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A Revista Mato-grossense de Políticas Públicas/RMPP é uma publicação da Associação Mato-grossense de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas/AMEPPP que visa divulgar o debate e as reflexões sobre Políticas Públicas e a produção de conhecimento nas diversas áreas da administração pública, constituindo-se num canal aberto, interdisciplinar e coletivo de socialização de saberes. Os artigos publicados na Revista são de inteira responsabilidade de seus autores. Permitida a reprodução parcial ou total desta obra desde que citada a fonte. CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA Ademar Sales Macaúbas / Mestre em Serviço Social pela PUC/SP Alexandre Cândido de Oliveira Campos / Mestre em Educação pela USP/SP Geni Melo / Mestre em Economia pela UFMT/MT Imar Domingues Queiroz / Doutora em Sociologia pela UFSC/SC Janaina Loeffler de Almeida / Mestre em Serviço Social e Direitos Humanos pela UFSC/SC. CONSELHO CONSULTIVO E CIENTÍFICO/CCC Elvis Silva / Pós Doutor em Física pela UNICAMP-SP e docente da UFMT-MT; Gláucia Lélis Alves / Doutora em Serviço Social pela UFRJ e docente da UFRJ-RJ; Imar D. Queiróz / Doutora em Sociologia Política pela UFSC-SC e docente da UFMT-MT; Leana Freitas / Doutora em Políticas Públicas pela UFMA-MA e docente da UFMT-MT; Paulo Alberto Santos Vieira / Doutor em Economia pela UFSCAR-SP e docente da UNEMAT-MT; Rinaldo Ribeiro de Almeida Segundo / Mestre em Direito pela Universidade de HARVARD e Promotor de Justiça em Mato Grosso. Capa: Ricardo Sardinha Coordenação editorial: Janaina Loeffler de Almeida A Revista está disponível na versão on-line e pode ser acessada pelo site www.ameppp.org.br nas versões PDF e on-line. Endereço eletrônico: www.ameppp.org.br e e-mail: [email protected] CNPJ nº 15.110.558/0001-05 ISSN: 2316-8641 (on line) RMPP/Revista da Associação Mato-Grossense de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas – AMEPPP. - ano 1, n. 1 (fev./jul.2012) . – Cuiabá: AMEPPP, 2012 – . Ano 2, n. 2 (fev./jul. 2013). Semestral. Resumo em português. Tema: Transparência, assistência e meio ambiente. ISSN: 2316-8641 (on line) 1. Políticas Públicas – Periódicos. 2. Governos subnacionais. 3. Servidores públicos. I. Associação Mato-grossense de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas (AMEPPP) CDU: 351.01 CDD: 350.01 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 3 OS PORTAIS TRANSPARÊNCIA NOS MUNICÍPIOS DE MATO GROSSO ................................... 5 A emergência da sociedade da informação ........................................................................................................ 7 A pesquisa ......................................................................................................................................................... 12 Os resultados .................................................................................................................................................... 17 Considerações Finais ......................................................................................................................................... 21 DIREITO À INFORMAÇÃO E ACESSO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ATO DE CIDADANIA DOS UNIVERSITÁRIOS ............................................................................................................. 25 Introdução......................................................................................................................................................... 26 Direito à informação e acesso às políticas públicas .......................................................................................... 27 Metodologia do estudo ..................................................................................................................................... 30 Resultados e discussões .................................................................................................................................... 32 Conclusão .......................................................................................................................................................... 38 ASSISTÊNCIA SOCIAL, GESTÃO DO TRABALHO E OS IMPACTOS DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: DINÂMICA, CONTRADIÇÕES E DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUAS EM MATO GROSSO ................................................................................................................ 41 Notas introdutórias ........................................................................................................................................... 42 Estado, Neoliberalismo e Modelo de Gestão Gerencial ................................................................................... 42 A Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência Social. .......................................... 46 A Gestão do Trabalho no SUAS: aproximações, dinâmica, contradições e desafios na implementação do SUAS em Mato Grosso ...................................................................................................................................... 48 Considerações finais.......................................................................................................................................... 52 ANÁLISE DO REPASSE DO ICMS ECOLÓGICO AOS MUNICÍPIOS DE MATO GROSSO, COM ENFÂSE À MELHORIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................................... 57 O ICMS Ecológico no Brasil................................................................................................................................ 58 Legislação no Mato Grosso ............................................................................................................................... 58 Municípios de Mato Grosso .............................................................................................................................. 59 Unidades de Conservação ................................................................................................................................. 60 Políticas Públicas ............................................................................................................................................... 61 Apresentação e Análise dos dados – Metodologia e Pesquisa ......................................................................... 62 Considerações Finais ......................................................................................................................................... 68 APRESENTAÇÃO É com satisfação que apresentamos aos leitores a segunda edição da Revista Matogrossense de Políticas Públicas – RMPP. Versando sempre sobre temáticas atuais e vinculadas ao cotidiano das instituições, a Revista faz circular uma série de artigos de profissionais que trabalham com políticas públicas nas mais diferentes áreas. Na presente edição a Revista abre espaço, em seus artigos iniciais, para dois trabalhos a respeito da Transparência Pública que, na verdade, se completam. O primeiro dá publicidade ao resultado de um processo de avaliação dos portais transparência dos municípios mais populosos do Estado e, o segundo, busca dimensionar a dinâmica entre o Portal Transparência de um daqueles municípios – Rondonópolis – e um público alvo específico. Na sequência, a Revista tematiza a Política de Assistência Social, retratando a gestão do trabalho no Sistema Único de Assistência Social/SUAS, sobretudo na realidade matogrossense, em tempos de reestruturação produtiva e acirramento do capital. No artigo que trata sobre o meio ambiente, os autores discutem sobre o repasse do ICMS Ecológico aos municípios de Mato Grosso, com foco na melhoria das políticas públicas. Para tanto, abordam aspectos regulatórios, conceituais e socioambientais visando analisar a contribuição do repasse aos municípios e seus desdobramentos para a sociedade. A expectativa é de que esta segunda edição consiga consolidar um passo importante no projeto coletivo proposto pela AMEPPP: levar o debate das políticas públicas a territórios cada vez mais diversificados. De um lado, o fato de os autores desenvolverem seus trabalhos em diferentes municípios, como Cuiabá, Rondonópolis e Cáceres, pode contribuir para a transposição dos territórios geográficos. De outro lado, o fato de parte dos autores serem servidores públicos de carreiras não-universitárias demonstra a diversificação dos territórios de produção do conhecimento social. Desejamos uma excelente leitura e o convidamos a dialogar com os autores pelos emails constantes nas páginas iniciais de cada artigo. OS PORTAIS TRANSPARÊNCIA NOS MUNICÍPIOS DE MATO GROSSO Alexandre Cândido de Oliveira Campos1 RESUMO O artigo apresenta o resultado da avaliação dos Portais Transparência dos oito municípios mais populosos do Estado de Mato Grosso, excluindo-se a capital Cuiabá. Insere as discussões numa perspectiva de possibilidade de avanços democráticos mediante o bom uso da revolução na Tecnologia da Informação que vem se consolidando em nível mundial. Descreve o cenário legal em que os Portais Transparência estão inseridos, sobretudo no que se refere à Lei Complementar n.º 101/2000 e à Lei Federal n.º 12.527/2011. Constata que nenhum dos municípios pesquisados atende plenamente ao que está previsto nas legislações, mas que os municípios de Várzea Grande e Primavera do Leste se encontram em um estágio avançado de implementação de seus portais. Palavras-chave: Cidadania. Portal Transparência. Acesso à informação. Mato Grosso. Municípios. 1 Mestre em Educação pela USP. Historiador e Especialista em Gestão Pública. Gestor Governamental do Estado de Mato Grosso. E-mail: [email protected]. 6 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 O declínio do Antigo Regime Os séculos XVIII e XIX foram palcos de profundas transformações na sociedade ocidental no que se refere à sua organização política. A principal delas se concentrou na desconstrução do Estado Absolutista marcado pelo patrimonialismo e pela ausência de liberdades religiosa, econômica e política. Caracterizar o sistema em declínio, no entanto, não apresenta complexidade maior que a tarefa de identificar os pilares do "novo regime" que ocupou o seu lugar. Um conjunto de discursos jurídicos, econômicos e filosóficos - e muitos pensadores articulavam todas essas temáticas em um mesmo discurso - fizeram do início do século XIX um período de instabilidades políticas e experimentos democráticos.2 De uma forma ou de outra, a partir do final do século XVIII tanto a filosofia política quanto os levantes sociais desencadeados durante todo o século XIX acabaram dialogando com o modelo de democracia delineado por Rousseau que, em seu Contrato Social, publicado em 1762, retrata com bastante clareza as preocupações que gravitavam em torno dos debates antiabsolutistas. Nascido cidadão de um Estado Livre e membro do soberano3, por fraca influência que possa ter meu voto nos negócios públicos, o direito de votar é suficiente para me impor o dever de me informar a respeito disso ... (ROUSSEAU, 2008. p. 15). Esse pequeno excerto poderia ser analisado sob várias óticas. No entanto, reservome a destacar a necessidade que o autor atribui a uma postura ativa do cidadão e a relação intrínseca existente entre a participação política e a busca das informações a respeito dos "negócios públicos". 2 Não é propósito deste artigo discorrer a respeito de tais discursos. O que se pretende é situar melhor o leitor no cenário em que foram forjados conceitos basilares para o entendimento dos contextos políticos da transparência pública. 3 Ao classificar a si próprio como "membro do soberano" Rousseau oferece uma alegoria alternativa à do Leviatã, de Hobbes. Para Rousseau, "Tão logo essa multidão se encontre reunida num corpo, não se pode ofender um dos membros sem atacar o corpo, menos ainda ofender o corpo sem que os membros disso se ressintam. Assim, o dever e o interesse obrigam igualmente as duas partes contratantes a se auxiliarem de forma recíproca e os próprios homens devem procurar reunir sob essa dupla relação todas as vantagens que disso dependem. Ora, o soberano, sendo formado tão somente dos privados que o compõem, não tem nem pode ter interesse contrário ao deles." (ROUSSEAU, 2008, p. 34). Disponível em: www.ameppp.org.br Transparência, assistência e meio ambiente Também em outra passagem, ao argumentar em favor da "vontade geral" do povo, Rousseau nos remete, ainda que de forma indireta, à importância do acesso à informação por parte do cidadão. Se, quando o povo suficientemente informado delibera, e os cidadãos não tivessem nenhuma comunicação entre si, do grande número de pequenas diferenças resultaria sempre a vontade geral e a deliberação seria sempre boa" (ROUSSEAU, 2008, p. 47-8). (Grifo nosso). Corroborando a tese da importância do acesso à informação no contexto da transição dos "regimes", Batista (2012), destaca que, "Poucos anos antes da Revolução Francesa (1789), num édito de 1784, Frederico II, rei da Prússia, dispunha sobre proibições absolutistas." Não é permitido que um particular divulgue opiniões críticas, nem faça saber ou divulgue através de material impresso as notícias que recebe referente às ações, procedimentos, leis, castigos e editais do monarca e das cortes, seus funcionários governamentais, corpos colegiados e tribunais. Um particular é incapaz de formar tal opinião porque não tem o pleno conhecimento das circunstâncias e dos motivos. (KUNCZIK, 1997, p. 25 apud BATISTA, 2012. p. 7 e 8). (Grifo nosso). Como se verifica, nesse caso a justificativa para a negação do direito de manifestação política se concentra precisamente na falta de conhecimentos a respeito de circunstâncias e motivos por parte do cidadão. Ou, entendido de outro modo, a falta de acesso a um certo tipo informações por parte do cidadão. Como se essa falta de acesso à informação fosse um fato dado, e não a consequência de um modelo de sociedade avessa à participação social. A emergência da sociedade da informação Da Revolução Francesa até o início do último quartel do século XX foi sendo moldada uma cidadania contraposta ao Antigo Regime.4 Esse processo foi marcado pela tensão dos 4 Uma análise mais detalhada desse período histórico pode ser verificada nas obras do historiador inglês Eric Hobsbawm, que identifica quatro eras distintas em que operaram os elementos centrais da modernidade: a Era das Revoluções, de 1789 a 1848; a Era do Capital, de 1848 a 1875; a Era dos Impérios, de 1875 a 1914; e a Era dos Extremos, de 1914 a 1991. Disponível em: www.ameppp.org.br 7 8 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 discursos próprios da "modernidade", com destaque para o nacionalismo, o positivismo, o liberalismo, o marxismo5 e também os discursos jurídicos.6 No entanto, há quase meio século vivemos o avanço do que vem sendo denominado de "Pós-modernidade", ou como definem Lyotard e Harvey, "Condição Pós-moderna".7 Giddens (1991), apesar de discordar da excessiva pulverização dos projetos sociais como corolário de algumas teses pós-modernas, apresentou um panorama geral bastante preciso dessa nova condição social. Segundo ele: Hoje, no final do século XX, muita gente argumenta que estamos no limiar de uma nova era, a qual as ciências sociais devem responder e que está nos levando para além da própria modernidade. Uma estonteante variedade de termos tem sido sugerida para esta transição, alguns dos quais se referem positivamente à emergência de um novo tipo de sistema social (tal como a "sociedade de informação" ou a "sociedade de consumo"), mas cuja maioria sugere que, mais que um estado de coisas precedente, está chegando a um encerramento ("pós-modernidade", "pós-modernismo", "sociedade pós-industrial", e assim por diante). Alguns dos debates sobre estas questões se concentram principalmente sobre transformações institucionais, particularmente as que sugerem que estamos nos deslocando de um sistema baseado na manufatura de bens materiais para outro relacionado mais centralmente com informação. Mais freqüentemente, contudo, estas controvérsias enfocam amplamente questões de filosofia e epistemologia. Esta é a perspectiva característica, por exemplo, do autor que foi em primeiro lugar responsável pela popularização da noção de pós-modernidade, JeanFrançois Lyotard. Como ele a representa, a pós-modernidade se refere a um deslocamento das tentativas de fundamentar a epistemologia, e da fé no progresso planejado humanamente. A condição da pós-modernidade é caracterizada por uma evaporação da grand narrative — o "enredo" dominante por meio do qual somos inseridos na história como seres tendo um passado definitivo e um futuro predizível. A perspectiva pós-moderna vê uma pluralidade de reivindicações heterogêneas de conhecimento, na qual a ciência não tem um lugar privilegiado. (GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo, Ed. Unesp, 1991, p. 8-9). 