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BONIFACIO FORTES
'
'
HISTORICO DAS ATIVIDADES
SALINEIRA E SALADEIRIL
NO BRASIL
#
•
\.
1 9 6 2
ARACAJU
BONIFACIO FORTES
PUBLICAÇõES DO AUTOR :
L. "NOÇõES DE CINEMA"
- Aracaju, 1953.
L "EVOLUÇÃO DA PAISA
GEM HUMANA DA CI
DADE DO ARACAJU" Aracaju, 1955.
3 . "OS CURSOS JURíDICOS
E A REALDADE NACI0NAL" - Aracaju, 1958.
~. "FELISBELO FREIRE" Aracaju, 1959.
"GUMERSINDO BESSA E
O DIREITO PúBLICO" Aracaju, 1959.
"0 GOV~RNO INACIO
BARBOSA"
Aracaju,
1959.
"DELEGAÇÃO LEGISLA
TIV A" - Aracaju, 1960.
8. "CONTRIBUIÇÃO A HIS
TóRIA POLíTICA
DE
SERGIPE" (1933 a 1958)
- Belo Horizonte, 1960.
9. "0 PODER REGULAMEN
TAR' - Aracaju, 1961.
1
'
HISTORICO
DA-s ATIVIDADES
SALINEIRAS E SALADEIRIL
NO BRASIL
(Separata do n'-' 1, Ano I da Revista da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe).
Publicação do Centro Acadêmico "Jackson de
Figueirêdo" - Presidente : Alexundre Diniz.
José BONIFACIO FORTES
Ne.oto: (Aracaju - 26/04/926) .
Juiz de Direito de S. Cristó
vão(SE), Professor das Facul
dades de Direito, Católica de
Filosofia e Escola de Serviço
Social de.• Sergipe. Professor
Licenciado em História do
Brasil (29 ciclo).
1 9 6 2
ARACAJU
À
memória de Roseana, minha filhinha •querida.
Para minha espôsa Mari.
Para me.u s filhos Arício José, Marcel, André e
Bonifácio Filho.
Para meus pais e irmão.
-8comiam "sal por imitação dos francêses com que negociam" (1).
O alemão, que estêve prisioneiro dos Tupinambás no início do
século XVI e que editou a história das suas aventuras na Alemanha (1557), lembra existirem muitas "raças de povos" no Brasil
"que não comem sal", referindo-se, ainda, aos Karaya que, morando muito longe do mar, tiram sal duma palmeira comestível,
a qual cortam em pequenos pedaços, queimam-na, fazem uma
decoada e que depois é evaporada mas "não vivem muito os que
fazem assim". Pelos relatos do aventureiro germânico é possível
concluir que a maior parte da gente do Brasil não comia sal,
usando, para conservar os alimentos, o processo do fumeiro a
que chamavam de mokaein.
Pera Coelho de Souza referiu-se a extensas salinas naturais
existentes no Ceará, quando de sua tentativa de conquista.
Em 1605, Jerônimo de Albuquerque doou salinas aos seus
filhos Matias e Antônio, no Rio Grande do Norte (2).
Por essa época já existiam barcos salineiros, segundo o que
se depreende do depoimento do Barão de Studard, o qual diz
que, em 1607, os jesuítas Francisco Pinto e Luiz Figueira embarcaram em Mossoró num barco salineiro com destino ao Ceará.
Frei Vicente do Salvador referia-se em 1627 à facilidade de
extração do sal nas salinas do Rio Grande do Norte, anotando
que nesta cap,itania o sal coalha com tanta facilidade que, Jogo
após colhido, surge continuadamente outra camada.
O sal brasileiro pode ser apontado, também, como uma das
causas da decisão de a Holanda invadir o Brasil. O capital da
Companhia das Índias Ocidentais só foi integralizado quando a
-9Holanda lhe concedeu, em 1624, entre outras vantagens, o mono.
pólio da exportação do sal brasile~ro (~). .
Essa exportação, no entanto, nao fo1 feita raciOnalmente pelos batávos, pois, em 1637, ao procurar Nassau justificar a ocupação do Ceará - ante a indiferença ou hostilidade da Holanda,
_ mostrava a exuberância do sal ali encontrado como razão
para que os navios flamengos não mais se abastecessem do produto das Índias Ocidentais (4) .
Portuguêses e Brasileiros não cuidavam das salinas nativas
que existiam em Ceará e R. G. do Norte. No "Auto de Repartição das Terras", datado de Natal (21-11-1614) consta: "São umas
salinas que estão a quarenta léguas daqui, para a banda do norte. Não cultivaram nem se fêz bemfeitoria, nem a terra serve
para ,causa nenhuma mais do que para o sal que por si cria" (5).
Certamente Nassau se estribou no informe de Adriano Verdonck, de 1630, ao Conselho Político do Brasil Holandez. Já neste documento havia referências às salinas que abasteciam os fortes do R. G. do Norte. Dizia que eram creadas pela natureza e
que o sal era "mais forte que o espanhol e alvo como a neve".
Apesar dos informes, a tentativa de exploração em 1638 por
intermédio de Hendrick van Ham, foi desanimadora. Referia-se
à inexistência de salinas no Ceará, dizendo embora que "em alguns lugares do interior onde se acha sal, mas de péssima qualidade" (6).
3 -
NOTAS
1 2 -
Hans Staden - "Suas viagens e cativ-e iro entre os índios do Brasil". Texto orientado por Monteiro Lobato. Cia. Ed. Nacional S. Paulo - 1945, pag. 41.
" ... umas salinas que estão 40 legoas daqui para a banda do
norte, não a cultivaram nem se fêz benfeitorias, nem a terra
servia para causa alguma, mais que para o sal que por si cria"
Data 85, re·g. no "Auto de repartição das terras, em Natal, fev.
de 1614, in "Notas históricas sôbre o sal potiguar" - L. Câmara
Cascudo, Brasil Salineiro, n 10. Junho-Set. de 195'6, pag. 21.
4 -
5 6
-
Capistrano de Abreu - "-Capítulos de História Colonial. 41!- ed.
Rev. e anot. e prefaciada por J. H. Rodrigues Briguet - 1954,
pg. 145.
" ... é um lugar onde se encontra o ârr.bar gris e também grande
quantidade de sal, de sorte que, se Deus nos der esta praça, os
nossos navios não terão de ir carregar sal das índias Ocidentais mais encontrá-lo-ão no nosso país". Carta de 16 XI-1637 , in
Rev. do Inst. Arq. e Geog. Pernambucano, vol. X, n. 56, pg. 28.
Transcrito por Manuel Diegues Júnior: "O sal e os caminhos da
pecuária no Nordeste'', publicado no Observador Econômico e Financeiro, n. 131, Dez. 1946, pg. 51 e L. Câmara Cascudo: "Geografia do Brasil Holandês''. J. Olympio 1956 11!- ed. pg. 260.
"Auto de repartição das Terras" acima citado, in L. Câmara Cascudo- "Geografia do Brasil Holandês", pg. 265.
L. Câ'llara Cascudo - obr. cit., pg. 261.
-10-
-11-
Mesmo assim o Supremo Conselho resolveu mandar Gedeon
Morris de Jonge ao Ceará pesquisar salinas. (7). Foi relativamente feliz em sua emprêsa pois conseguiu, de alguma forma,
organizar a produção.
Bar leus menciona no Ceará uma população r areada, dis·
persa, numa zona vasta e semi-árida e "famas de salinas que a ignorância topográfica não pode então fixar". Câmara Cascudo
nos dá notícia da ocupação holandesa do Ceará e da atividade
extrativa do sal: "A salina era trabalhada pelos gentios, capitaneados por um commandeur, vermelho e suado, tartamudeando a melodia plástica do nhengatu sonoríssimo". (8).
Também as salinas do Maranhão, na P metade dos século
XVII, eram trabalhadas pelos índios sob a direção dos Jesuítas.
(9) . Sôbre o Maranhão, os francêses, conforme o depoimento
de La Ravardiere, tendo à frente Pezieux, assinalam a existência
de sal marinho: "marinhas naturais de sal mui perfeito em
quantidade, que podem carregar quantos navios quiserem" (10).
Luis da Câmara Cascudo (11), lembrando que a oposição dos
sesmeiros de Touros a que os moradores litorâneos usassem as
salinas, valadas e utilizadas depois de 1624, demonstra que as
mesmas foram abandonadas no fim da ocupação holandesa ou
logo depois de sua expulsão do Ceará e do R. G. do Norte.
Não há nenhum fato positivo que prove a exploração das salinas de Cabo Frio àquela época. Frei Vicente do Salvador, no
entanto, chama a atenção para as águas da lagôa Araruama, as
quais, desde janeiro até fevereiro "se vêm coalhadas em suas
margens e seios mais secretos e transformadas em perfeitíssimo
sal, e em tanta quantidade que se podem carregar muitas e gran·
des naus" (12).
Gedeon Morris partiu em agôsto de 1641 de_ Recife com o propósito de "examinar a situação d_e certas ~almas" e em outubro
já informava salinas em commem c<;amuclm) a 1 . 700 passos do
mar. Morris Jonge explorou as salmas de Upane~a ou !panema. Em 1644 os índios mataram Morris no Mara?hao. O holandês Elbert Smient descobre as salinas de Guamare ou. Aguamare
em Macau e a de Carawaratana. Foram exploradas au;da as s~­
linas de Wararocuri, e Meiritupe. Deocléci? _Duart.e _d1z q;te somente a de Upanema foi explorada no do~mw l;la.tavw. ~amara
Cascudo crê que apenas as de Wararocun e Me1ntupe na<? o f?ram, reconhecendo, porém, que _apenas a d~ Upanema satlstaz:ba
as exigências do consumo e enviO para Rec1fe. Cfs. Deoclecw ·
Duarte in "O sal na Economia do Brasil" I. N. S. 2'1- ed. Alba Ed .
- Rio, 1942 pg. 54, e L. C. Cascudo - "Geografia ... ", pg. 275.
8 - L. C. Cascudo - obr. cit. pg. 270.
9 - D. D. Duarte. obr. cit. pg. 20.
d' ·
10 - L. C. Cascudo - obr. cit. pags. 284 e 285, citando LaLavar 1ere
"Sumário do que fiz nestas terras do Brasil".
.
11 - L. C. Cascudo - "Notas históricas sôbre o sal pot1guar". Brasil
Salineiro, n. 10, pg. 21.
7 _
2.
