RAEP_V15N1 v2_1a.indd - Administração: Ensino e Pesquisa
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Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração Administração: Ensino e Pesquisa Volume 15 Número 1 A Administração: Ensino e Pesquisa é um periódico trimestral da angrad (Associação Nacional dos cursos de Graduação em Administração) que tem como missão difundir o estado da arte do ensino e pesquisa em Administração. Administração: Ensino e Pesquisa, v. 15, n. 1, ( Janeiro/Fevereiro/Março 2014) – – Rio de Janeiro: angrad, 2014 – trimestral. 1. Administração – Periódico issn – 2177-6083 Publicada como Revista angrad no período entre: v.1-10, 2000-2009 - (issn – 1518-5532) Publicada como Administração: Ensino e Pesquisa a partir de: v.11, 2010. Editora Executiva Gabrielle Junqueira Hernandes Projeto Gráfico Alexandre Figueiredo Lopes Tiragem 1200 exemplares Impressão Gráfica Vanesul Data de Impressão 31 de Janeiro de 2014 As opiniões emitidas nos textos publicados são de total responsabilidade dos seus respectivos autores. Todos os direitos de reprodução, tradução e adaptação estão reservados. A Administração: Ensino e Pesquisa completa um volume a cada ano e é distribuída gratuitamente aos seus associados. As associações podem ser feitas por meio da homepage da angrad www.angrad.org.br. Os números anteriores estarão disponíveis enquanto durarem os estoques. Editora Científica Corpo Editorial Científico Profa. Dra. Manolita Correia Lima Escola Superior de Propaganda e Marketing São Paulo/SP – Brasil Prof. Dr. Antonio Carlos Coelho Universidade Federal do Ceará Fortaleza/CE – Brasil conselho editorial Prof. Dr. Carlos Osmar Bertero Fundação Getúlio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo São Paulo/SP – Brasil Prof. Dr. Antonio de Araújo Freitas Junior Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rio de Janeiro/RJ – Brasil Profa. Dra. Arilda Schmidt Godoy Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo/SP – Brasil Profa. Dra. Maria da Graça Pitiá Barreto Universidade Federal da Bahia Salvador/BA – Brasil Prof. Dr. Pedro Lincoln Universidade Federal de Pernambuco Recife/PE – Brasil Prof. Dr. Roberto Costa Fachin Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre/RS – Brasil Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade Universidade do Grande Rio Rio de Janeiro/RJ - Brasil Profa. Dra. Sylvia Constant Vergara Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rio de Janeiro/RJ – Brasil Profa. Dra. Tânia Maria Diederichs Fischer Universidade Federal da Bahia Salvador/BA – Brasil Prof. Dr. Diógenes de Souza Bido Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo/SP – Brasil Profa. Dra. Eliane P. Zamith Brito Fundação Getúlio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo São Paulo/SP – Brasil Profa. Dra. Manolita Correia Lima Escola Superior de Propaganda e Marketing São Paulo/SP – Brasil Prof. Dr. Marcelo Gattermann Perin Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre/RS – Brasil Prof. Dr. Martinho Isnard Ribeiro de Almeida Universidade de São Paulo São Paulo/SP – Brasil Prof. Dr. Piotr Trzesniak Universidade Federal de Itajubá Itajubá/MG – Brasil Profa. Dra. Sônia Maria Rodrigues Calado Dias Faculdade Boa Viagem Recife/PE – Brasil Prof. Dr. Tomás de Aquino Guimarães Universidade de Brasília Brasília/DF – Brasil Gestão ANGRAD (2014/2015) Conselho Fiscal Conselho Diretor Conselheiro Prof. Ms. Agamêmnom Rocha Souza Centro Universitário de Volta Redonda Volta Redonda/RJ – Brasil Presidente Prof. Dr. Mário César Barreto Moraes Universidade do Estado de Santa Catarina Florianópolis/SC – Brasil Vice-Presidente Prof. Ms. Antonio Gildo P. Galindo Faculdade Frassinetti do Recife Recife/PE – Brasil Diretor de Administração e Finanças Prof. Ms. Carlos Roberto Fernandes De Araujo Faculdades Souza Marques Rio de Janeiro/RJ – Brasil Diretor de Ensino e Pesquisa Prof. Dr. Edson Kenji Kondo Universidade Católica de Brasília Distrito Federal-DF – Brasil Conselheiro Prof. Ms. Antônio Carlos Dias Athayde Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Belo Horizonte/MG – Brasil Conselheiro Profa. Dra. Cláudia De Salles Stadtlober Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo-RS – Brasil Conselheira Suplente Profa. Maria Carolina Sanches Da Costa Instituto de Ensino e Pesquisa São Paulo/SP – Brasil Conselho Consultivo Diretor de Relações Institucionais Prof. Dr. Rogério Augusto Profeta Universidade de Sorocaba Sorocaba/SP – Brasil Conselheiro Prof. Dr. Alexander Berndt Ad Homines Associação Educacional São Paulo/SP – Brasil Diretor de Marketing Prof. Ms. José C. Pacheco Coimbra Faculdade de Jaguariúna Jaguariúna/SP – Brasil Conselheiro Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade Universidade do Grande Rio Rio de Janeiro/RJ – Brasil Diretor de Publicações Prof. Dr. Guilherme Marback Neto Centro Universitário Jorge Amado Salvador-BA – Brasil Conselheiro Prof. Dr. Antonio de Araújo Freitas Junior Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rio de Janeiro/RJ – Brasil Diretor de Relações Internacionais Prof. Dr. Henrique Guilherme Carlos Heidtmann Neto Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rio de Janeiro/RJ – Brasil Conselheiro Prof. Adm. Mauro Kreuz Faculdade Campo Limpo Paulista Campo Limpo Paulista/SP – Brasil Equipe ANGRAD Superintendente Executivo Adm. Luiz Carlos da Silva Estagiária Administrativa Viviane Tavares Meira de Castro Estagiário de Comunicação Thales Rafael Chaves de Lima Assistente Administrativo Raphael Dias de Melo editoriaL Caro leitor, A importância social, política, e econômica da Universidade explica a sobrevivência desta instituição secular. Apesar de sua criação refletir mais os interesses dos Estudantes, na medida em que ganhou visibilidade, ela foi institucionalizada pela Igreja e expandida em grande parte do território cristão. Com a emergência do Estado-Nação, foi nacionalizada e ganhou múltiplas concepções, seriam exemplos disso as matrizes alemã, estadunidense, francesa e inglesa. Recentemente, a revolução da tecnologia da informação associada ao incremento dos meios de transporte influenciam sobremaneira a intensificação da circulação de bens, capitais e pessoas. Nesse contexto, a Universidade recupera o seu caráter internacional, é pressionada a se reconstruir sobre outras bases. À medida que a produção e difusão do conhecimento ganham especial velocidade e não são atividades exclusivas da Universidade, o currículo como expressão de estoques de conhecimento passíveis de transmissão e os papeis tradicionais de Professor e Aluno passam a ser questionados. O ensino que faz sentido reconhece o conhecimento cada vez menos como produto e cada vez mais como processo. Assim sendo, a maneira como se ensina (o método) é tão importante quanto o que se ensina (os saberes). Compreensivelmente, as metodologias ativas mobilizam a atenção de Professores que desejam se exercer como mediadores da aprendizagem dos Estudantes. Nesse contexto, é possível afirmar que em tempo algum se escreveu tanto sobre a profissionalização de professores1, as teorias de aprendizagem2, as metodologias ativas3, a mobilização dos estudantes para a aprendizagem4, etc. Ao dedicar o primeiro número de 2014 da raep a autores e textos que discutem o caso como estratégia de ensino ativa e desenvolvem casos para ensino cujo conteúdo sugere reflexões nas mais distintas áreas (estratégia, marketing, recursos humanos, etc.), busca-se contribuir para a revolução pedagógica que os Professores e os Estudantes dos cursos de Administração terão que protagonizar. Essa preocupação justifica a parceria estabelecida entre a raep e Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (anpad), com a mediação do Professor Doutor Anielson Barbosa da Silva, Coordenador da Divisão de Ensino e Pesquisa em 1 tardif, m.; lessard, c. o ofício de professor – histórias, perspectivas e desafios internacionais. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2013. 2 illeris, k. (org.). Teorias contemporâneas da aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2013. 3 perrenoud, p. Desenvolvimento de competências ou ensinar saberes? A escola que prepara para a vida. Porto Alegre: Penso, 2013. 4 charlot, b. Da relação com o saber – elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. béchard, j.p.; bédard, d. “Comprendre le monde des étudiants” In: béchard, j.p.; bédard, d. (sous la direction de). Inover dans l’enseignement supérieur. Paris : puf, 2009. Administração e Contabilidade da anpad. Uma vez que todos os textos aqui reunidos foram submetidos, aprovados, e discutidos no xxxvii Encontro da anpad, e em virtude da qualidade reconhecida, foram indicados para submissão à raep. Sinalizado a necessidade de se investir em programas de formação de docentes para a educação superior, no texto desenvolvido pela professora Cléria Donizete da Silva Lourenço e por Thaisa Ferreira Magalhães, intitulado de A sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em Administração, as autoras consolidam os resultados de uma investigação conduzida em três Instituições de Ensino Superior mineiras, orientadas pelo objetivo de conhecer como os docentes têm utilizado os casos para ensino em sua prática docente. A principal conclusão alcançada é preocupante na medida em que elas constatam a pouca familiaridade dos docentes com a referida estratégia de ensino. Na sequência, a RAEP publica sete casos para ensino. O primeiro é de autoria dos professores Roberta Dias Campos e Victor Manoel Cunha de Almeida (Método do Caso: “Não sei, não ...” Enfrentando as Barreiras à Implantação do Método). Apesar de o conteúdo dedicar particular atenção ao método do caso enquanto estratégia de ensino subordinada às metodologias ativas, os autores investem na possibilidade de colaborar para a discussão de vantagens e desvantagens da exploração de estratégias de ensino centradas no Estudante. O trabalho seguinte, por sua vez, corresponde a mais um caso para ensino em que Fernando Fantoni Bencke, Sylvia Maria Azevedo Roesch, e Pelayo Munhoz Olea descrevem uma situação real, recorrente em alguns setores de atividade, em que no contexto de dilemas éticos e morais, Estudantes são convidados a realizar exercícios que transitem da análise para a reflexão, imprescindíveis em um processo de tomada de decisão. Na sequência tem-se um trabalho sugestivamente intitulado “Qual o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? Um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição”. Ele é assinado por cinco autores: Custódio Genésio da Costa Filho, José Marcos Carvalho de Mesquita, Renato Borges Fernandes, Ronaldo Pereira Caixeta, Cleber Carvalho de Castro. Trata-se de um caso para ensino cujo conteúdo se presta a contribuir para a compreensão do planejamento estratégico e do gerenciamento de canais de distribuição a partir de uma situação vivida por uma indústria de fabricação de sucos naturais. Denise Genari, Ivadete Marin Ravanello, e Janaina Macke elaboram mais um caso que ajuda na discussão sobre aspectos relacionados à área de recursos humanos (Helena trilhando caminhos na Gestão de Recursos Humanos). O objetivo do objeto pedagógico em questão reside em estimular a reflexão sobre aspectos caros à área: perfil dos profissionais da área de gestão de recursos humanos, captação e integração de talentos, desenvolvimento e avaliação de desempenho, clima organizacional, liderança e monitoração de pessoas. O trabalho seguinte, “Os chineses estão chegando! O que fazer com meu Marketing mix? O caso da Ramadhes & Cia Ltda”, é de autoria de João Batista Soares Neto, Anielson Barbosa da Silva, e André Gustavo Carvalho Machado. O caso para ensino em questão oferece condições para os Estudantes discutirem uma situação vivida por uma indústria de cintos, mochilas e bolsas que está prestes a tomar uma decisão relacionada ao composto de marketing. O penúltimo trabalho, de autoria de Viviane Santos Salazar; Walter Fernando Araújo de Moraes, e Yákara Vasconcelos Pereira Leite, corresponde a um caso para ensino (grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do Nordeste brasileiro) cujo conteúdo expõe os desafios enfrentados por uma empresa de food service, durante o processo de expansão internacional. E finalmente, o último trabalho – Guaraná Orgânico: Ecodesenvolvimento e Comércio Justo – é assinado por Adriana Teixeira Bastos, Cora Franklina do Carmo Furtado, Fátima Regina Ney Matos, e Mário Henrique Ogasavara. O objetivo do referido objeto pedagógico reside em descrever o Projeto Wará, enfatizando o seu comprometimento com o conceito de produção sustentável. Os autores se prestam a convidar o Estudante a refletir sobre a possibilidade de ampliação de atividade econômica, tendo como pano de fundo os negócios internacionais. O questionamento principal reside em identificar como o Consórcio dos Povos Aisó Ayira, responsável pelo Projeto Wará, pode proteger a produção de guaraná orgânico da concorrência, sabendo que ela oferece um produto semelhante e mais barato. Espera-se que os sete casos para ensino contribuam para aqueles Professores desejosos de experimentar outras estratégias de ensino. Desejo a todos uma excelente leitura. Manolita Correia Lima Editora Científica Sumário artigos articles 11– 42A sala de aula e as empresas: Análise da produção e da utilização de casos para ensino em Administração Classrooms and companies: an analysis of teaching case production and use in business administration courses Cléria Donizete da Silva Lourenço & Thaisa Ferreira Magalhães casos de ensino em administração teaching cases in management 43– 72Método do Caso: “Não sei, não ...” Enfrentando as Barreiras à Implantação do Método The Case Method: "I’m not sure ..." Facing Barriers to Implementing the Method Roberta Dias Campos & Victor Manoel Cunha de Almeida 73– 91Ética nos negócios: o caso da AR Consultoria Ltda. Business ethics: the case of AR Consultoria Ltda Fernando Fantoni Bencke, Sylvia Maria Azevedo Roesch & Pelayo Munhoz Olea 93– 112 Qual deve ser o tamanho do tubar ão para o tanque de peixes? Um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição What size shark does the aquarium need? A teaching case involving conflicts in distribution channels Custódio Genésio da Costa Filho, José Marcos Carvalho de Mesquita, Renato Borges Fernandes, Ronaldo Pereira Caixeta & Cleber Carvalho de Castro 113–146Helena trilhando caminhos na Gestão de Recursos Humanos Helena’s trajectories in Human Resource Management Denise Genari, Ivadete Marin Ravanello & Janaina Macke 147– 171Os chineses estão chegando! O que fazer com meu Marketing mix? O caso da Ramadhes & Cia Ltda. The Chinese are coming! What to do with my marketing mix? The Case of Ramadhes & Cia Ltda. João Batista Soares Neto, Anielson Barbosa da Silva & André Gustavo Carvalho Machado 173– 193Grupo Bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do Nordeste brasileiro The Bonaparte Group: learning from a chain of estaurants in Brazil’s Northeast Viviane Santos Salazar, Walter Fernando Araújo de Moraes & Yákara Vasconcelos Pereira Leite 195– 222Guaraná Orgânico: Ecodesenvolvimento e Comércio Justo Guarana Organic: Fair Trade and green development Adriana Teixeira Bastos, Cora Franklina do Carmo Furtado, Fátima Regina Ney Matos & Mário Henrique Ogasavara A sala de aula e as empresas: Análise da produção e da utilização de casos para ensino em Administração Classrooms and companies: an analysis of teaching case production and use in business administration courses Recebido em: 24/06/2013 Aprovado em: 14/08/2013 Avaliado pelo sistema double blind review Editora Científica: Manolita Correia Lima Cléria Donizete da Silva Lourenço [email protected] Thaisa Ferreira Magalhães universidade federal de lavras Resumo O método do caso é uma ferramenta pedagógica considerada promissora no sentido de diminuir a distância entre a sala de aula e as organizações e por proporcionar aos discentes uma participação ativa no processo de aprendizagem. No entanto, pouco se sabe sobre a forma como docentes e discentes têm utilizado os casos. Diante disso, procurou-se conhecer os casos para ensino publicados no Brasil e identificar a forma como os docentes têm utilizado essa ferramenta. Para tanto, foi feita uma análise de 48 casos para ensino publicados em periódicos e eventos da área de administração e uma pesquisa qualitativa com 61 docentes de três ies (Instituição de Ensino Superior) mineiras. Como resultado pode-se destacar que, se por um lado, o esforço de construir casos está sendo feito pelos pesquisadores brasileiros que publicaram seus casos nos últimos anos, por outro, esta produção não tem sido utilizada pelos docentes das ies pesquisadas, uma vez que eles não utilizam os anais dos eventos e os periódicos como fontes de busca dos casos. A principal constatação que se fez, nesta pesquisa, é que há falta de conhecimento, por parte dos docentes, sobre o que é um caso para ensino e como o mesmo deve ser utilizado. Palavras-chave: estudo de caso; casos para ensino; Administração. Abstract The case method is considered a promising educational tool to bridge the gap between the classroom and companies, where students enjoy active participation in the learning process. However, little is known about how teachers and students use teaching cases. This paper has thus sought to research the teaching cases published in Brazil and identify how teachers have employed this tool. Data was collected through an analysis of 48 teaching cases published in business administration journals and conferences, in addition to a qualitative study with 61 teachers from three Minas Gerais State heis. The results show that, although an effort to construct cases is being undertaken by Brazilian researchers with recently published cases, this production has not been used by teachers in the institutions surveyed, due to their overlooking event proceedings and journals as potential sources of cases. The main conclusion reached is that teachers lack the proper knowledge of what constitutes a case and how it should be employed. Keywords: case study; teaching cases; business administration. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 11 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 Introdução A proposta das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Administração sustenta que a educação deverá estar vinculada ao mundo do trabalho e à prática social. O Conselho Nacional de Educação (cne) também aponta em sua Resolução Número 4 no artigo 2º (parágrafo 1º), que a educação deve abranger “[...] os modos de integração entre a teoria e a prática” (brasil, 2005). Levando em conta essas orientações, tem sido destacada a necessidade de diminuir a distância entre o que se ensina em sala de aula e a prática no ambiente organizacional. Para minimizar esse suposto descompasso, utilizam-se várias alternativas para que o estudante se insira numa atmosfera onde ele vivencie o ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que reflita sobre o que está aprendendo nas aulas. Nessa direção, os casos para ensino têm sido apontados como uma alternativa promissora. Conforme destaca Roesch (2007, p. 12), “[...] o caso para ensino é um entre poucos métodos de ensino-aprendizagem que possibilitam um casamento entre teoria e prática, tão necessário para a área de Administração”. Lima (2003), por sua vez, defende que o estudo de caso parece ser a proposta pedagógica que melhor atende aos princípios construtivistas de aprendizagem ativa, reflexiva, colaborativa e autenticamente contextualizada. Por isso, o tema tem ganhado a atenção, nos últimos anos, por parte dos pesquisadores brasileiros da área de administração que procuraram: discutir sobre o método no contexto das novas tecnologias da comunicação e da informação (lima, 2003); analisar o seu emprego como ferramenta pedagógica no campo da administração (ikeda; veludo-de-oliveira; campomar, 2006); relatar experiências com a utilização de casos (campos; limeira, 2003; oliveira; muritiba; limongi-frança, 2004; suarez; casotti, 2004; iizuka, 2008); revisar as diversas tipologias do método (ikeda; veludode-oliveira; campomar, 2005); comentar o método de construção de casos (roesch, 2006); destacar o papel da pesquisa de campo na construção de casos (roesch, 2007) e alertar quanto às precauções na adoção do método (machado; callado, 2008). 12 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração Conforme ressalta Roesch (2006), o interesse pelo uso de casos para ensino está ressurgindo hoje no Brasil. O Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (enanpad) e o encontro específico da área de ensino e pesquisa – Encontro Nacional de Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade (enepq) – passaram a aceitar a submissão de casos para ensino em 2009. Quanto aos periódicos, podem ser citados, entre outros, a Revista de Administração Contemporânea (rac) da anpad que possui uma seção especial dedicada aos casos e a criação da GVCasos da Fundação Getúlio Vargas, lançada em 2010, que é o primeiro periódico acadêmico do Brasil especializado em casos para ensino. Embora estes tenham ganhado espaço nos meios de publicação nacionais, pouco se sabe sobre a forma como docentes e discentes têm utilizado essa ferramenta pedagógica. Além do mais, conforme ressalta Iizuka (2008), são poucas as pesquisas e estudos que trataram o uso do método do caso em situações relativamente adversas como as encontradas nas IES (Instituição de Ensino Superior) brasileiras. Diante disso, este artigo tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa que procurou conhecer os casos para ensino publicados no Brasil e identificar a forma como os docentes têm utilizado essa ferramenta pedagógica. Para tanto, foi feito um levantamento dos casos para ensino publicados em periódicos e eventos da área de administração e uma pesquisa com docentes do curso de administração de três ies mineiras. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 13 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 Casos para ensino em Administração: definição e aspectos de sua construção Sabe-se que ensinar é função do estilo individual. Porém, a todos os docentes impera a tarefa de bem selecionar a estratégia de ensino para atender aos objetivos pedagógicos (ikeda; veludo-de-oliveira; campomar, 2006). Entre as várias estratégias, está o “método do caso1, conforme é conhecido o caso para ensino originado na Universidade de Harvard” (roesch, 2006, p. 1). O método do caso é também chamado de ‘método Harvard de estudos de casos’ (LIMA, 2003), ‘método do caso de Harvard’ (iizuka, 2008) ou apenas ‘método de estudo de caso’. Rosier (2002, p. 590) refere-se a esta estratégia de ensino simplesmente como “o processo de ensinar com casos”. Já o caso para ensino é o material didático (texto) utilizado pelo docente no emprego do método do caso. Para Roesch (2006, p. 1), “[...] o caso para ensino é um texto breve, contendo até 15 páginas, com espaço duplo, incluindo anexos. O texto é acompanhado de notas de ensino, dirigidas ao professor e apresentadas em folhas separadas do caso”. Portanto, neste trabalho, serão utilizadas as expressões “método do caso” para se referir à estratégia de ensino e “casos para ensino” para se referir ao material didático utilizado para aplicação do método do caso. Conforme apontam Ikeda, Veludo-de-Oliveira e Campomar (2006), o método de caso não prescinde o uso de outras estratégias de ensino, como aula expositiva, projetos em grupo, sessões de negociação, jogos de empresas, apresentações com recursos áudio visuais, entre outros. No entanto, conforme escreve Lima (2003), ele surge como uma alternativa aos modelos tradicionais de ensino [especialmente à aula expositiva], centrados no professor. O método do caso expõe os alunos aos processos decisórios e aos dilemas que os executivos vivem diariamente. Esse é um método de ensino diferente do tradicional, pois ao invés dos estudantes receberem passivamente os fatos e as teorias, eles exercitam suas habilidades e liderança perante um grupo de trabalho quem tem a tarefa de solucionar os desafios propostos no caso. As dúvidas e as informações incompletas, bem como a diversidade de 14 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração posições das pessoas propiciam um ambiente adequado para que os alunos trabalhem a sua capacidade de analisar, sintetizar, conciliar diferentes pontos de vista, priorizar os objetivos e, com base nisso, tentar persuadir e inspirar as pessoas que pensam diferente (iizuka, 2008). Assim, Fosnot (1998) entende que a metodologia do caso se insere dentro da abordagem construtivista de ensino na medida em que busca gerar nos alunos experiências concretas, contextualmente significativas, nas quais eles possam buscar padrões, levantar suas próprias perguntas e construir seus próprios modelos, conceitos e estratégias. Roselle (1996) destaca que o método do caso descreve uma situação gerencial que pode ser um problema particular ou um incidente baseado em uma situação real. Portanto, casos para ensino, em administração, empenham-se em descrever situações de negócios reais, detalhando o que se supõe ser alguns dos aspectos mais críticos da vida organizacional. Nesse sentido, Roesch (2007, p. 1) define caso para ensino como “[...] a reconstrução para fins didáticos de uma situação gerencial ou organizacional” que tem como principais objetivos: a) desenvolver habilidades e atitudes consideradas chave para o sucesso gerencial; b) possibilitar a familiaridade com as organizações e seu ambiente; e c) ilustrar aulas expositivas (roesch, 2006, p. 1). Iizuka (2008) entende que um caso da Harvard Business School é, tipicamente, um detalhamento acerca de uma situação real de negócios, descrevendo a situação do protagonista que é a pessoa que enfrentou o problema. O caso descrito confere exatamente à forma como o protagonista viu a situação, inclusive com as evidências ambíguas, conhecimento imperfeito, repostas não lineares, as mudanças nas variáveis relacionadas ou não ao negócio e as limitações de tempo para que se tomasse uma decisão. Nessa mesma ótica, Swiercz e Ross (2003) entendem que lidar com o caso é como lidar com problemas que os administradores se defrontam no dia-a-dia. Os estudantes são requisitados a analisar os dados apresentados, identificar as questões e problemas-chave e propor soluções que fazem sentido no contexto do mundo real. No ensino, um caso é, portanto, designado a induzir discussões e análises de uma situação particular e deve administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 15 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 primeiro ser usado para permitir aos estudantes avaliar uma situação ou identificar problemas segundo uma variedade de cenários. No que se refere à construção de casos, Roesch (2007) esclarece que, ao escrever um caso, o professor deverá levantar as seguintes questões: Como este se enquadra no programa da disciplina? Que princípios ou conceitos irá ensinar? Quais conhecimentos, atitudes e habilidades serão estimulados nos alunos? O professor organiza, coleta e escreve o caso tendo em mente tais objetivos. Portanto, a construção de um caso não é tarefa simples. Ela consiste em um processo demorado, que exige habilidades de pesquisa do escritor para que possa conseguir acesso à organização, bem como a colaboração dos respondentes, muitas vezes em situações delicadas (roesch, 2007). Sendo o caso para ensino a reconstrução de situações ou problemas organizacionais tendo em vista os objetivos de aprendizagem, o seu relato envolve descrição e narração, mas não é um texto argumentativo como um trabalho acadêmico. Não obstante, é um texto sofisticado, requerendo que muitas vezes se recorra a outros gêneros como o jornalismo e a ficção para solucionar problemas de redação (roesch, 2006). No Brasil, poucos professores constroem casos para ensino. Como resultado, o acervo de casos nacionais é limitado (ROESCH, 2006). Ikeda, Veludo-de-Oliveira e Campomar (2006, p. 155) também ressaltam que, no Brasil, é inquestionável a falta de casos locais abordando problemas de empresas ou situações do País, o que pode gerar desinteresse e dificuldade de entendimento. Segundo os autores, entre os fatores que contribuem para essa situação podem ser elencados os seguinte: a falta de tradição na produção de casos; a falta de infraestrutura para elaboração tanto intelectual como física, pois as aulas requerem uma disposição física e acústica adequadas; dificuldade em obter informações de executivos pelo alegado temor de revelar “aspectos estratégicos” sigilosos das organizações em que trabalham; falta de preparo dos possíveis autores de casos brasileiros; falta de treinamento de instrutores para aplicação dos casos em classe – poucos parecem ter recebido um treinamento formal para aplicação do método na sala de aula; falta de mecanismos que façam com que os casos estejam 16 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração disponíveis a maior audiência; e pouca valorização da produção de casos. A maioria das universidades brasileiras não conta com a produção de casos como atividade acadêmica e somente recentemente congressos e conferências têm começado a aceitar casos em seus encontros (ikeda; veludo-de-oliveira; campomar, 2006). No entanto, ainda que se reconheçam todas as dificuldades inerentes à construção de casos para ensino, não se pode negar que sua utilização é vista como uma alternativa aos métodos tradicionais de ensino. Mas de que utilização está se falando? administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 17 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 Utilização de casos para ensino nos cursos de administração Os casos para ensino em Administração vêm sendo utilizados há cerca de cem anos em universidades norte-americanas, e mais recentemente na Europa e na Ásia. No Brasil, são pouco usados, mas o interesse neste método de ensino-aprendizagem nas escolas de administração está ressurgindo (roesch, 2006) embora o uso seja restrito à pós-graduação, incluindo mbas, mestrado profissional e cursos de especialização (roesch, 2007). Para Corey (1998), a utilização de casos auxilia no desenvolvimento de algumas competências gerenciais como identificação e definição de problemas, coleta e interpretação de dados relevantes, formulação de estratégias, tomada de decisões e trabalho em grupo. Assim, o estudo de caso incentiva o aluno a se envolver, assumindo um papel mais ativo no processo de aprendizagem o que contribuiria para aumentar a sua motivação para aprender. Na concepção de Oliveira, Muritiba e Limongi-França (2004, p. 8), o método do caso apresenta as seguintes vantagens: desenvolvimento da capacidade de ação, aprendizagem individual baseada na discussão em grupos, formação de esquema próprio de resolução de problemas e o autodesenvolvimento do professor; também gera maior interesse dos alunos que envidam maior tempo em estudos; facilita lembrança de conceitos por meio da aplicação em situações reais, desenvolvimento de habilidades de avaliação e aplicação de conceitos facilitados, desenvolvimento da capacidade de administrar em função do trabalho em grupo e da interação, e desenvolvimento de criatividade e criação de novos conceitos para a resolução dos problemas, embora também tenham condições de aplicar os conceitos já existentes. Swiercz e Ross (2003) acreditam que o caso é mais do que uma ferramenta de ensino uma vez que, ao usar exemplos de experiências reais, pode-se mostrar a relação entre teoria e ocorrências reais, como também trazer a pesquisa do professor para a classe. Leenders e Erskine 18 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração (1989) reforçam essa ideia, alegando que no método do caso, os estudantes podem se permitir cometer erros e aprender com eles porque não há grandes riscos envolvidos. Já na vida profissional, a tomada de decisão pode custar caro, porque está em jogo o cargo, a reputação ou a própria sobrevivência da empresa. Nesta tentativa de aproximar a teoria da prática, muitos professores elaboram seus próprios casos, procurando tornar mais prática e fiel à realidade a teoria apresentada aos alunos. Há, também, grande parte de professores que utilizam casos fictícios em sala de aula. No entanto, de acordo com as orientações da escola de administração Mackenzie para os professores que utilizam o método do caso, “[...] um caso não é uma situação fictícia; não é um exercício que apresente dados organizacionais; não é um pedaço de alguma situação; não é uma mera descrição de certa situação e não é um material a ser usado como ilustração” (oliveira; muritiba; limongi-frança, 2004, p. 7). Contudo, conforme informa Roesch (2006, p. 3), na universidade brasileira assim como em algumas escolas europeias, tende-se a considerar quaisquer materiais ilustrativos utilizados em sala de aula como “casos”. Estes materiais ora acompanham aulas expositivas, ora são utilizados para a discussão em grupos. Exemplos são: extratos de trabalhos de conclusão de curso ou de dissertações; relatórios de pesquisa; artigos acadêmicos; artigos publicados na mídia, em revistas e jornais de negócios; relatórios ou balanços de empresas ou mesmo palestras de profissionais a respeito de suas experiências e histórias de sucesso. Por meio destas práticas apresentam-se materiais atualizados para os alunos. No entanto, conforme discute a autora, informações fragmentadas não se comparam a um caso bem pesquisado e relatado, produzido por professores com experiência neste método de ensino. Jennings (1996, p. 7) em uma pesquisa sobre os usos e os objetivos do método do caso, abordou professores que opinaram de forma espontânea (aberta) sobre o tema. O objetivo mais citado pelos mesmos foi “ilustração”, ou seja, o uso de casos para exemplificar uma situação real. No entanto, é preciso considerar que o método do caso: administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 19 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 Envolve particularidades que, muitas vezes, são ignoradas por instrutores e alunos, o que acaba resultando no mau emprego do instrumento e no consequente insucesso no alcance de objetivos pedagógicos. Talvez, uma das causas desse problema seja o próprio desconhecimento de estudantes e professores sobre o uso dessa ferramenta (ikeda; veludo-de-oliveira; campomar, 2005, p. 142). Tendo isso em vista, estes autores, após abordar os desafios do emprego do método do caso, fazem algumas recomendações importantes para uma boa utilização deste método: avaliação do perfil do aluno e do curso, incluindo o tempo disponível para aplicação do caso; treinamento aos instrutores; atenção à coerência do caso com a realidade vivenciada pelos alunos e professores; atenção à disponibilidade e acessibilidade de materiais e informações adicionais para consulta; a elaboração de uma “ponte” do caso com a teoria para não deixar o aluno sem a base conceitual necessária. O sucesso do método do caso depende da adequação do mesmo aos objetivos educacionais pretendidos. Por essa razão, é fundamental que o docente seja capaz de selecionar o tipo de caso que se encaixe melhor na situação de ensino-aprendizagem em questão. Sendo assim, o método do caso não deve ser aplicado indiscriminadamente e sim quando houver coerência com a disciplina, estágio no curso, assunto de discussão, perfil dos alunos entre outros aspectos (ikeda; veludode-oliveira; campomar, 2005). Estes autores destacam que algumas disciplinas se mostram mais adequadas à utilização do método do caso que outras. Nesse sentido, a habilidade de escolher o caso mais adequado à situação é de responsabilidade dos instrutores. Outra consideração a ser feita é com relação à relevância do caso. Jennings (1996) identificou que um dos principais obstáculos e dificuldades encontradas na obtenção e uso de casos está ligada a esse aspecto. Conforme discute o autor, alguns temas não são cobertos de modo suficiente pelos casos. Por exemplo, há falta de material sobre o setor público, sobre o país em específico e que forneça perspectivas sobre gerentes seniores do gênero feminino em papéis de liderança. Outra constatação é que, muitas 20 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração vezes, a empresa descrita no caso é desconhecida tanto do instrutor, como dos estudantes. Isso pode dificultar o entendimento do caso e até mesmo, o julgamento do instrutor se ele irá ‘funcionar’ conforme o previsto. Outra forte crítica feita por diversos pesquisadores e professores é o fato de o método de caso ser aplicado sem a devida ligação com a teoria e conceitos, o que pode levar a decisões apenas com base no “bom senso”, sem preparar os alunos para as diferentes situações que irão enfrentar no processo administrativo (ikeda; veludo-de-oliveira; campomar, 2005, p. 152). Machado e Callado (2008) vão mais além nessa discussão. Os autores analisam, sob a perspectiva da produção do conhecimento, o método de estudo de caso para o ensino de administração e concluem que não se pode tomar o método como uma panaceia para resolver os problemas intrínsecos à aprendizagem, nem tão pouco acreditar que apenas o seu uso continuado seja suficiente para que os alunos possam produzir conhecimentos que os capacitem para entender situações que extrapolem as premissas contidas nos casos analisados. Portanto, compreender que o uso de casos pode trazer, de forma sistemática, situações ou problemas reais para dentro da sala de aula também apresentam certas limitações. Do mesmo modo, afirmam que a prática sobre um processo do tipo simulação, dissociada da teoria, é o melhor meio para gerar conhecimento científico é uma visão míope do processo de aprendizado. Além do mais, alguns casos são utilizados indiscriminadamente, sem levar em conta sua complexidade, o tópico da disciplina envolvido em sua resolução ou a adequação do mesmo aos objetivos do curso. O material do caso pode se tornar obsoleto e as diferenças culturais podem trazer dificuldades em sua análise. Além disso, os docentes questionam até que ponto o caso é “real” ou apenas uma projeção da visão do autor (jennings, 1996). A imparcialidade das informações liberadas em um caso também pode ser um desafio ao uso do método, como alerta Kingsley (1982). É possível que as informações oriundas das empresas que são analisadas no caso se originem de afirmações de relações públicas, em que somente são liberados os dados que as empresas desejam que sejam conhecidos. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 21 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 Sendo assim, outro problema verificado em boa parte dos casos disponíveis é que os mesmos não seguem a premissa básica de retratar a realidade administrativa vivida por tomadores de decisão. Alguns “estudos de casos” são utilizados como meios de divulgação e marketing das empresas, ou seja, enaltecendo os pontos positivos, as conquistas e os diferenciais frente à concorrência. Assim, não esclarecem ou omitem os desafios, as dificuldades, os dilemas, enfim, contam apenas a “parte bonita” da gestão e dos negócios, com o objetivo de reforçar a marca e a presença da empresa no mercado (iizuka, 2008). Por um lado, a metodologia de ensino com base em resolução de casos vem ganhando adeptos entre os professores de administração, devido ao caráter essencialmente prático deste campo em que grande parte das teorias foi concebida mediante problemas práticos vivenciados na realidade das empresas. Por outro lado, há uma carência de casos práticos de empresas brasileiras (oliveira; muritiba; limongi-frança, 2004). Devido ao escopo deste artigo, este é um tema que merece ser discutido. Há que se considerar que encontrar ou propor casos interessantes, recentes e coerentes com a realidade do aprendiz consiste em um desafio. Naumes e Naumes (1999) afirmam que o método do caso requer uma contínua fonte de casos novos e atualizados para manter o interesse dos estudantes. Salientam também que casos locais não só captam o interesse do aluno, como também auxiliam seu envolvimento na economia regional. Na nossa concepção, um dos principais desafios à utilização dos casos para ensino é a consideração do contexto brasileiro. Nesse sentido, Iizuka (2008) presta uma grande contribuição ao discutir sobre os limites e possibilidades da adaptação do método do caso no ensino em Administração no Brasil. Nessa direção, o autor questiona: [...] como e até onde este modelo é possível, tendo em vista os desafios administrativos e de gestão nas organizações brasileiras, como, por exemplo, as dificuldades enfrentadas pelas pequenas empresas, a realidade socioeconômica e cultural do país e as condições institucionais das ies e os perfis dos alunos que têm ingressado no ensino superior (iizuka, 2008, p. 2). 22 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração Sabe-se que os cursos de Administração tiveram forte influência norteamericana. Somado a este legado técnico e teórico – fundamental para compreendermos a situação atual do ensino em Administração no Brasil – pouco ou nada se fez para transpor um modelo de ensino mecanicista, fragmentado e, principalmente, distante, de uma forma geral, da realidade vivida no país. Um exemplo disso é a utilização frequente das grandes empresas nos cursos de administração, enquanto uma parcela considerável dos alunos trabalha em micro e pequenas empresas, em organizações não governamentais e até mesmo em órgãos públicos (iizuka, 2008). Este autor ressalta, entretanto, que de acordo com dados de 2005, do sebrae, as micro e pequenas empresas correspondem a 98,8% do total das empresas brasileiras. Conforme denuncia Iizuka (2008) são poucas as pesquisas e estudos que tratam o uso do método do caso em situações relativamente adversas tais como: salas de aula com mais de 50 alunos (às vezes chegando a mais de 100 alunos por turma); estudantes oriundos de um ensino médio público ou que retornou à escola após anos sem estudar; infraestrutura precária, bibliotecas mal equipadas e com bibliografia de baixa qualidade,; estudantes com dificuldades de leitura e escrita, raciocínio analítico e postura crítica. Diante isso, questiona o autor: “[...] em que medida essa metodologia pode ser replicada em diferentes contextos? Em particular, seria o método de Harvard pertinente à maioria das ies brasileiras?” (iizuka, 2008, p. 5). Roesch (2006, p. 1) identificou que “[...] a produção de casos locais é insignificante se comparada com o acervo de casos estrangeiros disponíveis”. Iizuka (2008), por sua vez, afirma que se encontram casos em livros didáticos de administração, mas nem sempre com enfoque na realidade brasileira e, na maioria das vezes, preparados tão somente para a confirmação da teoria discutida sem estar, necessariamente, relacionados às situações reais da administração. Nesse sentido, o autor lembra o educador Paulo Freire para quem o conhecimento não poderia e nem deveria estar dissociado da vida das pessoas que participam do processo de aprendizagem. Evidentemente que, em um ambiente cada vez mais globalizado, esperase que os alunos e professores tomem contato com casos de diversas partes do mundo. Contudo, reconhece-se, assim como Iizuka (2008) que a administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 23 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 utilização de casos externos e estranhos ao contexto vivido pelos alunos é um fator que dificulta a utilização dessa ferramenta. Com relação a isso, Suarez e Casotti (2004) destacam que as diferenças culturais – do país, da instituição e até do professor e dos alunos – vão ter impacto na dinâmica de aplicação do método. A experiência das autoras sugere, por exemplo, que os professores brasileiros tendem a assumir uma postura mais diretiva do que seus colegas americanos. Em relação aos estudantes, é possível perceber nos brasileiros a colaboração e o respeito à opinião dos companheiros de sala como um traço naturalmente mais presente do que entre os americanos. Todos os desafios discutidos até aqui com relação à utilização dos casos para ensino são mais bem compreendidos se considerarmos que o agente principal na condução do método – o docente – não recebe uma preparação adequada para atuar com essa ferramenta. Weber e Kirk (2000) chamam a atenção para o fato de que na maioria das instituições, os professores não recebem um treinamento para preparar e atuar nas aulas que utilizam o método do caso. No entanto, conforme expôs Suarez e Casotti (2004), esse método de ensino exige do professor grande preparação, que começa na escolha do material, elaboração das perguntas e formas de estimular os alunos a se engajarem nessa experiência de aprendizado. Segundo as autoras, mesmo nos Estados Unidos, poucos professores recebem treinamento específico para aprender a preparar e ensinar um caso. No Brasil, segundo as autoras, essa questão é ainda mais evidente, já que um número ainda restrito de escolas adota oficialmente essa metodologia, fazendo com que seu uso seja, em muitas situações, motivado pelo interesse isolado de um professor, que assim enfrenta a falta de apoio institucional e limitação de recursos necessários a uma adequada aplicação da metodologia. Ikeda, Veludo-de-Oliveira e Campomar (2006, p. 155) também reconhecem que o desinteresse e a dificuldade de entendimento sobre essa ferramenta pedagógica estão ligados, entre outros aspectos, à falta de treinamento de instrutores para aplicação dos casos em classe conforme já abordado neste trabalho. Segundo os autores, poucos parecem ter recebido um treinamento formal para aplicação do método na sala de aula. 24 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração Observa-se, portanto, que muitos são os desafios impostos à utilização dos casos para ensino no Brasil. No entanto, não se pode deixar de reconhecer que a publicação desses tem aumentado nos últimos anos. Diante disso, é importante identificar de que forma esse aumento da produção tem refletido no cotidiano da sala de aula. É nessa direção, que esta pesquisa caminhou. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 25 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 Procedimentos metodológicos No desenvolvimento da pesquisa cujos resultados são apresentados neste artigo, optou-se pela realização de uma pesquisa qualitativa desenvolvida em duas fases. Na primeira fase, foi feito um levantamento dos casos para ensino publicados entre 1997 e 2010. A base de dados foi constituída por 30 casos publicados em dois eventos promovidos pela anpad – enanpad e enepq – e 18 casos publicados em dois periódicos nacionais. Um deles é a Revista de Administração Contemporânea (rac) da Anpad que possui uma seção dedicada aos casos e o outro é a GVCasos da Fundação Getúlio Vargas, lançada em 2010, que é o primeiro periódico acadêmico do Brasil especializado em casos para ensino. Portanto, foi analisado um total de 48 casos. Os casos foram analisados mediante a técnica de análise de conteúdo seguindo as orientações de Bardin (2009). Foram desenvolvidas as seguintes categorias analíticas: (i) total de casos publicados e fonte da publicação; (ii) porte das empresas estudadas; e (iii) disciplina sugerida para aplicação. Na segunda fase, foi feita uma pesquisa com 28 docentes de duas ies particulares e 33 docentes de uma ies pública, que atuam no curso de graduação em administração. Essas instituições estão localizadas no Sul de Minas Gerais. A coleta de dados foi feita entre maio e dezembro de 2012 utilizando a técnica da entrevista. O instrumento utilizado foi o roteiro semiestruturado, as entrevistas foram individuais e as respostas foram anotadas pela pesquisadora no roteiro. Os dados, nesta fase, foram analisados mediante análise de conteúdo e as seguintes categorias analíticas foram desenvolvidas: (i) utilização de casos para ensino pelos docentes, (ii) principal fonte de busca dos casos, (iii) como os docentes trabalham com o caso, e (iv) empresas estudadas em sala de aula. 26 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração Casos para ensino: publicação e utilização Tendo em vista as duas fases da pesquisa, optou-se por apresentar e discutir os resultados em duas subseções. Na primeira, são apresentados os resultados da primeira fase que teve como objetivo conhecer os casos de ensino publicados no Brasil e, na sequência, os resultados da fase que procurou identificar a forma como os docentes têm utilizado essa ferramenta pedagógica. Os casos para ensino na produção científica nacional Total de casos para ensino publicados e fonte da publicação As fontes e a frequência das publicações em cada ano são apresentadas na Tabela 1, compreendendo o período de 1997 a 2010. Verifica-se que nesse intervalo de tempo o número total de casos para ensino publicados em eventos foi de 30 e em periódicos foi de 18. Não foram encontrados casos publicados no período entre 1997 a 2002. Tabela 1 Total de artigos publicados por ano de publicação e fontes de publicação Ano de publicação Fonte 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total RAC 1 2 3 3 1 1 2 2 15 GVCasos - - - - - - 3 3 EnANPAD - - - - 1 - 8 12 21 EnEPQ - - - - 9 - 9 Total 1 1 19 17 48 2 3 3 2 - Ao se analisar a distribuição dos casos de acordo com o ano de publicação foi possível perceber um crescimento significativo nos anos 2009 e 2010. Isso pode ter acontecido em função da criação da seção específica para submissão de casos para ensino no enanpad e no enepq, em 2009. Ao observar as edições de 2011 e 2012 desses eventos, percebe-se um crescimento constante administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 27 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 no número de casos publicados. Observa-se, portanto, que o acervo de casos nacionais não é mais tão limitado quanto era na época em que Roesch (2006) tratou desse assunto. Porte das empresas estudadas Embora tenham sido identificados os nomes (ora real, ora fictício) das empresas relatadas nos casos, optou-se por não citá-los neste trabalho tendo em vista que, essa omissão, não prejudica a discussão que se pretende fazer. A Tabela 2 apresenta informações quanto ao porte das empresas2 relatadas nos casos para ensino publicados no período entre 2003 e 2010. Observa-se que dentre os 48 casos publicados, 17 tratam de empresas de grande porte, 16 de empresas de pequeno porte, quatro de empresas de médio porte e três de microempresas. Em quatro casos, identificou-se que não se tratava de empresas e, em outros quatro, não foi possível identificar o porte da empresa. Tabela 2 Porte das empresas Classificação Frequência Empresa de grande porte 17 Empresa de pequeno porte 16 Empresa de médio porte 4 Não se aplica 4 Indefinido 4 Microempresa 3 Total 48 Interessante notar que, os dados apresentados na Tabela 2, podem indicar um contraponto à crítica feita por Iizuka (2008) quando o autor aponta a utilização frequente das grandes empresas nos cursos de administração, enquanto uma parcela considerável dos alunos trabalha em micro e pequenas empresas. Nota-se que, atualmente, está à disposição dos docentes, um número considerável de casos relacionados a pequenas e médias empresas. Nesse 28 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração sentido, entende-se que a abertura da Anpad nos seus eventos, em 2009, e a criação de um periódico específico para publicação de casos, em 2010, podem ter sido os responsáveis pelo desenvolvimento de casos que contemplam empresas de porte menores. No momento em que os autores brasileiros passam a desenvolver casos, cresce o potencial para que as pequenas e médias empresas sejam contempladas tendo em vista que estas representam uma parcela considerável dos negócios nacionais. Isso pode ajudar a combater um dos problemas identificados por Ikeda, Veludo-deOliveira e Campomar (2006) e Oliveira, Muritiba, Limongi-França (2004) que é a falta de casos locais abordando problemas de empresas ou situações do Brasil. Disciplinas sugeridas para aplicação No que se refere às disciplinas3 que os autores sugeriram para aplicação dos casos, pode-se constatar que a grande maioria dos casos é indicada para utilização na disciplina de estratégia conforme pode ser visto na Tabela 3. Tabela 3 Disciplinas sugeridas para aplicação Classificação Frequência Estratégia 18 Marketing 6 Empreendedorismo 5 Gestão da produção 4 Gestão de pessoas 4 Gestão ambiental 2 Outras 9 Total 48 As nove disciplinas que compõem a subcategoria “outras” são: sistema de informação, gestão de preços, administração geral, gestão da carreira, contabilidade geral, introdução à administração, comportamento organizacional, gestão multicultural e negócios internacionais. Estas foram citadas, cada uma delas, em apenas um caso. Há que se destacar, contudo, que o tema negócios internacionais, por exemplo, aparece administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 29 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 como tema secundário em seis casos ligados às disciplinas de estratégia e empreendedorismo. Portanto, embora os autores indiquem uma disciplina mais apropriada para utilização do caso escrito, eles indicam também temas secundários que podem ser abordados, ou seja, há alguns casos que podem ser aplicados em mais de uma disciplina. Alguns temas que foram citados como secundários, nos casos analisados, podem ser elencados: logística, orçamento empresarial, gestão de operações, inovação, pcp (planejamento e controle da produção), gestão de serviços, comportamento do consumidor entre outros. Percebe-se, contudo, que estes estão relacionados às principais disciplinas citadas na Tabela 3. Outros temas relevantes para a gestão organizacional – gestão pública, liderança, gestão do conhecimento, ética, conflito, questões sociais, gestão multicultural, habilidades gerenciais, relações entre fundador e sucessor, relações de gênero entre outros – não são contemplados de maneira satisfatória, aparecendo quando muito, em apenas um caso entre os 48 analisados. Esta evidência fortalece a crítica de Jennings (1996) quando o mesmo afirma que alguns temas não são cobertos de modo suficiente pelos casos. A utilização de casos em três cursos de administração Utilização de casos para ensino pelos docentes Entre os 61 docentes entrevistados, 394 informaram que utilizam estudos de casos como ferramenta pedagógica nas suas disciplinas e 22 informaram que não utilizam conforme apresenta a Tabela 4. Tabela 4 Utilização de casos Utilizam casos Particular I Particular II Pública Total Sim 8 10 21 39 Não 6 4 12 22 61 Entre os 22 docentes que não utilizam o estudo de caso, as justificativas apresentadas são as seguintes. Os docentes que lecionam sociologia, filosofia, 30 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração psicologia, ética, ciência política entendem que essas disciplinas teóricas não necessitam da utilização desse recurso. Os docentes que ministram metodologia científica, estatística, língua portuguesa, cálculo e aquelas ligadas ao direito entendem que esse recurso não se aplica a essas disciplinas. Mas, a maior parte dos docentes que informou que não utilizam o estudo de caso, justificou que o número elevado de alunos, em algumas turmas, inviabiliza a utilização dessa ferramenta. Esta última justificativa conduz à reflexão feita por Iizuka (2008) sobre a situação das salas de aula nas ies brasileiras que dificultaria a utilização do estudo de caso. Principal fonte de busca dos casos As fontes de busca dos casos utilizadas pelos docentes, conforme pode ser visto na Tabela 5, são diversas5. Tabela 5 Fonte de busca dos casos Fontes Particular I Particular II Pública Livros 5 4 10 19 Jornais, revistas e sites especializados 2 5 7 14 Artigos científicos 3 2 4 9 Sites de empresas 1 2 4 7 Casos para ensino6 publicados - 1 3 4 Vivência profissional 1 3 - Total 4 Desenvolve casos fictícios 1 - 2 3 Alunos levam para a sala de aula - 1 2 3 TV - 1 1 2 Entre os 39 docentes que declararam utilizar o recurso do estudo de caso, 19 deles buscam os casos nos livros/manuais de administração utilizados na condução das suas disciplinas e 14 pesquisam reportagens publicadas sobre as empresas em jornais e revistas impressos e/ou on-line e também em sites especializados. Mais especificamente, os docentes citaram as revistas Exame, Você s/a, HSM Management, Veja; os jornais Gazeta Mercantil, Information Week, Folha Investe, Invest Money e outros jornais de circulação diária como Folha de São Paulo e Estado de Minas; administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 31 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 sites especializados como bmf, Bovespa, Receita Federal, Guia Logístico e enap. No que se refere aos artigos científicos, as fontes de busca dos mesmos são os anais de congressos, especialmente os do enanpad e periódicos da área de administração. Interessante observar que, se por um lado, os docentes (nove deles) utilizam estas duas fontes para pesquisar os artigos científicos, por outro lado, eles não utilizam os casos para ensino publicados no enepq e no enanpad e nem os periódicos GVCasos e rac. Dos quatro docentes que declararam que utilizam os casos para ensino publicados, três têm como fonte de busca a Central de Casos da espm e apenas um utiliza os anais do enepq, do enanpad, da GVCasos e da rac. Observase, portanto, que embora o número de casos publicados tenha crescido, consideravelmente, nos últimos anos, eles não estão sendo utilizados pelos docentes. Evidentemente, é preciso considerar que tal crescimento é recente. Os quatro docentes que declararam que utilizam casos oriundos da própria vivência profissional são aqueles que já exercem ou já exerceram alguma atividade de consultoria empresarial. Assim, eles levam para a sala de aula os casos das empresas para as quais eles prestaram ou prestam serviços. Este é o tipo de docente identificado por Souza-Silva e Davel (2005, p. 121): “[...] aquele professor que consegue transitar tanto no campo da docência quanto da vivência gerencial, atuando como acadêmico e consultor empresarial”. Outros três docentes informaram que têm dificuldades de encontrar casos que se adaptam a teoria/assunto que eles estão trabalhando. Por isso, desenvolvem seus próprios casos e levam para a sala de aula. Há também aqueles docentes (3) que deixam a cargo dos estudantes a seleção dos casos a serem trabalhados. Nota-se que até mesmo reportagens de tv são utilizadas como fonte de busca pelos docentes. Ao analisar os dados dessa categoria, algumas preocupações já abordadas na terceira seção deste trabalho vêm à tona. Provavelmente, ao buscar os casos nos manuais de administração, os docentes trazem para a sala de aula casos de empresas nem sempre com enfoque na realidade brasileira conforme discutido por Iizuka (2008). Isso ocorre porque a maior parte desses manuais 32 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração é oriunda de outros países conforme identificou Lopes (2007). Assim, muitas vezes, a empresa descrita no caso é desconhecida tanto do instrutor, como dos estudantes e as diferenças culturais podem trazer dificuldades em sua análise conforme abordou Jennings (1996). Portanto, umas das recomendações para uma boa utilização do método do caso dada por Ikeda, Veludo-de-Oliveira e Campomar (2004, p. 13-14) – “[...] atenção à coerência do caso com a realidade vivenciada pelos alunos e professores” – não está sendo levada em conta. Mais do que isso, ao trazer um cenário alheio para a sala de aula, o docente distancia do ensinamento dado por Paulo Freire para quem o conhecimento não poderia e nem deveria estar dissociado da vida das pessoas que participam do processo de aprendizagem. Outro aspecto que não pode ser deixado de lado é o fato de os docentes estarem buscando também em revistas populares de gestão os casos para serem trabalhados com os alunos. No entanto, há que se recordar que os problemas relacionados ao uso desta literatura pop-management já foram bem discutidos por Wood Jr. e Paes de Paula (2002a, 2002b). No que se refere à utilização dos sites das empresas como fonte de busca, o docente incorre no problema abordado por Kingsley (1982) e Iizuka (2008): a falta de imparcialidade das informações liberadas em um caso. No site da empresa somente são fornecidas as informações que a equipe de relações públicas deseja, ou seja, a “parte bonita” da gestão e dos negócios, com o objetivo de reforçar a marca e a presença da empresa no mercado. Outro aspecto a ser considerado é o fato de alguns docentes utilizarem casos fictícios em sala de aula. No entanto, conforme abordado por Oliveira, Muritiba e Limongi-França (2004), “[...] um caso não é uma situação fictícia”. Se isso for aceito, estaremos diante de um problema uma vez que, para Swiercz e Ross (2003), uma das vantagens do método é usar exemplos de experiências reais que podem mostrar a relação entre teoria e ocorrências reais. O fato de os docentes deixarem a cargo dos alunos a seleção dos casos também constitui um problema. Conforme alertaram Ikeda, Veludo-deOliveira e Campomar (2005), a habilidade de escolher o caso mais adequado à situação é de responsabilidade dos instrutores. Isto porque algumas disciplinas se mostram mais adequadas à utilização do que outras. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 33 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 Como trabalham com o caso Em se tratando da forma7 como os casos são trabalhados pelos docentes, verificou-se que 14 deles empregam essa ferramenta pedagógica principalmente para exemplificar o tema que está sendo estudado pelos estudantes e 13 empregam o caso como complemento da matéria. Nesse caso, conforme informaram os docentes entrevistados, trata-se apenas de leitura, ou seja, eles indicam a leitura de um artigo científico e não de um caso [o que eles chamam de caso é a empresa abordada no artigo]. Os dados referentes a essa subcategoria estão apresentados na Tabela 6. Tabela 6 Forma de trabalhar com os casos Fontes Particular I Particular II Pública Total Apenas como exemplos 2 5 7 14 Complemento da matéria 2 3 4 13 Trabalho em sala de aula 3 1 Prova 1 1 Trabalho final de semestre Total - 8 10 5 - 9 2 1 1 21 39 Note-se que, nas duas principais formas utilizadas pelos docentes, não se pode dizer que o recurso didático do método do caso está sendo empregado, alguns motivos são: 1. o aluno não é exposto aos processos decisórios e aos dilemas que os executivos vivem diariamente. Ele também não analisa, não sintetiza, não concilia diferentes pontos de vista, não prioriza os objetivos e nem tenta persuadir e inspirar as pessoas que pensam diferente conforme entende Iizuka (2008); 2. não busca gerar nos alunos experiências concretas, contextualmente significativas, nas quais eles possam buscar padrões, levantar suas próprias perguntas e construir seus próprios modelos, conceitos e estratégias conforme defende Fosnot (1998); 3. os estudantes não são requisitados a analisar os dados, identificar as questões e problemas-chave e propor soluções de acordo com que escreveram Swiercz e Ross (2003); 34 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração 4. não há identificação e definição de problemas, coleta e interpretação de dados relevantes, formulação de estratégias, tomada de decisões e trabalho em grupo da forma como entende Corey (1998). Ao utilizar os casos somente como ilustração/dar exemplos, não há desenvolvimento de competências gerenciais. Assim sendo, entende-se que não há envolvimento e o aluno não assume um papel ativo no processo de aprendizagem conforme requer a utilização da ferramenta do método do caso. Os dados apresentados nessa subcategoria reforçam a crítica de Roesch (2006, p. 3) quando a autora afirma que, na universidade brasileira assim como em algumas escolas europeias, tende-se a considerar quaisquer materiais ilustrativos utilizados em sala de aula como “casos”. Os dados são também similares aos resultados da pesquisa de Jennings (1996) que identificou que o principal objetivo dos docentes ao utilizarem o caso era o de “ilustração”, ou seja, o uso de casos para exemplificar uma situação real. Observa-se, portanto, que, nem sempre, há correspondência entre as orientações quanto à utilização do método e a forma como o mesmo é utilizado. Embora não fosse objetivo deste trabalho cruzar informações, foi possível identificar, por meio da análise do conteúdo das entrevistas, que os docentes que trabalham de maneira mais condizente com as orientações quanto à utilização do método, são aqueles que trabalham com o caso na forma de trabalho em sala de aula e prova. É preciso destacar que esses docentes são os mesmos que têm como fonte de busca dos casos a vivência profissional, o desenvolvimento de casos fictícios e os casos de ensino publicados conforme exposto na Tabela 5. Empresas estudadas em sala de aula Dentre as questões do roteiro de entrevista, havia uma que solicitava aos docentes que descrevessem os nomes das empresas que foram objetos de estudo em sala de aula na sua disciplina. Como resultado, foram obtidos os nomes de 82 empresas que foram classificadas quanto ao porte conforme ilustra a Tabela 7. Dentre estas, sete são de médio porte e 75 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 35 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 são de grande porte. Quanto à nacionalidade, 43 são brasileiras e 39 são estrangeiras. Tabela 7 Classificação das empresas estudadas Porte das empresas Nacionalidade Pequeno Médio Grande Brasileiras Estrangeiras 0 7 75 43 39 Conforme se pode observar, quase que a totalidade dos professores utiliza casos de grandes empresas. Constatou-se que até mesmo o professor da disciplina de administração de micro e pequenas empresas da ies particular I utiliza casos de grandes empresas. Já com relação à nacionalidade das empresas, a diferença não é tão significativa. Há que se reconhecer, entretanto, que as empresas locais ou regionais não são objetos de estudo nas três ies pesquisadas uma vez que, entre as 82 empresas, apenas oito são locais e regionais. Conforme já foi dito anteriormente, não era objetivo cruzar as respostas das questões feitas aos docentes. No entanto, pode-se observar que os docentes que utilizaram como objeto de estudo as empresas locais e regionais são os mesmos que tem como fonte de busca dos casos, a vivência profissional. Isto se explica porque estes docentes, ao prestarem consultoria, fazem isso em nível local e regional. Por isso, tem oportunidade de conhecer a realidade empresarial dessas empresas. Essa subcategoria reforça a crítica feita por Iizuka (2008) e confirma que a realidade das pequenas e médias empresas brasileiras não é retratada no cotidiano da sala de aula das IES pesquisadas. Essa crítica pode ser ainda mais contundente se consideramos que, atualmente, os docentes têm a sua disposição casos para ensino que contemplam a realidade desse porte de empresas conforme apresentado na Tabela 2. 36 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração Considerações Finais Este artigo teve por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa que procurou conhecer os casos para ensino publicados no Brasil e identificar a forma como os docentes têm utilizado essa ferramenta pedagógica. Comparando os resultados das duas fases da pesquisa, algumas situações podem ser evidenciadas. Se, por um lado, o esforço de construir casos está sendo feito pelos pesquisadores brasileiros que publicaram seus casos nos últimos anos, por outro, esta produção não tem sido utilizada pelos docentes das IES pesquisadas uma vez que eles não utilizam os anais dos eventos e os periódicos como fontes de busca dos casos. Ao ignorar essas fontes, os docentes perdem a oportunidade de trazer para a sala de aula a realidade das empresas de pequeno e médio porte uma vez que há 23 casos publicados que contemplam esse tipo de empresa. A utilização dos casos para ensino disponíveis nos meios citados auxiliaria também na superação de outro problema presente no ensino de administração que é a falta de consideração do contexto brasileiro. Ao utilizarem os livros como principal fonte de busca dos casos, os docentes entrevistados acabam levando para a sala de aula a realidade de empresas estrangeiras, muitas vezes, desconhecidas dos alunos. A principal constatação que se fez, nesta pesquisa, é que há falta de conhecimento, por parte dos docentes, sobre o que é um caso para ensino e como o mesmo deve ser utilizado. A grande maioria dos entrevistados, embora acreditem no potencial e defendam a utilização do método, desconhecem os seus aspectos pedagógicos. Eles têm trabalhado com “casos” [e de forma ilustrativa] e não com casos para ensino uma vez as fontes de busca utilizadas por eles são revistas, jornais, sites de empresas e artigos científicos. Embora essas fontes possam ser interessantes por trazer exemplos de aspectos gerenciais das empresas, seus “casos” não são escritos com finalidade pedagógica, ou seja, não são casos para ensino. É preciso considerar ainda, que no caso dos artigos científicos, o que se tem é o resultado de alguma investigação e não um caso. Até programas de administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 37 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 TV foram citados como casos. Sendo assim, não se pode afirmar que o método do caso está sendo utilizado pelos docentes das três IES pesquisadas. Observa-se, portanto, que a crítica de Roesch (2006, p. 3), continua muito pertinente: “[...] tende-se a considerar quaisquer materiais ilustrativos utilizados em sala de aula como casos”. Outra constatação feita é que parece haver um consenso entre os autores analisados na revisão de literatura de que uma parte significativa do problema está na falta de preparação dos docentes para o uso dessa ferramenta. Conforme expuseram Suarez e Casotti (2004), a utilização do método do caso nos cursos de administração representa um desafio para a atual geração de docentes brasileiros na medida em que a maioria obteve a sua experiência de aprendizado e ensino centrada no modelo convencional. Mesmo assim, poucas escolas parecem estar preocupadas em preparar seus docentes para ensinar com essa ferramenta. O conhecimento a respeito dos princípios, requisitos e da dinâmica de discussão de casos parece ser fundamental para a prática na medida em que o método do caso implica numa forma de atuação muito diferente da convencional – tanto do professor quanto dos alunos. No entanto, o problema parece ser mais amplo e merecedor de uma reflexão cuidadosa. Conforme alertou Iizuka (2008), os desafios no uso do método do caso tocam num aspecto mais amplo que é a atual situação do ensino da administração no país. As dificuldades na aplicação da ferramenta pedagógica, muito provavelmente, representam apenas a ponta de um iceberg bem mais amplo e complexo. Assim, o que pretendemos, neste artigo, é proporcionar alguns subsídios para que a reflexão, pelo menos no que se refere ao método do caso, seja feita. Há que se considerar, no entanto, a limitação deste estudo tendo em vista que o número de ies brasileiras é elevado e este estudo foi feito em apenas três e em contexto específico. Com certeza, há experiências brasileiras positivas com a aplicação do método do caso. Nessa direção, se aponta a sugestão para pesquisas futuras. Seria muito interessante conhecer experiências positivas de aplicação do método para auxiliar na reflexão sobre a temática e auxiliar os docentes na sua prática pedagógica. 38 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos para ensino em administração 1 Para conhecer as origens, os objetivos pedagógicos, as etapas para aplicação, os benefícios, os desafios e críticas ao método do caso, consulte Ikeda, Veludo-de-Oliveira e Campomar (2006); para conhecer os tipos de casos e as situações mais apropriadas para o emprego de cada um deles, ver Ikeda, Veludo-de-Oliveira e Campomar (2005); para conhecer os desafios da construção de casos para ensino, ver, por exemplo, Roesch (2006; 2007); para entender as dificuldades de adaptação/emprego desta ferramenta no contexto brasileiro, consulte, entre outros, os trabalhos de Iizuka (2008), Suarez e Casotti (2004) e Roesch (2006). 2 Para identificar o porte das empresas foi utilizada a classificação que os autores dos casos fizeram. Sendo assim, quando os mesmos não classificavam as empresas, os casos eram inseridos dentro da subcategoria “indefinido”. Quando não se tratava de uma empresa, o caso era inserido dentro da subcategoria “não se aplica”. 3 Na Tabela 3, foi considerada a primeira disciplina que o autor indicava como sugestão para aplicação do caso ainda que fossem citadas outras. 4 Para ser incluído entre esses 39, o docente precisaria utilizar o recurso do estudo de caso em, pelo menos, uma disciplina entre as quais ele leciona. 5 Foram consideradas, nessa contagem, as duas principais fontes citadas pelos docentes, exceto quando o mesmo citava somente uma, evidentemente. Por isso, o número é maior do que o número de docentes que utilizam o estudo de caso (39). 6 Aqui está se referindo aos casos de ensino que são desenvolvidos com fins didático-pedagógicos e publicados em anais de congressos e periódicos. 7 Na análise dessa categoria, foi considerada a principal (apenas uma) forma que os docentes trabalham com o caso. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 11– 42 jan fev mar 2014 39 cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães issn 2177-6083 Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Portugal: Edições 70, 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 4, de 13 de julho de 2005. Institui as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em administração, bacharelado, e dá outras providências. Brasília, DF, 13/07/2005. CAMPOS, M. L. de S.; LIMEIRA, T.M.V. 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Facing Barriers to Implementing the Method Recebido em: 23/07/2013 Aprovado em: 12/09/2013 Avaliado pelo sistema double blind review Editora Científica: Manolita Correia Lima roberta dias campos [email protected] victor manoel cunha de almeida universidade federal do rio de janeiro Resumo Este caso de ensino foi elaborado para possibilitar a discussão sobre vantagens e desvantagens da adoção de métodos de ensino centrados no aluno, com particular ênfase no método do caso. O público alvo desse caso são docentes na condição de alunos em cursos de mestrado ou doutorado, nas disciplinas de metodologia de ensino ou didática do ensino superior, bem como em cursos de extensão para formação ou aperfeiçoamento de professores. O caso apresenta o dilema vivido por Cosmo, jovem professor recém-contratado pelo iesg (Instituto de Educação Superior em Gestão), que deseja adotar o método do caso como prática docente em um ambiente institucional com experiências didáticas distintas e heterogêneas. Apresenta também a visão de diversos atores da instituição, discutindo o desafio em harmonizar a estratégia didática da instituição e a prática individual e cultural de seus profissionais. O caso busca estimular a reflexão sobre as barreiras e ações necessárias à adoção institucional do método do caso, refletidas em três níveis da organização: o corpo docente, o corpo discente e o conjunto da estrutura institucional. Palavras-chave: caso de ensino; método do caso, didática de ensino; pós-graduação; método ativo de ensino. Abstract This teaching case was designed to enable discussion on the pros and cons of adopting student-centered methods of teaching, with particular emphasis on the case method. The target audience comprises teachers undertaking Master’s or doctoral degrees in teaching methodology and higher education didactics, as well as training and development extension courses for teachers. It presents the dilemma experienced by Cosmo, a young professor recently hired by the iesg (Institute of Higher Education in Management), who wishes to adopt the case method as a teaching practice within an institutional setting and with distinct and heterogeneous didactic experiences. It also presents the views of different stakeholders in the institution, discussing the challenge to accommodate its teaching strategy with its professionals’ individual and cultural daily practice. The case intends to foster reflection on the barriers and actions required for institutional case method adoption, seen from three of the organization’s levels: the faculty, the student body and the institutional structure as a whole. Keywords: teaching case; case method; didactics; graduate course; active teaching method. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 43 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 Introdução Cosmo lembrava o dia em que chegara ao Instituto de Educação Superior em Gestão (iesg) em seu primeiro dia de trabalho e pensara: como serão os alunos aqui? Sua experiência docente não era longa, mas vinha de uma significativa experiência como professor assistente em uma universidade norte-americana, onde trabalhou durante cinco anos depois de ter concluído seu doutorado. Enquanto saboreava um café na sala de professores do iesg, Cosmo relia pela terceira vez a sua primeira avaliação em um curso no iesg. Os comentários não foram exatamente os esperados e ele ref letia profundamente sobre sua missão naquele instituto. Uma aluna comentou de forma bem assertiva: O conteúdo abordado não foi capaz de motivar a turma. Um dos casos estudados em aula já tinha sido estudado por outro professor em período anterior. Os professores precisam se comunicar mais. Outro aluno comentou: O professor estimula a discussão prática de empresas reais, porém acho que seria importante tentar substituir o excesso de casos. Temos coisas mais importantes para aprender. Essa é a terceira matéria que usa casos. Já não acrescenta mais nada! Passamos muito tempo lendo casos quando poderíamos estar lendo livros! Seu alento veio de alguns comentários positivos aqui e ali: Esse foi um curso muito diferente; me senti na hora da verdade, pensando na prática como as coisas acontecem. Gostei muito dessa coisa de método do caso! Bem melhor do que ficar fazendo fichamentos mecânicos. Aqui estudamos a vida real! Cosmo olhou novamente seu programa montado exclusivamente baseado na metodologia do caso e perguntava-se o que fazer daqui para frente. Deveria insistir no uso do método do caso como conhecera nos eua? Ou deveria se ajustar às práticas de ensino do iesg? 44 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método Antecedentes Cosmo chegara ao iesg seis meses antes, após um período de cinco anos dando aulas em uma faculdade americana que usava o método de casos de forma sistemática. Aprendera a elaborar o programa de seus cursos de acordo com o paradigma de aprendizagem centrada no participante, principalmente mediante o uso de casos de ensino para discutir sobre a tomada de decisão. Acreditava que o uso de casos incentivava a identificação indutiva de conceitos teóricos, aplicáveis em cada situação. Em seu íntimo, essa era a melhor forma de ensinar no campo de negócios, pois acreditava que as aulas puramente expositivas não eram capazes de capturar a atenção do aluno, resultando em uma retenção baixa dos conceitos. Lembrava-se inclusive de seu primeiro dia de aula como aluno na mesma faculdade americana, quando teve que frequentar as aulas com a turma de mba. Sua formação no Brasil tinha sido em um mestrado acadêmico com aulas expositivas e de debate teórico, e pouco recurso ao caso. Para a primeira aula de mba como aluno, ele leu um caso bastante envolvente sobre um executivo da Disney que precisava tomar uma decisão. Ao terminar a leitura, perguntou-se como o professor retiraria conceitos teóricos daquela situação. Disse para si mesmo: “Essa aula vai acabar em um grande bate-papo, repleto de opiniões!”. Todavia, surpreendeu-se com uma turma muito bem preparada, debatendo vigorosamente, respeitando certa dinâmica de discussão do caso. Professor e alunos conheciam seus papéis e sabiam como atuar nesta plenária. A discussão foi crescendo, tornando-se mais complexa, profunda; e o professor estabelecia momentos de pausa em que trazia conceitos teóricos que contribuíam para melhor entender o que estava em jogo na decisão a ser tomada. Cosmo lembrou-se que neste dia aprendeu o conceito de segmentação de mercado e toda a complexidade de sua aplicação em um caso prático. Quando começou a dar aulas na mesma faculdade, investiu bastante tempo montando seus programas. Era difícil encontrar o caso que pudesse suscitar no debate em aula exatamente os conceitos relevantes a fim administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 45 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 de cumprir o programa de curso. A escola americana dispunha de um departamento especializado na redação de casos, que gerenciava seu uso, produção e publicação. Assim, o trabalho de Cosmo, apesar de desafiador, era simplificado pela infraestrutura oferecida pela escola. Em algumas situações, recorreu à redação de casos de próprio punho. Recolhia os dados na internet, revistas e leituras diversas, sentava-se em seu escritório e soltava a imaginação. Apesar de não serem casos reais1, na opinião de Cosmo, definitivamente eles não eram ruins. Poderiam ter uma aplicação interessante em aula. E muitas vezes ajudavam a suprir aqueles momentos do curso em que nenhum caso real se encaixava. Iniciando no IESG Após quase dez anos morando nos eua, entre doutorado e prática docente, Cosmo resolve retornar ao Brasil. Estava ávido para difundir o que aprendera. Cosmo estava convencido de que cada vez mais, os brasileiros se confrontariam, no universo empresarial, com outros padrões culturais de gestão e era preciso estar preparado. Entendia, portanto, que o desenvolvimento do método do caso no Brasil poderia beneficiar os empresários e executivos brasileiros que se preparariam para uma tomada de decisão mais analítica, argumentada e construída por meio do debate. Recebeu convite de algumas escolas, mas optou por instalar-se no Rio de Janeiro, sua cidade natal, e trabalhar nos cursos de pós-graduação do iesg. Foi particularmente atraído pelo fato do instituto ter uma central de casos e por buscar, por meio de sua diretoria, a maior aplicação do método por seus professores. No entanto, apesar da forte intenção do iesg em utilizar o método do caso, Cosmo foi pouco a pouco se deparando com as dificuldades cotidianas para utilizar o método na forma em que estava acostumado nos eua. Sua primeira iniciativa foi consultar os casos disponíveis na central de casos do iesg. Havia muito material ali, todavia, a maior parte dos casos disponíveis apresentava-se no formato de caso-demonstração2. Para surpresa de Cosmo, poucos casos disponíveis eram apresentados no formato de caso-problema3 e destes, apenas alguns eram acompanhados das notas de ensino. 46 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método Central de Casos do iesg Preocupado, Cosmo decidiu então procurar Amélia, professora do instituto e coordenadora da central de casos do iesg no RJ, para conversar sobre a questão. Amélia recebeu-o com gentileza e disponibilidade. Ela mesma era fã e partidária do método do caso, mas admitia que muito trabalho ainda teria que ser feito na iesg. Ela inclusive percebia Cosmo como um importante elemento nesta mudança de cultura. Cosmo compartilhou sua preocupação com Amélia a respeito da indisponibilidade de casos no formato que estava acostumado nos eua. Amélia contemporizou: É importante você entender, Cosmo, que estamos no meio de um processo de mudança de longo prazo. No início do iesg no Rio, o presidente da época era partidário do caso-demonstração. Quando se fundou a central de casos em parceria com a Revista Exame, o objetivo era aproveitar as informações obtidas pela revista para produção de casos para fins didáticos. Porém, esse convênio acabou imprimindo um caráter jornalístico aos casos produzidos. Para o diretor da época, essa prática fazia sentido, pois ele tinha uma cultura do caso tipo “best practices”, que conta uma história de uma decisão já tomada. Entende? Cosmo questionou sobre o processo de mudança: Mas como isso foi se modificando? Pois hoje na central de casos encontrei vários tipos de casos diferentes. Casos na terceira pessoa, casos na primeira pessoa, casos-demonstração, casos abertos. Amélia continuou: Isso revela esse momento de transição que explicava a você. Com a chegada do diretor geral atual há seis anos e com a minha chegada à área de Marketing, iniciou-se um trabalho grande de revisão metodológica. Na época, eu estava fazendo o doutorado e cursei uma disciplina especializada em método do caso. Eu e o diretor então resolvemos trazer a metodologia para o instituto. Convidamos inclusive um professor experiente no método do caso que realizou dois treinamentos para professores da graduação, um para aplicação administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 47 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 e outro para a redação de casos. Depois dessas iniciativas, os professores mostraram maior entusiasmo para utilizar os casos, mas ainda havia confusão, pois a central ainda disponibilizava muitos casos do tipo caso-demonstração. Amélia explicou ainda que, logo depois do treinamento, reuniu-se com o professor coordenador da central de casos nacional do iesg com a finalidade de constituir um grupo de trabalho das três filiais para facilitar a implantação do método do caso. O grupo de trabalho decidiu não abandonar o que já havia sido feito, pois considerou o caso-demonstração importante para a graduação4, todavia, um esforço foi feito para incentivar a produção de casos-problema (no estilo de Harvard, conforme eram referidos por muitos professores). Amélia comentou sobre as iniciativas: A ideia do grupo era estimular a produção em quantidade, para em um segundo momento trabalhar a qualidade, ordenando e triando os casos de ensino por tipo [formato], área de conhecimento e assunto. Isso se mostrou um grande desafio. De qualquer forma, o grupo de trabalho conseguiu colocar em prática uma série de iniciativas fundamentais para a mudança de cultura: os professores foram treinados no método do caso e conseguimos aprovar com a presidência uma gratificação para a produção de casos. Cosmo deixou a sala de Amélia dividido. Entendera que havia uma clara intenção de adoção do método do caso, mas, começava a perceber as dificuldades institucionais para operacionalização dessa política. Resolveu então procurar Álvaro, o diretor da pós-graduação. Queria saber como este via as questões de metodologia. Métodos Ativos de Aprendizagem no IESG Álvaro recebeu Cosmo, logo na manhã do dia seguinte. Ratificou o propósito do IESG de incentivar os professores na utilização de métodos centrados no aluno, tanto o método do caso, quanto outras modalidades, como exercícios em grupo, visitas a empresas, vivências, jogos de empresas e role-playing. Realçou ainda o caráter ativo do trabalho final dos alunos do iesg: O pca5 é praticamente um caso aberto que os alunos precisam construir do zero. Eles escolhem uma empresa real e desenvolvem um profundo trabalho 48 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método de diagnóstico e proposta de plano de ação. Nosso objetivo é que os alunos sejam estimulados a pensar estrategicamente, criando o hábito de estudo contínuo, aprendendo a trabalhar de maneira integrada com demais alunos e com o professor orientador. Álvaro explicou ainda sobre o alinhamento do sistema de avaliação: Queremos que a metodologia seja nosso diferencial, um elemento de encantamento do aluno. Um exemplo dessa intenção de desenvolver uma metodologia mais ativa é nossa recomendação de distribuição dos pontos na avaliação. Hoje recomendamos que 20 a 30% da nota sejam referentes ao produto gerado pelo aluno (provas, trabalhos individuais) e 70 a 80% sejam processo, traduzindo sua participação ativa no curso, seja realizando leituras e gerando questões de discussão, seja mantendo sua presença e pontualidade, seja por sua participação ativa e construtiva em sala de aula. O diretor da pós-graduação reconhecia os esforços da diretoria e de professores interessados na implantação do método do caso. Todavia, não ignorava os muitos desafios e obstáculos que ainda teriam de ser superados: Sei que apesar de muitos professores já programarem casos de ensino em algumas aulas, a grande maioria ainda não conseguiu utilizar o método regularmente, seja por dificuldade de aderir a uma mudança de cultura, seja por certas dificuldades que temos hoje e precisamos superar. Temos salas de aulas tradicionais, mais adaptadas à aula expositiva que à plenária de debate como sugere o método do caso. Mas nossas turmas não são grandes, temos entre 25 e 35 alunos, então conseguimos usar esse espaço, de forma adaptada. Outro ponto é que como temos projetor em todas as salas, acaba sendo mais cômodo trazermos nossos slides e darmos uma aula convencional. Além disso, alguns professores acreditam que aulas com discussão de casos aumentam a dificuldade de controle da turma. Cosmo aproveitou para reafirmar suas crenças nas vantagens do método: É verdade, no início eu tinha uma sensação de menor controle da turma, mas acredito que podemos avançar em termos de retenção e aprendizado se encontramos uma turma preparada e disposta. Pelo menos essa é a minha aposta. Sempre que utilizo um caso e peço aos alunos que se preparem previamente e me entreguem por escrito a preparação individual, sou administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 49 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 procurado no final da aula de debate do caso por alunos preocupados com a correção. Após o debate, as possibilidades de análise do caso se multiplicaram a tal grau que eles têm a sensação de que a análise individual foi mal feita. Gosto quando isso acontece, pois é sinal de que o aprendizado desses alunos cresceu com a discussão. Álvaro compartilhou sua percepção de que muitos alunos reagem ao método simplesmente porque são comodistas e não estão acostumados a essa dinâmica de preparação individual prévia. Para esses alunos, o professor não estaria cumprindo o seu papel de “dar aula”. O diretor realçou então a importância da preparação do próprio professor para a discussão dos casos e manifestou sua preocupação em relação à disponibilidade de casos: Um problema para mim hoje é a disponibilidade de casos. A central de casos tem feito um trabalho interessante, mas por vezes os casos são um pouco longos, tanto para o tempo de leitura e preparação individual dos alunos, quanto para o tempo de sala de aula de que os professores dispõem. Talvez a central precise de mais dinamismo, desenvolver casos de vários tamanhos. Hoje temos algumas centenas de casos, precisaríamos de muitos mais. Ocorre que tipicamente nossos professores já têm trabalho demais. Eles dão aula na pós e na graduação, muitos exercem funções executivas além das aulas. Só resta o final de semana para fazer esse tipo de atividade. Fico um pouco cético. Será que os professores vão encontrar motivação e tempo para elaborar seus próprios casos? Cosmo ficou com a sensação de que a reunião foi encerrada no melhor estilo do encerramento de uma discussão de caso – com uma questão em aberto. Pós-Graduação no IESG As instalações da pós-graduação do iesg são novas, bem-cuidadas e organizadas. As salas são bem iluminadas, com ar condicionado e equipadas com computador, telão, projetor e caixas de som. O quadro branco não é muito grande, mas o professor pode pedir à secretaria folhas de flip chart. Nas salas, as plaquinhas com nomes não são utilizadas pelos alunos, pois escorregam das mesas inclinadas. Os professores precisam decorar o nome dos alunos para a interação e atribuição de notas de participação. 50 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método O formato da sala é típico para uma aula expositiva, com todos os alunos sentados voltados para o quadro. Cosmo acreditava que para o método do caso, o ideal era uma sala em forma de anfiteatro em U, facilitando a discussão entre alunos. Porém, as cadeiras e mesas são fixas, impedindo a remodelação da aula para formatos diversos, tais como pequenos grupos ou círculos para debate. O instituto também não dispõe de salas menores para a realização de discussão em pequenos grupos. O aluno da pós-graduação do iesg tem um perfil bem definido. São pessoas de classes médias altas (A e B) que podem arcar com os custos de um curso em uma instituição privada. Normalmente, os próprios alunos (ou sua família) custeiam sua formação. Em sua maioria, moram na zona sul do Rio de Janeiro, Barra ou Niterói e são formados ou trabalham nas áreas de administração e comunicação. Buscam ampliar suas chances de sucesso profissional, melhorando seu currículo com um curso de pós-graduação em uma instituição reconhecida pelo mercado. Os cursos da pós-graduação acontecem à noite ou de manhã e contam com disciplinas que variam de seis a onze encontros semanais de uma hora e quarenta minutos cada. Na maior parte, os alunos alegam ter pouco tempo para estudar. Tipicamente dispõem apenas de seu tempo no final de semana para estudar para as aulas. Primeira aula na Pós-Graduação da IESG Antes de começar seu primeiro curso na pós-graduação, Cosmo realizou uma longa preparação. A montagem do programa exigiu um longo tempo de estudo de cada caso para verificar sua adequação à temática do programa. Analisou ainda o tamanho do caso, pois o debate em pequenos grupos e em plenária deveria ocorrer em uma aula de menos de duas horas. Imaginava que casos muito extensos não seriam lidos nem preparados com cuidado. A grande dificuldade de Cosmo, no entanto, foi com a obtenção de casos. Alocar um caso por sessão é uma tarefa complexa. A princípio, pensou em escolher casos estrangeiros, traduzi-los e pagar os direitos de uso. Mas além do custo alto, essa opção tomaria tempo. Preocupava também o fato de que os alunos poderiam se ressentir de só ver casos estrangeiros. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 51 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 Cosmo analisou vários casos da central de casos do iesg e adaptou alguns deles para o formato de caso-problema, realçando um protagonista que estaria na posição de tomador de decisão com quem os alunos poderiam se identificar. Não sabia se podia fazer isso, mas, por fazer parte do quadro de professores do instituto, imaginava que não haveria problema. Iniciou também uma série de contatos com amigos, empresários e executivos, para tentar redigir seus próprios casos. Todavia, sabia que isso seria um trabalho de mais longo prazo. Adicionalmente, essa produção poderia render uma boa gratificação se fosse submetida à central de casos. Contudo se perguntava se deveria submeter seus casos à central, pois por outro lado, nada garantiria que seus casos não seriam usados em outros cursos por outros professores, gerando repetição e insatisfação junto aos alunos. Esse controle não existia. Solicitou à secretaria de professores uma lista com o nome dos alunos e informações de perfil. Encontrou uma equipe gentil, trabalhadora e disponível. Todo o material era disponibilizado aos alunos com antecedência, encadernado com o programa, os slides impressos e os materiais de leitura. No início do curso, todos os alunos dispunham de todos os casos a serem preparados e dos artigos para leitura prévia. Na primeira aula apresentou seu programa e conversou com a turma para conhecê-los melhor. Lembrou sobre a importância da boa preparação individual prévia dos casos. Os alunos pareceram entusiasmados, curiosos. Cosmo precisou desde a primeira aula fazer um grande esforço para memorizar os nomes dos alunos. Felizmente as turmas não excediam 30 alunos. Isso era vital para o sistema de avaliação definido com base na participação com qualidade e na preparação individual do caso. Para facilitar o processo de avaliação, ele recorreu a um processo usado na sua escola norte-americana. Desenhou um mapa da sala e anotou o nome dos alunos que se sentavam em cada lugar. Avisou à turma que dali em diante aqueles eram seus lugares obrigatórios, pois a nota de participação seria dada com base no mapa da sala. Um dos alunos levantou a mão e perguntou: “Vamos ter que sentar assim em todas as aulas. Isso é novidade aqui no iesg?”. Cosmo explicou: 52 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método Não, será apenas na minha aula. Como expliquei a vocês, essa aula é baseada no debate ativo em sala e a participação é fundamental. Para que eu possa dar notas com maior justiça é importante que eu saiba exatamente a quem eu estarei atribuindo os pontos. O aluno se calou pensativo. Cosmo tomou a palavra e fez uma breve apresentação sobre o programa da sua disciplina de Marketing e discutiu os temas das aulas a seguir. Detevese com mais detalhe no caso programado para a aula seguinte. Após a aula encerrada, enquanto Cosmo reunia seu material e desligava o computador, Pedro, um aluno que se manteve calado a aula toda, aproximou-se de sua mesa e manifestou sua preocupação: Professor! ... Será que isso vai dar certo? Essa coisa de ter muita nota de participação. Vai ficar todo mundo falando qualquer coisa para ganhar pontos. Vai ser uma batalha. Como ficam os mais tímidos? Eu não sei se vou me dar bem na sua disciplina. Cosmo surpreendeu-se com a abordagem assertiva de Pedro. Respirou fundo e argumentou: Pedro, o que importa é a participação com qualidade, que traga contribuições ao debate e aos colegas. Repetir os dados do caso ou coisas que os outros disseram, por exemplo, dizer algo só por dizer, não vai refletir em uma melhor nota. Além disso, se você sente que será mais desafiador para você participar de uma aula neste formato, podemos pensar juntos em algumas formas de facilitar a sua participação. Mas acho que você não deveria perder a oportunidade de participar do debate, pois permitirá o desenvolvimento de habilidades essenciais a um bom executivo. Por exemplo, você gostaria de abrir a discussão da aula que vem? Você pode fazer um breve resumo de seu ponto de vista sobre o caso, mas não precisa, em um primeiro momento, se lançar na briga pela palavra. Pelo menos até você se acostumar com a dinâmica. O que você acha? Pedro balançou a cabeça como quem está pensando “não sei, não”. Cosmo despediu-se do aluno refletindo: “será que os alunos saberão distinguir a boa participação da má? Será que precisarei explicar até isso?”. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 53 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 Segunda aula na Pós-Graduação da IESG Na segunda aula, Cosmo chegou animado para vivenciar seu primeiro debate. Realizou a chamada com base nos locais ocupados ou vagos em seu mapa da sala. Recapitulou o que havia sido dito na aula anterior e apresentou o plano da aula. Os alunos deveriam discutir em pequenos grupos para depois participarem da discussão plenária. Para facilitar, Cosmo resolveu colocar no quadro algumas questões de orientação: • Qual é o problema da empresa? • Quais alternativas vocês propõem? • Quais critérios devemos utilizar para avaliar as alternativas? • Quais alternativas vocês recomendam? • Como a alternativa deve ser implantada? Cosmo dividiu a turma em grupos de cinco alunos no próprio espaço da sala de aula. A discussão transcorreu sem maiores problemas. Os alunos pareciam animados, discutindo e trocando ideias. Cosmo percebeu uma tendência geral na forma de trabalhar dos grupos: certa desordem. Os alunos não se preocupavam com o tempo ou com a resposta a todas as questões. Perdiam tempo demais em algumas questões e eram mais superficiais em outras. Alguns grupos passaram quase todo o tempo tentando definir o problema da empresa. Cosmo percebeu que isso se devia muito ao fato de que todos os grupos tentavam chegar a um consenso. Por essa razão a discussão em alguns grupos não avançava. Quando reuniu a turma para a discussão plenária percebeu que tinha um grupo com preparação desigual. Em sua maioria, a leitura individual prévia do caso havia sido feita, mas o aprofundamento da análise não tinha sido uniforme. Além disso, na discussão, todos tentavam falar ao mesmo tempo, realizavam conversas em paralelo, interrompiam-se uns aos outros. A motivação parecia ser grande, mas o grupo era bastante inexperiente em conduzir como grupo um debate de caso. No final, Cosmo percebeu em alguns alunos os semblantes iluminados, dispostos e animados. Em outros, a expressão de dúvida e confusão. Cosmo encerrou a aula dez minutos mais cedo e perguntou: “Quantos de vocês já haviam participado de uma aula desse tipo?”. Cinco alunos 54 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método levantaram a mão. Ele se dirigiu a um deles e pediu para que o aluno relatasse sobre a experiência prévia. Na graduação eu tinha um professor que usava casos e também tive uma professora que sempre fazia dinâmicas. Tínhamos que realizar jogos, gincanas. Aulas mais participativas. Cosmo ouviu com atenção. Agradeceu aos alunos e pediu que cada um colocasse em uma folha de papel o que tinha achado daquela aula. Recolheu os papéis, agradeceu e dispensou a turma. Olhou para aqueles papéis e ficou se perguntando o que leria ali. Conversa na sala dos professores Ao longo de suas primeiras semanas dando aula na pós-graduação, Cosmo conheceu na sala dos professores alguns de seus colegas do iesg. Esse contato foi bastante proveitoso, pois pôde trocar experiências e impressões. Seu principal colega era Jorge, que dava aulas no mesmo horário de Cosmo. A principal dúvida de Cosmo era sobre a obtenção de casos. Como os outros professores faziam? Jorge explicou com naturalidade: Uso casinhos pequenos que retiro de livros, como aqueles do Kotler ou de outros autores. São bons para ilustrar os conceitos que estamos apresentando. Em uma aula típica, reunindo todos os casinhos que eu uso, gasto em média uns 30 minutos distribuídos ao longo de quase duas horas. O grosso do tempo eu uso para apresentar conceitos no PowerPoint; os casos são bons para fixar depois. Tem casos ótimos, posso mostrar para você depois. Cosmo decidiu compartilhar com Jorge suas primeiras impressões: Na aula passada, realizei minha primeira discussão de caso. Sabe como é? Usando o método do caso, com discussão em grupos e depois plenária. Acontece que a reação da turma foi muito diferente do que eu esperava. No final da aula pedi para todos colocarem suas impressões em uma folha de papel e tive um resultado muito dividido. Uma parte da turma gostou da aula. Achou dinâmica, divertida, podendo ser apenas um pouco mais ordenada. Mas ... outros alunos, quase metade, disseram que era perda de tempo. Para eles, preciso dar aulas expositivas, de conceitos, palestrando. Um deles me perguntou se eu não ia usar PowerPoint como os outros professores! Fiquei me perguntando se os alunos compreendem o método do caso. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 55 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 Ao saber que Cosmo havia dedicado uma hora e vinte minutos para a discussão do caso, Jorge manifestou certo incômodo: “Tudo isso! Mas como você pretende passar o programa? O programa dessa disciplina de Marketing é muito extenso!”. Foi difícil para Cosmo esconder a reação de surpresa à pergunta do colega, mas tentou explicar: Acontece que no método do caso os conceitos vão “surgindo” ao longo da preparação individual e da discussão. Na aula passada usei um caso que deveria possibilitar a indução dos conceitos de segmentação e de posicionamento. Jorge sentenciou: “Pois é, deveria ... mas a questão é que parece que isso não funcionou para todos os alunos, não é mesmo?”. Seguiu-se um silêncio embaraçador que foi quebrado pelo próprio Jorge: Talvez os alunos não estejam realmente preparados para o método do caso. Nós fomos muito bem treinados no método, mas os alunos não receberam o mesmo treinamento. Inclusive existe uma apostila muito boa, redigida pela direção acadêmica sobre o método do caso. Posso enviá-la para você. Cosmo ficou perplexo com o comentário, pois se era fato que Jorge havia sido muito bem treinado no método, por que ele havia decidido não utilizá-lo? Não foi necessário verbalizar a pergunta. Jorge emendou logo uma mea culpa: Vejo dois problemas para utilizar o método assim de forma mais ortodoxa. Em primeiro lugar é a indisponibilidade de casos. Acaba tendo pouco caso para muita gente e corremos o risco de repetir casos. O pessoal da secretaria até nos avisa informalmente – quando eles notam – se isso acontece, mas não há um controle formal. Em segundo lugar, acho difícil achar casos que casem exatamente com os temas que precisamos abordar. Então, eu, por exemplo, dou aulas mais expositivas, com casinhos para exemplo e fixação, e no final do curso, na última aula, dou um caso maior, mais aprofundado e faço uma discussão seguindo o método. Também acho que dar aula só com casos é mais difícil, sendo sincero, parece que perco o controle da turma ou do programa. Então acabo fazendo isso. Usando mais os casos menores e o caso grande só no final. A conversa terminou com uma sugestão de Jorge: Por que você não dá um passo atrás e explica aos alunos o que é o método do caso? Posso conseguir os slides do nosso treinamento. Talvez fique mais claro o que é esperado deles. 56 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método O convite para o semestre seguinte Cosmo olhava pensativo o convite de Álvaro para continuar lecionando o curso de Marketing no semestre seguinte. Na semana anterior eles haviam tido uma reunião. Cosmo apresentou sua proposta de curso e relatou as dificuldades que estava enfrentando e suas propostas de adaptações para continuar usando o método do caso. Essa reunião foi convocada pelo diretor da pós-graduação após uma avaliação dividida. O iesg decidiu apostar em Cosmo, afinal seu currículo era invejável, mas era preciso melhorar o nível de satisfação dos alunos. O primeiro impulso de Cosmo era lutar pelo método do caso até onde fosse possível. Planejava treinar os alunos em um módulo gratuito na pós-graduação, na primeira semana de aula. Queria proporcionar mais qualidade ao debate. Estava também animado para produzir mais casos brasileiros, mas sabia que não conseguiria produzir muita coisa de imediato. No fundo questionava se estava no caminho certo. O método seria adequado à realidade do iesg e, sobretudo, às necessidades do aluno deste instituto? Por que esse método seria melhor? Na perspectiva de quem? Não seria esforço demais entrar nessa batalha? Cosmo sentia-se em uma espécie de cruzada pelo método, contando com alguns aliados, mas enfrentando muita adversidade. No final do dia os resultados valeriam a pena? E se continuasse obtendo avaliações ruins? Isso poderia afetar a sua carreira como professor. Cosmo temia por seu futuro ali. Será que não deveria aprender um pouquinho de PowerPoint e utilizar mais casosdemonstração, mesclando as duas abordagens como fazia Jorge? Afinal, um pensamento não saia de sua mente: Jorge era bastante experiente e pertencia ao seleto grupo dos professores melhor avaliados do iesg. Cosmo decidiu aceitar o convite para continuar lecionando o curso de Marketing no semestre seguinte, mas ainda não havia decidido que professor ele seria no próximo módulo. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 57 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 1 Esse tipo de caso é conhecido como “armchair”. Tipicamente o(s) autor(es) elabora(m) o caso com base em informações coletadas em suas pesquisas acadêmicas ou experiências com serviços de consultoria. 2 O caso-demonstração geralmente apresenta a análise do(s) autor(es) no corpo da descrição do caso, sendo usado tipicamente para ilustrar aulas expositivas. 3 Formato de caso concebido e popularizado na Universidade de Harvard. Apresenta apenas o dilema do gestor, acompanhado de informações sobre a situação e sobre a empresa, cabendo à turma debater os caminhos a seguir. 4 É importante notar que a operação da graduação correspondia à grande parte da receita do IESG até então. 5 PCA - Projeto de Conclusão Acadêmico: trata-se do projeto final de análise e consultoria tomando por base uma empresa real. O trabalho é sempre orientado por um professor de Marketing ou Estratégia. 58 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método Notas de Ensino Objetivos de Aprendizagem O caso de ensino iesg foi elaborado para possibilitar a discussão sobre as vantagens e desvantagens da adoção de métodos de ensino centrados no aluno, com particular ênfase no método do caso. O método do caso se faz relevante na prática docente na área de administração principalmente porque é capaz de promover o desenvolvimento de habilidades de análise e pensamento crítico, tomada de decisão, julgamento entre distintos cursos de ação, elaboração de pressupostos e inferências, apresentação de pontos de vista, escuta ativa, entendimento da perspectiva do outro, bem como de conectar a teoria à prática (heath, 2006). O público alvo desse caso, portanto, são docentes ou futuros docentes na condição de alunos em cursos de mestrado ou doutorado, nas disciplinas de metodologia de ensino ou didática do ensino superior. O caso pode servir de estímulo a uma discussão de abertura (ou encerramento) da disciplina, convidando a uma reflexão sistêmica da adoção do método, entendendo suas prerrogativas estruturais, institucionais e culturais. Alternativamente, pode ser usado em treinamentos internos de professores, em programas de graduação e pós-graduação (lato e stricto sensu) que desejem adotar o método do caso como ferramenta didática. Ao final da discussão do caso de ensino, espera-se que os alunos possam identificar: (a) As principais habilidades e características necessárias ao docente que deseja adotar uma prática didática centrada no aluno; (b) Aspectos do perfil e da disposição do corpo discente que são requisitos à adoção ajustada do método do caso; (c) Condições, processos e disposições institucionais que condicionam a fluida adoção de métodos de ensino centrados no aluno. Adicionalmente, o aprendizado com base na aplicação deste caso deverá mobilizar três níveis de aprendizado, com conteúdos específicos: • Aprendizado conceitual: os participantes poderão ampliar seu conhecimento sobre o método do caso, por meio da construção indutiva dos elementos centrais ao bom funcionamento da metodologia e à ampliação da qualidade do aprendizado pelos alunos. Conhecerão administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 59 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida • • issn 2177-6083 também conceitos relacionados à prática da metodologia como o aprendizado indutivo, o caso aberto versus o caso exemplo e as condições físicas de sala de aula para aprendizado do mesmo; Construção de habilidades: o método do caso estimula e desenvolve a habilidade de tomada de decisão. Neste caso, espera-se que os professores discutam sua opção metodológica e tenham mais clareza do impacto e das características da opção que fazem em termos da metodologia que utilizam em seu cotidiano. Esta conscientização passa pela decisão de um método adaptado à realidade da escola estudada, entendendo os pontos positivos e negativos implicados em cada um dos caminhos metodológicos que podem ser tomados (aula expositiva versus aula com método do caso); Desenvolvimento atitudinal: desenvolver na equipe de professores o senso de responsabilidade pela aprendizagem ativa e pelo funcionamento do método, mediante a produção autônoma de novos casos, reduzindo a condução das aulas, dando mais espaço ao aluno no espaço da aula, compondo programas baseados na mentalidade de aprendizagem indutiva centrada no aluno. Protagonista e Fontes de Informação O caso é apresentado sob o ponto de vista de Cosmo, jovem professor recémcontratado pelo iesg (Instituto de Educação Superior em Gestão), após cinco anos de experiência docente como professor assistente em uma universidade americana, onde Cosmo também cursou o doutorado. O caso é fruto de um dilema real, vivido por um professor em uma instituição de ensino do Rio de Janeiro. Foram realizadas entrevistas com outros professores do iesg, com o diretor da pós-graduação lato sensu, e com a coordenadora da central de casos da filial. Tanto a instituição como seus profissionais tiveram seus nomes disfarçados para confecção deste caso. Os autores do caso puderam ainda visitar as instalações da instituição (salas de aula, sala de professores, secretaria) tanto para a pós-graduação quanto graduação. E tiveram acesso a documentos como programas de disciplinas, arquivos utilizados em treinamentos de método do caso, exemplos de casos da central de casos, e avaliações discentes. 60 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método Plano de Ensino O tempo total necessário para a sessão plenária pode variar entre 50 e 80 minutos, dependendo da distribuição típica de horários de aula da instituição de ensino. A abertura da discussão em plenária – lâmina 1 do quadro proposto deve exigir 15 / 20 minutos. A análise das questões do caso – lâmina 2 do quadro proposto deve consumir 30 / 50 minutos. O encerramento da discussão plenária ocupará os 5 / 10 minutos restantes – lâmina 3 do quadro proposto (vide Apêndice A). Técnicas Didáticas O caso foi desenvolvido pressupondo a preparação individual prévia dos alunos. Para este caso, sugere-se que a preparação prévia do aluno seja feita de forma livre, sem a orientação de perguntas específicas fornecidas pelo professor. Espera-se assim dar liberdade à aplicação de experiências e visões dos alunos como filtro à análise dos dados. Esta etapa é importante para que a discussão do caso propicie um momento de trocas de experiências pessoais, ampliando a identificação dos alunos com o dilema proposto pelo caso e fomentando a postura reflexiva sobre as possibilidades pessoais de mudança e ajuste de cada futuro docente. Recomenda-se que o professor disponibilize um período de 20 a 30 minutos para que os alunos discutam o caso em pequenos grupos antes da discussão plenária. Essa prática não é mandatória, apenas recomendada. Acredita-se que a discussão prévia propicia um enriquecimento da preparação dos alunos, com a troca de impressões e experiências. Serve inclusive como um espaço de expressão mais espontânea, onde os alunos podem relatar experiências pessoais, como docentes, por estarem em ambientes mais privados. Assim, no momento da discussão plenária poderão assumir uma postura mais distanciada de sua própria prática docente, podendo entender o dilema de Cosmo de forma mais neutra. Para a discussão em grupos, sugerem-se as seguintes questões (assignment questions): Por que Cosmo relata se sentir em uma espécie de “cruzada” pelo método do caso? Quais são as diferenças entre a prática docente de Jorge e Cosmo? Quais são as principais diferenças entre a universidade americana e administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 61 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 o iesg? O objetivo é fazer uma preparação dos alunos que proporcione a base para seu envolvimento na temática da abertura (método centrado no aluno versus método centrado no professor) e posteriormente para sua participação na discussão plenária. Vale ressaltar que, em linha com um processo indutivo de aprendizagem, o caso é autossuficiente para análise e não requer leituras ou pesquisas complementares. Entretanto, quando existe uma preferência didática pelo conhecimento prévio dos conceitos teóricos pelos alunos, o caso pode ser acompanhado ou antecedido de leituras prévias que familiarizem o aluno com o funcionamento do método (erskine; leenders; mauffette-leenders, 1998). abertura da Discussão do Caso – Plenária A abertura da discussão pode ser usada para facilitar o diagnóstico do caso, mediante as seguintes perguntas: Qual é a diferença entre ensino e aprendizagem? Quais são as vantagens e desvantagens do método de ensino centrado no professor? E do método centrado no aluno? Com as informações descritas no caso, os alunos podem contribuir na discussão para um delineamento dos territórios metodológicos que constituem o pano de fundo ao dilema de Cosmo: o método centrado no aluno ou no professor. Após esta primeira reflexão, o professor pode fazer a transição para a análise em plenária, ao discutir aspectos típicos ou específicos do professor, aluno e instituição mais adequados para cada estratégia didática. Um exemplo de mapeamento foi apresentado na lâmina 1 do Plano de discussão plenária (vide Apêndice A). Análise do Caso – Plenária A seguir apresentamos as questões (discussion/transition questions) que podem ser usadas para estimular a análise do caso durante a etapa de discussão em plenária: 1 Que características do corpo docente do iesg dificultam a adoção do método do caso pelo iesg? O que poderia ser feito para mitigar essas barreiras? 2 Pensando no corpo discente de pós-graduação do iesg, onde estão os entraves à adoção mais ampla do método do caso, ou de 62 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método 3 métodos centrados no aluno? Como esses obstáculos poderiam ser suplantados? Apesar de diversas iniciativas, Cosmo percebe que o método do caso ainda não é amplamente adotado na instituição. Que condições, processos e disposições institucionais e culturais do iesg impedem o uso sistemático do método do caso? Que sugestões poderiam ser oferecidas ao iesg? Questão 1 – Que características do corpo docente do iesg dificultam a adoção do método do caso pelo iesg? O que poderia ser feito para mitigar essas barreiras? Cosmo enfrenta no iesg um dilema entre a insistência ou não no método indutivo. Ao comparar o método de Cosmo e de Jorge, vemos uma diferença básica. Enquanto Jorge está preocupado em “cumprir o programa” que é “extenso”, apresentando via PowerPoint o maior número de conceitos possível, Cosmo segue uma filosofia de ensino e aprendizagem radicalmente diversa. Para o método do caso, o aprendizado deve ser indutivo, fazendo emergir dos exemplos práticos as conclusões e conceitos junto com a turma. O papel do professor nos dois tipos de ensino é muito diverso. Enquanto no primeiro, o professor conduz ativa e diretamente os rumos do curso, sendo o principal usuário da palavra, no caso do método indutivo, o papel do professor é mais sutil. Corey (1980) lembra que a influência do professor, no método ativo, está nos elementos menos óbvios como a composição do programa de curso, a seleção do caso e sua posição no semestre, a colocação de perguntas (mais ou menos fechadas) e a coordenação da discussão. No caso do iesg, as principais barreiras presentes no corpo docente à adoção do método na instituição residem em um processo inercial dos professores, que concentram sua prática docente em aulas expositivas, por entenderem que tem um compromisso com a transmissão de grande carga de conceitos. Além disso, observase certa heterogeneidade no perfil deste grupo, onde alguns conhecem métodos centrados no aluno, e buscam experimentar ainda que limitadamente, e outros que não têm experiência em seu uso. Isso nos leva a concluir que grande parte dos professores carece de uma formação mais consistente, possivelmente não apenas na condução de casos em sala de aula, mas também na redação e confecção de casos. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 63 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 Para enfrentar essas barreiras, pode-se sugerir a realização de treinamentos frequentes e diversificados, tratando de diversos temas associados ao método como a aplicação do caso em sala de aula, métodos de avaliação para práticas didáticas centradas no aluno, e a redação de casos. Para que se modifique uma prática culturalmente arraigada, repetida ao longo de anos de experiência docente, é preciso que os professores sejam expostos a discussões frequentes de filosofia e práticas de ensino. Outra sugestão é a exposição dos professores à experiências de aula com adoção do método do caso, para que possam vivenciar como alunos as vantagens do método. Este tipo de iniciativa se inspira na intenção de oferecer uma experiência com o método, modificando atitudes enraizadas entre os docentes. Por fim, um dos critérios de contratações de futuros professores pode ser a experiência docente com uso do método do caso, trazendo para dentro da instituição novos agentes de mudança, como é o caso de Cosmo. Questão 2 – Pensando no corpo discente de pós-graduação do iesg, onde estão os entraves à adoção mais ampla do método do caso, ou de métodos centrados no aluno? Como esses obstáculos poderiam ser suplantados? Os alunos constituem outra dimensão fundamental do sucesso da metodologia. O método ativo só pode funcionar quando os alunos optam por assumir seu papel no espaço de aula. No caso de Cosmo, ele se deparou com uma reação não uniforme. Enquanto alguns alunos mostraram-se animados e envolvidos com o método, outros se mostraram reticentes. Isso é percebido por Cosmo não só pela reação dos alunos em sala, ou pelas pesquisas, mas pela preocupação dos alunos com a correção das tarefas individuais. De uma maneira geral, Cosmo não relatou dificuldades com a participação, leitura ou entrega das análises pelos alunos. Provavelmente, o hábito de assistir a aulas expositivas gera nos alunos uma experiência familiar com os slides, que passa a ser desafiada por metodologias ativas. Ou seja, os alunos também precisam realizar uma mudança cultural para o método funcionar. Neste caso, surgiu ainda, por exemplo, a situação do aluno tímido, que teme por uma avaliação que prioriza a participação. 64 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método Este exemplo mostra a pouca intimidade com uma proposta pedagógica que coloca o método ativo no centro do desenho do curso. No caso do iesg, como a maioria do corpo docente não utiliza o método, aqueles que o adotam podem ser mal interpretados. As principais reações a Cosmo vêm de alunos que percebem essa discussão recorrente de casos como perda de tempo, especialmente quando comparam com outros professores que apresentam grande número de conceitos em aulas expositivas. A mudança cultural que pode promover uma predisposição à adoção do método do caso passa pelo treinamento dos alunos, assim como dos professores. No caso dos alunos, um treinamento no início do curso pode ser suficiente, caso o aluno continue sendo exposto ao método ao longo do curso de pós-graduação. Como lembra Álvaro, alunos e professores já produzem o pca, que pode servir como plataforma para o desenvolvimento de novos casos de ensino na instituição. Um processo que pode ainda ir além do simples envolvimento dos alunos na redação dos casos: os alunos podem ser convidados para participarem da discussão do mesmo em anos subsequentes, reforçando a cultura do método na instituição. Questão 3 – Apesar de diversas iniciativas, Cosmo percebe que o método do caso ainda não é amplamente adotado na instituição. Que condições, processos e disposições institucionais e culturais do iesg impedem o uso sistemático do método do caso? Que sugestões poderiam ser oferecidas ao iesg? Por um lado, Cosmo percebe grande vontade da direção em disseminar o método do caso. Grande parte dos dirigentes do iesg vem trabalhando para estimular uma mudança de postura do professor em sala de aula. No entanto, uma das principais dificuldades de Cosmo é a falta de estrutura para o uso do método, especialmente se comparada com a escola americana. Na instituição americana, um departamento estava dedicado ao desenvolvimento de casos, bem como à gestão de seu uso pelo corpo docente. Já o iesg contava com a central de casos, que dispunha de uma equipe pequena e uma história recente de mudança de orientação quanto ao uso do caso na instituição. Ao longo de cinco anos aproximadamente o iesg passou administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 65 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 do uso e desenvolvimento de casos-exemplo, quase jornalísticos, para o estimulo ao desenvolvimento de casos mais abertos, possibilitando o seu uso na discussão em sala. Corey (1980) realça a importância da produção contínua de novos casos para garantir a disponibilidade de material didático para uso dos professores. Apesar da existência da Central de Casos, o repertório de casos a disposição do corpo docente ainda era reduzido e ninguém controlava seu uso para evitar o uso repetido em diferentes disciplinas. Além disso, os formatos dos casos publicados na Central de Casos eram variados (nem todos correspondendo às exigências mínimas do método) e poucos possuíam notas de ensino. Outro aspecto relevante refere-se às estruturas físicas de sala de aula. Erskine, Leenders e Mauffette-Leenders (1998) apresentam uma série de recomendações para o bom funcionamento do método do caso, discutindo o desenho ideal de sala para propiciar um debate não centrado na figura do professor. No caso do iesg, a sala estava estruturada no formato adequado para palestras, com as cadeiras fixas e voltadas para um pequeno quadro branco. Era muito difícil alterar a disposição dos alunos para adaptar-se às condições recomendadas para o método. Além disso, a instituição não contava com salas de apoio para discussões em grupo. Como possível solução para turmas menores, os professores poderiam pensar em fazer a discussão de pequenos grupos na própria sala de aula. Outra ideia pode ser a construção ou adaptação de uma sala que sirva como piloto à experimentação do método na instituição, podendo ser reservada aos professores que se voluntariem a adotar o método mais amplamente. Ademais, o tamanho inadequado do quadro branco poderia ser compensado pela adição de flip chart para apoiar a discussão em aula. A identificação dos alunos é uma dimensão importante do uso do método do caso pela necessidade de avaliação da participação pelos professores. Erskine, Leenders e Mauffette-Leenders (1998) vão sugerir o uso de etiquetas, crachás ou plaquinhas para garantir a fácil identificação e memorização de nomes dos alunos. No caso do iesg, as mesas inclinadas impedem a colocação de plaquinhas. Cosmo soluciona essa questão com o mapa da sala, que facilita o controle dos nomes para atribuir notas de participação. 66 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método Alguns aspectos, no entanto, facilitam a aplicação do método do caso no iesg. A secretaria de professores funcionava com presteza e entregava com antecedência todo o material aos alunos. Encerramento da Discussão – Plenária O encerramento poderia ser usado para a construção conjunta de uma agenda de iniciativas institucionais (plano de ação) para favorecer o processo de implantação plena do método do caso no iesg. Assim, sugere-se a seguinte questão para o debate final: O que poderia ser feito para viabilizar a adoção do método do caso no iesg? As soluções para instalação de um ambiente e uma cultura propícios à adoção mais ampla do método podem se organizar em torno de dois eixos: o público (iesg – instituição) e o privado (Cosmo – professor). Ou seja, ações pertinentes à instância institucional, sob a responsabilidade de seus dirigentes, e ações específicas à esfera de atuação do professor. Espera-se, portanto, que surjam contribuições dos alunos endereçando diferentes níveis do plano de ação institucional (iesg), como por exemplo: (a) restruturação da Central de Casos como motor da geração de matéria prima para a prática didática centrada em casos; (b) treinamento e acompanhamento contínuo do grupo de docentes; (c) formalização do controle do uso de casos pelas chefias de área, evitando a impressão de repetição de material pelos alunos; (d) oferta de uma disciplina sobre o papel do aluno no método do caso, a ser cursada no início de cada programa de pós-graduação; e outras tantas iniciativas. Nessa etapa da discussão deve ficar evidente aos alunos que todas essas iniciativas podem ser necessárias, todavia, não suficientes para garantir a plena e pacífica adoção do método do caso no iesg. O que faltaria, então? O que se pode dizer sobre o papel a ser desempenhado pelo quadro docente, tanto como um todo, quanto individualmente? O que se pode esperar dos Cosmos e do Jorge? Em que medida as escolhas individuais de cada docente podem se transformar em pontes ou paredes à implantação do método? administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 67 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 O que ocorreu depois do caso O professor Cosmo é uma personagem de ficção dentro de um contexto real. Mas representa a intenção e esforço de vários professores dentro do iesg atualmente. Após a redação do caso, verificamos algumas soluções individuais, dadas por professores para a aplicação do método do caso na instituição. É interessante observar esses exemplos para obter pistas de uma possível adaptação da metodologia à realidade do iesg, onde professores podem utilizar o caso mesmo sem ter à sua disposição toda a estrutura que tradicionalmente se dispõe nas escolas que usam o método de forma mais ortodoxa. Um dos professores entrevistados utiliza quatro casos ao longo de cursos de onze encontros. Ele alterna duas aulas expositivas com uma aula inteiramente dedicada à discussão de um caso. Para essa aula, os alunos devem trazer a preparação individual por escrito, e este documento fará parte de sua avaliação final. Ele eliminou a discussão em pequenos grupos, a não ser que a turma seja pequena e ele possa então utilizar o espaço da sala de aula para acomodar os grupos confortavelmente. Segundo este professor, sua motivação para tal adaptação se justifica na curta duração das aulas que não permitem cobrir a discussão do caso de forma completa e aprofundada, seguindo todo o ciclo do método, e a apresentação dos conceitos do programa. Outro professor entrevistado utiliza o caso aberto apenas na última aula, como recurso de fechamento do curso. Sua justificativa é a baixa instrumentalização dos alunos e o tempo reduzido dos encontros que impedem uma discussão aprofundada como preconiza o método do caso. Ambos utilizam a preparação individual como documento de avaliação, garantindo assim uma preparação de maior qualidade para as discussões. Do ponto de vista institucional, o iesg realiza regularmente treinamentos sobre o método do caso para seus professores, inclusive convidando especialistas de outras instituições. Além disso, vem revendo os protocolos da central de casos, padronizando os materiais recebidos e garantindo maior qualidade e densidade à produção gerada. 68 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método Reflexão Final O caso objetiva contribuir para um debate ainda muito frágil no campo do ensino em Administração que é a adoção de formas mais dinâmicas e interativas de ensino em nossas salas de aula. O ensino tradicional, centrado no professor, como o emissor de informações e conhecimento, fica cada vez mais ultrapassado diante do novo perfil dos discentes, mais questionadores e autônomos. No entanto, a maioria dos alunos e professores tipicamente foi submetida a um método expositivo de aprendizagem e podem não compreender a proposta trazida pelo método do caso. Assim, idealmente, a condução da discussão desse caso exige do professor um prévio conhecimento dessa metodologia. A seguir apresentamos uma lista de referências bibliográficas que visa apresentar e aprofundar o conhecimento sobre o método, de forma a instrumentalizar o docente, evitando-se dessa forma que a discussão se torne estéril. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 69 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 Bibliografia de Apoio Recomendada CHRISTENSEN, C.R. Every student teaches and every teacher learns: the reciprocal gift of discussion teaching. In: CHRISTENSEN, C.R.; GARVIN, D.; SWEET, A. (Eds.). Education for Judgment: the artistry of discussion leadership. Boston: Harvard Business School Press, 1991. LLANO CIFUENTES, C. El método del caso y el desarrollo de las capacidades activas. México: IPADE, 1977. FHN-15. MAUFFETTE-LEENDERS, L.; ERSKINE, J.; LEENDERS, M. R. Learning with cases. Canada: Ivey Publishing, 1997. RANGAN, V. K. Choreographing a case class. Boston: Harvard Business School Publishing, 1996. ROESCH, S. A construção de casos em gestão social: diferenças entre estudo de caso e casos de ensino. In: FISCHER, T.; ROESCH, S.; MELO, V. Paternostro. Gestão do desenvolvimento territorial e residência social. Bahia: CIAGS/UFBA, 2006. WEBER, M.M.; KIRK, D.J. Teaching teachers to teach cases: it’s not what you know, it’s what you ask. Marketing Education Review, v. 10, n. 2, p. 1-24, 2000. Referências COREY, E. R. Case method teaching. Harvard Business School Case, Nov. 1980. ERSKINE, J.; LEENDERS, M.R.; MAUFFETTE-LEENDERS, L.A. Teaching with cases. London: Ivey Publishing, 1998. HEATH, J. Teaching and Writing Case Studies: A practical guide. 3.ed. Cranfield/UK: ECCH, 2006. 70 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 • • • • • • Método inercial, sem reflexão de seus efeitos no aprendizado Menor espaço para experiência do aluno Não exercita a prática gerencial da decisão Desvantagens Maior controle da discussão pelo professor Exposição de maior número de conceitos por aula Nivela uma turma com formação heterogênea Vantagens Método centrado no professor Desvantagens Aprendizado indutivo: Retenção dos conceitos Coloca o conceito em situação Propicia troca de aprendizado entre alunos Depende de uma cultura e estrutura institucional • Pode ser identificado como “enrolação” • Depende de um professor preparado no método e não apenas no conteúdo • • • • Vantagens Método centrado no aluno Central de casos produz poucos casos abertos Treinamento errático de método do caso Espaços de sala de aula não preparados para discussão de caso Níveis diversos de experiências no método Alunos não entendem a filosofia do método Criar grupo de trabalho para uso do método na pós-graduação Montar sala piloto para uso do método Oferecer incentivo aos professores e alunos a redigirem casos a partir dos PCAs Centralizar o controle do uso de casos no chefe de departamento, responsável pela revisão dos programas Convidar os alunos a escreverem casos a partir dos PCAs e participarem de aplicação em turmas futuras Abrir cursos com treinamento sobre método do caso Aluno Alunos não são treinados no procedimento do método Instituição Privilegiar contratação de professores com experiência no método Expor docentes a experiências de aulas com método do caso Treinamentos frequentes e diversificados Não há controle de quem usa que caso nos cursos Heterogeneidade de perfil Professores habituados a fazer aulas do tipo palestra Professores não tem prática de uso do método ou de escrever casos Professor Intensificar a presença de conceitos teóricos na discussão de casos Treinar os alunos da pós-graduação, aproveitando a abertura da direção Oferecer-se para liderar grupo de trabalho sobre o método Cosmo Treinamento de alunos Formalizar o controle do uso de caso pelas chefias de área Intensificar treinamentos e grupos de trabalhos de professores Formalizar o papel da central de caso como gerador de novos casos IESG Plano de ação método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método Apêndice A Plano de discussão (esquema proposto para o quadro) administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 71 roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida issn 2177-6083 Dados dos Autores Roberta Dias Campos* [email protected] Doutora em Administração pela CoPPEAD-UFRJ e em Ciências Sociais pela Paris Descartes Descartes e em Ciências Sociais por Paris Descartes Instituição de vinculação: Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto COPPEAD de Administração Rio de Janeiro/RJ – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Marketing, Comportamento do Consumidor e Cultura. * Rua Pascoal Lemme, 355 Ilha do Fundão Rio de Janeiro/RJ 21941-918 Victor Manoel Cunha de Almeida [email protected] Doutor em Administração pelo COPPEAD/UFRJ Instituição de vinculação atual: Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto COPPEAD de Administração Rio de Janeiro/RJ – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Marketing, Comportamento do Consumidor e Método do Caso. 72 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 43–72 jan fev mar 2014 Ética nos negócios: o caso da AR Consultoria Ltda. Business ethics: the case of AR Consultoria Ltda Recebido em: 02/07/2013 Aprovado em: 28/08/2013 Avaliado pelo sistema double blind review Editora Científica: Manolita Correia Lima Fernando Fantoni Bencke [email protected] universidade do oeste de santa catarina Sylvia Maria Azevedo Roesch Pelayo Munhoz Olea universidade de caxias do sul Resumo A AR Consultoria Ltda., dos sócios e irmãos Alfredo e Rodolfo, especializada na venda de produtos químicos e na prestação de serviços para agroindústrias, nasceu com base em uma oportunidade visualizada por Rodolfo, tornar-se fornecedor da empresa em que trabalhava. Funcionário de uma agroindústria da cidade de Chapecó/ SC possuía conhecimentos técnicos e uma ótima relação com seus colegas superiores e subordinados. Procurou a empresa na qual era funcionário e ofereceu produtos similares, mais eficientes e com preços menores aos praticados pelos fornecedores atuais, mas se deparou com algo que não tinha conhecimento: a corrupção. Surgira o primeiro desafio ético da AR Consultoria: o pagamento de um “extra por fora” para se tornar fornecedor. Alfredo, recém-formado em Administração, empolgado com a possibilidade e oportunidade de empreender, aos poucos conheceu as dificuldades em iniciar um negócio próprio, a alta carga tributária, falta de incentivos, falta de crédito no mercado e a oportunidade de “ganhar um pouco mais” vendendo sem nota fiscal. Essas e outras situações marcaram as dificuldades de início da abertura de mercado da AR Consultoria Ltda. O objetivo do caso é apresentar uma situação real, presente em alguns ramos e setores organizacionais e que exija do leitor uma tomada de decisão, uma postura ética diante dos desafios morais apresentados. Palavras-chave: ética; corrupção; tomada de decisão. Abstract AR Consultoria Ltda.,owned by brothers and partners Alfredo and Rodolfo, specializes in selling chemical products and providing agribusiness services. It was born of an opportunity glimpsed by Rodolfo to become a supplier for the company where he used to work. As an agribusiness employee in Chapecó/SC, he had built up technical knowledge and an excellent relationship with his colleagues, at the upper and lower levels. He contacted his previous employer and offered similar products, but which were more efficient and cost less than the competition. However, he was confronted with a problem he had not faced before: corruption. The first ethical challenge faced by AR Consultoria was whether or not to pay a bribe in order to become a supplier. Alfredo, a recent BA graduate, was excited about the possibilities and opportunities of being an entrepreneur and gradually learned the difficulties involved in starting up one’s own business: the significant taxes, lack of incentives and credit available and the opportunity to “make a little extra” through informal sales. AR Consultoria’s entry to the market was marked by these and other difficulties. This case aims at presenting a real situation that can be found in some organizational sectors areas, which demands readers to take a decision and an ethical stance when faced with moral challenges. Keywords: ethics; corruption; decision making. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 73 fernando fantoni bencke & outros issn 2177-6083 Introdução A empresa AR Consultoria Ltda., especializada na prestação de serviços e venda de produtos químicos para agroindústrias, tinha como sócios os irmãos Rodolfo, engenheiro químico, e o recém-formado em Administração Alfredo. Os irmãos constituíram a empresa na cidade de Chapecó-SC diante das oportunidades surgidas na agroindústria em que Rodolfo trabalhava. Parecia ser a grande oportunidade de realizar o sonho de ter o próprio negócio, quando ambos se deparam com situações de corrupção: pagar, subornar o comprador para inserir os produtos da AR Consultoria Ltda. no rol dos fornecedores e fechar uma negociação sob a condição de não emitir a Nota Fiscal e, assim, sonegar impostos, são as situações que marcam o presente caso e que exigem do leitor um tomada de decisão, uma postura ética diante dos desafios morais apresentados. Cair na tentação das emoções e aceitar as oportunidades de corromper ou seguir os valores éticos e morais, presentes, até então, na vida de Rodolfo e Alfredo? Qual é a conduta “correta”? Como agir? Histórico Rodolfo, engenheiro químico, tinha 35 anos e trabalhava desde 1995 em uma agroindústria. Iniciou como estagiário, sempre prezou por um bom relacionamento com os superiores, colegas e fornecedores, e logo assumiu uma posição privilegiada pelos serviços prestados à empresa. Era muito dedicado em sua função, trabalhava com afinco, “vestia a camisa da empresa”, trabalhando, inclusive, depois do expediente e nos finais de semana, quando necessário. Acreditava nos valores expressos pela empresa: qualidade de vida, ética, confiança, sustentabilidade, integridade, comunicação e simplicidade. Ao iniciar na empresa, Rodolfo recebeu um treinamento sobre as normas, regras, condutas esperadas e procedimentos, as quais sempre tomou como base em suas decisões. Alfredo, irmão mais novo de Rodolfo, com 22 anos de idade estava concluindo a graduação em Administração. Passou por experiências como estagiário em empresas prestadoras de serviços na área administrativa e 74 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda. tinha um grande sonho, como o de muitos recém-formados, em empreender num novo negócio e ser “dono do próprio nariz”. Rodolfo, um pouco cansado de exercer a mesma função, a última na qual foi incumbido como supervisor de qualidade por quase cinco anos, pensou em abrir uma empresa na área de consultoria, assessoria e revenda de produtos químicos para agroindústrias. Assim como qualquer pessoa bem empregada, tinha o receio de deixar um bom salário, que possibilitava tranquilidade, por algo incerto e imprevisível. Tal receio durou seis meses até que uma oportunidade em especial chamou a sua atenção. Por conhecer todo o processo, produtos utilizados e fornecedores, começou a pesquisar empresas de outros estados que poderiam oferecer melhores produtos com preços mais atraentes. Logo se empolgou por conhecer novas tecnologias que possibilitavam uma redução de custos aos potenciais clientes. Rodolfo não pensou duas vezes, abrir uma empresa que poderia prestar serviços para a atual agroindústria que trabalhava e estender às demais da região. Porém, Rodolfo precisava de auxílio e de uma parceria para contribuir com o seu novo negócio e chamou seu irmão Alfredo para uma conversa: — Rodolfo: Alfredo, esses anos de experiência na empresa mostraram algumas oportunidades; estou a fim de ousar e entrar no mercado. Estou pensando em abrir uma empresa de consultoria e revenda de produtos na área de aditivos químicos. O que você acha? — Alfredo: Acho ótimo! — Rodolfo: Sabe Alfredo, estou um pouco desmotivado, pois já assumi as funções que gostaria e sinto que ficarei um bom tempo no atual cargo, função que ocupo já há cinco anos. Tenho um bom relacionamento, conheço todo o processo e tenho ideias que podem contribuir com a empresa, como fornecedor, mas tenho pouco conhecimento na área administrativa e de gestão. Então, pensei em convidá-lo para ser sócio. Serei responsável com a parte de consultoria, atendimento técnico e vendas e você por toda a parte administrativa. Alfredo se sentiu orgulhoso pelo convite de seu irmão e, de pronto, aceitou. Rescindiu seu contrato de estágio na empresa em que trabalhava e começou a pesquisar sobre os procedimentos legais de abertura da empresa, administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 75 fernando fantoni bencke & outros issn 2177-6083 um barracão para alugar e os custos para instalação da nova empresa, a AR Consultoria Ltda. Primeiras Dificuldades Alfredo motivado com o desafio começou a pesquisar sobre os passos para a abertura de uma empresa. Procurou um escritório de contabilidade e surpreendeu-se com as altas taxas de encargos e tributos praticados no Brasil e a burocracia quanto aos documentos e procedimentos necessários. Alfredo começou a fazer um planejamento sobre o investimento, projetou os gastos e estimou o lucro e rentabilidade necessários à sobrevivência da empresa, chegando ao valor de R$ 4.000,00 mensais de despesas fixas para o primeiro ano. Então, Alfredo alugou um pequeno barracão em um bairro próximo e logo encontrou as primeiras dificuldades com o comércio local, como a falta de créditos dos fornecedores de equipamentos de escritórios e demais equipamentos necessários à instalação da AR Consultoria Ltda. Por ser uma empresa nova, alguns locais, inclusive, não aceitavam cheque e não parcelavam as vendas, exigindo dos sócios um capital de giro ainda maior do que pensaram para iniciar as atividades. Serviços prestados pela AR Consultoria Ltda. A AR Consultoria Ltda. prezou por oferecer um processo de profissionalização na prestação de serviços, que consiste em identificar e priorizar as necessidades do cliente, traduzindo-as em oportunidades de melhoria na qualidade, produtividade e rentabilidade. Ao contrário de seus concorrentes, que apenas vendiam os produtos solicitados pelas indústrias, a empresa oferecia acompanhamento técnico e a instalação de bombas dosadoras responsáveis por dosar os produtos de forma automática, evitando desperdícios, diminuindo a necessidade de mão de obra, aumentando a qualidade no processo. Ao oferecer um produto, a AR Consultoria Ltda. propunha realizar os testes necessários para a viabilidade de instalação das bombas dosadoras. O processo de profissionalização na prestação de serviços adotado pela AR 76 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda. Consultoria, cujo foco é atender as necessidades e exigências do cliente, é: 1 Confiabilidade técnica; 2 Comprometimento em ajudar o cliente para resolver os problemas; 3 Confiabilidade no sistema de aplicação de produtos; 4 Monitoramento dos resultados (Acompanhamento técnico contínuo); e 5 Preço. As negociações Rodolfo começou a formalizar as parceiras com fornecedores e clientes. Realizou uma viagem a São Paulo para conhecer o seu principal fornecedor e, posteriormente, visitou feiras nacionais que tratavam sobre a área de seu novo negócio. Estava cheio de novidades sobre o setor e produtos a serem oferecidos. Aos poucos, a AR Consultoria sentiu a dificuldade de inserir seus produtos no processo de cotação de algumas indústrias devido à falta de interesse de funcionários do setor de compras e pelo desconhecimento dos preços praticados pelos fornecedores, pois as indústrias não forneciam os preços praticados pelos seus fornecedores ao mercado, dificultando, assim, a formalização de uma política de preços adequada. Em outras, a AR Consultoria participou de verdadeiros “pregões”, em que as agroindústrias estabeleciam um preço mínimo, tornando-o público, e deixavam a livre mercado para receber propostas de diversos fornecedores. Os sócios conheceram, então, a realidade das empresas inseridas neste tipo de negócio. O “jogo de cintura”, ou seja, a flexibilidade e a criatividade se apresentaram tão importante quanto o conhecimento técnico, os melhores preços, serviços, produtos e atendimento. A agroindústria em que Rodolfo trabalhava foi a primeira a ser procurada. Primeiramente, Rodolfo entrou em contato com departamento técnico, apresentou os serviços disponibilizados e realizou os testes para identificar o melhor tratamento tecnológico disponível. Depois de todo o trabalho realizado, testes aprovados em laboratórios, atendendo o padrão exigido, equipamentos analisados e a escolha da melhor metodologia a ser aplicada, Rodolfo sugeriu uma inovação tecnológica que resulta na alta eficiência no administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 77 fernando fantoni bencke & outros issn 2177-6083 processo de dosagem na mistura dos produtos: um sistema automatizado que poderia reduzir em até 30% os custos. Até então, o processo era realizado manualmente por um funcionário, o que poderia gerar incertezas e inexatidão da quantidade adequada do produto a ser utilizado. Enfim, Rodolfo tinha todos os requisitos para se tornar fornecedor e foi chamado pelo Sr. Francisco do departamento de compras da Agroindústria. Rodolfo e o comprador da Agroindústria em que trabalhava — Francisco: Olá Rodolfo, tudo bem? Recebi seu rol de produtos e o resultado dos testes realizados e creio que podemos fazer uma boa parceria. — Rodolfo: Isso mesmo, Sr. Francisco, atuei por nove anos nesta empresa e conheço muito bem o processo produtivo. Tenho o produto certo e garanto que resultará na diminuição de custos em até 30%. — Francisco: Fale-me mais sobre o seu produto e sua oferta. — Rodolfo: Sei que o aditivo químico que vocês utilizam hoje custa R$ 60,00 o litro. O produto que lhe ofereço custará R$ 42,00 o litro, ou seja, 30% a menos que o atual. — Francisco: Interessante Rodolfo! E o que eu poderia ganhar com esta vantagem? — Rodolfo: Realmente Francisco, como vocês utilizam 1.000 litros/mês, pode gerar uma diferença de R$ 18.000,00 mensais à empresa, um recurso significativo que a empresa poderia investir em outros processos. Ao total de 12 meses, que é o contrato que lhe proponho, pode gerar uma economia de R$ 216.000,00. Sem contar que vocês poderão readequar o funcionário que dosa manualmente o atual produto para outro setor. — Francisco: Rodolfo, acho que não entendeu, para poder inserir o seu produto, terei que lhe cobrar uma “comissão”, entende, um “extra por fora” que pode garantir um contrato de 12 meses de exclusividade de compra de 1.000 litros mensais como propõe. Faço-lhe uma contraproposta, inserimos seu produto por R$ 44,00 o litro e você me paga por fora R$ 2,00 o litro. O pagamento deve ser feito em dinheiro em um ambiente fora daqui. O que acha? Os fornecedores pelo qual sou responsável trabalham assim e é a única forma de inserir o seu produto. 