5 A respeito da construção e desconstrução dos discursos marxistas, destacando suas causas e implicações sociopolíticas, considero bastante completa a análise do historiador espanhol Josep Fontana. (Cf. FONTANA, Josep. História: Análise do passado e projeto social. Bauru, SP: Edusc, 1998). 6 Cf. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos; tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. – Nova ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 7 Cf. LYOTARD, 2000; HARVEY, 1992. Disponível em: www.ameppp.org.br Transparência, assistência e meio ambiente A opção em trazer para este artigo uma contribuição direta de Giddens ao invés de outra de Lyotard tem o objetivo de mostrar que, independente dos diferentes entendimentos a respeito das transformações ocorridas nas últimas décadas do século XX, pode-se identificar certo consenso com relação às grandes proporções alcançadas pelas transformações no campo das informações. Essas transformações atingem de modo muito peculiar a esfera pública. Para Akutsu e Pinho (2002), A teoria da sociedade da informação procura não somente analisar as transformações provocadas pelas novas TIs, mas também prever mudanças que poderão ocorrer em um futuro próximo. Um dos pressupostos da teoria da sociedade da informação é que o advento de novas TIs, ao possibilitar o acesso a informações a um maior número de pessoas, com maior rapidez e menor custo, não somente aumentaria a oferta de bens disponíveis para a humanidade por meio da melhoria do gerenciamento dos bens de produção, como também diminuiria os conflitos sociais, ao permitir aos cidadãos melhor acesso às informações acerca da gestão dos administradores públicos, permitindo-lhes acompanhar as administrações, avaliar e escolher melhor seus governantes.(AKUTSU E PINHO, 2002.p.4).8 (Grifo nosso). Os governos, segundo esses autores, podem se valer desses avanços tecnológicos para promover uma utilização comercial das informações, para promover a automação de determinados serviços públicos, ou, o que é mais importante, promover uma “democracia eletrônica”. Ainda que esses entendimentos não sejam homogêneos9, o fato é que, de um lado, a sociedade tem se utilizado das mídias sociais para divulgar e organizar ações políticas 8 Ainda segundo esses autores, "Os teóricos da sociedade da informação entendem que ela gera mudanças fundamentais na sociedade, sendo o trabalho e o capital substituídos, como variáveis básicas da sociedade industrial, pela informação e o conhecimento. Para esses teóricos, a sociedade da informação deve ser vista como um estilo de vida completo, por provocar mudanças em várias áreas da vida. Tais autores também esperam uma sociedade mais democrática, com uma completa reestruturação das instituições, baseadas no computador. (AKUTSU E PINHO, 2002. p. 5) 9 Alguns autores, como Bellamy e Taylor (1998), "classificam em dois grandes grupos os autores que têm procurado prever o impacto das novas TIs na sociedade. Os teóricos da sociedade da informação são rotulados como “utópicos”, por pregarem uma nova sociedade onde as novas tecnologias promoverão a harmonia no sistema político, em decorrência da maior consciência política dos cidadãos, derivada do maior acesso à informação, e da quebra das estruturas de poder atualmente vigentes, centradas no monopólio das informações sensíveis. O segundo grupo mencionado por Bellamy e Taylor é o dos “antiutópicos”, que contrapõem-se à teoria da sociedade da informação e defendem essencialmente a idéia de que os governos utilizarão as novas tecnologias de informação para aumentar seu controle sobre a sociedade. As informações serão disponibilizadas Disponível em: www.ameppp.org.br 9 10 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 coletivas que introduzem elementos novos nos padrões de cidadania atuais e, de outro, os governos tem iniciado – ainda que de forma muito tímida – um movimento no sentido de maior utilização dos recursos das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) em sua relação com os cidadãos. É o caso do que vem sendo classificado como "Governo Eletrônico". Para Mezzaroba e Rover (2012), As TIC também se fazem sentir no setor governamental, dando início ao que se conhece por governo eletrônico, ou seja, (1) a informatização das atividades governamentais e, (2) a comunicação entre governo e público externo: cidadãos, fornecedores, empresas ou outros setores governamentais ou da sociedade (PINHO, 2008). Nesse sentido cabe destacar que: Os avanços tecnológicos das TICs e engenharia e gestão do conhecimento produzem desafios para as empresas e para a respectiva competitividade. Igualmente, os governos, se preocupados com os resultados que oferecem à sociedade, são instados a modernizar a própria gestão e a apropriação dos atos, fatos e atendimentos que geram e/ou produzem. O governo eletrônico (e-gov) tem sido definido como o uso intensivo das TICs para promover um governo mais eficiente e efetivo. Isto é: para facilitar a acessibilidade ao serviço governamental, através de um maior acesso público à informação e para fazer um governo mais prestador de contas aos cidadãos (RUSCHEL, et al, 2009, p. 86). (...) O governo eletrônico brasileiro conta, desde 2004, com um departamento específico: o Departamento de Governo Eletrônico (DGE). Criado pelo Decreto 5.134, de 07 de julho de 2004, o DGE é encarregado de coordenar e articular a implantação de ações unificadas e integradas de governo eletrônico, as atividades relacionadas à prestação de serviços públicos por meios eletrônicos, além de normatizar e disseminar o desenvolvimento de ações e informações de governo eletrônico na administração federal. (MEZZAROBA E ROVER, 2012. p. 35-36).10 em maior quantidade e rapidez, porém os grandes grupos econômicos e os detentores do poder político somente divulgarão as informações que lhes interessam." (AKUTSU E PINHO, 2002.p.4). 10 No entanto, na visão de Frey (2001), "A maior parte dos governos limita suas iniciativas ao que Lawson chama de “visão fraca” da e-governança; uma abordagem essencialmente conservadora que evita mudanças mais profundas na maneira em que o governo opera e funciona. O governo está preocupado em não passar poder ou influência a outros atores sociais ou políticos. Por outro lado, a visão mais radical ou “visão forte” da governança eletrônica busca reformar a própria base do governo: “A mudança de como o governo opera e que serviços ele presta está de mãos dadas com a transformação de sua cultura, abordagem e estrutura” (Lawson 1998: 16). A partir desse ponto de vista as TIC oferecem uma oportunidade única de ligar as estratégias para serviços online às reformas administrativas que são tão urgentemente necessárias para preparar as administrações públicas para lidar com os desafios de um ambiente cada vez mais complexo, incerto e mutante. Um desses desafios tem a ver com a crise de legitimidade que afetou a democracia e o governo em tempos recentes e a busca de novas formas de cooperação entre governos, o setor privado e a sociedade civil. As TIC podem ser um catalisador não apenas para mudar o foco dos serviços públicos para uma maneira de prestar serviços que seja mais dirigida ao povo, Disponível em: www.ameppp.org.br Transparência, assistência e meio ambiente Além do conceito de "governo eletrônico" e de "democracia digital", nos últimos anos tem se utilizado com frequência a expressão "Governos Abertos" para se referir aos processos que ampliaram a permeabilidade da esfera estatal e permitiram novos espaços de intervenção popular nas ações governamentais.11 O avanço da tecnologia da informação, no entanto, não pode ser entendido como mero instrumento a serviço do ser humano. Na verdade, não faz sentido a existência de ferramentas tecnológicas avançadas sem o domínio do ser humano sobre elas. E esse uso contínuo das ferramentas, esse domínio da tecnologia, produz não uma somatória simples de "tecnologia + ação humana", mas uma nova humanidade. Isso significa que o avanço tecnológico também se impregna no próprio ser humano. Seus procedimentos cotidianos, seus modelos de solução de problemas, suas relações sociais, e até mesmo sua inserção política, se transformam por completo. O desequilíbrio provocado pela inserção de uma nova tecnologia no cotidiano dos seres humanos motiva a construção de novos esquemas12 de ação e representação, remodelando os comportamentos sociais tanto na esfera privada quanto na esfera pública. É o que Maturana (2001) explica com o conceito de acoplamento estrutural, devido à natureza do acoplamento estrutural entre organismo e meio, qualquer dimensão de interação estrutural do organismo e do meio, que se acopla com o fluir de mudanças estruturais do sistema nervoso, pode tornar-se uma dimensão sensorial, e uma expansão do espaço comportamental do organismo. (MATURANA, 2001. p. 186). Desse modo, os discursos que versem sobre os avanços da democracia no mundo contemporâneo não podem mais ignorar o avanço tecnológico em que vivemos, sobretudo no que se refere à tecnologia digital. Não se trata de apenas mais um instrumento à com maior qualidade, mais personalizada, holística, efetiva e criativa (Lawson 1998: 16); mas também oferece possibilidades para sustentar novos modos de criação de redes sociais e políticas e novas formas de participação democrática". (FREY, 2001. p. 36-37). 11 Cf. A Parceria para Governo Aberto do qual o governo brasileiro faz parte. Disponível em: http://www.acessoainformacao.gov.br/acessoainformacaogov/acesso-informacao-mundo/governo-aberto.asp. 12 As expressões "desequilíbrio" e "esquema”, presentes no texto, estão sendo utilizadas em sua concepção piagetiana. Disponível em: www.ameppp.org.br 11 12 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 disposição do ser humano, mas de um novo comportamento social de uma geração que conviveu desde sempre com a presença das ferramentas digitais. A pesquisa As principais delimitações da pesquisa foram pensadas a partir dos comandos presentes nas legislações relacionadas a essa temática. As legislações que versam sobre o acesso à informação e tornam obrigatórios os “Portais Transparência” para todos os poderes em todos os níveis de governo, se vinculam a comandos constitucionais. Um deles é o previsto no caput do Art. 37, que relaciona a “publicidade” como princípio a ser seguido por toda a administração pública brasileira. No entanto, além de ser um dever da administração pública divulgar seus atos, o acesso à informação é insculpido como direito fundamental dos cidadãos, estando previsto no inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal: XXXIII – todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Verifica-se, então, que o acesso à informação não pode ser reduzido a um instrumento democrático pontual, mas considerado como um dos elementos constituidores do modelo de cidadania moderno. De igual modo, os dispositivos infraconstitucionais que tratam do acesso à informação também dialogam com as conjunturas políticas em que são elaborados. A Lei nº 131/2009, por exemplo, alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complemetar n.º 101/2000 – inserindo novos mecanismos de transparência alinhados com os avanços observados no campo da Tecnologia da Informação. Com efeito, o parágrafo único do Art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal passou a figurar com a seguinte redação: Disponível em: www.ameppp.org.br Transparência, assistência e meio ambiente Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante: I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido por Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A. Aqui verificamos que a lei faz referência direta à internet ao determinar o uso dos meios eletrônicos de acesso público (Art. 48, Inciso II). Ao impor o “tempo real” à publicação das informações também se verifica a necessidade de maior utilização dos avanços tecnológicos. Cabe observar que a característica “tempo real” e a ênfase na informação relacionada à execução orçamentária e financeira foram levadas em conta nesta pesquisa no momento da elaboração dos formulários para a avaliação dos portais dos municípios selecionados. Como também se levou em conta os itens mínimos a serem divulgados nos portais, previstos no art. 48-A: Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado; II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários. Os prazos estipulados para a inserção dessas informações nos meios eletrônicos levam em consideração o porte do ente federado, tendo os municípios menores maior tempo para se adaptarem às determinações previstas, conforme previsto no art. 73-B da LRF: Art. 73-B. Ficam estabelecidos os seguintes prazos para o cumprimento das determinações dispostas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e do art. 48-A: Disponível em: www.ameppp.org.br 13 14 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 I – 1 (um) ano para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de 100.000 (cem mil) habitantes; II – 2 (dois) anos para os Municípios que tenham entre 50.000 (cinquenta mil) e 100.000 (cem mil) habitantes; III – 4 (quatro) anos para os Municípios que tenham até 50.000 (cinquenta mil) habitantes. Parágrafo único. Os prazos estabelecidos neste artigo serão contados a partir da data de publicação da lei complementar que introduziu os dispositivos no caput deste artigo. Para observar melhor os prazos tesbalecidos pela legislação e seu impacto nos municípios de Mato Grosso vejamos a Tabela 1: TABELA 1 Prazos para implantação do Portal Transparência (LC n.º 131/2009 de 27/05/2009) Início (venceu em 27 de maio de 2009) Publicação da Lei Complementar n.º 131/2009. 1 ano (venceu em 27 de maio de 2010) União, Estados, Duistrito Federal e municípios com mais de 100 mil habitantes 2 anos (venceu em 27 de maio de 2011) Municípios com 50 mil a 100 mil habitantes 4 anos (vence em 27 de maio de 2013) Municípios com até 50 mil habitantes Considerando os prazos estabelecidos pela legislação e o fato de a coleta de dados para a pesquisa que subsidia este artigo ter sido realizada antes do dia 27 de maio de 2013, optou-se por avaliar os portais dos municípios mato-grossenses que possuem mais de 50 mil habitantes. Uma excessão foi feita para o município de Cuiabá devido à atuação direta do pesquisador na implementação do Portal Transparência desse município. Os problemas vivenciados, as desilusões, os sucessos obtidos, toda a experiência acumulada nesse processo, enfim, contaminam o pesquisador de forma irremediável impedindo uma análise mais isenta. Disponível em: www.ameppp.org.br Transparência, assistência e meio ambiente Com efeito, entre os dias 20 e 26 de maio de 2013 foram avaliados os Portais Transparência dos seguintes municípios mato-grossenses: TABELA 2 Muncípios que tiveram seus portais avaliados MUNICÍPIO Várzea Grande Rondonópolis Sinop Cáceres Tangará da Serra Sorriso Barra do Garças Primavera do Leste POPULAÇÃO EM 2011 255.488 202.309 116.013 88.427 84.076 68.894 56.903 53.003 Além dos itens elencados na Lei de Responsabilidade Fiscal, considerou-se, para fins de avaliação, a presença do conteúdo previsto no art. 8º, § 1º da Lei n.