RAEP_V15N1 v2_1a.indd - Administração: Ensino e Pesquisa

Transcrição

RAEP_V15N1 v2_1a.indd - Administração: Ensino e Pesquisa
Associação Nacional dos Cursos de
Graduação em Administração
Administração: Ensino e Pesquisa
Volume 15
Número 1
A Administração: Ensino e Pesquisa é um periódico trimestral da angrad (Associação
Nacional dos cursos de Graduação em Administração) que tem como missão difundir o
estado da arte do ensino e pesquisa em Administração.
Administração: Ensino e Pesquisa, v. 15, n. 1, ( Janeiro/Fevereiro/Março 2014) –
– Rio de Janeiro: angrad, 2014 – trimestral.
1. Administração – Periódico
issn – 2177-6083
Publicada como Revista angrad no período entre: v.1-10, 2000-2009 - (issn – 1518-5532)
Publicada como Administração: Ensino e Pesquisa a partir de: v.11, 2010.
Editora Executiva Gabrielle Junqueira Hernandes
Projeto Gráfico Alexandre Figueiredo Lopes
Tiragem 1200 exemplares
Impressão Gráfica Vanesul
Data de Impressão 31 de Janeiro de 2014
As opiniões emitidas nos textos publicados são de total responsabilidade
dos seus respectivos autores. Todos os direitos de reprodução, tradução e adaptação estão
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A Administração: Ensino e Pesquisa completa um volume a cada ano e é distribuída
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editoriaL
Caro leitor,
A importância social, política, e econômica da Universidade explica a sobrevivência desta
instituição secular. Apesar de sua criação refletir mais os interesses dos Estudantes, na
medida em que ganhou visibilidade, ela foi institucionalizada pela Igreja e expandida em
grande parte do território cristão. Com a emergência do Estado-Nação, foi nacionalizada
e ganhou múltiplas concepções, seriam exemplos disso as matrizes alemã, estadunidense,
francesa e inglesa. Recentemente, a revolução da tecnologia da informação associada
ao incremento dos meios de transporte influenciam sobremaneira a intensificação da
circulação de bens, capitais e pessoas. Nesse contexto, a Universidade recupera o seu
caráter internacional, é pressionada a se reconstruir sobre outras bases.
À medida que a produção e difusão do conhecimento ganham especial velocidade e não
são atividades exclusivas da Universidade, o currículo como expressão de estoques de
conhecimento passíveis de transmissão e os papeis tradicionais de Professor e Aluno passam
a ser questionados. O ensino que faz sentido reconhece o conhecimento cada vez menos
como produto e cada vez mais como processo. Assim sendo, a maneira como se ensina
(o método) é tão importante quanto o que se ensina (os saberes). Compreensivelmente,
as metodologias ativas mobilizam a atenção de Professores que desejam se exercer como
mediadores da aprendizagem dos Estudantes.
Nesse contexto, é possível afirmar que em tempo algum se escreveu tanto sobre a
profissionalização de professores1, as teorias de aprendizagem2, as metodologias ativas3,
a mobilização dos estudantes para a aprendizagem4, etc. Ao dedicar o primeiro número
de 2014 da raep a autores e textos que discutem o caso como estratégia de ensino ativa
e desenvolvem casos para ensino cujo conteúdo sugere reflexões nas mais distintas áreas
(estratégia, marketing, recursos humanos, etc.), busca-se contribuir para a revolução
pedagógica que os Professores e os Estudantes dos cursos de Administração terão que
protagonizar.
Essa preocupação justifica a parceria estabelecida entre a raep e Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (anpad), com a mediação do Professor
Doutor Anielson Barbosa da Silva, Coordenador da Divisão de Ensino e Pesquisa em
1 tardif, m.; lessard, c. o ofício de professor – histórias, perspectivas e desafios internacionais. 5.ed.
Petrópolis: Vozes, 2013.
2 illeris, k. (org.). Teorias contemporâneas da aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2013.
3 perrenoud, p. Desenvolvimento de competências ou ensinar saberes? A escola que prepara para a vida. Porto
Alegre: Penso, 2013.
4 charlot, b. Da relação com o saber – elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
béchard, j.p.; bédard, d. “Comprendre le monde des étudiants” In: béchard, j.p.; bédard, d. (sous la
direction de). Inover dans l’enseignement supérieur. Paris : puf, 2009.
Administração e Contabilidade da anpad. Uma vez que todos os textos aqui reunidos
foram submetidos, aprovados, e discutidos no xxxvii Encontro da anpad, e em virtude da
qualidade reconhecida, foram indicados para submissão à raep.
Sinalizado a necessidade de se investir em programas de formação de docentes para a
educação superior, no texto desenvolvido pela professora Cléria Donizete da Silva
Lourenço e por Thaisa Ferreira Magalhães, intitulado de A sala de aula e as empresas: análise
da produção e da utilização de casos para ensino em Administração, as autoras consolidam os
resultados de uma investigação conduzida em três Instituições de Ensino Superior mineiras,
orientadas pelo objetivo de conhecer como os docentes têm utilizado os casos para ensino
em sua prática docente. A principal conclusão alcançada é preocupante na medida em que
elas constatam a pouca familiaridade dos docentes com a referida estratégia de ensino.
Na sequência, a RAEP publica sete casos para ensino. O primeiro é de autoria dos
professores Roberta Dias Campos e Victor Manoel Cunha de Almeida (Método do
Caso: “Não sei, não ...” Enfrentando as Barreiras à Implantação do Método). Apesar de
o conteúdo dedicar particular atenção ao método do caso enquanto estratégia de ensino
subordinada às metodologias ativas, os autores investem na possibilidade de colaborar
para a discussão de vantagens e desvantagens da exploração de estratégias de ensino
centradas no Estudante.
O trabalho seguinte, por sua vez, corresponde a mais um caso para ensino em que Fernando
Fantoni Bencke, Sylvia Maria Azevedo Roesch, e Pelayo Munhoz Olea descrevem uma
situação real, recorrente em alguns setores de atividade, em que no contexto de dilemas
éticos e morais, Estudantes são convidados a realizar exercícios que transitem da análise
para a reflexão, imprescindíveis em um processo de tomada de decisão.
Na sequência tem-se um trabalho sugestivamente intitulado “Qual o tamanho do tubarão
para o tanque de peixes? Um caso de ensino envolvendo conflitos em canais de distribuição”.
Ele é assinado por cinco autores: Custódio Genésio da Costa Filho, José Marcos Carvalho
de Mesquita, Renato Borges Fernandes, Ronaldo Pereira Caixeta, Cleber Carvalho
de Castro. Trata-se de um caso para ensino cujo conteúdo se presta a contribuir para a
compreensão do planejamento estratégico e do gerenciamento de canais de distribuição a
partir de uma situação vivida por uma indústria de fabricação de sucos naturais.
Denise Genari, Ivadete Marin Ravanello, e Janaina Macke elaboram mais um caso que ajuda
na discussão sobre aspectos relacionados à área de recursos humanos (Helena trilhando
caminhos na Gestão de Recursos Humanos). O objetivo do objeto pedagógico em questão
reside em estimular a reflexão sobre aspectos caros à área: perfil dos profissionais da área
de gestão de recursos humanos, captação e integração de talentos, desenvolvimento e
avaliação de desempenho, clima organizacional, liderança e monitoração de pessoas.
O trabalho seguinte, “Os chineses estão chegando! O que fazer com meu Marketing mix?
O caso da Ramadhes & Cia Ltda”, é de autoria de João Batista Soares Neto, Anielson
Barbosa da Silva, e André Gustavo Carvalho Machado. O caso para ensino em questão
oferece condições para os Estudantes discutirem uma situação vivida por uma indústria de
cintos, mochilas e bolsas que está prestes a tomar uma decisão relacionada ao composto
de marketing.
O penúltimo trabalho, de autoria de Viviane Santos Salazar; Walter Fernando Araújo de
Moraes, e Yákara Vasconcelos Pereira Leite, corresponde a um caso para ensino (grupo
bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do Nordeste brasileiro) cujo
conteúdo expõe os desafios enfrentados por uma empresa de food service, durante o
processo de expansão internacional.
E finalmente, o último trabalho – Guaraná Orgânico: Ecodesenvolvimento e Comércio
Justo – é assinado por Adriana Teixeira Bastos, Cora Franklina do Carmo Furtado,
Fátima Regina Ney Matos, e Mário Henrique Ogasavara. O objetivo do referido objeto
pedagógico reside em descrever o Projeto Wará, enfatizando o seu comprometimento
com o conceito de produção sustentável. Os autores se prestam a convidar o Estudante
a refletir sobre a possibilidade de ampliação de atividade econômica, tendo como pano
de fundo os negócios internacionais. O questionamento principal reside em identificar
como o Consórcio dos Povos Aisó Ayira, responsável pelo Projeto Wará, pode proteger
a produção de guaraná orgânico da concorrência, sabendo que ela oferece um produto
semelhante e mais barato.
Espera-se que os sete casos para ensino contribuam para aqueles Professores desejosos de
experimentar outras estratégias de ensino.
Desejo a todos uma excelente leitura.
Manolita Correia Lima
Editora Científica
Sumário
artigos
articles
11– 42A sala de aula e as empresas:
Análise da produção e da utilização de casos
para ensino em Administração
Classrooms and companies: an analysis of
teaching case production and use in business
administration courses
Cléria Donizete da Silva Lourenço & Thaisa Ferreira Magalhães
casos de ensino em administração
teaching cases in management
43– 72Método do Caso: “Não sei, não ...”
Enfrentando as Barreiras
à Implantação do Método
The Case Method: "I’m not sure ..."
Facing Barriers to Implementing the Method
Roberta Dias Campos & Victor Manoel Cunha de Almeida
73– 91Ética nos negócios: o caso da AR Consultoria Ltda.
Business ethics: the case of AR Consultoria Ltda
Fernando Fantoni Bencke, Sylvia Maria Azevedo Roesch
& Pelayo Munhoz Olea
93– 112
Qual deve ser o tamanho do tubar ão para o
tanque de peixes? Um caso de ensino
envolvendo conflitos em canais de distribuição
What size shark does the aquarium need? A teaching
case involving conflicts in distribution channels
Custódio Genésio da Costa Filho, José Marcos Carvalho de Mesquita,
Renato Borges Fernandes, Ronaldo Pereira Caixeta
& Cleber Carvalho de Castro
113–146Helena trilhando caminhos na Gestão de
Recursos Humanos
Helena’s trajectories in Human Resource
Management
Denise Genari, Ivadete Marin Ravanello & Janaina Macke
147– 171Os chineses estão chegando!
O que fazer com meu Marketing mix?
O caso da Ramadhes & Cia Ltda.
The Chinese are coming!
What to do with my marketing mix?
The Case of Ramadhes & Cia Ltda.
João Batista Soares Neto, Anielson Barbosa da Silva
& André Gustavo Carvalho Machado
173– 193Grupo Bonaparte: aprendendo com uma cadeia de
restaurantes do Nordeste brasileiro
The Bonaparte Group: learning from a chain of
estaurants in Brazil’s Northeast
Viviane Santos Salazar, Walter Fernando Araújo de Moraes
& Yákara Vasconcelos Pereira Leite
195– 222Guaraná Orgânico: Ecodesenvolvimento e
Comércio Justo
Guarana Organic: Fair Trade and green development
Adriana Teixeira Bastos, Cora Franklina do Carmo Furtado,
Fátima Regina Ney Matos & Mário Henrique Ogasavara
A sala de aula e as empresas: Análise da produção e da
utilização de casos para ensino em Administração
Classrooms and companies: an analysis of teaching case
production and use in business administration courses
Recebido em: 24/06/2013 Aprovado em: 14/08/2013
Avaliado pelo sistema double blind review
Editora Científica: Manolita Correia Lima
Cléria Donizete da Silva Lourenço [email protected]
Thaisa Ferreira Magalhães
universidade federal de lavras
Resumo
O método do caso é uma ferramenta pedagógica considerada promissora no sentido de diminuir a distância
entre a sala de aula e as organizações e por proporcionar aos discentes uma participação ativa no processo de
aprendizagem. No entanto, pouco se sabe sobre a forma como docentes e discentes têm utilizado os casos.
Diante disso, procurou-se conhecer os casos para ensino publicados no Brasil e identificar a forma como os
docentes têm utilizado essa ferramenta. Para tanto, foi feita uma análise de 48 casos para ensino publicados
em periódicos e eventos da área de administração e uma pesquisa qualitativa com 61 docentes de três ies
(Instituição de Ensino Superior) mineiras. Como resultado pode-se destacar que, se por um lado, o esforço de
construir casos está sendo feito pelos pesquisadores brasileiros que publicaram seus casos nos últimos anos,
por outro, esta produção não tem sido utilizada pelos docentes das ies pesquisadas, uma vez que eles não
utilizam os anais dos eventos e os periódicos como fontes de busca dos casos. A principal constatação que se
fez, nesta pesquisa, é que há falta de conhecimento, por parte dos docentes, sobre o que é um caso para ensino
e como o mesmo deve ser utilizado.
Palavras-chave: estudo de caso; casos para ensino; Administração.
Abstract
The case method is considered a promising educational tool to bridge the gap between the classroom and companies,
where students enjoy active participation in the learning process. However, little is known about how teachers and
students use teaching cases. This paper has thus sought to research the teaching cases published in Brazil and identify
how teachers have employed this tool. Data was collected through an analysis of 48 teaching cases published in business
administration journals and conferences, in addition to a qualitative study with 61 teachers from three Minas Gerais
State heis. The results show that, although an effort to construct cases is being undertaken by Brazilian researchers
with recently published cases, this production has not been used by teachers in the institutions surveyed, due to their
overlooking event proceedings and journals as potential sources of cases. The main conclusion reached is that teachers
lack the proper knowledge of what constitutes a case and how it should be employed.
Keywords: case study; teaching cases; business administration.
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cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães
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Introdução
A proposta das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em
Administração sustenta que a educação deverá estar vinculada ao mundo
do trabalho e à prática social. O Conselho Nacional de Educação (cne)
também aponta em sua Resolução Número 4 no artigo 2º (parágrafo 1º),
que a educação deve abranger “[...] os modos de integração entre a teoria e
a prática” (brasil, 2005).
Levando em conta essas orientações, tem sido destacada a necessidade
de diminuir a distância entre o que se ensina em sala de aula e a prática
no ambiente organizacional. Para minimizar esse suposto descompasso,
utilizam-se várias alternativas para que o estudante se insira numa atmosfera
onde ele vivencie o ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que reflita
sobre o que está aprendendo nas aulas. Nessa direção, os casos para ensino
têm sido apontados como uma alternativa promissora. Conforme destaca
Roesch (2007, p. 12), “[...] o caso para ensino é um entre poucos métodos
de ensino-aprendizagem que possibilitam um casamento entre teoria e
prática, tão necessário para a área de Administração”. Lima (2003), por
sua vez, defende que o estudo de caso parece ser a proposta pedagógica
que melhor atende aos princípios construtivistas de aprendizagem ativa,
reflexiva, colaborativa e autenticamente contextualizada.
Por isso, o tema tem ganhado a atenção, nos últimos anos, por parte
dos pesquisadores brasileiros da área de administração que procuraram:
discutir sobre o método no contexto das novas tecnologias da comunicação
e da informação (lima, 2003); analisar o seu emprego como ferramenta
pedagógica no campo da administração (ikeda; veludo-de-oliveira;
campomar, 2006); relatar experiências com a utilização de casos (campos;
limeira, 2003; oliveira; muritiba; limongi-frança, 2004; suarez; casotti,
2004; iizuka, 2008); revisar as diversas tipologias do método (ikeda; veludode-oliveira; campomar, 2005); comentar o método de construção de casos
(roesch, 2006); destacar o papel da pesquisa de campo na construção de
casos (roesch, 2007) e alertar quanto às precauções na adoção do método
(machado; callado, 2008).
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
Conforme ressalta Roesch (2006), o interesse pelo uso de casos para ensino
está ressurgindo hoje no Brasil. O Encontro Anual da Associação Nacional
de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (enanpad) e o encontro
específico da área de ensino e pesquisa – Encontro Nacional de Ensino e
Pesquisa em Administração e Contabilidade (enepq) – passaram a aceitar
a submissão de casos para ensino em 2009. Quanto aos periódicos, podem
ser citados, entre outros, a Revista de Administração Contemporânea (rac)
da anpad que possui uma seção especial dedicada aos casos e a criação da
GVCasos da Fundação Getúlio Vargas, lançada em 2010, que é o primeiro
periódico acadêmico do Brasil especializado em casos para ensino.
Embora estes tenham ganhado espaço nos meios de publicação nacionais,
pouco se sabe sobre a forma como docentes e discentes têm utilizado essa
ferramenta pedagógica. Além do mais, conforme ressalta Iizuka (2008), são
poucas as pesquisas e estudos que trataram o uso do método do caso em
situações relativamente adversas como as encontradas nas IES (Instituição
de Ensino Superior) brasileiras. Diante disso, este artigo tem por objetivo
apresentar os resultados de uma pesquisa que procurou conhecer os casos
para ensino publicados no Brasil e identificar a forma como os docentes têm
utilizado essa ferramenta pedagógica. Para tanto, foi feito um levantamento
dos casos para ensino publicados em periódicos e eventos da área de
administração e uma pesquisa com docentes do curso de administração
de três ies mineiras.
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Casos para ensino em Administração: definição e
aspectos de sua construção
Sabe-se que ensinar é função do estilo individual. Porém, a todos os docentes
impera a tarefa de bem selecionar a estratégia de ensino para atender aos
objetivos pedagógicos (ikeda; veludo-de-oliveira; campomar, 2006). Entre
as várias estratégias, está o “método do caso1, conforme é conhecido o caso
para ensino originado na Universidade de Harvard” (roesch, 2006, p. 1). O
método do caso é também chamado de ‘método Harvard de estudos de casos’
(LIMA, 2003), ‘método do caso de Harvard’ (iizuka, 2008) ou apenas ‘método
de estudo de caso’. Rosier (2002, p. 590) refere-se a esta estratégia de ensino
simplesmente como “o processo de ensinar com casos”.
Já o caso para ensino é o material didático (texto) utilizado pelo docente
no emprego do método do caso. Para Roesch (2006, p. 1), “[...] o caso para
ensino é um texto breve, contendo até 15 páginas, com espaço duplo,
incluindo anexos. O texto é acompanhado de notas de ensino, dirigidas
ao professor e apresentadas em folhas separadas do caso”. Portanto, neste
trabalho, serão utilizadas as expressões “método do caso” para se referir à
estratégia de ensino e “casos para ensino” para se referir ao material didático
utilizado para aplicação do método do caso.
Conforme apontam Ikeda, Veludo-de-Oliveira e Campomar (2006),
o método de caso não prescinde o uso de outras estratégias de ensino,
como aula expositiva, projetos em grupo, sessões de negociação, jogos
de empresas, apresentações com recursos áudio visuais, entre outros. No
entanto, conforme escreve Lima (2003), ele surge como uma alternativa aos
modelos tradicionais de ensino [especialmente à aula expositiva], centrados
no professor.
O método do caso expõe os alunos aos processos decisórios e aos dilemas
que os executivos vivem diariamente. Esse é um método de ensino diferente
do tradicional, pois ao invés dos estudantes receberem passivamente os
fatos e as teorias, eles exercitam suas habilidades e liderança perante um
grupo de trabalho quem tem a tarefa de solucionar os desafios propostos no
caso. As dúvidas e as informações incompletas, bem como a diversidade de
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
posições das pessoas propiciam um ambiente adequado para que os alunos
trabalhem a sua capacidade de analisar, sintetizar, conciliar diferentes
pontos de vista, priorizar os objetivos e, com base nisso, tentar persuadir
e inspirar as pessoas que pensam diferente (iizuka, 2008). Assim, Fosnot
(1998) entende que a metodologia do caso se insere dentro da abordagem
construtivista de ensino na medida em que busca gerar nos alunos
experiências concretas, contextualmente significativas, nas quais eles
possam buscar padrões, levantar suas próprias perguntas e construir seus
próprios modelos, conceitos e estratégias.
Roselle (1996) destaca que o método do caso descreve uma situação
gerencial que pode ser um problema particular ou um incidente baseado
em uma situação real. Portanto, casos para ensino, em administração,
empenham-se em descrever situações de negócios reais, detalhando o que
se supõe ser alguns dos aspectos mais críticos da vida organizacional.
Nesse sentido, Roesch (2007, p. 1) define caso para ensino como “[...] a
reconstrução para fins didáticos de uma situação gerencial ou organizacional”
que tem como principais objetivos: a) desenvolver habilidades e atitudes
consideradas chave para o sucesso gerencial; b) possibilitar a familiaridade
com as organizações e seu ambiente; e c) ilustrar aulas expositivas (roesch,
2006, p. 1).
Iizuka (2008) entende que um caso da Harvard Business School é, tipicamente,
um detalhamento acerca de uma situação real de negócios, descrevendo a
situação do protagonista que é a pessoa que enfrentou o problema. O caso
descrito confere exatamente à forma como o protagonista viu a situação,
inclusive com as evidências ambíguas, conhecimento imperfeito, repostas
não lineares, as mudanças nas variáveis relacionadas ou não ao negócio e
as limitações de tempo para que se tomasse uma decisão.
Nessa mesma ótica, Swiercz e Ross (2003) entendem que lidar com o
caso é como lidar com problemas que os administradores se defrontam no
dia-a-dia. Os estudantes são requisitados a analisar os dados apresentados,
identificar as questões e problemas-chave e propor soluções que fazem
sentido no contexto do mundo real. No ensino, um caso é, portanto,
designado a induzir discussões e análises de uma situação particular e deve
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primeiro ser usado para permitir aos estudantes avaliar uma situação ou
identificar problemas segundo uma variedade de cenários.
No que se refere à construção de casos, Roesch (2007) esclarece que, ao
escrever um caso, o professor deverá levantar as seguintes questões: Como
este se enquadra no programa da disciplina? Que princípios ou conceitos
irá ensinar? Quais conhecimentos, atitudes e habilidades serão estimulados
nos alunos? O professor organiza, coleta e escreve o caso tendo em mente
tais objetivos.
Portanto, a construção de um caso não é tarefa simples. Ela consiste
em um processo demorado, que exige habilidades de pesquisa do escritor
para que possa conseguir acesso à organização, bem como a colaboração
dos respondentes, muitas vezes em situações delicadas (roesch, 2007).
Sendo o caso para ensino a reconstrução de situações ou problemas
organizacionais tendo em vista os objetivos de aprendizagem, o seu relato
envolve descrição e narração, mas não é um texto argumentativo como um
trabalho acadêmico. Não obstante, é um texto sofisticado, requerendo que
muitas vezes se recorra a outros gêneros como o jornalismo e a ficção para
solucionar problemas de redação (roesch, 2006).
No Brasil, poucos professores constroem casos para ensino. Como
resultado, o acervo de casos nacionais é limitado (ROESCH, 2006). Ikeda,
Veludo-de-Oliveira e Campomar (2006, p. 155) também ressaltam que, no
Brasil, é inquestionável a falta de casos locais abordando problemas de
empresas ou situações do País, o que pode gerar desinteresse e dificuldade
de entendimento. Segundo os autores, entre os fatores que contribuem
para essa situação podem ser elencados os seguinte: a falta de tradição na
produção de casos; a falta de infraestrutura para elaboração tanto intelectual
como física, pois as aulas requerem uma disposição física e acústica
adequadas; dificuldade em obter informações de executivos pelo alegado
temor de revelar “aspectos estratégicos” sigilosos das organizações em que
trabalham; falta de preparo dos possíveis autores de casos brasileiros; falta
de treinamento de instrutores para aplicação dos casos em classe – poucos
parecem ter recebido um treinamento formal para aplicação do método
na sala de aula; falta de mecanismos que façam com que os casos estejam
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
disponíveis a maior audiência; e pouca valorização da produção de casos.
A maioria das universidades brasileiras não conta com a produção de
casos como atividade acadêmica e somente recentemente congressos e
conferências têm começado a aceitar casos em seus encontros (ikeda;
veludo-de-oliveira; campomar, 2006). No entanto, ainda que se reconheçam
todas as dificuldades inerentes à construção de casos para ensino, não se
pode negar que sua utilização é vista como uma alternativa aos métodos
tradicionais de ensino. Mas de que utilização está se falando?
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Utilização de casos para ensino nos cursos de
administração
Os casos para ensino em Administração vêm sendo utilizados há cerca
de cem anos em universidades norte-americanas, e mais recentemente
na Europa e na Ásia. No Brasil, são pouco usados, mas o interesse neste
método de ensino-aprendizagem nas escolas de administração está
ressurgindo (roesch, 2006) embora o uso seja restrito à pós-graduação,
incluindo mbas, mestrado profissional e cursos de especialização (roesch,
2007).
Para Corey (1998), a utilização de casos auxilia no desenvolvimento
de algumas competências gerenciais como identificação e definição de
problemas, coleta e interpretação de dados relevantes, formulação de
estratégias, tomada de decisões e trabalho em grupo. Assim, o estudo
de caso incentiva o aluno a se envolver, assumindo um papel mais ativo
no processo de aprendizagem o que contribuiria para aumentar a sua
motivação para aprender.
Na concepção de Oliveira, Muritiba e Limongi-França (2004, p. 8), o
método do caso apresenta as seguintes vantagens: desenvolvimento da
capacidade de ação, aprendizagem individual baseada na discussão em
grupos, formação de esquema próprio de resolução de problemas e o
autodesenvolvimento do professor; também gera maior interesse dos
alunos que envidam maior tempo em estudos; facilita lembrança de
conceitos por meio da aplicação em situações reais, desenvolvimento
de habilidades de avaliação e aplicação de conceitos facilitados,
desenvolvimento da capacidade de administrar em função do trabalho
em grupo e da interação, e desenvolvimento de criatividade e criação de
novos conceitos para a resolução dos problemas, embora também tenham
condições de aplicar os conceitos já existentes.
Swiercz e Ross (2003) acreditam que o caso é mais do que uma
ferramenta de ensino uma vez que, ao usar exemplos de experiências
reais, pode-se mostrar a relação entre teoria e ocorrências reais, como
também trazer a pesquisa do professor para a classe. Leenders e Erskine
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
(1989) reforçam essa ideia, alegando que no método do caso, os estudantes
podem se permitir cometer erros e aprender com eles porque não há
grandes riscos envolvidos. Já na vida profissional, a tomada de decisão
pode custar caro, porque está em jogo o cargo, a reputação ou a própria
sobrevivência da empresa.
Nesta tentativa de aproximar a teoria da prática, muitos professores
elaboram seus próprios casos, procurando tornar mais prática e fiel à
realidade a teoria apresentada aos alunos. Há, também, grande parte de
professores que utilizam casos fictícios em sala de aula. No entanto, de
acordo com as orientações da escola de administração Mackenzie para
os professores que utilizam o método do caso, “[...] um caso não é uma
situação fictícia; não é um exercício que apresente dados organizacionais;
não é um pedaço de alguma situação; não é uma mera descrição de certa
situação e não é um material a ser usado como ilustração” (oliveira;
muritiba; limongi-frança, 2004, p. 7).
Contudo, conforme informa Roesch (2006, p. 3), na universidade
brasileira assim como em algumas escolas europeias, tende-se a considerar
quaisquer materiais ilustrativos utilizados em sala de aula como “casos”.
Estes materiais ora acompanham aulas expositivas, ora são utilizados
para a discussão em grupos. Exemplos são: extratos de trabalhos de
conclusão de curso ou de dissertações; relatórios de pesquisa; artigos
acadêmicos; artigos publicados na mídia, em revistas e jornais de negócios;
relatórios ou balanços de empresas ou mesmo palestras de profissionais
a respeito de suas experiências e histórias de sucesso. Por meio destas
práticas apresentam-se materiais atualizados para os alunos. No entanto,
conforme discute a autora, informações fragmentadas não se comparam
a um caso bem pesquisado e relatado, produzido por professores com
experiência neste método de ensino.
Jennings (1996, p. 7) em uma pesquisa sobre os usos e os objetivos do
método do caso, abordou professores que opinaram de forma espontânea
(aberta) sobre o tema. O objetivo mais citado pelos mesmos foi “ilustração”,
ou seja, o uso de casos para exemplificar uma situação real. No entanto, é
preciso considerar que o método do caso:
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Envolve particularidades que, muitas vezes, são ignoradas por instrutores
e alunos, o que acaba resultando no mau emprego do instrumento e no
consequente insucesso no alcance de objetivos pedagógicos. Talvez, uma
das causas desse problema seja o próprio desconhecimento de estudantes
e professores sobre o uso dessa ferramenta (ikeda; veludo-de-oliveira;
campomar, 2005, p. 142).
Tendo isso em vista, estes autores, após abordar os desafios do emprego
do método do caso, fazem algumas recomendações importantes para
uma boa utilização deste método: avaliação do perfil do aluno e do
curso, incluindo o tempo disponível para aplicação do caso; treinamento
aos instrutores; atenção à coerência do caso com a realidade vivenciada
pelos alunos e professores; atenção à disponibilidade e acessibilidade de
materiais e informações adicionais para consulta; a elaboração de uma
“ponte” do caso com a teoria para não deixar o aluno sem a base conceitual
necessária.
O sucesso do método do caso depende da adequação do mesmo
aos objetivos educacionais pretendidos. Por essa razão, é fundamental
que o docente seja capaz de selecionar o tipo de caso que se encaixe
melhor na situação de ensino-aprendizagem em questão. Sendo assim,
o método do caso não deve ser aplicado indiscriminadamente e sim
quando houver coerência com a disciplina, estágio no curso, assunto
de discussão, perfil dos alunos entre outros aspectos (ikeda; veludode-oliveira; campomar, 2005). Estes autores destacam que algumas
disciplinas se mostram mais adequadas à utilização do método do caso
que outras. Nesse sentido, a habilidade de escolher o caso mais adequado
à situação é de responsabilidade dos instrutores.