78 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda. - Rodolfo, assustado e sem saber o que dizer, respondeu: Entendi, Francisco, irei conversar com meu sócio e darei um retorno. Rodolfo voltou para casa estarrecido com a conversa que teve e disposto a decidir com Alfredo o caminho e a decisão a serem tomados. Alfredo e o primeiro possível cliente Embora Alfredo tivesse ficado responsável pela parte administrativa, dedicou um tempo para conhecer um pouco sobre os produtos oferecidos pela AR Consultoria Ltda. Começou a fazer ligações para potenciais clientes, apresentando sua empresa e oferecendo o rol de produtos disponíveis. Após algumas ligações, recebeu o retorno de Manuel, gerente de uma indústria, que conhecia Rodolfo e necessitava de 100 kg de aditivo para ração animal em caráter de urgência. — Manuel: Alô, é da AR Consultoria Ltda? — Alfredo: Sim, como posso ajudar? — Manuel: Aqui é o Manuel, da Máximus Indústria. Recebi seu catálogo de produtos e gostaria de cotar 100 kg de aditivo para ração animal; e se o produto for bom, posso comprar durante os próximos 06 meses, mas a primeira entrega deve ser realizada na próxima semana. Gostaria de uma cotação e de saber se tem condição de me atender. Rodolfo em uma das viagens que fez conseguiu uma parceria com um fornecedor que conhecia e adquiriu justamente os 100 kg do produto solicitado, com prazo de pagamento para 45 dias. Ou seja, era a oportunidade da primeira venda da empresa. — Alfredo: Manuel, posso lhe atender, sim, pois tenho o produto em estoque. O valor com frete para os 100 kg fica R$ 22.000,00 com prazo de pagamento para 30 dias. Posso faturar? Preciso dos dados para cadastro e emissão da Nota Fiscal. — Manuel: Ok, podemos negociar a questão da nota fiscal? — Alfredo: pergunta: Como assim? — Manuel: Alfredo, não tem a necessidade de emissão de nota fiscal do seu produto para a minha empresa neste momento. Faço-lhe uma contraproposta. Fechamos em R$ 21.000,00 sem nota fiscal. Ok? administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 79 fernando fantoni bencke & outros issn 2177-6083 — Alfredo: Desculpe Manuel, estamos iniciando agora no mercado. Preciso conversar com o meu sócio. Lhe retorno a seguir, abraços. Alfredo, ao mesmo tempo em que está ansioso para dizer ao irmão e sócio que conseguira sua primeira venda, sente sua consciência pesar com a tomada de decisão que a empresa adotará. Os encargos e impostos da venda com nota fiscal chegam a aproximadamente 15% e a diferença em relação ao não pagamento dos tributos podem gerar um lucro ainda maior para empresa que está iniciando e que ainda não visualiza outras vendas. As chances e os riscos Rodolfo ficou surpreso com a conversa que teve com Francisco, pois até então não sabia da “condição’ estabelecida para entrar com seu produto, o que prejudicaria todo seu planejamento e desejo de empreender na AR Consultoria Ltda. Tinha as melhores condições técnicas e tecnológicas para atender o cliente, o melhor preço e melhores condições, mas desconhecia a “oportunidade” proposta. Rodolfo tem a chance de inserir o seu produto que pode render um lucro de R$ 8.000,00 mensais durante um ano, garantindo assim um pró-labore aos dois sócios e o pagamento de todas as despesas fixas mensais com a venda para apenas um cliente. Ou seja, seria a tranquilidade, em termos de caixa, necessários à empresa durante os próximos 12 meses, os mais difíceis para uma empresa se estabelecer. Mas, em contrapartida, deverá agir de forma desonesta com a empresa que lhe dera todas as oportunidades profissionais até agora, e pagar um “extra”, ou seja, contribuir com a corrupção para inserir o seu produto. Além do mais, estaria agindo contra os seus valores morais e profissionais, princípios que o tornaram um profissional referência no que faz. Tinha em mente também a alta competitividade no ramo e temia que a empresa concorrente poderia aceitar as condições estabelecidas por Francisco. Alfredo não sabia esconder a angústia e dúvidas sobre a sua primeira venda que poderia resultar no pagamento de todas as despesas fixas durante os próximos 06 meses. Vê a possibilidade de vender, podendo ganhar um pouco mais devido a não emissão da nota fiscal. Por um lado, o cliente não faz questão de comprar com nota fiscal e barganhou essa condição na 80 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda. negociação, e por outro, a AR Consultoria poderia ganhar um pouco mais, devido à alta taxa tributária, mas iniciar suas atividades de forma ilegal. Alfredo também se sente revoltado por conhecer a alta taxa tributária do país, por saber que muitas empresas concorrentes sonegam impostos e que o governo aplica indevidamente os recursos destinados à população, como lazer, saúde e educação. Sabia que, se não aceitasse a condição de seu possível cliente, ele procuraria outra empresa que poderia fornecer o produto conforme os interesses e condições estabelecidas. Apesar de possuir a consciência ética de que estaria agindo contra os princípios legais e morais, ficou em dúvida sobre qual decisão tomar. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 81 fernando fantoni bencke & outros issn 2177-6083 Notas de Ensino Utilização Recomendada A discussão sobre ética nos negócios pode ser utilizada em diversas disciplinas que consubstanciam os temas relacionados à gestão de serviços, estratégia empresarial, ética, empreendedorismo, plano de negócios etc., preferencialmente em cursos de graduação. Objetivos de Aprendizagem O caso da AR Consultoria Ltda. apresenta uma realidade muitas vezes disfarçada, mas que, infelizmente, está presente no dia a dia de alguns ramos, setores ou organizações. Por meio da análise do caso, é possível abordar e refletir sobre alguns temas de aprendizagem, entre eles: • Discutir os conceitos de moral e ética no mundo dos negócios; • Identificar os fatores que podem ser considerados uma chance ou um risco para a prospecção da empresa e assim, influenciar na decisão; • Exigir do leitor uma tomada de decisão, uma postura ética diante dos desafios morais apresentados; • Discutir estratégias que podem ser adotadas pelas empresas para evitar a corrupção. Questões para discussão do caso em sala de aula 1 Rodolfo deve escutar a sua consciência ética e não cair na tentação, ou deve aceitar o pagamento de um extra, garantindo assim as suas primeiras vendas e receitas da empresa? Como você agiria e por quê? 2 Como os sócios podem lidar com as oportunidades de sonegação surgidas na experiência de Alfredo? Devem respeitar as legislações federal, estadual e municipal sabendo das dificuldades em se manter no negócio ou podem se omitir, aceitando a venda sem nota fiscal, já que estão iniciando as atividades e a chance de sonegar é maior que o risco de serem descobertos naquele momento? O que você faria? 3 Qual(is) é(são) a(s) alternativa(s) de Rodolfo para inserir seus produtos 82 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda. 4 5 6 no rol de fornecedores, evitando a corrupção? Como as empresas podem evitar a corrupção interna? Quais ações poderiam adotar? Em termos éticos, qual é a sua opinião sobre as diferentes formas de negociação utilizadas por algumas empresas? “[...] as indústrias não forneciam os preços praticados pelos seus fornecedores ao mercado, dificultando, assim, a formalização de uma política de preços adequada. Em outras situações, a AR Consultoria participou de verdadeiros “pregões”, em que as empresas estabeleciam um preço mínimo, tornando-o público e deixavam a livre mercado para receber propostas de diversos fornecedores” Qual forma apresentada é mais ética no seu ponto de vista? Qual é a relação da ética com o lucro no mundo dos negócios? A ética pode gerar lucro, ou é uma inibidora do lucro no mundo atual? Qual é a sua opinião? Alternativas para análise do caso Para análise do caso, sugere-se uma leitura individual prévia do aluno anterior à aula. Em sala de aula, com aproximadamente 30 minutos, uma (re)leitura e análise individual do caso e resolução da questões apresentadas. Após a (re)leitura individual, formar grupos de até cinco alunos para discutir o caso e as respostas individuais. Em 30 minutos, os acadêmicos deverão chegar a um consenso, podendo utilizar materiais de apoio. Após, os grupos apresentam em plenária suas respostas em forma de discussão com os demais grupos, acompanhados pelos apontamentos do professor. Nesse momento, é exigido experiência e controle do professor sobre os argumentos dos alunos e a condução da aula. Por se tratar de um assunto polêmico e que exige o ponto de vista individual, o professor será responsável por apontar os caminhos necessários para compreensão do conteúdo exposto: ética nos negócios. Para a análise do caso pelos alunos, se faz necessária uma apresentação anterior do professor, com auxilio de textos que auxiliem a compreensão acerca dos conceitos de ética, moral e valores. A condução da discussão deve ser realizada no sentido de exigir do aluno uma tomada de decisão, uma administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 83 fernando fantoni bencke & outros issn 2177-6083 postura diante do caso apresentado, corromper ou não corromper e, nesse meio tempo, o professor deve indicar os caminhos adotados como corretos para empresas que desejam prosperar no mercado por meio de uma postura ética acima de qualquer obstáculo ou aparente benefício em curto prazo. Conceitos de ética, moral e valores Para auxiliar na resolução das questões e na decisão a ser tomada por Rodolfo e Alfredo, apresentamos a seguir os conceitos de ética e moral. Salientamos que a ética tem um caráter individual e busca a tomada de decisão mais correta possível. Mas o que é correto? Assim nasce a discussão sobre o conceito de ética e moral. A Ética, do grego ethikos, costume, comportamento, é a disciplina filosófica que busca refletir sobre os sistemas morais elaborados pelos homens, buscando compreender a fundamentação das normas e interdições próprias a cada sistema moral (cotrim, 2000). A ética é tradicionalmente entendida como um estudo, uma reflexão sobre os costumes ou ações humanas. Um comportamento correto em ética, não seria nada mais do que um comportamento adequado aos costumes vigentes, e enquanto vigentes, isto é, enquanto estes costumes tivessem força para coagir moralmente, o que aqui quer dizer, socialmente (valls, 1994). Alguns autores preferem mencionar o que a ética não é. Não pode ser definida como uma série de proibições, um sistema ideal de grande nobreza na teoria, mas inaproveitável na prática, pois muitas pessoas acreditam que a ética é inaplicável ao mundo real, pois imaginam que a ética seja um sistema de normas simples e breves (singer, 2002). De acordo com o autor “ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”, “objetivo da ética é a moral” (nalini, 2012, p.28). É ciência, pois possui suas leis, métodos e objetos próprios de um determinado ramo do conhecimento. Como ciência, a ética procura extrair dos fatos morais os princípios gerais a eles aplicáveis. A moral pode ser entendida como um conjunto de normas adquiridas pelo hábito da prática. A moral não é ciência, é um objeto da ética. Trata-se de um conjunto de regras próprias de uma determinada cultura. “A ética é uma disciplina normativa, não por criar 84 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda. normas, mas por descobri-las e elucidá-las. Se conteúdo mostra às pessoas os valores e princípios que devem nortear a sua existência” (nalini, 2012, p.30). Nesse sentido, a ética age perante a moral, aprimorando e desenvolvendo o sentido moral do comportamento influenciando a conduta humana. A ética se depara com práticas morais em vigor e, partindo delas, procura determinar a essência da moral, sua origem, sua natureza, o principio que rege a mudança de diferentes sistemas morais. Pode ser entendida como uma ciência do comportamento moral dos homens em sociedade e se preocupa em estudar como o homem age na sociedade diante de diferentes desafios morais (vásquez, 2012, p. 67). Um dos grandes objetivos da ética é estudar o comportamento humano no interior de uma sociedade a fim de estabelecer níveis ou princípios que garantam uma convivência pacífica, diz respeito aos princípios de condutas que norteiam um indivíduo ao bem comum, o respeito à reciprocidade, e a busca de uma vida digna para todos. A ética lida com o que é moralmente bom ou mal, certo ou errado. Nesse sentido, a ética é individual, é um estilo de vida, uma tomada de decisão, uma ação, uma postura, uma escolha diante dos valores expressos como certo ou errado, ou seja, a ética nasce da reflexão de como agir diante de diferentes desafios morais. O conceito de moral em sentido bem amplo pode ser entendido como um conjunto de regras de conduta admitidas em determinada época ou por um grupo de homens (aranha, 1993). Nesse sentido, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida em que acata ou transgride as regras do grupo. A moral é um conjunto de normas que orientam o comportamento humano tendo como base os valores próprios a uma dada comunidade, ou seja, moral é um conjunto de regras válidas para todo mundo que determina a conduta em sociedade para não ferir o direito do outro e respeitar o bem comum (cotrim, 2000). O homem age no mundo de acordo com valores. As ações sobre o mundo não são indiferentes, não se equivalem, são hierarquizadas de acordo com as noções de bem e de justo que os homens compartilham em um determinado momento. Em outras palavras, o homem é um ser moral, um ser que avalia sua ação baseado em valores (cotrim, 2000). administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 85 fernando fantoni bencke & outros issn 2177-6083 No campo da ética profissional, o valor profissional deve acompanharse de um valor ético para que exista uma integral imagem de qualidade A competência técnica e científica sem uma conduta virtuosa tende a resultados irreversíveis que podem prejudicar a imagem e reputação, quer seja da organização e do profissional envolvido (SÁ, 2004, p.144). Ética nos negócios Após o entendimento dos conceitos propostos pelos autores, o aluno deverá se posicionar em relação à postura ética a ser adotada pela empresa. Ser ético, hoje, mais do que antes, não é uma opção. Para pessoas e organizações, é questão de sobrevivência (matos, 2008). “A boa empresa não é apenas aquela que apresenta lucro, mas a que também oferece um ambiente moralmente gratificante, em que as pessoas boas podem desenvolver seus conhecimentos especializados e também suas virtudes” (arruda; whitaker; ramos, 2001, p.57). Nesse contexto, a função principal da empresa, todavia, não é o lucro, mas oferecer bens e serviços. Se há empresa, é porque existe demanda: clientes com necessidades a serem satisfeitas. Por isso surge à empresa, e a qualidade em servir é a sua responsabilidade básica. O lucro é objetivo dos negócios que a empresa desenvolve para realizar sua missão de servir ao cliente. O lucro é exatamente isso, remuneração pelos serviços prestados. A Ética pode gerar lucro, pois a garantia de bom conceito se traduz em confiabilidade, fundamental para efetivar negócios. Aética não está no discurso, mas no exemplo. A ética nos negócios é condicionada pela concepção e pelo comportamento ético na empresa, pela qualidade da cultura ambiente e do conceito público da organização. A obsessão por lucro acaba por gerar o não-lucro, pois desgasta parceiros e inibe clientes, processo pela qual dificilmente a Ética sai imune. Não é o lucro como tal, nem o seu valor, o que importa para a análise ética, e sim a maneira de obtê-lo, bem como a justa aplicação situacional do princípio do lucro (leisinger; schmiit, 2001). 86 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda. Como evitar a corrupção O caso apresenta uma discussão sobre corrupção, colaboradores recebendo pessoalmente porcentagem ou “comissões”. Nesse sentido, o aluno é exposto a um problema presente em muitas organizações, quando muitas vezes existe uma situação quase de extorsão, ou seja, a pessoa se vê forçada a ceder para poder permanecer no ramo. Ética em vendas é tratada como uma atividade que implica uma poderosa força de persuasão, modelando atitudes e comportamentos. A influência do profissional de vendas pode extrapolar sua finalidade de informar, sugerir o consumo ou compra de um produto ou serviço e provocar reações diversas ao cliente. “O profissional de vendas deve se preocupar com a consistência de seus argumentos, evitando comover e chocar deliberadamente o consumidor com apelos que parecem ser suaves, corrompendo seus valores morais” (arruda; whitaker; ramo, 2001, p. 96). Uma organização preocupada com a ética deve selecionar o profissional que esteja convicto de que sua função consiste em um serviço e não uma mera operação de vendas. A corrupção, nesse contexto, torna-se prejudicial para indivíduos envolvidos, não tem razão de ser para a respectiva empresa e é injusta com a sociedade atingida. Se não quisermos assistir passivamente a uma decadência dos costumes e nos tornar culpados de omissão, faz-se mister resistirmos ativamente. Uma boa maneira de começar esta resistência seria preservando das tentações os colaboradores que, no âmbito de seu trabalho, estejam expostos ao perigo da corrupção ativa ou passiva (leisinger; schmiit, 2001). A prevenção começa onde os problemas da corrupção podem surgir, ou seja, nas próprias pessoas. Os autores estabelecem dez regras para evitar a corrupção e promover um ambiente ético nas organizações (leisinger; schmiit, 2001, p. 84-85): 1 Dê bom exemplo. Evite tudo que possa levar seus colaboradores a concluir que as práticas de corrupção – mesmo ativas – são desejadas ou mesmo toleradas em sua empresa. 2 Obrigue por escrito seus colaboradores as normas ou códigos contendo proibições de corrupção ativa e passiva. Esclareça que as transgressões podem ter consequências empregatícias. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 87 fernando fantoni bencke & outros issn 2177-6083 3 Deixe claro se e até onde podem ser aceitos presentes, convites ou outras vantagens. 4 Exija dos colaboradores em posições estratégicas um esclarecimento sobre relações, financeiras ou outras, com fornecedores e clientes. 5 Realize com os colaboradores treinamentos sobre perigos de corrupção e sobre como reconhecê-la 6 Designe alguém na sua empresa com quem seus colaboradores possam obter aconselhamento sobre o alcance das proibições penais e da própria firma. 7 Designe em sua firma uma ou várias pessoas a quem observações referentes à corrupção possam ser diretamente denunciadas. Deixe claro que tais denúncias não terão nenhuma consequência negativa para o denunciante. 8 Introduza, na medida do possível, o “princípio dos quatro olhos” e, também quando necessário, a rotatividade. Exija documentação detalhada de tudo quanto ocorre. 9 Informe seus parceiros de negócios sobre as regras que vigoram em sua empresa e exija procedimentos correspondentes. 10 Reforce os controles internos por meio de um nível mais elevado de formação, de prestígio e de fiscalização. Em caso de dúvida, recorra a fiscais ou peritos de fora. Denuncie à polícia violações da lei e providencie apresentação de queixa. Alternativas estratégicas da empresa É importante que o aluno compreenda que o papel da AR Consultoria Ltda. não é somente o lucro e que a empresa deve manter uma postura ética em seus negócios. Ao optar por pagar um “extra”, uma “comissão”, e vender sem nota fiscal, a empresa estará criando a sua identidade e imagem no mercado. A venda pode ser facilitada pela criação de uma rede de relacionamento. Essa rede pode aumentar ou diminuir conforme as escolhas dos gestores da empresa. Uma estratégia que pode ser adotada é a profissionalização da prestação de serviços, identificar e priorizar as necessidades do cliente, 88 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda. traduzindo-as em oportunidades de melhoria na qualidade dos serviços prestados, agregando o maior número possível de soluções à empresa, incorporando ao preço do produto e/ou serviço. Fonte de dados Os dados relatados neste caso tratam de uma situação real vivenciada pelo autor e por entrevistas concedidas pelo sócio majoritário, Rodolfo. * Os nomes das empresas e dos sócios são fictícios para preservar as fontes do caso real. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 89 fernando fantoni bencke & outros issn 2177-6083 Referências ARRUDA, M.C.C. de; WHITAKER, M. do C.; RAMOS, J.M.R. Fundamentos de ética empresarial e econômica. São Paulo: Atlas, 2001. COTRIM, G. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. LEISINGER, K. M. Ética empresarial: responsabilidade global e gerenciamento moderno. 2.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002. MOREIRA, J.M. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 2002. NALINI, J.R. Ética geral e profissional. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. SÁ, A.L. de. Ética profissional. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2004. SÁNCHES VAZQUES, A. Ética. 32.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. SINGER, P. Ética prática. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. VALLS, Á.L.M. O que é ética. 9.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 90 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda. Dados dos autores Fernando Fantoni Bencke* [email protected] Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo Instituição de vinculação: Universidade do Oeste de Santa Catarina Chapecó/SC – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Ética, Inovação e Sustentabilidade. * Av. Nereu Ramos, 3777- D Seminário Chapecó/SC 89813-000 Sylvia Maria Azevedo Roesch [email protected] Ph.D. em Administração/Relações de Trabalho pela London School of Economics Instituição de vinculação: Universidade de Caxias do Sul Caxias do Sul/RS – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Métodos de Ensino e de Pesquisa em Administração. Pelayo Munhoz Olea [email protected] Doutor em Administração pela Universitat Politècnica de Catalunya Instituição de vinculação: Universidade de Caxias do Sul Caxias do Sul/RS – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Inovação, Gestão Ambiental e Métodos de Pesquisa em Administração. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 73–91 jan fev mar 2014 91 Qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? Um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição What size shark does the aquarium need? A teaching case involving conflicts in distribution channels Recebido em: 10/06/2013 Aprovado em: 02/08/2013 Avaliado pelo sistema double blind review Editora Científica: Manolita Correia Lima Custódio Genésio da Costa Filho [email protected] universidade federal de lavras José Marcos Carvalho de Mesquita universidade fundação mineira de educação e cultura Renato Borges Fernandes Ronaldo Pereira Caixeta centro universitário de patos de minas Cleber Carvalho de Castro universidade federal de lavras Resumo O presente caso de ensino objetiva contribuir para a compreensão do planejamento estratégico e do gerenciamento de canais de distribuição. O relato envolve uma indústria de fabricação de sucos naturais de atuação nacional e apresenta o início de sua estruturação e processo de produção, o seu lançamento, a sua elaboração da estratégia de marketing e os seus excelentes resultados iniciais. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas com proprietários, executivos e parceiros da empresa e por meio de fontes secundárias documentais da empresa e de associações especializadas neste tipo de mercado. O caso foca o conflito envolvendo sua estrutura de canais de distribuição no âmbito nacional, formada por quatro níveis: o fabricante (a empresa), os atacadistas (formados pela estrutura própria de vendas da empresa, pelos distribuidores regionais e por um atacadista nacional de grande porte), os varejistas (grandes redes de hipermercados e pequeno e médio varejo) e os consumidores. Assim, o caso de ensino incita o aluno a refletir sobre a situação, a analisar as causas dos conflitos, a repensar a estrutura de canais de distribuição e a buscar uma saída para tal problema. A nota de ensino contribui, inclusive com amparo conceitual, para que o professor explore melhor as perspectivas diversas possíveis à diretoria da empresa. Palavras-chave: canais de distribuição; conflitos em canais; indústria de sucos naturais. Abstract This teaching case aims to contribute to understanding distribution channel management and strategic planning. The case is on a fruit juice manufacturing industrial plant with a nationwide presence and covers the beginning of its structuring and production process, commercial launch, marketing strategy development and outstanding preliminary results. Semi-structured interviews with the company’s owners, managers and business partners were employed, along with secondary documentary sources from the company and associations specialized in this type of market. The case focuses on the conflict involving the structure of national distribution channels comprising four levels: the manufacturer (the company), wholesalers (formed by the company’s sales structure, regional distributors and a national wholesaler), retailers (large hypermarket chains and small and medium retailers) and consumers. Thus, the teaching case encourages students to reflect on the situation, analyze the causes of conflicts, rethink the distribution channels’ structure and seek a solution to the problem. The teaching note assists the teacher in better exploring the various options available to the company’s board of directors, as well as providing conceptual support. Keywords: distribution channels; channel conflicts; natural fruit juice industry. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 93 custódio genésio da costa filho, & outros issn 2177-6083 Introdução Altair Gomes entra na sala da diretoria da empresa, onde estavam o Sr. Rubens Alencar e o Sr. Haroldo Neves, visivelmente nervoso e diz: “Eu não suporto mais a situação. Eu me demito”. Rubens, consternado, diz: “Mas Altair, já não havíamos conversado sobre isso?”, mostrando saber do que se tratava. “Mas eu não acho que seja normal”, diz Altair, “os caras estão me pressionando muito... estamos acabando com a relação com nossos parceiros. Eles são os que possuem maior poder de pulverização de nossos produtos. Será que você não percebe isso?”. Essa passagem relata o ápice de um conflito já conhecido pelos sóciosdiretores da empresa Néctar2, produtora de sucos naturais, os senhores Rubens Alencar e Haroldo Neves3, acontecido em 2005, na sala da presidência da empresa. A Néctar é uma empresa que produz e comercializa sucos prontos e foi fundada em 2002. Ela produz 17 sabores diferentes de sucos prontos e faturou cerca de R$ 100 milhões de reais em 2004. Rubens Alencar é sócio e exerce o cargo de presidente-executivo da empresa. Haroldo Neves também é sócio da empresa e atua como diretor industrial da Néctar. Altair Gomes é contratado, desempenha o papel de gerente nacional de vendas e lida com os diversos distribuidores da empresa. Tal conflito mostra uma tensão enorme enfrentada por Altair, pois os distribuidores regionais não estavam conseguindo competir em preço com um atacadista nacional, introduzido pela empresa em sua estrutura de distribuição, a fim de preencher lacunas deixadas por esses distribuidores e para que eles não se estagnassem. O problema é que o atacadista nacional vendia o produto a alguns varejistas por um preço menor que o praticado com os demais, desestabilizando a política de preços e gerando problemas aos distribuidores regionais. Assim, o gerente era extremamente cobrado por esses distribuidores e, lidando com esses conflitos diariamente, já não estava suportando mais a situação. Será que ele tem razão? Ou esses conflitos são normais entre indústria e os parceiros de seus canais de distribuição? Para responder a essas perguntas é necessário o entendimento da história, conhecendo a trajetória da empresa e os fatos que levaram ao problema. 94 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição A estruturação da empresa: um início irreparável A empresa Néctar, pertencente a Rubens Alencar e Haroldo Neves, iniciou as suas atividades em junho de 2002. Em 2005, ela já havia conquistado 11% do mercado nacional, ocupando a segunda posição no ranking nacional, além de exportar para 15 países. Na avaliação dos sócios-diretores, esse sucesso foi alcançado graças a uma estratégia bem desenhada, envolvendo todos os aspectos do marketing mix. Rubens conta que a ideia de criação da empresa surgiu em 1998 e foi sendo planejada detalhadamente ao longo dos anos, até o seu lançamento. Inicialmente, a identificação de um produto foi empírica, fruto da observação dos mercados de outros países da América Latina, dos EUA e da Europa, comparando-os com o mercado brasileiro. Em adição, foram realizadas diversas pesquisas de mercado para verificar estas impressões pessoais, dimensionar o tamanho do mercado, conhecer os concorrentes, entender o comportamento de consumo e as tendências de mercado. Os números foram extremamente animadores, pois perceberam que o consumo per capita brasileiro de sucos naturais era bem inferior ao consumo per capita de outros países (Tabela 1) e com tendência de crescimento. Tabela 1 Consumo per capita de Sucos Naturais Ordem País Consumo 1o Alemanha 46 2o Estados Unidos 44 3o Suíça 28 4o França 23 5o Japão 21 6o Espanha 20 7o Inglaterra 18 8o Argentina 3,6 9o Brasil 1,5 Nota: Consumo em litros por ano. Após a elaboração do planejamento financeiro, o primeiro passo foi construir a estrutura de fabricação. Haroldo se lembra da escolha do local da construção administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 95 custódio genésio da costa filho, & outros issn 2177-6083 da fábrica, a qual foi posicionada no sudeste brasileiro, porém, dentro da área da sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). Esse posicionamento lhe proporcionou investimentos governamentais para o fomento da produção de matéria-prima para a fabricação dos sucos, além de incentivos fiscais para comercialização dos produtos e de proximidade com os grandes mercados consumidores, os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A fábrica foi construída nos mais modernos padrões internacionais e foi estruturada toda uma cadeia de suprimentos, via o desenvolvimento de pequenos produtores de frutas, organizados em cooperativas. Esses aspectos foram fundamentais para garantir excelente padrão da matériaprima e baixos custos de produção, o que permitiu competitividade de preços dos produtos finais. Além dos preços dos produtos, que variavam, no início da operação, entre 5% e 10% mais baixos do que os preços dos concorrentes, o objetivo era ter, também, os melhores produtos do mercado. Assim, por meio de diversas pesquisas de laboratório e de testes de degustação com consumidores, foram identificados os sabores mais adequados ao paladar brasileiro, que, segundo Haroldo, prefere um suco mais doce, ao contrário do americano, que prefere sucos com teores mais elevados de acidez. A estratégia era desenvolver uma formulação de suco que fosse igual ou melhor que o sabor preferido encontrado no mercado, independentemente de qual fabricante, sendo ele líder do mercado ou somente com atuação regional. Após definidas as especificações e formulações de cada sabor ideal de suco, a empresa fez uma parceria com o Instituto Tecnológico de Alimentos (ital), para que essas formulações fossem desenvolvidas para um padrão de produção em larga escala industrial. Depois de determinadas as formulações dos produtos e a planta industrial, partiu-se para a definição da marca e das embalagens. Para tal, foi realizado um processo de concorrência, do qual participaram diversas agências de publicidade e propaganda. Todas elas incumbidas de apresentar sugestões de embalagens e de marca nova ou mesmo de alguma que já existisse no mercado, a qual, se aprovada, poderia ser adquirida pela empresa. 96 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição Durante o processo, a cor vermelha da logomarca foi escolhida por se associar ou “lembrar” a cor da marca do líder. A cor definida das embalagens foi a amarela, que se destacava na gôndola perante as concorrentes. Para as campanhas de propaganda e publicidade, foi definido um investimento de 8% da receita de vendas. Dentro de suas estratégias, a empresa optou por não investir em mídia de massa. Ao contrário, foram priorizadas as mídias alternativas, menos onerosas, tais como placas de rua, outdoors, eventos esportivos e, principalmente, campanhas de degustação. Com base na crença de que tinham desenvolvido os sucos mais saborosos e nas embalagens mais atraentes, o correto seria, então, investir pesadamente para que os consumidores experimentassem os produtos e que esses fossem lembrados na hora da compra. Assim, investiu-se em ações de pontos de vendas, tais como o merchandising (cartazes, banners, etc.), as propagandas junto com os parceiros (tabloides, jornais, etc.), o posicionamento destacado nas pontas de gôndolas e a degustação via contratação de degustadores e promotores de vendas. Rubens destacou em sua fala: “Focamos muito em degustações em supermercados, porque nós sabíamos que tínhamos um produto que era superior aos dos concorrentes. Nós tínhamos certeza disso, porque foram feitas muitas pesquisas de mercado, testes de produto por produto, sabor por sabor”. Rubens lembra ainda do sucesso que foi a colocação dos seus produtos nas principais companhias aéreas brasileiras, as quais serviam os sucos acompanhando as refeições e os lanches de seus passageiros, um público seleto e formador de opinião: “Estávamos na Gol, na tam e na Varig, e, pra gente, não tinha propaganda melhor [...] porque era diferente de você ir pro supermercado dar um copinho de suco (degustação) [...] e ali a gente vendia o produto [para as companhias aéreas], que fosse barato mas a gente estava vendendo, mas não tinha despesa nem do copo, nem da degustadora. Era um merchandising que não tinha preço”. Com a estrutura de produção montada e após a análise da concorrência, a empresa definiu e iniciou suas vendas em Minas Gerais e no Espírito Santo e posteriormente no Rio de Janeiro. Depois, nos estados do Nordeste e do Sul do Brasil. Por fim, em São Paulo, uma vez que este último mercado era mais concorrido. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 97 custódio genésio da costa filho, & outros issn 2177-6083 A empresa estabeleceu uma meta de vendas de 600 mil litros de sucos já para o terceiro mês de operação, bem como o objetivo de chegar, em dois anos, na segunda posição em participação de mercado no Brasil e, em três anos, na primeira posição. Haroldo ressalta, em sua fala, que foram traçadas metas audaciosas e detalhadas: “Nós fizemos um plano onde contemplava a venda mensal dos dois primeiros anos [...] com volume mensal por embalagem, por setor, por filial, por regional e por distribuidor”. Para o alcance dessas metas, era fundamental estruturar um eficaz canal de distribuição. A estruturação dos canais de distribuição e os resultados iniciais: um mar de rosas A meta de chegar à segunda colocação no ranking em dois anos foi atingida em um ano e meio. Segundo Rubens, inclusive a meta inicial fixada foi cumprida e até excedida: “A fábrica deveria trabalhar no início da operação (nos três primeiros meses) com 600.000 litros por mês. Nós conseguimos bater 1.200.000 litros [...] e isso (as vendas) só em Minas Gerais e Espírito Santo”. Os resultados foram surpreendentes também em outros mercados regionais e foi necessário que a empresa antecipasse o lançamento em outras regiões, devido à demanda que surgia: “A entrada no Rio de Janeiro e no Nordeste do Brasil foi ainda no mesmo ano (2002), porque o produto foi pedido, as coisas foram acontecendo. Nós aumentamos um turno (na fabricação), aumentamos a produção e chegamos em três anos com quase cinco milhões de litros de suco por mês”, relatou Haroldo. Para atingir esse patamar, a empresa, com a participação de Altair Gomes, estruturou um grande canal de distribuição, atingindo 130 mil pontos de vendas em 2005. Essa estrutura contou com uma equipe própria de vendas, com distribuidores regionais e com um atacadista nacional (Figura 1). 98 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição Figura 1 Estrutura do canal de distribuição da empres Empresa Estrutura Própria de Vendas Grandes Redes de Hipermercados Distribuidores Regionais Atacadista Nacional Demais Pontos de Vendas (pequeno e médio varejo) Clientes Finais A estrutura própria de vendas da empresa era composta de cinco equipes de vendas próprias, que, no total, perfaziam, aproximadamente, 150 vendedores. Essas equipes eram incumbidas de atender aos principais clientes e de supervisionar as atividades dos distribuidores regionais. As vinte maiores redes nacionais de hipermercados eram atendidas por esta força de vendas direta da empresa. Os distribuidores regionais eram aproximadamente 100, dentre grandes, médios e pequenos. Cada um tinha uma equipe de vendedores que variava entre cinco e 100 vendedores, dependendo do tamanho do distribuidor. Esses distribuidores regionais cobriam todo o território nacional, sendo que cada um deles atuava em área reservada, delimitada. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 99 custódio genésio da costa filho, & outros issn 2177-6083 Já o atacadista nacional foi inserido na estrutura de distribuição para cobrir determinadas áreas e pontos de vendas mal atendidos pela equipe própria de vendas e pelos distribuidores regionais, atuando em âmbito nacional. Esse parceiro teve papel importante no sentido de não deixar acomodar cada distribuidor regional, que atuava em área exclusiva. Para Haroldo, a empresa realizou, em cada estado, “uma política de distribuição diferente: uns com venda própria, outros com pequenos e micro distribuidores e em outros com grandes distribuidores, até atender todos os pontos de vendas”. O conflito potencial: nem tudo são flores No geral, os resultados estavam sendo espetaculares. Mas, em alguns mercados, os números deixavam a desejar. Por exemplo, segundo Haroldo, em alguns estados, a participação da empresa chegava a 70% do mercado; em outros, não passava dos 5% (e não era devido à diferença de tempo de atuação da empresa naquele mercado). Assim, o baixo resultado de alguns distribuidores regionais e a dificuldade para fazê-los alavancar vendas, ou mesmo a dificuldade para substituí-los, tornavam importante a atuação do atacadista nacional. Este se tornava relevante devido ao seu grande mix de produtos, o que facilitava as vendas de sucos pelos seus representantes comerciais. A agressividade de vendas dos seus vendedores ocorria, em maior escala, em regiões de vendas fracas de sucos, o que era muito positivo, mas ocorria também naquelas regiões onde as vendas eram boas. O conflito entre os distribuidores regionais e o atacadista nacional ocorre uma vez que ambos, em muitas situações, atendem aos mesmos varejistas: supermercados, mercearias, padarias, etc. Assim, os distribuidores regionais, com boa atuação ou não, reclamavam dessa concorrência, vista por eles como desleal. Altair era enfático ao detalhar o conflito, que, para ele, ocorria devido “ao vendedor do atacadista ter um preço mínimo e um preço máximo. No ponto de venda onde ele não utiliza o preço mínimo, ele vai gerando um crédito no próprio palm dele (ferramenta de automação de vendas). Aí, 100 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição quando ele quer bater uma meta em outro ponto de venda, o último do dia, ele descarrega (concede) todo o crédito (descontos para aquele cliente), aí ele arrebenta o mercado, porque a política de preço vai toda por água abaixo”. Nesse caso, o distribuidor regional perde vendas por não conseguir oferecer o mesmo preço que o vendedor do atacadista nacional conseguia praticar para o varejista. Além disso, em alguns casos, o desconto era repassado pelo varejista para o preço de venda aos consumidores finais, causando uma disparidade de preços no mercado. Rubens e Haroldo sabiam da existência de preços de vendas diferenciados dentro do canal de vendas, mas acreditavam que essa diferença não era refletida no preço de venda final e que havia um equilíbrio nos preços aos consumidores. Mas Altair insistia em dizer que no mercado havia “uma briga acirrada, porque nos finais de semana o atacadista joga o preço pra baixo [...]. Você resolve num dia e no outro você tem que brigar de novo porque o problema está lá”. E ele se sentia impotente, pois em uma semana contornava uma situação e logo na semana seguinte o problema acontecia novamente. Vê-se, baseado nesse fato, que, quando algum estabelecimento comercial pratica um preço muito abaixo do preço médio de mercado, há uma reclamação generalizada por parte dos seus concorrentes junto à empresa. No caso da empresa estudada, todas essas reclamações recaíam sobre Altair, que, até então, estava administrando esses atritos, mas, agora, já não aguentava as reincidentes reclamações. Altair há dias reclamava que estava “mais administrando reclamações do que administrando vendas”. Cada vez que se reunia com algum distribuidor para cobrar o cumprimento de metas de vendas, para propor a abertura de novos pontos de vendas, para elaborar campanhas promocionais, para treinar a equipe de vendas, etc., o assunto só girava em torno das reclamações envolvendo o atacadista distribuidor. Rubens e Haroldo sabiam que a relação comercial e as negociações com o atacadista nacional eram todas feitas por eles, havendo, portanto, disputa interna deste parceiro com os demais membros dos canais de distribuição gerenciados por Altair. Os sócios-diretores sabiam desde o início da parceria administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 101 custódio genésio da costa filho, & outros issn 2177-6083 que o atacadista nacional não teria interesse em operar com os sucos em algumas regiões do país e que fazia parte da sua política comercial conceder uma margem de descontos em todas as linhas de produtos para os seus representantes comerciais praticarem nas negociações. O conflito insustentável: a casa caiu A atuação do atacadista nacional, como um “tubarão no tanque”, estava extrapolando o objetivo inicial, que era evitar a acomodação dos distribuidores regionais, ao ponto de alguns deles alegarem desinteresse pela parceria, por estarem sendo “engolidos pelo tubarão”. E, agora, o principal executivo da área comercial parecia estar totalmente exaurido pelos conflitos. Os sócios-diretores se perguntavam sobre qual caminho seguir: • Continuar com a atual estrutura de canais de distribuição e tentar renegociar o contrato e as condições comerciais do atacadista nacional para amenizar os conflitos? • Substituir o atacadista nacional por outro atacadista, porém dentro de novas regras comerciais? • Rescindir a parceria com o atacadista nacional sem substituí-lo e aproveitar para renegociar metas com os distribuidores regionais? • Ou manter e administrar a atual situação, pois os resultados estavam sendo atingidos e as reclamações e conflitos de canais são normais? 1 O título foi baseado na história dos pescadores japoneses que colocaram um pequeno tubarão no tanque de peixes para mantê-los em constante movimento. Disponível em: http://www.blogdofabossi.com.br/2011/03/olider-tubarao-lideranca/. 2 O nome da empresa é fictício, com vistas a evitar sua identificação. 3 Os nomes dos protagonistas são, também, fictícios, para não identificar os verdadeiros personagens. Rubens Alencar e Haroldo Neves representam os sócios-diretores da empresa. Altair Gomes representa o gerente nacional de vendas. 102 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição Notas de Ensino Objetivos Educacionais O objetivo geral deste caso de ensino é fornecer elementos que permitam analisar o processo de formação e gerenciamento de canais de distribuição. Especificamente, espera-se que os alunos sejam capazes de: 1 discutir o processo de planejamento e gestão de canais de distribuição; 2 analisar os elementos propulsores da formação e do controle de conflitos de canais de distribuição; 3 identificar e discutir as dificuldades para a formação de parcerias saudáveis em canais de distribuição; 4 analisar as estratégias para o alcance dos objetivos comerciais da empresa e dos parceiros nos vários níveis do canal de distribuição. Aspectos Pedagógicos O tema, formação e gestão de canais de distribuição, envolve várias áreas da administração de empresas. Assim sendo, sugere-se que o caso possa ser utilizado em cursos de graduação em Administração de Empresas e em cursos de pós-graduação lato sensu, nas disciplinas de Estratégias de Marketing, Administração de Vendas e Relacionamentos Interorganizacionais. Recomenda-se, também, que o caso seja utilizado ao final da disciplina, devido à abordagem de diversos conceitos entrelaçados de canais de distribuição, de planejamento de canais, de mediação de conflitos e de relações interorganizacionais. Como sugestão, o caso poderá ser aplicado utilizando-se o seguinte processo: 1 dividir a sala em grupos; 2 explicar o objetivo da atividade (o objetivo é que os estudantes analisem o caso, discutam e consintam sobre uma possível solução, baseada, também, nas leituras recomendadas. Além disso, os grupos devem formular argumentos para defender sua escolha); 3 dividir novamente a sala em grupos com soluções similares. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 103 custódio genésio da costa filho, & outros 4 104 issn 2177-6083 Revezando-se nos grupos com soluções diferentes, solicitar que cada grupo apresente sua escolha e exponha seus argumentos. Após a apresentação de um grupo, abrir para perguntas e argumentações de grupos com opiniões contrárias. Nestas apresentações, o professor deverá anotar suas percepções sobre as argumentações; finalizar, apresentando um compilado dos prós e dos contras apresentados pelos grupos. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição Questões para Discussão e Arcabouço Teórico Considerando os objetivos mencionados deste caso de ensino, são propostas as seguintes questões, as quais podem ser utilizadas também como alternativas de análise de situação, para discussão. 1) Os conflitos em canais de distribuição são normais? Para Kotler (2000, p. 535), o conflito é algo muito comum nos canais de distribuição. Segundo o autor, “todos os canais de marketing têm um potencial de conflito e concorrência, como resultado da incompatibilidade de metas, papéis, e direitos mal definidos, de diferença de percepção e de relacionamentos interdependentes”. Embora seja algo normal em um canal de distribuição, o conflito deve ser sempre gerenciado, de modo a não extrapolar o “nível saudável” da competição entre os membros do canal. Segundo Castro (2008), a empresa deve conter os conflitos e mantê-los em uma zona funcional. Isso pode se dar via a criação de normas de condutas e de relacionamento, para fortalecer e equilibrar a estrutura do canal e prevenir conflitos. 2) O conflito apresentado pelo caso de ensino se encontra em qual nível de intensidade? Segundo Coughlan et al. (2002), existem quatro níveis de conflitos: • Conflito Latente: que não é percebido pela empresa, no entanto ele existe por uma questão natural. • Conf lito Percebido: que é quando a empresa se dá conta que existem disputas, mas vê isso de forma normal, ou seja, faz parte do negócio. • Conflito Sentido: que é quando essa percepção passa a estimular em um nível afetivo as discordâncias, quando os participantes das empresas do canal experimentam sentimentos negativos, como tensão, raiva, frustração, hostilidade, etc. • Conflito Manifestado: que é quando as partes passam a agir de forma negativa entre si. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 105 custódio genésio da costa filho, & outros issn 2177-6083 Com base nos dados apresentados no caso de ensino, acredita-se que o conflito esteja no nível sentido, pois ainda não foram evidenciados atos negativos diretos entre as partes, tais como boicotes, sabotagens, ações jurídicas, etc. Provavelmente, se ações não forem tomadas, a situação caminhará para um nível crítico, o de conflito manifestado. 3) A Estrutura de Canais apresentada pelo caso conta com quantos níveis de canais? Conforme ressalta Rosenbloom (2002), os níveis de canais variam de dois, que seria a venda direta, até mais de cinco, conforme apresentado na Figura 2. Figura 2 Estrutura típica de canal de distribuição 2 Níveis 3 Níveis 4 Níveis 4 Níveis 5 Níveis Fabricante Fabricante Fabricante Fabricante Fabricante Agente Consumidor Atacadista Agente Atacadista Varejista Varejista Varejista Varejista Consumidor Consumidor Consumidor Consumidor Fonte: Rosenbloom (2002, p. 38). 106 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição Conforme descrito no presente caso de ensino, partindo-se do nível do fabricante, que é o primeiro nível, até o cliente final, que é o último nível, verifica-se, portanto, uma estrutura com quatro níveis na empresa Néctar (vide Figura 1). 4) Qual(is) a(s) causa(s) dos conflitos de canais apresentados pelo caso de ensino? Castro et al. (2007) apresentam as principais causas de conflitos no Quadro 1. Quadro 1 Principais causas de conflitos de canais Causas de Conflitos Definição / Explicação da Causa Incongruências de Papel O papel define o conjunto prescrito de comportamentos que um membro de canal deve ter. Representa uma série de atividades e funções que se espera que o membro de canal desempenhe. Assim, um membro de canal deve saber as expectativas sobre seu comportamento, quais são suas responsabilidades específicas e como seu desempenho será avaliado. Escassez de Recursos Envolve desacordos entre membros de canal sobre a alocação de recursos valiosos para o alcance de seus objetivos. Incompatibilidade de Cada membro do canal de marketing possui os próprios objetivos. Quando objetivos esses objetivos são incompatíveis, surgem os conflitos. Pode ser explicada com a teoria do agenciamento (agency theory). Diferenças Perceptuais A percepção refere-se ao modo como um indivíduo seleciona e interpreta estímulos do ambiente. O modo como esse estímulo é percebido, no entanto, é geralmente diferente da realidade objetiva. Esses equívocos são muito comuns dadas as diferenças de foco das empresas e o pouco entendimento dos negócios dos outros participantes do canal. Diferenças de Expectativa Em geral, os membros do canal criam expectativas sobre o comportamento dos outros membros. Na prática, essas expectativas são predições ou previsões a respeito do comportamento futuro de outro membro do canal. Entretanto, essas previsões podem ser inadequadas, mas o membro de canal que a projetou baseará suas ações nos resultados projetados, ocasionando, assim, novos conflitos. Dificuldade de Comunicação A comunicação é o veículo para todas as interações entre membros de canal, seja interação de cooperação ou de conflito. A falta de compartilhamento de informações, o fluxo lento e a falta de acurácia dificultam a manutenção do relacionamento e conduzem a conflitos. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 107 custódio genésio da costa filho, & outros Causas de Conflitos Desacordos de Domínio de Mercado issn 2177-6083 Definição / Explicação da Causa Esses conflitos ocorrem quando um membro do canal percebe que outro não está tomando o devido cuidado com suas responsabilidades no domínio adequado. Exemplos: desacordos sobre a decisão de fixar preços de venda entre produtores e varejistas; direito ou não de varejistas transferirem produtos do fabricante; ou se o produtor tem direito de especificar exigências de estoques para um distribuidor. Uma das piores fontes de conflito acontece quando os membros do canal são potencialmente concorrentes entre si pelo mesmo negócio, gerando competição intracanal, ou ainda quando a venda direta surge como alternativa ao fornecedor dispensando o distribuidor de uma transação na qual ele estava interessado e sente ser seu direito. Fonte: Castro et al. (2007, p. 28). Conforme essas formulações, o presente caso de ensino apresenta causas relacionadas à incongruência de papel, quando Altair Gomes reclama que o atacadista distribuidor não desempenha outras atividades além das vendas; às diferenças de expectativa, quando, em uma ação corretiva, espera-se que o vendedor do atacadista nacional não volte a praticar preços fora do estabelecido, porém isso não acontece, o que provoca “guerra de preços”; e, por fim, a desacordos de domínio de mercado, quando não se consegue fixar um preço de referência e há competição intracanal. 5) O caso de ensino transparece ter havido perda de confiança ocasionada pelos conflitos dos canais. O que é confiança, como ela é formada, quais os tipos, como é gerada e quais os resultados quando há confiança no relacionamento organizacional? Castro (2008) enfatiza a importância da confiança nas relações organizacionais e elabora o Quadro 2, apresentando os aspectos relacionados a essa confiança, a qual deveria ser buscada pela empresa citada neste caso de ensino. 108 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição Quadro 2 Confiança em canais de distribuição Pergunta Chave Síntese da Resposta da Literatura O que é confiança? Saber o que esperar do comportamento de outra parte e, além disso, acreditar na sua honestidade, ética, caráter, boa-fé e capacidade técnica e financeira de honrar as promessas estabelecidas. Do que ela é formada? Confiança é formada por vários itens. Uma visão bem aceita na literatura coloca que são dois os seus principais componentes: Benevolência: “acredito que a outra parte não fará nada que me prejudique ou prejudique o nosso relacionamento”. Capacidade/Credibilidade: “acredito que a outra parte tem condições e irá honrar com as promessas estabelecidas”. Confiar na pessoa ou na empresa? São aspectos diferentes. Existe a confiança de uma pessoa em uma empresa, chamada de confiança organizacional; confiança de uma pessoa (ex. comprador) em outra (ex. vendedor), chamada confiança interpessoal; confiança entre duas empresas (confiança interorganizacional); e, finalmente, confiança dentro de uma empresa (confiança intraorganizacional). Podem-se discutir os componentes de credibilidade e benevolência para cada um dos níveis, bem como o potencial de transferência entre eles. O que gera ou ajuda a gerar a confiança da outra parte? Forte comunicação. Desenvolvimento de ações cooperativas. Realizar investimentos específicos no parceiro, mostrando comprometimento. Continuidade da relação (cumprir promessas). Reputação (sempre agiu de determinada maneira). Estabelecer uma pessoa “de confiança” no contato organizacional com a questão de seus papéis claros e com a alta capacidade de desempenhálos. Existência de interdependência na relação. Qual o resultado de se ter confiança em um relacionamento organizacional? Relacionamentos e visão de longo prazo. Maior comprometimento (disponibilidade de incorrer em perdas hoje porque amanhã terá mais benefícios). Maior troca de informações que permite a melhora geral no relacionamento. Diminuição de conflitos. Diminuição dos custos de transação. Mais possibilidade de ações conjuntas. Maior satisfação do canal. Fonte: Castro (2008, p. 34). Neste caso de ensino em específico, verifica-se a quebra de confiança interorganizacional no componente de benevolência entre os distribuidores regionais e a empresa, quando ela insere e permite a atuação do atacadista nacional na estrutura de precificação efetuada com o mercado varejista. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 109 custódio genésio da costa filho, & outros issn 2177-6083 Fontes dos Dados Como ferramentas de coleta de dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e análise documental. Foram realizadas entrevistas com quatro executivos da empresa e com seis proprietários ou gerentes de estabelecimentos comerciais parceiros. Todavia, como protagonistas do caso de ensino, tomaram-se somente três executivos da empresa, sendo dois sócios-diretores (aqui denominados de Rubens Alencar e de Haroldo Neves) e o gerente nacional de vendas (Altair Gomes). Foram ainda analisados diversos documentos de fontes secundárias, tais como relatórios de participação de mercado de fontes externas à empresa, dentre elas a abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), a abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas), a amis (Associação Mineira de Supermercados) e a acnielsen; demonstrativos contábeis e de vendas da empresa, e documentos apresentando estratégias, objetivos e metas da empresa. 110 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição Referências CASTRO, L. T. Incentivos em canais de distribuição: um estudo comparativo entre o Brasil e os EUA no setor de defensivos agrícolas. 2008. Tese (Doutorado em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2008. CASTRO, L. T.; NEVES, M. F.; CONSOLI, M. A.; CAMPOS, E. M. Relacionamento e conflitos em canais de distribuição: um estudo em insumos agrícolas. Revista de Administração da USP, v. 42, n. 2, p. 167-177, 2007. COUGHLAN, A. T.; ANDERSON, E.; STERN, L. W.; EL-ANSARY, A. I. Canais de marketing e distribuição. 6.ed. São Paulo: Bookman, 2002. KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. São Paulo: Prentice Hall, 2000. ROSENBLOOM, B. Canais de marketing: uma visão gerencial. São Paulo: Atlas, 2002. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 111 custódio genésio da costa filho, & outros issn 2177-6083 Dados dos Autores Custódio Genésio da Costa Filho* [email protected] Mestrado em Administração/Gestão Estratégica pela FEAD/MG Instituição de vinculação: Universidade Federal de Lavras Lavras/MG – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Estratégias de marketing e canais de distribuição. * Rodovia LMG 818, km 06 UFV - Campus Florestal Florestal/MG 35690-000 José Marcos Carvalho de Mesquita [email protected] Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais Instituição de vinculação: Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura Belo Horizonte/MG – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Marketing de serviços e relacionamento, métodos quantitativos. Renato Borges Fernandes [email protected] Mestrado em Administração/Gestão Estratégica pela FEAD/MG Instituição de vinculação: Centro Universitário de Patos de Minas Patos de Minas/MG – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia, Marketing e Sistemas de Informação. Ronaldo Pereira Caixeta [email protected] Mestrado em Administração/Gestão Estratégica pela FEAD/MG Instituição de vinculação: Centro Universitário de Patos de Minas Patos de Minas/MG – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Comportamento do Consumidor, Marketing e Varejo. Cleber Carvalho de Castro [email protected] Doutor em Agronegócio pela UFRGS Instituição de vinculação: Universidade Federal de Lavras Lavras/MG – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Redes de organizações, Gestão da tecnologia e inovação, Ensino e Pesquisa em Administração. 112 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 93–112 jan fev mar 2014 Helena trilhando caminhos na Gestão de Recursos Humanos Helena’s trajectories in Human Resource Management Recebido em: 17/07/2013 • Aprovado em: 06/09/2013 Avaliado pelo sistema double blind review Editora Científica: Manolita Correia Lima Denise Genari [email protected] Ivadete Marin Ravanello faculdade cenecista de bento gonçalves Janaina Macke universidade de caxias do sul Resumo Helena Del Bianco é uma profissional de destaque em sua área de atuação: gestão de recursos humanos. Após diversas oportunidades de crescimento em sua carreira, Helena foi contratada para atuar como gestora na referida área, em uma indústria metalúrgica de médio porte. Naquele momento, a empresa tinha diversas necessidades de mudanças e melhorias na área de recursos humanos, porém, após realizar um diagnóstico situacional, Helena encontrou resistência por parte dos dirigentes da empresa em implantar as mudanças. A nova gestora tinha dúvidas sobre a sua permanência na organização, pois, ao mesmo tempo em que se sentia desafiada pela situação, questionava se seus esforços gerariam frutos e alavancariam sua carreira. O objetivo deste caso de ensino é estimular a reflexão sobre temas, como: perfil dos profissionais da área de gestão de recursos humanos, captação e integração, avaliação de desempenho, treinamento e desenvolvimento, clima organizacional, liderança e monitoração de pessoas. O caso oportuniza que o discente se coloque no papel da gestora Helena Del Bianco e que possa tomar decisões acerca da problemática apresentada. A utilização deste caso é indicada em disciplinas relacionadas à gestão de recursos humanos, especialmente em cursos de graduação. Palavras-chave: gestão de recursos humanos; subsistemas de gestão de recursos humanos; captação e integração; treinamento e desenvolvimento; avaliação de desempenho; clima organizacional. Abstract Helena Del Bianco is an outstanding professional in her area of expertise: human resource management. After a sequence of opportunities for growth in her career, Helena was taken on as the HR manager at a midsize metallurgical company. At the time, the company’s HR department was in need of several changes and improvements. However, after conducting a diagnosis of the existing situation, Helena was met with resistance from the company’s directors when implementing the changes. This led to the new manager entertaining doubts regarding how long she would last in the organization as, while she considered the situation challenging, she wondered if her efforts would produce good results and, consequently, provide leverage for her career. This teaching case aims to stimulate thought relating to: human resource management personnel profiles, human resource sourcing and integration, performance review processes, training and development, corporate culture, leadership and human resource indicators, among others. The case places students in the role of, Helena Del Bianco and allows them to make decisions regarding the respective issues faced. This case is indicated for use in courses related to human resource management and for undergraduate courses in particular. Keywords: human resource management; human resources subsystems; sourcing and integration; training and development; performance review; corporate culture. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 113 denise genari & outros issn 2177-6083 Introdução Helena Del Bianco iniciou sua carreira na área de gestão de recursos humanos quando rescindiu o contrato profissional de carteira assinada, para atuar como estagiária em uma empresa moveleira de destaque. Nessa organização, teve a oportunidade de avançar na carreira, conhecendo diversos processos na área de gestão de recursos humanos. Ao perceber que seu crescimento estava limitado, optou por deixar a empresa moveleira para assumir um cargo gerencial na Metalúrgica Metal Forte Ltda, na qual se deparou com novos desafios. A Metalúrgica Metal Forte Ltda, que contava com aproximadamente 250 colaboradores, estava com diversos problemas vinculados à gestão de recursos humanos, tais como: políticas não claras no processo seletivo, índices consideráveis de rotatividade e absenteísmo, lideranças resistentes a mudanças, falta de feedback, clima organizacional insatisfatório, limitações na capacitação do quadro funcional, entre outros. Em uma reunião com o quadro diretivo da empresa, Helena compartilhou os problemas citados acima. Frisou a importância da aplicabilidade de ferramentas da gestão de recursos humanos, destacando: recrutamento interno, programa de integração, avaliação de desempenho, programas de capacitação e planos de carreira para os colaboradores. Justificou que a aplicabilidade destes novos projetos contribuiria para a melhoria dos resultados da organização. No entanto, a gestora da área de recursos humanos percebeu que haveria resistência, por parte dos dirigentes, pois os mesmos já se percebiam bastante envolvidos nas tarefas do dia a dia, quando justificavam que não disporiam de tempo para assumir novas atribuições ligadas à gestão de suas equipes. A partir deste momento, Helena começou a fazer alguns questionamentos: De que outra forma poderia sensibilizar os dirigentes, sobre a importância da aplicabilidade de ferramentas para a gestão de recursos humanos? Qual mudança deveria enfocar, inicialmente? Havia uma decisão inicial a ser tomada: diante desse cenário, deveria aceitar o desafio e permanecer na empresa, ou deveria buscar outra organização que lhe desse espaço para 114 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos aplicar seus conhecimentos e utilizar suas vivências na área de gestão de recursos humanos? O caso de ensino está estruturado em etapas. Após a introdução, apresentase uma sessão, com a descrição dos primeiros contatos da protagonista com a área de gestão de recursos humanos. Posteriormente, descrevem-se os subsistemas que a personagem Helena foi transitando, sendo: captação e integração de pessoas; avaliação, treinamento e desenvolvimento de pessoas; clima organizacional e liderança; indicadores de gestão de recursos humanos e a tomada de decisão. Finalmente, são apresentadas as notas de ensino, utilização recomendada, objetivos de aprendizagem, sugestão de questões para discussão do caso em sala de aula e alternativas para análise do caso. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 115 denise genari & outros issn 2177-6083 Primeiros contatos com a área de gestão de Recursos Humanos Helena Del Bianco nasceu em uma pequena comunidade, no interior da Serra gaúcha (RS/Brasil), em 1978. Filha de operários, estudou em escolas públicas. Após a conclusão do ensino médio, mudou-se para a cidade de Caxias do Sul, em busca de novas oportunidades e realizou vestibular para o curso de Administração de Empresas de uma faculdade comunitária. Após a aprovação no vestibular, Helena percebeu que teria dificuldades em custear seus estudos e buscou uma bolsa, sendo beneficiada com 50% de desconto em suas mensalidades. Nesta época, Helena, com 24 anos, trabalhava como auxiliar administrativa em uma empresa comercial do ramo de eletrodomésticos e estava bastante envolvida com o trabalho e com os estudos. Como acadêmica do curso de administração, mostrava responsabilidade, interesse e comprometimento no que lhe era proposto. Helena estava bastante motivada com as temáticas que se apresentavam durante o curso de administração, porém, ao realizar algumas disciplinas específicas sobre gestão de recursos humanos, percebeu que se identificava com os processos, ferramentas e desafios da área. Durante as aulas, participou de uma discussão sobre os objetivos da área de gestão de recursos humanos, apresentados na Figura 1. Helena começou a perceber o quanto o processo de gerenciar pessoas é importante para que uma organização possa obter resultados diferenciados e manter vantagens competitivas. 116 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos Figura 1 Objetivos da área de gestão de recursos humanos Auxiliar a organização a atingir suas metas Empregar com eficácia as qualificações e habilidades da força de trabalho Promover a organização com funcionários bem treinados e motivados Desenvolver e manter a qualidade de vida no trabalho Promover a satisfação e auto-realização dos funcionários Ajudar na manutenção de políticas éticas e comportamentos socialmente responsáveis Gerir a mudança de forma que propicie vantagens mútuas entre indivíduos, grupos, empresas e público Fonte: Adaptada de Ivancevich (2008). Além disso, a estudante ficou interessada pelo assunto, quando compreendeu que a gestão de recursos humanos está diretamente relacionada às estratégias organizacionais e que a mesma acontece em um grande sistema, que se divide em subsistemas. Neste momento, Helena teve o primeiro contato com estes conceitos e conheceu as principais atividades da área de gestão de recursos humanos (Figura 2). A DMINISTR AçãO: ENSINO E PESQUISA R IO DE JA NEIRO V. 15 No 1 P. 113–146 JA N FEV M AR 2014 117 denise genari & outros issn 2177-6083 Figura 2 Integração das estratégias organizacionais e os processos de gestão de recursos humanos Estratégias organizacionais Qualidade de produtos e processos Motivação e capacitação dos colaboradores es Novos produtos Indicadores de performance Estratégias de Recursos Humanos H Sistemas de RH Recrutamento & Seleção Atração Gestão da Performance Estratégia de talentos Treinamento & Desenvolvimento Remuneração Desenvolvimento Retenção Gestão de Carreira Fonte: Ruzzarin, Amaral e Simionovschi (2006, p. 75). Ao analisar os processos da área de gestão de recursos humanos, Helena percebia que a direção da empresa onde trabalhava não possuía uma visão sistêmica dos mesmos. Desta forma, as pessoas eram contratadas sem critérios claros. Também não havia uma preocupação com relação ao treinamento das mesmas, nem havia clareza nas responsabilidades de cada um. Além disso, não existiam políticas claras sobre o sistema de recompensas e, como consequência, percebia-se que o clima não era satisfatório, bem como os resultados da organização não eram eficazes. Durante o curso de administração Helena manteve-se como participante ativa em sala de aula e destacou-se pelas suas contribuições e seus questionamentos. Esta imagem fez com que uma colega a convidasse a participar de um processo seletivo para estagiária na área de gestão de recursos humanos de uma empresa renomada do setor moveleiro, com 500 funcionários. Helena não hesitou 118 A DMINISTR AçãO: ENSINO E PESQUISA R IO DE JA NEIRO V. 15 No 1 P. 113–146 JA N FEV M AR 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos e se candidatou à vaga, mesmo sabendo que precisaria romper o vínculo empregatício que, naquele momento, rendia-lhe um salário melhor que o de estagiária, além de saber que não teria os mesmos direitos trabalhistas no novo vínculo. Três dias após sua participação no processo seletivo, recebeu os resultados de aprovação para a vaga de estagiária na empresa moveleira. Helena, na época com 27 anos, passou a atuar na área de gestão de recursos humanos, mais especificamente na atividade de pagadoria. Neste setor, teve acesso a documentos diversos relacionados à folha de pagamento e às políticas e práticas de relações trabalhistas. Passados onze meses, teve a oportunidade de fazer parte da equipe de recrutamento e seleção da empresa. Ligada a este setor, também teve acesso aos programas de socialização, avaliação de desempenho, desenvolvimento e planos de carreira. Depois de dois anos como estagiária Helena teve a oportunidade de concorrer a uma vaga de analista de treinamento. O processo de seleção interna contou com a participação de quatro candidatos, sendo Helena a selecionada. Como analista de Treinamento e Desenvolvimento (t&d), atuou diretamente no levantamento de necessidades de treinamento, na gestão da matriz de capacitação, organização da logística de t&d, fazendo contratos e acompanhando os resultados dos investimentos feitos na área. Desta forma, mensurava a eficácia e eficiência dos treinamentos realizados. Por estar ligada à área de desenvolvimento, acompanhava de perto o plano de carreira e as oportunidades de promoção, entre outras formas de crescimento dos funcionários da empresa. Após ter atuado por quatro anos como analista de t&d, recebeu um convite, por meio de uma agência de emprego, para participar de um processo seletivo ao cargo gerencial na área de recursos humanos, em uma empresa do ramo metalúrgico, de menor porte. Considerando que na empresa onde atuava a vaga de gestão já estava ocupada e que, aparentemente, em curto espaço de tempo, não teria a oportunidade de ser promovida para o um cargo gerencial, decidiu aceitar o convite. Após a realização de várias etapas de seleção foi aprovada para o cargo. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 119 denise genari & outros issn 2177-6083 Avançando na carreira Helena iniciou, então, com um novo papel, agora como gerente da área de recursos humanos de uma empresa metalúrgica de médio porte1: a Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda. A referida empresa fabrica esquadrias e estruturas metálicas e atua em todo o mercado brasileiro. A mesma conta com, aproximadamente, 250 empregados e seu faturamento mensal gira em torno de três milhões de reais. A Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda é uma empresa familiar, sendo dirigida por um dos quatro filhos do fundador, o qual possui formação superior em administração. O fundador possui baixa escolaridade e atua na área operacional da empresa como operador de máquinas. A estrutura organizacional da empresa é formada por um diretor geral, que também assume o cargo de gerente comercial, por um gerente industrial, quatro supervisores operacionais, os quais atuam em diversos setores da área fabril. Vale considerar que estes supervisores são operadores especializados e que ajudam na distribuição de tarefas, quando necessário, porém, possuem autonomia limitada, ou seja, não tomam decisões sem o consentimento do gerente industrial que, por sua vez, também tem autonomia limitada, por depender de deliberações do diretor geral. Nas áreas administrativas não existem gestores: a equipe é formada por assistentes administrativos, comandados diretamente pelo diretor geral. A área administrativa e comercial é composta por uma recepcionista/ telefonista, duas assistentes comerciais, um assistente de suprimentos, uma assistente de faturamento e um assistente de PCP. A atividade comercial externa é realizada por representantes que estão distribuídos em vários estados brasileiros. O organograma funcional simplificado da empresa está apresentado na Figura 3. 1 Segundo critério estabelecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento, as empresas de médio porte possuem uma receita operacional bruta anual maior que R$ 16 milhões e menor ou igual a R$ 90 milhões (bndes, 2013). 120 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos Figura 3 Organograma funcional da empresa Direção geral Gerente comercial Gerente industrial Supervisores industriais Assistentes comerciais Operadores e auxiliares de produção Assistentes administrativos Mesmo com uma significativa experiência na área de gestão de recursos humanos, Helena se sentia desafiada no novo papel nessa organização, pois percebeu que existiam demandas relacionadas ao fato da empresa não apresentar resultados eficazes. Helena verificou que a empresa estava com uma movimentação significativa de contratações e demissões de pessoas, muitas faltas ao trabalho, principalmente em decorrência de atestados médicos, além de problemas na área operacional que foram relatados pelo gerente industrial. O gestor admitiu a ocorrência de retrabalhos e desperdício de materiais, além de estar insatisfeito por não conseguir atender a área comercial com a entrega da produção vendida, dentro dos prazos estipulados. A DMINISTR AçãO: ENSINO E PESQUISA R IO DE JA NEIRO V. 15 No 1 P. 113–146 JA N FEV M AR 2014 121 denise genari & outros issn 2177-6083 A nova gerente da área de recursos humanos também percebeu que os empregados não respeitavam normas internas, tais como registrar o cartão ponto nos horários devidos, estar no local de trabalho ao iniciar o expediente, fazer lanches na área de produção em meio às máquinas, sair do setor para conversar com os colegas em horário de expediente, entre outras ocorrências. Ao questionar a chefia sobre os referidos comportamentos teve como resposta: “sempre foi assim”. Além disso, as chefias traduzem o comportamento dos funcionários com expressões, tais como: “eles são mesmo cabeças duras” e “fazem sempre o que querem”. Helena também indagou como as chefias organizavam as atividades diárias e as respostas que recebeu não apresentaram, com clareza, a forma de condução ou de delegação de responsabilidades. Com poucos dias de trabalho, a nova gerente começou a se questionar sobre espaços e oportunidades para executar um trabalho que viesse efetivamente a contribuir com os resultados desejados pela organização. Entretanto, por onde começar? Qual seria o melhor caminho? Helena tinha uma certeza, precisaria estar atenta à cultura organizacional e ver a possibilidade de mudanças, estando alerta às resistências. No papel de gerente da área de recursos de humanos, Helena entendia que necessitava realizar um diagnóstico para, posteriormente, propor políticas. Começou, então, a levantar dados e fazer observações, principalmente sobre os seguintes processos de gestão de recursos humanos: captação e integração de pessoas, avaliação de desempenho, treinamento e desenvolvimento, gestão do clima interno, liderança e monitoramento de indicadores. Captação e integração de pessoas Ainda na primeira semana de trabalho, Helena recebeu uma ligação do gerente industrial, dizendo que necessitava, com urgência, da contratação de três operadores de máquinas cnc (Computer Numeric Control ou Controle Numérico Computadorizado). Helena questionou o gestor sobre o perfil do cargo e a resposta obtida foi: “Basta que tenham vontade de trabalhar”. A nova gerente também questionou se não existiam, internamente, 122 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos funcionários que pudessem ser promovidos ao cargo de operadores, a fim de possibilitar o crescimento do pessoal interno. O gerente industrial respondeu que “não adianta vestir um santo, para desvestir outro”, deixando claro que não incentivava a promoção interna. Em virtude de seus estudos durante a graduação, Helena relembrou os conceitos relacionados à captação de pessoas. Conforme Dutra (2002), o processo de captação de pessoas objetiva encontrar e estabelecer uma relação de trabalho com pessoas capazes de atender necessidades, presentes ou futuras, da organização. Com base nessa afirmativa, Helena entendeu que a empresa onde estava atuando não possuía uma política clara, relacionada ao perfil necessário para os ocupantes dos cargos, nem para atender necessidades do presente, muito menos futuras. Ao investigar os processos atuais de recrutamento e seleção, Helena identificou que não existiam fontes preferenciais de recrutamento, ou seja, não havia clareza de onde seria possível recrutar candidatos para as vagas existentes. Além disso, não havia definição das etapas do processo de seleção de candidatos. A nova gestora tinha consciência que um processo seletivo mal sucedido pode trazer grandes prejuízos para a empresa, como a geração de custos vinculados às seguintes atividades: despesas com recrutamento e seleção, custos com registros e documentação, custos com treinamento e desligamento do novo colaborador. Além disso, um processo seletivo mal sucedido pode impactar na produtividade da empresa, no aumento do número de horas extras e na qualidade de seus produtos. Dando continuidade ao seu diagnóstico inicial, a gestora verificou como ocorria o processo de integração dos novos colaboradores. Após o registro no sistema de folha de pagamento e assinatura do contrato e documentos diversos, o novo candidato recebia um manual de integração. Este manual possuía informações diversas sobre a empresa: histórico, breve descrição dos produtos fabricados, benefícios oferecidos pela empresa e normas internas. Na sequência, o novo funcionário era encaminhado para seu setor, acompanhado pela chefia imediata, onde ocorria a apresentação aos colegas. Por fim, o mesmo recebia instruções no próprio posto de trabalho e dava início às suas atividades. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 123 denise genari & outros issn 2177-6083 Neste sentido, Helena percebeu a oportunidade de aprimorar esse processo, objetivando, de fato, promover a ambientação e integração dos novos funcionários. Diante desse contexto, Helena ref letia sobre as necessidades de readequação do processo de captação e integração de pessoas. Avaliação de desempenho, treinamento e desenvolvimento de pessoas Durante o segundo mês de atuação na nova empresa, Helena recebeu a informação de que dois colaboradores deveriam ser demitidos: Pedro e Marcelo. Ao questionar sobre o motivo do desligamento de Pedro, a chefia disse que foi porque o mesmo não tinha espírito colaborativo e não contribuía com os colegas quando concluía suas atividades. Helena verificou que Pedro estava na empresa há quatro meses. A nova gerente perguntou como fora o desempenho dele no período de experiência e o supervisor afirmou que Pedro sempre trabalhou da mesma forma. Questionando, ainda, sobre o acompanhamento de Pedro durante este período inicial na empresa, o supervisor disse que não teve tempo para acompanhar os novos colaboradores, pois a demanda de trabalho era grande. Helena também conversou com o supervisor, a fim de saber os motivos do desligamento de Marcelo, que trabalhava na empresa há sete anos. Marcelo era um operador de máquina com muita experiência e sempre havia apresentado um bom desempenho. O supervisor disse que, nos últimos tempos, Marcelo estava deixando a desejar e justificou que o mesmo já não produzia como antigamente. Afirmou também, que o funcionário aparentava estar desmotivado e que, ultimamente, estava chegando atrasado. Após dois meses de comportamento considerado inadequado pelo supervisor, Marcelo foi encaminhado para o desligamento, junto à área de recursos humanos. Neste momento, Helena relembrou de conceitos aprendidos na graduação, relacionados à avaliação de desempenho. A gestora refletiu sobre como esta ferramenta poderia contribuir para que os gestores pudessem acompanhar mais de perto o desempenho de suas equipes, evitando que colaboradores 124 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos tivessem um mau desempenho por falta de feedback e orientação para melhorar a performance. As duas demissões chamaram a atenção de Helena. Ela identificou a seguinte situação: diversos novos funcionários entrando na empresa e ao mesmo tempo, muitos saindo. Diante disto, Helena resolveu realizar uma entrevista de desligamento com os funcionários demitidos. Dentre as diversas afirmações dos demitidos, chamou a atenção da gestora o fato de Pedro e Marcelo terem comentado sobre a falta de treinamentos e oportunidades de desenvolvimento na organização. Enquanto Pedro afirmou não ter recebido treinamentos suficientes para executar suas atividades, Marcelo disse que achava importante que a empresa oportunizasse capacitações com o objetivo de desenvolver seus colaboradores. Assim, Helena percebeu que era necessário aprimorar o sistema de treinamento e desenvolvimento da empresa. Como já identificara, no processo seletivo, que a empresa não possuía a descrição de cargos, evidenciou que também não existia um estudo das necessidades de treinamentos para as diferentes funções. Helena preparava-se para dar conta desta nova necessidade, refletindo sobre quais ferramentas poderia utilizar para diagnosticar necessidades de treinamentos e desenvolvimento e, posteriormente, planejar, executar e avaliar os mesmos. Clima organizacional e liderança Visando ampliar o conhecimento da realidade organizacional, Helena elaborou um instrumento de diagnóstico. Considerando que as características organizacionais, bem como as condições de trabalho, além da motivação e capacitação dos funcionários interferem no desempenho organizacional, Helena entendeu que uma pesquisa de clima interno poderia contribuir para elaborar um diagnóstico mais preciso, a fim de propor alternativas. Após receber a aprovação da direção, iniciou a elaboração do instrumento de pesquisa de clima organizacional, no qual passou a identificar variáveis como: imagem da empresa, comunicação, liderança, condições de trabalho, administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 125 denise genari & outros issn 2177-6083 possibilidade de desenvolvimento e carreira, sistema de remuneração e recompensas diversas. A gestora também estudou a melhor forma para a aplicação da pesquisa, considerando que a mesma objetivava oportunizar a participação das pessoas e, ao mesmo tempo, identificar níveis de satisfação e ou insatisfação, a fim de apresentar sugestões que pudessem elevar esses índices. Para tal, reuniu os funcionários em pequenos grupos e realizou a coleta dos dados. Helena seguiu os passos metodológicos para aplicação da pesquisa de clima e, finalmente, realizou a tabulação dos dados e emissão dos relatórios. Como resultado, identificou significativos níveis de insatisfação relacionados às seguintes variáveis: liderança, treinamento e desenvolvimento, carreira e recompensas. Helena percebeu que algumas das deficiências identificadas nas entrevistas de desligamento foram confirmadas nos resultados da pesquisa de clima. O instrumento de pesquisa de clima elaborado por Helena tomou por base as premissas propostas por Luz (2010). O instrumento continha questões objetivas, além de um espaço destinado para comentários referentes aos itens de insatisfação. Ao analisar qualitativamente as respostas, Helena identificou certo padrão nos fatores que eram apontados pelos colaboradores. Nesse sentido, decidiu elaborar um resumo com os resultados que se apresentaram como insatisfatórios na pesquisa organizacional (Tabela 1). Tabela 1 Resumo dos resultados insatisfatórios da pesquisa organizacional Variáveis Percentual de satisfação Liderança 52% - Supervisores não repassam informações para os funcionários; - Falta de retorno sobre o desempenho dos colaboradores; - Problemas de relações interpessoais entre gestão e equipe. Treinamento e desenvolvimento 57% - Funcionários não recebem treinamento inicial adequado; - Empresa não disponibiliza oportunidades de qualificação; - Dificuldade de desempenhar a função por falta de conhecimentos técnicos sobre as atividades. Carreira 47% - Não existem oportunidades claras de crescimento na empresa; - Empresa não possui um programa que possibilite o desenvolvimento profissional dos colaboradores. 126 Análise qualitativa administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos Variáveis Percentual de satisfação Recompensas 62% Análise qualitativa - Em algumas situações, a remuneração praticada pela empresa é inferior às médias de mercado; - Necessidade de incrementar plano de benefícios; - Vincular a frequência e disciplina no trabalho a algum benefício (cesta básica, por exemplo); - Implantar plano de participação de resultados. Além dos resultados da pesquisa, Helena sentiu a necessidade de conhecer mais de perto as práticas das lideranças da empresa. Nesse sentido, iniciou observando as formas de intervenção, tomada de decisões e delegações da liderança. Percebeu que o diretor geral se envolvia diretamente nas tarefas operacionais, mesmo havendo um gerente industrial e supervisores. Em várias situações o diretor chamava os empregados das áreas e abordava, diretamente com os mesmos assuntos diversos, sem muitas vezes falar com o gestor ou supervisores a respeito. O diretor, em geral, estava muito ocupado e pouca atenção dispensava aos gestores. Quando esses o procuravam para tratar de alguma situação, o mesmo não os questionava e pouco ouvia suas opiniões, sendo ele mesmo quem decidia o que deveria ser feito. Desta forma, o diretor se sentia sobrecarregado e aparentava estar num nível de estresse alto. Com relação ao gerente industrial e supervisores, Helena percebeu que os mesmos tinham uma boa comunicação com clientes e fornecedores, mas não eram assertivos com seus subordinados. Quando algo acontecia, sempre buscavam encontrar algum culpado, dizendo: “fulano que não fez”, “o outro não está capacitado”, entre outras falas, que refletiam a falta de foco da gestão. Quando alguma situação de desempenho ficava crítica, os supervisores decidiam pelo desligamento do empregado. Nesse contexto, Helena não percebia práticas de retorno ou de feedback dos supervisores para com seus empregados. Os mesmos não faziam reconhecimento positivo e muito menos apontavam, com assertividade, sobre aspectos que deveriam ser melhorados. Quando essa situação acontecia, os retornos eram em forma de crítica negativa, o que deixava a equipe de empregados desmotivada e insatisfeita. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 127 denise genari & outros issn 2177-6083 A gestora tinha a visão de que precisava trabalhar o perfil de liderança da organização para, na sequência, implantar outros projetos e melhorias. Indicadores de gestão de recursos humanos Além dos resultados da pesquisa de clima organizacional, Helena percebeu a importância de se munir com outros dados, a fim de mostrar a necessidade de realizar ações efetivas de melhoria. Para tal, resolveu iniciar uma coleta de dados para, posteriormente, transformá-los em indicadores. Como ponto de partida, Helena realizou o cálculo da média da rotatividade e absenteísmo da empresa, dos últimos dozes meses, porém, como parâmetro, realizou uma pesquisa de mercado, para identificar as médias dos indicadores em outras organizações do mesmo segmento e porte, durante o ano de 2012. Os resultados da coleta de dados podem ser vistos na Tabela 2. Tabela 2 Indicadores de absenteísmo e rotatividade Empresas Absenteísmo (%) Rotatividade (%) Empresa A 2,42 3,70 Empresa B 2,13 1,93 Empresa C 2,05 4,07 Empresa D 4,24 4,54 Empresa E 2,04 3,86 Empresa F 3,65 4,50 Empresa G 2,59 2,89 Empresa H 3,51 3,08 Empresa I 3,68 5,56 Média geral mercado 2,92 3,79 Média Indústria Metal Forte 4,07 6,68 Ao analisar os resultados, Helena identificou que a empresa estava com índices de rotatividade e absenteísmo acima da média das empresas pesquisadas no mercado. A gestora de RH entendeu que a rotatividade estava influenciando nos custos com processos seletivos e treinamento interno na empresa. Além disso, o indicador de absenteísmo poderia estar 128 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos influenciando a realização constante de horas extras e o atraso na entrega de alguns produtos, dentro do prazo estipulado. Por fim, Helena elencou indicadores do perfil dos integrantes da empresa, objetivando ter dados para propor ações futuras na área de gestão de recursos humanos: a 70,8% do quadro funcional era composto por homens e 29,2% por mulheres; b Em relação à idade, 57,4% possuía até 35 anos; c A escolaridade dos funcionários concentrou-se principalmente nos seguintes níveis: ensino fundamental incompleto (28,8%), ensino médio completo (20,9%) e graduação incompleta (13,6%); d 72,4% residem em local próprio; e 74,2% dos entrevistados moram com cônjuges e/ou crianças e apenas 7,4% moram sozinhos; f 54,7% possuem filhos menores de 18 anos; g 50,9% dos colaboradores possuem vínculo de trabalho com a empresa há menos de um ano. Porém, 18,2% atuavam na organização há mais de seis anos. Após estes levantamentos, Helena se sentia preparada para dar seguimento aos projetos de melhoria da organização. A tomada de decisão Helena, embora estivesse muito motivada com os desafios que se apresentavam em seu novo trabalho, sentia que a implantação das mudanças não seria um processo fácil. A nova gestora compilou todos os dados observados durante seu diagnóstico: i) o funcionamento do processo de captação e integração de funcionários; ii) a inexistência da avaliação de desempenho e sistemática de treinamento; iii) os resultados da pesquisa de clima; iv) os registros das observações diárias da área de gestão; e v) os principais indicadores de recursos humanos. Com os resultados em mãos, Helena agendou uma reunião com o diretor geral, gerente industrial e supervisores, na qual apresentou os dados e as oportunidades de melhoria que visualizava. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 129 denise genari & outros issn 2177-6083 Durante sua explanação, a gestora sentiu desconforto por parte dos dirigentes, sendo que, ao final da reunião, não percebeu sinais de adesão pela gestão para as propostas apresentadas. Ao solicitar feedback em relação aos dados apresentados, as narrativas não foram encorajadoras: — “Quanto isso irá custar? Não sei se teremos recursos para tantos programas”, disse o diretor geral. — “Não tenho tempo nem para as atividades do dia a dia, que dirá para me envolver tanto em atividades do RH”, afirmou o gerente industrial. — “Para nosso perfil de funcionários, não sei se precisaria de tudo isso...”, comentou um supervisor industrial. Diante disso, Helena percebeu que os dados e fatos apresentados não foram suficientes para sensibilizar os dirigentes da empresa e mobilizá-los para mudanças. A maior dúvida de Helena era estar apostando sua carreira em uma organização que, talvez, não lhe desse espaço necessário para desenvolver um trabalho efetivo na área de recursos humanos. Dúvidas acompanhavam o pensamento da gestora. De que outra forma poderia sensibilizar os dirigentes, sobre a importância de gerenciar as pessoas de forma mais efetiva? Qual mudança deveria enfocar inicialmente? Como poderia desenvolver projetos que melhorassem o processo de contratação, desenvolvimento e manutenção de pessoas na empresa? Porém, havia um questionamento principal: diante desse cenário, deveria aceitar o desafio e permanecer na empresa, ou deveria buscar outra organização que lhe desse espaço para aplicar seus conhecimentos e utilizar suas vivências na área de RH? Helena sabia que se permanecesse na situação atual, enfrentaria dificuldades, uma vez que teria de lidar, constantemente, com a resistência dos gestores. Por outro lado, sentia-se desafiada a implantar as melhorias que julgava imprescindíveis para a Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda. 130 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos Notas de Ensino Utilização recomendada O caso foi elaborado para utilização em disciplinas relacionadas à gestão de recursos humanos, preferencialmente em cursos de graduação. Objetivos de Aprendizagem De acordo com o caso de ensino, baseado nas características da organização apresentada e na evolução profissional da protagonista Helena, pode-se destacar diversos temas de aprendizagem: a Discutir sobre a trajetória dos profissionais da área de gestão de recursos humanos, bem como o perfil necessário para desempenhar esta função; b Refletir sobre o processo de captação e integração de pessoas em organizações; c Compreender a ferramenta de avaliação de desempenho e sua importância no contexto organizacional; d Apresentar o processo de treinamento e desenvolvimento e suas respectivas etapas, como um fator crítico para a melhoria do desempenho dos funcionários; e Destacar o clima organizacional como uma forma de manutenção de pessoas na empresa e suas respectivas formas de verificação e avaliação; f Refletir sobre o papel das lideranças na mudança organizacional, bem como o perfil necessário para o exercício desta função; g Apresentar os principais indicadores da área de gestão de recursos humanos. Embora não se apresente como objetivo primário de aprendizagem, dependendo do enfoque de discussão proposto em sala de aula, poderão surgir outros temas como, diagnóstico organizacional (com enfoque em gestão de recursos humanos), trabalho em equipe, capacitação de lideranças e comunicação interna. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 131 denise genari & outros issn 2177-6083 Sugestão de questões para discussão do caso em sala de aula Com relação ao caso de ensino, sugerem-se as seguintes questões para discussão: a De acordo com a história apresentada no caso e o contexto mercadológico atual, quais são as competências técnicas e comportamentais necessárias para um profissional da área de recursos humanos? b Tendo como ponto de partida o diagnóstico realizado por Helena, como é possível estruturar um processo adequado de captação de pessoas, por meio das atividades de recrutamento e seleção? c Descreva a sua opinião fundamentada sobre o processo de seleção interna. Liste as principais vantagens e desvantagens do mesmo. d Elabore um programa de integração de novos colaboradores que contemple os objetivos do processo de ambientação e da própria integração. e Qual é a importância da avaliação de desempenho para a manutenção do comportamento humano nas organizações? Qual é o papel dos gestores neste processo? f Por meio de quais etapas pode-se desenvolver um processo de treinamento e desenvolvimento na Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda? Quais seriam as principais características de cada etapa? g Descreva os principais elementos do clima organizacional e suas possibilidades de avaliação. h Com base nos problemas verificados na Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda., quais competências você considera indispensáveis para o profissional que desempenha o cargo de diretor geral? Qual é o papel do mesmo no processo de mudança organizacional? i Qual é a relação existente entre o levantamento de indicadores de gestão de recursos humanos e o processo de tomada de decisão organizacional? j Se você estivesse na situação da protagonista Helena Del Bianco, qual seria sua escolha em relação à permanência na organização e por quê? k Caso você, no papel da protagonista, optasse por permanecer na Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda., quais ações na área de gestão de recursos humanos desenvolveria inicialmente? 