar o desenho dos pés.
2. Agora, deverão colocar 1 L. de água em um recipiente com ½ kg de gesso,
misturando bem, até obter uma pasta.
3. Instrua a turma a despejar a mistura lentamente na forma com a marca dos pés e
aguardar cerca de 30 minutos, até a secagem do gesso.
96
4. Depois de seco, eles 4- 4- Depois de seco eles devem retirar o molde feito.
Dica: Para limpar a areia que poderá ter ficado no molde, oriente-os a utilizar pincel.
COLOCANDO EM PRÁTICA
Uma das principais formas de desvendar a História é por meio da análise de fósseis
encontrados nos mais diversos lugares. Depois de mostrar aos alunos como um fóssil se forma
(seguindo as indicações do passo a passo), trabalhe com a turma as impressões e os fósseis
encontrados na África que auxiliaram na compreensão de suas características e modo de vida.
Você sabia?
O fóssil mais antigo do mundo foi encontrado na Austrália - uma cianobactéria
microfilamentosa com 3,5 bilhões de anos.
O homem surgiu na África?
Existem diversas teorias acerca do surgimento da humanidade, como o evolucionismo,
encabeçada pelo cientista inglês Charles Darwin, que afirma que o homem e todos os seres
vivos evoluíram de formas mais simples para as mais complexas e estão em constante
transformação; e o criacionismo, que acredita que a vida e tudo a ela relacionada são
resultados da ação de um Criador. Os cientistas ainda não conseguiram elaborar a árvore
genealógica completa dos seres humanos, mas algumas espécies de hominídeos (nossos
antepassados) foram estudadas.
Entre elas, está o Australopithecus, cujos representantes possuíam baixa estatura, andavam
sobre os dois pés e tinham os braços compridos. Seus fósseis foram encontrados na África e
datam de cerca de quatro milhões de anos, o que leva a crer que teriam originado a espécie
humana.
Homo sapiens sapiens, espécie da qual fazemos parte, teria surgido também na África, há
cerca de 100 mil anos, e se espalhado pelos outros continentes, adaptando-se aos diferentes
ambientes.
GRIOTS
Tema: OS GRIOTS DA ÁFRICA.
Você já ouviu falar nos griots? Assim são conhecidos os contadores de historias da
África. Verdadeiros guardiões da memória, são muito valorizados e respeitados. Quando
chegam as aldeias, os pais afinam os tambores, as mães vestem as roupas mais bonitas e as
crianças sentam-se em roda - está aberto o ritual do contador de histórias. Leve os alunos a um
parque ou a um jardim da própria escola. Se não conseguir um ambiente ao ar livre, ajeite um
espaço aconchegante na própria sala de aula. Se possível, utilize tapete e almofadas para que
as crianças fiquem à vontade para escutar uma das histórias desse maravilhoso povo.
Incorpore um griot e conte a fábula seguinte para a turma. Depois, pergunte a opinião de cada
um sobre o texto e peça que eles também se tornem griots e contem histórias aos colegas.
O sapo e a cobra (Lenda africana)
Era uma vez, um sapinho que encontrou um bicho comprido, fino,
brilhante e colorido deitado no caminho.
- Alô! O que você esta fazendo estirada na estrada?
97
- Estou me esquentando aqui no sol. Sou uma cobrinha, e você?
- Um sapo. Vamos brincar?
E eles brincaram a manhã toda no mato.
- Vou ensinar você a pular - disse o sapinho. E eles pularam a tarde toda pela estrada.
- Vou ensinar você a subir na árvore se enroscando e deslizando pelo tronco - disse a
cobrinha.
Eles subiram. Ficaram com fome e foram embora, cada um para sua casa, prometendo se
encontrar no dia seguinte.
- Obrigada por me ensinar a pular - disse a cobrinha.
- Obrigado por me ensinar a subir na árvore - disse o sapinho.
Em casa, o sapinho mostrou à mãe que sabia rastejar.
- Quem ensinou isso para você?
- A cobra, minha amiga.
- Você não sabe que a família Cobra não é gente boa? Eles têm veneno. Você está proibido de
brincar com cobras. E também de rastejar por aí. Não fica bem.
Em casa, a cobrinha mostrou a mãe que sabia pular.
- Quem ensinou isso para você?
- O sapo, meu amigo.