O MONOPóLIO
Após a Restauração, Portugal - com sua hegemonia econômica e política seriamente enfraquecida- numa tentativa de
equilibrar a política colonial e antevendo a crise que a concorrência antilhana iria provocar na indústria açucareira do Brasil
resolveu reforçar o monopólio do comércio de sal para o Brasil,
proibindo a exploração que se fazia (apesar da sua anterior decretação em Madrid em 1631), durante a dominação holandesa
obrigando-nos a consumir o produto luso das salinas de Aveiro,
Figueira da Foz, A velho, Lisboa no Moitotipo, Setubal, Alcácer
do sal, e no Algarve (13) .
O sal português, devido a sua ótima qualidade, era procuradíssimo no Norte da Europa, constituindo-se, então, num dos
esteios da combalida economia portuguesa.
Impedindo o comércio livre do sal lusitano para o Brasil a
Coroa portuguesa adotou o sistema de arrematação do comércio
através de contratos. Além de lucrar pelo que o Reino vendia,
dispunha das vantagens financeiras do contrato para custear a
defesa do Brasil sem onerar a Fazenda Real (14).
Frei Vicente de Salvador - "História do Brasil", 1500-1627. 3\'
ed. Rev. por Capistrano de Abreu e Rodolpho Garcia. Melhoramentos. S. Paulo. 1931, pg. 623.
13 - Myriam Ellis - "O Monopólio do sal no Estado do Brasil" (1631-18?1) - (Co;ntribuição ao estudo do monopólio comercial
portugues no Bras1l, durante o período colonial). Universidade
de S. Paulo - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Boletim
n. 197 da Cadeira de História da Civilização Brasileira. NQ 14
- S: Paulo:- 19~5, pgs. 35 e 36.
14 - Myr:am Ellls - 1dem, pg. 55, citando "Arquivo Histórico Ultramanano de Lisboa". Doc. n<? 5 . 071, contr. do sal feito em 13-XT
16-1, pg. 4.
12 -
-12-
-!.3-
As proibições se intensificaram - rigorosiSSimas e deshumanas- a partir de 1665 e, através da Carta Regia de 28-11-1690,
proibiu-se terminantemente o aproveitamento do sal existente
nas salinas brasileiras.
Ninguém poderia extrair sal das salinas. Ningué~ poderia
armazenar o produto sob pena de confisco. O controle era de
tal sorte e as penas tão severas que, pràticamente, só se poderia
consumir sal vindo de Portugal através do contratador. Para
se ter idéia da sufocante severidade do monopólio basta dizer
que 0 Governador Geral do Brasil ou os seus c~pitães .g~nerais
nenhum poder teriam sôbre o estanque que sena adm1mstrado
exclusivamente pelo Provedor da Real Fazenda (15).
Os portos destinados ao estanque eram os de Pernambuc_o,
Bahia e Rio de Janeiro. Mais tarde, a partir de 1732, Santos sena
incluído. Êsse estanque somente era destinado ao Estado do
Brasil. No Estado do Maranhão vigorava teoricamente o comércio livre. Myriam Ellis, a quem se deve um estudo definitivo
sôbre o assunto lembra que a Companhia Geral do Grão-Pará
e Maranhão, m~nopolizadora por excelência, tinha no comércio
do sal uma de suas principais fontes de lucro que ultrapassava,
às vezes, a 600 7r (16). Algumas salinas, cujo prod~to era tid.o c~·
mo de qualidade inferior, eram explorados no Para, com_ a fmahdade de suprir a Capitania no caso de falta do produto Import~·
do. A Companhia não quis ou não soube aproveitar a exploraçao
das salinas nativas, inclusive as do Ceará. Há, no entanto, no
Maranhão, notícia de extração de sal. Em Jaguapipora, por vol·
ta de 1662-1667, havia, segundo Mauricio Heríarte, citado por Roberto Simonsen, uma aldeia de índios chefiada por Copauba, que
beneficia grandes salinas . . . "que dão quantidade de sal, que
faz por conta de S. Majestade". (17).
O desenvolvimento da atividade pastoril gaúcha, acarretando maior consumo de sal, prejudicava indiretamente a situação
do suprimento do sal no Estado de S Paulo, atraves o por t o de
'
15 16 17 -
Myriam Ellis - idem, pg 52.
Idem, idem - pg. 52 e 53.
D . D. Duarte - obr. cit. pg. 20 .
Santos, o qual, muitas vêzes, chegava a ser apenas ponto de escala de navios que demandavam ao sul.
Para o Brasil central o sal entrava pelos portos de Ubatuba,
São Sebastião, Cananéia, vindo dos estancas de Pernambuco e
B~hia. Tal ocorria porque Santos não possuía quase nenhuma
carga para a Europa. O frete do sal para Santos ficava, portanto, mais caro, chegando a 5 e 7 mil reis por unidade.
De 1658 a 1801, com pequeno período (1713-1714) em que vi·
gorou a liberdade do comércio, o monopólio do sal teve cêrca de
28 arrematadores, sem falar nas épocas em que a Fazenda Real
o administrava diretamente.
3.
CONSEQUÊNCIAS DO MONOPóLIO
Pelo fato de ser o sal um produto imprescindível à vida ,
sua procura no século XVIII aumentou bastante, não somente
devido ao desenvolvimento da mineração e da pecuária, como
ao consequente crescimento da população. O consumo aumentando cada vez mais, maiores eram os lucros obtidos pela Fazenda Real portuguesa e, principalmente, pelos contratadores do
monopólio em prejuízo dos povos do Brasil em constante fome
do sal.
Taxado fortemente, escasso, sujeito às explorações comerciais dos contratadores, o sal era mercadoria caríssima. Para
efeito de elevação do prêço, enbarcavam em Portugal quantidades inferiores ao consumo da colônia americana.
A péssima distribuição do produto acarretava, igualmente,
consequências danosas. Os navios salineiros aportavam em Pernambuco e Bahia e desembarcavam o produto para consumo local e posteriores reembarques. Continuavam, então, a viagem
para o sul, chegando ao Rio de Janeiro e a Santos, com quanti ·
dades mínimas (18) .
A
18
-
~ar~a
Auxiliadora de Souza Batista Pereira - "A indústria sain Brasil Salineiro. Julho de 1957. n9 12.
bneira
pg
. 41. no Brasil" -
-14A atitude dos brasileiros, no arrôxo da administração colonial, nem sempre foi pacífica.
Em 1710, Bartolomeu Fernandes de Faria, juiz ordinário e
de órfãos em Jacareí, à frente de 200 homens, por causa da escassez de sal em Santos, mandou abrir os armazéns de sal para
que o povo alí se suprisse, pagando o preço justo. Resistiu durante muitos anos às tentativas de prisão, caindo por fim (19) .
É conhecida, também, a chamada revolução do Maneta acontecida na Bahia em 1711. Em 17-X-1711, segundo Alberto Lamê
go, (20) , João de Figueirêdo Costa, conhecido por "Maneta",
devido ao aumento da taxa do sal de 480 para 720 rs. (pelo lan
çamento de impôsto de 10 o/o sôbre mercadorias entradas na Alfândega e pelos impostos sôbre os escravos que vinham da Angola e da C. de Mina), amotinou o povo . O Governador Pedro
de Vasconcelos concedeu o perdão aos revoltosos, ordenando
mais ao "Senado da Câmara" que "mande vender todo o sal que
vier de Lisboa e de qualquer outra parte pelo preço de cruza·
do" (21) .
O segundo motim, ocorrido na Bahia àquele ano não contou
com a participação do Maneta, foi motivado por outra causa que
não os protestos contra o preço do sal, segundo Lamêgo.
A escassez do produto em São Paulo motivou em 1765 uma
representação dos paulistas ao conde de Oeiras para que êste
intimasse os contratadores a socorrer a Capitania com a abundância devida. Esta reclamação surtiu certo efeito, pois, no ano
seguinte, a quantidade do sal aumentava consideràvelmente.
Apesar da fiscalização rigorosa, não deixaram os brasileiros
de colher clandestinamente sal.
Sabe-se que foram enviadas expedições militares a Cabo
19 -
Brasil Salineiro. Março de 1954, n" 3, pg. 13. Artigo redacional
citando crônista do "Estado de São Paulo", que não nomêia.
20- Alberto Lamêgo - "Os motins do Maneta na Bahia", in R. I.
Geográfico e Histórico da Bahia. NQ 55. 1929, pg. 358 .
21 - Alberto Lamêgo - obr. cit. Transcrevendo Portaria do Governador da Bahia Pedro de Vasconcelos e Souza, datada de 17-10·
1711.
-15Frio com a finalidade de destruir as salinas clandestinas, apreendendo o produto e punindo os transgressores.
Não sabemos se tal fato se repetiu, mas na P metade do século XVIII, no Govêrno de Luiz Vahia Monteiro, a requerimento do contratador, procedeu-se, mediante expedição punitiva
apreensão do sal produzido, sequestro dos bens dos moradore~
que armazenavam o produto (22). Os moradores de Cabo Frio
representaram a D. João V que prometeu atender os seus reclamos.
• ~ "Memória'' sôbre a cidade de Cabo Frio, escrita por um
anommo em 1797, afirma que antigamente davam as salinas
para sustentar a capitania do Rio de Janeiro "porque ainda consta de título~ antigos declararem os testadores, que possuíam
avultados numeros de meios de sal em diferentes salinas e de
diferentes anos" (23). Consta ainda da referida "Memória" que
~m Cabo Frio "tiravam o sal, levavam para lugares superiores
as alagoas, amontoavam em pinhas, e queimavão com ramos de
~oreri, de cujo fôgo se formava um cascão, que o preservava das
aguas das xuvas e deste modo conservavão aqueles omens essas
grandes porções de sal por serem naquele tempo os maiores averes que possuíam" (24) .
do Não .resta a menor dúvida de que a situação do monopólio
sal fo1 uma das causas contrárias ao desenvolvimento de noss~ ~conomia. Portugal percebeu tardiamente os males do monopoho. E o~ p_ercebeu quando a carência do sal já causara ao hom~m b:a~llelro prejuízos significativos em sua saúde além de
cnar habitos nocivos que dificultaram o nosso progresso.
Para se ter uma idéia da escassez de sal no Brasil na colônia
22 -
"Memona
· · histórica
·
da cid d d c b
.
trito compreendido n t' a ed e a o !"n_o _e de todo o seu disAnônimo _ Merr:óri~ efmo. e sua Junsd1çao. Ano 1797". Autor
Figueirêdo Nabuc.o d'Ao er~ci~a ao I. H. G . B. p or José Paulo
Etnologico do Brasil T rauJoX, Lm Rev._ do Inst. Hist. e Geogr. e
e 176.
· orno
VI. RIO - 1883, parte I , pg. 173
23- Idem.
24- Ibidem.