Outra consideração a ser feita é com relação à relevância do caso.
Jennings (1996) identificou que um dos principais obstáculos e dificuldades
encontradas na obtenção e uso de casos está ligada a esse aspecto. Conforme
discute o autor, alguns temas não são cobertos de modo suficiente pelos
casos. Por exemplo, há falta de material sobre o setor público, sobre o
país em específico e que forneça perspectivas sobre gerentes seniores do
gênero feminino em papéis de liderança. Outra constatação é que, muitas
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
vezes, a empresa descrita no caso é desconhecida tanto do instrutor, como
dos estudantes. Isso pode dificultar o entendimento do caso e até mesmo,
o julgamento do instrutor se ele irá ‘funcionar’ conforme o previsto.
Outra forte crítica feita por diversos pesquisadores e professores é o
fato de o método de caso ser aplicado sem a devida ligação com a teoria e
conceitos, o que pode levar a decisões apenas com base no “bom senso”,
sem preparar os alunos para as diferentes situações que irão enfrentar no
processo administrativo (ikeda; veludo-de-oliveira; campomar, 2005, p.
152). Machado e Callado (2008) vão mais além nessa discussão. Os autores
analisam, sob a perspectiva da produção do conhecimento, o método de
estudo de caso para o ensino de administração e concluem que não se
pode tomar o método como uma panaceia para resolver os problemas
intrínsecos à aprendizagem, nem tão pouco acreditar que apenas o
seu uso continuado seja suficiente para que os alunos possam produzir
conhecimentos que os capacitem para entender situações que extrapolem
as premissas contidas nos casos analisados. Portanto, compreender que
o uso de casos pode trazer, de forma sistemática, situações ou problemas
reais para dentro da sala de aula também apresentam certas limitações.
Do mesmo modo, afirmam que a prática sobre um processo do tipo
simulação, dissociada da teoria, é o melhor meio para gerar conhecimento
científico é uma visão míope do processo de aprendizado.
Além do mais, alguns casos são utilizados indiscriminadamente, sem
levar em conta sua complexidade, o tópico da disciplina envolvido em sua
resolução ou a adequação do mesmo aos objetivos do curso. O material
do caso pode se tornar obsoleto e as diferenças culturais podem trazer
dificuldades em sua análise. Além disso, os docentes questionam até que
ponto o caso é “real” ou apenas uma projeção da visão do autor (jennings,
1996).
A imparcialidade das informações liberadas em um caso também pode
ser um desafio ao uso do método, como alerta Kingsley (1982). É possível
que as informações oriundas das empresas que são analisadas no caso
se originem de afirmações de relações públicas, em que somente são
liberados os dados que as empresas desejam que sejam conhecidos.
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Sendo assim, outro problema verificado em boa parte dos casos disponíveis
é que os mesmos não seguem a premissa básica de retratar a realidade
administrativa vivida por tomadores de decisão. Alguns “estudos de casos”
são utilizados como meios de divulgação e marketing das empresas, ou
seja, enaltecendo os pontos positivos, as conquistas e os diferenciais frente à
concorrência. Assim, não esclarecem ou omitem os desafios, as dificuldades,
os dilemas, enfim, contam apenas a “parte bonita” da gestão e dos negócios,
com o objetivo de reforçar a marca e a presença da empresa no mercado
(iizuka, 2008).
Por um lado, a metodologia de ensino com base em resolução de casos
vem ganhando adeptos entre os professores de administração, devido ao
caráter essencialmente prático deste campo em que grande parte das teorias
foi concebida mediante problemas práticos vivenciados na realidade das
empresas. Por outro lado, há uma carência de casos práticos de empresas
brasileiras (oliveira; muritiba; limongi-frança, 2004). Devido ao escopo
deste artigo, este é um tema que merece ser discutido.
Há que se considerar que encontrar ou propor casos interessantes,
recentes e coerentes com a realidade do aprendiz consiste em um desafio.
Naumes e Naumes (1999) afirmam que o método do caso requer uma
contínua fonte de casos novos e atualizados para manter o interesse dos
estudantes. Salientam também que casos locais não só captam o interesse
do aluno, como também auxiliam seu envolvimento na economia regional.
Na nossa concepção, um dos principais desafios à utilização dos casos para
ensino é a consideração do contexto brasileiro. Nesse sentido, Iizuka (2008)
presta uma grande contribuição ao discutir sobre os limites e possibilidades
da adaptação do método do caso no ensino em Administração no Brasil.
Nessa direção, o autor questiona:
[...] como e até onde este modelo é possível, tendo em vista os desafios
administrativos e de gestão nas organizações brasileiras, como, por
exemplo, as dificuldades enfrentadas pelas pequenas empresas, a realidade
socioeconômica e cultural do país e as condições institucionais das ies
e os perfis dos alunos que têm ingressado no ensino superior (iizuka,
2008, p. 2).
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
Sabe-se que os cursos de Administração tiveram forte influência norteamericana. Somado a este legado técnico e teórico – fundamental para
compreendermos a situação atual do ensino em Administração no Brasil
– pouco ou nada se fez para transpor um modelo de ensino mecanicista,
fragmentado e, principalmente, distante, de uma forma geral, da realidade
vivida no país. Um exemplo disso é a utilização frequente das grandes
empresas nos cursos de administração, enquanto uma parcela considerável
dos alunos trabalha em micro e pequenas empresas, em organizações não
governamentais e até mesmo em órgãos públicos (iizuka, 2008). Este autor
ressalta, entretanto, que de acordo com dados de 2005, do sebrae, as micro e
pequenas empresas correspondem a 98,8% do total das empresas brasileiras.
Conforme denuncia Iizuka (2008) são poucas as pesquisas e estudos que
tratam o uso do método do caso em situações relativamente adversas tais
como: salas de aula com mais de 50 alunos (às vezes chegando a mais de
100 alunos por turma); estudantes oriundos de um ensino médio público
ou que retornou à escola após anos sem estudar; infraestrutura precária,
bibliotecas mal equipadas e com bibliografia de baixa qualidade,; estudantes
com dificuldades de leitura e escrita, raciocínio analítico e postura crítica.
Diante isso, questiona o autor: “[...] em que medida essa metodologia pode
ser replicada em diferentes contextos? Em particular, seria o método de
Harvard pertinente à maioria das ies brasileiras?” (iizuka, 2008, p. 5).
Roesch (2006, p. 1) identificou que “[...] a produção de casos locais é
insignificante se comparada com o acervo de casos estrangeiros disponíveis”.
Iizuka (2008), por sua vez, afirma que se encontram casos em livros didáticos
de administração, mas nem sempre com enfoque na realidade brasileira e,
na maioria das vezes, preparados tão somente para a confirmação da teoria
discutida sem estar, necessariamente, relacionados às situações reais da
administração. Nesse sentido, o autor lembra o educador Paulo Freire para
quem o conhecimento não poderia e nem deveria estar dissociado da vida
das pessoas que participam do processo de aprendizagem.
Evidentemente que, em um ambiente cada vez mais globalizado, esperase que os alunos e professores tomem contato com casos de diversas
partes do mundo. Contudo, reconhece-se, assim como Iizuka (2008) que a
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utilização de casos externos e estranhos ao contexto vivido pelos alunos é
um fator que dificulta a utilização dessa ferramenta.
Com relação a isso, Suarez e Casotti (2004) destacam que as diferenças
culturais – do país, da instituição e até do professor e dos alunos – vão ter
impacto na dinâmica de aplicação do método. A experiência das autoras sugere,
por exemplo, que os professores brasileiros tendem a assumir uma postura mais
diretiva do que seus colegas americanos. Em relação aos estudantes, é possível
perceber nos brasileiros a colaboração e o respeito à opinião dos companheiros
de sala como um traço naturalmente mais presente do que entre os americanos.
Todos os desafios discutidos até aqui com relação à utilização dos casos para
ensino são mais bem compreendidos se considerarmos que o agente principal
na condução do método – o docente – não recebe uma preparação adequada
para atuar com essa ferramenta.
Weber e Kirk (2000) chamam a atenção para o fato de que na maioria
das instituições, os professores não recebem um treinamento para preparar
e atuar nas aulas que utilizam o método do caso. No entanto, conforme
expôs Suarez e Casotti (2004), esse método de ensino exige do professor
grande preparação, que começa na escolha do material, elaboração das
perguntas e formas de estimular os alunos a se engajarem nessa experiência
de aprendizado. Segundo as autoras, mesmo nos Estados Unidos, poucos
professores recebem treinamento específico para aprender a preparar e
ensinar um caso. No Brasil, segundo as autoras, essa questão é ainda mais
evidente, já que um número ainda restrito de escolas adota oficialmente essa
metodologia, fazendo com que seu uso seja, em muitas situações, motivado
pelo interesse isolado de um professor, que assim enfrenta a falta de apoio
institucional e limitação de recursos necessários a uma adequada aplicação
da metodologia.
Ikeda, Veludo-de-Oliveira e Campomar (2006, p. 155) também reconhecem
que o desinteresse e a dificuldade de entendimento sobre essa ferramenta
pedagógica estão ligados, entre outros aspectos, à falta de treinamento de
instrutores para aplicação dos casos em classe conforme já abordado neste
trabalho. Segundo os autores, poucos parecem ter recebido um treinamento
formal para aplicação do método na sala de aula.
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
Observa-se, portanto, que muitos são os desafios impostos à utilização dos
casos para ensino no Brasil. No entanto, não se pode deixar de reconhecer que a
publicação desses tem aumentado nos últimos anos. Diante disso, é importante
identificar de que forma esse aumento da produção tem refletido no cotidiano
da sala de aula. É nessa direção, que esta pesquisa caminhou.
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Procedimentos metodológicos
No desenvolvimento da pesquisa cujos resultados são apresentados neste
artigo, optou-se pela realização de uma pesquisa qualitativa desenvolvida
em duas fases.
Na primeira fase, foi feito um levantamento dos casos para ensino
publicados entre 1997 e 2010. A base de dados foi constituída por 30 casos
publicados em dois eventos promovidos pela anpad – enanpad e enepq –
e 18 casos publicados em dois periódicos nacionais. Um deles é a Revista
de Administração Contemporânea (rac) da Anpad que possui uma
seção dedicada aos casos e o outro é a GVCasos da Fundação Getúlio
Vargas, lançada em 2010, que é o primeiro periódico acadêmico do Brasil
especializado em casos para ensino. Portanto, foi analisado um total de 48
casos.
Os casos foram analisados mediante a técnica de análise de conteúdo
seguindo as orientações de Bardin (2009). Foram desenvolvidas as seguintes
categorias analíticas: (i) total de casos publicados e fonte da publicação; (ii)
porte das empresas estudadas; e (iii) disciplina sugerida para aplicação.
Na segunda fase, foi feita uma pesquisa com 28 docentes de duas ies
particulares e 33 docentes de uma ies pública, que atuam no curso de
graduação em administração. Essas instituições estão localizadas no Sul
de Minas Gerais. A coleta de dados foi feita entre maio e dezembro de 2012
utilizando a técnica da entrevista. O instrumento utilizado foi o roteiro
semiestruturado, as entrevistas foram individuais e as respostas foram
anotadas pela pesquisadora no roteiro.
Os dados, nesta fase, foram analisados mediante análise de conteúdo e as
seguintes categorias analíticas foram desenvolvidas: (i) utilização de casos
para ensino pelos docentes, (ii) principal fonte de busca dos casos, (iii) como
os docentes trabalham com o caso, e (iv) empresas estudadas em sala de aula.
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
Casos para ensino: publicação e utilização
Tendo em vista as duas fases da pesquisa, optou-se por apresentar e
discutir os resultados em duas subseções. Na primeira, são apresentados
os resultados da primeira fase que teve como objetivo conhecer os casos
de ensino publicados no Brasil e, na sequência, os resultados da fase
que procurou identificar a forma como os docentes têm utilizado essa
ferramenta pedagógica.
Os casos para ensino na produção científica nacional
Total de casos para ensino publicados e fonte da publicação
As fontes e a frequência das publicações em cada ano são apresentadas na
Tabela 1, compreendendo o período de 1997 a 2010. Verifica-se que nesse
intervalo de tempo o número total de casos para ensino publicados em
eventos foi de 30 e em periódicos foi de 18. Não foram encontrados casos
publicados no período entre 1997 a 2002.
Tabela 1 Total de artigos publicados por ano de publicação e fontes de
publicação
Ano de publicação
Fonte
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Total
RAC
1
2
3
3
1
1
2
2
15
GVCasos
-
-
-
-
-
-
3
3
EnANPAD
-
-
-
-
1
-
8
12
21
EnEPQ
-
-
-
-
9
-
9
Total
1
1
19
17
48
2
3
3
2
-
Ao se analisar a distribuição dos casos de acordo com o ano de publicação
foi possível perceber um crescimento significativo nos anos 2009 e 2010. Isso
pode ter acontecido em função da criação da seção específica para submissão
de casos para ensino no enanpad e no enepq, em 2009. Ao observar as
edições de 2011 e 2012 desses eventos, percebe-se um crescimento constante
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no número de casos publicados. Observa-se, portanto, que o acervo de casos
nacionais não é mais tão limitado quanto era na época em que Roesch (2006)
tratou desse assunto.
Porte das empresas estudadas
Embora tenham sido identificados os nomes (ora real, ora fictício) das
empresas relatadas nos casos, optou-se por não citá-los neste trabalho tendo
em vista que, essa omissão, não prejudica a discussão que se pretende fazer.
A Tabela 2 apresenta informações quanto ao porte das empresas2 relatadas
nos casos para ensino publicados no período entre 2003 e 2010. Observa-se
que dentre os 48 casos publicados, 17 tratam de empresas de grande porte,
16 de empresas de pequeno porte, quatro de empresas de médio porte e
três de microempresas. Em quatro casos, identificou-se que não se tratava
de empresas e, em outros quatro, não foi possível identificar o porte da
empresa.
Tabela 2 Porte das empresas
Classificação
Frequência
Empresa de grande porte
17
Empresa de pequeno porte
16
Empresa de médio porte
4
Não se aplica
4
Indefinido
4
Microempresa
3
Total
48
Interessante notar que, os dados apresentados na Tabela 2, podem indicar
um contraponto à crítica feita por Iizuka (2008) quando o autor aponta a
utilização frequente das grandes empresas nos cursos de administração,
enquanto uma parcela considerável dos alunos trabalha em micro e
pequenas empresas.
Nota-se que, atualmente, está à disposição dos docentes, um número
considerável de casos relacionados a pequenas e médias empresas. Nesse
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para ensino em administração
sentido, entende-se que a abertura da Anpad nos seus eventos, em 2009,
e a criação de um periódico específico para publicação de casos, em
2010, podem ter sido os responsáveis pelo desenvolvimento de casos que
contemplam empresas de porte menores. No momento em que os autores
brasileiros passam a desenvolver casos, cresce o potencial para que as
pequenas e médias empresas sejam contempladas tendo em vista que estas
representam uma parcela considerável dos negócios nacionais. Isso pode
ajudar a combater um dos problemas identificados por Ikeda, Veludo-deOliveira e Campomar (2006) e Oliveira, Muritiba, Limongi-França (2004)
que é a falta de casos locais abordando problemas de empresas ou situações
do Brasil.
Disciplinas sugeridas para aplicação
No que se refere às disciplinas3 que os autores sugeriram para aplicação dos
casos, pode-se constatar que a grande maioria dos casos é indicada para
utilização na disciplina de estratégia conforme pode ser visto na Tabela 3.
Tabela 3 Disciplinas sugeridas para aplicação
Classificação
Frequência
Estratégia
18
Marketing
6
Empreendedorismo
5
Gestão da produção
4
Gestão de pessoas
4
Gestão ambiental
2
Outras
9
Total
48
As nove disciplinas que compõem a subcategoria “outras” são: sistema
de informação, gestão de preços, administração geral, gestão da carreira,
contabilidade geral, introdução à administração, comportamento
organizacional, gestão multicultural e negócios internacionais. Estas
foram citadas, cada uma delas, em apenas um caso. Há que se destacar,
contudo, que o tema negócios internacionais, por exemplo, aparece
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como tema secundário em seis casos ligados às disciplinas de estratégia e
empreendedorismo. Portanto, embora os autores indiquem uma disciplina
mais apropriada para utilização do caso escrito, eles indicam também temas
secundários que podem ser abordados, ou seja, há alguns casos que podem
ser aplicados em mais de uma disciplina.
Alguns temas que foram citados como secundários, nos casos analisados,
podem ser elencados: logística, orçamento empresarial, gestão de operações,
inovação, pcp (planejamento e controle da produção), gestão de serviços,
comportamento do consumidor entre outros. Percebe-se, contudo, que estes
estão relacionados às principais disciplinas citadas na Tabela 3. Outros temas
relevantes para a gestão organizacional – gestão pública, liderança, gestão
do conhecimento, ética, conflito, questões sociais, gestão multicultural,
habilidades gerenciais, relações entre fundador e sucessor, relações de gênero
entre outros – não são contemplados de maneira satisfatória, aparecendo
quando muito, em apenas um caso entre os 48 analisados. Esta evidência
fortalece a crítica de Jennings (1996) quando o mesmo afirma que alguns
temas não são cobertos de modo suficiente pelos casos.
A utilização de casos em três cursos de administração
Utilização de casos para ensino pelos docentes
Entre os 61 docentes entrevistados, 394 informaram que utilizam estudos
de casos como ferramenta pedagógica nas suas disciplinas e 22 informaram
que não utilizam conforme apresenta a Tabela 4.
Tabela 4 Utilização de casos
Utilizam casos
Particular I
Particular II
Pública
Total
Sim
8
10
21
39
Não
6
4
12
22
61
Entre os 22 docentes que não utilizam o estudo de caso, as justificativas
apresentadas são as seguintes. Os docentes que lecionam sociologia, filosofia,
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
psicologia, ética, ciência política entendem que essas disciplinas teóricas
não necessitam da utilização desse recurso. Os docentes que ministram
metodologia científica, estatística, língua portuguesa, cálculo e aquelas
ligadas ao direito entendem que esse recurso não se aplica a essas disciplinas.
Mas, a maior parte dos docentes que informou que não utilizam o estudo
de caso, justificou que o número elevado de alunos, em algumas turmas,
inviabiliza a utilização dessa ferramenta. Esta última justificativa conduz
à reflexão feita por Iizuka (2008) sobre a situação das salas de aula nas ies
brasileiras que dificultaria a utilização do estudo de caso.
Principal fonte de busca dos casos
As fontes de busca dos casos utilizadas pelos docentes, conforme pode ser
visto na Tabela 5, são diversas5.
Tabela 5 Fonte de busca dos casos
Fontes
Particular I
Particular II
Pública
Livros
5
4
10
19
Jornais, revistas e sites especializados
2
5
7
14
Artigos científicos
3
2
4
9
Sites de empresas
1
2
4
7
Casos para ensino6 publicados
-
1
3
4
Vivência profissional
1
3
-
Total
4
Desenvolve casos fictícios
1
-
2
3
Alunos levam para a sala de aula
-
1
2
3
TV
-
1
1
2
Entre os 39 docentes que declararam utilizar o recurso do estudo de
caso, 19 deles buscam os casos nos livros/manuais de administração
utilizados na condução das suas disciplinas e 14 pesquisam reportagens
publicadas sobre as empresas em jornais e revistas impressos e/ou on-line
e também em sites especializados. Mais especificamente, os docentes
citaram as revistas Exame, Você s/a, HSM Management, Veja; os jornais
Gazeta Mercantil, Information Week, Folha Investe, Invest Money e outros
jornais de circulação diária como Folha de São Paulo e Estado de Minas;
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sites especializados como bmf, Bovespa, Receita Federal, Guia Logístico
e enap.
No que se refere aos artigos científicos, as fontes de busca dos mesmos
são os anais de congressos, especialmente os do enanpad e periódicos
da área de administração. Interessante observar que, se por um lado, os
docentes (nove deles) utilizam estas duas fontes para pesquisar os artigos
científicos, por outro lado, eles não utilizam os casos para ensino publicados
no enepq e no enanpad e nem os periódicos GVCasos e rac. Dos quatro
docentes que declararam que utilizam os casos para ensino publicados,
três têm como fonte de busca a Central de Casos da espm e apenas um
utiliza os anais do enepq, do enanpad, da GVCasos e da rac. Observase, portanto, que embora o número de casos publicados tenha crescido,
consideravelmente, nos últimos anos, eles não estão sendo utilizados pelos
docentes. Evidentemente, é preciso considerar que tal crescimento é recente.
Os quatro docentes que declararam que utilizam casos oriundos da
própria vivência profissional são aqueles que já exercem ou já exerceram
alguma atividade de consultoria empresarial. Assim, eles levam para a
sala de aula os casos das empresas para as quais eles prestaram ou prestam
serviços. Este é o tipo de docente identificado por Souza-Silva e Davel
(2005, p. 121): “[...] aquele professor que consegue transitar tanto no campo
da docência quanto da vivência gerencial, atuando como acadêmico e
consultor empresarial”.
Outros três docentes informaram que têm dificuldades de encontrar
casos que se adaptam a teoria/assunto que eles estão trabalhando. Por isso,
desenvolvem seus próprios casos e levam para a sala de aula. Há também
aqueles docentes (3) que deixam a cargo dos estudantes a seleção dos casos a
serem trabalhados. Nota-se que até mesmo reportagens de tv são utilizadas
como fonte de busca pelos docentes.
Ao analisar os dados dessa categoria, algumas preocupações já abordadas
na terceira seção deste trabalho vêm à tona. Provavelmente, ao buscar os
casos nos manuais de administração, os docentes trazem para a sala de aula
casos de empresas nem sempre com enfoque na realidade brasileira conforme
discutido por Iizuka (2008). Isso ocorre porque a maior parte desses manuais
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
é oriunda de outros países conforme identificou Lopes (2007). Assim, muitas
vezes, a empresa descrita no caso é desconhecida tanto do instrutor, como dos
estudantes e as diferenças culturais podem trazer dificuldades em sua análise
conforme abordou Jennings (1996). Portanto, umas das recomendações para
uma boa utilização do método do caso dada por Ikeda, Veludo-de-Oliveira e
Campomar (2004, p. 13-14) – “[...] atenção à coerência do caso com a realidade
vivenciada pelos alunos e professores” – não está sendo levada em conta.
Mais do que isso, ao trazer um cenário alheio para a sala de aula, o docente
distancia do ensinamento dado por Paulo Freire para quem o conhecimento
não poderia e nem deveria estar dissociado da vida das pessoas que participam
do processo de aprendizagem.
Outro aspecto que não pode ser deixado de lado é o fato de os docentes
estarem buscando também em revistas populares de gestão os casos para
serem trabalhados com os alunos. No entanto, há que se recordar que os
problemas relacionados ao uso desta literatura pop-management já foram bem
discutidos por Wood Jr. e Paes de Paula (2002a, 2002b).
No que se refere à utilização dos sites das empresas como fonte de busca,
o docente incorre no problema abordado por Kingsley (1982) e Iizuka (2008):
a falta de imparcialidade das informações liberadas em um caso. No site da
empresa somente são fornecidas as informações que a equipe de relações
públicas deseja, ou seja, a “parte bonita” da gestão e dos negócios, com o
objetivo de reforçar a marca e a presença da empresa no mercado.
Outro aspecto a ser considerado é o fato de alguns docentes utilizarem
casos fictícios em sala de aula. No entanto, conforme abordado por Oliveira,
Muritiba e Limongi-França (2004), “[...] um caso não é uma situação fictícia”. Se
isso for aceito, estaremos diante de um problema uma vez que, para Swiercz
e Ross (2003), uma das vantagens do método é usar exemplos de experiências
reais que podem mostrar a relação entre teoria e ocorrências reais.
O fato de os docentes deixarem a cargo dos alunos a seleção dos casos
também constitui um problema. Conforme alertaram Ikeda, Veludo-deOliveira e Campomar (2005), a habilidade de escolher o caso mais adequado à
situação é de responsabilidade dos instrutores. Isto porque algumas disciplinas
se mostram mais adequadas à utilização do que outras.
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Como trabalham com o caso
Em se tratando da forma7 como os casos são trabalhados pelos docentes,
verificou-se que 14 deles empregam essa ferramenta pedagógica
principalmente para exemplificar o tema que está sendo estudado pelos
estudantes e 13 empregam o caso como complemento da matéria. Nesse
caso, conforme informaram os docentes entrevistados, trata-se apenas de
leitura, ou seja, eles indicam a leitura de um artigo científico e não de um
caso [o que eles chamam de caso é a empresa abordada no artigo]. Os dados
referentes a essa subcategoria estão apresentados na Tabela 6.
Tabela 6 Forma de trabalhar com os casos
Fontes
Particular I
Particular II
Pública
Total
Apenas como exemplos
2
5
7
14
Complemento da matéria
2
3
4
13
Trabalho em sala de aula
3
1
Prova
1
1
Trabalho final de semestre
Total
-
8
10
5
-
9
2
1
1
21
39
Note-se que, nas duas principais formas utilizadas pelos docentes, não se
pode dizer que o recurso didático do método do caso está sendo empregado,
alguns motivos são:
1. o aluno não é exposto aos processos decisórios e aos dilemas que os
executivos vivem diariamente. Ele também não analisa, não sintetiza,
não concilia diferentes pontos de vista, não prioriza os objetivos e nem
tenta persuadir e inspirar as pessoas que pensam diferente conforme
entende Iizuka (2008);
2. não busca gerar nos alunos experiências concretas, contextualmente
significativas, nas quais eles possam buscar padrões, levantar suas
próprias perguntas e construir seus próprios modelos, conceitos e
estratégias conforme defende Fosnot (1998);
3. os estudantes não são requisitados a analisar os dados, identificar as
questões e problemas-chave e propor soluções de acordo com que
escreveram Swiercz e Ross (2003);
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
para ensino em administração
4.
não há identificação e definição de problemas, coleta e interpretação
de dados relevantes, formulação de estratégias, tomada de decisões e
trabalho em grupo da forma como entende Corey (1998).
Ao utilizar os casos somente como ilustração/dar exemplos, não há
desenvolvimento de competências gerenciais. Assim sendo, entende-se
que não há envolvimento e o aluno não assume um papel ativo no processo
de aprendizagem conforme requer a utilização da ferramenta do método
do caso.
Os dados apresentados nessa subcategoria reforçam a crítica de Roesch
(2006, p. 3) quando a autora afirma que, na universidade brasileira assim
como em algumas escolas europeias, tende-se a considerar quaisquer
materiais ilustrativos utilizados em sala de aula como “casos”. Os dados
são também similares aos resultados da pesquisa de Jennings (1996) que
identificou que o principal objetivo dos docentes ao utilizarem o caso era
o de “ilustração”, ou seja, o uso de casos para exemplificar uma situação
real. Observa-se, portanto, que, nem sempre, há correspondência entre
as orientações quanto à utilização do método e a forma como o mesmo é
utilizado.
Embora não fosse objetivo deste trabalho cruzar informações, foi possível
identificar, por meio da análise do conteúdo das entrevistas, que os docentes
que trabalham de maneira mais condizente com as orientações quanto à
utilização do método, são aqueles que trabalham com o caso na forma de
trabalho em sala de aula e prova. É preciso destacar que esses docentes são
os mesmos que têm como fonte de busca dos casos a vivência profissional, o
desenvolvimento de casos fictícios e os casos de ensino publicados conforme
exposto na Tabela 5.
Empresas estudadas em sala de aula
Dentre as questões do roteiro de entrevista, havia uma que solicitava aos
docentes que descrevessem os nomes das empresas que foram objetos
de estudo em sala de aula na sua disciplina. Como resultado, foram
obtidos os nomes de 82 empresas que foram classificadas quanto ao porte
conforme ilustra a Tabela 7. Dentre estas, sete são de médio porte e 75
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são de grande porte. Quanto à nacionalidade, 43 são brasileiras e 39 são
estrangeiras.
Tabela 7 Classificação das empresas estudadas
Porte das empresas
Nacionalidade
Pequeno
Médio
Grande
Brasileiras
Estrangeiras
0
7
75
43
39
Conforme se pode observar, quase que a totalidade dos professores utiliza
casos de grandes empresas. Constatou-se que até mesmo o professor da
disciplina de administração de micro e pequenas empresas da ies particular
I utiliza casos de grandes empresas. Já com relação à nacionalidade das
empresas, a diferença não é tão significativa. Há que se reconhecer,
entretanto, que as empresas locais ou regionais não são objetos de estudo
nas três ies pesquisadas uma vez que, entre as 82 empresas, apenas oito são
locais e regionais.
Conforme já foi dito anteriormente, não era objetivo cruzar as respostas
das questões feitas aos docentes. No entanto, pode-se observar que os
docentes que utilizaram como objeto de estudo as empresas locais e
regionais são os mesmos que tem como fonte de busca dos casos, a vivência
profissional. Isto se explica porque estes docentes, ao prestarem consultoria,
fazem isso em nível local e regional. Por isso, tem oportunidade de conhecer
a realidade empresarial dessas empresas.
Essa subcategoria reforça a crítica feita por Iizuka (2008) e confirma que
a realidade das pequenas e médias empresas brasileiras não é retratada no
cotidiano da sala de aula das IES pesquisadas. Essa crítica pode ser ainda
mais contundente se consideramos que, atualmente, os docentes têm a sua
disposição casos para ensino que contemplam a realidade desse porte de
empresas conforme apresentado na Tabela 2.
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para ensino em administração
Considerações Finais
Este artigo teve por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa que
procurou conhecer os casos para ensino publicados no Brasil e identificar
a forma como os docentes têm utilizado essa ferramenta pedagógica.
Comparando os resultados das duas fases da pesquisa, algumas situações
podem ser evidenciadas.