º 12.527 – Lei de Acesso à Informação: Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. § 1º Na divulgação das informações a que se refere o caput, deverão constar, no mínimo: I – registro das competências e estrutura organizacional, endereços e telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público; II – registro de quaisquer repasses ou transferências de recursos financeiros; III – registros das despesas; IV – informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados; V – dados gerais para acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades; e VI – respostas a perguntas mais frequentes da sociedade. § 2º Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). Disponível em: www.ameppp.org.br 15 16 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Assim, os conteúdos obrigatórios relacionados na Lei Complementar n.º 131/2009 e na Lei 12.527/2011, constituíram a base principal da avaliação realizada e representou 70% da pontuação máxima atribuída a cada portal avaliado, conforme Tabela 3. TABELA 3 Conteúdo avaliado na pesquisa e seus respectivos pesos na nota final CONTEÚDO Despesa Receita Licitação Contrato Convênio Pessoal Informações das secretarias (conforme art. 8º, § 1º, da Lei n.º 12.527/2011) Total PESO 10 % 10 % 10 % 10 % 10 % 10 % 10 % 70% Considerando ainda a importância que a Lei de Acesso à Informação reserva à transparência efetiva, ou seja, à possibilidade real de uso das informações pelo cidadão comum, foi avaliada também a “usabilidade” do portal – critério que representou 15% da pontuação máxima. A pontuação para o critério “usabilidade” considerou as ferramentas de consulta – 7% da pontuação máxima –, as formas de geração de relatórios da receita e da despesa (download) – 5% da nota máxima –, e a interação com o usuário – 3% da nota máxima. Além do conteúdo e da usabilidade, foi avaliada a dimensão temporal das informações, representando 10% da pontuação máxima. Para a avaliação da dimensão temporal foram consideradas a periodicidade da atualização do portal (7% da pontuação máxima) e a série histórica disponível (3% da pontuação máxima). Disponível em: www.ameppp.org.br Transparência, assistência e meio ambiente 17 O último critério avaliado foi o da apresentação do portal, que representou apenas 5% da pontuação máxima. Nesse critério levou-se em conta a facilidade de encontrar as informações, o que se relaciona principalmente com os títulos utilizados e a localização dos títulos ou ícones nas páginas. *** Toda a metodologia apresentada foi detalhada em formulários impressos e eletrônicos, contemplando fórmulas que pudessem dimensionar as notas atribuídas a cada portal a partir dos pesos estipulados para as categorias avaliadas. Não cabe, neste artigo, pormenorizar o passo-a-passo da atribuição das notas aos portais dos oito municípios avaliados, no entanto, o acesso a esse detalhamento será franqueado a todos que solicitarem pelo e-mail disponibilizado na folha de rosto deste artigo. Os resultados Os formulários para a análise dos portais foram aplicados entre os dias 20 e 26 de maio de 2013, obtendo-se o resultado geral apresentado no Quadro 1. QUADRO 1 Resumo Geral da Avaliação dos Municípios Município Apresentação (Máx.: 5%) Conteúdo (Máx.: 70%) Várzea Grande Primavera do Leste Rondonópolis Barra do Garças Cáceres Sinop Tangará da Serra Sorriso 3,00% 2,59% 2,59% 1,60% 2,96% 2,74% 2,62% 1,23% 37,20% 28,60% 19,40% 20,00% 18,90% 2,00% 0,00% 0,00% Dimensão temporal (Máx.: 10%) 8,00% 2,15% 3,00% 1,80% 0,60% 0,00% 0,00% 0,00% Usabilidade (Máx.: 15%) Total (Máx.: 100%) 5,63% 8,00% 3,77% 2,20% 2,57% 1,00% 0,00% 0,00% 53,83% 41,34% 28,76% 25,60% 25,03% 5,74% 2,62% 1,23% Disponível em: www.ameppp.org.br 18 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 O Quadro 1 destaca dois resultados principais, o percentual da nota final máxima que o município obteve – o que pode ser verificado na coluna “Total” – e a contribuição de cada uma das categorias nesse total. O município de Várzea Grande, por exemplo, atendeu a 53,83% dos requisitos da pesquisa. É possível afirmar, desse modo, que dentre os 8 maiores municípios de Mato Grosso – excetuando-se Cuiabá – o portal de Várzea Grande foi o mais bem avaliado no levantamento. Esse mesmo portal também foi o melhor avaliado em três dos quesitos utilizados: “apresentação”, “conteúdo” e “dimensão temporal”. No quesito “usabilidade” o município de Primavera do Leste é o que apresenta uma ferramenta eletrônica mais flexível. Nos demais quesitos o Portal Transparência de Primavera do Leste também demonstrou um estágio avançado de implementação. Os municípios de Rondonópolis, Barra do Garças e Cáceres têm portais que apresentam um nível de atendimento aos quesitos da pesquisa variando entre 25% a 29%. Isso pode significar que esses municípios vêm buscando implementar seus Portais Transparência, mas que ainda se encontram em uma fase inicial desse processo. Já os municípios de Sinop, Tangará da Serra e Sorriso, a julgar pelas informações constantes em seus sites oficiais, não se encontram nem mesmo em uma fase inicial da implementação dos seus Portais Transparência e do atendimento à transparência ativa de que trata a Lei de Acesso à Informação. A metodologia utilizada permitiu também uma análise mais genérica a respeito das categorias definidas para a pesquisa. Foi possível verificar, por exemplo, se as maiores dificuldades dos municípios concentraram-se na “apresentação” do Portal, na inclusão das informações (Conteúdo), na atualização e na série histórica das informações (Dimensão temporal), ou nas possibilidades de uso oferecidas ao cidadão (Usabilidade). O Quadro 2 apresenta um resumo da avaliação desses quesitos. Disponível em: www.ameppp.org.br Transparência, assistência e meio ambiente QUADRO 2 Resumo Geral da Avaliação dos Portais das Prefeituras CATEGORIA Apresentação TÓPICO AVALIADO Na página principal da prefeitura Nas páginas internas das secretarias Na página principal do Portal Conteúdo Despesa Receita Licitação Contrato Convênio Pessoal Informações das secretarias Dimensão temporal Série Histórica Atualização Usabilidade Interação com o usuário Consultas Download da Receita e da Despesa % 48,33 87,50 23,88 53,19 22,52 30,06 27,92 37,78 17,50 12,25 17,22 4,69 19,44 21,36 17,08 19,31 18,50 14,42 25,00 Apresentação Verifica-se que a categoria mais cumprida pelas prefeituras é a da “apresentação”. Em média as administrações municipais cumprem 48,33% dos quesitos relacionados a essa categoria. Isso significa que o usuário terá facilidade de encontrar os principais atalhos para acessar as informações. O atalho para os Portais Transparência e os atalhos para acessar as páginas internas das secretarias estão bem visíveis nas páginas principais das prefeituras. Nesse aspecto chega-se a cumprir em média 87,50% dos critérios estipulados pela pesquisa. Uma vez no Portal Transparência o usuário também encontra de forma relativamente fácil os principais títulos para a pesquisa: “Despesa”, “Receita”, “Licitação”, “Contrato”, “Convênio” e “Pessoal”. Nesse tópico, o Portal Transparência atende a 53,19% dos requisitos. Disponível em: www.ameppp.org.br 19 20 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Na contramão desses resultados positivos, as páginas internas das secretarias dificilmente apresentam títulos relacionados às informações obrigatórias, sobretudo aquelas previstas no art. 8º da Lei Federal n.º 12.527/2011, como o “horário de atendimento”, as “competências” e a “estrutura organizacional” das secretarias. Nesse aspecto as prefeituras cumprem apenas 23,88% dos requisitos. Conteúdo No que se referem aos conteúdos disponibilizados pelas prefeituras constata-se um baixo cumprimento das legislações. Apenas 22,52% das informações consideradas necessárias foram encontradas nos Portais Transparência e nas páginas internas das secretarias. Em sua maioria as informações se referem à “Licitação”, com a disponibilização de 30,06% das informações obrigatórias, à “Despesa”, com 30,06% e à “Receita”, com 27,92% das informações obrigatórias disponibilizadas. Tratam-se justamente das áreas mais reguladas pelo ordenamento jurídico brasileiro.13 Observe-se também que as informações relacionadas à receita e à despesa tem lugar de destaque na LC n.º 131/2009, sendo as únicas que precisam constar em tempo real nos meios eletrônicos. A parte não contábil das informações relacionadas a contratos, convênios, pessoal e as informações pontuais dos órgãos e entidades – sobretudo aquelas previstas no art. 8º da Lei n.º 12.527/2011 – são reguladas num tempo mais recente e carecem de um corpo profissional específico para avaliá-las. Os órgãos de controle interno e externo parecem ter sido, historicamente, os principais destinatários das informações publicadas pelos governos estaduais e municipais. 13 Cf. Lei n.º 8.666/1993, Lei n.º 9.755/1998 e Lei Complementar n.º 101/2000. Todas elas, ao determinarem transparência aos dados públicos, centram-se nas informações relacionadas à execução orçamentária e financeira. Disponível em: www.ameppp.org.br Transparência, assistência e meio ambiente E, via de regra, esses órgãos de controle estão mais concentrados nos demonstrativos dos fatos contábeis, negligenciando a avaliação da efetividade das políticas públicas.14 A Lei de Acesso à Informação inova justamente ao eleger o Controle Social como o interlocutor privilegiado das informações públicas. Daí a necessidade de uma divulgação mais ampliada e com linguagem adequada a esse novo público. Considerações Finais Ainda que aceitemos que poderiam ser obtidos outros resultados intermediários caso alterássemos os pesos atribuídos a cada tipo de informação trazida pelos portais, consideramos muito improvável não se chegar à conclusão de que os municípios de Várzea Grande e Primavera do Leste encontram-se em um estágio avançado de implementação dos seus portais; de que os municípios de Rondonópolis, Barra do Garças e Cáceres encontramse em estágio inicial de implementação de seus portais; e de que os municípios de Tangará da Serra e Sorriso não apresentam iniciativas visíveis de implementação do Portal Transparência. Mostra-se bastante robusta, também, a evidência de que as informações voltadas ao público em geral e ao controle social são pouco divulgadas se comparadas às informações mais contábeis voltadas ao atendimento das demandas dos Tribunais de Contas e dos Órgãos de Controle Interno. Essa tendência se realça ainda mais diante de um cenário político e social que não oferece ferramentas e instâncias mais concretas para a avaliação dos resultados das ações governamentais. O outro lado dessa moeda é, precisamente, a ausência de dispositivos punitivos vinculados à efetividade das políticas públicas, tais como os que existem no âmbito do controle técnico-burocrático exercido pelas auditorias. 14 Exceção à regra são as iniciativas do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso que buscam disseminar junto a seus jurisdicionados o modelo de gestão pública voltada para resultados. Disponível em: www.ameppp.org.br 21 22 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 É possível sugerir, ainda, um problema a ser respondido por outros estudos congêneres: Em que medida as ferramentas eletrônicas disponíveis aos municípios interferem na qualidade das informações disponibilizadas à sociedade? No decorrer desta pesquisa fomos levados a crer que se fossem instituídos nos municípios mato-grossenses sistemas padronizados e integrados – de execução orçamentária, de controle de licitações, de gestão de contratos, de portal transparência – teríamos um avanço significativo no nível inicial da transparência pública. Isso significa que para disponibilizar informações à sociedade é preciso que, antes, estas informações estejam disponíveis ao próprio governo municipal. Devido à ausência de procedimentos internos eficazes para a gestão da informação muitos prefeitos enfrentam grandes dificuldades de acesso a dados e a informações qualificadas. Referências bibliográficas AKUTSU, Luiz. PINHO, José Antonio Gomes de. Sociedade da informação, accountability e democracia delegativa: investigação em portais de governo no Brasil. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro 36(5):723-45, Set./Out. 2002. BATISTA, Carmem Lúcia. Informação pública: controle, segredo e direito de acesso. 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O estudo observou falhas no Portal de Transparência de Rondonópolis-MT quanto às atualizações das informações, bem como, o desinteresse de uma grande parcela de acadêmicos em conhecer as Políticas Públicas efetivadas pelos gestores públicos municipais. Palavras-chave: Transparência. Gestão Pública. Direito à Informação. 1 Aluna especial no Mestrado em Educação da UFMT. Pós-graduada em Direito Público. Pós-graduanda em Didática do Ensino Superior e em Gestão Pública Municipal. Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UNIC, professora universitária e advogada em Mato Grosso. E-mail: [email protected]. 2 Aluno especial no Mestrado em Política Social da UFMT e Educação-IFG. Especialista em Direito Público Material, em Didática e Metodologia do Ensino Superior e em Tecnologia Contemporânea e Novas Práticas Educacionais. Graduado em Direito e em Licenciatura em Matemática. Técnico do Ministério Público de Mato Grosso e Professor Universitário. E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Educação Matemática e em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela IBPEX. Bacharel em Economia. Professor em Cuiabá. E-mail: [email protected]. 26 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Introdução O presente artigo se propôs a discutir a importância do Portal de Transparência para que a sociedade tenha conhecimento das ações do poder público, com ênfase para as políticas públicas realizadas em benefício de todos, na construção de um mundo mais digno e justo. O acesso ao Portal de Transparência traz a lume o exercício do direito de cidadãos garantido pela Constituição Federal brasileira, que previu a partir da Lei Orgânica de Assistência Social e regulamentação o direito de todos terem acesso ao direcionamento dos recursos públicos conhecendo as ações efetivas dos gestores do poder público. O estudo enfatizou também a consciência dos acadêmicos do Curso de Direito de uma universidade particular de Rondonópolis-MT, especificamente do 5º semestre matutino, sobre o exercício de sua cidadania no acesso ao Portal de Transparência de Rondonópolis-MT e o acompanhamento das políticas públicas efetivadas. Identificou-se, ainda, que a disponibilidade de informações quanto às políticas públicas efetivadas pelo poder público municipal é elemento fortalecedor da democracia, porém, esta é consolidada quando pela participação da sociedade acessando o portal e tendo maior controle sobre as ações executadas pelo poder público. Segundo Canela e Nascimento (2009, p.10) é dever do Estado salvaguardar os direitos dos cidadãos em relação às informações acerca das ações da gestão pública ao “institucionalizar instrumentos para o acesso a informações é a forma encontrada pelas democracias para impedir que os ‘porteiros da informação’, em um claro abuso de poder, desrespeitem um direito fundamental de todos os indivíduos [...]”. Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa exploratório-descritiva, com a coleta de informações a partir de um questionário e análise quali-quantitativa. Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente Direito à informação e acesso às políticas públicas Quando se discute enfaticamente o direito à informação em todo o Brasil e especialmente no meio acadêmico, tem-se o entendimento de que tais discursos são originados na consciência moderna de todos os cidadãos. No entanto, Herkenhoff e Rabelo (2011, p.80) apontam que a relação entre comunicação e democracia não é elemento atual, pois desde a década de 1980 envolve o interesse em todo o mundo, sendo que: “Em 1980, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) lançou o documento “Um mundo e muitas vozes – comunicação e informação na nossa época”. [...]”