- Que besteira! Você não sabe que a gente nunca se deu bem com a família Sapo? Da próxima
vez, agarre o sapo e... Bom apetite! E pare de pular. Nós, cobras, não fazemos isso.
No dia seguinte, cada um ficou na sua.
- Acho que não posso rastejar com você hoje - disse o sapo.
A cobrinha olhou, lembrou do conselho da mãe e pensou: "Se ele chegar perto, eu pulo e o
devoro".
Mas lembrou-se da alegria da véspera e dos pulos que aprendeu com o sapinho. Suspirou e
deslizou para o mato.
Daquele dia em diante, o sapinho e a cobrinha não brincaram mais juntos. Mas ficavam
sempre ao sol, pensando no único dia em que foram amigos.
FRASES QUE NOS FAZEM REFLETIR!
COLOCANDO EM PRÁTICA
Materiais: caixa de sapatos; cola branca; fichas dos provérbios; tecido; tesoura com ponta
arredondada.
Tema:LIÇÕES DE VIDA, PROVÉRBIOS AFRICANOS E INDÍGENAS.
Nesta atividade, você poderá utilizar os provérbios como fonte de análise. Encape a caixa
de sapatos com o tecido - esta será a Caixa dos Provérbios. A seguir, recorte frases e coloque-as
dentro da caixa. Faça sessões de leitura e análise do sentido das orações. Não há necessidade de
esgotá-los em um único dia; afinal, isso exige um tempo de reflexão e diálogo. Oriente os alunos a
ler, escutar e analisar cuidadosamente a mensagem contida em cada um deles. Diga-lhes que
devem dar sua opinião, contestar ou apoiar e até mesmo reformulá-las.
PROVÉRBIOS AFRICANOS
"O tolo têm sede no meio de água."
"Um inimigo inteligente é melhor que um amigo estúpido."
"Para quem não sabe, um jardim é uma floresta."
"O machado esquece; a árvore recorda."
"Quando um rei tem conselheiros bons, seu reino é pacífico."
98
"A igualdade não é fácil, mas a superioridade é dolorosa."
"O vento não quebra uma árvore que se dobra."
"Um camelo não zomba da corcunda de outro camelo."
"A esperança é o pilar do mundo."
"O conhecimento não é a coisa principal, mas ações."
"O conhecimento é como um jardim: se não for cultivado, não pode ser colhido."
"Se você está construindo uma casa e um prego quebra, você deixa de construir, ou você muda
o prego?
PROVÉRBIOS INDÍGENAS
“Quando a última árvore tiver caído,
...quando o último rio tiver secado,
...quando o último peixe for pescado,
...vocês vão entender que dinheiro não se come.”
“Não ande atrás de mim, talvez eu não saiba liderar. Não ande na minha frente, talvez eu não
queira segui-lo. Ande ao meu lado, para podermos caminhar juntos.”
BERÇO DA HUMANIDADE
•
Materiais: mapa fundação cidade do Cairo; tesoura com ponta arredondada.
Tema: ÁFRICA, BERÇO DA HUMANIDADE
COLOCANDO EM PRÁTICA
Ao falar em civilizações, não podemos deixar de mencionar a importância do meio
na formação desses povos. Os seres humanos também sofreram transformações, e o ambiente
é um dos fatores que influenciaram esse processo.
Por exemplo, como os primeiros habitantes da África faziam para encontrar água no
deserto? Problematize com os alunos a questão e incentive-os a encontrar soluções para tal
tarefa, como estar perto dos rios.
Ao nordeste da África, encontramos o rio Nilo, até recentemente classificado como
o maior do mundo. Porém, pesquisas revelam que o Amazonas pode ganhar o posto
(pesquisadores do IBGE, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), da Agência
Nacional de Águas (ANA), e do Instituto Nacional Geográfico do Peru (IGN) realizaram, em
2007, a primeira expedição conjunta para pesquisar a nascente do rio e sua extensão e
estabeleceram a estimativa de que esta ultrapasse os 6.850 km, 180 km a mais que o Nilo.
Aproveite para desafiar a turma a descobrir o tamanho do rio Nilo.
Assim como no Egito, as civilizações, em sua maioria, nascem nos arredores do
curso hídrico. Questione a garotada sobre os porquês desse acontecimento. Apresente mapas à
turma e leve-os a observar os rios que foram importantes no cenário na fundação de inúmeras
cidades. Não se esqueça de aprofundar a questão do uso dos rios atualmente, bem como a
poluição e a utilização inadequada; dessa forma, eles poderão estabelecer relações entre o
passado e o presente, as evoluções ocorridas e suas possíveis conseqüências.