Se, por um lado, o esforço de construir casos está sendo feito pelos
pesquisadores brasileiros que publicaram seus casos nos últimos anos,
por outro, esta produção não tem sido utilizada pelos docentes das IES
pesquisadas uma vez que eles não utilizam os anais dos eventos e os
periódicos como fontes de busca dos casos. Ao ignorar essas fontes, os
docentes perdem a oportunidade de trazer para a sala de aula a realidade
das empresas de pequeno e médio porte uma vez que há 23 casos publicados
que contemplam esse tipo de empresa.
A utilização dos casos para ensino disponíveis nos meios citados
auxiliaria também na superação de outro problema presente no ensino
de administração que é a falta de consideração do contexto brasileiro. Ao
utilizarem os livros como principal fonte de busca dos casos, os docentes
entrevistados acabam levando para a sala de aula a realidade de empresas
estrangeiras, muitas vezes, desconhecidas dos alunos.
A principal constatação que se fez, nesta pesquisa, é que há falta de
conhecimento, por parte dos docentes, sobre o que é um caso para ensino
e como o mesmo deve ser utilizado. A grande maioria dos entrevistados,
embora acreditem no potencial e defendam a utilização do método,
desconhecem os seus aspectos pedagógicos. Eles têm trabalhado com
“casos” [e de forma ilustrativa] e não com casos para ensino uma vez as
fontes de busca utilizadas por eles são revistas, jornais, sites de empresas
e artigos científicos. Embora essas fontes possam ser interessantes por
trazer exemplos de aspectos gerenciais das empresas, seus “casos” não são
escritos com finalidade pedagógica, ou seja, não são casos para ensino. É
preciso considerar ainda, que no caso dos artigos científicos, o que se tem
é o resultado de alguma investigação e não um caso. Até programas de
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TV foram citados como casos. Sendo assim, não se pode afirmar que o
método do caso está sendo utilizado pelos docentes das três IES pesquisadas.
Observa-se, portanto, que a crítica de Roesch (2006, p. 3), continua muito
pertinente: “[...] tende-se a considerar quaisquer materiais ilustrativos
utilizados em sala de aula como casos”.
Outra constatação feita é que parece haver um consenso entre os
autores analisados na revisão de literatura de que uma parte significativa
do problema está na falta de preparação dos docentes para o uso dessa
ferramenta. Conforme expuseram Suarez e Casotti (2004), a utilização
do método do caso nos cursos de administração representa um desafio
para a atual geração de docentes brasileiros na medida em que a maioria
obteve a sua experiência de aprendizado e ensino centrada no modelo
convencional. Mesmo assim, poucas escolas parecem estar preocupadas em
preparar seus docentes para ensinar com essa ferramenta. O conhecimento
a respeito dos princípios, requisitos e da dinâmica de discussão de casos
parece ser fundamental para a prática na medida em que o método do caso
implica numa forma de atuação muito diferente da convencional – tanto
do professor quanto dos alunos.
No entanto, o problema parece ser mais amplo e merecedor de uma
reflexão cuidadosa. Conforme alertou Iizuka (2008), os desafios no uso do
método do caso tocam num aspecto mais amplo que é a atual situação do
ensino da administração no país. As dificuldades na aplicação da ferramenta
pedagógica, muito provavelmente, representam apenas a ponta de um
iceberg bem mais amplo e complexo. Assim, o que pretendemos, neste
artigo, é proporcionar alguns subsídios para que a reflexão, pelo menos no
que se refere ao método do caso, seja feita.
Há que se considerar, no entanto, a limitação deste estudo tendo em
vista que o número de ies brasileiras é elevado e este estudo foi feito
em apenas três e em contexto específico. Com certeza, há experiências
brasileiras positivas com a aplicação do método do caso. Nessa direção, se
aponta a sugestão para pesquisas futuras. Seria muito interessante conhecer
experiências positivas de aplicação do método para auxiliar na reflexão
sobre a temática e auxiliar os docentes na sua prática pedagógica.
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a sala de aula e as empresas: análise da produção e da utilização de casos
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1 Para conhecer as origens, os objetivos pedagógicos, as etapas para aplicação, os benefícios, os desafios e
críticas ao método do caso, consulte Ikeda, Veludo-de-Oliveira e Campomar (2006); para conhecer os tipos
de casos e as situações mais apropriadas para o emprego de cada um deles, ver Ikeda, Veludo-de-Oliveira e
Campomar (2005); para conhecer os desafios da construção de casos para ensino, ver, por exemplo, Roesch
(2006; 2007); para entender as dificuldades de adaptação/emprego desta ferramenta no contexto brasileiro,
consulte, entre outros, os trabalhos de Iizuka (2008), Suarez e Casotti (2004) e Roesch (2006).
2 Para identificar o porte das empresas foi utilizada a classificação que os autores dos casos fizeram. Sendo
assim, quando os mesmos não classificavam as empresas, os casos eram inseridos dentro da subcategoria
“indefinido”. Quando não se tratava de uma empresa, o caso era inserido dentro da subcategoria “não se aplica”.
3 Na Tabela 3, foi considerada a primeira disciplina que o autor indicava como sugestão para aplicação do caso
ainda que fossem citadas outras.
4 Para ser incluído entre esses 39, o docente precisaria utilizar o recurso do estudo de caso em, pelo menos,
uma disciplina entre as quais ele leciona.
5 Foram consideradas, nessa contagem, as duas principais fontes citadas pelos docentes, exceto quando o
mesmo citava somente uma, evidentemente. Por isso, o número é maior do que o número de docentes que
utilizam o estudo de caso (39).
6 Aqui está se referindo aos casos de ensino que são desenvolvidos com fins didático-pedagógicos e publicados
em anais de congressos e periódicos.
7 Na análise dessa categoria, foi considerada a principal (apenas uma) forma que os docentes trabalham com
o caso.
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cléria donizete da silva lourenço & thaisa ferreira magalhães
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Dados dos Autores
Cléria Donizete da Silva Lourenço* [email protected]
Doutora em Administração pela UFLA
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Lavras
Lavras /MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Formação docente e discente, Gestão multicultural.
* Campus Universitário da UFLA – Caixa Postal 3037 Lavras-MG 37200-000
Thaisa Ferreira Magalhães [email protected]
Graduanda em Administração pela UFLA
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Lavras
Lavras /MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Produção e Operações.
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Método do Caso: “Não sei, não ...”
Enfrentando as Barreiras
à Implantação do Método
The Case Method: "I’m not sure ..."
Facing Barriers to Implementing the Method
Recebido em: 23/07/2013 Aprovado em: 12/09/2013
Avaliado pelo sistema double blind review
Editora Científica: Manolita Correia Lima
roberta dias campos [email protected]
victor manoel cunha de almeida
universidade federal do rio de janeiro
Resumo
Este caso de ensino foi elaborado para possibilitar a discussão sobre vantagens e desvantagens da adoção de
métodos de ensino centrados no aluno, com particular ênfase no método do caso. O público alvo desse caso
são docentes na condição de alunos em cursos de mestrado ou doutorado, nas disciplinas de metodologia de
ensino ou didática do ensino superior, bem como em cursos de extensão para formação ou aperfeiçoamento
de professores. O caso apresenta o dilema vivido por Cosmo, jovem professor recém-contratado pelo iesg
(Instituto de Educação Superior em Gestão), que deseja adotar o método do caso como prática docente em
um ambiente institucional com experiências didáticas distintas e heterogêneas. Apresenta também a visão
de diversos atores da instituição, discutindo o desafio em harmonizar a estratégia didática da instituição e a
prática individual e cultural de seus profissionais. O caso busca estimular a reflexão sobre as barreiras e ações
necessárias à adoção institucional do método do caso, refletidas em três níveis da organização: o corpo docente,
o corpo discente e o conjunto da estrutura institucional.
Palavras-chave: caso de ensino; método do caso, didática de ensino; pós-graduação; método ativo de ensino.
Abstract
This teaching case was designed to enable discussion on the pros and cons of adopting student-centered methods of
teaching, with particular emphasis on the case method. The target audience comprises teachers undertaking Master’s
or doctoral degrees in teaching methodology and higher education didactics, as well as training and development
extension courses for teachers. It presents the dilemma experienced by Cosmo, a young professor recently hired by
the iesg (Institute of Higher Education in Management), who wishes to adopt the case method as a teaching practice
within an institutional setting and with distinct and heterogeneous didactic experiences. It also presents the views
of different stakeholders in the institution, discussing the challenge to accommodate its teaching strategy with its
professionals’ individual and cultural daily practice. The case intends to foster reflection on the barriers and actions
required for institutional case method adoption, seen from three of the organization’s levels: the faculty, the student
body and the institutional structure as a whole.
Keywords: teaching case; case method; didactics; graduate course; active teaching method.
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roberta dias campos & victor manoel cunha de almeida
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Introdução
Cosmo lembrava o dia em que chegara ao Instituto de Educação Superior
em Gestão (iesg) em seu primeiro dia de trabalho e pensara: como serão
os alunos aqui? Sua experiência docente não era longa, mas vinha de uma
significativa experiência como professor assistente em uma universidade
norte-americana, onde trabalhou durante cinco anos depois de ter
concluído seu doutorado.
Enquanto saboreava um café na sala de professores do iesg, Cosmo
relia pela terceira vez a sua primeira avaliação em um curso no iesg.
Os comentários não foram exatamente os esperados e ele ref letia
profundamente sobre sua missão naquele instituto.
Uma aluna comentou de forma bem assertiva:
O conteúdo abordado não foi capaz de motivar a turma. Um dos casos
estudados em aula já tinha sido estudado por outro professor em período
anterior. Os professores precisam se comunicar mais.
Outro aluno comentou:
O professor estimula a discussão prática de empresas reais, porém acho
que seria importante tentar substituir o excesso de casos. Temos coisas
mais importantes para aprender. Essa é a terceira matéria que usa casos.
Já não acrescenta mais nada! Passamos muito tempo lendo casos quando
poderíamos estar lendo livros!
Seu alento veio de alguns comentários positivos aqui e ali:
Esse foi um curso muito diferente; me senti na hora da verdade, pensando
na prática como as coisas acontecem. Gostei muito dessa coisa de método
do caso! Bem melhor do que ficar fazendo fichamentos mecânicos. Aqui
estudamos a vida real!
Cosmo olhou novamente seu programa montado exclusivamente baseado
na metodologia do caso e perguntava-se o que fazer daqui para frente.
Deveria insistir no uso do método do caso como conhecera nos eua? Ou
deveria se ajustar às práticas de ensino do iesg?
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método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
Antecedentes
Cosmo chegara ao iesg seis meses antes, após um período de cinco anos
dando aulas em uma faculdade americana que usava o método de casos de
forma sistemática.
Aprendera a elaborar o programa de seus cursos de acordo com o paradigma
de aprendizagem centrada no participante, principalmente mediante o uso
de casos de ensino para discutir sobre a tomada de decisão. Acreditava que
o uso de casos incentivava a identificação indutiva de conceitos teóricos,
aplicáveis em cada situação.
Em seu íntimo, essa era a melhor forma de ensinar no campo de negócios,
pois acreditava que as aulas puramente expositivas não eram capazes de
capturar a atenção do aluno, resultando em uma retenção baixa dos conceitos.
Lembrava-se inclusive de seu primeiro dia de aula como aluno na mesma
faculdade americana, quando teve que frequentar as aulas com a turma
de mba. Sua formação no Brasil tinha sido em um mestrado acadêmico
com aulas expositivas e de debate teórico, e pouco recurso ao caso. Para a
primeira aula de mba como aluno, ele leu um caso bastante envolvente sobre
um executivo da Disney que precisava tomar uma decisão. Ao terminar a
leitura, perguntou-se como o professor retiraria conceitos teóricos daquela
situação. Disse para si mesmo: “Essa aula vai acabar em um grande bate-papo,
repleto de opiniões!”.
Todavia, surpreendeu-se com uma turma muito bem preparada,
debatendo vigorosamente, respeitando certa dinâmica de discussão do
caso. Professor e alunos conheciam seus papéis e sabiam como atuar nesta
plenária. A discussão foi crescendo, tornando-se mais complexa, profunda; e
o professor estabelecia momentos de pausa em que trazia conceitos teóricos
que contribuíam para melhor entender o que estava em jogo na decisão
a ser tomada. Cosmo lembrou-se que neste dia aprendeu o conceito de
segmentação de mercado e toda a complexidade de sua aplicação em um
caso prático.
Quando começou a dar aulas na mesma faculdade, investiu bastante
tempo montando seus programas. Era difícil encontrar o caso que pudesse
suscitar no debate em aula exatamente os conceitos relevantes a fim
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de cumprir o programa de curso. A escola americana dispunha de um
departamento especializado na redação de casos, que gerenciava seu uso,
produção e publicação. Assim, o trabalho de Cosmo, apesar de desafiador,
era simplificado pela infraestrutura oferecida pela escola.
Em algumas situações, recorreu à redação de casos de próprio punho.
Recolhia os dados na internet, revistas e leituras diversas, sentava-se em
seu escritório e soltava a imaginação. Apesar de não serem casos reais1, na
opinião de Cosmo, definitivamente eles não eram ruins. Poderiam ter uma
aplicação interessante em aula. E muitas vezes ajudavam a suprir aqueles
momentos do curso em que nenhum caso real se encaixava.
Iniciando no IESG
Após quase dez anos morando nos eua, entre doutorado e prática docente,
Cosmo resolve retornar ao Brasil. Estava ávido para difundir o que aprendera.
Cosmo estava convencido de que cada vez mais, os brasileiros se confrontariam,
no universo empresarial, com outros padrões culturais de gestão e era preciso
estar preparado. Entendia, portanto, que o desenvolvimento do método do
caso no Brasil poderia beneficiar os empresários e executivos brasileiros que
se preparariam para uma tomada de decisão mais analítica, argumentada e
construída por meio do debate.
Recebeu convite de algumas escolas, mas optou por instalar-se no Rio de
Janeiro, sua cidade natal, e trabalhar nos cursos de pós-graduação do iesg.
Foi particularmente atraído pelo fato do instituto ter uma central de casos e
por buscar, por meio de sua diretoria, a maior aplicação do método por seus
professores.
No entanto, apesar da forte intenção do iesg em utilizar o método do caso,
Cosmo foi pouco a pouco se deparando com as dificuldades cotidianas para
utilizar o método na forma em que estava acostumado nos eua. Sua primeira
iniciativa foi consultar os casos disponíveis na central de casos do iesg.
Havia muito material ali, todavia, a maior parte dos casos disponíveis
apresentava-se no formato de caso-demonstração2. Para surpresa de Cosmo,
poucos casos disponíveis eram apresentados no formato de caso-problema3 e
destes, apenas alguns eram acompanhados das notas de ensino.
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método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
Central de Casos do iesg
Preocupado, Cosmo decidiu então procurar Amélia, professora do instituto
e coordenadora da central de casos do iesg no RJ, para conversar sobre a
questão.
Amélia recebeu-o com gentileza e disponibilidade. Ela mesma era fã e
partidária do método do caso, mas admitia que muito trabalho ainda teria
que ser feito na iesg. Ela inclusive percebia Cosmo como um importante
elemento nesta mudança de cultura. Cosmo compartilhou sua preocupação
com Amélia a respeito da indisponibilidade de casos no formato que estava
acostumado nos eua.
Amélia contemporizou:
É importante você entender, Cosmo, que estamos no meio de um processo
de mudança de longo prazo. No início do iesg no Rio, o presidente da época
era partidário do caso-demonstração. Quando se fundou a central de casos
em parceria com a Revista Exame, o objetivo era aproveitar as informações
obtidas pela revista para produção de casos para fins didáticos. Porém, esse
convênio acabou imprimindo um caráter jornalístico aos casos produzidos.
Para o diretor da época, essa prática fazia sentido, pois ele tinha uma cultura
do caso tipo “best practices”, que conta uma história de uma decisão já tomada.
Entende?
Cosmo questionou sobre o processo de mudança:
Mas como isso foi se modificando? Pois hoje na central de casos encontrei
vários tipos de casos diferentes. Casos na terceira pessoa, casos na primeira
pessoa, casos-demonstração, casos abertos.
Amélia continuou:
Isso revela esse momento de transição que explicava a você. Com a chegada
do diretor geral atual há seis anos e com a minha chegada à área de Marketing,
iniciou-se um trabalho grande de revisão metodológica. Na época, eu estava
fazendo o doutorado e cursei uma disciplina especializada em método do
caso. Eu e o diretor então resolvemos trazer a metodologia para o instituto.
Convidamos inclusive um professor experiente no método do caso que
realizou dois treinamentos para professores da graduação, um para aplicação
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e outro para a redação de casos. Depois dessas iniciativas, os professores
mostraram maior entusiasmo para utilizar os casos, mas ainda havia confusão,
pois a central ainda disponibilizava muitos casos do tipo caso-demonstração.
Amélia explicou ainda que, logo depois do treinamento, reuniu-se com o
professor coordenador da central de casos nacional do iesg com a finalidade
de constituir um grupo de trabalho das três filiais para facilitar a implantação
do método do caso. O grupo de trabalho decidiu não abandonar o que já
havia sido feito, pois considerou o caso-demonstração importante para a
graduação4, todavia, um esforço foi feito para incentivar a produção de
casos-problema (no estilo de Harvard, conforme eram referidos por muitos
professores).
Amélia comentou sobre as iniciativas:
A ideia do grupo era estimular a produção em quantidade, para em um
segundo momento trabalhar a qualidade, ordenando e triando os casos de
ensino por tipo [formato], área de conhecimento e assunto. Isso se mostrou
um grande desafio. De qualquer forma, o grupo de trabalho conseguiu
colocar em prática uma série de iniciativas fundamentais para a mudança de
cultura: os professores foram treinados no método do caso e conseguimos
aprovar com a presidência uma gratificação para a produção de casos.
Cosmo deixou a sala de Amélia dividido. Entendera que havia uma clara
intenção de adoção do método do caso, mas, começava a perceber as
dificuldades institucionais para operacionalização dessa política. Resolveu
então procurar Álvaro, o diretor da pós-graduação. Queria saber como este
via as questões de metodologia.
Métodos Ativos de Aprendizagem no IESG
Álvaro recebeu Cosmo, logo na manhã do dia seguinte. Ratificou o propósito
do IESG de incentivar os professores na utilização de métodos centrados no
aluno, tanto o método do caso, quanto outras modalidades, como exercícios
em grupo, visitas a empresas, vivências, jogos de empresas e role-playing.
Realçou ainda o caráter ativo do trabalho final dos alunos do iesg:
O pca5 é praticamente um caso aberto que os alunos precisam construir do
zero. Eles escolhem uma empresa real e desenvolvem um profundo trabalho
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método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
de diagnóstico e proposta de plano de ação. Nosso objetivo é que os alunos
sejam estimulados a pensar estrategicamente, criando o hábito de estudo
contínuo, aprendendo a trabalhar de maneira integrada com demais alunos
e com o professor orientador.
Álvaro explicou ainda sobre o alinhamento do sistema de avaliação:
Queremos que a metodologia seja nosso diferencial, um elemento de
encantamento do aluno. Um exemplo dessa intenção de desenvolver uma
metodologia mais ativa é nossa recomendação de distribuição dos pontos
na avaliação. Hoje recomendamos que 20 a 30% da nota sejam referentes ao
produto gerado pelo aluno (provas, trabalhos individuais) e 70 a 80% sejam
processo, traduzindo sua participação ativa no curso, seja realizando leituras
e gerando questões de discussão, seja mantendo sua presença e pontualidade,
seja por sua participação ativa e construtiva em sala de aula.
O diretor da pós-graduação reconhecia os esforços da diretoria e de
professores interessados na implantação do método do caso. Todavia, não
ignorava os muitos desafios e obstáculos que ainda teriam de ser superados:
Sei que apesar de muitos professores já programarem casos de ensino em
algumas aulas, a grande maioria ainda não conseguiu utilizar o método
regularmente, seja por dificuldade de aderir a uma mudança de cultura, seja
por certas dificuldades que temos hoje e precisamos superar. Temos salas
de aulas tradicionais, mais adaptadas à aula expositiva que à plenária de
debate como sugere o método do caso. Mas nossas turmas não são grandes,
temos entre 25 e 35 alunos, então conseguimos usar esse espaço, de forma
adaptada. Outro ponto é que como temos projetor em todas as salas, acaba
sendo mais cômodo trazermos nossos slides e darmos uma aula convencional.
Além disso, alguns professores acreditam que aulas com discussão de casos
aumentam a dificuldade de controle da turma.
Cosmo aproveitou para reafirmar suas crenças nas vantagens do método:
É verdade, no início eu tinha uma sensação de menor controle da turma,
mas acredito que podemos avançar em termos de retenção e aprendizado se
encontramos uma turma preparada e disposta. Pelo menos essa é a minha
aposta. Sempre que utilizo um caso e peço aos alunos que se preparem
previamente e me entreguem por escrito a preparação individual, sou
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procurado no final da aula de debate do caso por alunos preocupados com a
correção. Após o debate, as possibilidades de análise do caso se multiplicaram
a tal grau que eles têm a sensação de que a análise individual foi mal feita.
Gosto quando isso acontece, pois é sinal de que o aprendizado desses alunos
cresceu com a discussão.
Álvaro compartilhou sua percepção de que muitos alunos reagem ao
método simplesmente porque são comodistas e não estão acostumados
a essa dinâmica de preparação individual prévia. Para esses alunos, o
professor não estaria cumprindo o seu papel de “dar aula”. O diretor realçou
então a importância da preparação do próprio professor para a discussão dos
casos e manifestou sua preocupação em relação à disponibilidade de casos:
Um problema para mim hoje é a disponibilidade de casos. A central de casos
tem feito um trabalho interessante, mas por vezes os casos são um pouco
longos, tanto para o tempo de leitura e preparação individual dos alunos,
quanto para o tempo de sala de aula de que os professores dispõem. Talvez
a central precise de mais dinamismo, desenvolver casos de vários tamanhos.
Hoje temos algumas centenas de casos, precisaríamos de muitos mais.
Ocorre que tipicamente nossos professores já têm trabalho demais. Eles dão
aula na pós e na graduação, muitos exercem funções executivas além das
aulas. Só resta o final de semana para fazer esse tipo de atividade. Fico um
pouco cético. Será que os professores vão encontrar motivação e tempo para
elaborar seus próprios casos?
Cosmo ficou com a sensação de que a reunião foi encerrada no melhor estilo
do encerramento de uma discussão de caso – com uma questão em aberto.
Pós-Graduação no IESG
As instalações da pós-graduação do iesg são novas, bem-cuidadas e
organizadas. As salas são bem iluminadas, com ar condicionado e equipadas
com computador, telão, projetor e caixas de som. O quadro branco não é
muito grande, mas o professor pode pedir à secretaria folhas de flip chart.
Nas salas, as plaquinhas com nomes não são utilizadas pelos alunos, pois
escorregam das mesas inclinadas. Os professores precisam decorar o nome
dos alunos para a interação e atribuição de notas de participação.
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método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
O formato da sala é típico para uma aula expositiva, com todos os alunos
sentados voltados para o quadro. Cosmo acreditava que para o método
do caso, o ideal era uma sala em forma de anfiteatro em U, facilitando a
discussão entre alunos. Porém, as cadeiras e mesas são fixas, impedindo a
remodelação da aula para formatos diversos, tais como pequenos grupos
ou círculos para debate. O instituto também não dispõe de salas menores
para a realização de discussão em pequenos grupos.
O aluno da pós-graduação do iesg tem um perfil bem definido. São
pessoas de classes médias altas (A e B) que podem arcar com os custos de
um curso em uma instituição privada. Normalmente, os próprios alunos
(ou sua família) custeiam sua formação. Em sua maioria, moram na zona sul
do Rio de Janeiro, Barra ou Niterói e são formados ou trabalham nas áreas
de administração e comunicação. Buscam ampliar suas chances de sucesso
profissional, melhorando seu currículo com um curso de pós-graduação em
uma instituição reconhecida pelo mercado.
Os cursos da pós-graduação acontecem à noite ou de manhã e contam
com disciplinas que variam de seis a onze encontros semanais de uma
hora e quarenta minutos cada. Na maior parte, os alunos alegam ter pouco
tempo para estudar. Tipicamente dispõem apenas de seu tempo no final de
semana para estudar para as aulas.
Primeira aula na Pós-Graduação da IESG
Antes de começar seu primeiro curso na pós-graduação, Cosmo realizou uma
longa preparação. A montagem do programa exigiu um longo tempo de estudo
de cada caso para verificar sua adequação à temática do programa. Analisou
ainda o tamanho do caso, pois o debate em pequenos grupos e em plenária
deveria ocorrer em uma aula de menos de duas horas. Imaginava que casos
muito extensos não seriam lidos nem preparados com cuidado.
A grande dificuldade de Cosmo, no entanto, foi com a obtenção de casos.
Alocar um caso por sessão é uma tarefa complexa. A princípio, pensou em
escolher casos estrangeiros, traduzi-los e pagar os direitos de uso. Mas além do
custo alto, essa opção tomaria tempo. Preocupava também o fato de que os
alunos poderiam se ressentir de só ver casos estrangeiros.
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Cosmo analisou vários casos da central de casos do iesg e adaptou alguns
deles para o formato de caso-problema, realçando um protagonista que
estaria na posição de tomador de decisão com quem os alunos poderiam se
identificar. Não sabia se podia fazer isso, mas, por fazer parte do quadro de
professores do instituto, imaginava que não haveria problema.
Iniciou também uma série de contatos com amigos, empresários e
executivos, para tentar redigir seus próprios casos. Todavia, sabia que isso
seria um trabalho de mais longo prazo. Adicionalmente, essa produção
poderia render uma boa gratificação se fosse submetida à central de casos.
Contudo se perguntava se deveria submeter seus casos à central, pois por
outro lado, nada garantiria que seus casos não seriam usados em outros
cursos por outros professores, gerando repetição e insatisfação junto aos
alunos. Esse controle não existia.
Solicitou à secretaria de professores uma lista com o nome dos alunos
e informações de perfil. Encontrou uma equipe gentil, trabalhadora e
disponível. Todo o material era disponibilizado aos alunos com antecedência,
encadernado com o programa, os slides impressos e os materiais de leitura.
No início do curso, todos os alunos dispunham de todos os casos a serem
preparados e dos artigos para leitura prévia.
Na primeira aula apresentou seu programa e conversou com a turma
para conhecê-los melhor. Lembrou sobre a importância da boa preparação
individual prévia dos casos. Os alunos pareceram entusiasmados, curiosos.
Cosmo precisou desde a primeira aula fazer um grande esforço para
memorizar os nomes dos alunos. Felizmente as turmas não excediam
30 alunos. Isso era vital para o sistema de avaliação definido com base na
participação com qualidade e na preparação individual do caso.
Para facilitar o processo de avaliação, ele recorreu a um processo usado
na sua escola norte-americana. Desenhou um mapa da sala e anotou o nome
dos alunos que se sentavam em cada lugar. Avisou à turma que dali em
diante aqueles eram seus lugares obrigatórios, pois a nota de participação
seria dada com base no mapa da sala.
Um dos alunos levantou a mão e perguntou: “Vamos ter que sentar assim
em todas as aulas. Isso é novidade aqui no iesg?”. Cosmo explicou:
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método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
Não, será apenas na minha aula. Como expliquei a vocês, essa aula é baseada
no debate ativo em sala e a participação é fundamental. Para que eu possa
dar notas com maior justiça é importante que eu saiba exatamente a quem
eu estarei atribuindo os pontos.
O aluno se calou pensativo.
Cosmo tomou a palavra e fez uma breve apresentação sobre o programa
da sua disciplina de Marketing e discutiu os temas das aulas a seguir. Detevese com mais detalhe no caso programado para a aula seguinte. Após a aula
encerrada, enquanto Cosmo reunia seu material e desligava o computador,
Pedro, um aluno que se manteve calado a aula toda, aproximou-se de sua
mesa e manifestou sua preocupação:
Professor! ... Será que isso vai dar certo? Essa coisa de ter muita nota de
participação. Vai ficar todo mundo falando qualquer coisa para ganhar pontos.
Vai ser uma batalha. Como ficam os mais tímidos? Eu não sei se vou me dar
bem na sua disciplina.
Cosmo surpreendeu-se com a abordagem assertiva de Pedro. Respirou
fundo e argumentou:
Pedro, o que importa é a participação com qualidade, que traga contribuições
ao debate e aos colegas. Repetir os dados do caso ou coisas que os outros
disseram, por exemplo, dizer algo só por dizer, não vai refletir em uma
melhor nota. Além disso, se você sente que será mais desafiador para você
participar de uma aula neste formato, podemos pensar juntos em algumas
formas de facilitar a sua participação. Mas acho que você não deveria perder
a oportunidade de participar do debate, pois permitirá o desenvolvimento
de habilidades essenciais a um bom executivo. Por exemplo, você gostaria
de abrir a discussão da aula que vem? Você pode fazer um breve resumo de
seu ponto de vista sobre o caso, mas não precisa, em um primeiro momento,
se lançar na briga pela palavra. Pelo menos até você se acostumar com a
dinâmica. O que você acha?
Pedro balançou a cabeça como quem está pensando “não sei, não”. Cosmo
despediu-se do aluno refletindo: “será que os alunos saberão distinguir a
boa participação da má? Será que precisarei explicar até isso?”.
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Segunda aula na Pós-Graduação da IESG
Na segunda aula, Cosmo chegou animado para vivenciar seu primeiro
debate. Realizou a chamada com base nos locais ocupados ou vagos em seu
mapa da sala. Recapitulou o que havia sido dito na aula anterior e apresentou
o plano da aula. Os alunos deveriam discutir em pequenos grupos para
depois participarem da discussão plenária. Para facilitar, Cosmo resolveu
colocar no quadro algumas questões de orientação:
•
Qual é o problema da empresa?
•
Quais alternativas vocês propõem?
•
Quais critérios devemos utilizar para avaliar as alternativas?