. Conforme esclarecem Herkenhoff e Rabelo (2011) um dos motivos que gerou o uso dos meios de comunicação para que os gestores e órgãos públicos construíssem um elo com a sociedade civil foi o desenvolvimento das tecnologias da informação na década de 1980 e, ainda, a abertura democrática em todo o mundo, em que o povo clamava por transparência. Assim, surgiram organizações que passavam a reivindicar o direito de saber como os recursos públicos eram aplicados e, no Brasil, tal direito foi fortalecido pela Constituição de 1988. O direito à informação constitui na interpretação de Correia (2000) como um instrumento que capacita à sociedade civil a interferir na gestão pública, especialmente, no que se refere às Políticas Públicas. Todavia, para o autor este quadro de controle social a partir da informação somente pode alcançar os objetivos traçados de transparência quando o gestor público assim como a sociedade civil busca utilizar de forma cidadã os recursos de comunicação e informação. As discussões acerca da importância da transparência das ações de gestão do poder público gera o interesse em compreender e conhecer as Políticas Públicas, sendo que no Brasil estas ganharam maior notoriedade, segundo Setubal (2012), somente na última década, sendo que não se concebe mais a gestão pública sem políticas para a educação, saúde, cultura, esporte, justiça e assistência social. Salienta ainda Setubal (2012) que a transparência das Políticas Públicas pode tornar mais participativos os cidadãos, porém não é garantia de que efetivamente alcancem os objetivos traçados. No entanto, cabe à gestão pública buscar de todas as formas a construção de uma Disponível em: www.ameppp.org.br 27 28 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 sociedade mais digna e justa, alicerçada no desempenho positivo do poder público a partir da efetivação de Políticas Públicas e da participação da sociedade civil em sua formulação e implementação. Para Mendel (2009) discutir temas relacionados com o direito à informação ou o direito da sociedade civil, dos acadêmicos, da mídia e até mesmo dos governos saberem o que vem sendo desenvolvido pela gestão pública, é um processo que fortalece a democracia e emerge como um instrumento de conscientização da população quanto ao desempenho e efetividade de sua cidadania. Traçando um histórico do direito à informação Mendel (2009) esclarece que enquanto no ano de 1990 somente 13 países haviam adotado leis nacionais de transparência com o direito à informação, uma década mais tarde, em 2009, já eram 70 países em nível global que oportunizavam aos seus cidadãos este acesso. Ressalta-se ainda que órgãos mundiais como grandes instituições financeiras internacionais adotaram políticas de divulgação de suas atividades, oportunizando a sociedade conhecer as ações executadas e o trabalho de resgate da responsabilidade social ou socioambiental. Para Michener (2011), embora nas últimas duas décadas tenha crescido o número de empresas e governos que numa ação democrática fazem da informação de suas ações uma forma de comunicação com a sociedade, esta transparência das políticas públicas ainda é limitada, pois não basta apenas que o governo disponibilize as informações, mas também que a sociedade tenha interesse em acessá-las e divulgá-las. Entende-se ainda que as leis de acesso às informações também enfrentam problemas, seja pela fragilidade dos meios de comunicação para a imparcialidade, seja pela falta de consciência cidadã. Para a ocorrência desta abertura de transparência, foi assim, necessário que ocorresse um processo de evolução nas leis, sendo que estas se fundamentam nos seguintes princípios: LIDERANÇA: a vantagem mais importante é a liderança política, o que pode elevar o status da liberdade de informação como uma prioridade entre os servidores públicos e cidadãos e que garante os recursos necessários para sustentar legislações de acesso efetivas. Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente USO AMPLO DO DIREITO: socializando-se o direito de acesso a informações governamentais aumentando o uso de leis de liberdade de informação elevará as expectativas para a abertura exigindo uma maior atenção por parte dos líderes (MICHENER, 2011, p.9). Verifica-se, portanto, que a transparência das ações do poder público é elemento construtor de uma sociedade diferente, em que a responsabilidade social parte não apenas da elaboração de Políticas Públicas, mas da liderança política e direito de desenvolver a cidadania de toda a sociedade civil. Esta transparência das ações do poder público, segundo Canela e Nascimento (2011), somente alcança os objetivos traçados a partir do aprofundamento das relações de confiança de confiança entre poder público e a sociedade civil, e a confiança nos mecanismos institucionais de controle e acesso às informações por todas as pessoas, de forma ampla e irrestrita. Apontam ainda que: Sempre que necessário, devem ser, também, tomadas providências para garantir a certos grupos específicos efetiva acessibilidade às informações, como, por exemplo, as pessoas que não sabem ler nem escrever, as que não falam a língua usada nos documentos ou as que portam alguma restrição física, como aqueles com deficiência visual. Deve ser estipulado que todos os organismos públicos utilizem sistemas internos abertos e acessíveis para garantir o direito do cidadão à informação (CANELA; NASCIMENTO, 2011, p.24). Existe a necessidade de que este Portal de Transparência seja acessível a todas as pessoas e, quando isto não for possível, é pertinente que outras formas de acesso à informação sejam disponibilizadas para a população em uma clara demonstração de que a democracia tem como o principal elemento a clareza de ações. Para Gruman (2012), a lei de acesso à informação no Brasil está alicerçada no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 que, em seu inciso XXXIII, preceitua o direito de todo cidadão brasileiro de ter conhecimento acerca dos órgãos públicos e de interesse geral ou coletivo, “que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, bem como o artigo 37, o qual preleciona que “toda a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da Disponível em: www.ameppp.org.br 29 30 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá ao princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Sobre o acesso à informação no Brasil, tem-se que, em maio de 2012, entrou em vigor a Lei n. 12.527/2011, denominada Lei de Acesso à Informação, que se embasou nos princípios da publicidade e da transparência da prática de todos os atos da Administração Pública, na totalidade dos níveis da Federação, regulamentando assim, o art. 5º da Constituição Federal, especificamente o inciso XXXIII. Segundo Gomes e Siqueira (2013), além de tratar o art. 37, §3º, II, a referida Lei traz a lume o art. 216, §2º (que determina à Administração Pública franquear a consulta à documentação governamental a quem possa interessar, na forma da lei). De acordo com o entendimento de Gomes e Siqueira (2013), a Lei n. 12.527/2011, é em sua essência um instrumento que buscou colaborar para que a gestão pública seja transparente, regulamentando os dispositivos constitucionais que garantem a todo e qualquer cidadão brasileiro o exercício de seu direito de informação e conhecimento das ações públicas. O Estado de Mato Grosso, a exemplo da União, vem trabalhando para tornar acessível a todos os cidadãos o seu direito à informação. Neste sentido, o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso aprovou a Resolução nº 25/2012 do Tribunal Pleno, aprovando a “Guia para Implementação da Lei de Acesso à Informação e Criação das Ouvidorias dos Municípios”, de modo a garantir o acesso amplo a todos os cidadãos mato-grossenses a usufruir de seu direito à informação. Esta Resolução nº 25/2012-TP agrega a importância do exercício de cidadania e do controle social que pode ser realizado por toda a sociedade civil, buscando, assim, a construção de uma sociedade mais justa e transparente, em que o poder público possa trabalhar sob o “olhar” e controle de todo o cidadão. Metodologia do estudo A base do presente artigo foram duas pesquisas uma exploratória e outra descritiva, sendo a primeira somente com base em dados teóricos e a segunda com base em estudo prático, tendo Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente como público alvo da pesquisa os acadêmicos do Curso de Direito do 5º Semestre Matutino de uma instituição de ensino superior de Rondonópolis-MT. Na interpretação de Severino (2007) a pesquisa bibliográfica fundamenta o conhecimento teórico dos pesquisadores e permite o aprofundamento sobre o tema abordado, enfatizando os principais aspectos que envolvem a pesquisa. No caso específico deste estudo o direito à informação de toda a sociedade e a importância do Portal de Transparência para efetividade da cidadania. Sobre a pesquisa descritiva, esta de acordo com Gil (2002), é uma forma de conhecer profundamente um objeto ou público, sendo que neste artigo foram realizadas análises que permitiram avaliar o interesse dos acadêmicos de Direito da instituição de ensino superior em relação ao direito de informação a partir do Portal de Transparência municipal e o seu exercício de cidadania. Neste sentido, o público alvo foi composto por 42 (quarenta e dois) acadêmicos do Curso de Direito do 5º Semestre Matutino de uma instituição de ensino superior de Rondonópolis-MT, sendo que o público participante foi 35 (trinta e cinco) acadêmicos que responderam a um questionário, que continha 5 (cinco) questões fechadas e foram aplicados pelos pesquisadores, significando a adesão de 83,33% da população do estudo. Depois de coletados os dados os mesmos foram tabulados e realizado o estudo de caso que, de acordo com Yin (2005), é um dos principais métodos de estudo para o conhecimento amplo do objeto analisado, sendo que a apresentação das informações foi realizada a partir da representação gráfica e da análise quali-quantitativa. De acordo com Vergara (2005, p.59), o uso de uma pesquisa quali-quantitativa permite o aprofundamento do estudo, isso porque “é possível tratar os dados quantitativa e qualitativamente no mesmo estudo. Por exemplo, pode-se usar estatística descritiva para apoiar uma interpretação dita subjetiva ou para desencadeá-la”. Disponível em: www.ameppp.org.br 31 32 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Resultados e discussões A importância do direito à informação para a perpetuação da democracia foi um tema discutido neste estudo, partindo do princípio que os acadêmicos de Direito necessitam ter consciência do exercício do direito da cidadania e, ao mesmo tempo, das ações do poder público quanto às Políticas Públicas executadas. Segundo apontou Correia (2000) o exercício da cidadania não apenas permite a sociedade civil conhecer as ações do poder público como fazer um trabalho de controle e participação. Ao iniciar a exposição dos dados da pesquisa descritiva, tem-se que a primeira questão levantou se os acadêmicos do Curso de Direito do 5º Semestre Matutino de uma instituição de ensino superior de Rondonópolis-MT tinham conhecimento do Portal de Transparência do Município de Rondonópolis-MT, cujas respostas podem ser verificadas no Gráfico 1. GRÁFICO 1 Conhecimento do Portal de Transparência do Município de Rondonópolis - MT 60% 57,1% 50% Não 37,2% Sim, porém não tenho o hábito de acessar 40% 30% 20% 10% 5,7% Sim, inclusive acesso para conhecer as Políticas Públicas efetivadas 0% Fonte: Pesquisa (2013) Observa-se no Gráfico 1 que, dentre os acadêmicos participantes do estudo, somente 5,7% tinham conhecimento e acessavam a ferramenta do Portal de Transparência, exercendo assim seu Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente direito de cidadão à informação quanto às ações da gestão pública para identificação e controle das aplicações das verbas públicas. Já 37,5% dos entrevistados apontaram conhecer, mas não terem o hábito de acessar. Do grupo de pesquisados, 57,1% dos acadêmicos responderam não acessar o portal sendo, portanto, um fator relevante que a maioria desconheça os instrumentos da democracia para conhecer as Políticas Públicas desenvolvidas. Embora, desde 2006 já existissem municípios em todo o Brasil com esse portal da transparência com acesso a população, Rondonópolis-MT somente iniciou atividades a partir de 1º de março de 2013, conforme projeto 01/2013 do vereador Thiago Alexandre Rodrigues da Silva (PMDB). No entendimento de Mendel (2009), a democracia somente é fortalecida quando os cidadãos exercem o seu direito à informação, desta forma, quando os próprios acadêmicos do Curso de Direito não utilizam este instrumento fica evidente a fragilidade desse Portal como ferramenta da democracia. As temáticas do “exercício da cidadania”, do “controle social” e da “ necessidade de transparência” vêm sendo discutidas com maior ênfase nos primeiros dias do mês de junho de 2013, quando se iniciou um processo de clamor social com a execução de protestos, muitos dos quais de forma violenta, em que os cidadãos brasileiros não mais querem ser subjugados pela falta de informação das ações da Gestão Pública. Assim, nota-se que apesar do Direito estar entrelaçado em muitos ramos com a política e esta ser de total importância para a convivência da população, os acadêmicos, enquanto cidadãos desconhecem as ferramentas que podem ser utilizadas no dia-a-dia para o acompanhamento da Administração Pública e o fortalecimento da democracia. Disponível em: www.ameppp.org.br 33 34 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 GRÁFICO 2 Exercício do direito de acesso à informação acessando o Portal de Transparência do Município de Rondonópolis - MT 80% 71,5% Não 70% 60% 50% 40% Sim, esporadicamente 28,5% 30% 20% 10% Sim, sempre 0,0% 0% Fonte: Pesquisa (2013) Dos entrevistados do Curso de Direito apenas 28,5% afirmou que exerce seu direito de acesso a informação por meio do Portal de Transparência do Município de Rondonópolis-MT, sendo que 71,5% não exercem este direito que possuem para saber mais a respeito do direcionamento dos recursos públicos. Nota-se claramente não apenas uma falta de interesse, como também de conhecimento tanto desta ferramenta de informação geradora de democracia, quanto dos direitos de cidadãos em controlar as ações dos gestores públicos pela construção de uma sociedade mais digna e justa. A falta de interesse da sociedade civil em relação às atividades públicas, segundo Mendel (2009), é um fato histórico, sendo que em 1990 somente 13 países em todo o mundo disponibilizavam tais informações, seja pelo desinteresse dos próprios gestores públicos em compartilhar suas ações com a sociedade, seja pela falta de sentimento de cidadania e respeito à democracia pelos cidadãos. Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente A terceira questão levantou se os pesquisados tinham conhecimento sobre o Portal de Transparência do Município, considerando sua importância na formação acadêmica: GRÁFICO 3 Tem conhecimento acerca do Portal de Transparência do Município de Rondonópolis – MT e sua importância para a formação acadêmica 60% 51,4% Muito importante 50% Importante 40% Pouco Importante 30% 20% 10% 20,0% 14,2% 11,5% 2,9% Sem importância Não respondeu 0% Fonte: Pesquisa (2013) Dentre os 42,9% que afirmaram nas questões anteriores conhecerem o Portal de Transparência e o acessarem sempre ou esporadicamente, destes 51,4% consideram importante para sua formação na área do Direito esta ferramenta que gera conhecimento, já 20% consideram muito importante ao seu desenvolvimento enquanto 11,5% consideram pouco importante e 14,2% preferiram não responder a esta questão sendo que somente 2,9% declararam sem importância. Caso se observe os pesquisados que possuem conhecimento acerca do Portal de Transparência, nota-se um elevado grau de importância chegando a 71,4% a consciência do valor de tais dados para a sociedade no exercício de sua cidadania e fortalecimento da democracia. Porém, segundo Michener (2011), embora venha crescendo o interesse da sociedade civil em Disponível em: www.ameppp.org.br 35 36 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 relação ao direcionamento dos recursos em Políticas Públicas, ainda é preciso mais engajamento nesta longa caminhada rumo a uma democracia livre e cidadã. É importante ainda reiterar que o Portal de Transparência de Rondonópolis-MT está em funcionamento desde 1º de março de 2013, não tendo seu funcionamento amplamente divulgado pelos órgãos do poder público municipal, o que gera limitação da sociedade civil, quanto ao conhecimento e importância em seu acesso. GRÁFICO 4 Tem o hábito de indicar aos seus colegas o Portal de Transparência para que eles também possam ficar informados 74,3% 80% Não respondeu 70% 60% Não 50% 40% Sim, esporadicamente 30% 20% 8,5% 11,5% 5,7% Sim, sempre 10% 0% Fonte: Pesquisa (2013) A ferramenta de disponibilização da informação é útil não apenas aos acadêmicos, mas a toda população, visando divulgar o conhecimento sobre as ações da gestão pública municipal. Porém, além de acessar, é preciso que os cidadãos divulguem este instrumento democrático. Não obstante, o levantamento realizado evidenciou que dentre os acadêmicos pesquisados 5,7% relataram divulgar sempre, enquanto 11,5% afirmaram contar esporadicamente aos colegas sobre o que leem no portal divulgando este instrumento. Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente Grande parcela dos entrevistados, 74,3%, negou realizar qualquer divulgação do Portal, sendo um dos principais motivos para o baixo índice de acadêmicos de Direito fazendo uso do seu direito à informação. Nota-se, com estes resultados, que apesar da parcela relevante de 62,9% (Gráfico 3) considerar importante para a formação acadêmica o conhecimento acerca do portal, pouco é feito para divulgar a ferramenta que poderia ser útil para um número maior de acadêmicos no exercício de sua cidadania. Para Michener (2011), o exercício do direito à informação das ações públicas somente ocorre quando os gestores públicos, assim como a própria sociedade, se comprometem com uma postura de controle e fiscalização, sendo o Portal de Transparência uma ferramenta de largo e consciente uso. Por fim, a última questão identificou a opinião dos acadêmicos sobre a importância em conhecer as Políticas Públicas de seu município com o seguinte entendimento: GRÁFICO 5 Importância em conhecer as Políticas Públicas de seu Município na formação cidadã 70% 62,8% Muito importante 60% Importante 50% 40% Pouco Importante 28,5% 30% 20% 10% Sem importância 2,9% 2,9% 2,9% Não respondeu 0% Fonte: Pesquisa (2013) Disponível em: www.ameppp.org.br 37 38 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 O Gráfico 5 aponta que 62,8% dos pesquisados tem consciência que é importante para o seu curso de graduação conhecer as Políticas Públicas de transparência e reconhecê-las enquanto possibilitadoras de uma formação cidadã, 28,5% afirmou ser apenas importante, o que gerou uma análise de 91,3% de acadêmicos conscientes da importância em ter conhecimento sobre as Políticas Públicas desenvolvidas, sendo que um dos entrevistados ainda escreveu em seu formulário: “enfatizo a importância das políticas públicas na área da educação”. Nas três últimas respostas verificou-se uma coincidência de percentuais. Isso porque 2,9% dos acadêmicos afirmaram que “conhecer as Políticas Públicas de Rondonópolis tem pouca importância”; outros 2,9% apontaram não ter importância alguma e, um último grupo de acadêmicos, representando também 2,9%, preferiram omitir sua opinião sobre essa tópico. Sendo assim, fica claro, que apesar da ideia de que a ferramenta é muito importante ainda é pouco usada tanto na esfera acadêmica, quanto na sociedade civil, fator que pode ser consequência da falta de compreensão acerca de que uma verdadeira democracia se faz com a participação ativa da sociedade. Conclusão O direito à informação a partir do acesso a portais de transparência é uma ferramenta que efetivamente agiganta a democracia e o Brasil, embora tenha apresentado na Constituição Federal de 1998 esse elemento, somente em 2006 foi iniciado um processo de transparência nas gestões municipais, estaduais e da União. Considerou-se que os portais de transparência permitem que os indivíduos conheçam e participem do processo democrático. Todavia é preciso que haja interesse em conhecer as políticas e as ações da gestão pública, na intenção de controlar o uso dos recursos públicos, o que vem ocorrendo em Rondonópolis com o acesso ao Portal de Transparência, porém, constata-se a necessidade de maior divulgação por parte tanto da administração municipal quanto dos próprios cidadãos. Observou-se, ainda, que durante o desenvolvimento desta pesquisa os acadêmicos pesquisados demonstraram maior interesse em conhecer o Portal de Transparência de Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente Rondonópolis-MT. Não obstante, assistimos a manifestações em sala de aula quanto à falta de atualização do portal e a dificuldade em acessar devido às instabilidades do link, o que gera desinteresse em seu acesso e no exercício efetivo da cidadania. 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Disponível em: www.ameppp.org.br 39 ASSISTÊNCIA SOCIAL, GESTÃO DO TRABALHO E OS IMPACTOS DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: DINÂMICA, CONTRADIÇÕES E DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUAS EM MATO GROSSO Anne Grace Gomes1 Izabel Cristina Dias Lira2 Janaina Carvalho Barros3 Janaina Loeffler de Almeida4 RESUMO O presente artigo visa discutir os rebatimentos do modelo de gestão do trabalho flexível na Assistência Social, abordando os principais desdobramentos para a materialização da Política, as contradições entre o modelo preconizado pelo Sistema Único de Assistência Social/SUAS e a forma como vem sendo implementada, sobretudo, em Mato Grosso. Neste sentido, o texto discorre sobre a forma como as transformações no mundo do trabalho vêm impactando a gestão do trabalho no espaço público, em especial no SUAS, e os rebatimentos decorrentes desse processo para a operacionalização da Política de Assistência Social, uma vez que tais mudanças acirraram as condições de precarização e desregulamentação do trabalho, impactando também na esfera pública. Palavras-chave: Reestruturação produtiva, gestão do trabalho no SUAS, política de Assistência Social. 1 Mestre em Serviço Social e Política Social pela UEL/PR. Professora da UFMT e pesquisadora do Grupo Trabalho e Sociabilidade. 2 Doutora em Serviço Social pela PUC/SP. Professora da UFMT e pesquisadora do Grupo Trabalho e Sociabilidade. 3 Doutora em Serviço Social e Política Social pela UFRJ/RJ. Professora da UFMT e pesquisadora do Grupo Trabalho e Sociabilidade. Coordenadora do Curso de Serviço Social da UFMT. E-mail: [email protected]. 4 Mestre em Serviço Social e Direitos Humanos pela UFSC/SC. Professora da UFMT e pesquisadora do Grupo Trabalho e Sociabilidade. Vice-presidente da ABEPSS/Centro-Oeste (Gestão: 2013/2014). E-mail: [email protected]. 42 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Notas introdutórias A reestruturação produtiva e suas repercussões sobre as condições de vida e de trabalho, no final do século XX e início do XXI, têm provocado alterações bruscas, do ponto de vista do processo de desproteção social, na sociedade, principalmente no que diz respeito aos trabalhadores e as políticas sociais que procuram promover redistribuição de renda direcionada ao atenuamento das desigualdades geradas pelo capitalismo. As mudanças processadas na gestão estatal da força de trabalho, o posicionamento do Estado quanto ao uso, remuneração e reprodução da força de trabalho contemporaneamente, demonstram que a relação entre Estado e capital, necessária e primordial à continuidade e existência do segundo, vem passando por alterações nas últimas décadas. Nesta direção, este artigo tem como finalidade discutir sobre a forma como as transformações no mundo do trabalho vêm impactando na gestão do trabalho no espaço público, em especial no Sistema Único de Assistência Social/SUAS. Também pretende problematizar as consequências decorrentes desse processo para a operacionalização da política de Assistência Social, fazendo o recorte para o estado de Mato Grosso. Para tanto, se faz necessário compreender as bases em que tem se operacionalizado a gestão do trabalho no SUAS, com atenção especial ao estado de Mato Grosso. Elementos como o trabalho intensificado, flexibilizado e precarizado, colocam-se como limites à execução do SUAS, assim como previsto no seu modelo. Esta conjuntura tem íntima relação com o cenário das transformações no mundo do trabalho e no Estado, incidindo sobre as políticas sociais e a gestão do trabalho, que passam a se desenvolver sob a égide do projeto neoliberal e de uma nova etapa no padrão de acumulação capitalista. Estado, Neoliberalismo e Modelo de Gestão Gerencial O processo de reestruturação capitalista tem como características de organização da produção e do trabalho, entre outras, o enxugamento da estrutura da produção; a Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente diminuição do número de trabalhadores com a respectiva ampliação de atribuições (polivalência) e a terceirização da força de trabalho (subcontratação). Assistimos à dinâmica de um mercado marcado pelo crescimento da flexibilização, da intensificação e da precarização do trabalho, mecanismos estes que têm se mostrado eficientes para garantir a reprodução ampliada do capital e que se constituem em formas de exploração e dominação dos trabalhadores. Essas características internacionalizadas e disseminadas através do processo de mundialização do capital impõem formas e relações de trabalho, sociais, econômicas e modos de vida que estabelecem condições e parâmetros, que de acordo com a organização dos trabalhadores e da sociedade em determinadas condições sócio-históricas, redesenham as relações políticas entre capital, Estado e sociedade. Atualmente o que se constata é que uma das maiores consequências dessa mundialização é o crescimento da desigualdade social, com a ênfase na construção de relações sociais desumanizadas e alienadas, que viabiliza a exploração, dominação do modo de ser imposto pelo capitalismo. A reforma do Estado brasileiro aparece nos anos de 1990 como um pressuposto ideológico que parte da referência da crise localizada no inchaço da máquina estatal e de seu déficit. O discurso da reforma5 teve como fundamento a herança de uma crise acumulada, que se intensificou no período da ditadura, período no qual a vigência de gestão era pautada pelo modelo burocrático. Deste modo, como assinala Bresser Pereira (1999), a conjuntura de crise da década de 1990 foi produto direto do déficit fiscal, do endividamento externo e de uma gestão populista, ou seja, na medida em que se centralizava na figura do Estado responsabilidades de gestão social e de mercado, também se criava as condições objetivas de falência da instituição. No Brasil, a luta pela redemocratização, e com ela as tentativas de construção e ampliação dos direitos sociais, se viram impactadas pelo reordenamento do capital mundial. Deste modo, o discurso da reforma não se referiu só a reestruturação de um Estado falido, 5 Sobre o assunto ver Behring (2003) e Nogueira (1998). Disponível em: www.ameppp.org.br 43 44 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 mas também à adequação aos ditames internacionais para fortalecimento do capital produtivo e financeiro e do neoliberalismo. Equivale dizer que o processo de reforma do Estado tem relação íntima com a reestruturação capitalista, e com ela a reorganização no sentido de adequar e atender as necessidades que são colocadas por esta nova ordem. O Estado em um contexto neoliberal tem como características a privatização, focalização das políticas e absorção da gestão gerencial da esfera privada. Essa transferência da lógica privada para o espaço público terá como consequência o privilegiamento da eficiência e da produtividade de acordo com a racionalidade privada, na qual a atenção do Estado deve se voltar para os segmentos populacionais que não tem condições de acessar os bens e serviços que atenderão suas necessidades via mercado. Isto significa repassar ao mercado, os serviços que anteriormente eram ofertados por esse Estado (saúde, educação, segurança, etc) – É o que podemos chamar de desresponsabilização do Estado. Acompanham essas mudanças da Contrarreforma do Estado a discussão sobre a ênfase da instrumentalidade nas práticas institucionais de gestão, desde a década de 1990, nas quais passa a ser priorizada a dimensão técnica no lugar da dimensão política (processo de despolitização das práticas sociais). “Os direitos sociais passam a ser abordados tecnicamente, dependendo mais da adequada aferição da realidade, mediante delimitação dos focos essenciais de atenção pública, do que de projeto político de enfrentamento das desigualdades sociais e da exploração capitalista” (BARBOSA, 2004 p.53). Nesse caminho indica-se a “urgência de dotar a gestão da seguridade de maior eficiência e competitividade” (BARBOSA, 2004 p.53), e para isto restringe-se a responsabilidade do Estado no que se refere à proteção social, a ponto de submetê-la a descentralização, focalização e privatização. Para a consolidação dessas mudanças, o modelo gerencial vem sendo utilizado como principal referencial orientador da gestão na administração pública, tendo como objetivo a flexibilização administrativa. O modelo gerencial (NOGUEIRA, 1998) toma como eixo estruturador os mecanismos de mercado. Significa que se trata de uma estratégia para formatar a administração pública em termos mais “empresariais”, alterando concepções dentro da esfera pública, como exemplos, a introdução da ideia de “cliente” e Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente contratualismo, principalmente no que se refere à diminuição do Staff de empregados diretos pelo Estado, reforçando a discussão em torno do fim da estabilidade dos servidores públicos, entre outros. O gerencialismo, enquanto modelo, referenda a discussão dos teóricos da reforma no que se refere a redução do funcionalismo público6. O principal argumento refere-se aos privilégios dos funcionários e os elevados custos na manutenção dos mesmos pelo Estado. Neste sentido, a defesa dos teóricos da reforma foi no sentido de promover o fim da estabilidade dos funcionários públicos e, no seu lugar, utilizar como modalidade, os contratos de trabalho diversificados. Esta concepção de gestão de trabalho no Estado caracteriza a flexibilização e desregulamentação experimentada no mundo do trabalho com o processo de reestruturação produtiva, refletindo a relação da precarização do trabalho neste contexto. Embora o Estado não tenha obtido êxito no que se refere a extinção da estabilidade funcional, conseguiu ampliar os contratos rotativos e temporários, fragmentando e fragilizando a gestão do trabalho nos serviços públicos, ao mesmo tempo em que facilitava, de forma indiscriminada, o desmonte das garantias trabalhistas contidas na CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. Neste sentido, percebe-se que há uma profunda relação entre as transformações ocorridas no mundo do trabalho e os fundamentos orientadores da reforma do Estado brasileiro. Sinaliza não só o papel do Estado em garantir as condições objetivas para consolidação das mudanças necessárias ao reordenamento do capital, mas na própria absorção, pela administração pública, dos processos de flexibilização, e terceirização do trabalho. A gestão do trabalho flexível tem variados impactos. Por um lado enfraquece e desmobiliza o funcionalismo público, na medida em que aumenta os contratos temporários e os cargos de comissão, em detrimento da realização de concursos públicos para efetivação dos funcionários. De outro lado, compromete a gestão das políticas públicas, visto que a 6 A questão é mais aprofundada pelo principal teórico defensor da reforma do Estado brasileiro, Bresser Pereira (1999). Disponível em: www.ameppp.org.br 45 46 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 rotatividade de profissionais descaracteriza a continuidade das ações, assim como a garantia de qualidade das mesmas, já que a fluidez nos serviços demanda novos aprendizados e reorganizações, que interferem diretamente na operacionalização das políticas, bem como no acesso e permanência dos sujeitos às mesmas. Para compreender melhor a repercussão dessas mudanças na gestão do trabalho no SUAS é preciso conhecer como o sistema foi pensado e implantado, bem como a estrutura que propõe para a operacionalização da Política de Assistência Social. E é sobre a esta Política e o SUAS que passaremos a tratar no próximo item. A Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência Social. A Política Nacional de Assistência Social de 2004 surge como forma de resistência frente à restrição de direitos sociais respaldada pelo ideário neoliberal. Esta política indica as diretrizes para efetivação da Política Nacional, entendida enquanto direito e responsabilidade do Estado, pautada em um modelo de gestão compartilhada, destacandose quais as atribuições e competências dos três níveis de governo na provisão de atenção socioassistencial, conforme indicado na LOAS – Lei orgânica da Assistência Social e nas Normas Operacionais Básicas (NOBs), realizadas a partir das recomendações e deliberações das Conferências, dos Conselhos e das Comissões de Gestão Compartilhada. Paralela a Política Nacional de Assistência Social/PNAS seguiu-se o processo de construção e normatização nacional do SUAS, aprovado em 2005 pelo Conselho Nacional de Assistência Social/CNAS (por meio da NOB nº 130, de 15 de julho de 2005). O SUAS volta-se para a ação conjunta em todo o território nacional das responsabilidades, vínculos e hierarquias, do sistema de serviços, benefícios e ações de assistência social. Ações essas, baseadas nas orientações da PNAS. [...] pode-se afirmar que a implantação da PNAS e do SUAS tem liberado, em todo o território nacional, forças políticas que, não sem resistências, disputam a direção social da assistência social na perspectiva da justiça e dos direitos que ela deve consagrar, a partir das profundas alterações que propõe nas referências conceituais, na estrutura organizativa e na lógica da gestão e controle das ações na área (COUTO et. al., 2010, p. 38). Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente A Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência Social ampliam o número de usuários a serem atendidos pela política. A intenção é superar a fragmentação existente na abordagem por segmentos, como por exemplo, idoso, criança e adolescente, população em situação de risco, entre outros. Devido ao quadro de desemprego estrutural e do enxugamento de medidas protetivas decorrentes do trabalho, há atualmente, um processo de redefinição do perfil desses usuários. A tendência é a ampliação dos demandatários do acesso a serviços e benefícios da assistência social, “são trabalhadores e suas famílias que, mesmo exercendo atividades laborativas, têm suas relações de trabalho marcadas pela informalidade e pela baixa renda” (COUTO et. al., 2010, p. 34). [...] as configurações que assumem as classes sociais na sociedade brasileira contemporânea, especialmente a “classe-que-vive-dotrabalho”, nos termos de Antunes (1995), e seu rebatimento no campo de ação das políticas sociais, especialmente da assistência social, desencadeando novas articulações entre pobreza, trabalho e desigualdade social (COUTO et. al., 2010, p. 47). As referidas autoras, ao tratarem dos trabalhadores e da gestão do trabalho no SUAS, apontam que as novas configurações da assistência social, introduziram significativas inflexões neste campo, dentre elas a exigência de novos modelos de organização e gestão do trabalho. E ainda afirmam que “[...]o trabalho da assistência social está estrategicamente apoiado no conhecimento e na formação teórica, técnica e política do seu quadro de pessoal, e nas condições institucionais de que dispõe para efetivar sua intervenção” (idem, 2010, p. 58). Também as formas e modos de organização e das condições no qual este trabalho se realiza devem ser identificados, uma vez que as condições atuais evidenciadas no capitalismo contemporâneo, com a globalização financeira do capital e sistemas de produção, ancorados no desenvolvimento tecnológico e de informação, impulsionam significativas mudanças nos processos de organização, relações e vínculos de trabalho. Um contexto que impõe aos trabalhadores várias formas de precarização do trabalho, e que atingem fortemente o trabalho assalariado “(...) sua realização concreta e as formas de subjetivação, levando a redefinição dos sistemas de proteção social” (Ibidem, 2010 p. 60). Disponível em: www.ameppp.org.br 47 48 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Dessa maneira, a implantação do SUAS estabelece não apenas, novas formas de gestão e novas formas de regulação do trabalho, como também a ampliação do número de trabalhadores cuja estabilidade funcional é condição primordial, ao lado de processos continuados de formação e qualificação (COUTO et. al., 2010, p. 60). A expansão da Assistência Social, nos anos 2000, se gestou numa conjuntura política em que os programas de combate à pobreza vêm ganhando maior centralidade na América Latina, como instrumento fundamental de enfrentamento das desigualdades sociais. A implementação e a operacionalização da política de Assistência Social, por sua vez, focalizada e seletiva, voltada para as frações mais pauperizadas da população, fez com que a inserção dos profissionais da área da assistência social fosse ampliada. Considerando essa expansão, torna-se imprescindível refletir sobre as condições sob as quais vem se desenvolvendo a gestão do trabalho vinculada ao SUAS, cujo recorte para efeitos de estudo, focou-se, sobretudo, no Estado de Mato Grosso. A Gestão do Trabalho no SUAS: aproximações, dinâmica, contradições e desafios na implementação do SUAS em Mato Grosso Destacamos que o presente estudo insere-se um uma pesquisa mais abrangente relacionada ao Estado da Arte sobre a gestão do trabalho no SUAS, vinculada à Universidade Federal de Mato Grosso e, portanto, serão apresentados algumas aproximações iniciais ao que ora vem sendo pesquisado. Outras análises posteriormente serão adensadas e aprofundadas em novos estudos. Neste sentido, compreender as repercussões da gestão do trabalho no SUAS, a partir da perspectiva do modelo gerencial, implica em considerarmos o movimento engendrado na realidade de inserção do SUAS em Mato Grosso, bem como seu contexto e expressão. São inegáveis as conquistas e os avanços trazidos pela PNAS e pelo SUAS que vieram contrapor-se ao paradigma tradicional da assistência social. O SUAS propõe gestão compartilhada com financiamento da política pelas três esferas do governo e com Comando Único, no qual o objetivo e o resultado devem consagrar direitos de cidadania e inclusão Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente social. Trata-se das condições para a extensão e universalização da proteção social, organicamente articulada as demais políticas públicas. Fazendo parte do movimento mais amplo em que a assistência social veio constituirse política pública de direito no conjunto da Seguridade Social, Mato Grosso se fez presente no cenário nacional quando diferentes segmentos da sociedade política e civil participaram do processo que culminou com a institucionalização da LOAS, PNAS e NOB, como ainda das mudanças que foram processadas no decurso das últimas duas décadas. A partir de 2004, sob o ponto de vista da organização do sistema descentralizado, gesta-se um novo panorama, quando se inicia a construção do SUAS no país, vindo Mato Grosso a fazer parte deste processo em 2006, buscando progressivamente cumprir as prerrogativas em relação a assegurar a política de assistência social aos diferentes segmentos sociais. A rede SUAS em Mato Grosso vem buscando ser constituída em conformidade com a legislação, em que pese as ingerência políticas e dificuldades. No que se refere ao porte e nível dos municípios, observa-se o enfrentamento de contradições e dificuldades próprias de um Estado, de grande extensão territorial, onde a cultura do favor e do assistencialismo permanece enraizada e que se contrapõe à política de direito. Mato Grosso possui o maior número de municípios classificados como de Pequeno Porte, totalizando 112, entre os 141 que compõe o estado, os quais não vêm conseguindo garantir a competência administrativa e financeira para a implementação da rede conforme exigências contidas na NOB/2006 em termos de espaço físico, equipamentos sociais para o desenvolvimento de ações que favoreçam a promoção dos usuários. Ainda em conformidade com a NOB e a PNAS, os demais municípios mato-grossenses em termos de classificação pelo SUAS, encontram-se distribuídos em Porte II com 20 municípios; Porte Médio com 05 e Grande Porte com 04, fazendo parte da Gestão Plena 20 município e da Gestão Básica 21, ficando comprovada a necessidade da implementação de consórcios para que a rede socioassistencial se consolide, pois é inadmissível pensar nesta Disponível em: www.ameppp.org.br 49 50 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 forma de gestão apenas idealizada, quando a maioria dos municípios não possuem condições estruturais e conjunturais de implementação da rede socioassistencial. De acordo com Freitas (2007, p. 125) em 2006 foram instalados os CRAS – Centro de Referência da Assistência Social em todos os 141 municípios de Mato Grosso, “cumprindo em tese, as condições mínimas para a implantação do SUAS”. Todavia, segundo a mesma autora, conforme informações dos registros do Conselho Estadual de Assistência Social, nos anos de 2004 e 2005, alguns municípios: [...] operacionalizaram os CRAS de forma irregular, tanto do ponto de vista técnico, quanto financeiro. Muitos foram os municípios que, de afogadilho, improvisaram locais para sua instalação desrespeitando normas e orientações técnicas tanto de instalação quanto de funcionamento, o que permite afirmar que mudanças institucionais não geram, necessariamente, mudanças de prática, especialmente em um campo marcado pelo improviso, emergência e escassez de recursos (FREITAS, 2007, p. 125). O sistema descentralizado e participativo impõe uma forma de gestão compartilhada e que deveria envolver as três esferas de governo, cada qual com atribuições e competências definidas. Neste caso, os municípios passaram a ter maior responsabilidade e encargos, que não obrigatoriamente foram acompanhados de co-financiamento equilibrado que pudesse dar suporte às estratégias de intervenção locais para que caminhassem no sentido de uma maior aproximação e adequação à realidade local. As informações acerca do processo de implementação da política de assistência social e da rede socioassistencial no estado, extraídas do Relatório do Plano Estadual de Capacitação dos Trabalhadores do SUAS do Estado de Mato Grosso (SETAS, 2012) demonstram que o número de CRAS em 2012 ampliou-se para 171 CRAS, 43 CREAS (Centro de Referência Especializada de Assistência Social) e 01 CREAS POP (para população em situação de rua). Dados relativos à estrutura trabalhista por vínculo empregatício no SUAS (IBGE, 2012) revela que entre os 445 trabalhadores que compõem a assistência social do estado, 245 são estatutários, 119 comissionados, 23 estagiários e 58 sem vínculo permanente. Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente Conforme os parâmetros inaugurados pela NOB (2006), no que se referem aos trabalhadores da assistência social, os dados demonstram que tal amortização não vem sendo cumprida, na medida em que a maioria dos municípios vem realizando concurso para um número de vagas inferior ao preconizado, com ausência de planos de cargos e salários e capacitação continuada, fatores que fragilizam a materialização do SUAS . Essas questões aliada a falta de valorização dos trabalhadores da assistência social provoca alta rotatividade dos serviços pela não inserção de profissionais concursados; a indicação de cargos de gestão meramente por critérios político-eleitorais; a ineficiência de recursos aplicados na área; a concentração dos investimentos nas políticas de transferência de renda e o reduzido quantitativo para o restante da política de assistência; a tendência ao “familismo” e uma perspectiva de responsabilização da família e de seus membros, são alguns dos desafios colocados pela Assistência Social atualmente e que precisam ser enfrentados com a urgência que a realidade coloca. No que diz respeito à escolaridade por vínculo empregatício verificou-se que entre os trabalhadores da assistência social do estado, 116 possuem ensino fundamental, 205 possuem ensino fundamental completo, 118 ensino superior e 06 possuem pós-graduação (IBGE, 2010). No que se refere a área de formação, alguns cursos se destacaram, tais como serviço social, psicologia e pedagogia, o que, em alguma medida, vai ao encontro do estabelecido pela própria política, tanto nos municípios de pequeno, médio e grande porte, os quais preveem a composição de uma equipe mínima, geralmente, formada por assistentes sociais e psicólogos. A política de educação permanente e de capacitação continuada encontra-se frágil no estado de Mato Grosso, haja vista que a NOB/SUAS prevê a composição de uma “equipe multidisciplinar básica para serviços e programas, natureza e número de profissionais adequados, plano de carreira, cargos e salários, condições de trabalho necessário a uma atuação qualificada e um sistema de capacitação e educação permanente” (BRASIL, 2008, p. 32). Todos esses fatores já mencionados devem considerar os limites colocados à Política que tem como um de seus fortes parâmetros a influência da lógica econômica. Disponível em: www.ameppp.org.br 51 52 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Disso resultam as principais críticas suscitadas por teóricos e intelectuais sobre essa Política, uma vez que se reconhece que a mesma tem contribuído por meio dos programas de transferência de renda como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa Família (PBF), para impulsionar o consumo, estabelecer padrões de acesso a bens e serviços mais elevados e aumentar a circulação de mercadorias. No entanto, seus limites centram-se, evidentemente, na incapacidade de redução dos níveis de desigualdade social (COUTO et. al., 2010). Permeado por um conjunto de contradições e desafios, a expansão da Política de Assistência Social vem se tornando a principal política de proteção social no país, sem contudo, assistirmos paralelamente ao fortalecimento da política intra-setorial e intersetorial e o reforço das políticas de saúde, educação, previdência, geração de trabalho e renda. Observa-se ainda o co-financiamento por parte de alguns municípios e por vezes, do estado. Isto culmina com o não cumprimento do paradigma do SUAS, mesmo após dezenove anos da implementação da Lei Orgânica da Assistência Social e oito anos do SUAS. Além dos desafios pontuados, existem ainda as desigualdades espaciais oriundas da própria estrutura administrativa e de gestão dos municípios mato-grossenses, bem como as questões históricas, tanto no que se refere aos parcos recursos, estrutura física e material inadequada, recursos humanos pouco qualificados e em quantidade reduzida, e ausência de articulação das ações intersetoriais das políticas sociais. Ademais, a ausência de planejamento integrado das secretarias municipais, acaba por perpetuar o modelo fragmentado e setorializado, mesmo com a materialização do marco legal/formal da PNAS e do SUAS. Considerações finais De acordo com os argumentos expostos nos itens anteriores, a forma de organização e gestão do trabalho sob o modelo de acumulação flexível, que privilegia os processos de flexibilização, precarização e intensificação do trabalho, como mais um modo de exploração e dominação dos trabalhadores, vem se inserindo no espaço público de maneira a refletir essas transformações no e do trabalho, e aquelas macrossocietárias que repercutem diretamente no Estado e nas políticas sociais. Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente A rotatividade e os baixos salários provocam mudanças na forma de realizar sua intervenção, o tempo dedicado ao processo de conhecimento e sistematização sobre a realidade com a qual deverá trabalhar é dividido com o volume de demandas excessivas para o número de profissionais disponíveis. Isso leva a uma tendência de aligeiramento e superficialização que termina por restringir a intervenção ao atendimento de demandas emergenciais, sem a devida problematização e prejudicando a análise sob a ótica da dimensão coletiva. Assim, trata-se de forma individual, questões que são coletivas e que fazem parte da vida da maioria dos usuários (SANTOS, 2011). Quanto ao processo de intensificação do trabalho, que também vem se apresentando como uma tendência na gestão do trabalho no SUAS, tais como: o acúmulo de atividades, a sobrecarga de tarefas gerada pela ampliação das demandas e das atribuições e o número restrito de profissionais para atendê-las, se manteve o mesmo ou foi reduzido com a flexibilização e terceirização da estrutura estatal. Soma-se a isso o uso de tecnologias online para organização dos trâmites burocráticos, que apresentam condicionalidades como a exigência de mais atenção e tempo para o preenchimento de uma série de formulários. De acordo com Dal Rosso (2008, p. 131) “ a cobrança de resultados pode ser entendida como forma de intensificação num sentido subjetivo”, se expressa como meio ou forma de pressão sobre os trabalhadores, que são compelidos a “mostrar resultados do seu trabalho”, mesmo sem entender o processo como um todo e ter o tempo e as condições necessárias para isso. A técnica de gestão por resultado, uma forma de intensificação do trabalho está pouco a pouco, sendo incorporada ao serviço público. As formas de intensificação do trabalho no setor público, “[...] referem-se mais ao ritmo e à velocidade do trabalho, às cobranças e às exigências, ao volume de tarefas, às características do trabalho intelectual demandante, ao peso da responsabilidade e, em menor escala, ao espírito de competição” (DAL ROSSO, 2008, p. 188). Essa situação constatada na área da assistência social em Cuiabá, relacionada aos assistentes sociais (TRUGILLO, 2012), se repete em outras cidades do estado e do país e em diferentes profissões, o que é motivo de preocupação quanto a indicação de estratégias para Disponível em: www.ameppp.org.br 53 54 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 o fortalecimento de resistências por parte dos profissionais do SUAS, contra esses processos de precarização e intensificação do trabalho, sob pena de perdermos os avanços conquistados em prol da defesa de uma política social que de fato tenha a perspectiva de considerar a assistência social um direito de todos. De acordo com os dados acerca da realidade mato-grossense, de fontes locais (sites do estado) e nacionais (MDS e IBGE), além de pesquisas sobre mercado de trabalho dos assistentes sociais em Mato Grosso7 (2010), é possível identificar diversas contradições, dentre as quais: quadro reduzido de profissionais, com o agravante que mais de 50% desses possuem vínculos temporários e/ou precários de trabalho, o que prejudica o atendimento com qualidade, continuidade do serviço e ir além das demandas emergenciais. O quadro restrito de funcionários pode ser apontado como um dos fatores que contribui para a fragilidade dos diagnósticos territoriais, que abordam, geralmente, apenas aspectos quantitativos, fragmentados e que não contemplam as interfaces da assistência social com as demais políticas sociais, e terminam por inviabilizar o conhecimento da realidade numa perspectiva de totalidade. Ao quadro limitado e à rotatividade, também devem ser acrescidos os problemas relacionados à qualificação dos profissionais que ainda não é a recomendada nas normatizações do SUAS, o que amplia a dificuldade de organização da rede socioassistencial. Isso é agravado quando se trata da alta complexidade do Sistema, o que se apresenta como um desafio a mais para avançar na concretização da Política, pois a complexificação em conjunto com o elevado número de municípios de pequeno porte e associada a extensa dimensão territorial do estado, colocam uma série de desafios a serem problematizados e enfrentados para de fato materializar o SUAS e a PNAS nos 141 municípios mato- grossenses. Discutir a forma como a gestão do trabalho no âmbito do SUAS vem sendo desenvolvida, e as consequências para a materialização da Política de Assistência Social, é manifestar e assumir o compromisso não apenas com a discussão sobre a qualidade do 7 Pesquisa concluída em 2010 e realizada pelo Grupo Trabalho e Sociabilidade do Departamento de Serviço Social da UFMT em parceria com o Conselho Regional de Serviço Social/CRESS/20ª Região MT. Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente exercício dos profissionais envolvidos, mas, sobretudo, pensá-lo na perspectiva da qualidade dos serviços prestados aos trabalhadores e trabalhadoras, usuários da Política, e que cotidianamente buscam os serviços da rede. Referências bibliográficas BARBOSA, Rosangela N. de Carvalho. Gestão: planejamento e administração. In: Temporalis. Porto Alegre: ABEPSS, Ano 4, n. 8 (jul/dez) 2004. BEHRING, Elaine. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. 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Assistência Social – recursos humanos da assistência social. Disponível em www.ibge.gov.br/perfil_estados/2012/estadic2012. Acessado em 07/06/2013. MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Política Nacional de Capacitação do SUAS. -- Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Assistência Social, 2011. NOGUEIRA, Marco Aurélio. As possibilidades da política: Ideias para a reforma democrática do Estado. Editora Paz e Terra: São Paulo, 1998. SANTOS, Francine Helfreich Coutinho. O Trabalho de Assistentes Sociais nos CRAS. In: O trabalho do/a assistente social no Suas: Seminário Nacional / Conselho Federal de Serviço Social – Gestão Atitude Crítica para Avançar na Luta. Brasília: CFESS, 2011. Disponível em: www.ameppp.org.br 55 56 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 TRUGILLO, Luciana. A política de Assistência Social no contexto neoliberal, as transformações no trabalho e seus impactos no trabalho dos assistentes sociais dos CRAS e CREAS de CuiabáMT. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Mato Grosso, ICHS, Programa de PósGraduação em Política Social, Cuiabá, 2012. Disponível em: www.ameppp.org.br | ANÁLISE DO REPASSE DO ICMS ECOLÓGICO AOS MUNICÍPIOS DE MATO GROSSO, COM ENFÂSE À MELHORIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Rubens dos Santos1 Geni Cecília Figueiredo do Carmo Mello2 Raniella Ferreira da silva Souza3 RESUMO Analisa os benefícios da aplicação do mecanismo fiscal conhecido como ICMS Ecológico, inserido no Estado através da lei complementar nº 073/2000, cujo objetivo principal é de compensar financeiramente os Municípios que possuem restrições para uso do solo. Ele é destacado como instrumento econômico de melhoria das Políticas Públicas, bem como os benefícios proporcionados à sociedade. A pesquisa realizada apontou que o fato de alguns municípios ainda não receberem o benefício se deve ao fato de serem pequenos em fase de desenvolvimento econômico. Aponta também que a implantação do ICMS Ecológico no Estado de Mato Grosso, trouxe benefícios apenas financeiros para a maior parte dos municípios. A implantação do critério de qualidade será um dos meios de transformá-lo em um instrumento de Política Pública eficaz para todos os municípios e não apenas um instrumento compensatório. Palavras-Chave: ICMS Ecológico. Políticas Públicas. Instrumentos Econômicos. Sustentabilidade. Unidades de Conservação. 1 Mestre em Contabilidade – Controladoria e Finanças (UNISINOS). Professor Assistente do Departamento de Ciências contábeis da UNEMAT em Cáceres-MT. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Agronegócios e Desenvolvimento Regional (UFMT,2011). Professora Assistente do Departamento de Ciências Contábeis da UNEMAT em Cáceres-MT. E-mail: [email protected]. 3 Acadêmica do curso de Ciências Contábeis da UNEMAT em Cáceres-MT. Trabalha na Construtora e Terraplanagem Prata – Cáceres-MT. E-mail: [email protected]. 58 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 O ICMS Ecológico no Brasil O ICMS Ecológico tem como fundamentação legal o artigo 158 da Constituição Federal do Brasil, de 05 de outubro de 1988, que trata da repartição das receitas tributárias do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que dispõe 25% (vinte e cinco por cento) para os municípios, sendo três quartos na proporção do valor adicionado nas operações referentes à circulação de mercadorias e serviços realizada em seu território, e um quarto no que dispuser a Lei Estadual (PAULO, 2009). O primeiro Estado a aproveitar essa oportunidade da Constituição Federal (CF) foi o Paraná, que inicialmente adotou o conceito de compensação para os municípios que tinham restrições legais para expandir suas atividades econômicas, e com o tempo e a experiência foi evoluindo, e a lei Estadual do ICMS Ecológico no Estado do Paraná passou de um conceito de compensação para um instrumento de contribuição para a conservação ambiental (LOUREIRO, 2002). Com a iniciativa do Paraná o ICMS Ecológico foi instituído em outros Estados do país, como São Paulo, Minas Gerais, Rondônia, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso sendo o sexto Estado aderir o critério. Legislação no Mato Grosso “No Mato Grosso a conquista do ICMS Ecológico se deu pela atuação de várias instituições, especialmente pela persistente ação do Deputado Estadual Gilney Viana” (SEMA MT, 2012), sendo instituído através da lei complementar nº 73, de 07 de dezembro de 2001, que dispõe sobre os critérios de distribuição do ICMS aos Municípios, e regulamentado através do Decreto Estadual nº 2.758, de 16 de julho de 2001, adotando como critérios de distribuição Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Saneamento Ambiental. Em 20 de Janeiro de 2004, através da lei complementar nº 157, a Assembleia Legislativa do Estado deliberou a modificação dos critérios para o cálculo do índice de participação dos municípios na distribuição do ICMS, caracterizando ao ICMS Ecológico a exclusão do critério de saneamento ambiental, portanto este passa a representar 5% (cinco Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente por cento) do total repassado do ICMS aos municípios, referente às unidades de conservação e terras indígenas. Municípios de Mato Grosso Inicialmente o ICMS Ecológico beneficiou 78 (setenta e oito) municípios no Estado de Mato Grosso e até 2012 possuía 86 (oitenta e seis) Municípios cadastrados. Tomando como exemplo do Estado de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso adotou inicialmente apenas o critério quantitativo de distribuição deste recurso, que levam em consideração o tamanho em hectares e o fator de conservação das áreas protegidas contidas nos municípios. Tendo como pretensão a adoção do critério qualitativo que avaliará a Unidade de Conservação através de um escore, ou seja, passará a ter uma nota e essa desde que positiva sempre representará um incremento financeiro ao município, no entanto Mato Grosso ainda não tem previsão para a adoção desse critério uma vez que possui restrições de equipe técnica e orçamentária para a realização das avaliações (SEMA MT, 2012). Para alguns municípios o ICMS Ecológico é o principal critério de cálculo para composição dos Índices de Participação no ICMS enquanto para 55 (cinquenta e cinco) municípios ele não contribui com nenhuma parte, conforme o Relatório Sobre a Aplicação do ICMS Ecológico no Estado de Mato Grosso Período de 2002 a 2007, criado pelo Governo do Estado de Mato Grosso, conforme demonstrado na tabela 1. TABELA 1 Índice do ICMS Ecológico nos Municípios de MT Quantidade de Municípios 18 34 12 8 5 5 2 55 Percentual do Valor Total Repassado de ICMS Ecológico em relação ao ICMS Menos de 1% Entre 1 a 10% Entre 10,1% a 20% Entre 20,1% a 30% Entre 30,1% a 40% Entre 40,1% a 50% Entre 60% a 67% Não contribui com Nenhuma Parte Fonte: Governo do Estado de Mato Grosso (2008) Disponível em: www.ameppp.org.br 59 60 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 De janeiro a novembro de 2010 o ICMS Ecológico representou R$53.025.165,67 na renda dos 86 (oitenta e seis) municípios que possuem Unidades de Conservação e Terras Indígenas em seu território, sendo que o recurso do ICMS Ecológico de alguns desses municípios apresentam valores significativos em relação aos demais critérios de distribuição do ICMS. Quando Mato Grosso passar a aderir o critério qualitativo para o beneficio do ICMS Ecológico, alguns dos 86 municípios poderão perder parte ou totalmente o repasse do ICMS Ecológico, uma vez que ele deixará de ser um beneficio apenas compensatório e passará a incentivar as prefeituras a aumentar a efetividade das suas ações socioambientais, um exemplo claro é o município de Alto Boa Vista, que é um dos maiores arrecadadores do ICMS Ecológico do Estado em função da terra indígena Marãiwatsédé, onde parte de seu território encontra-se devastado, ameaçando a população indígena. Por outro lado, apesar da legislação não obrigar os Municípios a aplicar os recursos em ações voltados às terras indígenas e Unidades de Conservação, alguns Municípios como Juína, estabeleceram termos de cooperação para elaboração de programas de proteção ambiental (PAUTA SOCIO AMBIENTAL, www.pautasocioambiental.com, 2012). Salvo que o ICMS Ecológico é propositivo e não punitivo, sendo assim o critério qualitativo poderá solucionar problemas de devastação, uma vez que ganha mais quem ajuda a proteger o meio ambiente. Unidades de Conservação Hoje, o Brasil é considerado um país rico em biodiversidade, pois é onde se encontra uma grande variedade da Fauna e da Flora, um dos melhores climas do mundo, água pura e em grande quantidade, terras férteis e paisagens paradisíacas, e para proteger essas áreas o governo brasileiro criou as Unidades de Conservação definidas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) (www.mma.gov.br) como: Espaços territoriais, incluindo seus recursos ambientais, com características naturais relevantes, que têm a função de assegurar a representatividade de amostras significativas e ecologicamente Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais, preservando o patrimônio biológico existente. Até 2012 Mato Grosso possuía 102 (cento e duas) unidades de conservação distribuídas em todo seu território, sendo 23 (vinte e três) federais, 46 (quarenta e seis) estaduais e 33 (trinta e três) municipais. A criação de Unidades de Conservação no Brasil é pautada nas metas da Conservação sobre Diversidade Biológica (CDB) que estabelece que 10% (dez por cento) de cada bioma brasileiro sejam protegidos (MMA, www.mma.gov.br, 2012). As Unidades de Conservação são criadas a partir da necessidade de proteger áreas de importância biológica e cultural, ou até mesmo para assegurar o uso sustentável, e se dá através de atos do poder público (Federal, Estadual e Municipal), onde os mesmos são responsáveis pelos estudos técnicos e os demais procedimentos para a criação das Unidades de Conservação, no entanto, a participação da sociedade é fundamental nesse processo, pois a preservação desse patrimônio natural é de todos. Após a criação dessas áreas, é necessário que seja elaborado um plano de manejo, documento no qual se inclui o diagnóstico da área e estabelecem normas, restrições de uso e as ações a serem desenvolvidas nas unidades. Políticas Públicas O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental de todos os brasileiros, a Constituição não dá direito de escolha ao governo de proteger ou não o meio ambiente, ela impõe essa obrigatória política pública e aos cidadãos compete o direito de acionar o Estado a cumprir essa obrigação (HEMPEL, 2008). De acordo com Gerber João (2004) a políticas ambientais vem utilizando instrumentos para alcançar um desenvolvimento ecologicamente correto e esses instrumentos podem ser classificados em dois sistemas: Sistema Regulatório (De comando e controle) e os Sistemas de Incentivo (Induzem mudanças de comportamento em relação ao meio ambiente). Disponível em: www.ameppp.org.br 61 62 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 No Brasil a utilização desses instrumentos econômicos é mais propícia do que os de comando e controle, afinal num país onde existe escassez de recursos financeiros, a disposição a receber é maior do que à disposição a pagar (HEMPEL, 2008). Segundo o Dr. Alexandre Bilaré Batistela (Analista de Meio Ambiente da SEMA-MT, 2012), “as políticas públicas no Estado de Mato Groso evoluiram nos últimos dez anos em relação aos demais Estados da Federação, mas ainda há muito que fazer em relação ao tema, e o principal desafio é aumentar a sensibilização da população, já que as políticas públicas são focadas nas demandas da sociedade e infelizmente as Unidades de Conservação não são uma de suas principais demandas”. Neste contexto o ICMS Ecológico pode ser considerado um instrumento de política pública eficaz para o Estado, embora, tenha suas restrições, ele já tem ajudado na conservação e na criação de novas