-16basta lembrar que em certas épocas o paulista chegava a "comer
raiz de pau ou carne sêca sem sal nem farinha".
Segundo Capistrano de Abreu o alimento comum dos povos
era a canjica porque dispensava sal (25).
Azeredo Coutinho em sua "Epitome" ilustra, de forma VIgorosa, os malefícios do monopólio na vida pastoril e na alimentação do homem, dizendo que o gado poderia ser muito melhor
aproveitado não existisse falta de sal: " . .. a carne que alli se
gasta, he nada em comparação da que subeja: as Aves, as feras,
os tigres são os que se aproveitão do nosso superfluo: todo este
desperdício se faz pela falta de sal" ... " ... "livre o comercio do
Sal para aquelles Sertoens, o nosso superfluo não será para os
Tigres ... " (26) .
Além de escasso era caríssimo o sal. A quantidade com que
se salgava um boi custava duas ou três vezes mais do que valia
o próprio boi e o mesmo sucedendo com o peixe (27) . Em Serro
do Frio, comenta Azeredo Coutinho, quando o sal é mais barato,
"um prato não custa menos de 225 reis"... "um prato de sal
é um dos maiores prezentes que se fazem".
Para ilustrar a escassez do sal no Seculo XVIII,_ principalmente na sua 1' metade, registre-se que, nas Minas de Cuiabá ,
chegou-se a dar por um frasco de sal meia libra de ouro ..... .
(256$000). Câmbio de 27). Não havia alí sal nem para batizado.
Na época do ouro, em Minas, o sal chegou a valer 3$600,
pois, comprado no Rio por 800 rs. o alqueire era onerado com
750 rs. ou seja 93/45-'o ao entrar nas minas. Os 2 pratos de saldestinados para salgar o terreno em que foi arrazada a casa de Tiradentes custaram 4 oitavas de ouro (28).
Os animais na região de Minas Gerais ressentiam-se da falt;:~.
de sal que não lhes era dado como complemento da ração e buscavam provar o cloreto nas cinzas das queimadas ou até nos
25 26 27 28 -
Capistrano de Abreu - Obr. cit., pg. 190.
Myriam Ellis, obr. cit. pg. 186, citando D. J. da Cunha de Azeredo Coutinho - "Epitome".
Myrian:: Ellis, obr. cit. pg. 187.
Myriam Ellis, obr. cit., pg. 33
-17ossos dos companheiros espalhados pelo campo por conter essa
matéria orgânica algum cloreto de sódio (29) .
Nesta época um autor anônimo que descreveu sua viagem
do Maranhão a Goiaz pelo Piauhy documentava ser a falta do
sal o principal motivo que prejudicava a criação e 0 aumento
das fazendas de gado e das boiadas (30) .
As dificuldades de transporte foram, inegàvelmente, também, fatôres que muito influíram na escassez do produto. Onerava-se o preço a proporções incríveis. Mesmo quando nos fins
do s~culo XVIII já se exploravam, em escala razoável, as salinas
do Rw Grande do Norte, o sal que alí era comprado por 6$000 a
tonelada chegava ao Piauí por um conto de reis. (31).
. ~fome de sódio é mais sentida nas regiões tropicais e equat?nais onde o calor favorece a sudação, pois sendo 0 suor a prinCipal fonte de clo~eto de sódio -chegando a conter 2 ou 3 gra~as de sal P?r litro -nestas regiões um indivíduo pode suar
cer~a de dez litros por dia. É uma espoliação muito significativa.
Assim, como diz Josué de Castro (32), sem o necessário suprimento de sai, que compense a perda, baixa o teor de sódio no
s~ngue, dando lugar a fadiga muscular, depressão nervosa smtomas da baixa pressão arterial.
Ell' G~;;)nte aquêle nutrólogo, no que tem o apow de Myriam
Is
que esta carência levou o colono europeu a se poupar do ~ra~alho pesado e esforços físicos demorados sob o sol
com a fmahdade de e 't
.
'
criado h'b't
.. VI ar mawres perdas. Tais motivos teriam
a I os sociais como " · d 1' ·
nh
d
.
a m o encia dos senhores de engeo e os ncos o hábito d
. d
de não t
e nao sair e casa nas horas quentas,
omc.r sol para nao transpirar, de não
carregar pesos, e
r
29 -
'
-
"Descnçao
· - dos sertões de M'
d
ln.as, e povoaçao, suas causas e meios
nommo. Rev. Inst. Hist. Geog. Bra30 .
nimo. Rev. Inst HisfoGa GoJaz P':1a_ Capitania do Piauhi". Anôll!o pg. 62.
.
. eogr. Brasileiro, vol 99, tomo LXII, parte
31
32- D. D. Duarte obr cit
18·
.
- Josué de Castr · "d pg. , . ' refenndo-se a Roderick Grandall
33 dos Estudantes do
~opoahtica da Fome" - Livr. Edit. da Cas~
- Myriam Ellis ob r~stil. 2. ed. Rw. 1953. pgs. 92 e 93.
,
r.ci.pg.29.
~ os fazer florentes "
Sil. voi. XXV pg 433 "R ot eiro
·
'
·
·
do Maranh-
B
-19-18não trabalhar muito, evitando principalmente os trabalhos manuais . .. '' (34) . Não deixa de o fator biológico ter importância
na criação do hábito, mas teria êle aparecido não houvesse o tra·
balho escravo ?
O negro, perdendo menor quantidade de cloreto de sódio pelo
suor, fatigava -se muito menos com o mesmo tipo de esfôrço mus
cular (35). Além do mais trabalhava quase despido que contribuía para a menor perda do sal através do suor.
notório o hábito de a alimentação na colônia se basear em
carnes salgadas, bacalhau, etc. Além da dificuldade da conservação por outros meios e as contingências do clima, não seria
esta uma forma indireta de obter o colono, maior teor de sal no
organismo? Principalmente os negros e, talvez por isto, tivessem um maior suprimento dos minerais de que careciam. Não
deixa de ser perigosa essa hipótese pela dificuldade de se levantar um quadro real da alimentação do escravo através das regiões e épocas, sabendo-se, contudo, que a carência - diria, melhor a deficiência - alimentar atingiu mais agudamente os
me~bros da classe flutuante, os intermediários entre as classes
extremas da sociedade colonial.
É
É preciso salientar, também, que a redução e a supressão
do sal são diversamente toleradas, havendo indivíduos que as
suportam bem (36) mas não por largos espaços de tempo, não
obtendo ainda uma comprovação total a existência de populações primitivas da Africa e da América "que tenham vivido
sem seu emprêgo, e que podem até morrer quando fazem uso
da alimentação salgada dos europeus" (37) .
Gilberto Freyre retrata com admirável precisão as dificul·
dades da alimentação colonial onde tudo faltava: carne fresca
Idem. Ibidem.
.
Josué de Castro, obr. clt. pg. 92 ·
.
" 29
1 José
A. da Silva Melo. "Alimentação-Instmto-Cultura ,
vo ·
Olympio. Rio. 1946, pg. 4_99.
37 - A. da Silva Melo, obr. clt. pg. 496 ·
34 35 36 _
de boi, aves, leite, legumes, frutas; "e o que aparecia era da pior
qualidade ou quase em estado de putrefação" (38).
É êsse o quadro geral da alimentação no Brasil colônia, agravado em períodos, de forma tão intensa que os cronistas ficam
estarrecidos de como foi possível permanecer assim uma civili·
zação nos trópicos com a vitalidade da nossa.
4.
O "SAL DA TERRA" NO VALE DO SÃO FRANCISCO.
OCUPAÇÃO HUMANA DO INTERIOR DO NORDESTE. A
PECUARIA: A CARNE E O COURO. RELAÇõES ECO·
NOMICAS.
As limitações e deficiências na dieta alimentar do homem
colonial, causadas, entre outras causas, pela dificuldade de se
obter sal, não somente para conservação de gêneros perecíveis
como para simples tempêro, frearam, grandemente, a expansão
do povoamento brasileiro. E quando constatamos os feitos dos
bandeirantes, embrenhados pelo interior inexplorado do Brasil
sem o suficiente provimento de sal é que nos certificamos do
seu esfôrço inexcedível. Ocupação mais constante e compacta
do interior poderia ter ocorrido outras fôssem as condições alimentares. Diverso, igualmente, seria o aproveitamento econômico do gado não houvesse tanta escassez de sal.
Excetuando-se áreas do litoral e pequenos trechos do Brasil
central (devido à mineração) foi no Nordeste a única área em
~ue ocorreu razoável expansão do povoamento. A ocupação das
areas nordestinas e do vale do São Francisco- de forma permanente- se deve ao fato de se encontrar bastante sal da terra
na região.
38 - ~ilber~o Freyre -"Casa Grande & Senzala". 5"' ed. José OlyrnPIO. R1o. 1946, 19 vol. pg. 138 e segs.
-20-
-21-
O "precioso achado" do seu vale constituiu, inegàvelmente,
uma razão para que o S. Francisco se transformasse no principal
centro de criação dos sertões do nordeste (39).
É conveniente assinalar a relativa proximidade das salinas
litorâneas, principalmente antes do estabelecimento da política
monopolista da metrópole.
Mas foi o "sal da terra", foram os ·afloramentos salinos existentes, principalmente em várias áreas do vale do S. Francisco
que possibilitaram o estabelecimento e desenvolvimento da vida
pastoril nordestina. O "sal da terra" era oferecido ao gado nos
pontos mais distanciados das salinas ou os animais lambiam a
terra nos "barreiros", de sorte que não faltava o suprimento
mineral indispensável à saúde do gado. Por outro lado o sal era
usado na conservação dos couros que abundavam na região. Não
servia, no entanto, à preparação de carnes salgadas destinadas
a serem transportadas à longa distâncias, pois "ardia a carne'.
Para isso faziam-se postas de "carne do sol", processo em que
o sal, pràticamente, não tem serventia.
A penetração do homem no Nordeste foi sempre realizada
em função do gado, do "tanger do gado" e teve o que poderíamos chamar de a orientação do sal para melhor caminhar e ocupàr os sertões. O sal facilitou a adaptação do gado no interior:
fixando-o e com êle criando os característicos da sociedade sertaneja (40). A passagem de Joazeiro, por onde penetraram os
colonizadores até o Piauí e Maranhão, é um índice seguro desta
afirmativa, pela salinidade mais intensa daquela área.
As afirmações de Capistrano e Manuel Diegues Júnior são
plenamente procedentes porque, de fato, o povoamento acompanhou as boiadas, à proporção que estas procuravam água e
"salinas" para suas necessidades (41).