•
Quais alternativas vocês recomendam?
•
Como a alternativa deve ser implantada?
Cosmo dividiu a turma em grupos de cinco alunos no próprio espaço da
sala de aula. A discussão transcorreu sem maiores problemas. Os alunos
pareciam animados, discutindo e trocando ideias. Cosmo percebeu uma
tendência geral na forma de trabalhar dos grupos: certa desordem. Os alunos
não se preocupavam com o tempo ou com a resposta a todas as questões.
Perdiam tempo demais em algumas questões e eram mais superficiais em
outras. Alguns grupos passaram quase todo o tempo tentando definir o
problema da empresa. Cosmo percebeu que isso se devia muito ao fato
de que todos os grupos tentavam chegar a um consenso. Por essa razão a
discussão em alguns grupos não avançava.
Quando reuniu a turma para a discussão plenária percebeu que tinha
um grupo com preparação desigual. Em sua maioria, a leitura individual
prévia do caso havia sido feita, mas o aprofundamento da análise não tinha
sido uniforme. Além disso, na discussão, todos tentavam falar ao mesmo
tempo, realizavam conversas em paralelo, interrompiam-se uns aos outros.
A motivação parecia ser grande, mas o grupo era bastante inexperiente em
conduzir como grupo um debate de caso. No final, Cosmo percebeu em
alguns alunos os semblantes iluminados, dispostos e animados. Em outros,
a expressão de dúvida e confusão.
Cosmo encerrou a aula dez minutos mais cedo e perguntou: “Quantos
de vocês já haviam participado de uma aula desse tipo?”. Cinco alunos
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método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
levantaram a mão. Ele se dirigiu a um deles e pediu para que o aluno
relatasse sobre a experiência prévia.
Na graduação eu tinha um professor que usava casos e também tive uma
professora que sempre fazia dinâmicas. Tínhamos que realizar jogos,
gincanas. Aulas mais participativas.
Cosmo ouviu com atenção. Agradeceu aos alunos e pediu que cada um
colocasse em uma folha de papel o que tinha achado daquela aula. Recolheu
os papéis, agradeceu e dispensou a turma. Olhou para aqueles papéis e ficou
se perguntando o que leria ali.
Conversa na sala dos professores
Ao longo de suas primeiras semanas dando aula na pós-graduação, Cosmo
conheceu na sala dos professores alguns de seus colegas do iesg. Esse contato foi
bastante proveitoso, pois pôde trocar experiências e impressões. Seu principal
colega era Jorge, que dava aulas no mesmo horário de Cosmo.
A principal dúvida de Cosmo era sobre a obtenção de casos. Como os outros
professores faziam? Jorge explicou com naturalidade:
Uso casinhos pequenos que retiro de livros, como aqueles do Kotler ou de outros
autores. São bons para ilustrar os conceitos que estamos apresentando. Em uma
aula típica, reunindo todos os casinhos que eu uso, gasto em média uns 30 minutos
distribuídos ao longo de quase duas horas. O grosso do tempo eu uso para apresentar
conceitos no PowerPoint; os casos são bons para fixar depois. Tem casos ótimos, posso
mostrar para você depois.
Cosmo decidiu compartilhar com Jorge suas primeiras impressões:
Na aula passada, realizei minha primeira discussão de caso. Sabe como é? Usando o
método do caso, com discussão em grupos e depois plenária. Acontece que a reação
da turma foi muito diferente do que eu esperava. No final da aula pedi para todos
colocarem suas impressões em uma folha de papel e tive um resultado muito dividido.
Uma parte da turma gostou da aula. Achou dinâmica, divertida, podendo ser apenas
um pouco mais ordenada. Mas ... outros alunos, quase metade, disseram que era
perda de tempo. Para eles, preciso dar aulas expositivas, de conceitos, palestrando.
Um deles me perguntou se eu não ia usar PowerPoint como os outros professores!
Fiquei me perguntando se os alunos compreendem o método do caso.
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Ao saber que Cosmo havia dedicado uma hora e vinte minutos para a
discussão do caso, Jorge manifestou certo incômodo: “Tudo isso! Mas como
você pretende passar o programa? O programa dessa disciplina de Marketing
é muito extenso!”. Foi difícil para Cosmo esconder a reação de surpresa à
pergunta do colega, mas tentou explicar:
Acontece que no método do caso os conceitos vão “surgindo” ao longo da
preparação individual e da discussão. Na aula passada usei um caso que deveria
possibilitar a indução dos conceitos de segmentação e de posicionamento.
Jorge sentenciou: “Pois é, deveria ... mas a questão é que parece que isso
não funcionou para todos os alunos, não é mesmo?”. Seguiu-se um silêncio
embaraçador que foi quebrado pelo próprio Jorge:
Talvez os alunos não estejam realmente preparados para o método do caso.
Nós fomos muito bem treinados no método, mas os alunos não receberam o
mesmo treinamento. Inclusive existe uma apostila muito boa, redigida pela
direção acadêmica sobre o método do caso. Posso enviá-la para você.
Cosmo ficou perplexo com o comentário, pois se era fato que Jorge havia sido
muito bem treinado no método, por que ele havia decidido não utilizá-lo?
Não foi necessário verbalizar a pergunta. Jorge emendou logo uma mea culpa:
Vejo dois problemas para utilizar o método assim de forma mais ortodoxa.
Em primeiro lugar é a indisponibilidade de casos. Acaba tendo pouco caso
para muita gente e corremos o risco de repetir casos. O pessoal da secretaria
até nos avisa informalmente – quando eles notam – se isso acontece, mas não
há um controle formal. Em segundo lugar, acho difícil achar casos que casem
exatamente com os temas que precisamos abordar. Então, eu, por exemplo, dou
aulas mais expositivas, com casinhos para exemplo e fixação, e no final do curso,
na última aula, dou um caso maior, mais aprofundado e faço uma discussão
seguindo o método. Também acho que dar aula só com casos é mais difícil,
sendo sincero, parece que perco o controle da turma ou do programa. Então
acabo fazendo isso. Usando mais os casos menores e o caso grande só no final.
A conversa terminou com uma sugestão de Jorge:
Por que você não dá um passo atrás e explica aos alunos o que é o método do
caso? Posso conseguir os slides do nosso treinamento. Talvez fique mais claro
o que é esperado deles.
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O convite para o semestre seguinte
Cosmo olhava pensativo o convite de Álvaro para continuar lecionando o
curso de Marketing no semestre seguinte. Na semana anterior eles haviam
tido uma reunião. Cosmo apresentou sua proposta de curso e relatou as
dificuldades que estava enfrentando e suas propostas de adaptações para
continuar usando o método do caso. Essa reunião foi convocada pelo diretor
da pós-graduação após uma avaliação dividida. O iesg decidiu apostar em
Cosmo, afinal seu currículo era invejável, mas era preciso melhorar o nível
de satisfação dos alunos.
O primeiro impulso de Cosmo era lutar pelo método do caso até onde
fosse possível. Planejava treinar os alunos em um módulo gratuito na
pós-graduação, na primeira semana de aula. Queria proporcionar mais
qualidade ao debate. Estava também animado para produzir mais casos
brasileiros, mas sabia que não conseguiria produzir muita coisa de imediato.
No fundo questionava se estava no caminho certo. O método seria
adequado à realidade do iesg e, sobretudo, às necessidades do aluno deste
instituto? Por que esse método seria melhor? Na perspectiva de quem? Não
seria esforço demais entrar nessa batalha? Cosmo sentia-se em uma espécie
de cruzada pelo método, contando com alguns aliados, mas enfrentando
muita adversidade. No final do dia os resultados valeriam a pena?
E se continuasse obtendo avaliações ruins? Isso poderia afetar a sua
carreira como professor. Cosmo temia por seu futuro ali. Será que não
deveria aprender um pouquinho de PowerPoint e utilizar mais casosdemonstração, mesclando as duas abordagens como fazia Jorge? Afinal, um
pensamento não saia de sua mente: Jorge era bastante experiente e pertencia
ao seleto grupo dos professores melhor avaliados do iesg.
Cosmo decidiu aceitar o convite para continuar lecionando o curso de
Marketing no semestre seguinte, mas ainda não havia decidido que professor
ele seria no próximo módulo.
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1 Esse tipo de caso é conhecido como “armchair”. Tipicamente o(s) autor(es) elabora(m) o caso com base em
informações coletadas em suas pesquisas acadêmicas ou experiências com serviços de consultoria.
2 O caso-demonstração geralmente apresenta a análise do(s) autor(es) no corpo da descrição do caso, sendo
usado tipicamente para ilustrar aulas expositivas.
3 Formato de caso concebido e popularizado na Universidade de Harvard. Apresenta apenas o dilema do
gestor, acompanhado de informações sobre a situação e sobre a empresa, cabendo à turma debater os caminhos
a seguir.
4 É importante notar que a operação da graduação correspondia à grande parte da receita do IESG até então.
5 PCA - Projeto de Conclusão Acadêmico: trata-se do projeto final de análise e consultoria tomando por base
uma empresa real. O trabalho é sempre orientado por um professor de Marketing ou Estratégia.
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Notas de Ensino
Objetivos de Aprendizagem
O caso de ensino iesg foi elaborado para possibilitar a discussão sobre as
vantagens e desvantagens da adoção de métodos de ensino centrados no
aluno, com particular ênfase no método do caso. O método do caso se
faz relevante na prática docente na área de administração principalmente
porque é capaz de promover o desenvolvimento de habilidades de análise
e pensamento crítico, tomada de decisão, julgamento entre distintos cursos
de ação, elaboração de pressupostos e inferências, apresentação de pontos
de vista, escuta ativa, entendimento da perspectiva do outro, bem como
de conectar a teoria à prática (heath, 2006). O público alvo desse caso,
portanto, são docentes ou futuros docentes na condição de alunos em cursos
de mestrado ou doutorado, nas disciplinas de metodologia de ensino ou
didática do ensino superior. O caso pode servir de estímulo a uma discussão
de abertura (ou encerramento) da disciplina, convidando a uma reflexão
sistêmica da adoção do método, entendendo suas prerrogativas estruturais,
institucionais e culturais. Alternativamente, pode ser usado em treinamentos
internos de professores, em programas de graduação e pós-graduação (lato e
stricto sensu) que desejem adotar o método do caso como ferramenta didática.
Ao final da discussão do caso de ensino, espera-se que os alunos possam
identificar: (a) As principais habilidades e características necessárias ao docente
que deseja adotar uma prática didática centrada no aluno; (b) Aspectos do
perfil e da disposição do corpo discente que são requisitos à adoção ajustada
do método do caso; (c) Condições, processos e disposições institucionais
que condicionam a fluida adoção de métodos de ensino centrados no aluno.
Adicionalmente, o aprendizado com base na aplicação deste caso deverá
mobilizar três níveis de aprendizado, com conteúdos específicos:
• Aprendizado conceitual: os participantes poderão ampliar seu
conhecimento sobre o método do caso, por meio da construção indutiva
dos elementos centrais ao bom funcionamento da metodologia e à
ampliação da qualidade do aprendizado pelos alunos. Conhecerão
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•
•
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também conceitos relacionados à prática da metodologia como o
aprendizado indutivo, o caso aberto versus o caso exemplo e as condições
físicas de sala de aula para aprendizado do mesmo;
Construção de habilidades: o método do caso estimula e desenvolve a
habilidade de tomada de decisão. Neste caso, espera-se que os professores
discutam sua opção metodológica e tenham mais clareza do impacto
e das características da opção que fazem em termos da metodologia
que utilizam em seu cotidiano. Esta conscientização passa pela decisão
de um método adaptado à realidade da escola estudada, entendendo
os pontos positivos e negativos implicados em cada um dos caminhos
metodológicos que podem ser tomados (aula expositiva versus aula com
método do caso);
Desenvolvimento atitudinal: desenvolver na equipe de professores o
senso de responsabilidade pela aprendizagem ativa e pelo funcionamento
do método, mediante a produção autônoma de novos casos, reduzindo
a condução das aulas, dando mais espaço ao aluno no espaço da aula,
compondo programas baseados na mentalidade de aprendizagem
indutiva centrada no aluno.
Protagonista e Fontes de Informação
O caso é apresentado sob o ponto de vista de Cosmo, jovem professor recémcontratado pelo iesg (Instituto de Educação Superior em Gestão), após cinco
anos de experiência docente como professor assistente em uma universidade
americana, onde Cosmo também cursou o doutorado. O caso é fruto de um
dilema real, vivido por um professor em uma instituição de ensino do Rio
de Janeiro. Foram realizadas entrevistas com outros professores do iesg, com
o diretor da pós-graduação lato sensu, e com a coordenadora da central de
casos da filial. Tanto a instituição como seus profissionais tiveram seus nomes
disfarçados para confecção deste caso. Os autores do caso puderam ainda visitar
as instalações da instituição (salas de aula, sala de professores, secretaria) tanto
para a pós-graduação quanto graduação. E tiveram acesso a documentos como
programas de disciplinas, arquivos utilizados em treinamentos de método do
caso, exemplos de casos da central de casos, e avaliações discentes.
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Plano de Ensino
O tempo total necessário para a sessão plenária pode variar entre 50
e 80 minutos, dependendo da distribuição típica de horários de aula da
instituição de ensino. A abertura da discussão em plenária – lâmina 1 do
quadro proposto deve exigir 15 / 20 minutos. A análise das questões do
caso – lâmina 2 do quadro proposto deve consumir 30 / 50 minutos. O
encerramento da discussão plenária ocupará os 5 / 10 minutos restantes
– lâmina 3 do quadro proposto (vide Apêndice A).
Técnicas Didáticas
O caso foi desenvolvido pressupondo a preparação individual prévia dos alunos.
Para este caso, sugere-se que a preparação prévia do aluno seja feita de forma
livre, sem a orientação de perguntas específicas fornecidas pelo professor.
Espera-se assim dar liberdade à aplicação de experiências e visões dos alunos
como filtro à análise dos dados. Esta etapa é importante para que a discussão
do caso propicie um momento de trocas de experiências pessoais, ampliando
a identificação dos alunos com o dilema proposto pelo caso e fomentando a
postura reflexiva sobre as possibilidades pessoais de mudança e ajuste de cada
futuro docente.
Recomenda-se que o professor disponibilize um período de 20 a 30 minutos
para que os alunos discutam o caso em pequenos grupos antes da discussão
plenária. Essa prática não é mandatória, apenas recomendada. Acredita-se
que a discussão prévia propicia um enriquecimento da preparação dos alunos,
com a troca de impressões e experiências. Serve inclusive como um espaço de
expressão mais espontânea, onde os alunos podem relatar experiências pessoais,
como docentes, por estarem em ambientes mais privados. Assim, no momento
da discussão plenária poderão assumir uma postura mais distanciada de sua
própria prática docente, podendo entender o dilema de Cosmo de forma mais
neutra.
Para a discussão em grupos, sugerem-se as seguintes questões (assignment
questions): Por que Cosmo relata se sentir em uma espécie de “cruzada” pelo
método do caso? Quais são as diferenças entre a prática docente de Jorge e
Cosmo? Quais são as principais diferenças entre a universidade americana e
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o iesg? O objetivo é fazer uma preparação dos alunos que proporcione a base
para seu envolvimento na temática da abertura (método centrado no aluno
versus método centrado no professor) e posteriormente para sua participação
na discussão plenária.
Vale ressaltar que, em linha com um processo indutivo de aprendizagem,
o caso é autossuficiente para análise e não requer leituras ou pesquisas
complementares. Entretanto, quando existe uma preferência didática pelo
conhecimento prévio dos conceitos teóricos pelos alunos, o caso pode ser
acompanhado ou antecedido de leituras prévias que familiarizem o aluno com
o funcionamento do método (erskine; leenders; mauffette-leenders, 1998).
abertura da Discussão do Caso – Plenária
A abertura da discussão pode ser usada para facilitar o diagnóstico do
caso, mediante as seguintes perguntas: Qual é a diferença entre ensino e
aprendizagem? Quais são as vantagens e desvantagens do método de ensino
centrado no professor? E do método centrado no aluno?
Com as informações descritas no caso, os alunos podem contribuir na
discussão para um delineamento dos territórios metodológicos que constituem
o pano de fundo ao dilema de Cosmo: o método centrado no aluno ou no
professor. Após esta primeira reflexão, o professor pode fazer a transição para
a análise em plenária, ao discutir aspectos típicos ou específicos do professor,
aluno e instituição mais adequados para cada estratégia didática. Um exemplo
de mapeamento foi apresentado na lâmina 1 do Plano de discussão plenária
(vide Apêndice A).
Análise do Caso – Plenária
A seguir apresentamos as questões (discussion/transition questions) que podem
ser usadas para estimular a análise do caso durante a etapa de discussão em
plenária:
1 Que características do corpo docente do iesg dificultam a adoção do método
do caso pelo iesg? O que poderia ser feito para mitigar essas barreiras?
2 Pensando no corpo discente de pós-graduação do iesg, onde
estão os entraves à adoção mais ampla do método do caso, ou de
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métodos centrados no aluno? Como esses obstáculos poderiam ser
suplantados?
Apesar de diversas iniciativas, Cosmo percebe que o método do caso ainda
não é amplamente adotado na instituição. Que condições, processos e
disposições institucionais e culturais do iesg impedem o uso sistemático
do método do caso? Que sugestões poderiam ser oferecidas ao iesg?
Questão 1 – Que características do corpo docente do iesg dificultam a adoção do
método do caso pelo iesg? O que poderia ser feito para mitigar essas barreiras?
Cosmo enfrenta no iesg um dilema entre a insistência ou não no método indutivo.
Ao comparar o método de Cosmo e de Jorge, vemos uma diferença básica. Enquanto
Jorge está preocupado em “cumprir o programa” que é “extenso”, apresentando via
PowerPoint o maior número de conceitos possível, Cosmo segue uma filosofia de
ensino e aprendizagem radicalmente diversa. Para o método do caso, o aprendizado
deve ser indutivo, fazendo emergir dos exemplos práticos as conclusões e conceitos
junto com a turma.
O papel do professor nos dois tipos de ensino é muito diverso. Enquanto no
primeiro, o professor conduz ativa e diretamente os rumos do curso, sendo o
principal usuário da palavra, no caso do método indutivo, o papel do professor é
mais sutil. Corey (1980) lembra que a influência do professor, no método ativo, está
nos elementos menos óbvios como a composição do programa de curso, a seleção
do caso e sua posição no semestre, a colocação de perguntas (mais ou menos
fechadas) e a coordenação da discussão.
No caso do iesg, as principais barreiras presentes no corpo docente à adoção
do método na instituição residem em um processo inercial dos professores, que
concentram sua prática docente em aulas expositivas, por entenderem que tem um
compromisso com a transmissão de grande carga de conceitos. Além disso, observase certa heterogeneidade no perfil deste grupo, onde alguns conhecem métodos
centrados no aluno, e buscam experimentar ainda que limitadamente, e outros
que não têm experiência em seu uso. Isso nos leva a concluir que grande parte dos
professores carece de uma formação mais consistente, possivelmente não apenas na
condução de casos em sala de aula, mas também na redação e confecção de casos.
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Para enfrentar essas barreiras, pode-se sugerir a realização de treinamentos
frequentes e diversificados, tratando de diversos temas associados ao método
como a aplicação do caso em sala de aula, métodos de avaliação para práticas
didáticas centradas no aluno, e a redação de casos. Para que se modifique uma
prática culturalmente arraigada, repetida ao longo de anos de experiência
docente, é preciso que os professores sejam expostos a discussões frequentes
de filosofia e práticas de ensino.
Outra sugestão é a exposição dos professores à experiências de aula com
adoção do método do caso, para que possam vivenciar como alunos as
vantagens do método. Este tipo de iniciativa se inspira na intenção de oferecer
uma experiência com o método, modificando atitudes enraizadas entre os
docentes. Por fim, um dos critérios de contratações de futuros professores
pode ser a experiência docente com uso do método do caso, trazendo para
dentro da instituição novos agentes de mudança, como é o caso de Cosmo.
Questão 2 – Pensando no corpo discente de pós-graduação do iesg, onde estão os
entraves à adoção mais ampla do método do caso, ou de métodos centrados no aluno?
Como esses obstáculos poderiam ser suplantados?
Os alunos constituem outra dimensão fundamental do sucesso da metodologia.
O método ativo só pode funcionar quando os alunos optam por assumir
seu papel no espaço de aula. No caso de Cosmo, ele se deparou com uma
reação não uniforme. Enquanto alguns alunos mostraram-se animados e
envolvidos com o método, outros se mostraram reticentes. Isso é percebido
por Cosmo não só pela reação dos alunos em sala, ou pelas pesquisas, mas
pela preocupação dos alunos com a correção das tarefas individuais. De uma
maneira geral, Cosmo não relatou dificuldades com a participação, leitura ou
entrega das análises pelos alunos.
Provavelmente, o hábito de assistir a aulas expositivas gera nos alunos uma
experiência familiar com os slides, que passa a ser desafiada por metodologias
ativas. Ou seja, os alunos também precisam realizar uma mudança cultural
para o método funcionar. Neste caso, surgiu ainda, por exemplo, a situação
do aluno tímido, que teme por uma avaliação que prioriza a participação.
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método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
Este exemplo mostra a pouca intimidade com uma proposta pedagógica que
coloca o método ativo no centro do desenho do curso.
No caso do iesg, como a maioria do corpo docente não utiliza o método,
aqueles que o adotam podem ser mal interpretados. As principais reações a
Cosmo vêm de alunos que percebem essa discussão recorrente de casos como
perda de tempo, especialmente quando comparam com outros professores
que apresentam grande número de conceitos em aulas expositivas. A mudança
cultural que pode promover uma predisposição à adoção do método do caso
passa pelo treinamento dos alunos, assim como dos professores. No caso dos
alunos, um treinamento no início do curso pode ser suficiente, caso o aluno
continue sendo exposto ao método ao longo do curso de pós-graduação.
Como lembra Álvaro, alunos e professores já produzem o pca, que pode
servir como plataforma para o desenvolvimento de novos casos de ensino na
instituição. Um processo que pode ainda ir além do simples envolvimento
dos alunos na redação dos casos: os alunos podem ser convidados para
participarem da discussão do mesmo em anos subsequentes, reforçando a
cultura do método na instituição.
Questão 3 – Apesar de diversas iniciativas, Cosmo percebe que o método do caso ainda
não é amplamente adotado na instituição. Que condições, processos e disposições
institucionais e culturais do iesg impedem o uso sistemático do método do caso? Que
sugestões poderiam ser oferecidas ao iesg?
Por um lado, Cosmo percebe grande vontade da direção em disseminar o
método do caso. Grande parte dos dirigentes do iesg vem trabalhando para
estimular uma mudança de postura do professor em sala de aula. No entanto,
uma das principais dificuldades de Cosmo é a falta de estrutura para o uso do
método, especialmente se comparada com a escola americana.
Na instituição americana, um departamento estava dedicado ao
desenvolvimento de casos, bem como à gestão de seu uso pelo corpo docente.
Já o iesg contava com a central de casos, que dispunha de uma equipe pequena
e uma história recente de mudança de orientação quanto ao uso do caso
na instituição. Ao longo de cinco anos aproximadamente o iesg passou
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do uso e desenvolvimento de casos-exemplo, quase jornalísticos, para o
estimulo ao desenvolvimento de casos mais abertos, possibilitando o seu uso
na discussão em sala. Corey (1980) realça a importância da produção contínua
de novos casos para garantir a disponibilidade de material didático para uso
dos professores. Apesar da existência da Central de Casos, o repertório de
casos a disposição do corpo docente ainda era reduzido e ninguém controlava
seu uso para evitar o uso repetido em diferentes disciplinas. Além disso, os
formatos dos casos publicados na Central de Casos eram variados (nem todos
correspondendo às exigências mínimas do método) e poucos possuíam notas
de ensino.
Outro aspecto relevante refere-se às estruturas físicas de sala de aula.
Erskine, Leenders e Mauffette-Leenders (1998) apresentam uma série de
recomendações para o bom funcionamento do método do caso, discutindo
o desenho ideal de sala para propiciar um debate não centrado na figura do
professor. No caso do iesg, a sala estava estruturada no formato adequado
para palestras, com as cadeiras fixas e voltadas para um pequeno quadro
branco. Era muito difícil alterar a disposição dos alunos para adaptar-se às
condições recomendadas para o método. Além disso, a instituição não contava
com salas de apoio para discussões em grupo.
Como possível solução para turmas menores, os professores poderiam
pensar em fazer a discussão de pequenos grupos na própria sala de aula.
Outra ideia pode ser a construção ou adaptação de uma sala que sirva como
piloto à experimentação do método na instituição, podendo ser reservada
aos professores que se voluntariem a adotar o método mais amplamente.
Ademais, o tamanho inadequado do quadro branco poderia ser compensado
pela adição de flip chart para apoiar a discussão em aula.
A identificação dos alunos é uma dimensão importante do uso do método
do caso pela necessidade de avaliação da participação pelos professores.
Erskine, Leenders e Mauffette-Leenders (1998) vão sugerir o uso de etiquetas,
crachás ou plaquinhas para garantir a fácil identificação e memorização de
nomes dos alunos. No caso do iesg, as mesas inclinadas impedem a colocação
de plaquinhas. Cosmo soluciona essa questão com o mapa da sala, que facilita
o controle dos nomes para atribuir notas de participação.
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método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
Alguns aspectos, no entanto, facilitam a aplicação do método do caso no
iesg. A secretaria de professores funcionava com presteza e entregava com
antecedência todo o material aos alunos.
Encerramento da Discussão – Plenária
O encerramento poderia ser usado para a construção conjunta de uma agenda
de iniciativas institucionais (plano de ação) para favorecer o processo de
implantação plena do método do caso no iesg. Assim, sugere-se a seguinte
questão para o debate final: O que poderia ser feito para viabilizar a adoção
do método do caso no iesg?
As soluções para instalação de um ambiente e uma cultura propícios à
adoção mais ampla do método podem se organizar em torno de dois eixos:
o público (iesg – instituição) e o privado (Cosmo – professor). Ou seja, ações
pertinentes à instância institucional, sob a responsabilidade de seus dirigentes,
e ações específicas à esfera de atuação do professor.
Espera-se, portanto, que surjam contribuições dos alunos endereçando
diferentes níveis do plano de ação institucional (iesg), como por exemplo: (a)
restruturação da Central de Casos como motor da geração de matéria prima
para a prática didática centrada em casos; (b) treinamento e acompanhamento
contínuo do grupo de docentes; (c) formalização do controle do uso de casos
pelas chefias de área, evitando a impressão de repetição de material pelos
alunos; (d) oferta de uma disciplina sobre o papel do aluno no método do
caso, a ser cursada no início de cada programa de pós-graduação; e outras
tantas iniciativas.
Nessa etapa da discussão deve ficar evidente aos alunos que todas essas
iniciativas podem ser necessárias, todavia, não suficientes para garantir a
plena e pacífica adoção do método do caso no iesg. O que faltaria, então? O
que se pode dizer sobre o papel a ser desempenhado pelo quadro docente,
tanto como um todo, quanto individualmente? O que se pode esperar dos
Cosmos e do Jorge? Em que medida as escolhas individuais de cada docente
podem se transformar em pontes ou paredes à implantação do método?
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O que ocorreu depois do caso
O professor Cosmo é uma personagem de ficção dentro de um contexto
real. Mas representa a intenção e esforço de vários professores dentro do
iesg atualmente. Após a redação do caso, verificamos algumas soluções
individuais, dadas por professores para a aplicação do método do caso na
instituição. É interessante observar esses exemplos para obter pistas de uma
possível adaptação da metodologia à realidade do iesg, onde professores
podem utilizar o caso mesmo sem ter à sua disposição toda a estrutura que
tradicionalmente se dispõe nas escolas que usam o método de forma mais
ortodoxa.
Um dos professores entrevistados utiliza quatro casos ao longo de cursos de
onze encontros. Ele alterna duas aulas expositivas com uma aula inteiramente
dedicada à discussão de um caso. Para essa aula, os alunos devem trazer a
preparação individual por escrito, e este documento fará parte de sua avaliação
final. Ele eliminou a discussão em pequenos grupos, a não ser que a turma
seja pequena e ele possa então utilizar o espaço da sala de aula para acomodar
os grupos confortavelmente. Segundo este professor, sua motivação para tal
adaptação se justifica na curta duração das aulas que não permitem cobrir a
discussão do caso de forma completa e aprofundada, seguindo todo o ciclo
do método, e a apresentação dos conceitos do programa.
Outro professor entrevistado utiliza o caso aberto apenas na última
aula, como recurso de fechamento do curso. Sua justificativa é a baixa
instrumentalização dos alunos e o tempo reduzido dos encontros que
impedem uma discussão aprofundada como preconiza o método do caso.
Ambos utilizam a preparação individual como documento de avaliação,
garantindo assim uma preparação de maior qualidade para as discussões.
Do ponto de vista institucional, o iesg realiza regularmente treinamentos
sobre o método do caso para seus professores, inclusive convidando
especialistas de outras instituições. Além disso, vem revendo os protocolos
da central de casos, padronizando os materiais recebidos e garantindo maior
qualidade e densidade à produção gerada.
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método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
Reflexão Final
O caso objetiva contribuir para um debate ainda muito frágil no campo
do ensino em Administração que é a adoção de formas mais dinâmicas e
interativas de ensino em nossas salas de aula. O ensino tradicional, centrado
no professor, como o emissor de informações e conhecimento, fica cada vez
mais ultrapassado diante do novo perfil dos discentes, mais questionadores
e autônomos. No entanto, a maioria dos alunos e professores tipicamente
foi submetida a um método expositivo de aprendizagem e podem não
compreender a proposta trazida pelo método do caso. Assim, idealmente,
a condução da discussão desse caso exige do professor um prévio
conhecimento dessa metodologia. A seguir apresentamos uma lista de
referências bibliográficas que visa apresentar e aprofundar o conhecimento
sobre o método, de forma a instrumentalizar o docente, evitando-se dessa
forma que a discussão se torne estéril.