áreas protegidas, e também tem auxiliado a contrapor a visão da sociedade em relação a essas áreas, pois ele tem dado a oportunidade aos municípios de mantê-las, ao invés de permitir a expansão de atividades econômicas que são ambientalmente incorretas. Apresentação e Análise dos dados – Metodologia e Pesquisa No que se refere aos dados foi utilizado uma amostra que se segundo MARCONI e LAKATOS (2009), caracteriza-se por selecionar uma parcela conveniente do universo que seria população, neste caso a população é os 141 (cento e quarenta e um) Municípios do Estado de Mato Grosso divididos entre os que recebem o repasse do ICMS Ecológico (86 Municípios) e o que não recebem (55 Municípios). Que para fins desse estudo foram selecionados uma amostra aleatória de 46 Municípios divididos entre 30 (trinta) Municípios para os que recebem e 16 (dezesseis) para os que não recebem. Análise dos Municípios que são Beneficiados com o repasse do ICMS Ecológico a) Identificação dos Respondentes Através da aplicação do questionário os municípios que já recebem o repasse tiveram seus representantes considerados aptos a participar da pesquisa, portanto suas respostas Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente são consideradas válidas para o desenvolvimento deste trabalho, como demonstra a Tabela 2. TABELA 2 Respostas dos Municípios quanto sua identidade profissional Qual o setor Público onde você trabalha? Prefeitura Secretarias Qual cargo você ocupa? De confiança Funcionário Efetivo Qual sua formação profissional? Biólogo Administrador Contador Jornalista 80% 20% 56% 44% 44% 30% 20% 6% Fonte: Tabela elaborada pelos autores. b) Caracterização dos Municípios A caracterização dos Municípios entrevistados é de grande relevância para este trabalho uma vez que o ICMS Ecológico é um dos critérios de repasse do ICMS aos que os Municípios têm direito. A maioria dos Municípios entrevistados caracteriza sua população entre 10.000 a 20.000 mil habitantes, cuja principal fonte de captação do ICMS é a Agropecuária, como demonstra a tabela 3. TABELA 3 Caracterização da População e fonte de arrecadação do ICMS População De 10.000 à 20.000 mil 70% dos municípios habitantes participantes Mais de 50.000 mil 30% dos municípios habitantes participantes Fonte de Captação do ICMS Agropecuária 44% dos municípios participantes Comércio 30% dos municípios participantes Serviços 20% dos municípios participantes Agronegócio 6% dos municípios participantes Fonte: Tabela elaborada pelos autores Disponível em: www.ameppp.org.br 63 64 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Para esta pesquisa os dados demonstram que as Unidades de Conservação, bem como quaisquer outros tipos de iniciativa para proteção Ambiental não é um empecilho para o desenvolvimento econômico, apesar de 44% (quarenta e quatro por cento) dos municípios terem a agropecuária como principal fonte de arrecadação do ICMS o comércio vem logo atrás com 30% (trinta por cento) de participação, demonstrando que é possível estabelecer uma ponte entre o desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental. c) Caracterização das Políticas Públicas O ICMS Ecológico é um instrumento econômico muito importante na formulação das Políticas Públicas do Estado, no entanto, um ponto importante a ser levado em conta é a gestão descentralizada dos Municípios, onde este instrumento está sendo utilizado apenas para a geração de receitas, sem preocupação com os benefícios que poderiam ser gerados. Os dados levantados na pesquisa apontam que mais de 70% (setenta por cento) das Unidades de Conservação responsáveis pela distribuição do ICMS Ecológico são Unidades Federais e Estaduais, ou seja, aquelas que foram automaticamente cadastradas pela SEMA (Secretaria de Estado e Meio Ambiente) sem a participação dos Municípios, por outro lado é importante ressaltar que esses mesmos 70% (setenta por cento) conhece o programa do ICMS Ecológico no Estado, e 100% (cem por cento) acreditam que ele trouxe benefícios para o Município, mesmo que só financeiramente. Uma das maiores preocupações da implantação do ICMS Ecológico no Estado é o destino que seria dado a este recurso, uma vez que a lei não obriga que o recurso seja voltado ao seu gerador, ou seja, as Unidades de Conservação e Terras Indígenas, essa preocupação pode ser confirmada na realização desta pesquisa, onde 80% (oitenta por cento), dos municípios disseram que não separam os recursos repassados do ICMS, e eles são aplicados conforme demanda a Lei Orçamentária Anual do Município, e apenas 20% (vinte por cento) disseram que destinam o recurso na manutenção e conservação das áreas protegidas. Outro ponto interessante a ser observado é que 43% (quarenta e três por cento) dos Municípios disseram que o valor repassado do ICMS Ecológico faz diferença no orçamento Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente do Município e esses mesmos 43% (quarenta e três por cento) dizem receber entre R$100.000,00 à R$500.000,00 (cem a quinhentos mil reais) por ano, e por outro lado 57% dos Municípios dizem que o valor repassado não faz diferença no seu orçamento e destes 24% (vinte e quatro por cento) disseram que recebem mais de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) por ano, neste contexto percebe-se a falta de interesse dos gestores com a questão ambiental, mesmo em sua maioria, como demonstra a tabela 2, sendo biólogo, pois o recurso que a maioria deles desconsidera, com certeza em alguma instância fez muita falta para maioria de seus contribuintes, que querendo ou não tiveram que pagar o ICMS que estão embutidos nos produtos adquiridos, que deveria ser investido na preservação e recuperação de áreas ambientais. Em relação às Políticas Públicas, a pesquisa aponta que mesmo mal ou poucas elas existem, como demonstra a tabela 4. TABELA 4 Respostas dos Municípios beneficiados em relação às Políticas Públicas No seu Município existem Terras Indígenas? Sim 50% Não 50% Se sim, o Município investe recurso para a manutenção da cultura e saúde desses povos? Sim 50% Não 50% O seu Município está localizado em qual Bioma Brasileiro? Cerrado 86% Pantanal 14% Quem é responsável pela fiscalização das Unidades de conservação Existentes em seu Município? SEMA 73% O Município 20% Ambos depende da Jurisdição 7% No seu Município existem projetos de consciência ambiental? Sim 100% Não 0% Se sim que tipo? Reflorestamento 63% Coleta seletiva 37% Como você classifica as Políticas Públicas do seu Município? Precisa melhorar 100% Fonte: Tabela elaborada pelos autores. Disponível em: www.ameppp.org.br 65 66 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Como se pode perceber a maioria dos Municípios reconhece a falta de empenho no que diz respeito a Políticas Públicas, no entanto, a maior preocupação é para onde elas estão sendo voltadas, é importante que o Município tenha projetos de proteção ambiental como apontou a pesquisa, isso demonstra que eles estão preocupados com o meio ambiente, mas por outro lado à pesquisa também aponta que maior parte deles está localizada no Cerrado mato-grossense, e ele tem sido um dos biomas com maior número de devastação nos últimos tempos, por conta da expansão agrícola, além de ser um bioma com maior número de espécies em risco de extinção, que são classificadas como áreas de hotspost, isso requer cuidados especiais em relação ao compromisso do Município com as Unidades de conservação, mesmo que a maior delas seja de esfera Estadual e Federal, os gestores locais podem assinar termos de compromisso com SEMA e ajudá-la a fiscalizar e manter essas áreas sempre protegidas. O ponto fraco encontrado na implantação do ICMS Ecológico no Estado pela pesquisa realizada foi à falta de efetivação do compromisso entre os Municípios e SEMA, isso porque 50% (cinquenta por cento) dos Municípios conhecem a intenção do Estado em adotar o critério qualitativo para distribuição do ICMS Ecológico, e 30% (trinta por cento) destes reconhecem que quando isso acontecer eles podem perder parte ou totalmente o repasse, por não existir nenhum vinculo entre eles e as Unidades de Conservação, e o repasse que recebem é baseado somente na existência e no tamanho da área protegida existente em seu território. d) Opinião dos Respondentes Apesar de todo incentivo financeiro que o ICMS Ecológico proporciona aos municípios, ainda assim existe muito que fazer em relação à questão ambiental no Estado, mesmo que pouco ou urgente todos os Municípios entrevistados reconhecem que precisam de atenção especial em relação ao meio ambiente, o fato é que todos eles têm recurso para investir em projetos e ações que protejam o meio ambiente, o que falta mesmo é administração correta destes recursos, uma gestão capaz e focada no desenvolvimento sustentável. Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente Análise dos Municípios que não são Beneficiados com o repasse do ICMS Ecológico a) Identificação dos Respondentes Maior parte dos respondentes foi considerada apta a responderem o questionário, pois, 100% (cem por cento) desses trabalharem dentro da Prefeitura de seus Municípios, 75% (setenta e cinco por cento) ocuparem cargo de confiança e 43% (quarenta e três por cento) terem formação em Contabilidade, suas respostas são válidas para análise e desenvolvimento deste trabalho. b) Caracterização dos Municípios Os municípios que ainda não recebem o repasse do ICMS Ecológico são municípios pequenos e que têm o comércio como principal fonte de captação do ICMS, a pesquisa aponta que esse pode ser um dos motivos pelos quais eles ainda não são beneficiados com repasse, pois são Municípios de pequeno porte que visam o desenvolvimento econômico, e como as Unidades de Conservação são vistas como empecilho ao desenvolvimento, a criação dessas áreas nestes locais ficam comprometidas. No entanto não se pode apontar esse como o único problema para a arrecadação do ICMS Ecológico nesses Municípios, é preciso analisar as demais respostas obtidas na pesquisa, como segue adiante. c) Identificação da existência de Políticas Públicas nos Municípios Como já descrito neste trabalho, o ICMS Ecológico surgiu com o intuito de compensar financeiramente aqueles Municípios que possui restrições legais para o desenvolvimento econômico por possuírem áreas de conservação ambiental em seus territórios, bem como da necessidade de estruturação de instrumentos alternativos de políticas públicas para a conservação ambiental e os dados levantados nesta pesquisa apontam que 75% (setenta e cinco por cento) dos municípios que ainda não recebem o repasse não conhecem esse mecanismo. Segundo o Coordenador de Unidades de Conservação Estaduais de Mato Grosso, o principal motivo desses municípios não serem beneficiados, não é somente a falta de conhecimento desses tipos de instrumentos como ICMS Ecológico, mas também a grande Disponível em: www.ameppp.org.br 67 68 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 pressão de setores da sociedade que são opositores em relação às Unidades de Conservação e Terras Indígenas, conforme demonstra a pesquisa 75% (setenta e cinco por cento) desses municípios não têm Unidades de Conservação e nenhum projeto de criação das mesmas, embora tenham outros tipos de projetos onde 50% (cinquenta por cento) são de iniciativa da Prefeitura e os outros 50% (cinquenta por cento) da comunidade externa, como o de coleta seletiva (25% dos respondentes), por exemplo, reconhecem a falta de políticas públicas e necessidade de atenção especial para meio ambiente. Em relação às Terras Indígenas existe uma preocupação muito grande, pois 25% (vinte e cinco por cento) dos Municípios que dizem conhecer o programa do ICMS Ecológico reconhecem que existem Terras Indígenas em seu território, mas que não possuem nenhum compromisso com a manutenção dos mesmos, a situação é preocupante, pois no Mato Grosso existem muitas dessas terras que se encontram em processo de restituição, tornando-se áreas de conflito entre indígenas e não indígenas, no entanto o único prejudicado é próprio meio ambiente, embora o ICMS Ecológico seja um mecanismo de incentivo a proteção ambiental, ele não tem influência para resolver esse tipo de problema, pois os valores são repassados em função da existência das áreas, a única forma existente capaz de influenciar no repasse e possivelmente resolver esse tipo de conflito, será com a adoção do critério qualitativo, que embora já tenha estudos sobre o tema, infelizmente ainda não se tem previsão para sua implantação. Considerações Finais O objetivo principal deste trabalho foi avaliar se o ICMS Ecológico trouxe benefícios para o Estado de Mato Grosso, uma vez que seu principal objetivo é compensar financeiramente os municípios que possuem restrições para o desenvolvimento econômico, incentivar a criação de novas áreas de proteção e tentar mudar a visão da sociedade em relação às mesmas. No entanto os resultados obtidos neste trabalho são preocupantes, pois os Municípios recebem o repasse em função de Unidades de Conservação Estaduais e Federal, na prática isso quer dizer que a maior parte dos municípios não fizeram nenhum esforço para serem beneficiados, pois essas Unidades de Conservação são de responsabilidade de Disponível em: www.ameppp.org.br | Transparência, assistência e meio ambiente seus gestores, no caso a SEMA e o ICMS Bio, ou seja, os municípios não tiveram nenhuma participação quanto à efetivação do recurso, o trabalho constatou também que a verba repassada para esses municípios são destinadas as principais demandas locais, embora boa parte dessa renda não seja destinada as Unidades de Conservação e Terras Indígenas as demandas ambientais também vem sendo atendidas através de projetos de consciência ambiental, como de coleta seletiva e tratamento de esgoto, isso quer dizer que, o ICMS ecológico mesmo que em pequena quantidade trouxe benefícios ambientais para os municípios beneficiados. Outra questão importante que o trabalho apontou foi em relação aos municípios que ainda não são beneficiados, cujo motivo ficou bem claro, que é a não existência de Unidades de Conservação em seus territórios, consequência da falta de conhecimento dos gestores municipais e de setores da sociedade que são opositores da existência de áreas de proteção ambiental nesses municípios. O ICMS Ecológico tem possibilidades de melhorar a qualidade de vida das populações dos Municípios do Estado de Mato Grosso, mas para isso é necessário a introdução de medidas que respaldem as “brechas” deixadas na Lei que o instituiu, como tem sido em outros Estados como Minas Gerais, que implantou a Lei chamada “Robim Hood”, onde redistribuiu os critérios enfatizando a qualidade de vida e não somente as questões ambientais, o “ponta pé” inicial para Mato Grosso se inserir nesse grupo de Estados que tem sido exemplo para os demais, é a adoção do critério de qualidade, tornando maior o grau de responsabilidade e comprometimento por parte das prefeituras em relação as Unidades de Conservação e terras Indígenas, além de tornar mais justos o repasse, visto que o premio seria para aqueles que estão trabalhando melhor e não somente para aqueles que possuem restrições para o desenvolvimento econômico. Com resultados obtidos neste trabalho sugere-se ao Estado a implantação de novos instrumentos que possam não só auxiliar o ICMS Ecológico, mas também estimular ações ambientalmente corretas, de forma que elas sejam mais determinantes nas questões de Governo. Disponível em: www.ameppp.org.br 69 70 REVISTA MATO-GROSSENSE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – N. 02 Referências bibliográficas HEMPEL, Wilca Barbosa, A importância do ICMS Ecológico para a sustentabilidade Ambiental no Ceará. FORTALEZA, 2008. Disponível em: <http://www.icmsecologico. org.br> Acesso em 10 Out. 2012. ICMS Ecológico Disponível em:< www.icmsecologico.org.br >Acesso em: 11 de Out. 2012. JOÃO, Cristina Gerber. ICMS Ecológico um instrumento econômico de apoio à sustentabilidade. Florianópolis, 2004. Disponível em: <http://www.icmsecologico.org.br/ artigos/CRISTINA_GERBER_JOAO.pdf> Acesso em: 11 Out. 2012. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS Ecológico à conservação da biodiversidade no estado do Paraná. Curitiba, 2002. 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