No vale do São Francisco a maior incidência de afloramento de sal da terra se encontra no pequeno mas sempre verdejante vale do rio Salitre, desde a foz até São Romão, a montante
das atuais cidades de Joazeiro (Ba) e Petrolina (Pe), na margem baiana, com uma largura de 25 a 30 léguas.
Caio Prado Junior (42), baseado em Martius (Viagem II,
401 e segs.) assim descreveu a zona do sal no S Francisco: estão
"em faixa ao longo do S. Francisco, do rio Salitre à vila do Urubú, numa extensão de quase 60 léguas de comprimento por 25
a 30 de largura. Concentram-se sobretudo na margem direita:
Manuel Diegues .Júnior - "O sal e os caminhos da pecuária no
Nordeste" in "Observador econômico", n9 131. Dez. 1946. pg.
50 e 51 . Capistrano de Abreu - "Os caminhos antigos e o povo~­
mento do Brasil", 211- ed. Livraria Briguiet. 1960, J?g. 92: "Os pn·
meiros colonos evitavam os catingais; ~os :equenrr.entos. ~e se~­
maria alegam sempre que as terras nao tem pastos suficiente '
por causa das catingas Mais tarde, porém , acomodaran:-se com
elas: porque entre urr. tronco e outro há sempre con;edia; entre
uma catinga e outra há sempre campos; de cer~as arvores que
não perdem a fôlha aproveita-se a rama para ahmentar a. gadaria contra o flagelo das sêcas, finalmente, estas rr.atas vi::gens
plebéias, que designamos por uma palavra da língua tupi, revestem formas muito diferentes, que podem emparelhar quase
com as florestas próceras do litoral ou nivelar-se com o campo
rasteiro".
40 - Manuel Diegues Júnior, obr. cit. pg. 51.
39 -
41 -
Manuel Diegues Júnior- "Forrr.ação das populações nordestinas"
in "Cultura" orgão do Ministério da Educação e Cultura. Serviço
de Documentação. Ano IV. n9 6. Dez. 1954, pg. 61. Capistrano de
A:J)reu .:- "SJs can:inhos antigos, etc.", pg. 131: " ... enchendo-as
(a reg~ao s31-franciscana) de gado, que encontra seu optimum no
t~rreno sahtrado, nos campos mimosos e por fim se adapta às catmgas, aos agrestes e carrascos. O gado transporta o dono. E pululam fazendas e nascem estradas e o povoamento quase contínuo
se torna ao menos no sentido longitudinal. A população baiana
transborda par~ Maranhão, Piauí; remonta depois para todos os
~e,~cobertos aunfero_s q~e sem gado teriam perecido no nascedouo ·Teodoro S8:n~paw, cltado err. nota por Capistrano (obr. cit. pg.
9~) dest~ca .a dlfi_culdade de. penetração na catinga: " ... Só o gado
pode P~Im~uo tnlhar a catmga; e naquelas regiões onde o euro~eu. P~Irr.eiro penetrou. at::avés. dela, foi sem dúvida pela trilha
o mdw, e guiado por mdw. AJunte-se a tudo isto a falta dágua
por dezenas de léguas, a aridez do solo a escass~z das chuvas
e se compreenderá por que o movimento' invasor lmsca desenvol:
:::t_~~ ao longo do mar e dos grandes rios perenes, para depois
povoadores a estabelecerem-se pelos camihos a fazerem
.
bhist.
alxo perme·
. fiSico
. .
.
d I? " · s·b
o re o mew
da catmga
ainda, é válido o
sua orcf. epoimento de Martius: " ... seria que as terras perderam
do o~~ga ,coberta de terra . com as possantes e largas lavagens
regino · O que se confirmaria pela "descida gradual desta
em d.? pa_;a ? mar, o curso regular dos rasos vales de escoamento
arr deçad Igual, a exte~são das superfícies rócheas escalvadas,
0
te
:e.,~nsa~ento de multas troços graníticos. . . e principalmen0
C - Caio
p
.0 ~o humo das regiões ocidentais".
ed Ed rado ~~mor - "Formação do Brasil contemporâneo", 211.
· Brasihense. S. Paulo, 1945, pg. 183.
-22-
-23-
a esquerda não são tão frequentes, nem se exploram regularmente".
Além dos afloramentos salinos apontados, foram causas que
facilitaram a ocupação do interior do nordeste e do vale do S.
Francisco a vegetação pouco densa, permitindo, com relativa
facilidade, o estabelecimento humano sem preparação preliminar e o relêvo quase contínuo preponderando as chapadas. É imperioso, também, salientar, as disposições legais que proibiam
a criação de gado a menos de 10 léguas da costa por imperativo
da lavoura e indústria açucareiras.
Capistrano de Abreu reconhece que, graças a estas circuns
tâncias, é que se formou no trajeto do gado "uma população relativamente densa, tão densa que só houve igual depois de descobertas as minas nas cercanias do Rio". O mestre Cearense
aponta a descoberta das minas auríferas de Jacobina e rio das
Contas como uma das causas da prosperidade dos sertões.
Como não podia deixar de ser a pecuária estabelecida nos
sertões do Nordeste era rudimentar, extensiva: não se cuidava
da melhoria do pasto nem de estabulação. Quando muito, antes
das chuvas, queimava-se a vegetação para facilitar a brotação.
Devido a tal fato o rendimento era insignificante. Numa fazenda considerada boa- e as fazendas se extendiam por muitas
léguas - conseguia-se apenas obter 250 a 300 cabeças.
Tem razão Caio Prado Júnior ao dizer que a pecuária do
Nordeste era pouco mais que uma rudimentar indústria extrativa" ( 43).
Mesmo nestas condições desfavoráveis era êsse gado que
abastecia de carne vasta área do Brasil: a zona açucareira da
Bahia à Paraíba, o Maranhão, Minas e até mesmo S. Paulo (44)-
O deficiente regime alimentar do brasileiro tinha na carne
o elemento imprescindível para a obtenção das calorias indispensáveis.
O gado vinha de longe para o litoral e era abatido antes que
se refizesse da longa viagem que o emagrecia, pois não havia
pastos suficientes, principalmente nas zonas açucareira e do tabaco, cujas grandes lavouras "não se deixavam manchar de pastos para os bois descidos dos sertões e destinados ao corte. Bois
e vacas que não fossem os de serviço eram como animais danados para os latifundiários" (45).
O desconhecimento ou a impossibilidade de usar a técnica
de conservação da carne, o que evitaria transportar 0 gado em
pé, foi uma das razões que limitou e prejudicou a criação no
Nordeste Bras~leiro. O couro ficou sendo o objetivo principal
do lucro do cnador sertanejo. Era quase impossível conseguirs: conse~var a carne com o sal retirado dos afloramentos 0 qual
~ao servia para uma conservação perfeita (46). Para pequenas
JOrnadas como ainda hoje, usava-se o preparo da chamada "car
ne do sol", a qual não possui muita durabilidade.
O sal da terra furou a barreira do monopólio pelo lado não
esperado. O Centro do Brasil e mesmo Rio e São Paulo eram
a~astecidos "pelo sal feito de terra no rio S. Francisco de far~nha e outras coisas, tôdas precisas para o trato e sust~nto da
VIda" (47).
43 44 -
Caio Prado Júnior - obr. cit. pg. 183.
Capistrano de Abreu - "CapÚulos de História Colonial". pg.
226: "O recurso só podia partir da bacia do rio S. Francisco"
"Pelo dito rio ou pelo seu caminho, expõe um documento pouco
posterior a 1705, lhe entram os gados de que se sustenta o grande povo que está nas minas, de tal sorte que de nem uma outr~
parte lhe vão nem lhe podem ir os ditos gados. porque não os ha
nos sertões de São Paulo nem no do Rio de Janeiro".
45 -Gilberto Fre
b
caminhos {~~· o r. Cit., pg. 140- Capi~trano de Abreu - "Os
se povoan'd~ c. - mostra co_mo os vazios foram relativarr.ente
certos povo~~~~r! e~ ~~çao do gndo: "A E.'Xperiência ensinou
açudes. a plantare es a t• ecerem-se pel~ caminhos, a fazerem
portados por ue m man_Imentos, que nao precisavam ser exprarem ~s reies se ve!lciam na porta aos transeuntes, a comcuidados, ou servyans'(Iad~-s ou <;!esfalecidas que, tratadas com
(pg. 116) _
arr. a ahmentaao ou revendiam com lucro"
46
- Baseiada num d oeu
t d
Myriam Ellis afir~en
o c,?nselho Ultramarino (arq. 1.1.18),
muitas vezes nociv . que 0 sal da terra" havia-se mostrado,
era aplicável ao s lo as salgas, e, parece que nem todo sal nativo
f?
obr._ cit. pg. 3 i. a garr.ento e preparo dos couros. Myriam Ellis.
- Capistrano de Abreu, " Capítulos, etc., pg. 226 _
°
-26Surgiram, então, as fábricas, oficinas ou feitorias, tôdas toscamente construídas próximas às salinas. Eram estas indústrias
de construção modestíssimas (52). As carnes fabricadas eram
de dois tipos: de posta e de tressalho (2 mantas).
Devido ao aparecimento da indústria, houve rápido desenvolvimento da região. A navegação regularizando-se, possibilitava comércio permanente com os principais portos do Norte e
do Sul do Brasil: Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Rio.
Aracati era o principal empório saladeiril no Ceará. Vila
distante 12 quilômetros da foz do Jaguaribe, Aracati, foi centro
de um intenso comércio. Abatendo-se anualmente de 18 a
20.000 bois, 25 sumacas encontravam sempre carne e couro a
transportar. Estas embarcações traziam fazendas , ferra~ens e
miudezas. 0 intercâmbio também se fazia com o sertao. Os
boiadeiros sertanejos, encontrando mercado para seus produtos,
passavam também, após as chuvas, a trazer tropas e c~rros com
couros, solas, vaquetas e algodão e, em Aracati, GranJa, Ca~o
cim, abasteciam-se do necessário à vida do interior. Estas cidades e Sobral industrializavam apreciáveis quantidades de carne
bovina.
A maioria das embarcações carregadas de "carne do Ceará"
g am impostos.
preferiam o pôrto de Salvador porque nao pa av
.
Devido à procura constante dêste pôrto, muita carne se per~Ia
por falta de possibilidade aquisitiva na Bahia, pois a carne m-
52
_
"
uma apressada construção de galpões cobertos de palha, vda.··
1
tacho e
rais para estender a carne desdobrada, salgada e a gun;.
. de
ferro para a extração da parca gordura dos ossos ~or mel~l· 0
em água
A courama era estaqueada e seca ao s ' .
fervura
···
· e depo~
sêbo smplesmente lavado, pôsto ao t empo em varais
. _
·
'b'
"
Raimundo
G1rao secado em fôrmas de ma d eira cu lca. . .