AS PIRÂMIDES
99
Materiais: cartolina ou papel-cartão; cola branca; riscos das pirâmides; tesoura com ponta
arredondada.
Tema: GEOMETRIA, SÓLIDOS GEOMÉTRICOS, TRABALHO ESCRAVO, ETC.
COLOCANDO EM PRÁTICA
No Egito, existem verdadeiras maravilhas, como as pirâmides. Com construções perfeitas,
esses monumentos oportunizam um amplo estudo de Física e Matemática. Estas nada mais são
que um sólido geométrico chamado de pirâmide de base quadrada. Existem também as de
base triangular - para que seja possível sua comparação, apresentamos ambas na folha de
moldes. Reproduza-as, para que todas as crianças recebam uma cópia de cada. Peça-lhes que
as colem em papel resistente e iniciem a montagem. Antes, aproveite para trabalhar conceitos
de geometria como arestas, vértices, base e faces.
Com o molde ainda planificado, pergunte aos estudantes quais formas geométricas são
encontradas. Em seguida, solicite que recortem as linhas contínuas e dobrem nas pontilhadas.
Depois de prontas, eles podem compará-las com as pirâmides encontradas nos livros.
Apresente as pirâmides à garotada e descubram juntos os mistérios dos faraós!
100
AS MÁSCARAS
COLOCANDO EM PRÁTICA
Para iniciar a atividade, separe a turma em duplas e solicite às crianças que meçam o tamanho dos
arames que servirão de estrutura para a máscara. Elas devem determinar o diâmetro do rosto e,
depois, linhas horizontais na altura da testa, nariz e queixo. Cada medida deve ser cortada no arame,
deixando sempre uma folga para enrolar um no outro, para fixá-lo. Feito o esqueleto, os alunos
criarão formas para o rosto. Utilizando o arame como suporte, auxilie-os a modelar no arame os
contornos desejados e a fixá-los ao esqueleto. Em seguida, eles devem medir a posição dos olhos e
fazer a estrutura.
É importante quadriculá-la com arame, deixando pequenos intervalos. Assim conseguirão fixar
melhor a fita adesiva que deverá revestir os espaços em branco, exceto os olhos. Depois, prepare,
com as crianças, uma mistura de cola e água, na proporção de duas quantias de cola para uma de
água. Corte pequenas tiras de estopa, passe-as na mistura da cola e revista a máscara. Espere secar
e, então, peça que pintem as peças. Essa técnica permite a confecção de máscaras mais duradouras.
As máscaras são as formas mais conhecidas da plástica africana e foram os objetos que mais
impressionaram os povos europeus. Incentive a criançada a soltar a imaginação e criar as próprias
máscaras. Narizes longos, chifres e orelhas esquisitas poderão fazer parte da alegoria criada pelos
alunos. Para ampliar a atividade, promova um desfile de máscaras. Apresente, ainda, os modelos
disponíveis na folha de moldes, peça que os pintem e fale a turma sobre a importância de tais
alegorias para a cultura africana.
•
Materiais: água; alicate; arame maleável; cola branca; fita adesiva larga; riscos das máscaras;
saco de estopa; tinta guache de cores variadas.
•
A máscara, acessório utilizado para cobrir o rosto, pode ter diversos propósitos, entre os
quais os lúdicos, como quando utilizadas em bailes de máscaras, carnaval e corridas; os
religiosos, para proteção, adorno em cerimônias de casamento, iniciação e cura; e os
artísticos, para decoração. Considerada por diversas comunidades como símbolo sagrado,
pela crença de que há uma divindade presente em cada uma delas, é um objeto geralmente
de madeira, e quem a utiliza pode se tornar outra pessoa. Tal processo de “transformação”
é apreciado por diferentes culturas para simbolizar os ancestrais e as divindades na maioria
dos rituais. O objeto também facilita a identificação de qualquer família ou clã. Para as
tribos africanas, o poder da peça tem papel sagrado, que se iniciou no período de migração
dos antigos povos. Algumas são criadas para assegurar colheitas férteis, fator muito
importante na maioria das sociedades africanas; outras representam a vida da pessoa, desde
a infância até o momento do enterro.