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Bibliografia de Apoio Recomendada
CHRISTENSEN, C.R. Every student teaches and every teacher learns: the reciprocal
gift of discussion teaching. In: CHRISTENSEN, C.R.; GARVIN, D.; SWEET, A. (Eds.).
Education for Judgment: the artistry of discussion leadership. Boston: Harvard Business
School Press, 1991.
LLANO CIFUENTES, C. El método del caso y el desarrollo de las capacidades activas.
México: IPADE, 1977. FHN-15.
MAUFFETTE-LEENDERS, L.; ERSKINE, J.; LEENDERS, M. R. Learning with cases.
Canada: Ivey Publishing, 1997.
RANGAN, V. K. Choreographing a case class. Boston: Harvard Business School
Publishing, 1996.
ROESCH, S. A construção de casos em gestão social: diferenças entre estudo de caso
e casos de ensino. In: FISCHER, T.; ROESCH, S.; MELO, V. Paternostro. Gestão do
desenvolvimento territorial e residência social. Bahia: CIAGS/UFBA, 2006.
WEBER, M.M.; KIRK, D.J. Teaching teachers to teach cases: it’s not what you know, it’s
what you ask. Marketing Education Review, v. 10, n. 2, p. 1-24, 2000.
Referências
COREY, E. R. Case method teaching. Harvard Business School Case, Nov. 1980.
ERSKINE, J.; LEENDERS, M.R.; MAUFFETTE-LEENDERS, L.A. Teaching with cases.
London: Ivey Publishing, 1998.
HEATH, J. Teaching and Writing Case Studies: A practical guide. 3.ed. Cranfield/UK:
ECCH, 2006.
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•
•
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•
•
•
Método inercial, sem
reflexão de seus efeitos
no aprendizado
Menor espaço para
experiência do aluno
Não exercita a prática
gerencial da decisão
Desvantagens
Maior controle da
discussão pelo professor
Exposição de maior
número de conceitos por
aula
Nivela uma turma com
formação heterogênea
Vantagens
Método
centrado no
professor
Desvantagens
Aprendizado indutivo:
Retenção dos conceitos
Coloca o conceito em
situação
Propicia troca de
aprendizado entre alunos
Depende de uma cultura
e estrutura institucional
• Pode ser identificado
como “enrolação”
• Depende de um
professor preparado no
método e não apenas no
conteúdo
•
•
•
•
Vantagens
Método
centrado no
aluno
Central de casos produz poucos
casos abertos
Treinamento errático de método
do caso
Espaços de sala de aula não
preparados para discussão de
caso
Níveis diversos
de experiências
no método
Alunos não
entendem a
filosofia do
método
Criar grupo de trabalho para uso
do método na pós-graduação
Montar sala piloto para uso do
método
Oferecer incentivo aos
professores e alunos a redigirem
casos a partir dos PCAs
Centralizar o controle do uso de
casos no chefe de departamento,
responsável pela revisão dos
programas
Convidar os
alunos a
escreverem
casos a partir
dos PCAs e
participarem de
aplicação em
turmas futuras
Abrir cursos
com
treinamento
sobre método
do caso
Aluno
Alunos não são
treinados no
procedimento
do método
Instituição
Privilegiar
contratação de
professores com
experiência no
método
Expor docentes a
experiências de
aulas com
método do caso
Treinamentos
frequentes e
diversificados
Não há controle de quem usa que
caso nos cursos
Heterogeneidade
de perfil
Professores
habituados a
fazer aulas do
tipo palestra
Professores não
tem prática de
uso do método ou
de escrever casos
Professor
Intensificar a presença
de conceitos teóricos
na discussão de casos
Treinar os alunos da
pós-graduação,
aproveitando a
abertura da direção
Oferecer-se para
liderar grupo de
trabalho sobre o
método
Cosmo
Treinamento de
alunos
Formalizar o controle
do uso de caso pelas
chefias de área
Intensificar
treinamentos e grupos
de trabalhos de
professores
Formalizar o papel da
central de caso como
gerador de novos
casos
IESG
Plano de ação
método do caso: “não sei, não ...” enfrentando as barreiras à implantação do método
Apêndice A Plano de discussão (esquema proposto para
o quadro)
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Dados dos Autores
Roberta Dias Campos* [email protected]
Doutora em Administração pela CoPPEAD-UFRJ
e em Ciências Sociais pela Paris Descartes
Descartes e em Ciências Sociais por Paris Descartes
Instituição de vinculação: Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto
COPPEAD de Administração
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Marketing, Comportamento do Consumidor e Cultura.
* Rua Pascoal Lemme, 355 Ilha do Fundão Rio de Janeiro/RJ 21941-918
Victor Manoel Cunha de Almeida [email protected]
Doutor em Administração pelo COPPEAD/UFRJ
Instituição de vinculação atual: Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto
COPPEAD de Administração
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Marketing, Comportamento do Consumidor e Método
do Caso.
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Ética nos negócios: o caso da AR Consultoria Ltda.
Business ethics: the case of AR Consultoria Ltda
Recebido em: 02/07/2013 Aprovado em: 28/08/2013
Avaliado pelo sistema double blind review
Editora Científica: Manolita Correia Lima
Fernando Fantoni Bencke [email protected]
universidade do oeste de santa catarina
Sylvia Maria Azevedo Roesch
Pelayo Munhoz Olea
universidade de caxias do sul
Resumo
A AR Consultoria Ltda., dos sócios e irmãos Alfredo e Rodolfo, especializada na venda de produtos químicos e
na prestação de serviços para agroindústrias, nasceu com base em uma oportunidade visualizada por Rodolfo,
tornar-se fornecedor da empresa em que trabalhava. Funcionário de uma agroindústria da cidade de Chapecó/
SC possuía conhecimentos técnicos e uma ótima relação com seus colegas superiores e subordinados. Procurou
a empresa na qual era funcionário e ofereceu produtos similares, mais eficientes e com preços menores aos
praticados pelos fornecedores atuais, mas se deparou com algo que não tinha conhecimento: a corrupção.
Surgira o primeiro desafio ético da AR Consultoria: o pagamento de um “extra por fora” para se tornar
fornecedor. Alfredo, recém-formado em Administração, empolgado com a possibilidade e oportunidade de
empreender, aos poucos conheceu as dificuldades em iniciar um negócio próprio, a alta carga tributária, falta
de incentivos, falta de crédito no mercado e a oportunidade de “ganhar um pouco mais” vendendo sem nota
fiscal. Essas e outras situações marcaram as dificuldades de início da abertura de mercado da AR Consultoria
Ltda. O objetivo do caso é apresentar uma situação real, presente em alguns ramos e setores organizacionais
e que exija do leitor uma tomada de decisão, uma postura ética diante dos desafios morais apresentados.
Palavras-chave: ética; corrupção; tomada de decisão.
Abstract
AR Consultoria Ltda.,owned by brothers and partners Alfredo and Rodolfo, specializes in selling chemical products
and providing agribusiness services. It was born of an opportunity glimpsed by Rodolfo to become a supplier for the
company where he used to work. As an agribusiness employee in Chapecó/SC, he had built up technical knowledge and
an excellent relationship with his colleagues, at the upper and lower levels. He contacted his previous employer and
offered similar products, but which were more efficient and cost less than the competition. However, he was confronted
with a problem he had not faced before: corruption. The first ethical challenge faced by AR Consultoria was whether
or not to pay a bribe in order to become a supplier. Alfredo, a recent BA graduate, was excited about the possibilities
and opportunities of being an entrepreneur and gradually learned the difficulties involved in starting up one’s own
business: the significant taxes, lack of incentives and credit available and the opportunity to “make a little extra”
through informal sales. AR Consultoria’s entry to the market was marked by these and other difficulties. This case
aims at presenting a real situation that can be found in some organizational sectors areas, which demands readers to
take a decision and an ethical stance when faced with moral challenges.
Keywords: ethics; corruption; decision making.
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Introdução
A empresa AR Consultoria Ltda., especializada na prestação de serviços
e venda de produtos químicos para agroindústrias, tinha como sócios os
irmãos Rodolfo, engenheiro químico, e o recém-formado em Administração
Alfredo. Os irmãos constituíram a empresa na cidade de Chapecó-SC diante
das oportunidades surgidas na agroindústria em que Rodolfo trabalhava.
Parecia ser a grande oportunidade de realizar o sonho de ter o próprio
negócio, quando ambos se deparam com situações de corrupção: pagar,
subornar o comprador para inserir os produtos da AR Consultoria Ltda. no
rol dos fornecedores e fechar uma negociação sob a condição de não emitir
a Nota Fiscal e, assim, sonegar impostos, são as situações que marcam o
presente caso e que exigem do leitor um tomada de decisão, uma postura
ética diante dos desafios morais apresentados. Cair na tentação das emoções
e aceitar as oportunidades de corromper ou seguir os valores éticos e
morais, presentes, até então, na vida de Rodolfo e Alfredo? Qual é a conduta
“correta”? Como agir?
Histórico
Rodolfo, engenheiro químico, tinha 35 anos e trabalhava desde 1995 em
uma agroindústria. Iniciou como estagiário, sempre prezou por um
bom relacionamento com os superiores, colegas e fornecedores, e logo
assumiu uma posição privilegiada pelos serviços prestados à empresa. Era
muito dedicado em sua função, trabalhava com afinco, “vestia a camisa
da empresa”, trabalhando, inclusive, depois do expediente e nos finais
de semana, quando necessário. Acreditava nos valores expressos pela
empresa: qualidade de vida, ética, confiança, sustentabilidade, integridade,
comunicação e simplicidade. Ao iniciar na empresa, Rodolfo recebeu um
treinamento sobre as normas, regras, condutas esperadas e procedimentos,
as quais sempre tomou como base em suas decisões.
Alfredo, irmão mais novo de Rodolfo, com 22 anos de idade estava
concluindo a graduação em Administração. Passou por experiências como
estagiário em empresas prestadoras de serviços na área administrativa e
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ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda.
tinha um grande sonho, como o de muitos recém-formados, em empreender
num novo negócio e ser “dono do próprio nariz”.
Rodolfo, um pouco cansado de exercer a mesma função, a última na
qual foi incumbido como supervisor de qualidade por quase cinco anos,
pensou em abrir uma empresa na área de consultoria, assessoria e revenda
de produtos químicos para agroindústrias. Assim como qualquer pessoa
bem empregada, tinha o receio de deixar um bom salário, que possibilitava
tranquilidade, por algo incerto e imprevisível. Tal receio durou seis meses
até que uma oportunidade em especial chamou a sua atenção. Por conhecer
todo o processo, produtos utilizados e fornecedores, começou a pesquisar
empresas de outros estados que poderiam oferecer melhores produtos com
preços mais atraentes. Logo se empolgou por conhecer novas tecnologias
que possibilitavam uma redução de custos aos potenciais clientes. Rodolfo
não pensou duas vezes, abrir uma empresa que poderia prestar serviços
para a atual agroindústria que trabalhava e estender às demais da região.
Porém, Rodolfo precisava de auxílio e de uma parceria para contribuir
com o seu novo negócio e chamou seu irmão Alfredo para uma conversa:
— Rodolfo: Alfredo, esses anos de experiência na empresa mostraram
algumas oportunidades; estou a fim de ousar e entrar no mercado. Estou
pensando em abrir uma empresa de consultoria e revenda de produtos na
área de aditivos químicos. O que você acha?
— Alfredo: Acho ótimo!
— Rodolfo: Sabe Alfredo, estou um pouco desmotivado, pois já assumi
as funções que gostaria e sinto que ficarei um bom tempo no atual cargo,
função que ocupo já há cinco anos. Tenho um bom relacionamento, conheço
todo o processo e tenho ideias que podem contribuir com a empresa, como
fornecedor, mas tenho pouco conhecimento na área administrativa e de
gestão. Então, pensei em convidá-lo para ser sócio. Serei responsável com a
parte de consultoria, atendimento técnico e vendas e você por toda a parte
administrativa.
Alfredo se sentiu orgulhoso pelo convite de seu irmão e, de pronto,
aceitou. Rescindiu seu contrato de estágio na empresa em que trabalhava e
começou a pesquisar sobre os procedimentos legais de abertura da empresa,
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um barracão para alugar e os custos para instalação da nova empresa, a AR
Consultoria Ltda.
Primeiras Dificuldades
Alfredo motivado com o desafio começou a pesquisar sobre os passos para
a abertura de uma empresa. Procurou um escritório de contabilidade e
surpreendeu-se com as altas taxas de encargos e tributos praticados no
Brasil e a burocracia quanto aos documentos e procedimentos necessários.
Alfredo começou a fazer um planejamento sobre o investimento, projetou
os gastos e estimou o lucro e rentabilidade necessários à sobrevivência da
empresa, chegando ao valor de R$ 4.000,00 mensais de despesas fixas para
o primeiro ano.
Então, Alfredo alugou um pequeno barracão em um bairro próximo
e logo encontrou as primeiras dificuldades com o comércio local, como a
falta de créditos dos fornecedores de equipamentos de escritórios e demais
equipamentos necessários à instalação da AR Consultoria Ltda. Por ser
uma empresa nova, alguns locais, inclusive, não aceitavam cheque e não
parcelavam as vendas, exigindo dos sócios um capital de giro ainda maior
do que pensaram para iniciar as atividades.
Serviços prestados pela AR Consultoria Ltda.
A AR Consultoria Ltda. prezou por oferecer um processo de
profissionalização na prestação de serviços, que consiste em identificar e
priorizar as necessidades do cliente, traduzindo-as em oportunidades de
melhoria na qualidade, produtividade e rentabilidade. Ao contrário de seus
concorrentes, que apenas vendiam os produtos solicitados pelas indústrias,
a empresa oferecia acompanhamento técnico e a instalação de bombas
dosadoras responsáveis por dosar os produtos de forma automática, evitando
desperdícios, diminuindo a necessidade de mão de obra, aumentando a
qualidade no processo. Ao oferecer um produto, a AR Consultoria Ltda.
propunha realizar os testes necessários para a viabilidade de instalação das
bombas dosadoras.
O processo de profissionalização na prestação de serviços adotado pela AR
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Consultoria, cujo foco é atender as necessidades e exigências do cliente, é:
1 Confiabilidade técnica;
2 Comprometimento em ajudar o cliente para resolver os problemas;
3 Confiabilidade no sistema de aplicação de produtos;
4 Monitoramento dos resultados (Acompanhamento técnico contínuo); e
5 Preço.
As negociações
Rodolfo começou a formalizar as parceiras com fornecedores e clientes.
Realizou uma viagem a São Paulo para conhecer o seu principal fornecedor
e, posteriormente, visitou feiras nacionais que tratavam sobre a área de seu
novo negócio. Estava cheio de novidades sobre o setor e produtos a serem
oferecidos.
Aos poucos, a AR Consultoria sentiu a dificuldade de inserir seus
produtos no processo de cotação de algumas indústrias devido à falta de
interesse de funcionários do setor de compras e pelo desconhecimento dos
preços praticados pelos fornecedores, pois as indústrias não forneciam os
preços praticados pelos seus fornecedores ao mercado, dificultando, assim,
a formalização de uma política de preços adequada. Em outras, a AR
Consultoria participou de verdadeiros “pregões”, em que as agroindústrias
estabeleciam um preço mínimo, tornando-o público, e deixavam a livre
mercado para receber propostas de diversos fornecedores. Os sócios
conheceram, então, a realidade das empresas inseridas neste tipo de
negócio. O “jogo de cintura”, ou seja, a flexibilidade e a criatividade se
apresentaram tão importante quanto o conhecimento técnico, os melhores
preços, serviços, produtos e atendimento.
A agroindústria em que Rodolfo trabalhava foi a primeira a ser procurada.
Primeiramente, Rodolfo entrou em contato com departamento técnico,
apresentou os serviços disponibilizados e realizou os testes para identificar
o melhor tratamento tecnológico disponível. Depois de todo o trabalho
realizado, testes aprovados em laboratórios, atendendo o padrão exigido,
equipamentos analisados e a escolha da melhor metodologia a ser aplicada,
Rodolfo sugeriu uma inovação tecnológica que resulta na alta eficiência no
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processo de dosagem na mistura dos produtos: um sistema automatizado
que poderia reduzir em até 30% os custos. Até então, o processo era
realizado manualmente por um funcionário, o que poderia gerar incertezas
e inexatidão da quantidade adequada do produto a ser utilizado. Enfim,
Rodolfo tinha todos os requisitos para se tornar fornecedor e foi chamado
pelo Sr. Francisco do departamento de compras da Agroindústria.
Rodolfo e o comprador da Agroindústria em que trabalhava
— Francisco: Olá Rodolfo, tudo bem? Recebi seu rol de produtos e o
resultado dos testes realizados e creio que podemos fazer uma boa parceria.
— Rodolfo: Isso mesmo, Sr. Francisco, atuei por nove anos nesta empresa e
conheço muito bem o processo produtivo. Tenho o produto certo e garanto
que resultará na diminuição de custos em até 30%.
— Francisco: Fale-me mais sobre o seu produto e sua oferta.
— Rodolfo: Sei que o aditivo químico que vocês utilizam hoje custa R$ 60,00
o litro. O produto que lhe ofereço custará R$ 42,00 o litro, ou seja, 30% a
menos que o atual.
— Francisco: Interessante Rodolfo! E o que eu poderia ganhar com esta
vantagem?
— Rodolfo: Realmente Francisco, como vocês utilizam 1.000 litros/mês,
pode gerar uma diferença de R$ 18.000,00 mensais à empresa, um recurso
significativo que a empresa poderia investir em outros processos. Ao total
de 12 meses, que é o contrato que lhe proponho, pode gerar uma economia
de R$ 216.000,00. Sem contar que vocês poderão readequar o funcionário
que dosa manualmente o atual produto para outro setor.
— Francisco: Rodolfo, acho que não entendeu, para poder inserir o seu
produto, terei que lhe cobrar uma “comissão”, entende, um “extra por fora”
que pode garantir um contrato de 12 meses de exclusividade de compra de
1.000 litros mensais como propõe. Faço-lhe uma contraproposta, inserimos
seu produto por R$ 44,00 o litro e você me paga por fora R$ 2,00 o litro. O
pagamento deve ser feito em dinheiro em um ambiente fora daqui. O que
acha? Os fornecedores pelo qual sou responsável trabalham assim e é a
única forma de inserir o seu produto.
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- Rodolfo, assustado e sem saber o que dizer, respondeu: Entendi, Francisco,
irei conversar com meu sócio e darei um retorno.
Rodolfo voltou para casa estarrecido com a conversa que teve e disposto
a decidir com Alfredo o caminho e a decisão a serem tomados.
Alfredo e o primeiro possível cliente
Embora Alfredo tivesse ficado responsável pela parte administrativa,
dedicou um tempo para conhecer um pouco sobre os produtos oferecidos
pela AR Consultoria Ltda. Começou a fazer ligações para potenciais clientes,
apresentando sua empresa e oferecendo o rol de produtos disponíveis. Após
algumas ligações, recebeu o retorno de Manuel, gerente de uma indústria,
que conhecia Rodolfo e necessitava de 100 kg de aditivo para ração animal
em caráter de urgência.
— Manuel: Alô, é da AR Consultoria Ltda?
— Alfredo: Sim, como posso ajudar?
— Manuel: Aqui é o Manuel, da Máximus Indústria. Recebi seu catálogo
de produtos e gostaria de cotar 100 kg de aditivo para ração animal; e se
o produto for bom, posso comprar durante os próximos 06 meses, mas a
primeira entrega deve ser realizada na próxima semana. Gostaria de uma
cotação e de saber se tem condição de me atender.
Rodolfo em uma das viagens que fez conseguiu uma parceria com
um fornecedor que conhecia e adquiriu justamente os 100 kg do produto
solicitado, com prazo de pagamento para 45 dias. Ou seja, era a oportunidade
da primeira venda da empresa.
— Alfredo: Manuel, posso lhe atender, sim, pois tenho o produto em
estoque. O valor com frete para os 100 kg fica R$ 22.000,00 com prazo de
pagamento para 30 dias. Posso faturar? Preciso dos dados para cadastro e
emissão da Nota Fiscal.
— Manuel: Ok, podemos negociar a questão da nota fiscal?
— Alfredo: pergunta: Como assim?
— Manuel: Alfredo, não tem a necessidade de emissão de nota fiscal
do seu produto para a minha empresa neste momento. Faço-lhe uma
contraproposta. Fechamos em R$ 21.000,00 sem nota fiscal. Ok?
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— Alfredo: Desculpe Manuel, estamos iniciando agora no mercado. Preciso
conversar com o meu sócio. Lhe retorno a seguir, abraços.
Alfredo, ao mesmo tempo em que está ansioso para dizer ao irmão e
sócio que conseguira sua primeira venda, sente sua consciência pesar com
a tomada de decisão que a empresa adotará. Os encargos e impostos da
venda com nota fiscal chegam a aproximadamente 15% e a diferença em
relação ao não pagamento dos tributos podem gerar um lucro ainda maior
para empresa que está iniciando e que ainda não visualiza outras vendas.
As chances e os riscos
Rodolfo ficou surpreso com a conversa que teve com Francisco, pois até
então não sabia da “condição’ estabelecida para entrar com seu produto,
o que prejudicaria todo seu planejamento e desejo de empreender na AR
Consultoria Ltda. Tinha as melhores condições técnicas e tecnológicas para
atender o cliente, o melhor preço e melhores condições, mas desconhecia
a “oportunidade” proposta. Rodolfo tem a chance de inserir o seu produto
que pode render um lucro de R$ 8.000,00 mensais durante um ano,
garantindo assim um pró-labore aos dois sócios e o pagamento de todas as
despesas fixas mensais com a venda para apenas um cliente. Ou seja, seria
a tranquilidade, em termos de caixa, necessários à empresa durante os
próximos 12 meses, os mais difíceis para uma empresa se estabelecer. Mas,
em contrapartida, deverá agir de forma desonesta com a empresa que lhe
dera todas as oportunidades profissionais até agora, e pagar um “extra”, ou
seja, contribuir com a corrupção para inserir o seu produto. Além do mais,
estaria agindo contra os seus valores morais e profissionais, princípios que
o tornaram um profissional referência no que faz. Tinha em mente também
a alta competitividade no ramo e temia que a empresa concorrente poderia
aceitar as condições estabelecidas por Francisco.
Alfredo não sabia esconder a angústia e dúvidas sobre a sua primeira
venda que poderia resultar no pagamento de todas as despesas fixas durante
os próximos 06 meses. Vê a possibilidade de vender, podendo ganhar um
pouco mais devido a não emissão da nota fiscal. Por um lado, o cliente
não faz questão de comprar com nota fiscal e barganhou essa condição na
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negociação, e por outro, a AR Consultoria poderia ganhar um pouco mais,
devido à alta taxa tributária, mas iniciar suas atividades de forma ilegal.
Alfredo também se sente revoltado por conhecer a alta taxa tributária do
país, por saber que muitas empresas concorrentes sonegam impostos e
que o governo aplica indevidamente os recursos destinados à população,
como lazer, saúde e educação. Sabia que, se não aceitasse a condição de
seu possível cliente, ele procuraria outra empresa que poderia fornecer o
produto conforme os interesses e condições estabelecidas. Apesar de possuir
a consciência ética de que estaria agindo contra os princípios legais e morais,
ficou em dúvida sobre qual decisão tomar.
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Notas de Ensino
Utilização Recomendada
A discussão sobre ética nos negócios pode ser utilizada em diversas
disciplinas que consubstanciam os temas relacionados à gestão de serviços,
estratégia empresarial, ética, empreendedorismo, plano de negócios etc.,
preferencialmente em cursos de graduação.
Objetivos de Aprendizagem
O caso da AR Consultoria Ltda. apresenta uma realidade muitas vezes
disfarçada, mas que, infelizmente, está presente no dia a dia de alguns
ramos, setores ou organizações. Por meio da análise do caso, é possível
abordar e refletir sobre alguns temas de aprendizagem, entre eles:
•
Discutir os conceitos de moral e ética no mundo dos negócios;
•
Identificar os fatores que podem ser considerados uma chance ou um
risco para a prospecção da empresa e assim, influenciar na decisão;
•
Exigir do leitor uma tomada de decisão, uma postura ética diante dos
desafios morais apresentados;
•
Discutir estratégias que podem ser adotadas pelas empresas para evitar
a corrupção.
Questões para discussão do caso em sala de aula
1 Rodolfo deve escutar a sua consciência ética e não cair na tentação,
ou deve aceitar o pagamento de um extra, garantindo assim as suas
primeiras vendas e receitas da empresa? Como você agiria e por quê?
2 Como os sócios podem lidar com as oportunidades de sonegação
surgidas na experiência de Alfredo? Devem respeitar as legislações
federal, estadual e municipal sabendo das dificuldades em se manter
no negócio ou podem se omitir, aceitando a venda sem nota fiscal, já
que estão iniciando as atividades e a chance de sonegar é maior que o
risco de serem descobertos naquele momento? O que você faria?
3 Qual(is) é(são) a(s) alternativa(s) de Rodolfo para inserir seus produtos
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no rol de fornecedores, evitando a corrupção?
Como as empresas podem evitar a corrupção interna? Quais ações
poderiam adotar?
Em termos éticos, qual é a sua opinião sobre as diferentes formas
de negociação utilizadas por algumas empresas? “[...] as indústrias
não forneciam os preços praticados pelos seus fornecedores ao mercado,
dificultando, assim, a formalização de uma política de preços adequada.
Em outras situações, a AR Consultoria participou de verdadeiros “pregões”,
em que as empresas estabeleciam um preço mínimo, tornando-o público e
deixavam a livre mercado para receber propostas de diversos fornecedores”
Qual forma apresentada é mais ética no seu ponto de vista?
Qual é a relação da ética com o lucro no mundo dos negócios? A ética
pode gerar lucro, ou é uma inibidora do lucro no mundo atual? Qual
é a sua opinião?
Alternativas para análise do caso
Para análise do caso, sugere-se uma leitura individual prévia do aluno
anterior à aula. Em sala de aula, com aproximadamente 30 minutos, uma
(re)leitura e análise individual do caso e resolução da questões apresentadas.
Após a (re)leitura individual, formar grupos de até cinco alunos para discutir
o caso e as respostas individuais. Em 30 minutos, os acadêmicos deverão
chegar a um consenso, podendo utilizar materiais de apoio. Após, os grupos
apresentam em plenária suas respostas em forma de discussão com os
demais grupos, acompanhados pelos apontamentos do professor. Nesse
momento, é exigido experiência e controle do professor sobre os argumentos
dos alunos e a condução da aula. Por se tratar de um assunto polêmico e
que exige o ponto de vista individual, o professor será responsável por
apontar os caminhos necessários para compreensão do conteúdo exposto:
ética nos negócios.
Para a análise do caso pelos alunos, se faz necessária uma apresentação
anterior do professor, com auxilio de textos que auxiliem a compreensão
acerca dos conceitos de ética, moral e valores. A condução da discussão deve
ser realizada no sentido de exigir do aluno uma tomada de decisão, uma
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postura diante do caso apresentado, corromper ou não corromper e, nesse
meio tempo, o professor deve indicar os caminhos adotados como corretos
para empresas que desejam prosperar no mercado por meio de uma postura
ética acima de qualquer obstáculo ou aparente benefício em curto prazo.
Conceitos de ética, moral e valores
Para auxiliar na resolução das questões e na decisão a ser tomada por Rodolfo
e Alfredo, apresentamos a seguir os conceitos de ética e moral. Salientamos
que a ética tem um caráter individual e busca a tomada de decisão mais
correta possível. Mas o que é correto? Assim nasce a discussão sobre o
conceito de ética e moral.
A Ética, do grego ethikos, costume, comportamento, é a disciplina
filosófica que busca refletir sobre os sistemas morais elaborados pelos
homens, buscando compreender a fundamentação das normas e interdições
próprias a cada sistema moral (cotrim, 2000). A ética é tradicionalmente
entendida como um estudo, uma reflexão sobre os costumes ou ações
humanas. Um comportamento correto em ética, não seria nada mais do que
um comportamento adequado aos costumes vigentes, e enquanto vigentes,
isto é, enquanto estes costumes tivessem força para coagir moralmente, o
que aqui quer dizer, socialmente (valls, 1994).
Alguns autores preferem mencionar o que a ética não é. Não pode ser
definida como uma série de proibições, um sistema ideal de grande nobreza
na teoria, mas inaproveitável na prática, pois muitas pessoas acreditam que a
ética é inaplicável ao mundo real, pois imaginam que a ética seja um sistema
de normas simples e breves (singer, 2002).
De acordo com o autor “ética é a ciência do comportamento moral dos
homens em sociedade”, “objetivo da ética é a moral” (nalini, 2012, p.28). É
ciência, pois possui suas leis, métodos e objetos próprios de um determinado
ramo do conhecimento. Como ciência, a ética procura extrair dos fatos
morais os princípios gerais a eles aplicáveis. A moral pode ser entendida
como um conjunto de normas adquiridas pelo hábito da prática. A moral não
é ciência, é um objeto da ética. Trata-se de um conjunto de regras próprias de
uma determinada cultura. “A ética é uma disciplina normativa, não por criar
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normas, mas por descobri-las e elucidá-las. Se conteúdo mostra às pessoas os
valores e princípios que devem nortear a sua existência” (nalini, 2012, p.30).
Nesse sentido, a ética age perante a moral, aprimorando e desenvolvendo o
sentido moral do comportamento influenciando a conduta humana.
A ética se depara com práticas morais em vigor e, partindo delas, procura
determinar a essência da moral, sua origem, sua natureza, o principio que
rege a mudança de diferentes sistemas morais. Pode ser entendida como uma
ciência do comportamento moral dos homens em sociedade e se preocupa
em estudar como o homem age na sociedade diante de diferentes desafios
morais (vásquez, 2012, p. 67).