132 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos Alternativas para análise do caso Perfil do profissional da área de recursos humanos A história descrita no caso apresenta a trajetória profissional da protagonista Helena, bem como as atividades em que a mesma se envolvia na área de gestão de recursos humanos. Sendo assim, pode-se refletir sobre as competências e o perfil do profissional da área, para o desempenho de suas funções. Ao analisar as organizações, atualmente, pode-se destacar a importância do gestor de recursos humanos na elaboração, implantação ou adequação das políticas de gestão de recursos humanos nas organizações (snell; bohlander, 2010). O profissional da área de gestão de recursos humanos pode contribuir para os resultados da organização por meio de seu envolvimento em atividades específicas, como planejar programas de treinamento eficazes, redesenhar funções e organizações que se adaptem às diversas mudanças mercadológicas, apoiar decisões referentes a contratações, promoções e demissões ou decidir onde programas de melhorias podem sem benéficos à empresa (milkovich; boudreau, 2000). Diante disto, o profissional da área deve ter como princípios a ética, a imparcialidade e a justiça, uma vez que o mesmo estará envolvido em atividades como contratações, promoções, treinamentos, remuneração, avaliação de desempenho e satisfação do quadro funcional (milkovich; boudreau, 2000). Ribeiro (2005) descreve o perfil atual e necessário para que o gestor de recursos humanos auxilie a organização a atingir vantagens competitivas por meio das pessoas. Além da formação técnica, o autor sugere outras competências, sendo: adaptabilidade, capacidade analítica, compromisso com resultados, empreendedorismo, facilidade de relacionamento, habilidade para trabalhar em equipe, inovação, liderança, visão estratégica e holística. Além disso, outras competências relevantes ao profissional de gestão de recursos humanos são a autoconfiança, autodesenvolvimento, iniciativa, administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 133 denise genari & outros issn 2177-6083 inteligência interpessoal, orientação para resultados, resiliência e gestão da diversidade cultural (mussak, 2010). O autor também destaca a importância do networking para que o gestor de recursos humanos tenha domínio das questões mais estratégicas, vinculadas à organização. Neste sentido, o gestor deverá desenvolver a “capacidade de estabelecer e manter uma rede de contatos profissionais e sociais que permita não só se manter atualizado tanto nos negócios como no mercado de trabalho, bem como reunir rapidamente apoios diversificados para a resolução de problemas na vida pessoal e profissional” (MUSSAK, 2010, p. 44). O processo de captação e integração de pessoas O processo de captação é composto por duas atividades principais distintas, porém intimamente relacionadas: o recrutamento e a seleção. A atividade de recrutamento pode ser definida como um conjunto de práticas e processos utilizados para atrair candidatos para vagas já existentes ou potenciais (lacombe, 2011). O recrutamento também se refere aos meios que uma organização utiliza para divulgar suas vagas, com o objetivo de atrair candidatos desejáveis, ou seja, onde haja probabilidade de ajuste ao cargo e desempenho adequado (banov, 2011). De acordo com Marras (2011), o recrutamento pode ser feio por meio de algumas fontes: banco de dados interno, indicações, cartazes internos e externos, entidades diversas, consultorias de outplacement, consultoria de replacement, agências de emprego, consultorias em recrutamento e seleção, headhunter e mídias diversas. Já a atividade de seleção se refere à escolha dos candidatos, posterior ao recrutamento dos mesmos. Segundo Lacombe (2011), a seleção envolve um conjunto de práticas e processos utilizados para escolher, dentre candidatos disponíveis, aquele que parece ser o mais indicado para a vaga existente. Este processo deverá considerar a cultura da empresa e as crenças e valores do candidato. O processo seletivo se apresenta de acordo com as seguintes etapas: delineamento do perfil do cargo, triagem, análise de currículo, questionário 134 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos de triagem, entrevista de triagem e, finalmente, a seleção. Embora a entrevista seja uma das técnicas de seleção mais importantes e difundidas, pode-se destacar outras ferramentas como a prova de conhecimento ou capacidade, testes psicológicos, testes de inteligência, testes de aptidões, testes de personalidade, técnicas vivenciais e investigação de histórico, as quais devem ser adaptadas ao perfil do cargo (vizioli, 2010). Segundo Araújo e Garcia (2010), um processo seletivo pode ser considerado interno quando a organização utiliza seus próprios recursos humanos, sem recorrer ao mercado externo. Neste sentido, a divulgação da existência da vaga é realizada dentro da própria organização. Pode-se citar, como principais vantagens deste processo (banov, 2011; araújo; garcia, 2010): a Vantagem econômica, pelo fato da divulgação ser realizada dentro da própria organização; b Melhoria da relação entre colaboradores e empresa, devido à existência de oportunidades de crescimento; c Rapidez no processo, uma vez que não há necessidade de ambientação, por se tratar de um colaborador da própria organização; d Relação de confiança já estabelecida entre o candidato e a empresa; e Disponibilidade de investimento em outras atividades, uma vez que há um custo reduzido no processo de seleção interna. Porém, esta modalidade de seleção também pode apresentar algumas limitações, tais como (araújo; garcia, 2010): a Excesso de promoções, fazendo com que determinados profissionais não atingiam resultados otimizados em determinadas funções; b Protecionismo, baixa racionalidade e subjetividade durante o processo, fazendo com que os relacionamentos se sobressaiam em relação às competências dos candidatos; c Existência de conflitos entre os profissionais envolvidos no processo seletivo; d Dificuldade de remanejamento e adaptação dos candidatos às novas funções. Dando continuidade ao processo de captação, é fundamental desenvolver um programa para integrar novos colaboradores à cultura da organização. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 135 denise genari & outros issn 2177-6083 Pontes (2010) afirma que a integração de funcionários é um processo social complexo, uma vez que envolve a adaptação do profissional à cultura da organização. Neste sentido, a integração ocorre em duas etapas. A primeira, denominada ambientação, trata-se da apresentação de aspectos organizacionais importantes, tais como a história da empresa, missão, visão, valores, produtos, processos de trabalho, políticas organizacionais, posturas esperadas, políticas de recompensas, normas de segurança do trabalho, entre outros. Estes pontos poderão ser apresentados em palestras e complementados pela entrega de manuais. A segunda etapa, definida como a integração de fato, apresenta-se como um aprofundamento da etapa de ambientação, sendo, em geral, conduzida pela chefia do novo colaborador. Esta etapa objetiva, principalmente, a integração do novo funcionário à equipe, o entendimento da cultura da empresa, o conhecimento das pessoas com as quais irá se relacionar, etc. Durante este processo, a chefia deverá acompanhar e avaliar a adaptação do novo profissional à organização e ao cargo e esta atividade refletirá a eficácia do processo seletivo realizado. Avaliação de desempenho e treinamento e desenvolvimento de pessoas O desligamento de dois funcionários da empresa descrita no presente caso de ensino, fez com que a protagonista Helena percebesse a importância da avaliação de desempenho como uma forma de manutenção e melhoria do comportamento e do aproveitamento das capacidades dos colaboradores. A avaliação de desempenho pode ser definida como uma metodologia que objetiva, de forma contínua, estabelecer um contrato com os funcionários, no que se refere aos resultados desejados pela organização, acompanhar desafios propostos, corrigir rumos, se necessário e avaliar resultados obtidos (pontes, 2010). Dentre as principais contribuições da realização da avaliação de desempenho, pode-se destacar (araújo; garcia, 2010): a Fundamentar a ação do gestor, tendo em vista que, com base na avaliação de desempenho, o mesmo poderá conceder reajustes salariais, remanejar colaboradores, e proceder desligamentos, por exemplo; 136 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos b c Nortear e mensurar o processo de treinamento e desenvolvimento; Facilitar o feedback entre as pessoas, mantendo as mesmas informadas sobre sua performance; d Facilitar o progresso das organizações, uma vez que, a empresa conhecendo melhor o desempenho das pessoas, acaba também conhecendo melhor a sua própria dinâmica, seus pontos críticos e, com isso, elaborando possíveis estratégias. O envolvimento do gestor no processo de avaliação de desempenho é primordial. A avaliação realizada pelo supervisor ou gerente é a mais tradicional, pois se entende que este profissional, pelo contato direto com o avaliado, é o que tem maiores condições de desempenhar esta função. Entretanto, é possível incluir outros membros organizacionais no processo de avaliação de desempenho, como colegas, integrantes da equipe, o próprio funcionário, subordinados e clientes (snell; bohlander, 2010). Também, pelo processo de desligamento dos funcionários Pedro e Marcelo, a protagonista Helena percebeu deficiências no que tange ao processo de treinamento e desenvolvimento da Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda. O treinamento e desenvolvimento, embora se apresentem com conceitos distintos, se referem a processos de aprendizagem. O treinamento tem orientação para o presente e focaliza o cargo atual ocupado pelo colaborador, objetivando melhorar habilidades e capacidades vinculadas com o desempenho imediato do cargo. Já o desenvolvimento, em geral, focaliza os cargos a serem ocupados no futuro e, consequentemente, as novas habilidades que serão necessárias (mussak, 2010). Independente das diferenças conceituais, o treinamento e desenvolvimento podem ser operacionalizados em algumas etapas, conforme apresentado na Figura 4. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 137 138 . Quem treinar . Como treinar . Em que treinar . Onde treinar . Quando treinar . Quanto treinar . Quem treinar Retroação . Aplicação do programas pela assessoria, pela linha ou combinadamente por ambos Execução do treinamento Implementação ou ação Retroação . Acompanhamento . Verificação ou medição . Comparação da situação atual com a situação anterior Avaliação dos resultados do treinamento Avaliação e controle Resultados satisfatórios Resultados insatisfatórios Programação de treinamento Levantamento de necessidades de treinamento . Alcance dos objetivos da organização . Determinação de requisitos básicos da força de trabalho . Resultados da avaliação de desempenho . Análise do problema de produção (a priori ou a posteriori) . Análise de problemas de pessoal . Análise de relatórios e outros dados Decisão quanto à estratégia Diagnóstico da situação denise genari & outros issn 2177-6083 Figura 4 Processo de treinamento Fonte: Chiavenato (2009, p. 392). administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos O treinamento possui alguns objetivos, como a transmissão de informações, desenvolvimento de habilidades, atitudes e conceitos (mussak, 2010). Clima organizacional e liderança O clima organizacional pode ser definido como o reflexo do grau de satisfação dos funcionários de uma organização, em um dado momento. Além disso, o clima retrata a relação entre a empresa e seus funcionários. Conceitos como cultura, satisfação e percepção dos colaboradores estão vinculados ao clima organizacional (luz, 2010). A avaliação do clima organizacional permite que a empresa realize melhorias contínuas e, com isso, aperfeiçoe os resultados do negócio. Diante disto, a pesquisa de clima organizacional é um instrumento que objetiva a análise do ambiente interno, baseado em suas necessidades. Além disso, esta ferramenta de diagnóstico possibilita o mapeamento de aspectos críticos que retratam o momento motivacional dos colaboradores de uma empresa, por meio da identificação de seus pontos fortes, deficiências, expectativas e aspirações (mussak, 2010). Para que a mensuração dos níveis de satisfação dos colaboradores de uma organização atinja os objetivos de melhoria contínua do negócio, destacamse algumas etapas para realização deste processo (Figura 5). administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 139 140 A DMINISTR AçãO: ENSINO E PESQUISA R IO DE JA NEIRO V. 15 No 1 P. 113–146 Plano de ação Divulgação dos resultados Emissão relatórios Tabulação Aplicação e coleta da pesquisa Divulgação da pesquisa Definição das opções de resposta (para tabulação) Montagem e validação da pesquisa Definição das variáveis a serem pesquisadas Planejamento da pesquisa Aprovação e apoio da alta direção denise genari & outros issn 2177-6083 Figura 5 Etapas para realização da pesquisa de clima organizacional Fonte: Adaptada de Luz (2010). JA N FEV M AR 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos Dentre as variáveis a serem investigadas na pesquisa de clima, pode-se destacar a liderança, sendo que neste fator são avaliadas a relação dos funcionários com seus gestores, a qualidade da supervisão exercida, a capacitação técnica, humana e administrativa dos gestores, o tratamento justo dado à equipe e o grau de feedback dado pelo gestor aos colaboradores (luz, 2010). A liderança também se apresenta como um fator que influencia o clima organizacional. Para Araujo e Garcia (2010), liderar significa obter resultados esperados, acordados e desejados, por meio de pessoas engajadas. Neste contexto, Mussak (2010) destaca as principais habilidades para a função de liderança: capacidade de interação e relacionamento interpessoal, comunicação, capacidade intelectual, adaptabilidade a diferentes tipos de grupos, capacidade de superar adversidades e oferecer resultados, comprometimento com a equipe, conhecimento técnico e visão, que possibilite o alcance de objetivos. Complementando, Lacombe (2011) descreve como características de um líder: confiança em si, crença no que faz, visão clara de onde quer chegar, capacidade de comunicação, expectativas elevadas e reconhecimento do mérito, inteligência e bom julgamento, discernimento e imaginação, habilidade de aceitar responsabilidades, senso de humor, personalidade equilibrada e senso de justiça. Outro ponto, que merece destaque, é a reflexão sobre o papel da liderança nos processos de mudança nas organizações. O líder é parte fundamental neste processo, uma vez que o mesmo irá sensibilizar a equipe para a mudança, executar e, posteriormente, acompanhar e avaliar a mesma. Diante destas afirmativas, pode-se afirmar que o líder se caracteriza como um fator-chave para que a mudança organizacional, de fato, se efetive e traga os resultados almejados pela empresa. Indicadores de gestão de recursos humanos O Sistema de Informação de Recursos Humanos refere-se a um conjunto de elementos interdependentes e logicamente associados, para que, de sua interação, sejam geradas informações necessárias à tomada de decisões administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 141 denise genari & outros issn 2177-6083 (chiavenato, 2009). Neste contexto, a montagem do sistema de informação requer análise e avaliação da organização e de seus subsistemas e das respectivas necessidades de informação. Como principais indicadores de desempenho da área de recursos humanos, pode-se destacar: rotatividade, absenteísmo, escolaridade do quadro funcional, quantidade e resultados de treinamentos, produtividade, percentual de horas extras, custos com folha de pagamento, despesas com recrutamento e seleção, satisfação dos colaboradores, entre outros. Diante disso, é relevante apresentar os conceitos sobre rotatividade e absenteísmo. A rotatividade expressa, em termos percentuais, as movimentação de funcionários entre uma empresa e seu ambiente. Neste sentido, verificase o volume de admissões e demissões em relação ao quadro médio de funcionários de uma organização. Os altos índices de rotatividade podem influenciar o aumento dos custos com recrutamento e seleção, custos com registros e documentação de novos colaboradores, custos de integração e treinamento e custos com desligamentos, além dos reflexos na produtividade da empresa como um todo (chiavenato, 2002). Já o absenteísmo pode ser compreendido como o somatório dos períodos em que os empregados de uma determinada organização ausentam-se do trabalho, contabilizando, nesta situação, faltas ou atrasos. Doenças, problemas familiares, problemas financeiros, dificuldades de transporte, baixa motivação e políticas gerenciais inadequadas se apresentam como as principais causas do aumento do absenteísmo (chiavenato, 2002). A Figura 6 apresenta as equações que representam os índices de rotatividade e absenteísmo. 142 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos Figura 6 Equações para índices de rotatividade e absenteísmo Rotatividade Índice de rotatividade (Turnover Global) {[ = ( Nº de demissões Nº de admissões ]} ) + (no mês) (no mês) __________________________________ 2 ________________________________________ Nº de funcionários (mês anterior) Absenteísmo Total de pessoas/ horas perdidas = ______________________ Total de pessoas/ horas de trabalho Índice de absenteísmo Fonte: Adaptada de Caxito (2008) e Vilas Boas e Andrade (2009). A DMINISTR AçãO: ENSINO E PESQUISA R IO DE JA NEIRO V. 15 No 1 P. 113–146 JA N FEV M AR 2014 143 denise genari & outros issn 2177-6083 Estratégia de aplicação Propõe-se que os alunos sejam separados em grupos e que, inicialmente, o caso seja lido e discutido pelos mesmos. Posteriormente, o professor poderá apresentar as questões para discussão. Após as mesmas serem respondidas, pode-se organizar a apresentação das conclusões elaboradas pelos grupos de alunos e relacioná-las com o referencial teórico apresentado na seção de alternativas para análise do caso. Esta estratégia de aplicação poderá gerar diferentes visões e posicionamento entre os grupos, em relação às decisões a serem tomadas pela protagonista. Neste sentido, poderá haver um estímulo ao debate e um maior aprofundamento dos temas propostos para a análise do caso. Destaca-se que o caso pode ser aplicado na sua totalidade ou parcialmente, de acordo com o tema que se objetiva discutir. Fonte de obtenção dos dados As informações descritas neste caso de ensino foram obtidas por meio de observação da organização em questão, bem como a descrição da trajetória profissional da protagonista, além de pesquisa bibliográfica sobre a área de gestão de recursos humanos. Com o objetivo de ampliar as possibilidades de análise e discussão, foram inseridos elementos ficcionais à história apresentada. * O nome da empresa, personagens e da protagonista são fictícios, com o objetivo de preservar as fontes do caso real. 144 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos Referências ARAUJO, L.C.G. de; GARCIA, A.A. Gestão de pessoas. São Paulo: Atlas, 2010. Banco Nacional do Desenvolvimento - BNDES (2013). Porte de empresa, Brasil. Acesso em: 14/06/2013. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_ pt/Institucional/Apoio_Financeiro/porte.html.> BANOV, M.R. Recrutamento, seleção e competências. 2ed. São Paulo: Atlas, 2011. CAXITO, F.de A. Recrutamento e seleção de pessoas. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2008. CHIAVENATO, I. Recursos humanos. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2002. CHIAVENATO, I. Recursos humanos: o capital humano das organizações. 9.ed. 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Janaina Macke [email protected] Pós-Douturado em Desenvolvimento Territorial (bolsista CAPES), pela Université Joseph Fourier (Grenoble/França) Doutora em Administração pela UFRGS Instituição de vinculação: Universidade de Caxias do Sul Caxias do Sul/RS – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Recursos Humanos e desenvolvimento local. 146 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 113–146 jan fev mar 2014 Os chineses estão chegando! O que fazer com meu Marketing mix? O caso da Ramadhes & Cia Ltda. The Chinese are coming! What to do with my marketing mix? The Case of Ramadhes & Cia Ltda. Recebido em: 31/07/2013 Aprovado em: 23/09/2013 Avaliado pelo sistema double blind review Editora Científica: Manolita Correia Lima João Batista Soares Neto [email protected] Anielson Barbosa da silva André Gustavo Carvalho Machado universidade federal da paraíba Resumo Este caso descreve, com base em fatos reais, a situação de mercado vivenciada pelo Sr. Rodrigo Ramadhes, diretor da Ramadhes & Cia Ltda., empresa situada no interior de Minas Gerais com mais de 60 anos de história. A empresa é uma das principais produtoras de cintos, mochilas e bolsas da América do Sul. Ao longo dos anos 2000, o grupo Ramadhes & Cia Ltda. desenvolveu, dentro do seu mix de acessórios, a linha de cintos Madhes, principal produto da empresa e seu sucesso era creditado às políticas do composto de Marketing que conseguiram alinhar o preço, o canal de distribuição e um mix de comunicação a uma concepção de marca pautada em atributos e benefícios funcionais. À luz do Marketing mix, o cenário era favorável para os cintos Madhes, mas o crescimento do pib e dos produtos chineses, entre eles o cinto, incomodava Rodrigo Ramadhes, que chegava a pensar em transferir o parque fabril da Ramadhes & Cia Ltda. de Minas Gerais para a China em busca de uma maior competitividade. Ele refletia diariamente quais as eventuais implicações desta possível transferência para o composto de Marketing da empresa, diante de uma situação presente favorável, sólida e promissora em termos de mercado. Palavras-Chave: composto de Marketing; posicionamento; marca. Abstract This case, based on real facts, describes the market situation experienced by Rodrigo Ramadhes, the director of Ramadhes & Cia Ltda., a company based in Minas Gerais that has been operating for more than 60 years. It is one of the leading producers of belts, backpacks and handbags in South America. During the 2000s, the company developed the Madhes belt line as part of its range of accessories, which became its main product. Much of this success was credited to the marketing mix policies, which combined the price, distribution channel and a mixture of communication with brand concept based on functional attributes and benefits. According of the marketing mix, the scenario was favorable for the Madhes line, but growing gdp and increasing penetration of Chinese products, including belts, concerned Rodrigo Ramadhes, who began to consider transferring the company’s industrial production from Minas Gerais to China in pursuit of a greater competitive edge. He constantly reflected on the possible implications of such a move on the company’s marketing mix, despite the current situation being favorable, solid and promising in market terms. Keywords: marketing mix; positioning; brand. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 147 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 Introdução Em Janeiro de 2012 o diretor da Ramadhes & Cia Ltda., Rodrigo Ramadhes, reuniu em um hotel de São Paulo seus executivos e representantes comerciais para analisarem o crescimento da sua empresa, fabricante de cintos, mochilas e bolsas, nos últimos dez anos. O momento era oportuno, pois, na semana seguinte, aconteceria uma das maiores feiras de calçados da América Latina, a Couromoda, onde expositores e lojistas se encontrariam para fecharem novos negócios e conhecerem as principais tendências em cores e modelos de calçados e acessórios. Todos da Ramadhes & Cia Ltda. estavam eufóricos com as boas perspectivas de negócios na Couromoda 2012, ficaram entusiasmados quando Rodrigo Ramadhes apresentou os índices de crescimento da fábrica nos últimos dez anos. A cada ano, a Ramadhes & Cia Ltda. superava entre 20% e 30% os seus concorrentes em unidades vendidas e aumentou sua participação no mercado de acessórios para quase 10% em 2011. Mas, qual tinha sido a fórmula do sucesso? Qual o motivo deste rápido crescimento? A resposta era fácil, uma vez que bastava uma simples olhada nas vitrines das principais lojas de calçados e confecções do país para perceber a quantidade de sapatos expostos e vendidos junto com os cintos da linha Madhes. Isso mesmo... o carro chefe da Ramadhes & Cia Ltda. tinha sido os cintos Madhes, com sua qualidade e variedade de cores, tamanhos e fivelas. Nada podia ser melhor: os cintos Madhes, principal marca da empresa, apresentava elevados índices de vendas, em função da diversidade de tonalidades e modelagens de acordo com as preferências individuais de cada lojista e um preço bem abaixo da concorrência. Este cenário era perfeito para o crescimento e consolidação da marca Madhes nos próximos anos e nas próximas feiras, como a Couromoda! Era o cenário perfeito, mas não para Rodrigo Ramadhes! Rodrigo costumava dizer que o sucesso era o primeiro passo para o fracasso. Algo o incomodava, algo ainda não estava encaixado, algo podia melhorar! Para ele, não bastava superar o concorrente, era preciso tirá148 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. lo do mercado e para tornar-se competitiva, a empresa teria que ousar e inovar nas estratégias de Marketing e comercialização. Esse sempre foi o seu entendimento de mercado e, por isso, desde 2008 vinha alimentando a ideia de fechar a fábrica da Ramadhes & Cia Ltda., localizada no interior de Minas Gerais, e transferi-la para a China. Queria reduzir ainda mais o preço do cinto Madhes para ser mais competitivo, o que seria possível apenas por meio de uma estratégia de liderança de custo. Mas essa decisão não era simples. Não era só o preço mais baixo e outras reflexões pairavam a mente de Rodrigo. Diariamente ele refletia se valeria a pena todo um esforço de transferência da fábrica para outro continente, pois a sua empresa apresentava uma situação já favorável, sólida e promissora em termos de mercado no Brasil. Inquietava-se pensando no risco do mercado consumidor associar a marca do cinto Madhes a um produto chinês e passar a depreciá-lo por isso. Mas o que mais o incomodava eram as incertezas quanto às implicações desta possível transferência nas políticas do composto de Marketing da empresa. A responsabilidade era grande em face de uma possível readequação do Marketing mix! administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 149 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 O Negócio da Ramadhes & Cia Ltda. O Grupo Ramadhes & Cia Ltda., com mais de 60 anos de história, era um dos principais produtores de cintos, mochilas e bolsas da América do Sul, e um grande produtor de laminados sintéticos (ProPlast) para a indústria da moda, atendendo em todo o Brasil e no Mercosul. A empresa preocupavase com o crescimento sustentável na produção investindo constantemente em inovação tecnológica, tendências de mercado e atualização da equipe de colaboradores. Para atender a demanda do mercado de acessórios, a Ramadhes & Cia Ltda. disponibilizava o mix de produto, conforme apresentado no Quadro 1. Quadro 1 Mix de Produtos da Ramadhes & Cia Ltda. Cintos masculinos (Linha Print – “popular”) Modelo: Casual e Esporte Material: Sintético Cores: preto, marrom, caramelo, verde, whisky, bambu, azul, amarelo, branco, cinza... Carteiras masculinas (Linha Addi) Modelo: Casual e Social Material: Sintético Cores: preto, marrom, caramelo e bambu Cintos e Bolsas Femininas (Linha Venezza) Modelo: Casual e Social Material: Sintético Cores: preto, marrom, caramelo, verde, whisky, bambu, azul, amarelo, branco, cinza... Mochilas (Linha Addi) Modelo: Casual e Esporte Material: Sintético Cores: preto, cinza, marrom, verde Laminado (Linha Proplast) Material: Cabedais e Forros sintéticos Cores: a cor que o cliente desejar Para Rodrigo Ramadhes, diretor e neto do fundador do grupo Ramadhes & Cia Ltda., todos os produtos da empresa tinham sua importância, mas 150 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. uma linha em especial era o seu xodó: a Madhes. Ela havia sido a primeira marca introduzida no mercado pelo grupo, por meio da comercialização de bolsas para viagens, o que não deu certo. No final da década de 1990, Rodrigo ressuscitou a marca no formato de cinto masculino (Quadro 2). Quadro 2 Linha de cintos Madhes Cintos masculinos (Madhes) Modelo: Casual, Social e Esporte Material: Sintético, lona e Couro Cores: a cor que o cliente desejar (preto, marrom, bambu, caramelo, verde, azul, etc.) O diferencial do cinto Madhes era a sua qualidade e a variedade de cores, visto que o grupo Ramadhes & Cia Ltda. era fabricante do insumo e laminado do produto, o controle da qualidade era rigoroso e a produção das cores individualizada. Customizar o atendimento... Ah, esse era o maior trunfo dos cintos Madhes! A estrutura flexível e o investimento em pesquisa e desenvolvimento permitiram que a empresa produzisse o cinto Madhes em qualquer tonalidade de cor. Isto agradava aos donos de lojas de calçados, pois estavam sendo comercializados sapatos com cores não muito tradicionais (por exemplo, caramelo, bambu, verde, azul, prata, vermelho, etc.) o que, em muitos casos, dificultava a sua comercialização, gerando altos estoques, pois os consumidores só compravam o sapato se tivesse um cinto na mesma tonalidade. Certa vez, na Couromoda de 2008, Rodrigo Ramadhes atendeu no stand da empresa um dos principais lojistas de calçados do Brasil: — Boa tarde seu Vasconcelos, tudo bem? Que prazer em recebê-lo aqui! — Boa tarde Rodrigo, tudo bem? Tem algum vendedor que possa me atender? — Sr. Vasconcelos, eu mesmo o atenderei, sem problemas. — E a comissão dessa venda, vai pra quem? Risos. — Risos... Não se preocupe, vai para o nosso representante do seu Estado. Aqui o nosso lema é atender e satisfazer bem, sem olhar a quem! Risos. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 151 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 —Pois bem Rodrigo... Eu estou com um problemão na minha loja. Comprei alguns milhares de pares de sapato de couro e não consigo vendê-los. É que o diabo do sapato tem uma cor lindíssima, mas é “difícil pra burro” achar um cinto da mesma tonalidade para fazer o kit. E como você sabe, o consumidor só leva o sapato se a cor do cinto for igualzinha! — E que cor é essa tão difícil? Risos. — Sei lá... Acho que é uma mistura de caramelo com bambu, meio puxado pra telha... Sei lá... Só sei que é bonita, viu? Peguei até um pra mim, mas estou sem cinto também para combinar... Risos. — Risos... Pois bem seu Vasconcelos, vamos resolver seu problema. Como o senhor deve saber, temos na Ramadhes & Cia Ltda. uma estrutura de pesquisa e desenvolvimento de insumos e laminados, o que nos permite desenvolver e projetar qualquer tonalidade de cor para cintos e acessórios. Se o senhor puder me enviar uma amostra desse seu sapato de cor “sei lá” garanto que faço um cinto na mesma corzinha dele bem rapidinho! — É mesmo?! E vai custar mais caro? — De forma alguma. Como tudo é feito dentro da nossa fábrica aqui no Brasil, não haverá nenhum custo adicional. Só preciso que o senhor me compre pelo menos 500 unidades do cinto que fechamos a negociação agora. — E quanto tá custando o cinto Madhes? Aumentou de preço? — Risos... seu Vasconcelos, a única coisa aqui que vai aumentar é o seu faturamento. O senhor vai vender o cinto de couro Madhes em sua loja por apenas R$ 29,90 e nada mais! — Quanto?! R$ 29,90?! Nossa! O menor preço que havia encontrado no seu concorrente foi R$ 59,90, depois de muito choro. O preço de vocês é imbatível mesmo. — Essa é a vantagem de quem produz, processa e comercializa o insumo do cinto. Além disso, temos nossa marca própria, a Madhes, tudo feito aqui dentro. E então, negócio fechado? — Fechadíssimo! Situações como retratadas neste diálogo provocavam uma satisfação profissional para Rodrigo Ramadhes. Ter uma estrutura e um composto de Marketing capaz de personalizar um cliente, atender a uma demanda 152 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. específica de um mercado e aplicar o conceito de Marketing na sua essência era a razão de ser do grupo Ramadhes & Cia Ltda. e a realização de um sonho iniciado pelos avôs de Rodrigo na década de 1950. Este era o negócio da Ramadhes & Cia Ltda.! Na reunião de Janeiro de 2012, antes da Couromoda, Rodrigo resgatou o diálogo da venda ocorrida em 2008 e mostrou que as estratégias de Marketing direcionadas aos cintos Madhes, ao longo dos últimos anos, levaram esta linha de produto a representar cerca de 40% do faturamento de todo o grupo Ramadhes & Cia Ltda. Muito dos 10% de participação no mercado de acessórios se creditou ao sucesso de vendas da linha de cintos Madhes. O diretor aproveitou, então, a oportunidade para apresentar o Marketing mix utilizado no desenvolvimento e comercialização do cinto Madhes. Estava feliz com tudo isso, mas algo o inquietava como empreendedor. Pensava como poderia ousar ainda mais e instalar uma fábrica na China ou, quem sabe, levar apenas a produção dos cintos Madhes para o Oriente. Esta última seria uma ótima opção para baratear a principal linha de produtos da empresa sem arriscar os outros 60% do faturamento. Seria uma ótima alternativa para competir, não só com as indústrias nacionais, mas também, contra a invasão de cintos chineses no Brasil. Será...? Pensava ele. Quais as contra indicações associadas ao Marketing para tudo isto? administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 153 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 Composto de Marketing dos cintos Madhes A graduação em Administração de empresas e a especialização em Marketing fizeram de Rodrigo Ramadhes um especialista em indústria e comércio varejista. Costumava dizer que não era o diretor da empresa, mas sim o negociador dela. Para ele, antes de gerenciar uma empresa, a pessoa precisava entender do negócio e das ferramentas que faziam parte dele. Por isso, tinha o meticuloso trabalho de sempre estudar o composto de Marketing da Ramadhes & Cia Ltda. Entendia que os 4 P´s do Marketing eram variáveis controláveis que uma empresa tinha para produzir respostas as demandas do mercado. Teve o cuidado, desde quando assumiu a direção da empresa em 1999, de desenvolver o mix de Marketing da linha de cintos Madhes, na crença de que esta marca seria a sua “menina dos olhos” e o cartão de visita do grupo. Ele estava certo! A combinação de um bom projeto de produto, uma adequada estratégia de preço, uma política de canal eficiente e um composto de comunicação atuante, eram ferramentas mercadológicas essenciais. Por isso, sua preocupação em delimitar de forma clara o produto, o preço, a praça e a promoção dos cintos Madhes, conforme será retratado a seguir. Produto O cinto era classificado como um bem de compra comparada em relação à quantidade de ofertas existentes no mercado. Assim era o cinto Madhes, só que com uma diferença: era um produto ampliado. A ampliação deste cinto residia na qualidade do material (sintético, lona e couro), nas opções de modelo e fivelas (casual, social e esporte) e na flexibilidade e variedade de cores (fazia-se o cinto na tonalidade que o cliente desejava). Quando um lojista olhava o catálogo dos cintos Madhes ficava admirado, uma vez que existiam várias opções de compra. Se juntassem os três tipos de materiais, com os três modelos, mais as variedades de cores existentes, era possível montar qualquer tipo de cinto em qualquer tonalidade. Se a cor desejada pelo cliente não estivesse no catálogo, a empresa desenvolvia a partir de uma peça com a tonalidade da cor a ser copiada e desenvolvida 154 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. pela Ramadhes & Cia Ltda. Estas três variáveis (material, modelagem e cores) geravam para a Madhes um significado de marca relacionado aos atributos (durabilidade, qualidade e variedade) e aos benefícios funcionais (praticidade para montar um cinto ou criar uma cor específica). Entre os anos de 2008 e 2011, as vitrines das lojas de calçados masculinos eram repletas de kits (sapato e cinto) de diversas tonalidades. O desafio para os fabricantes de cintos era o desenvolvimento de modelos e cores semelhantes aos calçados da moda. Importantes marcas de cintos tentavam acompanhar a tendência de cores e, para isso, terceirizavam sua produção na busca de parceiros especialistas no assunto. A Ramadhes & Cia Ltda., além de produtora (às vezes até fabricando para as marcas citadas acima), tinha a sua marca própria (Madhes), o que lhe garantia uma permanente fiscalização, in loco, do processo produtivo e um preço bem abaixo dos concorrentes. Preço Rodrigo entendia que todo produto, ao ser precificado, tinha um objetivo de mercado por trás. Para ele, o preço do cinto Madhes tinha que ser competitivo, ao ponto de maximizar a sua participação no mercado e, ao mesmo tempo, gerar uma imagem de qualidade. Costumava afirmar nas reuniões que a perpetuação de uma marca no mercado não se dava apenas pelo aumento do seu market share, mas principalmente pela boa reputação da imagem e qualidade. O mercado de acessórios masculinos caracterizava-se pela alta elasticidade de preço da demanda, ou seja, qualquer aumento no preço do cinto provocava uma retração no seu consumo. Alguns aspectos relacionados ao consumidor explicavam esta alta elasticidade como a percepção da existência de produtos substitutos, a facilidade de comparação de preço nas lojas e o dispêndio total. Devido a esta alta elasticidade do mercado, a Ramadhes & Cia Ltda. procurava, na segunda metade da década de 2000, implantar algumas estratégias de adequação de preço (Quadro 3) para o cinto Madhes. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 155 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 Quadro 3 Estratégias de adequação de preço Preço promocional Preço isca - oferta de cintos da linha esporte para gerar (atrair) venda da linha casual Descontos psicológicos - tabelas “maquiadas” com valor mais alto para oferecer desconto sem perder comissão Preço discriminatório Por segmento de cliente - Linha casual sintético (sugestão PDV R$ 19,90) - Linha esporte sintético/lona (sugestão PDV R$ 29,90) - Linha social couro (sugestão PDV R$ 39,90) Pela versão e modelo do produto - Possibilidade de aumento em cada coleção nova Preço do mix de produto Características opcionais - Cinto dupla face casual (sugestão PDV R$ 21,90) Pacote de produtos - Kit Linha casual (3 cintos - 15% de desconto) - Kit Linha esporte (3 cintos - 20% de desconto) - Kit Linha social (3 cintos - 20% de desconto) Existia na Ramadhes & Cia Ltda. uma política de preço bem delimitada na venda do cinto Madhes. Dependendo do tipo de intermediário e volume de compras, os descontos oscilavam entre 10% a 30% (Quadro 4). Quadro 4 Desconto versus Volume de compras do cinto Madhes Varejo - Até 10% para compras entre R$ 3.000 e R$ 5.000 - Até 15% para compras acima de R$ 5.000 Atacado - Até 20% para compras entre R$ 10.000 e R$ 20.000 - Até 30% para compras acima de R$ 20.000 As estratégias de adequação e estabelecimento de preço da Ramadhes & Cia Ltda. na linha de cintos Madhes eram competitivas em relação aos demais concorrentes. O fato de a empresa ser produtora do insumo e ter a sua própria marca de cinto, deixava a marca Madhes em uma situação privilegiada em termos de condições de pagamento e preço médio final no ponto de venda, conforme apresentado na Tabela 1. 156 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. Tabela 1 Condição de Pagamento e Preço médio final no ponto de venda Marca Condição de Pagamento para o Lojista Preço (R$) médio final no PDV Madhes 90/120/150 dias 29,90 Concorrente 1 30/60/90 dias 65,90 Concorrente 2 60/90/120 dias 59,90 Concorrente 3 60/90/120 dias 59,90 Concorrente 4 60/90/120 dias 59,90 Concorrente 5 30/60/90 dias 65,90 Rodrigo acreditava que uma política de preço adequada deveria estar relacionada a um canal de distribuição diferenciado e devidamente estruturado para atender a demanda de cada região. Praça A Ramadhes & Cia Ltda. acreditava que o local ou o meio pelo qual o produto é oferecido ao mercado, embora pouco aparente e palpável aos olhos do consumidor, era de fundamental importância para o sucesso do cinto Madhes. Dessa forma, Rodrigo e seus gerentes procuravam entender a melhor forma de administrar como, onde, quando e sob que condições o produto deveria ser colocado nas lojas de acessórios e calçados. As vendas dos cintos Madhes eram de responsabilidade exclusiva dos Representantes Comerciais da empresa. Eram cerca de 20 representantes devidamente comissionados (8% no faturamento) e alocados em diferentes regiões, uns atendendo aos varejistas e outros aos atacadistas. A eficiência da equipe de vendas permitiu, na década de 2000, que os cintos Madhes fossem distribuídos nas principais lojas de varejo e atacado de calçados, confecções e acessórios do Brasil e em algumas capitais da América do Sul, como Buenos Aires e Montevideo. Grandes magazines, formadoras de opinião, em todo o país, renovavam periodicamente seus estoques de cintos, assim como grandes redes de calçados. As estratégias de distribuição sugeridas por Rodrigo estavam voltadas para o cumprimento e a política do canal (Quadro 5), e dependiam do modelo do cinto Madhes que seria comercializado. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 157 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 Quadro 5 Cumprimento e Política de Canal Cumprimento do Canal Canal indireto curto: Ramadhes & Cia Ltda. – Varejista – Consumidor Final – Modelo (Casual, Esporte e Social) Canal indireto longo: Ramadhes & Cia Ltda. – Atacadista – Varejista – Consumidor Final – Modelo (Casual) Política de Canal Distribuição Seletiva: Intermediários que tinham condições de expor com qualidade e visibilidade os cintos da linha Casual, Esporte e Social Distribuição Intensiva: Intermediários que tinham condições de comprar o cinto da linha Casual, independente das condições de exposição na loja Promoção Existia na Ramadhes & Cia Ltda. um cuidado na maneira como o cinto Madhes deveria ser promovido, até porque as marcas concorrentes tinham maior expressão e força de mercado em virtude do alto apelo midiático. Para o diretor do grupo, uma divulgação consistente dos atributos e benefícios da marca Madhes implicaria num fortalecimento de longo prazo com os seus clientes. Dessa forma, a propaganda e a promoção de venda (Quadro 6) tinham um importante papel neste objetivo. Quadro 6 Propaganda versus Promoção de Venda Propaganda Tipo: Propaganda de produto Processo de decisão: - Objetivo: informar e persuadir os consumidores - Mensagem: fortalecer os atributos (durabilidade, qualidade e variedade) e benefícios funcionais (praticidade para montar um cinto ou criar uma cor) do cinto Madhes - Slogan: Qualidade e estilo do seu jeito - Mídia: Revista Veja e setorial de calçados - Cobertura: Nacional e Internacional (América do Sul) - Frequência: Veja (semanal) e setorial de calçados (trimestral) Promoção de Venda Consumidor Final: - Demonstrações da montagem (fivelas) dos cintos nos pontos de venda - Distribuição de amostras grátis para compradores estratégicos - Participação em feiras do setor como a Couromoda e Francal 158 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. Promoção de Venda Varejo: - Descontos progressivos (10% a 30%) para o aumento no volume das compras - Serviços de Merchandising nos pontos de venda (Expositores de cintos e banners) - Reposição, arrumação e troca periódica dos expositores de cintos e banners - Prêmio para os vendedores do ponto de venda: A cada dez cintos vendidos ele ganhava um Outra ferramenta do composto de comunicação utilizada na divulgação do cinto Madhes era a Venda Pessoal. Constantemente, nas reuniões da empresa, Rodrigo se considerava, acima de tudo, um vendedor. Tinha convicção de que a venda pessoal era um conjunto de atividades realizadas com o propósito de informar, motivar e persuadir o cliente a adquirir um cinto. Dividia esta responsabilidade com a equipe e mesmo sendo o diretor da empresa fazia questão de vender pessoalmente para dois dos maiores clientes do varejo de confecção do país. Carregava o mostruário e catálogo do cinto Madhes debaixo do braço e atendia estes dois grandes varejistas mensalmente. Para não gerar discórdia ou qualquer mal-estar, não fazia questão da comissão (repassava-a para o representante do Estado), queria apenas sentir o mercado, analisar a aceitação do seu cinto nos pdv (ponto de venda), pesquisar preços e exposição dos concorrentes, conversar com os vendedores da loja. O diretor da empresa se realizava como vendedor e por isso valorizava os vendedores da empresa. Gerenciava e motivava sua equipe de representantes como nenhuma outra empresa do setor. A comissão sobre as vendas era a mais alta do mercado (8%), o pagamento era feito integralmente no faturamento do pedido e anualmente os melhores vendedores ganhavam prêmios como viagens e comissões extras. Em contrapartida, exigia profissionalismo, dedicação, responsabilidade, estudo do produto e do mercado, e, especialmente, capacidade de planejamento e previsão de vendas. Além da equipe de vendas, o grupo Ramadhes & Cia Ltda. disponibilizava, 24 horas por dia, um serviço de atendimento ao cliente (sac). Os e-mails e telefones de todos os Representantes Comerciais estavam disponíveis no sítio da empresa, assim como a ouvidoria para receber as reclamações e sugestões do mercado. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 159 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 O Mercado Chinês A reunião em janeiro de 2012, na véspera da Couromoda, foi animadora. Os números da empresa apresentados pelo diretor, Rodrigo Ramadhes, eram motivadores: o crescimento nas vendas (20% a 30%), o aumento na participação no mercado (10% do market share), a satisfação dos clientes com a customização do produto, como no caso do Sr. Vasconcelos, eram indícios de que a linha de cintos Madhes, enquanto carro-chefe da empresa, estava no caminho certo. O sucesso do produto era creditado às políticas do composto de Marketing que, segundo o próprio Rodrigo, conseguiram alinhar o preço, o canal de distribuição e um mix de comunicação a uma concepção de marca pautada em atributos (durabilidade, qualidade e variedade) e em benefícios funcionais (praticidade na montagem e escolha da cor do cinto). Diferenciais que só a Ramadhes & Cia Ltda. conseguiam, pois além de produtores do insumo, tinham sua própria marca. Mesmo com todo este cenário favorável e promissor, Rodrigo estava incomodado, inquieto. Seu temor tinha nome: China! Os jornais da década de 2000 noticiavam a representatividade do pib chinês (Gráfico 1), o crescimento exponencial das empresas chinesas e o quão competitivas em termos de preço elas eram. Gráfico 1 Comparação entre o pib do Brasil e de países desenvolvidos e emergentes - resultado em percentual 10 8 6 4 Espanha Reino Unido França Estados Unidos Brasil Alemanha África do Sul Coreia do Sul Índia 0 China 2 Fonte: Falcão (2012). 160 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. A indústria e a construção representavam cerca de 50% do pib chinês, Além disso, aproximadamente 8% de todos os produtos manufaturados do mundo eram fabricados neste país. A representatividade das empresas chinesas no segmento de acessórios, vestuários e calçados era representativa e passou a chamar atenção do grupo Ramadhes & Cia Ltda. Diversas empresas chinesas exportavam cintos para o mercado brasileiro a preços bem abaixo dos praticados aqui. Muitos desses cintos, e até outros manufaturados eram de baixa qualidade e de conhecimento das próprias autoridades chinesas, conforme informações divulgadas nos portais eletrônicos brasileiros em 2012 e 2007. O site “O País Online” estampava “China reconhece fraca qualidade de produtos que exporta para o mundo” e o “bbc Brasil.com” acrescentava “produtos chineses enfrentam crise de credibilidade”. Mas, mesmo assim, muitos lojistas compravam estes produtos na expectativa de maximização do lucro e contenção de gastos. Aos poucos estas mercadorias entravam fortemente no mercado formal e informal brasileiro, o que provocou a falência de diversas fábricas de acessórios e calçados, especialmente no sudeste do país. Rodrigo Ramadhes organizou e liderou, em 2009, uma comitiva, representando os fabricantes de calçados e acessórios do Brasil, para pressionar o governo e o congresso nacional a desenvolverem estratégias políticas e tarifárias para contenção destes produtos chineses. Sem sucesso! O Dilema A preocupação de Rodrigo não era com a competição entre as empresas nacionais, mas sim, com o gigante oriental. Embora o grupo Ramadhes estivesse, atualmente, com um Marketing mix ajustado e ótimo desempenho nas vendas dos seus cintos, a empresa poderia perder espaço para os produtos chineses com seus preços mais baixos e a oferta de margens de lucros maiores para os lojistas. Neste contexto, a transferência da produção para a China (seja pela montagem de um novo parque fabril seja apenas pela terceirização da produção), apesar de ser uma alternativa, ainda gerava incertezas quanto à imagem da marca caso os consumidores a associassem a produtos de administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 161 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 baixa qualidade. Mais do que isto, indagava-se sobre as implicações práticas desta possível transferência para o composto de Marketing do cinto Madhes. Por outro lado, caso resolvesse continuar com sua produção no Brasil e enfrentar uma realidade cada vez mais desafiadora, teria que realizar transformações radicais nas políticas empreendidas no Marketing mix para lidar com os novos entrantes. 