101
TANZÂNIA, UM VERDADEIRO PAÍS ZOOLÓGICO
Materiais: caderno; ilustração do gnu; lápis preto; mapa político da África tesoura com ponta
arredondada.
Tema: MEIO AMBIENTE, FAUNA, FLORA E GEOGRAFIA AFRICANA
Gnu = Também conhecido como boi cavalo, o gnu habita uma grande região que vai da zona
central do continente africano até ao extremo sul do mesmo.
COLOCANDO EM PRÁTICA
Pergunte aos alunos qual é a região do mundo que concentra elefantes, leões e
zebras. É muito provável que mencionem a África. Mas onde exatamente? Oriente-os a buscar
em seus conhecimentos prévios alguma informação sobre o assunto. Depois, fale sobre a
Tanzânia, país africano que abriga várias espécies de animais selvagens. Solicite que
procurem no mapa político sua localização e que façam algumas observações, por exemplo, a
distância do Oceano, o clima e a possível vegetação. Dessa forma, você exercitará constantemente a capacidade de estabelecer relações e fazer inferências, itens fundamentais a serem
estimulados na faixa etária.
Um animal muito conhecido na Tanzânia é o gnu. Pergunte às crianças se sabem
defini-lo e aproveite para levantar hipóteses sobre o bicho. Apresente a ilustração de um
gnu e solicite que observem suas características. Incentive-os a descobrir possíveis
habilidades e costumes dessa espé- cie por meio da observação das características físicas.
A Tanzânia ocupa uma área de 940 mil km2, o que equivale aproximadamente ao Estado do
Mato Grosso. Sua capital se chama Dodoma (ou Oar Es Salaam) que, como Brasília, foi
especialmente construída para ser o centro administrativo nacional. O país possui algumas
reservas ambientais, como os Parques Nacionais do Serengeti, do Ngorongoro e do Tarangire.
Na maior parte do ano, o Serengeti é o lar natural de mais de um milhão de gnus - ruminante
parecido a uma mistura de boi com cavalo. Nos meses de seca (junho e julho), essa imensa
manada, dividida em grupos, migra para o país vizinho, o Quênia, onde há grandes reservas de
água.
Nessa longa viagem (cerca de mil quilômetros), os animais são acompanhados por milhares de
zebras e antílopes. Mesmo assim, leões, leopardos e guepardos são uma ameaça constante ao
longo do caminho, pois o alimento principal dos grandes felinos são os gnus, as zebras e os
antílopes.
102
O USO DAS FORMAS
•
Materiais: cola branca; imagem de uma casa Ndebeles (abaixo); lápis de cor; molde da casa
em 3D (pronta na folha de moldes); tesoura com ponta arredondada.
Tema: GEOMETRIA
Para trabalhar Geometria, conte aos alunos que existe um povo na África do Sul que
esbanja bom gosto e criatividade, os Ndebeles. Embora seja pequena, a tribo é famosa por
suas pinturas, roupas e bonecas. Pinturas em quadros? Que nada! Eles pintam suas casas de
forma espetacular, como você pode ver:
As formas geométricas são a base das belas produções. Para incentivar os estudantes
a valorizar tal cultura, proponha a criação da decoração das próprias "casas”. Para começar,
apresente-lhes a ilustração da moradia pintada (acima). Então, reproduza a estrutura da casa
tridimensional, de modo que cada criança receba uma cópia. Neste molde, as paredes são
quadriculadas, favorecendo a criação de variadas formas geométricas. Não se esqueça de
montar uma bela exposição com os trabalhos.
103
Ampliar o molde
•
CORRENTES DE AR
Materiais: água quente e em temperatura ambiente; anilina de cor forte;
2 garrafas Pet transparentes; martelo; prego; silicone.
Tema: CLIMA, TEMPERATURA E EXPERIMENTOS.
104
COLOCANDO EM PRÁTICA
Quando se menciona a palavra África, logo nos vem a mente um continente com
temperaturas altas, já que 75% do seu território se situam entre os trópicos de Câncer e
Capricórnio. Porém, na região também há cadeias de montanhas localizadas ao Norte, a
Cordilheira do Atlas, que se estende pela Tunísia, pela Argélia e pelo Marrocos. Leve os
alunos a refletir sobre como deve ser a temperatura no alto dessas montanhas. Pergunte se já
tiveram a oportunidade de escalar algum lugar muito alto e leve-os a perceber que, quanto
mais elevado for o local, mais frio e o ar.