Um dos grandes objetivos da ética é estudar o comportamento humano
no interior de uma sociedade a fim de estabelecer níveis ou princípios que
garantam uma convivência pacífica, diz respeito aos princípios de condutas
que norteiam um indivíduo ao bem comum, o respeito à reciprocidade, e a
busca de uma vida digna para todos. A ética lida com o que é moralmente
bom ou mal, certo ou errado. Nesse sentido, a ética é individual, é um estilo
de vida, uma tomada de decisão, uma ação, uma postura, uma escolha diante
dos valores expressos como certo ou errado, ou seja, a ética nasce da reflexão
de como agir diante de diferentes desafios morais.
O conceito de moral em sentido bem amplo pode ser entendido como um
conjunto de regras de conduta admitidas em determinada época ou por um
grupo de homens (aranha, 1993). Nesse sentido, o homem moral é aquele
que age bem ou mal na medida em que acata ou transgride as regras do
grupo. A moral é um conjunto de normas que orientam o comportamento
humano tendo como base os valores próprios a uma dada comunidade, ou
seja, moral é um conjunto de regras válidas para todo mundo que determina
a conduta em sociedade para não ferir o direito do outro e respeitar o bem
comum (cotrim, 2000).
O homem age no mundo de acordo com valores. As ações sobre o mundo
não são indiferentes, não se equivalem, são hierarquizadas de acordo com as
noções de bem e de justo que os homens compartilham em um determinado
momento. Em outras palavras, o homem é um ser moral, um ser que avalia
sua ação baseado em valores (cotrim, 2000).
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No campo da ética profissional, o valor profissional deve acompanharse de um valor ético para que exista uma integral imagem de qualidade
A competência técnica e científica sem uma conduta virtuosa tende a
resultados irreversíveis que podem prejudicar a imagem e reputação, quer
seja da organização e do profissional envolvido (SÁ, 2004, p.144).
Ética nos negócios
Após o entendimento dos conceitos propostos pelos autores, o aluno
deverá se posicionar em relação à postura ética a ser adotada pela
empresa.
Ser ético, hoje, mais do que antes, não é uma opção. Para pessoas e
organizações, é questão de sobrevivência (matos, 2008). “A boa empresa
não é apenas aquela que apresenta lucro, mas a que também oferece
um ambiente moralmente gratificante, em que as pessoas boas podem
desenvolver seus conhecimentos especializados e também suas virtudes”
(arruda; whitaker; ramos, 2001, p.57).
Nesse contexto, a função principal da empresa, todavia, não é o lucro,
mas oferecer bens e serviços. Se há empresa, é porque existe demanda:
clientes com necessidades a serem satisfeitas. Por isso surge à empresa, e
a qualidade em servir é a sua responsabilidade básica. O lucro é objetivo
dos negócios que a empresa desenvolve para realizar sua missão de
servir ao cliente. O lucro é exatamente isso, remuneração pelos serviços
prestados. A Ética pode gerar lucro, pois a garantia de bom conceito se
traduz em confiabilidade, fundamental para efetivar negócios.
Aética não está no discurso, mas no exemplo. A ética nos negócios é
condicionada pela concepção e pelo comportamento ético na empresa,
pela qualidade da cultura ambiente e do conceito público da organização.
A obsessão por lucro acaba por gerar o não-lucro, pois desgasta parceiros
e inibe clientes, processo pela qual dificilmente a Ética sai imune. Não
é o lucro como tal, nem o seu valor, o que importa para a análise ética,
e sim a maneira de obtê-lo, bem como a justa aplicação situacional do
princípio do lucro (leisinger; schmiit, 2001).
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ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda.
Como evitar a corrupção
O caso apresenta uma discussão sobre corrupção, colaboradores recebendo
pessoalmente porcentagem ou “comissões”. Nesse sentido, o aluno é
exposto a um problema presente em muitas organizações, quando muitas
vezes existe uma situação quase de extorsão, ou seja, a pessoa se vê forçada
a ceder para poder permanecer no ramo.
Ética em vendas é tratada como uma atividade que implica uma poderosa
força de persuasão, modelando atitudes e comportamentos. A influência do
profissional de vendas pode extrapolar sua finalidade de informar, sugerir o
consumo ou compra de um produto ou serviço e provocar reações diversas
ao cliente. “O profissional de vendas deve se preocupar com a consistência
de seus argumentos, evitando comover e chocar deliberadamente
o consumidor com apelos que parecem ser suaves, corrompendo seus
valores morais” (arruda; whitaker; ramo, 2001, p. 96). Uma organização
preocupada com a ética deve selecionar o profissional que esteja convicto de
que sua função consiste em um serviço e não uma mera operação de vendas.
A corrupção, nesse contexto, torna-se prejudicial para indivíduos
envolvidos, não tem razão de ser para a respectiva empresa e é injusta
com a sociedade atingida. Se não quisermos assistir passivamente a uma
decadência dos costumes e nos tornar culpados de omissão, faz-se mister
resistirmos ativamente. Uma boa maneira de começar esta resistência seria
preservando das tentações os colaboradores que, no âmbito de seu trabalho,
estejam expostos ao perigo da corrupção ativa ou passiva (leisinger; schmiit,
2001). A prevenção começa onde os problemas da corrupção podem surgir,
ou seja, nas próprias pessoas. Os autores estabelecem dez regras para evitar
a corrupção e promover um ambiente ético nas organizações (leisinger;
schmiit, 2001, p. 84-85):
1 Dê bom exemplo. Evite tudo que possa levar seus colaboradores a
concluir que as práticas de corrupção – mesmo ativas – são desejadas
ou mesmo toleradas em sua empresa.
2 Obrigue por escrito seus colaboradores as normas ou códigos contendo
proibições de corrupção ativa e passiva. Esclareça que as transgressões
podem ter consequências empregatícias.
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3
Deixe claro se e até onde podem ser aceitos presentes, convites ou
outras vantagens.
4 Exija dos colaboradores em posições estratégicas um esclarecimento
sobre relações, financeiras ou outras, com fornecedores e clientes.
5 Realize com os colaboradores treinamentos sobre perigos de corrupção
e sobre como reconhecê-la
6 Designe alguém na sua empresa com quem seus colaboradores possam
obter aconselhamento sobre o alcance das proibições penais e da
própria firma.
7 Designe em sua firma uma ou várias pessoas a quem observações
referentes à corrupção possam ser diretamente denunciadas. Deixe
claro que tais denúncias não terão nenhuma consequência negativa
para o denunciante.
8 Introduza, na medida do possível, o “princípio dos quatro olhos” e,
também quando necessário, a rotatividade. Exija documentação
detalhada de tudo quanto ocorre.
9 Informe seus parceiros de negócios sobre as regras que vigoram em
sua empresa e exija procedimentos correspondentes.
10 Reforce os controles internos por meio de um nível mais elevado de
formação, de prestígio e de fiscalização. Em caso de dúvida, recorra
a fiscais ou peritos de fora. Denuncie à polícia violações da lei e
providencie apresentação de queixa.
Alternativas estratégicas da empresa
É importante que o aluno compreenda que o papel da AR Consultoria Ltda.
não é somente o lucro e que a empresa deve manter uma postura ética em
seus negócios. Ao optar por pagar um “extra”, uma “comissão”, e vender
sem nota fiscal, a empresa estará criando a sua identidade e imagem no
mercado.
A venda pode ser facilitada pela criação de uma rede de relacionamento.
Essa rede pode aumentar ou diminuir conforme as escolhas dos gestores
da empresa. Uma estratégia que pode ser adotada é a profissionalização
da prestação de serviços, identificar e priorizar as necessidades do cliente,
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ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda.
traduzindo-as em oportunidades de melhoria na qualidade dos serviços
prestados, agregando o maior número possível de soluções à empresa,
incorporando ao preço do produto e/ou serviço.
Fonte de dados
Os dados relatados neste caso tratam de uma situação real vivenciada pelo
autor e por entrevistas concedidas pelo sócio majoritário, Rodolfo.
* Os nomes das empresas e dos sócios são fictícios para preservar
as fontes do caso real.
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fernando fantoni bencke & outros
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Referências
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empresarial e econômica. São Paulo: Atlas, 2001.
COTRIM, G. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15.ed. São Paulo:
Saraiva, 2000.
LEISINGER, K. M. Ética empresarial: responsabilidade global e gerenciamento
moderno. 2.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.
MOREIRA, J.M. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 2002.
NALINI, J.R. Ética geral e profissional. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SÁ, A.L. de. Ética profissional. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2004.
SÁNCHES VAZQUES, A. Ética. 32.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
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VALLS, Á.L.M. O que é ética. 9.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
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ética nos negócios: o caso da ar consultoria ltda.
Dados dos autores
Fernando Fantoni Bencke* [email protected]
Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo
Instituição de vinculação: Universidade do Oeste de Santa Catarina
Chapecó/SC – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Ética, Inovação e Sustentabilidade.
* Av. Nereu Ramos, 3777- D Seminário Chapecó/SC 89813-000
Sylvia Maria Azevedo Roesch [email protected]
Ph.D. em Administração/Relações de Trabalho pela London School of Economics
Instituição de vinculação: Universidade de Caxias do Sul
Caxias do Sul/RS – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Métodos de Ensino e de Pesquisa em Administração.
Pelayo Munhoz Olea [email protected]
Doutor em Administração pela Universitat Politècnica de Catalunya
Instituição de vinculação: Universidade de Caxias do Sul
Caxias do Sul/RS – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Inovação, Gestão Ambiental e Métodos de Pesquisa em
Administração.
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Qual deve ser o tamanho do tubarão para o
tanque de peixes? Um caso de ensino
envolvendo conflitos em canais de distribuição
What size shark does the aquarium need? A teaching case
involving conflicts in distribution channels
Recebido em: 10/06/2013 Aprovado em: 02/08/2013
Avaliado pelo sistema double blind review
Editora Científica: Manolita Correia Lima
Custódio Genésio da Costa Filho [email protected]
universidade federal de lavras
José Marcos Carvalho de Mesquita
universidade fundação mineira de educação e cultura
Renato Borges Fernandes
Ronaldo Pereira Caixeta
centro universitário de patos de minas
Cleber Carvalho de Castro
universidade federal de lavras
Resumo
O presente caso de ensino objetiva contribuir para a compreensão do planejamento estratégico e do gerenciamento
de canais de distribuição. O relato envolve uma indústria de fabricação de sucos naturais de atuação nacional e
apresenta o início de sua estruturação e processo de produção, o seu lançamento, a sua elaboração da estratégia de
marketing e os seus excelentes resultados iniciais. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas
com proprietários, executivos e parceiros da empresa e por meio de fontes secundárias documentais da empresa
e de associações especializadas neste tipo de mercado. O caso foca o conflito envolvendo sua estrutura de canais
de distribuição no âmbito nacional, formada por quatro níveis: o fabricante (a empresa), os atacadistas (formados
pela estrutura própria de vendas da empresa, pelos distribuidores regionais e por um atacadista nacional de grande
porte), os varejistas (grandes redes de hipermercados e pequeno e médio varejo) e os consumidores. Assim, o caso
de ensino incita o aluno a refletir sobre a situação, a analisar as causas dos conflitos, a repensar a estrutura de canais
de distribuição e a buscar uma saída para tal problema. A nota de ensino contribui, inclusive com amparo conceitual,
para que o professor explore melhor as perspectivas diversas possíveis à diretoria da empresa.
Palavras-chave: canais de distribuição; conflitos em canais; indústria de sucos naturais.
Abstract
This teaching case aims to contribute to understanding distribution channel management and strategic planning. The case is on a
fruit juice manufacturing industrial plant with a nationwide presence and covers the beginning of its structuring and production
process, commercial launch, marketing strategy development and outstanding preliminary results. Semi-structured interviews
with the company’s owners, managers and business partners were employed, along with secondary documentary sources from the
company and associations specialized in this type of market. The case focuses on the conflict involving the structure of national
distribution channels comprising four levels: the manufacturer (the company), wholesalers (formed by the company’s sales
structure, regional distributors and a national wholesaler), retailers (large hypermarket chains and small and medium retailers)
and consumers. Thus, the teaching case encourages students to reflect on the situation, analyze the causes of conflicts, rethink the
distribution channels’ structure and seek a solution to the problem. The teaching note assists the teacher in better exploring the
various options available to the company’s board of directors, as well as providing conceptual support.
Keywords: distribution channels; channel conflicts; natural fruit juice industry.
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Introdução
Altair Gomes entra na sala da diretoria da empresa, onde estavam o Sr. Rubens
Alencar e o Sr. Haroldo Neves, visivelmente nervoso e diz: “Eu não suporto
mais a situação. Eu me demito”. Rubens, consternado, diz: “Mas Altair, já não
havíamos conversado sobre isso?”, mostrando saber do que se tratava. “Mas eu
não acho que seja normal”, diz Altair, “os caras estão me pressionando muito...
estamos acabando com a relação com nossos parceiros. Eles são os que possuem
maior poder de pulverização de nossos produtos. Será que você não percebe
isso?”.
Essa passagem relata o ápice de um conflito já conhecido pelos sóciosdiretores da empresa Néctar2, produtora de sucos naturais, os senhores Rubens
Alencar e Haroldo Neves3, acontecido em 2005, na sala da presidência da empresa.
A Néctar é uma empresa que produz e comercializa sucos prontos e foi
fundada em 2002. Ela produz 17 sabores diferentes de sucos prontos e faturou
cerca de R$ 100 milhões de reais em 2004. Rubens Alencar é sócio e exerce o
cargo de presidente-executivo da empresa. Haroldo Neves também é sócio da
empresa e atua como diretor industrial da Néctar. Altair Gomes é contratado,
desempenha o papel de gerente nacional de vendas e lida com os diversos
distribuidores da empresa.
Tal conflito mostra uma tensão enorme enfrentada por Altair, pois os
distribuidores regionais não estavam conseguindo competir em preço com um
atacadista nacional, introduzido pela empresa em sua estrutura de distribuição, a
fim de preencher lacunas deixadas por esses distribuidores e para que eles não se
estagnassem. O problema é que o atacadista nacional vendia o produto a alguns
varejistas por um preço menor que o praticado com os demais, desestabilizando
a política de preços e gerando problemas aos distribuidores regionais. Assim,
o gerente era extremamente cobrado por esses distribuidores e, lidando com
esses conflitos diariamente, já não estava suportando mais a situação.
Será que ele tem razão? Ou esses conflitos são normais entre indústria e os
parceiros de seus canais de distribuição? Para responder a essas perguntas é
necessário o entendimento da história, conhecendo a trajetória da empresa e
os fatos que levaram ao problema.
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qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino
envolvendo conflitos em canais de distribuição
A estruturação da empresa: um início irreparável
A empresa Néctar, pertencente a Rubens Alencar e Haroldo Neves, iniciou
as suas atividades em junho de 2002. Em 2005, ela já havia conquistado 11%
do mercado nacional, ocupando a segunda posição no ranking nacional, além
de exportar para 15 países.
Na avaliação dos sócios-diretores, esse sucesso foi alcançado graças a uma
estratégia bem desenhada, envolvendo todos os aspectos do marketing mix.
Rubens conta que a ideia de criação da empresa surgiu em 1998 e foi
sendo planejada detalhadamente ao longo dos anos, até o seu lançamento.
Inicialmente, a identificação de um produto foi empírica, fruto da observação
dos mercados de outros países da América Latina, dos EUA e da Europa,
comparando-os com o mercado brasileiro.
Em adição, foram realizadas diversas pesquisas de mercado para verificar
estas impressões pessoais, dimensionar o tamanho do mercado, conhecer
os concorrentes, entender o comportamento de consumo e as tendências de
mercado. Os números foram extremamente animadores, pois perceberam
que o consumo per capita brasileiro de sucos naturais era bem inferior ao
consumo per capita de outros países (Tabela 1) e com tendência de crescimento.
Tabela 1 Consumo per capita de Sucos Naturais
Ordem
País
Consumo
1o
Alemanha
46
2o
Estados Unidos
44
3o
Suíça
28
4o
França
23
5o
Japão
21
6o
Espanha
20
7o
Inglaterra
18
8o
Argentina
3,6
9o
Brasil
1,5
Nota: Consumo em litros por ano.
Após a elaboração do planejamento financeiro, o primeiro passo foi construir
a estrutura de fabricação. Haroldo se lembra da escolha do local da construção
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da fábrica, a qual foi posicionada no sudeste brasileiro, porém, dentro da
área da sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). Esse
posicionamento lhe proporcionou investimentos governamentais para o
fomento da produção de matéria-prima para a fabricação dos sucos, além
de incentivos fiscais para comercialização dos produtos e de proximidade
com os grandes mercados consumidores, os estados de São Paulo, Minas
Gerais e Rio de Janeiro.
A fábrica foi construída nos mais modernos padrões internacionais e
foi estruturada toda uma cadeia de suprimentos, via o desenvolvimento
de pequenos produtores de frutas, organizados em cooperativas. Esses
aspectos foram fundamentais para garantir excelente padrão da matériaprima e baixos custos de produção, o que permitiu competitividade de
preços dos produtos finais.
Além dos preços dos produtos, que variavam, no início da operação, entre
5% e 10% mais baixos do que os preços dos concorrentes, o objetivo era ter,
também, os melhores produtos do mercado. Assim, por meio de diversas
pesquisas de laboratório e de testes de degustação com consumidores,
foram identificados os sabores mais adequados ao paladar brasileiro, que,
segundo Haroldo, prefere um suco mais doce, ao contrário do americano,
que prefere sucos com teores mais elevados de acidez. A estratégia era
desenvolver uma formulação de suco que fosse igual ou melhor que o sabor
preferido encontrado no mercado, independentemente de qual fabricante,
sendo ele líder do mercado ou somente com atuação regional.
Após definidas as especificações e formulações de cada sabor ideal de
suco, a empresa fez uma parceria com o Instituto Tecnológico de Alimentos
(ital), para que essas formulações fossem desenvolvidas para um padrão de
produção em larga escala industrial.
Depois de determinadas as formulações dos produtos e a planta industrial,
partiu-se para a definição da marca e das embalagens. Para tal, foi realizado
um processo de concorrência, do qual participaram diversas agências de
publicidade e propaganda. Todas elas incumbidas de apresentar sugestões
de embalagens e de marca nova ou mesmo de alguma que já existisse no
mercado, a qual, se aprovada, poderia ser adquirida pela empresa.
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envolvendo conflitos em canais de distribuição
Durante o processo, a cor vermelha da logomarca foi escolhida por se associar
ou “lembrar” a cor da marca do líder. A cor definida das embalagens foi a amarela,
que se destacava na gôndola perante as concorrentes.
Para as campanhas de propaganda e publicidade, foi definido um investimento
de 8% da receita de vendas. Dentro de suas estratégias, a empresa optou por
não investir em mídia de massa. Ao contrário, foram priorizadas as mídias
alternativas, menos onerosas, tais como placas de rua, outdoors, eventos esportivos
e, principalmente, campanhas de degustação.
Com base na crença de que tinham desenvolvido os sucos mais saborosos e
nas embalagens mais atraentes, o correto seria, então, investir pesadamente para
que os consumidores experimentassem os produtos e que esses fossem lembrados
na hora da compra.
Assim, investiu-se em ações de pontos de vendas, tais como o merchandising
(cartazes, banners, etc.), as propagandas junto com os parceiros (tabloides, jornais,
etc.), o posicionamento destacado nas pontas de gôndolas e a degustação via
contratação de degustadores e promotores de vendas. Rubens destacou em sua
fala: “Focamos muito em degustações em supermercados, porque nós sabíamos
que tínhamos um produto que era superior aos dos concorrentes. Nós tínhamos
certeza disso, porque foram feitas muitas pesquisas de mercado, testes de produto
por produto, sabor por sabor”.
Rubens lembra ainda do sucesso que foi a colocação dos seus produtos nas
principais companhias aéreas brasileiras, as quais serviam os sucos acompanhando
as refeições e os lanches de seus passageiros, um público seleto e formador de
opinião: “Estávamos na Gol, na tam e na Varig, e, pra gente, não tinha propaganda
melhor [...] porque era diferente de você ir pro supermercado dar um copinho de
suco (degustação) [...] e ali a gente vendia o produto [para as companhias aéreas],
que fosse barato mas a gente estava vendendo, mas não tinha despesa nem do
copo, nem da degustadora. Era um merchandising que não tinha preço”.
Com a estrutura de produção montada e após a análise da concorrência, a
empresa definiu e iniciou suas vendas em Minas Gerais e no Espírito Santo e
posteriormente no Rio de Janeiro. Depois, nos estados do Nordeste e do Sul
do Brasil. Por fim, em São Paulo, uma vez que este último mercado era mais
concorrido.
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A empresa estabeleceu uma meta de vendas de 600 mil litros de sucos
já para o terceiro mês de operação, bem como o objetivo de chegar, em
dois anos, na segunda posição em participação de mercado no Brasil e, em
três anos, na primeira posição. Haroldo ressalta, em sua fala, que foram
traçadas metas audaciosas e detalhadas: “Nós fizemos um plano onde
contemplava a venda mensal dos dois primeiros anos [...] com volume
mensal por embalagem, por setor, por filial, por regional e por distribuidor”.
Para o alcance dessas metas, era fundamental estruturar um eficaz canal
de distribuição.
A estruturação dos canais de distribuição e os
resultados iniciais: um mar de rosas
A meta de chegar à segunda colocação no ranking em dois anos foi atingida
em um ano e meio. Segundo Rubens, inclusive a meta inicial fixada foi
cumprida e até excedida: “A fábrica deveria trabalhar no início da operação
(nos três primeiros meses) com 600.000 litros por mês. Nós conseguimos
bater 1.200.000 litros [...] e isso (as vendas) só em Minas Gerais e Espírito
Santo”.
Os resultados foram surpreendentes também em outros mercados
regionais e foi necessário que a empresa antecipasse o lançamento em
outras regiões, devido à demanda que surgia: “A entrada no Rio de Janeiro
e no Nordeste do Brasil foi ainda no mesmo ano (2002), porque o produto
foi pedido, as coisas foram acontecendo. Nós aumentamos um turno (na
fabricação), aumentamos a produção e chegamos em três anos com quase
cinco milhões de litros de suco por mês”, relatou Haroldo.
Para atingir esse patamar, a empresa, com a participação de Altair Gomes,
estruturou um grande canal de distribuição, atingindo 130 mil pontos de
vendas em 2005. Essa estrutura contou com uma equipe própria de vendas,
com distribuidores regionais e com um atacadista nacional (Figura 1).
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envolvendo conflitos em canais de distribuição
Figura 1 Estrutura do canal de distribuição da empres
Empresa
Estrutura Própria
de Vendas
Grandes Redes
de
Hipermercados
Distribuidores
Regionais
Atacadista
Nacional
Demais Pontos de Vendas
(pequeno e médio varejo)
Clientes Finais
A estrutura própria de vendas da empresa era composta de cinco equipes de
vendas próprias, que, no total, perfaziam, aproximadamente, 150 vendedores.
Essas equipes eram incumbidas de atender aos principais clientes e de
supervisionar as atividades dos distribuidores regionais. As vinte maiores
redes nacionais de hipermercados eram atendidas por esta força de vendas
direta da empresa.
Os distribuidores regionais eram aproximadamente 100, dentre grandes,
médios e pequenos. Cada um tinha uma equipe de vendedores que variava
entre cinco e 100 vendedores, dependendo do tamanho do distribuidor.
Esses distribuidores regionais cobriam todo o território nacional, sendo
que cada um deles atuava em área reservada, delimitada.
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Já o atacadista nacional foi inserido na estrutura de distribuição para
cobrir determinadas áreas e pontos de vendas mal atendidos pela equipe
própria de vendas e pelos distribuidores regionais, atuando em âmbito
nacional. Esse parceiro teve papel importante no sentido de não deixar
acomodar cada distribuidor regional, que atuava em área exclusiva.
Para Haroldo, a empresa realizou, em cada estado, “uma política de
distribuição diferente: uns com venda própria, outros com pequenos e
micro distribuidores e em outros com grandes distribuidores, até atender
todos os pontos de vendas”.
O conflito potencial: nem tudo são flores
No geral, os resultados estavam sendo espetaculares. Mas, em alguns
mercados, os números deixavam a desejar. Por exemplo, segundo Haroldo,
em alguns estados, a participação da empresa chegava a 70% do mercado;
em outros, não passava dos 5% (e não era devido à diferença de tempo de
atuação da empresa naquele mercado).
Assim, o baixo resultado de alguns distribuidores regionais e a dificuldade
para fazê-los alavancar vendas, ou mesmo a dificuldade para substituí-los,
tornavam importante a atuação do atacadista nacional. Este se tornava
relevante devido ao seu grande mix de produtos, o que facilitava as vendas
de sucos pelos seus representantes comerciais. A agressividade de vendas
dos seus vendedores ocorria, em maior escala, em regiões de vendas fracas
de sucos, o que era muito positivo, mas ocorria também naquelas regiões
onde as vendas eram boas.
O conflito entre os distribuidores regionais e o atacadista nacional ocorre
uma vez que ambos, em muitas situações, atendem aos mesmos varejistas:
supermercados, mercearias, padarias, etc. Assim, os distribuidores regionais,
com boa atuação ou não, reclamavam dessa concorrência, vista por eles
como desleal.
Altair era enfático ao detalhar o conflito, que, para ele, ocorria devido
“ao vendedor do atacadista ter um preço mínimo e um preço máximo. No
ponto de venda onde ele não utiliza o preço mínimo, ele vai gerando um
crédito no próprio palm dele (ferramenta de automação de vendas). Aí,
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envolvendo conflitos em canais de distribuição
quando ele quer bater uma meta em outro ponto de venda, o último do dia,
ele descarrega (concede) todo o crédito (descontos para aquele cliente), aí ele
arrebenta o mercado, porque a política de preço vai toda por água abaixo”.
Nesse caso, o distribuidor regional perde vendas por não conseguir
oferecer o mesmo preço que o vendedor do atacadista nacional conseguia
praticar para o varejista. Além disso, em alguns casos, o desconto era
repassado pelo varejista para o preço de venda aos consumidores finais,
causando uma disparidade de preços no mercado.
Rubens e Haroldo sabiam da existência de preços de vendas diferenciados
dentro do canal de vendas, mas acreditavam que essa diferença não era
refletida no preço de venda final e que havia um equilíbrio nos preços aos
consumidores. Mas Altair insistia em dizer que no mercado havia “uma
briga acirrada, porque nos finais de semana o atacadista joga o preço pra
baixo [...]. Você resolve num dia e no outro você tem que brigar de novo
porque o problema está lá”. E ele se sentia impotente, pois em uma semana
contornava uma situação e logo na semana seguinte o problema acontecia
novamente.
Vê-se, baseado nesse fato, que, quando algum estabelecimento comercial
pratica um preço muito abaixo do preço médio de mercado, há uma
reclamação generalizada por parte dos seus concorrentes junto à empresa.
No caso da empresa estudada, todas essas reclamações recaíam sobre
Altair, que, até então, estava administrando esses atritos, mas, agora, já não
aguentava as reincidentes reclamações.
Altair há dias reclamava que estava “mais administrando reclamações do
que administrando vendas”. Cada vez que se reunia com algum distribuidor
para cobrar o cumprimento de metas de vendas, para propor a abertura
de novos pontos de vendas, para elaborar campanhas promocionais, para
treinar a equipe de vendas, etc., o assunto só girava em torno das reclamações
envolvendo o atacadista distribuidor.
Rubens e Haroldo sabiam que a relação comercial e as negociações com
o atacadista nacional eram todas feitas por eles, havendo, portanto, disputa
interna deste parceiro com os demais membros dos canais de distribuição
gerenciados por Altair. Os sócios-diretores sabiam desde o início da parceria
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que o atacadista nacional não teria interesse em operar com os sucos em
algumas regiões do país e que fazia parte da sua política comercial conceder
uma margem de descontos em todas as linhas de produtos para os seus
representantes comerciais praticarem nas negociações.
O conflito insustentável: a casa caiu
A atuação do atacadista nacional, como um “tubarão no tanque”, estava
extrapolando o objetivo inicial, que era evitar a acomodação dos
distribuidores regionais, ao ponto de alguns deles alegarem desinteresse
pela parceria, por estarem sendo “engolidos pelo tubarão”. E, agora, o
principal executivo da área comercial parecia estar totalmente exaurido
pelos conflitos.
Os sócios-diretores se perguntavam sobre qual caminho seguir:
•
Continuar com a atual estrutura de canais de distribuição e tentar
renegociar o contrato e as condições comerciais do atacadista nacional
para amenizar os conflitos?
•
Substituir o atacadista nacional por outro atacadista, porém dentro de
novas regras comerciais?
•
Rescindir a parceria com o atacadista nacional sem substituí-lo e
aproveitar para renegociar metas com os distribuidores regionais?
•
Ou manter e administrar a atual situação, pois os resultados estavam
sendo atingidos e as reclamações e conflitos de canais são normais?
1 O título foi baseado na história dos pescadores japoneses que colocaram um pequeno tubarão no tanque de
peixes para mantê-los em constante movimento. Disponível em: http://www.blogdofabossi.com.br/2011/03/olider-tubarao-lideranca/.
2 O nome da empresa é fictício, com vistas a evitar sua identificação.
3 Os nomes dos protagonistas são, também, fictícios, para não identificar os verdadeiros personagens. Rubens
Alencar e Haroldo Neves representam os sócios-diretores da empresa. Altair Gomes representa o gerente
nacional de vendas.
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Notas de Ensino
Objetivos Educacionais
O objetivo geral deste caso de ensino é fornecer elementos que permitam
analisar o processo de formação e gerenciamento de canais de distribuição.