.
El'ls
1
'
· Mynam
•
·'História
econômica do Ceará" - p g. 147 e 148 , m
obr. cit. pg. 191.
-
'27-
dustrializada mediante processos deficientes n ão suportava muito tempo (53) .
Cada rês abatida tinha o pêso médio de 12 arrobas o que era
razoável em face da arrobação baixíssima na época. O rendimento era de 20 por cento.
Com a finalidade de evitar o "subsídio de sangue" e as grandes marchas, os fazendeiros do sertão passaram a enviar, cada
vez mais, gado para a matança nas oficinas cearenses e rio-grandenses-do-norte.
Com o correr dos tempos as trocas entre litoral e sertão se
intensificaram, passando a haver certo equilíbrio econômico entre aquelas regiões.
Devido a essa atração Recife se viu sem carne. As feiras
pernambucanas e os açougues passaram a sentir falta de carne
verde, não aparecendo, destarte, arrematadores para o contrato
das carnes em Recife.
Em face desta situação, o capitão general de Pernambuco
Tomas José de Melo, em 1788, contando com o apôio ou indiferença da Câmara de Natal, com a finalidade de evitar que o
gado do sertão continuasse a ser destinado apenas à salga, determinou o fechamento das oficinas do Rio Grande do Norte,
ordenando que os bovinos daquela capitania se destinassem apenas à Paraíba e Pernambuco. Pesou séria ameaça sôbre as oficinas de Aracati que seriam fechadas caso os Mossorosenses
burlassem a proibição.
Mas tiveram de modificar planos de comércio, pois as naus
que, carregadas de carne sêca demandavam ao sul eram obrigadas a aportarem em Recife onde deveriam abastecer.
_o desenvolvimento de Aracati foi ameaçado de colapso por
motivo de sua elevação à categoria de vila, ocorrida em 10-II-748.
53 -
Rena!o Braga, obr. cit., pg. 150. J . Brígido - "A capitania do
~e~ra, seu comércio" in R. I. Ceará XXIV, 1910, pg. 180: "em 1789
pp rtaram em Aracati 30 pequenos barcos fa zendo comércio com
;rnambuco. Fazia-se carne sêca de 20 a 25 mil bois, salgava-SP
mil a 30 couros, 50 a 60 mil meios de sola ou vaquetas 30 a 35
couros _de cabra e 2 a 3 rr.il peles brancas. camursas'preparadas n o sertao".
·
-28Os armadores, segundo Renato Braga, acostumados com as facilidades do pôrto livre, reagiram contra as posturas e, de 25
embarcações anuais que aportavam àquela localidade, somente
6 ou 7 a visitaram em 1751.
Êste fato e a impossibilidade de Aracati comerciar diretamente com a Europa, tendo de enviar seus produtos via Recife,
contribuíram para que o desenvolvimento não se processasse
normalmente. Mas, apesar destas circunstâncias, Aracati era
uma fôrça econômica no Nordeste. Renato Braga chega a afirmar que dominava o Ceará econômica e socialmente. Para se
ter uma prova de sua pujança basta citar estas cifras: exportava mercadorias no valor superior a mais de 1. 200.000 cruzados
e importava apenas mercadorias no valor de 600.000 cruzados.
Façamos, agora, um ligeiro retrospecto sôbre as oficinas
existentes no R. G. do Norte e no Piauí.
Com técnica aprendida, talvez na ribeira do Jaguaribe, o fazendeiro sargento-mór Antônio de Souza Machado, associado
com o seu cunhado José Alves de Oliveira, fundou, na foz do
Mossoró, em 1750, oficinas para a industrialização da carne.
As dificuldades que encontrou Aracati para intensificar a
industrialização da carne, possibilitaram igualmente, o surgimento de oficinas no Piauí. Encontrando forte concorrência
pela entrada no mercado do gado do Ceará e Maranhão, a pecuária piauiense, que estava declinando (54), conseguiu uma relativa fase de fartura com o advento da indústria saladeiril. A
margem direita do Paraíba, no lugar denominado Feitoria ou
Pôrto das Barcas, foram instaladas as oficinas e, em 1763, já
produziam carne sêca de 12.000 rêses, contando, ainda, com a
entrada de 16 a 17 navios por ano. A importância econômica da
nova indústria foi tão marcante que forçou a transferência de
Parnaíba para aquêle sítio em 1770. Exportava-se muita carne
para o Pará, Bahia e até Rio. João Paulo Diniz, nesse ano, a 80
léguas do litoral, aproveitando as condições de navegabilidade
do rio Parnaíba, instalou oficinas. É controvertida a iniciativa de
-
Domingos Dias da Silva como sendo o introdutor da "carne do
Ceará" no Piauí, conforme quer Pereira Costa (55). Renato
Braga (56)_ é de opi~ião,
Domingos D. da Silva foi apenas
o monopohzador da mdustna saladeiril no PI'au 1'. A conservação da carne no Piauí, que aproveitava o sal colhido no delta
do Paraíba e, sem dúvida, usava, também, o sal das salinas cearenses, findou entre 1824 a 1827.
qu:
, Esta atividade beneficiadora da carne nordestina só foi posSivel com a tolerada burla ao monopólio do sal · Se nao
- h ouves~· no ~ntanto, t~o premente necessidade de carne e se a Coroa
nao
epoca
empenhada na exp 1oraçao
- d as
. estivesse na A
. totalmente
_
mmas, essa tolerancia nao seria permitida certamente. Sabemos
que, algumas das concessões para exploração das salinas d R
G .. d~ Norte, Ceará, Pernambuco e até Cabo Frio, ocorre:tes:
pnncipalmente,
na •2~ metade do século .LXVIII , SUJei
- ·t as, em b ora,
,
•• _
a prOI~Içoes e confiscos repentinos, era condicionada a não exportaçao do sal para outras capitanias.
Os importantes documentos·· "Nota de tAd
. h as
o as as mann
em que se faz sal na costa do Brasil" (57) e "M
, . h- t, .
da ·d d
em ona IS onca
~~ a e de Cab~ Frio e de todo o seu distrito compreendido
~o- er~o de sua JUrisdição" (58) ilustram fartamente as conçoes e extração de sal naquele século.
A Na "Nota" con t
G d N
s a, em essencia, a descrição das salinas do R.
0
orte, ~ernambuco, Sergipe e Cabo Frio. Tal descrição
t~
1
traça-voa odr no_tdavel para se poder aquilatar das condições de ex1· ·
te t de a VI a nas reg·IOes sa meiras aquela época o que permies u• o compara t'Ivo com as condições atuais.
Mo So~re as salinas do R G. do Norte diz a "Nota" que em
ssoro há uma grande "salina de sal com pouco benefício; dá
55 -
,...
..., 57 -
54 -
Carlos- Eugênio Pôrto- "Roteiro do Piauí", Serviço de DocUmentação do MEC, pg. 157.
.'29-
Carlos Eugênio PA0 t
.
"Cronologia" p
r °• tdem, pg- 158, citando Pereira Costa:
1
00
Renat B
' gs.
e 101.
"Not od raga, obr. cit. pg. 159.
a e todas as
·nh
A~ônimo, in Rev Tartl ~s em que se faz sal na costa do Bra-sil:
R1o, 1883 pgs 173· ns · Htst. e Geog. Etnol. do Brasil T. XLVI
.......
, ' h· t,
. . e 17 6 , pa r t e la..
'
'
-emoria
trito compr~no;iica da c~dade de Cab~ F;:-io_ e_ de todo o seu dis1897, pgs. 20S a ~~no termo de sua_ JUns_diçao; Anônimo. Ano
do Tomo da Revtsta citada na nota anterior
-30-
-31-
grande quantidade e muito bom sal" e que, no Assu, há salina
natural com 2 a 3 léguas de extensão, de maneira que em todo
êste espaço gela o sal em grossura de 1 a 2 palmos e meio, "quantidade capaz de fornecer a todo o universo, sem outro benefício
e despesa mais que colher; é o melhor sal que há em toda costa"Que "estas salinas do Assu e Mossoró, que se extendem em um
espaço de costa desde agoa-maré até a barra do Assú, por 36
léguas, eram uma costa realenga, habitada por pescadores que
secavam o seu pescado e vendiam para o Recife de Pernambuco
e tiravão sal que traziam para o pontal da barra do Assú e barra
dos Cavalos, onde fundeiam as sumacas e eles vendião o sal o
alqueire a 60 e 80 rs". A "Nota" registra que com 4 sumacas
conduzia-se a Pernambuco 150 a 160 alqueires de sal, medida do
Assu que tem 25 '/o da de Pernambuco (59).
Quanto a safra e despesas de extração: a colheita ia de outubro até abril. Para tirar 150.000 alq. eram suficientes 40 índios os quais "serão contentes com a paga de 100 rs., sendo sustentados com 1000 alq. de farinha pela medida de Pernambuco",
alimantado-se, ainda , com a carne abundante nas fazendas de
gado Amargoso e Cacimbas do Viana. Canoas conduziam o sal
para os armazens no pontal da barra do rio Amargoso e rio Cavalos. As sumacas eram custeadas com o produto' da venda do
sal vendido para os portos de Jaguaribe, Acaraú, Tapagé, Camocim, Parnaíba, Maranhão e Pará. O prêço do alqueire era
400 rs.
A "Nota" se refere, ainda, às aventuras de um certo Frei
Manoel, religioso carmelita do convento de Olinda que, em 1792
"tirou por sesmaria" terreno na região em nome de seu pai de
quem tinha procuração. Deu 200$000 ao convento e, desapossando os moradores, impôs aos que ficaram a "dura condição ~e
lhe darem metade de sua pescaria, depois de beneficiada e nao
59 -
Esclarecia, ainda, que a me~ida de Perna~buco para a Bah~~o/=
Rio tem o avanço 50%, por Isso que a medida do Assu tem
sôbre a da Bahia e Rio e que,- 150 . 000 alq. do Assu fazem t · ·:
265.500 alq. que a 800 rs. dão a soma de 212:40~$000. Quan
facilidade de extração assinala a "Nota'' enfàticamente que 5
pode "tirar do Assu a quantidade que quizerem".
°:
tirarem sal" (60). Feliz no comércio, compra fazendas de gado
junto ao rio das Conxas e Amargozo, ficando com a exclusividade de extração do sal que vendia a 160 e 200 rs. Devido à indignação popular e um homicídio que se lhe atribuiu, foi condenado a cumprir pena na Angola, morrendo antes de seguir para
a Africa.