O ar quente é menos denso que o frio, fazendo com que este suba. Sendo assim,
por que no alto de uma montanha o ar e mais frio que no vale? Lá, o ar é mais frio pelas
correntes de convecção. O ar lá de baixo recebe o calor absorvido pela terra, tendendo a se
elevar, por ser menos denso. Até chegar ao pico, porém, vai cedendo calor e ficando mais frio,
até se tornar mais denso e descer. Então, uma nova corrente de ar quente sobe e passa pelo
mesmo processo, justificando a temperatura no pico da montanha. Além disso, como o ar fica
mais rarefeito à medida que a altitude aumenta, a pressão que exerce tende a se reduzir, o que
implica a diminuição da temperatura nessa região. Que tal uma experiência que ilustre tal
observação sobre as correntes de convecção?
Com o prego e o martelo, fure as tampinhas das garrafas Pet. A seguir, cole-as de
costas, utilizando o silicone. Coloque a água quente em uma das garrafas e pingue algumas
gotas da anilina. Na outra garrafa, adicione a água em temperatura ambiente. Feche a primeira
usando a tampinha dupla. Rapidamente, vire a garrafa com água em temperatura ambiente
sobre a outra e rosqueie a tampa, fechando o recipiente superior. Solicite que os alunos
observem atentamente o que ocorre. A água quente tende a subir e, depois, entra em
equilíbrio, misturando-se a água ambiente. Então, todo o liquido ficará igualmente colorido.
Peça que os estudantes registrem suas observações e estabeleçam relação com um
dado muito curioso encontrado no continente africano: o Kilimanjaro, um vulcão coberto de
neve. Ele fica na Tanzânia e tem quase 6 mil m de altitude. Não é um vulcão ativo - está
dormente - e lá no alto a temperatura pode até se igualar a dos polos da Terra. Porém,
infelizmente, pesquisas mostram que, daqui a alguns anos, talvez não exista mais neve no topo
do vulcão, pelo superaquecimento do planeta.
VAMOS COZINHAR?
Tema: CULINÁRIA
Materiais: avental; ingredientes da receita; prato ou travessa.
105
SCONES (pãezinhos) 12 unidades
Ingredientes
2 xícaras de farinha de trigo
2 colheres (sopa) de açúcar cristal
1 colher (sopa) bem cheia de fermento em pó
1 colher (café) de sal
4 colheres (sopa) de margarina
1 ovo inteiro
150 ml. de leite
Modo de Fazer
Peneire a farinha, o açúcar, o fermento em pó e o sal em uma vasilha. Adicione a margarina e
friccione delicadamente, com a ponta dos dedos, até ficar em migalhas.
Em outro recipiente, misture o ovo e o leite e adicione-os à massa, mexendo delicadamente, sem
amassar. Vire a massa em uma superfície plana, previamente enfarinhada, e estique-a com as
mãos, até que fique com 2 em de espessura. Corte em quadrados ou círculos (com auxílio de um
copo) e coloque em uma forma untada. Pincele a superfície dos pãezinhos com a gema e leve ao
forno quente (250°C) de 10 a 15 minutos ou até dourar. Sirva quente. Você pode ainda rechear
com geleia, manteiga etc.
Fonte: site do Consulado Geral da Republica da África do Sul em São Paulo www.africadosul..org..br
COLOCANDO EM PRÁTICA
Como já vimos, África é rica em diversidade, e a culinária não poderia fugir à regra.
No quadro anterior, você confere uma receita sul-africana. Prepare-a com as crianças - é
simples e poderá auxiliar nas aulas de Língua Portuguesa, com a análise da estrutura textual
da receita; de Ciências, mostrando a transformação dos alimentos, a importância da higiene, a
diferença entre produtos naturais e industrializados; e nas aulas de Matemática, com medidas,
proporções etc.
RECEITA AFRICANA SALPICADA DE CIENCIA
Você já ouviu falar de São Tomé e Príncipe? Trata-se de um arquipélago africano tão
pequeno que e até difícil de acreditar que seja um país. São Tomé e a 168a nação em tamanho
do mundo, uma das últimas da lista de 191. Para se ter uma idéia, o arquipélago é menor até
do que a cidade do Rio de Janeiro. Assim como o Brasil, São Tomé foi colonizada por
portugueses.