162 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. Notas de Ensino Objetivos Educacionais O caso aborda como temática principal o composto de Marketing. Apresenta como teorias relevantes às decisões do marketing mix; imagem da marca; política de preço; composto de comunicação; estratégia de venda; ética em Marketing; posicionamento de mercado. Recomenda-se sua aplicação nas disciplinas de Introdução ao Marketing (em nível de graduação em Administração) ou Marketing, tendo como objetivo desenvolver nos discentes competências voltadas a interpretação dos conceitos e variáveis do Marketing mix e compreensão da inter-relação entre elas. A interdisciplinaridade do caso envolve as áreas de Marketing, vendas, comportamento do consumidor, ética e produção. Além disso o caso enfatiza a decisão de levar a produção para a China ou não, enaltecendo a questão da readequação do Marketing mix. Questões para Discussão 1 Ciente de que uma das decisões do produto é a marca, analise quais os significados de marca que o cinto Madhes poderá explorar no mercado brasileiro caso a Ramadhes & Cia Ltda. se instale na China. 2 Caso o cinto seja produzido na China, analise as estratégias de adequações de preços que a empresa poderá utilizar no mercado brasileiro para a linha Madhes. 3 Avalie quais os tipos e a política de canal que melhor se adequa a possível nova realidade da empresa na China. Cite vantagens e desvantagens. 4 Detalhe as ações do composto de comunicação necessárias para que a empresa continue crescendo no mercado de acessórios, caso ela opte por se instalar na China. 5 Caso a decisão fosse não produzir na China, como poderia ser readequado o Marketing mix para competir com os produtos Chineses? administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 163 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 Tópicos Pedagógicos Sugere-se, para uma aplicação mais adequada do caso, que os alunos sejam divididos em grupos de cinco; que estudem o caso previamente, com a possibilidade de analisar as variáveis e opções necessárias para a tomada de decisão. Ciente de que os alunos já fizeram a leitura prévia do caso e considerando o tempo de uma aula em 1h e 40min, deve-se destinar 10’ para uma releitura do caso, 25’ para uma discussão no pequeno grupo, 45’ para uma discussão no grande grupo e 20’ para o fechamento do caso. É possível, inicialmente, observar certa dificuldade do aluno em interrelacionar as variáveis do mix de Marketing, em função do pouco estímulo interpretativo, crítico e integrado de conteúdos presentes no ensino superior brasileiro. Superada esta etapa, espera-se que os alunos de administração ou Marketing vivenciem os dilemas e inquietudes do protagonista do caso, participando das discussões ao longo do processo decisório do Marketing mix da empresa, conjecturando cenários do mercado consumidor de acessórios e propondo soluções e estratégias para os problemas do composto de Marketing. Acredita-se que a participação ativa nas discussões dos pequenos e grandes grupos, além de um relatório individual de cada grupo no final da aula com as soluções para as questões, devam ser os critérios de avaliação discentes. Análise do Caso e conexão com a literatura O debate deste caso deve ser iniciado com o entendimento do conceito e ambiente de Marketing. Para Kotler e Keller (2006) existem diferenças entre o marketing social, voltado para a sociedade, e o Marketing gerencial, preocupado em entender o consumidor e vender produtos adequados às suas necessidades. Dentro do escopo gerencial do Marketing, entende-se que as ferramentas do seu composto são variáveis necessárias para produzir as respostas que o mercado-alvo deseja. Mais que isso, o conceito de Marketing mix prevê uma inter-relação entre o produto, o preço, a praça e a promoção, ou 164 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. seja, qualquer alteração em uma destas variáveis pode gerar impacto nas demais. Esta inter-relação entre os 4 P´s é retratada nos dilemas vividos pelo protagonista deste caso. Composto de Marketing Produto Para Kotler e Keller (2006) o produto é algo que pode ser oferecido a um mercado, para sua apreciação, aquisição, uso ou consumo, que pode satisfazer um desejo ou uma necessidade; inclui objetos físicos, serviços, personalidades, lugares, organizações e ideias. Importante que uma empresa reconheça em que nível de produto está trabalhando e direcione seus esforços para sua ampliação, ou seja, ofereça produtos que excedam as expectativas dos clientes. Uma das decisões de produtos mais pontuais refere-se à marca, conforme aponta Basta et al. (2003). A marca quando bem trabalhada pode representar um ativo da organização, valorizar os produtos, conquistar a lealdade dos mercados e gerar significados nos consumidores. Estes significados são percepções que os consumidores têm das marcas quando as enxergam, por exemplo: Um consumidor pode olhar para uma marca e associá-la a algo valoroso, a uma personalidade, a uma cultura, a um tipo de usuário, a um atributo ou a um benefício. Na Questão 1 deve-se tratar dos significados de marca relacionados aos atributos como: durabilidade, qualidade e variedade, e aos benefícios funcionais como a praticidade na montagem da cor do cinto, especialmente porque a indústria de acessórios vem desenvolvendo produtos em nível ampliado. Preço Preço é o valor agregado que justifica a troca. Para Basta et al. (2003) a transferência de posse de um produto é planejada e adequada por esse elemento. Fundamenta-se que uma boa estratégia de preço deve integrar o valor percebido, o custo e o benefício gerado (kotler; keller, 2006). Além disso, dois aspectos devem ser contemplados no estudo do preço: administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 165 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 a O processo de estabelecimento do preço: cujo foco é no objetivo do preço; na determinação da demanda; na análise dos custos, preços e ofertas dos concorrentes; na seleção de um método de determinação de preços; e na influência dos outros elementos do Marketing mix na seleção do preço final. b Processo de adequação do preço: análise das estratégias do preço geográfico; preço com descontos; preço promocional; preço discriminatório e preço pelo mix de produtos. Na Questão 2, pode-se explorar as estratégias de adequação voltadas para o preço promocional (por exemplo, preço isca e o desconto psicológico), o preço discriminatório (por exemplo, segmento de cliente e versão do produto) e o preço pelo mix de produto (por exemplo, linha de produtos e pacotes de produto). Praça A Praça é o local ou o meio pelo qual o produto é oferecido. Fundamentase, com base em Basta et al. (2003) e Kotler e Keller (2006), que o gestor de Marketing deve planejar e administrar onde, como, quando e sob que condições o produto será colocado no mercado. Entre as suas decisões, estão a escolha do número e tipos de intermediários (varejo, atacado e distribuidor), o tipo de canal (direto ou indireto) e a política de canal (exclusiva, seletiva ou intensiva) Na Questão 3, sugere-se que seja discutida a utilização apenas de varejistas, o que caracterizaria um canal indireto. Quanto à política de canal, buscando resgatar a imagem de produto de qualidade, possivelmente maculada pela associação com um produto chinês, pode-se trabalhar com a política exclusiva (vender onde se controla a venda) ou seletiva (vender onde se vende melhor). Promoção Observa-se que promover os produtos, serviços, benefícios, valores e marcas de uma empresa, objetivando fortalecer o relacionamento de longo prazo com os seus clientes é uma atividade pertinente à área de Marketing. O 166 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. processo de divulgação entre a organização e o mercado, segundo Basta et al. (2003) e Lima et al. (2003) se dá por meio das cinco ferramentas do composto de comunicação: propaganda, promoção de vendas, relações públicas, venda pessoal e SAC. Os autores apontam vantagens e desvantagens na utilização de cada uma delas, e sugerem, assim como Kotler e Keller (2006), que sejam analisados, antes da escolha da ferramenta, o objetivo, a mensagem, o mercado e o público-alvo. Encaminha-se a Questão 4 para a utilização de quatro variáveis do composto de comunicação: a a) Propaganda (propaganda de produto ou institucional veiculando mensagens informativas e persuasivas quanto à imagem e qualidade do produto); b b) Promoção de vendas: inicialmente com foco no varejista para reforçar a imagem de qualidade dos cintos Madhes, realizando campanhas de incentivo aos vendedores das lojas. Posteriormente o foco no consumidor final, por meio de demonstrações nos pontos de venda e distribuições de amostras grátis. c c) Relações públicas: o público interno da organização precisa entender os novos horizontes e perspectivas da empresa que sua possível ida para a China pode trazer. Sugere-se que a gestão da comunicação interna publique notícias sobre os acontecimentos. d d) Venda pessoal: espera-se uma estrutura capaz de treinar os representantes comerciais para contornar as adversidades advindas da possível associação dos cintos Madhes com o produto chinês da baixa qualidade. O representante comercial é peça importante nas ações de promoção de vendas com foco tanto no varejo quanto no consumidor final. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 167 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 Readequação do Marketing mix O projeto do produto, a definição de preço, as decisões sobre os canais de distribuição e as estratégias de promoção dependem do posicionamento que a organização deseja ter no mercado, segundo Hooley, Piercy e Nicolaud (2011). Dessa forma a readequação do Marketing mix pode ser trabalhada por meio do novo posicionamento no mercado em função da maneira como o produto será definido pelos consumidores no que diz respeito aos atributos importantes. É o lugar que o produto ocupa na mente dos consumidores em relação aos produtos concorrentes. Entende-se que a Questão 5 contempla a readequação do Marketing mix a partir das estratégias de posicionamento. A partir das estratégias de adequação de preços e das variáveis do composto de comunicação adotados para competir com os baixos preços dos produtos chineses, a empresa pode explorar o modelo AIDA – A – Attention/Awareness (Atenção/ Consciência), I – Interest (Interesse), D – Desire (Desejo) e A – Action (Ação) na estruturação da mensagem e slogan do cinto Madhes e desenvolver estratégias de posicionamento pelo atributo/ benefício (durabilidade, qualidade, variedade e praticidade na montagem da cor do cinto). Podese utilizar também, o posicionamento pelo concorrente dependendo das ações de Marketing que ele adote, ou até mesmo em retaliação a alguma mensagem mais provocativa 168 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. Fontes de Dados Este caso é baseado em fatos reais de uma fábrica de acessórios brasileira, que há mais de 60 anos produz cintos, mochilas e bolsas para a América do Sul. As situações descritas são fieis à realidade investigada. Os dados secundários foram obtidos mediante pesquisas bibliográficas sobre a empresa, concorrentes e o mercado em que atuava. Na coleta dos dados primários, foram utilizadas técnicas de observação e entrevistas, ao longo do segundo semestre de 2012 e início de 2013, com ex-funcionários da organização. Em função da privacidade e da não autorização da divulgação dos nomes, tanto a empresa quanto os personagens tiveram seus nomes alterados. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 169 joão batista soares neto & outros issn 2177-6083 Referências e Bibliografia de Apoio Recomendada BASTA, D.; MARCHESINI, F.R.A.; OLIVEIRA, J.A.F.; SÁ, L.C. Fundamentos de Marketing. Rio de Janeiro: FGV, 2003. CHINA reconhece fraca qualidade de produtos que exporta para o mundo. O país online. São Paulo, 13/12/2012. Disponível em: <http://www.opais.co.mz/index.php/ economia/38-economia/23360-china-reconhece-fraca-qualidade-de-produtos-queexporta-para-o-mundo.html> Acesso em: 12/05/2013. DIAS, S.R. Gestão de Marketing. São Paulo: Saraiva, 2003. FALCÃO, C. Brasil Cresce 2,7% em 2001 e vira a 6ª economia do mundo. Portal IG. Rio de Janeiro, 06/03/2012. Disponível em: <http://economia.ig.com.br/economiabrasileira-cresce-27-em-2011/n1597665838398.html> Acesso em: 12/05/2013 HOOLEY, G.; PIERCY, N.; NICOLAUD, B. Estratégia de Marketing e posicionamento competitivo. 4.ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. KOTLER, P.; KELLER, K.L. Administração de Marketing. 12.ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. LIMA, M.F.; SAPIRO, A.; VILHENA, J.B.; GANGANA, M. Gestão de Marketing. Rio de Janeiro: FGV, 2003. RIES, A.; TROUT, J. Posicionamento: a batalha por sua mente. São Paulo: Pearson Makron Books, 2002. URDAN, F.T.; URDAN, A.T. Gestão do composto de Marketing. São Paulo: Atlas, 2006. WENZEL, M. Produtos chineses enfrentam crise de credibilidade. BBC Brasil.com. São Paulo, 06/07/2007. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/ story/2007/07/070706_marinaprodutoschinafp.shtml> Acesso em: 12/05/2013. 170 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix? o caso da ramadhes & cia ltda. Dados dos Autores João Batista Soares Neto* [email protected] Mestre em Administração pela UFRN Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba João Pessoa/PB – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Marketing. * Universidade Federal da Paraíba /PPGA Cidade Universitária – Castelo Branco João Pessoa/PB 58051-900 Anielson Barbosa da Silva [email protected] Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba João Pessoa/PB – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Aprendizagem Gerencial e Organizacional, Gestão por Competências, Comportamento Organizacional e Gestão Pública. André Gustavo Carvalho Machado [email protected] Doutor em Administração pela UFPE Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba João Pessoa/PB – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 147–171 jan fev mar 2014 171 Grupo Bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do Nordeste brasileiro The Bonaparte Group: learning from a chain of estaurants in Brazil’s Northeast Recebido em: 07/06/2013 Aprovado em: 22/07/2013 Avaliado pelo sistema double blind review Editora Científica: Manolita Correia Lima Viviane Santos Salazar [email protected] Walter Fernando Araújo de Moraes universidade federal de pernambuco Yákara Vasconcelos Pereira Leite universidade federal rural do semi-árido Resumo Este caso de ensino visa mostrar os desafios enfrentados por uma empresa de food service, o Grupo Bonaparte, no processo de expansão internacional. A corporação está ampliando as suas atividades para um mercado mais competitivo que é o norte-americano, com isso, vem passando por novas e difíceis situações. Alguns questionamentos permeiam as ações da empresa, a saber: Por que a corporação escolheu os Estados Unidos que é o berço do fast food, pioneiro no setor de franquias e muito mais competitivo do que o brasileiro? Quais as vantagens de entrar nesse mercado? O caso pode ser utilizado nas turmas de graduação, posterior ou concomitante aos conceitos básicos de Administração Estratégica de Internacionalização de Empresas e de Marketing. Recomenda-se o uso especialmente em sessões que estratégias internacionais, marketing de serviços, estratégias de crescimento, vantagem competitiva e empreendedorismo estejam sendo discutidos. Palavras-chave: caso de ensino; estratégias de internacionalização; restaurantes. Abstract This teaching case aims to demonstrate the challenges faced by a food service company, in this case, the Bonaparte Group, undergoing a process of international expansion. The corporation is expanding its activities to a more competitive market, the US, and so faces new and difficult situations. Certain issues are central to the company’s actions: why choose the US – the birthplace of fast food and global leader in the franchise industry, which is also much more competitive than Brazil. What are the advantages of entering this market? The case is intended for use at the undergraduate level, after or at the same time as basic strategic internationalization in business administration or marketing courses. It is especially recommended for sessions in which international strategies, marketing services, growth strategies, competitive advantage and entrepreneurship are being discussed. Keywords: teaching case; internationalization strategies; restaurants. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 173 viviane santos salazar & outros issn 2177-6083 Introdução Baseado no desenvolvimento tecnológico nos sistemas de transporte e de comunicação tem sido possível às nações intensificar suas relações econômicas, ampliando o acesso a insumos e a mercados com resultados crescentes na internacionalização das empresas que pode ser conceituada como um processo crescente e continuado de envolvimento de uma empresa nas operações com outros países fora de sua base de origem. A internacionalização antes muito mais restrita aos produtos manufaturados está aumentando também no setor terciário dos serviços graças, principalmente, a economia da informação facilitada pela difusão da microeletrônica. No mercado global, a participação dos serviços na economia tem aumentado consideravelmente e diversos tipos de serviços respondem por 30% do comércio mundial. Este crescimento não está restrito aos países desenvolvidos. Nações em desenvolvimento como China e Indonésia empregam quase 40% da sua força de trabalho no setor de serviços. Dentre os fatores que têm contribuído para a internacionalização deste setor destacam-se a criação da Organização Mundial do Comércio (omc) e o estabelecimento dos blocos econômicos regionais como a nafta (North America Free Trade Agreement) e a União Europeia; os avanços tecnológicos em informação e telecomunicações e a diferenciação dos produtos por meio da incorporação de serviços (kon, 1999). Dentre os serviços, a indústria da alimentação fora do lar tem se consolidado como uma das principais atividades econômicas de vários países. No Brasil, segundo dados do ibge/abia, em 1998 a porcentagem gasta com alimentação fora do lar era de 22,5%, em 2009 já representava 28,9%, e em 2010 representou 31%. Esse percentual é inferior ao verificado nos Estados Unidos, porém, é maior do que a média nos 27 países que compõem a União Europeia (abia, 2010). Apesar da crise econômica e financeira que reverteu à tendência de crescimento da participação da alimentação fora do lar, nos eua o percentual do consumo fora do lar chegou a 51% em 2006 e recuou para os atuais 42%. O cenário gastronômico brasileiro tem 174 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro se modificado bastante graças principalmente à efervescência econômica dos últimos anos. Segundo a Revista exame (2011), desde 2004 o número de restaurantes e lanchonetes cresceu 9% e os estabelecimentos tiveram um aumento no movimento, 87% mais do que há cinco anos. Em 2010, o mercado de food service movimentou cerca de R$ 180 bilhões e para os próximos dez anos estima-se que os brasileiros passarão a fazer não só uma, mas duas alimentações fora do lar, o que fará com que o número de refeições fora de casa salte de 57 milhões para 80 milhões por dia. O número de restaurantes no Brasil passou de 320.000 em 2004 para 350.000 em 2008. Um dos fatores que podem explicar esse crescimento está na crescente integração das mulheres ao mercado de trabalho. Em menos de três décadas, o número de mulheres economicamente ativas quase dobrou. Segundo dados do ibge, no ano de 1971 a participação das mulheres na População Economicamente Ativa era de 23%, aumentando para 43,6% em 2008, e a expectativa é que em 2012, 46% da população de trabalhadores brasileiros seja do sexo feminino (ibge, 2010). Outro ponto importante a ser analisado é o aumento da distância em quilômetros, e tempo gasto, especialmente nas grandes metrópoles, entre o local de trabalho e a residência, indicando que as pessoas não têm mais tempo para fazer suas refeições em casa. Ainda segundo este estudo, as regiões Norte e Nordeste apresentam os menores percentuais, sendo que pouco mais de 20% das despesas familiares com alimentação são realizadas fora do lar. Com base nesses dados, este caso de ensino visa mostrar os desafios enfrentados por uma empresa totalmente nordestina de food service, o Grupo Bonaparte, no processo de expansão internacional. A corporação está ampliando as suas atividades para um mercado muito mais competitivo que é o norte-americano, com isso, vem passando por novas e difíceis situações. Então, por que a corporação escolheu os Estados Unidos que é o berço do fast food, pioneiro no setor de franquias e um mercado muito mais competitivo do que o brasileiro? Quais as vantagens que o Grupo Bonaparte pode conseguir no mercado americano? Devido a sua importância regional e nacional, o processo de internacionalização do Grupo Bonaparte é um caso interessante para administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 175 viviane santos salazar & outros issn 2177-6083 se estudar. Desse modo, o leitor se posicionará como os atuais gestores da empresa para refletir sobre quais ações da administração estratégica deverão implantar com o objetivo de manter a cadeia de restaurantes em atividade também nos mercados estrangeiros. 176 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro O Grupo Bonaparte O grupo Bonaparte surgiu em 1996, da parceria entre os empresários Leonardo Lamartine e Roberto Bitu, respectivamente sócios diretores e responsáveis pela administração do grupo. Atualmente é líder de vendas por metro quadrado nos shoppings em que atua no Nordeste, além de se encontrar na 28ª posição entre as 100 franquias mais lucrativas em atividade no Brasil, inclusive considerando as multinacionais, segundo a Associação Brasileira de Franchising, em uma pesquisa feita em 2009. Hoje, o grupo possui mais de 56 lojas espalhadas em 13 estados da federação, mais especificamente nas regiões Nordeste e Centro Oeste. Seu principal produto são refeições, a maioria é servida no horário do almoço nas praças de alimentação dos shoppings centers. O volume de vendas mensal é de aproximadamente 5.500 pratos/loja. Em 2009, o grupo Bonaparte apresentou um faturamento 15% superior ao de 2008. O bom momento da marca se reflete, ainda, no primeiro trimestre de 2010, período em que apresentou um crescimento de 8% em relação ao ano anterior. Levado pelo desenvolvimento da economia de Pernambuco, que graças a investimentos estruturantes como o Estaleiro Atlântico Sul e investimentos no Porto de Suape tem apresentado um crescimento de 7% ao ano, superior a maioria dos Estados do país. Além disso, o grupo planeja mais uma expansão para o interior pernambucano e para o Sudeste do país. Como prova da ousadia e empreendedorismo dos seus diretores, o Grupo Bonaparte foi a primeira empresa brasileira, no segmento fast food, a inverter a regra migratória das franquias, que invariavelmente indicava um fluxo do Sudeste para o Nordeste, inaugurando, em 2002 – sete anos depois de sua criação - a primeira franquia Bonaparte no Rio de Janeiro. O Grupo possui em média sessenta funcionários diretos trabalhando em seu escritório e 1.500 trabalhando em alguma de suas franquias. Atualmente, a corporação possui cinco marcas: (i) o Bonaparte; (ii) o Donatário; (iii) o Monalisa; (iv) o Galileu; e (v) o Bossa Grill – inaugurado em julho de 2010, sendo este último localizado na cidade de Wichita, Estado do Kansas, nos Estado Unidos da América. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 177 viviane santos salazar & outros issn 2177-6083 O Bonaparte foi a primeira marca do grupo e surgiu em 1998 após um cuidadoso estudo mercadológico que detectou alguns anseios de clientes habituais de fast food que ainda não haviam sido satisfatoriamente respondidos. O Bonaparte encontrou o seu trunfo na racionalização do cardápio e na otimização do espaço físico reduzido, comum a grande parte dos restaurantes localizados dentro de shopping centers. A composição do cardápio e a agilidade do atendimento, no entanto, são inversamente proporcionais à área que o restaurante ocupa. O cardápio tem como base cortes de ave, carne, peixe e oferece até 15 opções de acompanhamento, com inúmeras possibilidades de combinação entre si. O Bonaparte revolucionou o conceito geralmente atribuído a refeições rápidas, que fixou a ideia de uma alimentação pobre em sabor e aparência. Utilizando ingredientes nobres, carnes de primeira e absoluto rigor e padronização na preparação dos pratos, o Bonaparte tem se firmado como uma opção gastronômica de alto nível, sem que seja necessário sacrificar a agilidade exigida por sua característica de fast food. Na rede Donatário, o camarão é o carro-chefe, embora o cardápio também contemple receitas de filé, peixe, salmão, risotos, saladas e massas. Fornecidos por grandes fazendas de carcinicultura do país, com tamanho maior, os camarões utilizados nos pratos do Donatário são précozidos, sem casca, preparados na hora, a pedido do cliente, garantindo assim, a preservação de textura e sabor. O Galileu é uma reformulação do antigo Galetasso e originalmente objetivava ser uma opção requintada para quem escolhia pratos a base de frango como refeição principal. No entanto, a nova linha de comunicação visa estabelecer um conceito de culinária contemporânea, que oferece opções distintas de pratos, misturando sabores e ingredientes como demanda a cozinha moderna. Nessa marca, são oferecidos pescados, carnes, aves e saladas em pratos requintados, sofisticados e novos, como diz o slogan adotado “Reinventando o sabor”. O Monalisa surgiu baseado na ideia de apostar na cozinha italiana, após três bem sucedidas experiências do Grupo Bonaparte. O tema 178 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro Itália também foi usado na concepção de sua marca e no layout dos restaurantes. A identidade visual do empreendimento utilizou elementos dessa cultura. Por fim, a última marca a ser lançada e objeto de análise deste estudo foi o Bossa Grill. Esse produto foi todo concebido para dar início ao processo de internacionalização do Grupo Bonaparte conforme será tratado a seguir. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 179 viviane santos salazar & outros issn 2177-6083 O Processo de Internacionalização A efetiva abertura de uma operação nos eua aconteceu apenas em julho de 2010 apesar do processo ter iniciado em 2008. Os empreendedores do Grupo Bonaparte já pensavam em internacionalizar a empresa e estavam fazendo prospecções de mercado nos eua. Em 2008, o grupo foi procurado por um administrador financeiro que já havia trabalhado por muitos anos no Grupo pernambucano renda, Sr. Alberto Moreira, e cujo filho trabalhava e residia nos Estados Unidos, especificamente na cidade de Wichita, Estado do Kansas. Este estava interessado em montar um restaurante com apelo à cultura brasileira nesta cidade que é a maior do Estado do Kansas. Nela estão localizadas todas as empresas de aviação particular e por isso tem um fluxo de turista de negócio muito grande. A escolha pelo Grupo se deve à reputação positiva e o pioneirismo no mercado de franquias. O processo teve início em julho de 2008, quando o Sr. Alberto mudou-se para Wichita para dar início às pesquisas de marketing, prospecção de mercado e efetiva abertura da empresa. Porém, em setembro daquele ano, uma grave crise financeira afetou a economia mundial e os planos foram adiados. Na visão dos empreendedores, apesar da crise ter retardado o início das operações devido à alta do dólar e consequente aumento do investimento para o setor de alimentação nos eua, ela se mostrou favorável para o tipo de produto, o Bossa Grill, que o Grupo Bonaparte formatou como restaurante casual dinner, tratado adiante. Para Luiz, gerente de marketing do grupo: Não foi uma questão de falta de mercado nos Estados Unidos, muito pelo contrário, o mercado até melhorou com esse segmento de fast casual, pois, caiu o ticket médio e as pessoas deixaram de comer nos restaurantes mais chiques para ir comer nesse modelo de operação [...]. Mas havia um problema do câmbio então, o câmbio oscilando sem a gente saber onde ia parar inviabilizou o investimento naquele momento (informação verbal). No processo de internacionalização, uma das decisões mais importantes se refere onde “entrar” primeiro. Dentre as explicações dos destinos escolhidos pelas empresas para darem início ao processo de internacionalização destacam-se as vantagens de localização - abundância de recursos 180 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro naturais ou humanos com qualidade e baixo custo, know how tecnológico, infraestrutura, instituições, tamanho do mercado, estabilidade política e econômica, regime cambial e esquema de política econômica - oferecidas por um dado país ou região. O mercado de alimentação fora do lar nos EUA é muito maior do que o brasileiro, a média de gastos das famílias americanas com alimentação gira em torno de 42%, bem acima do gasto dos brasileiros (31%) e parece ter sido justamente esta a maior razão da escolha do país de destino como afirma o Sr. Luís: Porque é um mercado muito desenvolvido, a gente tem um lado de consumo super favorável lá. Mais de 40% do que se ganha de renda nos Estados Unidos se gasta com alimentação fora do lar, então, eles comem muito fora de casa, então, é um mercado pulsante (informação verbal). Este pensamento é corroborado por Leonardo Lamartine quando afirma que: Então, é um mercado extremamente desenvolvido, porém, muito concorrido. Lá nos Estados Unidos, 42% da renda do americano é gasta com refeições fora do lar [...] o que chamou atenção foi os números e a estabilidade, vamos dizer assim, para planejamento (informação verbal). As razões que levaram o grupo a buscar mercados internacionais foram tanto a expansão de mercado como também o perfil empreendedor do seu principal diretor-fundador, Sr. Leonardo Lamartine. A primeira escolha foi em que cidade se instalar e a definição por Wichita no Estado do Kansas não foi fácil. A princípio, os empreendedores ficaram muito receosos principalmente pela cidade ser do interior e ter um clima muito diferente do tropical. Mas devido à rede de relacionamentos do Sr. Alberto e do seu filho Marcelo naquela cidade ser muito extensa optou-se pelo início da operação nela. Ademais, segundo Leonardo, em cidades maiores como Dallas, Chicago ou Nova York a nova marca iria ser fortemente atacada pela concorrência. Porque se o início ocorresse por Miami ou Orlando, a rede poderia sofrer preconceito do restante dos Estados Unidos. Definido o início do processo, faltava resolver qual seria o produto a ser internacionalizado. A princípio pensou-se em internacionalizar a marca Bonaparte, visto que esta é a mais antiga e mais consolidada marca do grupo. Porém, após várias pesquisas de mercado realizadas em parceria administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 181 viviane santos salazar & outros issn 2177-6083 com a Universidade do Kansas, percebeu-se certa resistência em relação ao nome Napoleão Bonaparte e a cultura francesa. Em contrapartida, esta mesma pesquisa identificou certa aceitação da cultura brasileira e dentre os cinco nomes que os americanos associavam com a cultura brasileira – Pelé, Bossa Nova, Samba, Amazônia e Rio de Janeiro – escolheu-se trabalhar com a temática da Bossa Nova. O modelo de negócio adotado foi o chamado fast casual. Este modelo de serviço difere dos restaurantes tradicionais porque agrega características do fast food com pratos de qualidade e preços acessíveis. Assim, o produto foi pensado e desenvolvido considerando esta temática conforme atesta o gerente de marketing: A gente procurou trabalhar a temática da Bossa Nova em todo o contexto do restaurante então, as cores pretas, brancas e vermelhas foram tiradas do que era usual da Bossa Nova. O calçadão de Copacabana virou marca da Bossa Grill, [...] na loja a gente tem a entrada do restaurante todo do calçadão de Copacabana até o caixa então ele entra mesmo nessa cultura do Rio de Janeiro. Têm quadros em preto e branco mostrando o Rio de Janeiro, o Corcovado, o Pão de Açúcar então ele vai começando a interagir com essa cultura da Bossa Nova. O som é todo Bossa Nova, tocando o dia inteiro dentro do restaurante [...](informação verbal). Apesar de a temática do restaurante ser Brasil, o Bossa Grill não é mais um restaurante brasileiro nos eua para um público de brasileiros que moram nos eua e sentem falta da comida. O cardápio é de comida internacional, porém com toques brasileiros como, por exemplo, o feijão preto e a tentativa de introduzir a farofa de mandioca. Na concepção do cardápio houve adaptações para o gosto do americano. O cardápio foi concebido usando um mix dos melhores pratos das quatro marcas brasileiras e adaptados ao paladar americano no que se refere ao sabor – mais picante e adocicado – e gramatura – pois o americano come mais. Sobre esse aspecto Luís relata que: A gente procurou reunir os melhores pratos dessas marcas e adaptar para o paladar americano. E o nosso foco é vender para americano e não vender para brasileiro e nem para latino. A gente tem um público de brasileiro e latino 182 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro grande pela temática do restaurante, mas a gente procurou pegar o melhor das outras marcas do Brasil adaptar para o paladar americano, trabalhar [...] sabor para que a gente pudesse atingir melhor o público americano (informação verbal). A adaptação aconteceu também no que se refere não só a legislação trabalhista, mas ao método de trabalho, pois na cultura americana, o trabalho é bastante diferente da brasileira. Se por um lado não há uma carga tributária muito alta atrelada à manutenção de um funcionário, por outro lado não há comprometimento do trabalhador com a empresa conforme atesta Luís: A gente teve que se ajustar a algumas culturas profissionais, cultura deles mesmo com relação a trabalho, a como lidar com o trabalho, a maneira como as coisas fluem no processo, precisavam estar definidos para que eles tivessem facilidade de operar dentro da loja que é um pouco diferente do que a gente tem aqui no Brasil. Aqui no Brasil a gente contrata um cozinheiro e ele tem lá um livro de receita e ele executa. Mas nos Estados Unidos você precisa dizer a hora que ele começa a fazer isso, a hora que ele começa a fazer aquilo porque ele segue exatamente o que está no livro e o que tiver fora do livro não espere porque ele não vai fazer (informação verbal). Por fim, uma inovação importante no que se refere ao produto é que no Brasil, todas as marcas operam em praças de alimentação em shoppings centers e nos Estados Unidos o Bossa Grill é uma operação de rua. O modo de entrada no mercado norte-americano foi a franquia. Foram montadas nos eua duas empresas: uma empresa franqueadora máster – Bossa Group formada por quatro sócios: o grupo Bonaparte, o grupo Renda, Michael R. Biggs – advogado americano especialista em franquias e Alberto Moreira – sócio minoritário. E esta franqueadora fez o investimento na primeira loja do grupo de aproximadamente US$ 500 mil. O planejamento inicial era após seis meses inaugurar outra unidade também com capital próprio no oeste da Wichita, mas no momento, este prazo foi reprogramado. Apesar disso, o Bossa Group tem metas bastante ousadas, visto que o projeto é que em 10 anos de operação nos EUA o número de operações seja o dobro das operações no Brasil, ou seja, em mais ou menos 100 restaurantes abertos. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 183 viviane santos salazar & outros issn 2177-6083 Isto graças à dinâmica do mercado que é bastante diferente nos dois países. Enquanto que no Brasil cada franqueado tem poucas lojas, nos EUA quando uma franquia decide expandir “[...] encontra os fundos de investimentos privados, e montam quarenta ou cinquenta lojas numa tacada só, diferente do que acontece aqui no Brasil”, conforme afirma Leonardo. É interessante também destacar a rede de relacionamentos do principal executivo do Grupo Bonaparte e o seu papel neste processo de internacionalização. Durante quatro anos, Leonardo Lamartine foi também Presidente da abrasel – Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, seccional Pernambuco. E neste tempo fez várias viagens aos Estados Unidos para participar da nra (National Restaurant Association), maior feira de alimentação do país, e nesta feira fez vários contatos com fornecedores o que facilitou o início das operações nos eua, visto que a rede cobre basicamente todo o território americano, conforme atesta Leonardo: Acho que o fato de eu ter sido presidente da abrasel foi que me trouxe o contato que eu tenho com o consulado americano [...] o fato de eu ser muito organizado em relação ao meu network, no sentido, de eu sempre anotar os contatos que eu faço, quais são as empresas e tal, independente de eu nem imaginar que ia para os Estados Unidos, mas isso me ajudou também na busca de fornecedores, os contatos, por exemplo, do pessoal da Micros que é uma empresa de sistema de informática, que atende a gente em Wichita, foram feitos nessas feiras da nra [...](informação verbal). Também graças a essas viagens e a este papel desempenhado, Leonardo conheceu o Michael Biggs, um dos maiores advogados especialistas em franquias dos eua, que se tornou sócio da empresa franqueadora e tem o papel de desenvolver essa rede de relacionamento para a continuidade da expansão. Quanto ao futuro da internacionalização do Grupo, o plano é consolidar a marca nos Estados Unidos e expandir para Estados como Flórida e Texas. Para isso, a empresa procura brasileiros com perfil empreendedor que queiram imigrar para os Estados Unidos conforme atesta Leonardo: Está dentro da nossa estratégia de expansão, pessoas que querem migrar para os Estados Unidos, que tem um perfil de empreendedor, que tem um perfil 184 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro de investimento [...] e aí nosso escritório de advocacia que já nos atende vão dar todo o suporte para fazer uma migração legal e isso é muito comum nos Estados Unidos (informação verbal). Fora dos Estados Unidos, o grupo iniciou conversas com empresários Angolanos e as negociações estão bastante avançadas. E quanto a Portugal, onde as conversas são iniciais, em ambas as operações a marca usada será a Bonaparte. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 185 viviane santos salazar & outros issn 2177-6083 Possíveis obstáculos Para continuar o processo de internacionalização, os desafios que se apresentam ao Grupo Bonaparte são muitos. Os gestores não sabem ao certo quando e onde será inaugurado o próximo restaurante da rede. Existem de 6 a 8 candidaturas de investidores de Miami para a marca Bossa. Enquanto que em Portugal e na Angola, pretende-se implantar a Bonaparte. Todavia, deve-se questionar: será que a marca Bonaparte é a mais adequada para Portugal e Angola? Além disso, problemas econômicos no caso de Portugal e sociopolíticos na Angola precisam ser analisados antes de efetivar um contrato de franquia. A legislação também é um aspecto relevante no processo de internacionalização de serviços. Houve muitas adaptações que precisaram ser feitas como o número de funcionários de loja. Pela própria legislação trabalhista nos eua, para operar uma loja são necessários mais funcionários, pois muitos simplesmente param de trabalhar quando querem, como explica o Sr. Luís: [...] não esperava que eu precisasse de tantos funcionários pra preencher um schedule curto, o que acontece, eu posso ter 40 funcionários, selecionar tantos para aquele horário e tanto faz ele vir ou ele não vir, porque se ele tiver nesse horário em outro lugar, ele também não avisa, ele simplesmente não vem, então é questão de um comprometimento profissional com a empresa, a gente sentiu um certo choque no início. Aí depois a gente percebeu que realmente precisamos ter um leque grande, porque na hora que um não vem o outro vem, a gente chama de última hora e vai preenchendo as lacunas (informação verbal). Além desse cuidado com a escala de trabalho, a organização precisou se posicionar perante os funcionários de um modo que não fosse processada. Diferentemente do que acontece no Brasil, o gestor que atua no território americano não pode nem perguntar ao subordinado qual a sua religião ou se fuma. Outro aspecto tem relação com descrição do trabalho, é preciso apresentar todo o procedimento minuciosamente, do contrário, as atividades não serão realizadas pelos funcionários. Esse tipo de adaptação seria um 186 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro tipo de responsividade operacional, existente na internacionalização de serviços? Quanto à concorrência, com o ticket médio em torno de 10 a 12 dólares por pessoa, ainda é cedo para dizer se o produto Bossa obteve sucesso, porém, mesmo com esse grande mercado, será que a escolha da localização foi acertada? O Sr. Luís faz comentários sobre o assunto: Meus concorrentes nos Estados Unidos seriam basicamente Pei Wei, que é uma operação de lá, é uma operação fast casual de um à la carte lá [...], comida chinesa oriental, acho que o Pei Wei e um pouco o Chipotle que é uma operação aqui, que não sei se pertencia ao McDonalds (informação verbal). Diferentemente do Pei Wei e do Chipotle, o Bossa não é uma marca conhecida e nem tampouco está com pretensão de se expandir para outros países além dos eua. Não seria este mais um ponto fraco da marca? Talvez uma opção fosse tratar a comunicação de marketing de forma integrada com o apelo multimarcas, passando a apresentar o Bonaparte, Monalisa, Donatário, Galileu e Bossa como pertencentes ao mesmo grupo. Isso talvez facilitasse a internacionalização do Grupo. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 187 viviane santos salazar & outros issn 2177-6083 Notas de Ensino Objetivos educacionais • Fazer com que os alunos avaliem e discutam o processo de internacionalização de um restaurante, as principais estratégias adotadas, considerando o seu conteúdo, contexto e processo (pettigrew, 2012); • Relacionar o embasamento teórico às atividades desenvolvidas pela organização em foco, e fazer com que os alunos sejam capazes de discernir e tomar decisões estratégicas sobre o processo de internacionalização de uma empresa (andersson, 2000; butler; doktor; lins, 2010; carneiro; dib, 2007; dunning, 1988, 1989; edvardsson; edvinsson; nyström, 1993; erramilli, 1990; erramilli; rao, 1990; erramilli, 1993; farhi et al., 2009; ferreira et al., 2009; ford, 2002; hilal; hemais, 2003; javalgi; martin, 2007; johanson; vahlne, 1977, 2009; knight, 1999; kon, 1999; kovacs, 2009; leite; moraes, 2013; lovelock; yip, 1996; vernon, 1966; zeithaml; bitner, 2003). Utilização recomendada O caso pode ser utilizado nas turmas de graduação, posterior ou concomitante aos conceitos básicos de Administração Estratégica de Internacionalização de Empresas, Marketing Estratégico, Empreendedorismo e Gestão de Pessoas. Recomenda-se o uso, especialmente em sessões que estratégias internacionais, marketing de serviços, estratégias de crescimento, vantagem competitiva, gestão de pessoas e empreendedorismo estejam sendo discutidos. Em Gestão de Pessoas, o destaque se dá nos aspectos culturais do trabalhador nativo em comparação com a cultura brasileira, bem como dos expatriados, ao mencionar a estratégia da empresa em buscar brasileiros para serem franqueados nos Estados Unidos. Fonte de obtenção de dados Os dados que fundamentaram este trabalho foram coletados em fontes bibliográficas e em entrevistas realizadas com o gerente de marketing do 188 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro Grupo Bonaparte e o diretor executivo Leonardo Lamartine durante o período de novembro e dezembro de 2010. Ademais, informações do site do próprio grupo, da revista Exame, dos livros e de artigos acadêmicos foram coletadas até 2013. Questões para discussão Algumas questões são apresentadas para apoiar a discussão do caso: 1 Como você descreve o ambiente de negócios do Grupo Bonaparte? Quais as principais oportunidades e ameaças do ambiente? 2 Descreva o ambiente interno da marca Bossa, identificando as suas forças e fraquezas. 3 Qual foi o modo de entrada escolhido pelo Grupo Bonaparte para se internacionalizar? Quais motivos levaram a essa escolha? 4 A distância psíquica foi determinante no processo de internacionalização? Por quê? 5 Por que a escolha dos EUA, considerando que é um mercado muito mais competitivo do que o brasileiro? 6 Quais foram as ações de responsividade na concepção do produto Bossa Grill? Elas foram necessárias? Por quê? 7 Para se internacionalizar, o Grupo Bonaparte fez ajustes na sua operação, diretamente relacionados às pessoas. Quais são as consequências dessa ação? 8 Quais são os desafios da gestão de pessoas para implantar as estratégias empresariais? 9 Como os gestores devem tratar a concorrência americana? 10 A cadeia de restaurantes possui alguma vantagem competitiva? Por quê? 11 Qual foi o papel das redes de relacionamentos para a internacionalização? 12 Como o empreendedor influenciou as estratégias ao longo da trajetória do Grupo Bonaparte? 13 Como dimensões do empreendedorismo, oportunidades e inovação, foram trabalhadas pelos dirigentes? 14 Quais as vantagens que o Grupo Bonaparte pode conseguir no mercado americano? administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 189 viviane santos salazar & outros issn 2177-6083 15 No lugar dos dirigentes, qual seria o seu plano e ações para continuar o processo de internacionalização? Finalmente, o professor retoma o objetivo da discussão, sintetiza as principais ideias, confere se as temáticas foram cobertas e faz ligação com os assuntos já discutidos em sala de aula e os que serão apresentados nos próximos encontros. 190 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro Referências ABIA. Disponível em: <http//:www.abia.org.br>. Acesso em: 16/09/2010. ANDERSSON, S. The Internationalization of the firm from an entrepreneurial perspective. International Studies of Management & Organization, v. 30, n. 1, p. 63-92, 2000. BUTLER, J. E.; DOKTOR, R.; LINS, F. A. Linking international entrepreneurship to uncertainty, opportunity discovery, and cognition. Journal of International Entrepreneurship, v. 8, n. 2, p. 121-134, 2010. CARNEIRO, J.; DIB, L. A. 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Yákara Vasconcelos Pereira Leite [email protected] Doutora em Administração pela UFPE Instituição de vinculação: Universidade Federal Rural do Semi-Árido Mossoró/RN – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Administração estratégica, Marketing, Ensino e Pesquisa em Administração e internacionalização. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–193 jan fev mar 2014 193 Guaraná Orgânico: Ecodesenvolvimento e Comércio Justo Guarana Organic: Fair Trade and green development Recebido em: 31/07/2013 Aprovado em: 27/09/2013 Avaliado pelo sistema double blind review Editora Científica: Manolita Correia Lima Adriana Teixeira Bastos [email protected] Cora Franklina do Carmo Furtado universidade estadual do ceará Fátima Regina Ney Matos universidade de fortaleza Mário Henrique Ogasavara escola superior de propaganda e marketing Resumo O objetivo do caso de ensino é apresentar o Projeto Wará, que desenvolve uma produção sustentável no sentido de agregar valor para os consumidores. O caso descrito ilustra o dilema entre a possibilidade de ampliação de atividade econômica, tendo como pano de fundo os negócios internacionais e questões éticas e culturais que levam em consideração não somente a sustentabilidade econômica, mas principalmente a ambiental e a social. Trata-se de uma história complexa, pois incorpora elementos de diferentes áreas do conhecimento, como estratégia internacional, desenvolvimento sustentável, ética e organização social. O questionamento principal a ser trabalhado no caso de ensino é identificar como o Consórcio dos Povos Aisó Ayira, responsável pelo Projeto Wará, pode proteger a produção da concorrência, que oferece um produto semelhante e mais barato, para garantir a sua sustentabilidade. Palavras-chave: sustentabilidade; comércio justo; guaraná; índios da Amazônia; comércio internacional. Abstract This case presents the Wará Project, which develops sustainable production in harmony with nature in order to add value and educate consumers, as well as ensure production for present and future generations (WCED, 1991). The case illustrates the dilemma between possible economic growth against the backdrop of international business and ethical and cultural issues, which take into account not only economic sustainability, but primarily environmental and social sustainability. This comprises a complex story, as it incorporates elements from various areas of knowledge, such as international strategy, sustainable development, ethics and social organization. The main issue for discussion in this teaching case is the identification of how the Consortium Peoples Aisó Ayira, responsible for Project Wará, can protect against the competition, which offers a similar, cheaper product, to ensure their sustainability. Keywords: sustainability; fair trade; guarana; Amazonian Indians; international trade. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 195 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 Introdução Moaci está na Vila de Guaranatuba, no Rio Andira, Estado do Amazonas, em um dia claro de 2004, ouvindo mais uma vez a estória que D. Iara, produtora de guaraná, costuma contar sobre a origem do guaraná. Com voz doce e macia, ela lembra que havia na floresta uma índia que, ao saber que estava grávida, decidiu plantar uma castanheira para que seu filho quando estivesse grande pudesse comer dos seus frutos. Entretanto, quando o menino já estava crescido e a castanheira produzindo frutos abundantemente, os tios da criança, por inveja, decidiram seguir a criança e espancá-la até a morte. A mãe, ao encontrar o rapaz morto, retirou os olhos dele e os plantou, profetizando que deles nasceria uma planta que se espalharia pelo mundo todo e que seria muito amada e respeitada nos quatro cantos da terra. Enquanto espera pelos líderes das tribos e organizações parceiras para analisar e decidir o futuro do Projeto Wará, Moaci imagina que o guaraná surgiu predestinado para ganhar o mundo. Moaci idealizou o projeto há 18 anos e sempre soube que não era objetivo do projeto deixar o produtor rico da noite para o dia. A sustentabilidade econômica, ecológica e social sempre foi a principal proposta, afinal, os integrantes da tribo assumiram que as gerações anteriores tinham se engajado a um sistema de mercado que poderia levar à destruição da floresta Amazônica e a sua geração não podia incorrer nesse erro novamente. Moaci e a tribo acreditavam que o ecodesenvolvimento só poderia acontecer se a produção respeitasse a natureza, o homem e a sociedade. Este era o conceito de sustentabilidade para eles. Não adiantava produzir o guaraná, exportar e ganhar dinheiro se não proporcionasse o desenvolvimento sustentável. A luta foi difícil, no início, reuniam-se as famílias de produtores indígenas como sujeitos autônomos dentro da sociedade Aisó Ayira e na economia mundial, respeitando a cultura tradicional comunitária e o papel da produção coletiva de renda econômica. Também, foram vencidos os entraves com a grande indústria do guaraná, que tentava disseminar uma forma pouco natural de produção em nome da produtividade. 196 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo Hoje, depois de superado estes desafios iniciais, a realidade é outra. Os líderes estão se reunindo para definir qual o caminho a percorrer, agora que a concorrência está baixando cada vez mais o preço do produto. A cooperativa de caboclos, que há muitos anos também se fixou no Amazonas, produz guaraná orgânico em regime de monocultura e, com o aumento da produção, baixam seus preços. Os distribuidores reivindicam ao Projeto Wará uma maior produção. Todavia é difícil, mesmo por meio do consórcio, com a produção semidoméstica, aumentar a oferta do guaraná para os níveis desejados. Diante deste cenário, decidir como a comunidade indígena produtora de guaraná poderá se proteger da concorrência, que oferece um produto semelhante e mais barato, é o dilema que Moaci precisa resolver o mais rápido possível, pois o Projeto Wará respeita os padrões de ecodesenvolvimento e os princípios do comércio justo. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 197 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 Guaraná, a semente do conhecimento, dela emerge o desenvolvimento O Guaraná – que na língua indígena significa “o início de todo o conhecimento”, é cultivado há centenas de anos na Amazônia Brasileira. Porém, somente no século xviii que foi classificado pelo botânico alemão Christian Franz Paullini como Paullinia cupana, variedade Sorbilis (SFB, 2013). O cultivo do guaraná é muito importante para a cultura religiosa dos povos Aisó Ayira, desempenhando um papel simbólico similar ao do vinho na liturgia católica. Os Aisó Ayira são hoje uma tribo de cerca de 8.000 pessoas que vivem em 80 aldeias no norte do Brasil. Elas cultivam o guaraná em um sistema conhecido como semi-domesticação. Coletam as sementes que caem das árvores de guaraná na floresta, e as plantam nas clareiras, onde são aguadas pela chuva e precisam de cuidados mínimos. Na floresta, o guaraná pode crescer até 12 metros. As flores brancas das árvores crescem em longos cachos, com a forma de espigas de milho. Quando amadurecem, as flores dão lugar a cachos de frutas vermelhas, que se abrem levemente para revelar a semente preta na polpa branca. O guaraná é colhido imediatamente antes de madurecerem. [...] Após a remoção da polpa das frutas maduras, as sementes são torradas por três dias em fornos de barro tradicionais. As sementes são então descascadas, trituradas em pilão, moldadas em bastões, que pesam entre 100 gramas e 2 quilos cada. Estes bastões são embalados em sacos de algodão e colocados nos fumeiros, onde são defumados com madeira aromática (sfb, 2013). Para serem consumidos, os bastões precisam ser ralados. O guaraná em pó pode ser dissolvido em água, como acontece nos rituais indígenas, ou pode ser diluído em suco de frutas frescas. O extrato do guaraná é usado para fazer xaropes, refrescos e bebidas, como o tradicional refrigerante guaraná, que pode ser encontrado em todo o Brasil. A produção do guaraná no Amazonas tem duas vertentes: o guaraná orgânico e o guaraná híbrido, manipulado nos laboratórios da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - embrapa, que chega às plantações 198 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo para uma larga produção a fim de atender a grande indústria do guaraná nacional, representada pela ambev. A produção é baseada na utilização de produtos químicos, agrotóxicos e transgênicos que só atende o aqui e agora, além de prejudicar a saúde dos envolvidos, desde o processo de produção até a própria saúde do consumidor. Como o guaraná produzido pelos índios nunca teve como princípio a produtividade, nunca foi vantajoso para eles venderem seus produtos para esta grande indústria. Além do guaraná, os indígenas que fazem parte do Projeto Wará também trabalham com outras atividades produtivas. Da floresta para o mundo Moaci, idealizador do Projeto Wará, empreendeu essa iniciativa há 18 anos. No início era um projeto pequeno que enfrentava muitas dificuldades, mas a comunidade indígena, em contato com o homem branco, precisava fazer alguma coisa, já que, a cada dia que passava, o índio precisava encontrar formas de ganhar dinheiro para sobreviver. Afinal, desde que o dinheiro foi introduzido, a união entre as comunidades já não era mais suficiente para garantir a sobrevivência do povo indígena. Moaci sempre lembra em suas palestras, inclusive na proferida no evento rio+20, que “não existe desenvolvimento se não houver uma produção. Seja lá uma família, uma comunidade, um povo ou uma nação. Nesse sentido começamos a criar um comércio justo levando em conta toda a produção que temos dentro da área e da biodiversidade” (rio + 20, 2012). O principal objetivo do projeto era desenvolver uma produção sustentável em harmonia com a natureza no sentido de agregar valor e sensibilizar os consumidores de modo que pudesse ser garantida a produção para as gerações presentes e futuras (cmmad, 1991). A ideia inicial foi criar um projeto cujo tipo de desenvolvimento fosse duradouro. Moaci ressalta que “não é um projeto de quatro anos, três anos, dois anos, como fazem alguns políticos: sai político, entra político, muda tudo, não é assim. Uma política de desenvolvimento tem que se fazer permanente, para a vida toda”. Por isso é que a base do projeto sempre foi a busca pelo fortalecimento das comunidades indígenas. Também há a consciência de administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 199 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 que esse fortalecimento se dá não somente mantendo os povos indígenas integrados, mas também buscando sensibilizar os consumidores, os exportadores e os distribuidores sobre as características específicas do negócio. Ou seja, conscientizar sobre as diferenças entre os negócios dos índios e do homem branco. Os indígenas vivem há muito tempo da produção do guaraná e de produtos cultivados na região, mas antes do Projeto Wará, a venda do guaraná não compensava. Existe na região uma importante indústria de bebidas que está disposta a comprar toda a produção do guaraná, a AMBEV. Esta empresa desenvolve, em parceria com a EMBRAPA, um projeto de melhoria genética da semente do guaraná para aumentar a produtividade, assim como habilitam produtores locais para a utilização destas tecnologias, bem como financia estes pequenos produtores. A história da participação dos índios na comercialização do guaraná orgânico teve início nos anos 70 com a inauguração do Centro de Formação para Trabalhadores Rurais de Anyrá (cetra). Nos anos 80, o guaraná começou a ser comercializado nas cantinas do primeiro projeto do guaraná em parceria com o Centro de Trabalho Indígena de São Paulo cti, que tinha por foco “reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas, valorização das suas referências culturais e proteção ambiental das suas Terras” (cti, 2013). Entretanto, essa experiência regional não atendeu às questões desejadas de sustentabilidade e as comunidades começaram a avaliar a possibilidade da criação de espaços de comercialização no mercado internacional, onde pudessem encontrar o reconhecimento dos compradores internacionais, de modo que viessem contribuir para a preservação e a sobrevivência da etnia indígena, aquela que realmente era a disseminadora da cultura do guaraná. Assim, em 1995, é criado o Projeto Wará, que em parceria com uma instituição de pesquisa do Amazonas, enviou 20 quilos do guaraná em pó ao mercado internacional. Em 1998, a grande dificuldade da comunidade dos povos indígenas era a organização dos produtores de guaraná. A primeira dificuldade era que as famílias indígenas fossem organizadas como sujeito autônomo 200 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo dentro da sua própria comunidade, denominada Aisó Ayira e no mercado internacional. A segunda era resgatar a cultura indígena e, ao mesmo tempo, gerar renda para a sustentação do projeto. Foi muito trabalho, pois não bastava vender para o exterior, era necessário sensibilizar a comunidade indígena e os compradores internacionais sobre a proposta de comércio justo baseado em práticas de sustentabilidade ambiental. Em resposta a esse trabalho, no início de 2005, foi implantada a auto-organização com a presença de 70 produtores que protocolaram, de forma participativa, as regras para a produção do guaraná. Esse movimento foi patrocinado pelo Conselho Geral da Tribo Aisó Ayira (cgtaa). Neste mesmo ano, foi discutido e aprovado o novo estatuto do cgtaa. No ano de 2006, o novo estatuto é executado e um organograma é traçado. É escolhido o secretário de produção e, também, são eleitos o coordenador geral e o tesoureiro pelos próprios produtores das comunidades indígenas. Em 2008, alguns indígenas resolvem retirar os poderes de representação da maioria e uma minoria reunida na sede do cgtaa resolve modificar o estatuto, dando plenos poderes ao presidente. Mas a maioria não concorda, o que acaba criando um mal estar devido à recusa de alguns de participarem dessa briga. Esta cisão acaba apressando a criação de um Consórcio dos Povos Aisó Ayira (copoaa). Em 2009, os produtores do guaraná finalmente conseguem se tornar sujeito coletivo autonomamente para impulsionar o projeto integrado do ecodesenvolvimento. Hoje, 18 anos após sua fundação, o Projeto Wará está despertando o interesse da comunidade acadêmica. A participação da academia ocorre no resgate e apoio à manutenção da cultura do povo Aisó Ayira. O projeto reconhece que os professores que trabalham nas comunidades indígenas são responsáveis pela educação desde a infância até a formação das lideranças e adultos. Entende que a educação precisa ser feita para as comunidades com base na compreensão dos problemas sociais para buscar soluções para o povo indígena. Ensinar a cultura da tribo de respeito ao outro, em que todos se ajudam em busca do bem comum. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 201 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 A semente da ciência ou a semente selvagem? Atualmente, existe grande concorrência na compra do grão do guaraná. É um mercado cuja demanda internacional e nacional superam a oferta. Portanto, existe uma grande disputa entre os compradores pelos produtores. O concorrente mais importante da produção indígena é uma cooperativa de caboclos, agropomar, que produz o guaraná orgânico em regime de monocultura. Porém, no começo do Projeto Wará, as relações com a cooperativa não eram de concorrência. No início do Século xxi, foi criada a apoena, organização idealizada para unir a produção indígena com a dos agricultores da Cooperativa agropomar. Esta organização acabou não dando certo devido a problemas de comercialização dos produtos, pois a agropomar também vendia produto não orgânico. A Cooperativa agropomar produz em torno de 60 toneladas, das quais apenas cinco toneladas são certificadas pela ecocert. Estas cinco toneladas são exportadas para a empresa Nature Bio, sediada na França. Por outro lado, a produção das comunidades indígenas, em torno de cinco a seis toneladas, é toda orgânica. O consórcio dos povos indígenas exporta guaraná e produtos naturais somente para importadores que tenham compromisso com o comércio justo e solidário. São quatro os distribuidores que comercializam produtos controlados pelos produtores Aisó Ayira por meio do Consórcio: Guará Tropical, Atb Altromercato, Cooperativa Amazônia Livre e Healthy Food. No Brasil, o consórcio não possui distribuidor autorizado, realizando ele mesmo suas vendas apenas por meio da internet. Todavia, cabe precisar que os produtores associados ao consórcio possuem o direito de vender produtos a quem desejar, pois algumas vezes isso é necessário devido à urgência monetária. Entretanto, quando isso acontece, o consórcio não se responsabiliza pelo controle de qualidade do produto e da ética nas transações. São três as certificações obtidas pelos indígenas: 1. Ministério da Agricultura Familiar – Certificação Nacional; 2. Instituto Biodinâmico (ibd); 3. Forest Garden Products Certification (fgp) - essa é uma certificação Internacional do Sri Lanka aceita na Europa, Índia e Tailândia. 202 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo Os produtores associados à cooperativa recebem mais do que se produzissem para a grande indústria do Guaraná. Assim, tanto a cooperativa quanto os produtores do consórcio indígena têm incomodado bastante a grande indústria do guaraná. Porém, como a agropomar e outros produtores da região que produzem o guaraná orgânico o fazem em regime de monocultura, o preço destes produtores tem caído bastante no mercado. A tendência do mercado é também tentar baixar o preço dos orgânicos indígenas, mas que em virtude da especificidade da produção, baixar ainda mais o preço pode não ser economicamente viável, assim como alterar as formas de produção pode levar ao desvirtuamento das práticas de sustentabilidade. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 203 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 Notas de Ensino Natureza do Caso O caso descrito ilustra o dilema entre a possibilidade de ampliação de atividade econômica, tendo como pano de fundo os negócios internacionais e questões éticas e culturais, que levam em consideração não somente a sustentabilidade econômica, mas a ambiental e a social. Portanto, tratase de uma história complexa, incorporando elementos de várias áreas do conhecimento, e podendo ser analisada sob as óticas da estratégia internacional, desenvolvimento sustentável, ética e organização social. Do ponto de vista da organização social e ética, descreve o momento organizativo em que as comunidades indígenas e cabocla são sensibilizadas, não somente para a necessidade de trabalhar em cooperação, mas também em relação ao imperativo de atuar economicamente de modo responsável, respeitando as pessoas, a natureza e a cultura do povo da floresta. Ainda descreve a luta de grupos menos favorecidos contra a grande indústria do guaraná que, além de não respeitar os limites da natureza, tem comportamento monopolizador e autoritário no sentido de não permitir mecanismos da livre economia de mercado para a definição dos preços. No aspecto da estratégia internacional, é particularmente inovador, pois descreve a inserção do grupo na economia internacional ao se beneficiar da sua condição enquanto povo da floresta que empunha a bandeira do respeito à cultura do povo e do respeito às pessoas e à natureza, uma vez que é um mercado consumidor que reivindica um comportamento sustentável e ético de todo o planeta. Em relação ao desenvolvimento sustentável, a descrição do caso revela que a iniciativa indígena e dos caboclos é uma alternativa à produção em massa que, além de pressupor o respeito à natureza e às pessoas, é altamente rentável economicamente. Portanto, o caso procura revelar as estratégias utilizadas pelo Conselho Geral da Tribo para conseguir aumentar a sua produção e permanecer em um mercado altamente exigente e rentável, que é o mercado internacional. 204 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo Objetivos de Aprendizagem Este caso tem como alvo estudantes de cursos de administração ou áreas afins que estejam matriculados em cursos de graduação ou pós-graduação. É recomendado para ser utilizado em disciplinas de estratégia internacional, desenvolvimento sustentável e gestão social e ambiental. O principal objetivo do caso de ensino é relacionar as estratégias de internacionalização com o desenvolvimento sustentável. Os estudantes devem ser estimulados a identificar na literatura as possibilidades das estratégias de internacionalização em atividades que tenham suas estratégias de negócios baseadas em tendências globais como o tratamento justo e ético da natureza e das populações mais pobres. No tocante à abordagem sobre internacionalização, o objetivo é destacar a forma de entrada em mercados internacionais dessas atividades, que são alternativas ao modelo de mercado vigente. Quanto ao aspecto do desenvolvimento sustentável, o objetivo é identificar as preocupações e as ações necessárias para a consecução de um negócio ambientalmente sustentável, socialmente justo e economicamente viável, bem como as exigências dos consumidores em relação a tais negócios. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 205 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 Análise do Caso Modos de entrada em mercados internacionais Existem algumas questões que podem facilitar a comercialização dos produtos orgânicos no mercado internacional, bem como outras que podem comprometer ou dificultar a entrada no referido mercado. Em relação à facilidade, está a tendência de mercado dos países desenvolvidos em buscar cada vez mais produtos que sejam ambientalmente sustentáveis e socialmente justos. Além disso, existe também uma tendência à valorização dos produtos orgânicos provenientes da Floresta Amazônica, em função da riqueza de sua biodiversidade e sua importância para toda a humanidade. Do ponto de vista dos elementos complicadores, colocam-se as exigências de certificação para os produtos orgânicos, bem como os requisitos de importação desses produtos que são menos elementares em função dessa característica e as supostas dificuldades em lidar com o mercado estrangeiro. Nesse sentido, é salutar levar os estudantes a identificar e analisar o modo de entrada eleito pelo projeto, bem como discutir suas vantagens e desvantagens, com base na Figura 1, a seguir. Para tanto, é possível contar com o artigo de Pan e Tse (2000) intitulado Hierarchical Model of Market Entry Modes (Modelo Hierárquico de Modos de Entrada no Mercado). 206 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo Figura 1 Modos de entrada no mercado internacional Modos de entrada Modos não patrimoniais Exportação Acordos contratuais Modos patrimoniais Joint Venture de capital próprio Exportação direta Licenciamento Joint Venture minoritária Exportação indireta Franchising Joint Venture Co-proprietária Subsidiária de capital totalmente próprio Greenfield Outro aspecto a discutir e analisar seriam as prováveis futuras mudanças no modo de entrada atual, considerando as vantagens e desvantagens. Para tanto, é possível contar com o apoio do artigo de Benito, Petersen e Welch (2009), cujo título é Towards more realistic conceptualizations of foreign operation modes. A Figura 2, a seguir, ilustra os elementos que devem ser considerados na análise. Por outro lado, é importante lembrar que esse será apenas um administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 207 Experiência passada Experiência do modo de gerenciamento com outras companhias; Modo internacional de mudanças interiores; Modo de experiência em outros mercados 208 Modo tendência: ‘conjunto de considerações’ Modo escolhas: modo de configuração (incluindo pacotes) Feedback Modo comparação e avaliação: Deliberado e emergente Decisão dos dirigentes Ímpeto para internacionalização Controle, risco e considerações comuns Restrições internas e externas Modo de ação (i) Modo de continuação (11) mudança (iii) modo mudança de função (iv) modo adição e supressão (v) modo integra mudança Modo uso e resultados adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 exercício de criatividade e levantamento de possibilidade sobre os caminhos futuros dos negócios internacionais para o grupo de empreendedores. Figura 2 Modos de operações internacionais Fonte: Benito, Petersen e Welch (2009). administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo Questões para Discussão 1 Como a comunidade indígena produtora do Guaraná poderá se proteger da concorrência que oferece um produto semelhante a um custo menor? 2 Que modos de entrada no mercado internacional seriam adequados para o consórcio dos povos Aisó Ayira? 3 Quais dificuldades estão relacionadas ao comércio justo? 4 Como tornar produtos orgânicos competitivos comercialmente? 5 Qual a diferença no modo de produção dos povos indígenas e da cooperativa dos caboclos para o modo de produção da grande indústria que produz guaraná? Administração estratégica e vantagem competitiva Considerando as especificidades do produto e da condição organizativa do grupo, é salutar pensar em levar os estudantes a aplicar o modelo da visão baseada em recursos que pode ser encontrada em Administração Estratégica e Vantagem Competitiva de Barney e Hesterly (2007). Os autores partem da noção do modelo vrio, que consiste em “um modelo integrador, amplo o bastante para ser aplicado na análise de grande variedade de casos e cenários de negócios; mas, suficientemente simples para ser compreendido e compartilhado” (barney; hesterly, 2007, p. 13). Além da proposta do modelo integrador que analisa a empresa do ponto de vista dos recursos enquanto o seu valor, raridade, imitabilidade e organização, os autores também buscam integrar as questões estratégicas das empresas com os requisitos éticos de uma sociedade em transformação e crise constante, assim como a inserção de organizações no mercado internacional. Nesse sentido, suas preocupações éticas ao perpassarem o atendimento das necessidades/satisfação dos shareholders e stakeholders, o bem estar da sociedade mediante a busca das empresas por vantagem competitiva e a solução para questões de externalidades deixam evidente uma tendência de solução desses dilemas por meio das leis de mercado e da livre iniciativa, que vai ao encontro das propostas de sustentabilidade que não desprezam o caráter da viabilidade econômica e financeira dos administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 209 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 negócios nem a possibilidade de atuação em mercados fora das fronteiras nacionais. Portanto, tal abordagem é essencial para mostrar que grande parte do êxito dos negócios no mercado internacional está relacionada às características dos produtos (valor, raridade e imitabilidade) e a capacidade organizativa dos índios que se encontra especialmente dispersa e representando situação alternativa em relação à grande empresa capitalista. Ainda considerando a pauta das vantagens estratégicas, outros enfoques que podem ser abordados são os frameworks apresentados nos trabalhos de autores que discutem a Responsabilidade Social Corporativa Estratégia. Nesta perspectiva é possível citar os trabalhos de Zadek (2004), Carroll (1979; 1999), Husted e Salazar (2006), e Porter e Kramer (2006). Para Zadek (2004), o grande desafio das organizações é empreender práticas responsáveis de negócios. Neste intento, as organizações passam por, pelo menos, cinco fases perceptíveis de atuação em relação às suas responsabilidades. Mas, além disso, assim como as organizações, a sociedade também amadurece sua visão sobre a forma como as organizações devem tratar este problema. Segundo o autor, quando as organizações começam a desenvolver senso de responsabilidade, elas passam pelos seguintes estágios: 1 Defensivo: as organizações apenas procuram se defender dos ataques à sua reputação. 2 Condescendente: as organizações passam a observar bases políticas e legais dos custos do fazer negócio para reduzir a erosão do valor econômico no médio prazo e também para não manchar sua reputação e evitar riscos de reivindicações de ativistas. 3 Gerencial: as organizações começam a se envolver com os problemas sociais, mas o objetivo disso é mitigar a erosão do valor econômico da empresa no médio prazo e no longo prazo e obter ganhos por inserir práticas de responsabilidade aos negócios. 4 Estratégico: as organizações implantam ações para lidar com problemas sociais no objetivo estratégico dos negócios. O objetivo dessas práticas é aumentar o valor econômico no longo prazo e ganhar vantagem 210 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo competitiva com a inovação. 5 Civil: as organizações passam a promover ações coletivas relacionadas com preocupações da sociedade que podem, algumas vezes, estar ligadas diretamente à estratégia da empresa. A questão da sustentabilidade ambiental insere-se nessa discussão, pois o autor lembra que muitas questões que antes não preocupavam a sociedade, atualmente, aparecem nas pautas de reivindicações, e um exemplo disso é a preocupação com o futuro do planeta diante da crescente degradação do ambiente natural. Portanto, o autor ensina que o truque para sobreviver a essas mudanças é as empresas procurarem prever e responder com credibilidade a essas mudanças de consciência da sociedade, embora também reconheça que essa pode ser uma tarefa difícil. Para mensurar o grau de maturidade dos problemas sociais e a expectativa pública em torno dele, Zadec (2004) apresenta uma escala adaptada da indústria farmacêutica Novo Nordisk que considera os seguintes estágios de maturidade: latente, emergente, consolidado e institucionalizado. Considerando essas duas escalas, Zadek (2004) desenvolve uma ferramenta denominada de aprendizagem civil, que permite o cruzamento dos dois tipos de aprendizagem (organizacional e social) e orientar a empresa sobre a melhor estratégia a ser adotada. Do cruzamento desses dois estágios de aprendizagem, qualquer empresa pode identificar em que zona se encontra. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 211 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 Figura 3 Ferramenta de aprendizagem civil Zona Clara Oportunidade Estratégico Gerência Condescente Emergente Latente Defensivo Problema de Maturidade Institucionalizado Zona Escura Risco Consolidado Aprendizagem Civil Fonte: Zadek (2004). Portanto, o uso da ferramenta é capaz de revelar o ponto em que a organização pode transformar a zona de risco vermelha na zona verde de oportunidade, mas para tanto, a organização precisa estar atenta às demandas da sociedade. A análise das características de atuação estratégica das organizações em relação a sua responsabilidade social, também pode ser discutida baseada em Carroll (1979), que também usa uma tipologia para ressaltar as várias obrigações das organizações. Para o autor, as organizações devem se preocupar com os aspectos econômicos, legais, éticos e discricionários. A Figura 4 ilustra como o autor visualiza essas quatro formas de atuação das corporações: 212 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo Figura 4 Tipos de Responsabilidade Social Responsabilidade Discricionária Responsabilidade Ética Responsabilidade Legal Responsabilidade Econômica Fonte: Baseado em Carrol (1979, p. 40). Os quatro componentes da rsc começam propondo que o desempenho econômico é a base de tudo. Ao mesmo tempo, espera-se que o negócio obedeça as leis e comportamentos da sociedade. A seguir, o negócio deve ser ético em seu nível mais fundamental e expressar a obrigação de fazer o que é certo, justo e equitativo para evitar ou minimizar os danos às partes interessadas (trabalhadores, consumidores, meio ambiente, e outros). Finalmente, espera-se que a organização seja uma boa cidadã, em que se espera que as organizações colabora com recursos humanos e financeiros para melhorar a qualidade de vida das pessoas. O comportamento estratégico da organização indígena também pode ser abordado com base em Husted e Salazar (2006). Os autores também usam administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 213 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 uma tipologia em que classificam o comportamento das organizações de Altruísta, Egoísta e Estratégico. Partem principalmente da premissa de que é impossível maximizar em mais de uma dimensão (lucro e social) ao mesmo tempo, pois existe trade-off entre lucros e desempenho social. Entretanto, é ponto de exceção, o fato de ambos alcançarem essa condição ao mesmo tempo: o investimento em projetos sociais corporativos precisa contribuir para a maximização do lucro. O modelo apresentado pelos autores, portanto, considera que o lucro e o bem estar da sociedade podem ser alcançados de várias formas, mas é somente por meio da atuação responsável estratégica que tanto a sociedade quanto a corporação podem obter os melhores resultados. É na responsabilidade estratégica que se justifica a preocupação com a sustentabilidade, uma vez que assim a organização realiza algum benefício adicional (boa reputação, diferenciação de produto, preço Premium, etc.) que gera um lucro maior do que o normalmente esperado. Por sua vez, Porter e Kramer (2006) propõem um modelo de responsabilidade social corporativa que pressupõe dois tipos de ações: uma responsiva – como uma reação aos clamores da sociedade – e outra estratégica – alinhadas ao planejamento estratégico da empresa. Os autores consideram que a RSC tem sido a prioridade para os empresários líderes, em todo o mundo, na primeira década do século XXI. No entanto, eles veem que as estratégias usadas na RSC nas corporações estão fora de sintonia dos negócios perdendo, em consequência, ótimas oportunidades que poderiam ser revertidas, inclusive para a sociedade. Neste sentido, o princípio da sustentabilidade suscita o interesse da corporação usando uma base tripla formada pelo econômico, social e ambiental e, ainda, de longo prazo. Outro ponto que deve ser considerado é a atuação na cadeia de valor, que pode ser feita de modo que melhore a dimensão social envolvida, ao mesmo tempo, que investimentos no setor competitivo aumentam o valor da cadeia produtiva. As organizações que levam em consideração essas questões em suas decisões ficarão cada vez mais separadas dos seus concorrentes. Uma vez que a mais 214 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo importante função da organização é contribuir para uma economia próspera. Os autores também consideram que seria apropriado substituir a RSC pela Integração Social da Corporação (ISC). Nesta perspectiva, é importante salientar que as organizações não são responsáveis por todos os problemas do mundo e também não possuem recursos para solucionar a todos, mas que criar um valor compartilhado (com a sociedade) em um determinado problema, resultará em diferencial competitivo (em relação à concorrência). Assim, a organização poderá causar impacto social maior do que qualquer outra instituição ou organização filantrópica. Questões para discussão 1 Quais as características do produto e da organização dos Aisó Ayira, baseadas no modelo de Barney e Hesterly (2007), que apontam para o fracasso e/ou sucesso na inserção do negócio no mercado internacional? 2 Como a estratégia de comercialização de produtos orgânicos, baseada em práticas de comércio justo, pode ser analisa à luz da literatura sobre RSC? 3 Em qual zona se encontra a organização dos Aisó Ayira quando considerada para análise da ferramenta de aprendizagem civil proposta por Zadel (2004)? Justifique sua resposta. Negócio economicamente rentável, ambientalmente sustentável e socialmente justo Considerando os pilares fundamentais do negócio que está sendo estudando, é imprescindível que os estudantes sejam levados a refletir sobre suas condições de sustentabilidade e se ele está de fato contribuindo para o desenvolvimento sustentável da região e do planeta. Para tanto, pode-se partir de Sachs (1993) que, percebendo que a sustentabilidade alcança diversos setores, sugeriu que houvesse uma sistematização em cinco dimensões: a social, a econômica, a cultural, ecológica e a dimensão espacial. Baseado na dimensão social, Sachs (1993) evidencia que, para conquistarmos a qualidade de vida, se faz necessário ocorrer quebra de paradigmas existentes a fim de se formar sociedades equitativas na geração de oportunidades e na distribuição de renda e de bens. A sustentabilidade administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 215 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 econômica pressupõe o aumento da produção e da riqueza social mundial sem dependência externa por meio da alocação e gestão mais eficiente dos recursos e por um fluxo regular de investimentos públicos e privados, pressupondo-se autonomia na geração e disseminação do conhecimento por intermédio da pesquisa cientifica e tecnológica. A dimensão ecológica defende a geração e a disseminação de tecnologias limpas, além da criação e consolidação de mecanismos de proteção ambiental. Nesse aspecto, Sachs (1993) julga essencial a promoção de mudanças no padrão de consumo da sociedade, não apenas a limitação desse consumo, mas também a valorização dos produtos gerados em processos que contribuem para o equilíbrio ambiental. A dimensão cultural da sustentabilidade encontra-se relacionada ao respeito das especificidades de cada local, valorizando a cultura regional. Na busca por modelos de desenvolvimento, deve-se prezar pela pluralidade de soluções e pela valorização da diversidade das culturas locais. Por sua vez, a dimensão espacial referese a uma adequada distribuição demográfica sobre o planeta por meio de uma nova configuração rural-urbana que possibilite, de forma equilibrada, a redução da concentração populacional e de suas atividades econômicas nos grandes centros urbanos, podendo assim proteger ecossistemas mais frágeis e praticar atividades da zona rural em escalas menores e com técnicas que se mantenham. Outra análise, mais simples, que pode dar lugar a essa é a baseada no trabalho de Elkington (2012), que apresenta sua análise em três pilares comumente reconhecidos como The Triple Bottom Line, que discute apenas os aspectos econômicos, sociais e ambientais. Questões para discussão 1 De que forma o relacionamento da organização com a natureza e as pessoas tem contribuído para o sucesso dos negócios? 2 Existe um limite para o tamanho do negócio que o permita continuar contribuindo para a sustentabilidade? 3 Até que ponto fica comprometida a sustentabilidade do negócio quando o que está em jogo é o comércio internacional, ou seja, que pressupõe o deslocamento dos produtos para diversas partes do globo? 216 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo Questões Prévias A utilização das questões prévias é uma prática que tem sido utilizada para instigar a curiosidade dos alunos em relação ao tema e ao caso que será apresentado. Nesse sentido, apresentam-se algumas questões que podem auxiliar o docente neste objetivo de prender a atenção do aluno, quais sejam: 1 É possível um negócio ser ambientalmente sustentável e socialmente justo e ainda ser rentável? 2 Quais seriam as principais dificuldades e facilidades, do ponto de vista organizativo, que um grupo de caboclos e índios da Amazônia poderia encontrar para comercializar seus produtos orgânicos no mercado internacional? 3 Quais seriam os principais desafios a serem enfrentados pelos caboclos e indígenas para a comercialização dos seus produtos orgânicos no mercado internacional? Como superar esses desafios? 4 A oferta de guaraná orgânico pode ser incompatível com os princípios da sustentabilidade? 5 É possível um “verdadeiro” desenvolvimento sustentável? administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 217 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 Plano de Aula No Quadro 1 é apresentado uma sugestão de plano de aula de três horas de duração. Ressalte-se que a proposta abaixo deve ser adaptada à necessidade do docente em função dos objetivos do Plano de Ensino da disciplina. Quadro 1 Plano de aula – Duração de 3 horas Tempo Atividade Recursos 0 – 10 min Identificar nos alunos qual o nível de conhecimento deles sobre mercados internacionais, produção de produtos orgânicos e desenvolvimento sustentável Perguntas sobre o conhecimento anterior dos alunos sobre os temas 10 – 25 min Desenvolver nos alunos interesse pelo caso Lista de perguntas sugeridas no item Questões Prévias 25 – 50 min Apresentar os conceitos a serem abordados Textos sugeridos no item Análise do Caso Quadro e projetor 50 – 75 min Ler o caso (a ser feito em grupos de três a cinco alunos) Texto de apoio com o caso: Guaraná Orgânico: Ecodesenvolvimento e Comércio Justo 75 – 95 min Discutir em subgrupo as questões propostas pelo professor Perguntas apresentadas no item Análise do Caso 95 – 105 min Intervalo 105 – 150 min Discutir em plenária com moderação dos participantes pelo professor 150 – 180 min Apresentar síntese das principais relações Quadro e pincel teórico-práticas identificadas no estudo do caso em sala 218 Sala em círculo administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo Avaliação da Aprendizagem Recomenda-se que a participação na sala, nos grupos de trabalho e nas discussões em plenária, a leitura do material relacionado e as respostas às questões previamente entregues venham compor os múltiplos critérios que podem ser utilizados para a definição do quadro de avaliação. Sugere-se ainda que parte da avaliação escrita seja uma síntese de toda a discussão, que pode ser desenvolvida na própria sala de aula após os trabalhos ou, em casa, para que se possibilite outra imersão no caso e nos materiais que previamente devem ter sido estudados. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 219 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 Considerações Finais Por fim, é importante salientar que as possibilidades de abordagem do caso em disciplinas como Desenvolvimento Sustentável, Estratégia Internacional, Gestão Social e Ambiental, não se esgota aqui. Exemplo disso é a possibilidade de aplicação do caso também à teoria dos Stakeholders de Freeman (2005). Ainda como sugestão de plano de aula para o emprego desse framework, como o caso envolve múltiplos stakeholders, é de que os alunos sejam divididos em vários grupos que representam os stakeholders (Organização Aisó Ayira, cooperativa de caboclos, índios, a concorrência, o comprador internacional, o governo, a comunidade local, etc.), de forma que cada um defenda seus interesses, façam movimentos de pressão, proponham eventuais acordos, etc. 220 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo Referências BARNEY, J.B; HESTERLY, W.S. Administração Estratégica e Vantagem. São Paulo. Pearson, 2007. BENITO, G.R.G.; PETERSEN, B.; WELCH, L.S. Towards more realistic conceptualizations of foreign operation modes. Journal of International Business Studies, v. 40, n.1, p. 1455–1470, 2009. CARROLL, A.B. A three-dimensional conceptual model of corporate performance. 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Harvard Business Review, v. 82, n. 12, p. 125-136, 2004. * Os nomes de pessoas e instituições foram permutados por outros fictícios visando manter a privacidade dos mesmos. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 173–222 jan fev mar 2014 221 adriana teixeira bastos & outros issn 2177-6083 Dados dos Autores Adriana Teixeira Bastos* [email protected] Doutoranda em Administração pela Universidade de Fortaleza Instituição de vinculação: Universidade Estadual do Ceará Fortaleza/CE – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Desenvolvimento Sustentável, Cooperação e Institucionalismo. * Av. Paranjana, 1700 Serrinha Fortaleza/CE 60.714-903 Cora Franklina do Carmo [email protected] Doutoranda em Administração pela Universidade de Fortaleza Instituição de vinculação atual: Universidade Estadual do Ceará Fortaleza/CE – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Comportamento do consumidor, Estratégia e Responsabilidade Social e Ambiental. Fátima Regina Ney Matos [email protected] Doutora em Administração pela UFPE Instituição de vinculação: Universidade de Fortaleza Fortaleza/CE – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Estudos organizacionais e metodologia qualitativa. Mário Henrique Ogasavara [email protected] Doutor em Administração pela University of Tsukuba (Japão) Instituição de vinculação: Escola Superior de Propaganda e Marketing São Paulo/SP – Brasil Áreas de interesse em pesquisa: Internacionalização de Empresas e Estratégias Globais. 222 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014 política editorial foco A revista Administração: Ensino e Pesquisa é uma publicação que busca difundir o estado da arte do ensino e da pesquisa em Administração, oportunizando a apresentação em forma de artigos, teorias, modelos, pesquisas e retrospectivas que abordem o processo de ensino-aprendizagem e intensifiquem o aprendizado dos alunos em disciplinas dos cursos de Administração. estilo Os trabalhos enviados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa devem ser inéditos nacional e internacionalmente e demonstrar uma linguagem clara e objetiva, não podendo estar em avaliação paralela em outros veículos de divulgação. Recomenda-se atenção especial com a estrutura geral do artigo e com o contexto lógico dos argumentos. Os artigos encaminhados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa deverão ser apresentados no seguinte formato: Editor de texto: Word for Windows 6.0 ou posterior. configuração das páginas Tamanho do papel A4 (29,7 x 21 cm) Margens superior 3cm, inferior 2cm, esquerda 3cm e direita 2 cm; Espaçamento Simples (entre caracteres, palavras e linhas); Número de palavras O artigo deve conter entre 5.000 e 10.000 palavras, excluindo-se o resumo e o abstract, as ilustrações, as referências e as notas de final de texto. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 223–226 jan fev mar 2014 223 observações conteúdo da primeira página Título do trabalho centralizado, em português e inglês. Resumo em português e inglês, contendo o objetivo do trabalho, o método utilizado, os resultados obtidos e as conclusões com no mínimo 10 (dez) e no máximo 15 (quinze) linhas; seguido de palavras-chave e keywords (no mínimo três e no máximo cinco palavras-chave). As ilustrações, tabelas, quadros e gráficos não poderão ser coloridos e deverão ser enviados em formato editável (Word, Power Point ou Excel) com fonte tamanho 10. As referências completas deverão ser apresentadas em ordem alfabétical ao final do texto, de acordo com as normas da abnt. As notas devem ser reduzidas ao mínimo necessário e serem apresentadas ao final do texto sequencialmente depois das referências. Trabalhos publicados em decorrência de atividades financiadas por quaisquer órgãos de fomento, por exemplo, cnpq, capes, dentre outros, deverão, necessariamente, fazer menção ao apoio recebido, após as referências, com as seguintes notas: a) se publicado individualmente O presente trabalho foi realizado com o apoio da [Nome da Instituição]; b) se publicado em co-autoria Beneficiário de auxílio financeiro da [Nome da Instituição]. Os artigos que não estiverem dentro de tais parâmetros serão remetidos aos autores solicitando que os envie novamente em formato adequado. envio do trabalho Os artigos podem ser enviados em português, espanhol, inglês ou francêse e deverão ser encaminhados por meio da homepage da angrad www.angrad.org.br/revista/artigos/ insert/ Os artigos submetidos à Administração: Ensino e Pesquisa com identificação dos autores no corpo do texto serão automaticamente desconsiderados, tendo em vista que as informações para identificação dos autores são solicitadas na página para submissão do artigo, além de levar em consideração que a revista segue o processo de blind review na avaliação dos trabalhos. 224 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 223–226 jan fev mar 2014 processo de avaliação Os artigos enviados para publicação na revista Administração: Ensino e Pesquisa são submetidos a um processo de avaliação, objetivando divulgar as melhores contribuições recebidas e avaliadas até o momento da finalização do exemplar. O processo de avaliação da revista Administração: Ensino e Pesquisa inicia com uma avaliação do editor que observará a adequação do artigo à política editorial da revista. O editor encaminhará os artigos para avaliadores seguindo um processo de revisão sem identificação de autor e revisor, no qual os avaliadores recebem um relatório com aspectos a serem observados no artigo. Os critérios analisados estão listados abaixo e são aplicados com base na natureza e no tipo do compuscrito. Originalidade e importância das principais ideias; Qualidade do tratamento e relevância da literatura existente; Qualidade de apresentação das ideias; Concepção e execução dos métodos de pesquisa; Contribuição do artigo para o avanço do conhecimento. Na análise, destacam pontos importantes que justificam a sua avaliação, contribuindo para o aperfeiçoamento do trabalho do autor. Os comentários dos avaliadores são enviados ao autor para que realize as sugestões recebidas. Feitas as melhorias, o artigo retorna aos avaliadores que farão nova avaliação, indicando ou não a publicação do trabalho. Após ser aceito para publicação, o artigo passa por uma revisão ortográfica e estilística profissional. É por tudo isso fortemente recomendado que os autores solicitem a opinião crítica de algum colega antes do envio do artigo. O editor poderá rejeitar artigos que não apresentem condições mínimas ou que não estejam alinhados com a política da revista sem a necessidade de apresentar pareceres de modo a agilizar a submissão do trabalho em outros periódicos. administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 223–226 jan fev mar 2014 225 processo de escolha Por ser um veículo nacional, a revista Administração: Ensino e Pesquisa publicará sempre artigos de autores oriundos de toda a federação. Após a análise e aprovação dos avaliadores, o editor da Revista procurará sempre selecionar para publicação em cada fascículo artigos de autores vinculados as instituições das mais diversas localidades do país. A revista se permite o direito de publicação em cada fascículo de um artigo internacional que também passará pelos mesmos critérios de avaliação. direitos autorais Ressaltamos que as opiniões emitidas nos textos publicados são de total responsabilidade de seus respectivos autores. Todos os direitos de reprodução, tradução e adaptação estão reservados. Quando o trabalho for aprovado para publicação, os autores serão comunicados por e-mail e receberão uma carta para a cessão de direitos autorais e autorização para publicação em meio eletrônico, em nome da Administração: Ensino e Pesquisa, esta deverá ser preenchida por cada um dos autores do trabalho, assinada e remetida em formato digitalizado via e-mail. Também é necessário o envio de um breve currículo de cada um dos autores, no qual deverá constar: nome completo; formação acadêmica; instituição de afiliação; cidade; estado; país; áreas de interesse em pesquisa; endereço completo; e e-mail. 226 administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 223–226 jan fev mar 2014