Sôbre as salinas pernambucanas pouco se ocupa a nota, lembrando a sua existência em Itamaracá, "7 léguas ao Norte de
Pernambuco", e no Pao Amarelo, duas léguas ao sul daquela
ilha. Produziam pequena quantidade fornecendo à costa pernambucana e paraibana até o Cabo Branco e à vila de Goiana. A
condução do sal se fazia em jangada. Em Recife não havia liberdade de comércio do sal, pois os que tiravam o mineral eram
obrigados a vendê-lo ao "administrador do contrato que então
havia".
Sôbre o sal sergipano a "Nota" escreveu pouco: assinalou
na Cotinguiba uma pequena salina que "exporta algum sal para
a Bahia, porém pouca quantidade e mao sal".
No começo do século XIX, Marcos Antônio de Souza, (61)
descreveu as condições de extração do sal sergipano: "Nos annos
secos estes povos mais se empregam em extrahir sal marinho,
ex:cavando nas praias de Aracaju grandes fossos onde depositadas
'
)
as salgadas aguas e expostos por um mez aos excessivos calores do sol, evaporam de si as partes aguosas e fica no fundo dos
&randes receptaculos quadrados o sal crystalisado." Adianta
que se vendia o sal para a metrópole da Bahia além de ser usado
::comarca. A produção excedia a 30.000 alq. mas que "não bas0 seu lucro para supprir todas as necessidades".
-o-"Nota ... etc" R
·
ia pgs 57 e 58 ~v. Citada. D. D. Duarte, em sua obra já citada
~ Ant• . tr~nscreve trechos do irr.portante documento.
'
afpe sua ~~~à_0 _e Souza - "Memoria sobre a Capitania de Ser
'é capaz" aça~, populaç~o, pr~d';l~ão e melhoramentos de
d
-
808, publicada micialmente por Antonio J
de Ara e .B~rros em 15-10-1877, e p osteriormente, na "Re.
CaJu , n. 1, Ano I, pgs. 9 a 46. Aracaju. 1943.
-33-
-32-
A utilização do sal na indústria saladeiril nas proximidades
da zona produtora iria ser truncada pelas terríveis sêcas que se
repetiram na 2' metade do século XVIII, tornando anti-econômica a indústria da "carne do Ceará".
Mas, segundo Renato Costa (62), foram os paulistas, antes
dos Açorianos, os primeiros a iniciarem a instalação de estâncias
devassarem o interior do Rio Grande do Sul, levando, em
ea
d
.. b
.
,
suas andanças bandeirantes, ga o - que v1v1a rav10 - e m -
O florestamento reduzido e a densidade populacional aumentada tornaram calamitosos os efeitos das sêcas de 1777-1778
- que reduziu o gado nordestino a menos de 1/8 - e a de 17901793 chamada "Grande Seca", em que 1/3 da população desapa' O flagelo foi tão tremendo, tão dezimador, que, em 1794
receu.
já não havia gado para se abater. Era o fim da indústria saladeiril sistemática no Nordeste ...
dios.
Os lagunistas chefiados por João de Magalhães, que nos fins
do século XVII estiveram no Rio Grande em busca de gado para
povoar os campos de Laguna e S~o Paulo, mataram inúm~ras
cabeças de gado, dispersas nas coxilhas, apenas para aproveitar
No regime das invernadas o couro era a única
0 couro. (63)
matéria prima.
A carne quase que não era aproveitada. "A carne era dada
a quem a pedia sem retribuição alguma" (64).
6.
DESENVOLVIMENTO DA PECUARIA NO RIO GRANDE
DO SUL. A INDúSTRIA DO CHARQUE. FIM DO MONOPóLIO.
Região de fronteira indeterminada, São Pedro do Rio Grande do Sul, permaneceu durante muito t empo sem chamar atenção dos governadores do Brasil para uma ocupação humana permanente. Era usada como campo de luta, das constantes pelejas fronteiriças.
Não cabe no âmbito dêste trabalho estudar o povoamento
do Rio Grande do Sul nem o desenvolvimento de sua pecuária
nos primeiros tempos da vida gaúcha.
Sôbre a origem do gado nos campos do sul h a, d'uv1'd as se o
mesmo foi introduzido no início do séc. XVII pelos jesuítas das
' no enMissões do Uruguay ou pelos colonos do Paraguay. H a,
tanto notícia de já existir "gado alçado" em 1628, quando os
'
· es e
jesuítas
Roque Gonzales de Santa Cruz, Afonso R od ngu
João Castilho penetraram no território riograndense.
Foi na altura de 1690 que F r ancisco de Brito, demandan~o
, · de Sao
a colônia do Sacramento, varou os campos d a P rov1nc1a
,
.
V
.
h
d
"C
'ma
da
Serra
Pedro, fundando a primeira acana, c ama a
1
em 1692.
62- Renato Costa - "Uma síntese da formação econômica do Rio
Grande". Digesto Econômico, n9 23. Out . 1946, Ano II . pgs. 45
e 46.
63 - Walter Spalding, "Pecuária, charque e charqueadores do R. G .
do Sul", Rev. do I. H. G. do R. G . do Sul. III trimestre de 1943,
pg. 127.
84 - Nelson Werneck Sodré- "Breve história da pecuária sul-riograndense". I - "As origens missioneiras" - in Digesto Econômico,
n9 74, janeiro de 1951, Ano. VII, pgs. 168 a 172 .
Nelson Werneck Sodré - "A ideologia do Colonialismo", textos
brasileiros de Sociologia, Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), Rio, 1961, pg. 228: "Os que se ligaram ao domínio do
épico e do heróico pertencem a uma fase remota, quando o couro
é que importava e os rebanhos andavam soltos, quando a carne
não tinha valor econômico e cada gaucho vivia a seu bel prazer,
encontrando meios cl,e manter-se serr. depender de ninguém , sendo
um solitário, e por isso mesmo uma criatura livre, autônoma,
capaz ~e distinguir.se individualmente. Quando começaram a ser
concedrd~s as sesmarias (e houve zonas em que tais concessões
forarr. fertas a granel) , surgiram as propriedades, os campos foram cerca~os e começou a crescer a distinção de classes: de um
~ado, o gaucho, agora tra!:Jalhando nas estâncias e nas charqueaads; de outro lado, o estancieiro, que vivia da venda da carne
e. o. couro. Desde que a carne tornou-se realmente um bem economico, com as estâncias aramadas e as terras livres reduzida
aos "corredores", esta sociedade que fôra heróica e "erara ho~~ns aut~momos tornou.se diferente. O que teve ir:portância ,
~ ~o~ drante, foi o etancieiro que era, ao mesmo tempo, pros~e~rro e chefe militar, conduzindo sua peonada. E não resta
~ a que a esta não ficara outro destino senão o de acampaIh :1~· ( · · ·) " ... o trabalho do pastoreio, par ticularmente nos vedeos empos, e mesmo o das charqueadas, em certo sentido, era
-... n!lt~reza a nivelar e a igualar, mas não do ponto de vista,
~nonuco".
-34-
-35-
Capistrano de Abreu (65), referindo-se à quantidade de
meios de sola exportados do Rio no início do séc. XVIII afirma
que o grande volume não se explica pela "simples produção in·
dígena nem por contrabando de Buenos Aires", e sim pelo "processo sumário dos gaúchos na matança das reses".
bui 80 boi riograndense média de 9 arrobas de carne, constata
que 0 mesmo possuía apenas mais uma arroba que o gado do
êste o quadro lamentável da utilização dos grandes reba·
nhos rio-grandenses. A continuação das lutas até 1777 impediu,
de fato, uma ocupação efetiva do território e atividades econô
micas estáveis e organizadas. O gado chimaT7'ão (bravio) não
tem dono, servindo principalmente para o abastecimento dos
exércitos em luta. Apesar dos abusos ocorridos na distribuição
das sesmarias, a pecuária se firma e prospera com rapidez. Incontestàvelmente o isolamento do Rio Grande, a fisionomia de
zona de transição e o caráter de região fronteiriça, foram razões
que motivaram o alastramento dos rebanhos (66) .
Uma das causas do desperdício da carne era a inexistência
de sal para a sua conservação. Mas o fato de não haver possibilidade de consumo, devido a rarefação da população local, mo·
tivou o aproveitamento apenas do couro. O mercado catarinense e paranaense não podendo absorver todo o rebanho abatível
(importado do Rio Grande até nos inícios do séc. XIX entre 10 a
12.000 cabeças) e sendo o couro mercadoria procurada produzindo razoável lucro, abatia-se o animal indiscriminadamente
para o retirar, deixando a carne apodrecer. Foi tão amplo o
abate que em 1702 registrou-se a arrematação do contrato da
caça do couro por Cristóvão Pereira da Costa por 70. 000 cr~­
zados. De 1726 a 1734 a exportação anual atingia 400 a 500 mil
couros.
O gado gaúcho, criado sem método, era inferior ao pla~i~o.
Calculava-se que o animal gaúcho possuía 9 arrobas, em media,
de carne e Caio Prado Junior (67), comparando dados com u~
orçamento feito pelo Governador Silva Gama em 1803, e que atn
É
65 _ Capistrano de Abreu - "Capítulos etc." pg. 288 ·
,
g 108
66 - Alcides Lima - - "História popula r do R. G. do Su1 · P ·
67- Caio Prado Júnior- obr. cit. pg. 203.
Nordeste.
0 sal não era distribuído regularmente ao gado. As pasta
gens, expostas aos ventos marítimos, supriam-no até certo ponto, do teor salino necessário.
Apesar da escassez do sal no Rio G. do Sul, a sua população
estaria já prática no preparo das carnes salgadas, mas não o fazia
em grande escala porque a quantidade de sal necessária para
salgar uma rês custava 3 vêzes mais do que valia o animal. Ha·
via, antes da instalação da indústria saladeiril em Pelotas, pequenas e insipientes salgas abastecendo sofrivelmente o comér·
cio interno da Capitania e as tropas.
Quando, no entanto, em face da decadência da mineração,
Portugal sentiu necessidade de estimular outras atividades econômicas, passou a incentivar a produção do charque, estimulando as experiências então realizadas. O Vice-Rei no Rio de Ja·
neiro, em 1790 mencionava, em ofício, a faculdade concedida a
Alexandre Ignácio da Silveira para remeter amostras de carnes
ealgadas com diferentes saes tirados do Brasil (68). Nessa épo·
ca Portugal interessava-se em experiências de processos de con~ação da carne como o dos "tabletes" destinados ao preparo
de caldas, "à maneira como se vinha fazendo em Buenos Aires.
Seriam os "tabletes" o célebre "permican''?