O país possui belíssimas paisagens e uma cultura bastante rica. A culinária, então,
nem se fala. Ou melhor: é de lá que vamos falar ... Que tal fazer em casa uma deliciosa receita
de banana são-tomense e desvendar a ciência da atração pelo açúcar?
SONHOS DE BANANA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
Ingredientes:
220 gramas de banana sem casca;
25 gramas de açúcar;
120 gramas de farinha de trigo;
100 mililitros de leite;
1 ovo;
Açúcar, canela e óleo para fritar.
106
Modo de fazer:
Numa bacia, misture a farinha, o açúcar, o leite e o ovo. Deixe essa massa separada e, com um
garfo, amasse as bananas. Em seguida, junte as bananas à massa e mexa tudo. Faça pequenas
bolinhas com a massa e frite-as. Da frigideira, sairão sonhos de banana iguaizinhos aos que
são saboreados em São Tome e Príncipe. Você, agora, só precisa polvilhá-los com açúcar e
canela.
Revista Ciência Hoje das Crianças
Maio de 2006 / Ano 19 / Nº168
QUEBRANDO A CABEÇA
Tema: GEOGRAFIA AFRICANA, PAÍSES.
Materiais: cartolina ou papel-cartão; cola branca; mapa contorno da África e de países
separados; mapa-múndi; tesoura com ponta arredondada.
O trabalho com coordenadas geográficas e localização no tempo e no espaço é essencial nas
séries iniciais. Nesta atividade, os alunos poderão, de forma divertida, aprender a localização
das nações situadas no continente africano. A África possui 53 países, sendo um dos maiores
continentes em tamanho, perdendo somente para a Ásia e a América. Em compensação, é
aproximadamente três vezes maior que a Europa.
COLOCANDO EM PRATICA
Cole o quebra-cabeça do continente africano em papel resistente e peça que os alunos
recortem as partes. Embaralhe as peças e solicite que tentem montá-lo novamente. Para isso,
eles poderão utilizar como auxílio um mapa-múndi. Atente as crianças aos detalhes
encontrados, como o tamanho de cada país da África e seus respectivos nomes. Uma sugestão
para as aulas de Matemática é trabalhar estimativa: você poderá criar situações-problema
envolvendo as nações africanas, por exemplo: "qual é o maior país do continente?"; "qual
o menor?"; "existem nações
com tamanhos idênticos?" etc.
AFRICA DO SUL
SENEGAL
CONHECENDO AS BANDEIRAS
Tema: BANDEIRAS DOS PAÍSES AFRICANOS
Materiais: bandeiras dos países africanos; cartolina ou papel cartão; cola branca;
tesoura com ponta arredondada.
COLOCANDO EM PRATICA
107
Para ampliar o repertório dos alunos, apresente as bandeiras de cada país africano.
Recorte-as e entregue-as à turma para que as colem em folha de papel resistente e as
organizem em ordem alfabética. A ideia é elaborar um livro em que cada página terá a
bandeira de um país e, no verso, os alunos registrarão dados importantes recolhidos sobre cada
uma das nações, bem como alguma curiosidade. Solicite que, em grupo ou individualmente, as
crianças pesquisem um país e depois socializem as informações.
VIVER BEM!
Materiais: mapa com divisão política e de vegetação; riscos dos animais; tesoura com ponta
arredondada.
Tema: FAUNA AFRICANA.
COLOCANDO EM PRATICA
Apresente aos alunos alguns animais tipicamente africanos e solicite que tentem
descobrir em que local da África estes aparecem com maior incidência. Oriente-os a observar
as características físicas de cada bicho e os ambientes encontrados no continente. Quando as
crianças sobrepuserem os animais no mapa, pergunte-lhes quais critérios utilizaram.
Certamente, as atividades auxiliarão na compreensão do sistema como um todo e da interrelação existente no meio ambiente.
108
•
109
JOGO DAS RIMAS
RIMANDO COM A BICHARADA
Divertir as crianças com rimas divertidas. Faça um círculo com as crianças e explique que
vocês farão uma história coletiva sobre os cinco maiores animais da África, mas que as palavras
precisam rimar.
Confira as nossas sugestões para iniciar a brincadeira, mas incentive-as a completarem as
histórias.
► elefante e gigante. Sua mãe é elegante, sua história é fascinante. Mas sua irmã é bem
extravagante. Ele é um ótimo ajudante. E o seu pai é cativante ...