Especificamente, espera-se que os alunos sejam capazes de:
1 discutir o processo de planejamento e gestão de canais de distribuição;
2 analisar os elementos propulsores da formação e do controle de
conflitos de canais de distribuição;
3 identificar e discutir as dificuldades para a formação de parcerias
saudáveis em canais de distribuição;
4 analisar as estratégias para o alcance dos objetivos comerciais da
empresa e dos parceiros nos vários níveis do canal de distribuição.
Aspectos Pedagógicos
O tema, formação e gestão de canais de distribuição, envolve várias áreas
da administração de empresas. Assim sendo, sugere-se que o caso possa
ser utilizado em cursos de graduação em Administração de Empresas e em
cursos de pós-graduação lato sensu, nas disciplinas de Estratégias de Marketing,
Administração de Vendas e Relacionamentos Interorganizacionais.
Recomenda-se, também, que o caso seja utilizado ao final da disciplina,
devido à abordagem de diversos conceitos entrelaçados de canais de
distribuição, de planejamento de canais, de mediação de conflitos e de
relações interorganizacionais.
Como sugestão, o caso poderá ser aplicado utilizando-se o seguinte
processo:
1 dividir a sala em grupos;
2 explicar o objetivo da atividade (o objetivo é que os estudantes analisem
o caso, discutam e consintam sobre uma possível solução, baseada,
também, nas leituras recomendadas. Além disso, os grupos devem
formular argumentos para defender sua escolha);
3 dividir novamente a sala em grupos com soluções similares.
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Revezando-se nos grupos com soluções diferentes, solicitar que cada
grupo apresente sua escolha e exponha seus argumentos. Após a
apresentação de um grupo, abrir para perguntas e argumentações de
grupos com opiniões contrárias. Nestas apresentações, o professor
deverá anotar suas percepções sobre as argumentações;
finalizar, apresentando um compilado dos prós e dos contras
apresentados pelos grupos.
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Questões para Discussão e Arcabouço Teórico
Considerando os objetivos mencionados deste caso de ensino, são propostas
as seguintes questões, as quais podem ser utilizadas também como
alternativas de análise de situação, para discussão.
1) Os conflitos em canais de distribuição são normais?
Para Kotler (2000, p. 535), o conflito é algo muito comum nos canais de
distribuição. Segundo o autor, “todos os canais de marketing têm um
potencial de conflito e concorrência, como resultado da incompatibilidade
de metas, papéis, e direitos mal definidos, de diferença de percepção e de
relacionamentos interdependentes”.
Embora seja algo normal em um canal de distribuição, o conflito deve
ser sempre gerenciado, de modo a não extrapolar o “nível saudável” da
competição entre os membros do canal. Segundo Castro (2008), a empresa
deve conter os conflitos e mantê-los em uma zona funcional. Isso pode se
dar via a criação de normas de condutas e de relacionamento, para fortalecer
e equilibrar a estrutura do canal e prevenir conflitos.
2) O conflito apresentado pelo caso de ensino se
encontra em qual nível de intensidade?
Segundo Coughlan et al. (2002), existem quatro níveis de conflitos:
•
Conflito Latente: que não é percebido pela empresa, no entanto ele
existe por uma questão natural.
• Conf lito Percebido: que é quando a empresa se dá conta que
existem disputas, mas vê isso de forma normal, ou seja, faz parte
do negócio.
•
Conflito Sentido: que é quando essa percepção passa a estimular
em um nível afetivo as discordâncias, quando os participantes das
empresas do canal experimentam sentimentos negativos, como tensão,
raiva, frustração, hostilidade, etc.
•
Conflito Manifestado: que é quando as partes passam a agir de forma
negativa entre si.
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Com base nos dados apresentados no caso de ensino, acredita-se que o
conflito esteja no nível sentido, pois ainda não foram evidenciados atos
negativos diretos entre as partes, tais como boicotes, sabotagens, ações
jurídicas, etc. Provavelmente, se ações não forem tomadas, a situação
caminhará para um nível crítico, o de conflito manifestado.
3) A Estrutura de Canais apresentada pelo caso conta
com quantos níveis de canais?
Conforme ressalta Rosenbloom (2002), os níveis de canais variam de dois,
que seria a venda direta, até mais de cinco, conforme apresentado na Figura 2.
Figura 2 Estrutura típica de canal de distribuição
2 Níveis
3 Níveis
4 Níveis
4 Níveis
5 Níveis
Fabricante
Fabricante
Fabricante
Fabricante
Fabricante
Agente
Consumidor
Atacadista
Agente
Atacadista
Varejista
Varejista
Varejista
Varejista
Consumidor
Consumidor
Consumidor
Consumidor
Fonte: Rosenbloom (2002, p. 38).
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qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino
envolvendo conflitos em canais de distribuição
Conforme descrito no presente caso de ensino, partindo-se do nível do
fabricante, que é o primeiro nível, até o cliente final, que é o último nível,
verifica-se, portanto, uma estrutura com quatro níveis na empresa Néctar
(vide Figura 1).
4) Qual(is) a(s) causa(s) dos conflitos de canais
apresentados pelo caso de ensino?
Castro et al. (2007) apresentam as principais causas de conflitos no Quadro 1.
Quadro 1 Principais causas de conflitos de canais
Causas de Conflitos
Definição / Explicação da Causa
Incongruências de
Papel
O papel define o conjunto prescrito de comportamentos que um membro
de canal deve ter. Representa uma série de atividades e funções que se
espera que o membro de canal desempenhe. Assim, um membro de canal
deve saber as expectativas sobre seu comportamento, quais são suas
responsabilidades específicas e como seu desempenho será avaliado.
Escassez de Recursos
Envolve desacordos entre membros de canal sobre a alocação de recursos
valiosos para o alcance de seus objetivos.
Incompatibilidade de Cada membro do canal de marketing possui os próprios objetivos. Quando
objetivos
esses objetivos são incompatíveis, surgem os conflitos. Pode ser explicada
com a teoria do agenciamento (agency theory).
Diferenças
Perceptuais
A percepção refere-se ao modo como um indivíduo seleciona e interpreta
estímulos do ambiente. O modo como esse estímulo é percebido, no
entanto, é geralmente diferente da realidade objetiva. Esses equívocos
são muito comuns dadas as diferenças de foco das empresas e o pouco
entendimento dos negócios dos outros participantes do canal.
Diferenças de
Expectativa
Em geral, os membros do canal criam expectativas sobre o comportamento
dos outros membros. Na prática, essas expectativas são predições ou
previsões a respeito do comportamento futuro de outro membro do
canal. Entretanto, essas previsões podem ser inadequadas, mas o membro
de canal que a projetou baseará suas ações nos resultados projetados,
ocasionando, assim, novos conflitos.
Dificuldade de
Comunicação
A comunicação é o veículo para todas as interações entre membros de canal,
seja interação de cooperação ou de conflito. A falta de compartilhamento de
informações, o fluxo lento e a falta de acurácia dificultam a manutenção do
relacionamento e conduzem a conflitos.
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Causas de Conflitos
Desacordos de
Domínio de
Mercado
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Definição / Explicação da Causa
Esses conflitos ocorrem quando um membro do canal percebe que
outro não está tomando o devido cuidado com suas responsabilidades
no domínio adequado. Exemplos: desacordos sobre a decisão de
fixar preços de venda entre produtores e varejistas; direito ou não de
varejistas transferirem produtos do fabricante; ou se o produtor tem
direito de especificar exigências de estoques para um distribuidor. Uma
das piores fontes de conflito acontece quando os membros do canal são
potencialmente concorrentes entre si pelo mesmo negócio, gerando
competição intracanal, ou ainda quando a venda direta surge como
alternativa ao fornecedor dispensando o distribuidor de uma transação na
qual ele estava interessado e sente ser seu direito.
Fonte: Castro et al. (2007, p. 28).
Conforme essas formulações, o presente caso de ensino apresenta causas
relacionadas à incongruência de papel, quando Altair Gomes reclama que o
atacadista distribuidor não desempenha outras atividades além das vendas;
às diferenças de expectativa, quando, em uma ação corretiva, espera-se
que o vendedor do atacadista nacional não volte a praticar preços fora do
estabelecido, porém isso não acontece, o que provoca “guerra de preços”;
e, por fim, a desacordos de domínio de mercado, quando não se consegue
fixar um preço de referência e há competição intracanal.
5) O caso de ensino transparece ter havido perda de
confiança ocasionada pelos conflitos dos canais. O que
é confiança, como ela é formada, quais os tipos, como é
gerada e quais os resultados quando há confiança no
relacionamento organizacional?
Castro (2008) enfatiza a importância da confiança nas relações organizacionais
e elabora o Quadro 2, apresentando os aspectos relacionados a essa confiança,
a qual deveria ser buscada pela empresa citada neste caso de ensino.
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qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino
envolvendo conflitos em canais de distribuição
Quadro 2 Confiança em canais de distribuição
Pergunta Chave
Síntese da Resposta da Literatura
O que é confiança?
Saber o que esperar do comportamento de outra parte e, além disso,
acreditar na sua honestidade, ética, caráter, boa-fé e capacidade técnica
e financeira de honrar as promessas estabelecidas.
Do que ela é formada?
Confiança é formada por vários itens. Uma visão bem aceita na literatura
coloca que são dois os seus principais componentes:
Benevolência: “acredito que a outra parte não fará nada que me
prejudique ou prejudique o nosso relacionamento”.
Capacidade/Credibilidade: “acredito que a outra parte tem condições e
irá honrar com as promessas estabelecidas”.
Confiar na pessoa ou na
empresa?
São aspectos diferentes. Existe a confiança de uma pessoa em
uma empresa, chamada de confiança organizacional; confiança
de uma pessoa (ex. comprador) em outra (ex. vendedor), chamada
confiança interpessoal; confiança entre duas empresas (confiança
interorganizacional); e, finalmente, confiança dentro de uma empresa
(confiança intraorganizacional). Podem-se discutir os componentes
de credibilidade e benevolência para cada um dos níveis, bem como o
potencial de transferência entre eles.
O que gera ou ajuda
a gerar a confiança da
outra parte?
Forte comunicação.
Desenvolvimento de ações cooperativas.
Realizar investimentos específicos no parceiro, mostrando
comprometimento.
Continuidade da relação (cumprir promessas).
Reputação (sempre agiu de determinada maneira).
Estabelecer uma pessoa “de confiança” no contato organizacional com a
questão de seus papéis claros e com a alta capacidade de desempenhálos.
Existência de interdependência na relação.
Qual o resultado de
se ter confiança em
um relacionamento
organizacional?
Relacionamentos e visão de longo prazo.
Maior comprometimento (disponibilidade de incorrer em perdas hoje
porque amanhã terá mais benefícios).
Maior troca de informações que permite a melhora geral no
relacionamento.
Diminuição de conflitos.
Diminuição dos custos de transação.
Mais possibilidade de ações conjuntas.
Maior satisfação do canal.
Fonte: Castro (2008, p. 34).
Neste caso de ensino em específico, verifica-se a quebra de confiança
interorganizacional no componente de benevolência entre os distribuidores
regionais e a empresa, quando ela insere e permite a atuação do atacadista
nacional na estrutura de precificação efetuada com o mercado varejista.
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Fontes dos Dados
Como ferramentas de coleta de dados foram utilizadas entrevistas
semiestruturadas e análise documental. Foram realizadas entrevistas
com quatro executivos da empresa e com seis proprietários ou gerentes de
estabelecimentos comerciais parceiros. Todavia, como protagonistas do
caso de ensino, tomaram-se somente três executivos da empresa, sendo
dois sócios-diretores (aqui denominados de Rubens Alencar e de Haroldo
Neves) e o gerente nacional de vendas (Altair Gomes).
Foram ainda analisados diversos documentos de fontes secundárias, tais
como relatórios de participação de mercado de fontes externas à empresa,
dentre elas a abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), a
abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas
Não Alcoólicas), a amis (Associação Mineira de Supermercados) e a
acnielsen; demonstrativos contábeis e de vendas da empresa, e documentos
apresentando estratégias, objetivos e metas da empresa.
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qual deve ser o tamanho do tubarão para o tanque de peixes? um caso de ensino
envolvendo conflitos em canais de distribuição
Referências
CASTRO, L. T. Incentivos em canais de distribuição: um estudo comparativo
entre o Brasil e os EUA no setor de defensivos agrícolas. 2008. Tese (Doutorado
em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade,
Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2008.
CASTRO, L. T.; NEVES, M. F.; CONSOLI, M. A.; CAMPOS, E. M. Relacionamento
e conflitos em canais de distribuição: um estudo em insumos agrícolas. Revista de
Administração da USP, v. 42, n. 2, p. 167-177, 2007.
COUGHLAN, A. T.; ANDERSON, E.; STERN, L. W.; EL-ANSARY, A. I. Canais de
marketing e distribuição. 6.ed. São Paulo: Bookman, 2002.
KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. São Paulo:
Prentice Hall, 2000.
ROSENBLOOM, B. Canais de marketing: uma visão gerencial. São Paulo: Atlas, 2002.
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Dados dos Autores
Custódio Genésio da Costa Filho* [email protected]
Mestrado em Administração/Gestão Estratégica pela FEAD/MG
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Lavras
Lavras/MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Estratégias de marketing e canais de distribuição.
* Rodovia LMG 818, km 06 UFV - Campus Florestal Florestal/MG 35690-000
José Marcos Carvalho de Mesquita [email protected]
Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais
Instituição de vinculação: Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura
Belo Horizonte/MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Marketing de serviços e relacionamento, métodos
quantitativos.
Renato Borges Fernandes [email protected]
Mestrado em Administração/Gestão Estratégica pela FEAD/MG
Instituição de vinculação: Centro Universitário de Patos de Minas
Patos de Minas/MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia, Marketing e Sistemas de Informação.
Ronaldo Pereira Caixeta [email protected]
Mestrado em Administração/Gestão Estratégica pela FEAD/MG
Instituição de vinculação: Centro Universitário de Patos de Minas
Patos de Minas/MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Comportamento do Consumidor, Marketing e Varejo.
Cleber Carvalho de Castro [email protected]
Doutor em Agronegócio pela UFRGS
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Lavras
Lavras/MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Redes de organizações, Gestão da tecnologia e
inovação, Ensino e Pesquisa em Administração.
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Helena trilhando caminhos na Gestão de Recursos Humanos
Helena’s trajectories in Human Resource Management
Recebido em: 17/07/2013 • Aprovado em: 06/09/2013
Avaliado pelo sistema double blind review
Editora Científica: Manolita Correia Lima
Denise Genari [email protected]
Ivadete Marin Ravanello
faculdade cenecista de bento gonçalves
Janaina Macke
universidade de caxias do sul
Resumo
Helena Del Bianco é uma profissional de destaque em sua área de atuação: gestão de recursos humanos. Após
diversas oportunidades de crescimento em sua carreira, Helena foi contratada para atuar como gestora na
referida área, em uma indústria metalúrgica de médio porte. Naquele momento, a empresa tinha diversas
necessidades de mudanças e melhorias na área de recursos humanos, porém, após realizar um diagnóstico
situacional, Helena encontrou resistência por parte dos dirigentes da empresa em implantar as mudanças. A
nova gestora tinha dúvidas sobre a sua permanência na organização, pois, ao mesmo tempo em que se sentia
desafiada pela situação, questionava se seus esforços gerariam frutos e alavancariam sua carreira. O objetivo
deste caso de ensino é estimular a reflexão sobre temas, como: perfil dos profissionais da área de gestão de
recursos humanos, captação e integração, avaliação de desempenho, treinamento e desenvolvimento, clima
organizacional, liderança e monitoração de pessoas. O caso oportuniza que o discente se coloque no papel
da gestora Helena Del Bianco e que possa tomar decisões acerca da problemática apresentada. A utilização
deste caso é indicada em disciplinas relacionadas à gestão de recursos humanos, especialmente em cursos
de graduação.
Palavras-chave: gestão de recursos humanos; subsistemas de gestão de recursos humanos; captação e
integração; treinamento e desenvolvimento; avaliação de desempenho; clima organizacional.
Abstract
Helena Del Bianco is an outstanding professional in her area of expertise: human resource management. After a
sequence of opportunities for growth in her career, Helena was taken on as the HR manager at a midsize metallurgical
company. At the time, the company’s HR department was in need of several changes and improvements. However, after
conducting a diagnosis of the existing situation, Helena was met with resistance from the company’s directors when
implementing the changes. This led to the new manager entertaining doubts regarding how long she would last in the
organization as, while she considered the situation challenging, she wondered if her efforts would produce good results
and, consequently, provide leverage for her career. This teaching case aims to stimulate thought relating to: human
resource management personnel profiles, human resource sourcing and integration, performance review processes,
training and development, corporate culture, leadership and human resource indicators, among others. The case places
students in the role of, Helena Del Bianco and allows them to make decisions regarding the respective issues faced. This
case is indicated for use in courses related to human resource management and for undergraduate courses in particular.
Keywords: human resource management; human resources subsystems; sourcing and integration; training and
development; performance review; corporate culture.
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Introdução
Helena Del Bianco iniciou sua carreira na área de gestão de recursos
humanos quando rescindiu o contrato profissional de carteira assinada,
para atuar como estagiária em uma empresa moveleira de destaque. Nessa
organização, teve a oportunidade de avançar na carreira, conhecendo
diversos processos na área de gestão de recursos humanos. Ao perceber
que seu crescimento estava limitado, optou por deixar a empresa moveleira
para assumir um cargo gerencial na Metalúrgica Metal Forte Ltda, na qual
se deparou com novos desafios.
A Metalúrgica Metal Forte Ltda, que contava com aproximadamente
250 colaboradores, estava com diversos problemas vinculados à gestão de
recursos humanos, tais como: políticas não claras no processo seletivo,
índices consideráveis de rotatividade e absenteísmo, lideranças resistentes a
mudanças, falta de feedback, clima organizacional insatisfatório, limitações
na capacitação do quadro funcional, entre outros.
Em uma reunião com o quadro diretivo da empresa, Helena compartilhou
os problemas citados acima. Frisou a importância da aplicabilidade de
ferramentas da gestão de recursos humanos, destacando: recrutamento
interno, programa de integração, avaliação de desempenho, programas
de capacitação e planos de carreira para os colaboradores. Justificou que
a aplicabilidade destes novos projetos contribuiria para a melhoria dos
resultados da organização. No entanto, a gestora da área de recursos
humanos percebeu que haveria resistência, por parte dos dirigentes, pois os
mesmos já se percebiam bastante envolvidos nas tarefas do dia a dia, quando
justificavam que não disporiam de tempo para assumir novas atribuições
ligadas à gestão de suas equipes.
A partir deste momento, Helena começou a fazer alguns questionamentos:
De que outra forma poderia sensibilizar os dirigentes, sobre a importância
da aplicabilidade de ferramentas para a gestão de recursos humanos? Qual
mudança deveria enfocar, inicialmente? Havia uma decisão inicial a ser
tomada: diante desse cenário, deveria aceitar o desafio e permanecer na
empresa, ou deveria buscar outra organização que lhe desse espaço para
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helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos
aplicar seus conhecimentos e utilizar suas vivências na área de gestão de
recursos humanos?
O caso de ensino está estruturado em etapas. Após a introdução, apresentase uma sessão, com a descrição dos primeiros contatos da protagonista com
a área de gestão de recursos humanos. Posteriormente, descrevem-se os
subsistemas que a personagem Helena foi transitando, sendo: captação
e integração de pessoas; avaliação, treinamento e desenvolvimento de
pessoas; clima organizacional e liderança; indicadores de gestão de recursos
humanos e a tomada de decisão. Finalmente, são apresentadas as notas de
ensino, utilização recomendada, objetivos de aprendizagem, sugestão de
questões para discussão do caso em sala de aula e alternativas para análise
do caso.
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Primeiros contatos com a área de gestão de Recursos
Humanos
Helena Del Bianco nasceu em uma pequena comunidade, no interior da
Serra gaúcha (RS/Brasil), em 1978. Filha de operários, estudou em escolas
públicas. Após a conclusão do ensino médio, mudou-se para a cidade de
Caxias do Sul, em busca de novas oportunidades e realizou vestibular para
o curso de Administração de Empresas de uma faculdade comunitária.
Após a aprovação no vestibular, Helena percebeu que teria dificuldades em
custear seus estudos e buscou uma bolsa, sendo beneficiada com 50% de
desconto em suas mensalidades.
Nesta época, Helena, com 24 anos, trabalhava como auxiliar administrativa
em uma empresa comercial do ramo de eletrodomésticos e estava bastante
envolvida com o trabalho e com os estudos. Como acadêmica do curso de
administração, mostrava responsabilidade, interesse e comprometimento
no que lhe era proposto.
Helena estava bastante motivada com as temáticas que se apresentavam
durante o curso de administração, porém, ao realizar algumas disciplinas
específicas sobre gestão de recursos humanos, percebeu que se identificava
com os processos, ferramentas e desafios da área.
Durante as aulas, participou de uma discussão sobre os objetivos da área
de gestão de recursos humanos, apresentados na Figura 1. Helena começou
a perceber o quanto o processo de gerenciar pessoas é importante para que
uma organização possa obter resultados diferenciados e manter vantagens
competitivas.
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helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos
Figura 1 Objetivos da área de gestão de recursos humanos
Auxiliar a organização a atingir suas metas
Empregar com eficácia as qualificações e habilidades
da força de trabalho
Promover a organização com funcionários bem
treinados e motivados
Desenvolver e manter a qualidade de vida no
trabalho
Promover a satisfação e auto-realização dos
funcionários
Ajudar na manutenção de políticas éticas e
comportamentos socialmente responsáveis
Gerir a mudança de forma que propicie vantagens
mútuas entre indivíduos, grupos, empresas e público
Fonte: Adaptada de Ivancevich (2008).
Além disso, a estudante ficou interessada pelo assunto, quando compreendeu
que a gestão de recursos humanos está diretamente relacionada às estratégias
organizacionais e que a mesma acontece em um grande sistema, que se
divide em subsistemas. Neste momento, Helena teve o primeiro contato
com estes conceitos e conheceu as principais atividades da área de gestão
de recursos humanos (Figura 2).
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Figura 2 Integração das estratégias organizacionais e os processos de gestão
de recursos humanos
Estratégias organizacionais
Qualidade de produtos e processos
Motivação e capacitação dos colaboradores
es
Novos produtos
Indicadores de performance
Estratégias de Recursos Humanos
H
Sistemas de RH
Recrutamento & Seleção
Atração
Gestão da Performance
Estratégia de
talentos
Treinamento & Desenvolvimento
Remuneração
Desenvolvimento
Retenção
Gestão de Carreira
Fonte: Ruzzarin, Amaral e Simionovschi (2006, p. 75).
Ao analisar os processos da área de gestão de recursos humanos, Helena
percebia que a direção da empresa onde trabalhava não possuía uma visão
sistêmica dos mesmos. Desta forma, as pessoas eram contratadas sem critérios
claros. Também não havia uma preocupação com relação ao treinamento das
mesmas, nem havia clareza nas responsabilidades de cada um. Além disso, não
existiam políticas claras sobre o sistema de recompensas e, como consequência,
percebia-se que o clima não era satisfatório, bem como os resultados da
organização não eram eficazes.
Durante o curso de administração Helena manteve-se como participante ativa
em sala de aula e destacou-se pelas suas contribuições e seus questionamentos.
Esta imagem fez com que uma colega a convidasse a participar de um processo
seletivo para estagiária na área de gestão de recursos humanos de uma empresa
renomada do setor moveleiro, com 500 funcionários. Helena não hesitou
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e se candidatou à vaga, mesmo sabendo que precisaria romper o vínculo
empregatício que, naquele momento, rendia-lhe um salário melhor que o
de estagiária, além de saber que não teria os mesmos direitos trabalhistas no
novo vínculo.
Três dias após sua participação no processo seletivo, recebeu os resultados
de aprovação para a vaga de estagiária na empresa moveleira. Helena, na
época com 27 anos, passou a atuar na área de gestão de recursos humanos,
mais especificamente na atividade de pagadoria. Neste setor, teve acesso
a documentos diversos relacionados à folha de pagamento e às políticas e
práticas de relações trabalhistas. Passados onze meses, teve a oportunidade de
fazer parte da equipe de recrutamento e seleção da empresa. Ligada a este setor,
também teve acesso aos programas de socialização, avaliação de desempenho,
desenvolvimento e planos de carreira.
Depois de dois anos como estagiária Helena teve a oportunidade de
concorrer a uma vaga de analista de treinamento. O processo de seleção
interna contou com a participação de quatro candidatos, sendo Helena a
selecionada.
Como analista de Treinamento e Desenvolvimento (t&d), atuou
diretamente no levantamento de necessidades de treinamento, na gestão da
matriz de capacitação, organização da logística de t&d, fazendo contratos e
acompanhando os resultados dos investimentos feitos na área. Desta forma,
mensurava a eficácia e eficiência dos treinamentos realizados. Por estar ligada
à área de desenvolvimento, acompanhava de perto o plano de carreira e
as oportunidades de promoção, entre outras formas de crescimento dos
funcionários da empresa.
Após ter atuado por quatro anos como analista de t&d, recebeu um convite,
por meio de uma agência de emprego, para participar de um processo seletivo
ao cargo gerencial na área de recursos humanos, em uma empresa do ramo
metalúrgico, de menor porte.
Considerando que na empresa onde atuava a vaga de gestão já estava ocupada
e que, aparentemente, em curto espaço de tempo, não teria a oportunidade
de ser promovida para o um cargo gerencial, decidiu aceitar o convite. Após a
realização de várias etapas de seleção foi aprovada para o cargo.
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Avançando na carreira
Helena iniciou, então, com um novo papel, agora como gerente da área de
recursos humanos de uma empresa metalúrgica de médio porte1: a Indústria
Metalúrgica Metal Forte Ltda. A referida empresa fabrica esquadrias e
estruturas metálicas e atua em todo o mercado brasileiro. A mesma conta
com, aproximadamente, 250 empregados e seu faturamento mensal gira
em torno de três milhões de reais.
A Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda é uma empresa familiar, sendo
dirigida por um dos quatro filhos do fundador, o qual possui formação
superior em administração. O fundador possui baixa escolaridade e atua
na área operacional da empresa como operador de máquinas. A estrutura
organizacional da empresa é formada por um diretor geral, que também
assume o cargo de gerente comercial, por um gerente industrial, quatro
supervisores operacionais, os quais atuam em diversos setores da área fabril.
Vale considerar que estes supervisores são operadores especializados e que
ajudam na distribuição de tarefas, quando necessário, porém, possuem
autonomia limitada, ou seja, não tomam decisões sem o consentimento do
gerente industrial que, por sua vez, também tem autonomia limitada, por
depender de deliberações do diretor geral.
Nas áreas administrativas não existem gestores: a equipe é formada por
assistentes administrativos, comandados diretamente pelo diretor geral.
A área administrativa e comercial é composta por uma recepcionista/
telefonista, duas assistentes comerciais, um assistente de suprimentos, uma
assistente de faturamento e um assistente de PCP. A atividade comercial
externa é realizada por representantes que estão distribuídos em vários
estados brasileiros.
O organograma funcional simplificado da empresa está apresentado na
Figura 3.
1 Segundo critério estabelecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento, as empresas de médio porte
possuem uma receita operacional bruta anual maior que R$ 16 milhões e menor ou igual a R$ 90 milhões
(bndes, 2013).
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Figura 3 Organograma funcional da empresa
Direção geral
Gerente
comercial
Gerente
industrial
Supervisores
industriais
Assistentes
comerciais
Operadores e
auxiliares de
produção
Assistentes
administrativos
Mesmo com uma significativa experiência na área de gestão de recursos
humanos, Helena se sentia desafiada no novo papel nessa organização,
pois percebeu que existiam demandas relacionadas ao fato da empresa não
apresentar resultados eficazes. Helena verificou que a empresa estava com uma
movimentação significativa de contratações e demissões de pessoas, muitas
faltas ao trabalho, principalmente em decorrência de atestados médicos, além
de problemas na área operacional que foram relatados pelo gerente industrial.
O gestor admitiu a ocorrência de retrabalhos e desperdício de materiais, além
de estar insatisfeito por não conseguir atender a área comercial com a entrega
da produção vendida, dentro dos prazos estipulados.
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A nova gerente da área de recursos humanos também percebeu que
os empregados não respeitavam normas internas, tais como registrar o
cartão ponto nos horários devidos, estar no local de trabalho ao iniciar o
expediente, fazer lanches na área de produção em meio às máquinas, sair
do setor para conversar com os colegas em horário de expediente, entre
outras ocorrências.
Ao questionar a chefia sobre os referidos comportamentos teve
como resposta: “sempre foi assim”. Além disso, as chefias traduzem o
comportamento dos funcionários com expressões, tais como: “eles são
mesmo cabeças duras” e “fazem sempre o que querem”. Helena também
indagou como as chefias organizavam as atividades diárias e as respostas
que recebeu não apresentaram, com clareza, a forma de condução ou de
delegação de responsabilidades.
Com poucos dias de trabalho, a nova gerente começou a se questionar
sobre espaços e oportunidades para executar um trabalho que viesse
efetivamente a contribuir com os resultados desejados pela organização.
Entretanto, por onde começar? Qual seria o melhor caminho?
Helena tinha uma certeza, precisaria estar atenta à cultura organizacional
e ver a possibilidade de mudanças, estando alerta às resistências. No papel de
gerente da área de recursos de humanos, Helena entendia que necessitava
realizar um diagnóstico para, posteriormente, propor políticas. Começou,
então, a levantar dados e fazer observações, principalmente sobre os
seguintes processos de gestão de recursos humanos: captação e integração
de pessoas, avaliação de desempenho, treinamento e desenvolvimento,
gestão do clima interno, liderança e monitoramento de indicadores.