Já existia um certo hábito na população brasileira. O "charnordestino ganhara mercado e se firmara. Com o seu gradesa parecimento
·
dos mercados, em face das secas, havia,
IP.Il8E!Qtilenttemf•nte aceitabilidade para todo charque que se faem qualquer outra parte do Brasil.
Nos fins do séc. XVIII já existiam 539 estâncias na parte
do Rio Grande. O gaúcho, então, transitara "para
......... ___ ,
Jll~s -
obr. cit. pg. 189, citando pu~licação do Arquivo
III, índice dos ofícios dirigidos à Côrte de
pelos VIce-reis do Rio de Janeiro de 1763 a 1808.
acJOna~.
-37-
-36-
um regime diferente, vinculando-se à estância e ao estancieiro"
à charqueada e ao charqueador (69).
Foi então que, em 1780, entre os rios Pelotas e São Gonçalo,
próximo dos grandes centros pecuários da fronteira, em terreno
cedido pelo Governador da Capitania José Marcelino de Figueirêdo a Manuel Carvalho de Araujo, o cearense de Aracati, José
Pinto Martins instalou a primeira charqueada organizada com
fins industriais no Rio Grande do Sul. A indústria sul-rio-gran_
dense de charque antecedeu a similar uruguaia, instalada em
1781 por Vicente Medina (70).
Outras foram criadas próximas a de Pinto Martins devido
ao seu rápido progresso. Surgiria uma cidade desta atividade:
Pelotas.
Em 1812 esta povoação era desmembrada da freguezia do
Rio Grande e elevada a paróquia com o nome de São Francisco
de Paula (71).
Pinto Martins aumentou as acomodações da indústria am·
pliando o capital e constituindo a firma J. Pinto Martins & Cia.
Em tôrno da indústria do cearense apareceram outras: Saco de
Pelotas, Santa Bárbara, S. Gonçalo. Mais tarde, em 1794, próximo de Porto Alegre instalava-se um estabelecimento às margens do Jacuí, no sítio hoje conhecido por Charqueada Velha
(72) . Depois de 1800 foram instalados em Pôrto Alegre mais
dois estabelecimentos: Môrro do Cristal e Ponta do Dionísio.
Treze anos depois da iniciativa vitoriosa de Pinto Martins
o Rio Grande do Sul já exportava 13.000 arrôbas, alcançando no
início do séc. XIX 600.000 arrôbas. Caio Prado Junior (73) entende que, excluído o rush do ouro, não se assistira ainda na :olônia a tamanho desdobramento de atividade. Houveram, entao,
a concomitância do trabalho escravo com o trabalho remunerado
69 70 71 72 73 -
N . W. Sodré - "Ideologia do colonialismo", yg. 241 e 242;
Souza Doca - "Estudo-prefácio" - in Castllho Goycochea
"Guerra dos Farrapos", P . Alegre. 1938, pg. 19.
.
W. Spalding, citando Alfredo Ferreira Rodrigues, na obr . c1t.
pg. 134.
W. Spalding, obr. cit. Pl?;· 135.
Caio Prado Júnior, obr. clt. pg. 201.
(74). As charqueadas haviam transformado a economia sul-riograndense, forçando a melhoria dos rebanhos e um certo ordenamento nas atividades pastoris. Aumentara a riqueza regional.
Saint Hilaire calculou a fortuna de um grande charqueador An·
tônio José Gonçalves Chaves em 600.000 francos.
Para o fabrico do charque o gado era comprado aos estancieiros das "gordas pastagens do sul do Jacuí". Alguns fazendeiros eram, também, charqueadores.
O método de fabricação era, a grosso modo, o mesmo de
hoje: depois de morta a rês e retalhada, colocava-se a carne em
"tanques de salmoura durante 24 horas, sêca ao sol e ao vento,
em grandes varais, durante 8 dias de tempo bom (75) . Antes
da abolição do monopólio do sal êste produto era transportado
para o Rio Grande do Sul com grandes cautelas e sob rigorosa fisc~lização. Os seus transportadores e responsáveis deveriam, em
VIagem de retôrno, provar que o sal fôra usado, de fato, na salga
das carnes.
O sal era comprado na Bahia a 640 rs. e no Recife a 540 rs.
a unidade. O prêço do sal português no Rio era de 720 rs. e em
Santos 1$280 rs. Havia três formas de comércio de sal. Comer·
ciantes compravam o produto e enviavam-no por intermédio de
mestres de navios ou adquiriam o mineral indo vendê-lo diretamente no sul ou então mandavam o sal para ser vendido no
Rio Grande em embarcações de outrem (76).
Nos fins do séc. XVIII, quando já se desorganizara o estanco
~e ~al, prenunciando a sua final extinção, uma sumaca chamada
dSao Francisco de Paula Flor das Virtudes", levara 1.162 alq.
e sal das salinas Pernambucanas para a Bahia para serem trans·
~g
=
7S _
Nels~:m Wer!leck Sod_ré - "Ideologia do Colonialismo", 246.
~~nam Ellls, obr. c1t. pg. 195. Manuel Diégues Júnior - "Re~~~es c~ltu~ais do Brasil" -.Centro Brasileiro de Pesquisas
u~ac10na1s - INEP-ME~, R10. 1960, pg. 325: "Os primeiros sa1adeiros (segundo Antomo Carlos Machado) seriam extremamentp
• vezes,
'
as
de meros te. · s·1~p 1es e t oscos, na~_passando,
1
te~ros Circundados de vareJoes sustidos por estacas. O abate
az~a-se em pleno campo, espostejando-se as reses pelas articu
1açoes. _o t_ransporte das mantas era feito em mulas bruaqueiras"
~ ~taçao e do trabalho "A charqueada", in Província de São
Me 1:" 0 · nQ 8! Ed. L1:•-r. do Globo, P. Alegre; 1947 pg. 131.
yr1am Ellls obr. clt. 197.
'
-:38portados para o sul. Apesar das restrições ao uso do sal nacional
as salgas no R. G. do Sul eram, também realizadas em escala ínfima, é verdade, com sal nacional. O que está, porém, compro·
vado definitivamente é que os navios que levavam o sal de Recife e de Bahia para o R. G . do Sul traziam daí charque em grande quantidade.
Em 1795 liberou-se o comércio de sal e se consideraram
francas tôdas as salinas. No entanto, essa medida não teve cumprimento efetivo. As restrições, embora atenuadas, continuaram.
O comércio de charque entre Santa Catarina e Pernambuco
(77) estimulou o de outros produtos como o trigo, farinha , manteiga, couros, queijos e sêbos (78) .
Com o desenvolvimento da indústria saladeiril gaúcha, que
em 1798 exportava para a Bahia 300 .000 arrôbas no valor de
360:000$000 (79) puderam trazer os charqueadores grande número de escravos negros.
O charque do Prata oferecia grande concorrência ao produto nacional. A arrôba da carne salgada gaúcha chegava ao Rio
mais cara que a platina. Enquanto o produto indígena custava
no Rio Grande 440 e 480 rs. a arrôba, pagando de direitos e frete
280 rs. por unidade, chegando ao Rio, portanto, por 720 e 760 rs.
o charque platino custava na capital do Brasil 400 e 480 rs. A
principal razão desta carestia do produto brasileiro é que o gado
platino pesava em média 16 a 20 arrôbas, enquanto o gaúcho
atingia 8 a 10 arrôbas por cabeça, em média.
Capistrano de Abreu (80) indica outra causa que atormentou temporàriamente o comércio do charque nacional: "Na Bahia, por 1803, cêrca de 40 navios, de 250 ton. cada um, empregavam-se no comércio do charque do Rio Grande, que mal completavam a viagem dentro de dois anos. Levavam da Bahia
aguardente, açucar, louça, mercadorias europeias, principalmen-
77 78 79 80 -
Walter Spalding, obr. cit . pg . 136, citando abaixo assinado de
15 fazendeiros do município de Pelotas , datado de 1805.
Myriam Ellis, obr. cit. pag. 195.
Myriam Ellis, obr. cit. pg. 196, em nota n. 787, transcrevendo
Memérias Econômo-Políticas de A. J. Gonçalves Chaves.
Capistrano de Abreu - "Capítulos, etc.", pgs. 323 e 324.
-39-
te inglesas e alemãs que passavam por prata de contrabando
em Maldonado e Montevideo. Durante êste tempo as tripulações empregavam-se em carregar couro e carne sêca. Os navios
chegando à Bahia vendiam o charque a retalho, a dois vinténs
a libra. Dispondo da carga por este modo em vez de desembar·
cá-la, detinham-se no pôrto cinco meses e até mais, de modo que,
observa Lindley, no tempo consumido por uma só viagem podiam ser feitas três."
A situação da distribuição da produção do charque em 1805,
portanto, em pleno regime da liberdade da extração do sal, denota a existência de novos problemas. Uns motivados pela pro·
dução excessiva, sem método e de técnica deficiente e outros
eram causados pelos altos fretes e impostos, que atingiam 600
rs. por arrôba.
Fazendeiros gaúchos em 1805 (81) peticionaram ao Senado
da Câmara de Pôrto Alegre pedindo providências no sentido de
que se fixassem normas para a indústria saladeiril.
Em 1838, o manifesto de Bento Gonçalves como Presidente
da República Riograndense, publicado em 29 de agôsto, menciona a situação veixatória por que passa a economia pastoril
da região. Ei-lo: "A carne, o couro, o sêbo, a graixa além de
pagarem nas Alfândegas do Paiz, o duplo do dizimo de que se
propuzeram aliviar-nos, exhibiram mais 15 '7o em qualquer dos
portos do Imperio. Imprudentes Legisladores nos puzeram des·
81 -
Walter Spalding 2 obr. cit. pg. 136. " ... nenhuma pessôa de
qualquer qualidade, fôro ou condição que seja possa fabricar
ca~nes salgadas fora do prazo de seis mezes inclusive de janeiro
~ JU_nho de cada ano e que sendo necessário se recorra ao poder
mtei~·a e exata observância tendente a atilados e exprientes do
domi?a~ para fazer com que nos respectivos Destritos haja uma
Comercio ver renascer novamente ( ... ) be mcomo acontecia em
tempos, q_ue s_emelhante fa_brica de Carnes só se punha em pratica desd_e Janeiro ou fevereiro d cada hum anno até a entrada dos
resp~ctlvos Inv~rnos, cujo melhoramento desapareceo, e se confund_I~ desde a mfausta quadra, em que começarão alguns mais
ambiCIOsos ~egociantes, e_ fazendeiros a charquear effetivarr:ente
em to~a a ngorosa estaçao do Inverno com cujas carnes a titulo
d~ mais novas, ainda que pessimas e magras passarão a confundi~ a n~I_!leroza quantidade daquelas que apezar de sans, e perf~Itas ficao deslustradas e decahidas de preço pela sobredita noVIdade das mais modernas".