► rinoceronte e horripilante. Seu tamanho é impressionante. Sua pele é interessante, mas a
sua boca é apavorante, e o seu olho é brilhante ...
► leão e fortão. Ele é um grande amigão. O seu pai é bonitão. O seu irmão é espertalhão, o seu
nome é João ele é muito comilão ...
► leopardo e o Leonardo. Ele gosta de chocolate meio-amargo. Ele é o pardo. Seu irmão é o
Bernardo e seu primo o Eduardo ...
► búfalo e muito abelhudo. Seu amigo é o cavalo. No seu dedo tem um calo e ele adora um
embalo, toma água no gargalo,o seu primo é o Gonçalo, joga bola no intervalo ...
110
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOWICZ, Anete (Org.). Trabalhando a diferença na Educação Infantil: propostas
de atividades. São Paulo: Editora Moderna, 2006.
BENJAMIN, Roberto Emerson Câmara (Org.) A África está em nós: história e cultura
afro-brasileira – Vol. I, II, III e IV. João Pessoa: Editora Grafset , 2006.
EVARISTO, Mara Catarina. Livro do Professor. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006.
FERREIRA, Muniz Gonçalves. A África Contemporânea: dilemas e possibilidades, in Lei
10.639/03 Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana na Educação Fundamental. Prefeitura Municipal de Salvador.
LIMA, Heloísa Pires. Plantando Sementes: Áfricas e Afro-Brasis in Jornal Bolando Aula de
História – Ano 10 - Número 55 Maio/Junho 2007. Santos : Gruhbas Projetos Educacionais
e Culturais.
MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. [Brasília] Ministério da
Educação. Secretaria de Educação Fundamental, 2000.
OLIVEIRA, Iolanda de. Desigualdades raciais: construções da infância e da juventude.
Niterói: Intertexto, 1999.
_____________________(Org.). Relações raciais e educação: a produção de saberes e
práticas pedagógicas. Niterói : EDUFF, 2000.
_____________________(Org.). Relações raciais e educação: temas contemporâneos.
Niterói: EDUFF, 2002.
PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: Ática, 2005.
Revista Ciência Hoje das Crianças - Maio de 2006 / Ano 19 / Nº168
SALLES, Ricardo e SOARES, Mariza. Episódios de história afro-brasileira. São Paulo: Ed.
DP&A, 2005
SANTOS, Ivanir dos e ROCHA, José Geraldo da (Orgs.). Diversidade e Ações Afirmativas.
Rio de Janeiro, CEAP, 2007.
SCHUMAHER, Schuma e BRAZIL ,Érico Vital. Um Rio de Mulheres: a participação das
mulheres fluminenses na história do Estado Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2003
SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2006.
111
SITES:
http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicat
ionCode=16&pageCode=308&textCode=855&date=currentDate
http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0219/aberto/diversidade-sempre-415425.shtml
http://www.acordacultura.org.br/main.asp?View={AD4B9968-21F7-400C-AEDABCCC295612C4}
http://www.smec.salvador.ba.gov.br/documentos/africa_contemporanea.pdf
http://www.nonaarte.com.br/
http://portal.mec.gov.br/secad/index.php?option=content&task=category&sectionid=5&id=69
&Itemid=319
112
Ficha Técnica
Caderno Pedagógico de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena
► Realização
Prefeitura Municipal de Cabo Frio
Secretaria Municipal de Educação
Departamento Técnico Pedagógico
Divisão de Supervisão Escolar
Serviço de Programas Especiais
► Elaboração
Professora Angela Navarro Ferreira da Costa
► Escolas Colaboradoras
Escola Municipal Alfredo Castro
Escola Municipal Prof. Zélio Jotha
Escola Municipal Domingos Gouvêa
Escola Municipal Edith Castro dos Santos
► Apoio
Professor Laura Porto Guimarães Barreto
Professora Joana D’Arc de Souza
Professora Márcia Tardelli
Professora Tânia Maria Gomes de Ávila
Professora Roseli Vidal
Professora Cláudia de Oliveira Lacerda Lima
Professora Maria Cristina de Oliveira Chagas
► Equipe colaboradora
Departamento Técnico Pedagógico
► Capa
Cléber de Mello Costa
►Revisão
Professor Fábio André Cardoso Coelho
113