-40-
-41-
de esse momento na linha dos Povos extrangeiros, desnacionalizaram a nossa Província, e de facto a separaram da Communhão Brasileira. Pagavamos todavia $080 reis do dizimo dos
couros e mais... 20 7o sobre o preço corrente, nós que já íamos
vencidos na venda destes generos, pela concurrencia dos nossos
vizinhos, nos mercados geraes" (82). Como vemos a concorrência platina continuou e a indiscriminada e injusta insidência de
impostos - que herdamos do implacável fisco lusitano - ia levando o Brasil a secessão.
Mas, apesar de tudo, o desenvolvimento da indústria de carnes salgada permaneceu constante.
A Coroa portuguesa teve, inegàvelmente, um instante de
lucidez quando suspendeu o estanque do sal no Brasil em 1801.
Dois documentos importantes contribuíram para que a medida fosse tomada: o "Epítome das Vantagens que Portugal pode
tirar das suas colônias no Brasil pela liberdade do comércio do
sal naquele continente" e o "Ensaio econômico sôbre Portugal
e suas colônias, ambos da autoria de D. José da Cunha Azeredo
Coutinho. O primeiro vem acompanhado de uma carta em que
solicitava à Rainha a extensão á outros portos .do Brasil da liberdade do comércio do sal, concedida já aos portos do Rio
Grande e de Santa Catarina. O "Epítome" fala das limitações
havidas ao beneficiamento da carne pela falta de sal. O "Ensaio" datado de 1794, é um documento em que se vislumbra o
economista cuidadoso voltado à realidade brasileira. Refere-se,
entre outras coisas, à necessidade de dar sal ao gado das minas.
"Na subida da serra do Mar para as Minas era absolutamente
indispensável dar sal às bestas de carga que não queriam comer
sem êle''. Faltava sal nativo para "o gosto e nutrição dos gados"
(83). Referia-se ainda aos lucros excessivos do arrematante do
contrato do sal e mostrava o quanto o monopólio prejudicava os
interêsses lusos: "Sem carnes nem peixes salgados, a marinha
de Portugal se reduziria, não haveria· cargas para muitos navios,
nem marinheiros; os fretes seriam mais caros sendo necessário
o~erar os açúcare~ e outros gêneros agrícolas da Colônia, prejudican~o uma possivel concorrê_ncia com os estrangeiros" (84).
C_aramente Azeredo Coutmho menciona a necessidade de
ser incentivada a extração de sal em Cabo Frio e no R. G. do
Norte.
82 83 -
Camilo Goycochéa - obr. cit. -pg. 82.
Myrian: Ellis, obr. cit. pg. 187, transcrevendo trechos do ensaio
de d. Azeredo Coutinho, pgs. 5 e segs.
Devido as lutas no Prata, o charque platina havia perdido
terreno no mercado brasileiro e a situação do similar gaúcho
era boa e ascencional.
Em .1799 D. Maria I reduzia o impôsto de exportação do sal
portugues, como uma preliminar da extinção do estanco.
. _Ap~sar_ diss? o gênero era ainda "tão caro e escasso qe. fa mihas mteiras mda na mesma cid.e, e seus arrabaldes tem comido sem sal muitos dias" (85).
Mes~o depois de abolido o monopólio em 1801 a falta de
sal contmuava e a especulação perdurava desenfreada.
. _Em 1802 iniciava-se timidamente de forma constante e sistematica _a e~portação d_o sal nacional das regiões produtoras para
as Capitamas
consumidoras
.
. .
· Mas , somente em 1807 , a pro d uçao
das salmas brasileiras regularizava-se. A maior parte do sal extraído destinava-se ao R. G. do Sul.
Não quer dizer com isto que não mais se importava sal
europeu. Depois que o sistema do pacto colonial foi abolido com
a conseqüente abertura dos portos e liberdade do comér~io a
rea_Ieza bragantina, não podendo mais dispor do produto das
s~lm~s de Portugal - ocupado pelos francêses - passou, não
so a Importar sal da Europa (Gilbraltar, Cadiz, Garnezey, Marselha e Nantes) como da América (N. York e Boston). Estimulava, contudo, como não podia deixar de ser naquela conJ·untura
a . ex t raçao
- d e sal das salinas nativas. O Príncipe D. João diri-'
gia-s_e ao governador de Pernambuco nos seguintes termos: "Sou
serv~do ordenar-vos que façais promover a extração de sal das
marmhas dessa Capitania, da de Itamaracá, Açu. . . animando
~~
-:::_My~~~m
El~is,
?br.
ci~;
pag. 187 .
O s~l ~a. capitania de S. Paulo no sec.
D
- ID Rev. de H1stona''. n. 4 - 1950, pg. 519 citando
ocumentos Interessantes. V. III pg. 99.
'
x~W~~ LI!ch,I,tz -
-42-
-43-
os Povos ao aproveitamento de todas as salinas naturais, que
oferecer o terreno, ficando o dito genero livre de toda imposição" (86).
Apesar desta ordem, em 1812 D. João VI mandava cobrar
o dízimo por não ser imposto real e sim uma obrigação de preceito dívino (87) . Em 1814 êste impôsto já rendia 112$670 rs.
A indústria salineira nacional não estava, no entanto, aparelhada tecnicamente para enfrentar a concorrência estrangeira. O sal era primitivo, a cura não era feita convenientemente.
Al ém desse fator de ordem técnica, o monopólio dos navios que
faziam o serviço de cabotagem, tornando o sal brasileiro mais
caro que o estrangeiro, provocou uma crise que atingiu o máximo em 1849.
Em face das dificuldades acima relacionadas a produção das
salinas potiguares caia em 1844-1845 para 59.895 alqueires. O
Presidente daquela província Benvenuto Augusto de Magalhães
Taques (fala de 3-V-1849) referia-se ao angustioso problema
quando, devido a concorrência estrangeira, a produção caíra em
1849 para 11.534 alqueires.
Apesar da reação verificada em 1860, quando a produção
subiu a 104.145 alqueires, o Presidente do Rio Grande do Norte,
Pedro Leão Veloso, em fevereiro de 1862, assim se referia ao
impasse: "Mais largamente explorada sseriam as nossas salin<>s, e o eu al pudee competir com o etrangeiro", e se queixava
das despesas de transporte e do monopólio da navegação de cabotagem realizada por navios nacionais.
O problema continuava através dos tempos. Sempre o m o·
nopólio extorvando o desenvolvimento da indústria salineira! .. .
Pràticamente é dêste século a plena aceitação do sal nacional nas charqueadas.
nambuco partia, principalmente, a distribui ção que se fazia depois pelos demais portos. Somente depois de passar nestes dois
portos é que o sal europeu (entenda-se português) era transportado para os demais portos.
7.
PRINCIPAIS ROTEIROS DO SAL
Durante o monopólio, os portos de estanco eram os pontos
de penetração do produto para o interior. De Bahia e de Per-
No Nordeste Brasileiro, em face da extracão do "sal da terra", o produto português não possuía, em algumas zonas, procura tão intensa. Aquêle sal, como já frisamos, alcançava Minas e os interiores de Piauí e Maranhão.
Já se disse, também, que durante o apogeu da produção da
chamada "carne do Ceará" o sal empregado era o das salinas do
R. G. do Norte, Ceará e Piauí, não sàmente nas oficinas mas
abastecendo os sertões, levados pelos boiadeiros que iam vender o gado no litoral daquelas Províncias.
Concorrendo desvantajosamente com o sal estrangeiro, o
produto brasileiro, - depois de extinto o monopólio - ia abas·
tece_r a indústria saladeiril do Rio Grande do Sul. Parece que
havia certa concentração do produto nacional nos portos do Recife e Salvador mas, mesmo assim, o comércio se fazia diretamente entre os portos salineiros de Ceará, R. G. do Norte, Sergipe e E. do Rio com o centro industrial do Charque .
. Os portos do Rio, Angra dos Reis e Santos eram os que abas·
teciam o Centro Oeste Brasileiro. É interessante verificarmos
que vários Registros concentravam o sal para depois ser transportado por diferentes vias com destino ao interior. Como, por
exemplo Moji Guaçu, em S. Paulo, por onde a zona sul de Min~s era abastecida. Nesta localidade, em 1801, o sal era o prin·
Cipal produto das trocas comerciais, alcançando 3. 883 alqueires.
Por Moji Guaçu o sul de Minas exportava quantidade razoável
de queijo, laticínio em que o sal é importante elemento. Vale
~?tar q~e o s_u l de M~nas não importava charque (88). Com des
mo ao mtenor de Sao Paulo e Minas, o sal figurava com 4.136
alq. entre os produtos passados em Moji-Guaçu com destino Oeste e recebia 600 queijos, que destinava à S. Paulo.
88
86 87 -
Maria Au x iliadora de Souza Batista P ereira obr. cit.
Luiz C . Casc udo, obr. cit. p g. 21 .
-
~o~so
E . Taunay - " O comércio terre!;t re e fluvial d a capitania
· P~ul<? em 1801" -Documentos inéditos no Arq. Nacional
De· Econorr.Ico,
n9 56, julho, 1949, pg. 121 a 127.
-44-
Pelo Registro do Pôrto do Meira, da Companhia de Toledv
da Extrema, entravam 915 alq. de sal e exportava-se 870 queijos. O movimento do Registro da Guarda da Extrema atestava
992 alq. de sal e 16.240 unidades de queijo . No Registro da Campanha de Toleto para o interior de S. Paulo o sal entrava com
341 alq. e os queijos eram exportados em número de 25.040. No
Reg\stro de Curitiba o sal vindo de Paranaguá atingia apenas
a 155 alq.
O Tieté foi outra notável via de transporte para o oeste do
Brasil. Os canoões de monção que (89) pelo Tieté e Paraná abaixo varavam em Camapuã para descerem o Coxim e o Taquarí,
para depois navegarem, a contra-corrente, pelo Paraguai, S. Lourenço e Cuiabá levavam grande quantidade d e sal (em 1801
cêrca de 820 alq. de sal). Saliente-se que os portos nomeados
eram Santos, Paranaguá, S. Sebastião, Cananéia, Antonina, Ubatuba, Guaratuba e Paratí.
-oSão estas as principais considerações que nos compete fazer sôbre o histórico da produção e utilização do sal na indústria
saladeiril até o século passado.
R9 -A. E . Taunay, obr. cit. pg . 126.

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