Captação e integração de pessoas
Ainda na primeira semana de trabalho, Helena recebeu uma ligação do
gerente industrial, dizendo que necessitava, com urgência, da contratação
de três operadores de máquinas cnc (Computer Numeric Control ou Controle
Numérico Computadorizado). Helena questionou o gestor sobre o perfil
do cargo e a resposta obtida foi: “Basta que tenham vontade de trabalhar”.
A nova gerente também questionou se não existiam, internamente,
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funcionários que pudessem ser promovidos ao cargo de operadores, a
fim de possibilitar o crescimento do pessoal interno. O gerente industrial
respondeu que “não adianta vestir um santo, para desvestir outro”, deixando
claro que não incentivava a promoção interna.
Em virtude de seus estudos durante a graduação, Helena relembrou
os conceitos relacionados à captação de pessoas. Conforme Dutra (2002),
o processo de captação de pessoas objetiva encontrar e estabelecer uma
relação de trabalho com pessoas capazes de atender necessidades, presentes
ou futuras, da organização. Com base nessa afirmativa, Helena entendeu
que a empresa onde estava atuando não possuía uma política clara,
relacionada ao perfil necessário para os ocupantes dos cargos, nem para
atender necessidades do presente, muito menos futuras. Ao investigar os
processos atuais de recrutamento e seleção, Helena identificou que não
existiam fontes preferenciais de recrutamento, ou seja, não havia clareza
de onde seria possível recrutar candidatos para as vagas existentes. Além
disso, não havia definição das etapas do processo de seleção de candidatos.
A nova gestora tinha consciência que um processo seletivo mal
sucedido pode trazer grandes prejuízos para a empresa, como a geração
de custos vinculados às seguintes atividades: despesas com recrutamento
e seleção, custos com registros e documentação, custos com treinamento
e desligamento do novo colaborador. Além disso, um processo seletivo
mal sucedido pode impactar na produtividade da empresa, no aumento do
número de horas extras e na qualidade de seus produtos.
Dando continuidade ao seu diagnóstico inicial, a gestora verificou como
ocorria o processo de integração dos novos colaboradores. Após o registro
no sistema de folha de pagamento e assinatura do contrato e documentos
diversos, o novo candidato recebia um manual de integração. Este manual
possuía informações diversas sobre a empresa: histórico, breve descrição
dos produtos fabricados, benefícios oferecidos pela empresa e normas
internas. Na sequência, o novo funcionário era encaminhado para seu setor,
acompanhado pela chefia imediata, onde ocorria a apresentação aos colegas.
Por fim, o mesmo recebia instruções no próprio posto de trabalho e dava
início às suas atividades.
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Neste sentido, Helena percebeu a oportunidade de aprimorar esse
processo, objetivando, de fato, promover a ambientação e integração dos
novos funcionários.
Diante desse contexto, Helena ref letia sobre as necessidades de
readequação do processo de captação e integração de pessoas.
Avaliação de desempenho, treinamento e
desenvolvimento de pessoas
Durante o segundo mês de atuação na nova empresa, Helena recebeu
a informação de que dois colaboradores deveriam ser demitidos: Pedro
e Marcelo. Ao questionar sobre o motivo do desligamento de Pedro, a
chefia disse que foi porque o mesmo não tinha espírito colaborativo e não
contribuía com os colegas quando concluía suas atividades. Helena verificou
que Pedro estava na empresa há quatro meses. A nova gerente perguntou
como fora o desempenho dele no período de experiência e o supervisor
afirmou que Pedro sempre trabalhou da mesma forma. Questionando,
ainda, sobre o acompanhamento de Pedro durante este período inicial na
empresa, o supervisor disse que não teve tempo para acompanhar os novos
colaboradores, pois a demanda de trabalho era grande.
Helena também conversou com o supervisor, a fim de saber os motivos
do desligamento de Marcelo, que trabalhava na empresa há sete anos.
Marcelo era um operador de máquina com muita experiência e sempre
havia apresentado um bom desempenho. O supervisor disse que, nos
últimos tempos, Marcelo estava deixando a desejar e justificou que o mesmo
já não produzia como antigamente. Afirmou também, que o funcionário
aparentava estar desmotivado e que, ultimamente, estava chegando
atrasado. Após dois meses de comportamento considerado inadequado
pelo supervisor, Marcelo foi encaminhado para o desligamento, junto à
área de recursos humanos.
Neste momento, Helena relembrou de conceitos aprendidos na graduação,
relacionados à avaliação de desempenho. A gestora refletiu sobre como esta
ferramenta poderia contribuir para que os gestores pudessem acompanhar
mais de perto o desempenho de suas equipes, evitando que colaboradores
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tivessem um mau desempenho por falta de feedback e orientação para
melhorar a performance.
As duas demissões chamaram a atenção de Helena. Ela identificou a
seguinte situação: diversos novos funcionários entrando na empresa e ao
mesmo tempo, muitos saindo.
Diante disto, Helena resolveu realizar uma entrevista de desligamento
com os funcionários demitidos. Dentre as diversas afirmações dos demitidos,
chamou a atenção da gestora o fato de Pedro e Marcelo terem comentado
sobre a falta de treinamentos e oportunidades de desenvolvimento na
organização. Enquanto Pedro afirmou não ter recebido treinamentos
suficientes para executar suas atividades, Marcelo disse que achava
importante que a empresa oportunizasse capacitações com o objetivo de
desenvolver seus colaboradores.
Assim, Helena percebeu que era necessário aprimorar o sistema de
treinamento e desenvolvimento da empresa. Como já identificara, no
processo seletivo, que a empresa não possuía a descrição de cargos,
evidenciou que também não existia um estudo das necessidades de
treinamentos para as diferentes funções.
Helena preparava-se para dar conta desta nova necessidade, refletindo
sobre quais ferramentas poderia utilizar para diagnosticar necessidades de
treinamentos e desenvolvimento e, posteriormente, planejar, executar e
avaliar os mesmos.
Clima organizacional e liderança
Visando ampliar o conhecimento da realidade organizacional, Helena
elaborou um instrumento de diagnóstico. Considerando que as características
organizacionais, bem como as condições de trabalho, além da motivação
e capacitação dos funcionários interferem no desempenho organizacional,
Helena entendeu que uma pesquisa de clima interno poderia contribuir
para elaborar um diagnóstico mais preciso, a fim de propor alternativas.
Após receber a aprovação da direção, iniciou a elaboração do instrumento
de pesquisa de clima organizacional, no qual passou a identificar variáveis
como: imagem da empresa, comunicação, liderança, condições de trabalho,
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possibilidade de desenvolvimento e carreira, sistema de remuneração e
recompensas diversas.
A gestora também estudou a melhor forma para a aplicação da pesquisa,
considerando que a mesma objetivava oportunizar a participação das pessoas
e, ao mesmo tempo, identificar níveis de satisfação e ou insatisfação, a fim de
apresentar sugestões que pudessem elevar esses índices. Para tal, reuniu os
funcionários em pequenos grupos e realizou a coleta dos dados. Helena seguiu
os passos metodológicos para aplicação da pesquisa de clima e, finalmente,
realizou a tabulação dos dados e emissão dos relatórios. Como resultado,
identificou significativos níveis de insatisfação relacionados às seguintes
variáveis: liderança, treinamento e desenvolvimento, carreira e recompensas.
Helena percebeu que algumas das deficiências identificadas nas entrevistas de
desligamento foram confirmadas nos resultados da pesquisa de clima.
O instrumento de pesquisa de clima elaborado por Helena tomou por
base as premissas propostas por Luz (2010). O instrumento continha questões
objetivas, além de um espaço destinado para comentários referentes aos itens
de insatisfação. Ao analisar qualitativamente as respostas, Helena identificou
certo padrão nos fatores que eram apontados pelos colaboradores. Nesse sentido,
decidiu elaborar um resumo com os resultados que se apresentaram como
insatisfatórios na pesquisa organizacional (Tabela 1).
Tabela 1 Resumo dos resultados insatisfatórios da pesquisa organizacional
Variáveis
Percentual de
satisfação
Liderança
52%
- Supervisores não repassam informações para os
funcionários;
- Falta de retorno sobre o desempenho dos colaboradores;
- Problemas de relações interpessoais entre gestão e
equipe.
Treinamento e
desenvolvimento
57%
- Funcionários não recebem treinamento inicial adequado;
- Empresa não disponibiliza oportunidades de qualificação;
- Dificuldade de desempenhar a função por falta de
conhecimentos técnicos sobre as atividades.
Carreira
47%
- Não existem oportunidades claras de crescimento na
empresa;
- Empresa não possui um programa que possibilite o
desenvolvimento profissional dos colaboradores.
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Análise qualitativa
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Variáveis
Percentual de
satisfação
Recompensas
62%
Análise qualitativa
- Em algumas situações, a remuneração praticada pela
empresa é inferior às médias de mercado;
- Necessidade de incrementar plano de benefícios;
- Vincular a frequência e disciplina no trabalho a algum
benefício (cesta básica, por exemplo);
- Implantar plano de participação de resultados.
Além dos resultados da pesquisa, Helena sentiu a necessidade de conhecer
mais de perto as práticas das lideranças da empresa. Nesse sentido, iniciou
observando as formas de intervenção, tomada de decisões e delegações da
liderança. Percebeu que o diretor geral se envolvia diretamente nas tarefas
operacionais, mesmo havendo um gerente industrial e supervisores. Em
várias situações o diretor chamava os empregados das áreas e abordava,
diretamente com os mesmos assuntos diversos, sem muitas vezes falar
com o gestor ou supervisores a respeito. O diretor, em geral, estava
muito ocupado e pouca atenção dispensava aos gestores. Quando esses o
procuravam para tratar de alguma situação, o mesmo não os questionava
e pouco ouvia suas opiniões, sendo ele mesmo quem decidia o que deveria
ser feito. Desta forma, o diretor se sentia sobrecarregado e aparentava estar
num nível de estresse alto.
Com relação ao gerente industrial e supervisores, Helena percebeu que
os mesmos tinham uma boa comunicação com clientes e fornecedores,
mas não eram assertivos com seus subordinados. Quando algo acontecia,
sempre buscavam encontrar algum culpado, dizendo: “fulano que não fez”,
“o outro não está capacitado”, entre outras falas, que refletiam a falta de
foco da gestão. Quando alguma situação de desempenho ficava crítica, os
supervisores decidiam pelo desligamento do empregado. Nesse contexto,
Helena não percebia práticas de retorno ou de feedback dos supervisores para
com seus empregados. Os mesmos não faziam reconhecimento positivo e
muito menos apontavam, com assertividade, sobre aspectos que deveriam
ser melhorados. Quando essa situação acontecia, os retornos eram em forma
de crítica negativa, o que deixava a equipe de empregados desmotivada e
insatisfeita.
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A gestora tinha a visão de que precisava trabalhar o perfil de liderança
da organização para, na sequência, implantar outros projetos e melhorias.
Indicadores de gestão de recursos humanos
Além dos resultados da pesquisa de clima organizacional, Helena percebeu a
importância de se munir com outros dados, a fim de mostrar a necessidade
de realizar ações efetivas de melhoria.
Para tal, resolveu iniciar uma coleta de dados para, posteriormente,
transformá-los em indicadores. Como ponto de partida, Helena realizou o
cálculo da média da rotatividade e absenteísmo da empresa, dos últimos
dozes meses, porém, como parâmetro, realizou uma pesquisa de mercado,
para identificar as médias dos indicadores em outras organizações do
mesmo segmento e porte, durante o ano de 2012. Os resultados da coleta
de dados podem ser vistos na Tabela 2.
Tabela 2 Indicadores de absenteísmo e rotatividade
Empresas
Absenteísmo (%)
Rotatividade (%)
Empresa A
2,42
3,70
Empresa B
2,13
1,93
Empresa C
2,05
4,07
Empresa D
4,24
4,54
Empresa E
2,04
3,86
Empresa F
3,65
4,50
Empresa G
2,59
2,89
Empresa H
3,51
3,08
Empresa I
3,68
5,56
Média geral mercado
2,92
3,79
Média Indústria Metal Forte
4,07
6,68
Ao analisar os resultados, Helena identificou que a empresa estava com
índices de rotatividade e absenteísmo acima da média das empresas
pesquisadas no mercado. A gestora de RH entendeu que a rotatividade
estava influenciando nos custos com processos seletivos e treinamento
interno na empresa. Além disso, o indicador de absenteísmo poderia estar
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influenciando a realização constante de horas extras e o atraso na entrega
de alguns produtos, dentro do prazo estipulado.
Por fim, Helena elencou indicadores do perfil dos integrantes da empresa,
objetivando ter dados para propor ações futuras na área de gestão de
recursos humanos:
a 70,8% do quadro funcional era composto por homens e 29,2% por
mulheres;
b Em relação à idade, 57,4% possuía até 35 anos;
c A escolaridade dos funcionários concentrou-se principalmente nos
seguintes níveis: ensino fundamental incompleto (28,8%), ensino
médio completo (20,9%) e graduação incompleta (13,6%);
d 72,4% residem em local próprio;
e 74,2% dos entrevistados moram com cônjuges e/ou crianças e apenas
7,4% moram sozinhos;
f 54,7% possuem filhos menores de 18 anos;
g 50,9% dos colaboradores possuem vínculo de trabalho com a empresa
há menos de um ano. Porém, 18,2% atuavam na organização há mais
de seis anos.
Após estes levantamentos, Helena se sentia preparada para dar seguimento
aos projetos de melhoria da organização.
A tomada de decisão
Helena, embora estivesse muito motivada com os desafios que se
apresentavam em seu novo trabalho, sentia que a implantação das mudanças
não seria um processo fácil.
A nova gestora compilou todos os dados observados durante seu
diagnóstico: i) o funcionamento do processo de captação e integração de
funcionários; ii) a inexistência da avaliação de desempenho e sistemática
de treinamento; iii) os resultados da pesquisa de clima; iv) os registros
das observações diárias da área de gestão; e v) os principais indicadores
de recursos humanos. Com os resultados em mãos, Helena agendou uma
reunião com o diretor geral, gerente industrial e supervisores, na qual
apresentou os dados e as oportunidades de melhoria que visualizava.
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Durante sua explanação, a gestora sentiu desconforto por parte dos
dirigentes, sendo que, ao final da reunião, não percebeu sinais de adesão
pela gestão para as propostas apresentadas.
Ao solicitar feedback em relação aos dados apresentados, as narrativas
não foram encorajadoras:
— “Quanto isso irá custar? Não sei se teremos recursos para tantos
programas”, disse o diretor geral.
— “Não tenho tempo nem para as atividades do dia a dia, que dirá para me
envolver tanto em atividades do RH”, afirmou o gerente industrial.
— “Para nosso perfil de funcionários, não sei se precisaria de tudo isso...”,
comentou um supervisor industrial.
Diante disso, Helena percebeu que os dados e fatos apresentados não
foram suficientes para sensibilizar os dirigentes da empresa e mobilizá-los
para mudanças.
A maior dúvida de Helena era estar apostando sua carreira em uma
organização que, talvez, não lhe desse espaço necessário para desenvolver
um trabalho efetivo na área de recursos humanos.
Dúvidas acompanhavam o pensamento da gestora. De que outra forma
poderia sensibilizar os dirigentes, sobre a importância de gerenciar as
pessoas de forma mais efetiva? Qual mudança deveria enfocar inicialmente?
Como poderia desenvolver projetos que melhorassem o processo de
contratação, desenvolvimento e manutenção de pessoas na empresa?
Porém, havia um questionamento principal: diante desse cenário,
deveria aceitar o desafio e permanecer na empresa, ou deveria buscar outra
organização que lhe desse espaço para aplicar seus conhecimentos e utilizar
suas vivências na área de RH?
Helena sabia que se permanecesse na situação atual, enfrentaria
dificuldades, uma vez que teria de lidar, constantemente, com a resistência
dos gestores. Por outro lado, sentia-se desafiada a implantar as melhorias
que julgava imprescindíveis para a Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda.
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Notas de Ensino
Utilização recomendada
O caso foi elaborado para utilização em disciplinas relacionadas à gestão de
recursos humanos, preferencialmente em cursos de graduação.
Objetivos de Aprendizagem
De acordo com o caso de ensino, baseado nas características da organização
apresentada e na evolução profissional da protagonista Helena, pode-se
destacar diversos temas de aprendizagem:
a Discutir sobre a trajetória dos profissionais da área de gestão de
recursos humanos, bem como o perfil necessário para desempenhar
esta função;
b Refletir sobre o processo de captação e integração de pessoas em
organizações;
c Compreender a ferramenta de avaliação de desempenho e sua
importância no contexto organizacional;
d Apresentar o processo de treinamento e desenvolvimento e suas
respectivas etapas, como um fator crítico para a melhoria do
desempenho dos funcionários;
e Destacar o clima organizacional como uma forma de manutenção de
pessoas na empresa e suas respectivas formas de verificação e avaliação;
f Refletir sobre o papel das lideranças na mudança organizacional, bem
como o perfil necessário para o exercício desta função;
g Apresentar os principais indicadores da área de gestão de recursos
humanos.
Embora não se apresente como objetivo primário de aprendizagem,
dependendo do enfoque de discussão proposto em sala de aula, poderão
surgir outros temas como, diagnóstico organizacional (com enfoque em
gestão de recursos humanos), trabalho em equipe, capacitação de lideranças
e comunicação interna.
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Sugestão de questões para discussão do caso em sala de aula
Com relação ao caso de ensino, sugerem-se as seguintes questões para discussão:
a De acordo com a história apresentada no caso e o contexto mercadológico
atual, quais são as competências técnicas e comportamentais
necessárias para um profissional da área de recursos humanos?
b Tendo como ponto de partida o diagnóstico realizado por Helena,
como é possível estruturar um processo adequado de captação de
pessoas, por meio das atividades de recrutamento e seleção?
c Descreva a sua opinião fundamentada sobre o processo de seleção
interna. Liste as principais vantagens e desvantagens do mesmo.
d Elabore um programa de integração de novos colaboradores que
contemple os objetivos do processo de ambientação e da própria
integração.
e Qual é a importância da avaliação de desempenho para a manutenção
do comportamento humano nas organizações? Qual é o papel dos
gestores neste processo?
f Por meio de quais etapas pode-se desenvolver um processo de
treinamento e desenvolvimento na Indústria Metalúrgica Metal Forte
Ltda? Quais seriam as principais características de cada etapa?
g
Descreva os principais elementos do clima organizacional e suas
possibilidades de avaliação.
h Com base nos problemas verificados na Indústria Metalúrgica Metal
Forte Ltda., quais competências você considera indispensáveis para o
profissional que desempenha o cargo de diretor geral? Qual é o papel
do mesmo no processo de mudança organizacional?
i Qual é a relação existente entre o levantamento de indicadores de
gestão de recursos humanos e o processo de tomada de decisão
organizacional?
j Se você estivesse na situação da protagonista Helena Del Bianco, qual
seria sua escolha em relação à permanência na organização e por quê?
k Caso você, no papel da protagonista, optasse por permanecer na
Indústria Metalúrgica Metal Forte Ltda., quais ações na área de gestão
de recursos humanos desenvolveria inicialmente?
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Alternativas para análise do caso
Perfil do profissional da área de recursos humanos
A história descrita no caso apresenta a trajetória profissional da protagonista
Helena, bem como as atividades em que a mesma se envolvia na área
de gestão de recursos humanos. Sendo assim, pode-se refletir sobre as
competências e o perfil do profissional da área, para o desempenho de suas
funções.
Ao analisar as organizações, atualmente, pode-se destacar a importância
do gestor de recursos humanos na elaboração, implantação ou adequação
das políticas de gestão de recursos humanos nas organizações (snell;
bohlander, 2010).
O profissional da área de gestão de recursos humanos pode contribuir para
os resultados da organização por meio de seu envolvimento em atividades
específicas, como planejar programas de treinamento eficazes, redesenhar
funções e organizações que se adaptem às diversas mudanças mercadológicas,
apoiar decisões referentes a contratações, promoções e demissões ou decidir
onde programas de melhorias podem sem benéficos à empresa (milkovich;
boudreau, 2000).
Diante disto, o profissional da área deve ter como princípios a ética, a
imparcialidade e a justiça, uma vez que o mesmo estará envolvido em
atividades como contratações, promoções, treinamentos, remuneração,
avaliação de desempenho e satisfação do quadro funcional (milkovich;
boudreau, 2000).
Ribeiro (2005) descreve o perfil atual e necessário para que o gestor de
recursos humanos auxilie a organização a atingir vantagens competitivas
por meio das pessoas. Além da formação técnica, o autor sugere outras
competências, sendo: adaptabilidade, capacidade analítica, compromisso com
resultados, empreendedorismo, facilidade de relacionamento, habilidade
para trabalhar em equipe, inovação, liderança, visão estratégica e holística.
Além disso, outras competências relevantes ao profissional de gestão de
recursos humanos são a autoconfiança, autodesenvolvimento, iniciativa,
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inteligência interpessoal, orientação para resultados, resiliência e gestão da
diversidade cultural (mussak, 2010).
O autor também destaca a importância do networking para que o gestor de
recursos humanos tenha domínio das questões mais estratégicas, vinculadas
à organização. Neste sentido, o gestor deverá desenvolver a “capacidade
de estabelecer e manter uma rede de contatos profissionais e sociais que
permita não só se manter atualizado tanto nos negócios como no mercado
de trabalho, bem como reunir rapidamente apoios diversificados para a
resolução de problemas na vida pessoal e profissional” (MUSSAK, 2010, p.
44).
O processo de captação e integração de pessoas
O processo de captação é composto por duas atividades principais distintas,
porém intimamente relacionadas: o recrutamento e a seleção.
A atividade de recrutamento pode ser definida como um conjunto de
práticas e processos utilizados para atrair candidatos para vagas já existentes
ou potenciais (lacombe, 2011). O recrutamento também se refere aos meios
que uma organização utiliza para divulgar suas vagas, com o objetivo de
atrair candidatos desejáveis, ou seja, onde haja probabilidade de ajuste ao
cargo e desempenho adequado (banov, 2011).
De acordo com Marras (2011), o recrutamento pode ser feio por meio de
algumas fontes: banco de dados interno, indicações, cartazes internos e
externos, entidades diversas, consultorias de outplacement, consultoria de
replacement, agências de emprego, consultorias em recrutamento e seleção,
headhunter e mídias diversas.
Já a atividade de seleção se refere à escolha dos candidatos, posterior ao
recrutamento dos mesmos. Segundo Lacombe (2011), a seleção envolve um
conjunto de práticas e processos utilizados para escolher, dentre candidatos
disponíveis, aquele que parece ser o mais indicado para a vaga existente.
Este processo deverá considerar a cultura da empresa e as crenças e valores
do candidato.
O processo seletivo se apresenta de acordo com as seguintes etapas:
delineamento do perfil do cargo, triagem, análise de currículo, questionário
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de triagem, entrevista de triagem e, finalmente, a seleção. Embora a
entrevista seja uma das técnicas de seleção mais importantes e difundidas,
pode-se destacar outras ferramentas como a prova de conhecimento ou
capacidade, testes psicológicos, testes de inteligência, testes de aptidões,
testes de personalidade, técnicas vivenciais e investigação de histórico, as
quais devem ser adaptadas ao perfil do cargo (vizioli, 2010).
Segundo Araújo e Garcia (2010), um processo seletivo pode ser considerado
interno quando a organização utiliza seus próprios recursos humanos, sem
recorrer ao mercado externo. Neste sentido, a divulgação da existência da
vaga é realizada dentro da própria organização.
Pode-se citar, como principais vantagens deste processo (banov, 2011;
araújo; garcia, 2010):
a Vantagem econômica, pelo fato da divulgação ser realizada dentro da
própria organização;
b Melhoria da relação entre colaboradores e empresa, devido à existência de
oportunidades de crescimento;
c Rapidez no processo, uma vez que não há necessidade de ambientação, por
se tratar de um colaborador da própria organização;
d Relação de confiança já estabelecida entre o candidato e a empresa;
e Disponibilidade de investimento em outras atividades, uma vez que há
um custo reduzido no processo de seleção interna.
Porém, esta modalidade de seleção também pode apresentar algumas
limitações, tais como (araújo; garcia, 2010):
a Excesso de promoções, fazendo com que determinados profissionais não
atingiam resultados otimizados em determinadas funções;
b Protecionismo, baixa racionalidade e subjetividade durante o processo,
fazendo com que os relacionamentos se sobressaiam em relação às
competências dos candidatos;
c Existência de conflitos entre os profissionais envolvidos no processo seletivo;
d Dificuldade de remanejamento e adaptação dos candidatos às novas
funções.
Dando continuidade ao processo de captação, é fundamental desenvolver
um programa para integrar novos colaboradores à cultura da organização.
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Pontes (2010) afirma que a integração de funcionários é um processo social
complexo, uma vez que envolve a adaptação do profissional à cultura
da organização. Neste sentido, a integração ocorre em duas etapas. A
primeira, denominada ambientação, trata-se da apresentação de aspectos
organizacionais importantes, tais como a história da empresa, missão,
visão, valores, produtos, processos de trabalho, políticas organizacionais,
posturas esperadas, políticas de recompensas, normas de segurança do
trabalho, entre outros. Estes pontos poderão ser apresentados em palestras
e complementados pela entrega de manuais.
A segunda etapa, definida como a integração de fato, apresenta-se como
um aprofundamento da etapa de ambientação, sendo, em geral, conduzida
pela chefia do novo colaborador. Esta etapa objetiva, principalmente, a
integração do novo funcionário à equipe, o entendimento da cultura da
empresa, o conhecimento das pessoas com as quais irá se relacionar, etc.
Durante este processo, a chefia deverá acompanhar e avaliar a adaptação
do novo profissional à organização e ao cargo e esta atividade refletirá a
eficácia do processo seletivo realizado.
Avaliação de desempenho e treinamento e
desenvolvimento de pessoas
O desligamento de dois funcionários da empresa descrita no presente caso
de ensino, fez com que a protagonista Helena percebesse a importância da
avaliação de desempenho como uma forma de manutenção e melhoria do
comportamento e do aproveitamento das capacidades dos colaboradores.
A avaliação de desempenho pode ser definida como uma metodologia que
objetiva, de forma contínua, estabelecer um contrato com os funcionários, no
que se refere aos resultados desejados pela organização, acompanhar desafios
propostos, corrigir rumos, se necessário e avaliar resultados obtidos (pontes, 2010).
Dentre as principais contribuições da realização da avaliação de desempenho,
pode-se destacar (araújo; garcia, 2010):
a Fundamentar a ação do gestor, tendo em vista que, com base na
avaliação de desempenho, o mesmo poderá conceder reajustes salariais,
remanejar colaboradores, e proceder desligamentos, por exemplo;
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helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos
b
c
Nortear e mensurar o processo de treinamento e desenvolvimento;
Facilitar o feedback entre as pessoas, mantendo as mesmas informadas
sobre sua performance;
d Facilitar o progresso das organizações, uma vez que, a empresa
conhecendo melhor o desempenho das pessoas, acaba também
conhecendo melhor a sua própria dinâmica, seus pontos críticos e,
com isso, elaborando possíveis estratégias.
O envolvimento do gestor no processo de avaliação de desempenho é
primordial. A avaliação realizada pelo supervisor ou gerente é a mais
tradicional, pois se entende que este profissional, pelo contato direto com
o avaliado, é o que tem maiores condições de desempenhar esta função.
Entretanto, é possível incluir outros membros organizacionais no processo
de avaliação de desempenho, como colegas, integrantes da equipe, o próprio
funcionário, subordinados e clientes (snell; bohlander, 2010).
Também, pelo processo de desligamento dos funcionários Pedro e
Marcelo, a protagonista Helena percebeu deficiências no que tange ao
processo de treinamento e desenvolvimento da Indústria Metalúrgica Metal
Forte Ltda.
O treinamento e desenvolvimento, embora se apresentem com conceitos
distintos, se referem a processos de aprendizagem. O treinamento
tem orientação para o presente e focaliza o cargo atual ocupado pelo
colaborador, objetivando melhorar habilidades e capacidades vinculadas
com o desempenho imediato do cargo. Já o desenvolvimento, em geral,
focaliza os cargos a serem ocupados no futuro e, consequentemente, as
novas habilidades que serão necessárias (mussak, 2010).
Independente das diferenças conceituais, o treinamento e desenvolvimento
podem ser operacionalizados em algumas etapas, conforme apresentado
na Figura 4.
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. Quem treinar
. Como treinar
. Em que treinar
. Onde treinar
. Quando treinar
. Quanto treinar
. Quem treinar
Retroação
. Aplicação do
programas pela
assessoria, pela
linha ou
combinadamente
por ambos
Execução do
treinamento
Implementação
ou ação
Retroação
. Acompanhamento
. Verificação ou
medição
. Comparação da
situação atual com a
situação anterior
Avaliação dos
resultados do
treinamento
Avaliação e
controle
Resultados satisfatórios
Resultados insatisfatórios
Programação de
treinamento
Levantamento de
necessidades de
treinamento
. Alcance dos
objetivos da
organização
. Determinação de
requisitos básicos
da força de trabalho
. Resultados da
avaliação de
desempenho
. Análise do
problema de
produção (a priori
ou a posteriori)
. Análise de
problemas de
pessoal
. Análise de
relatórios e outros
dados
Decisão quanto
à estratégia
Diagnóstico da
situação
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Figura 4 Processo de treinamento
Fonte: Chiavenato (2009, p. 392).
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helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos
O treinamento possui alguns objetivos, como a transmissão de informações,
desenvolvimento de habilidades, atitudes e conceitos (mussak, 2010).
Clima organizacional e liderança
O clima organizacional pode ser definido como o reflexo do grau de
satisfação dos funcionários de uma organização, em um dado momento.
Além disso, o clima retrata a relação entre a empresa e seus funcionários.
Conceitos como cultura, satisfação e percepção dos colaboradores estão
vinculados ao clima organizacional (luz, 2010).
A avaliação do clima organizacional permite que a empresa realize
melhorias contínuas e, com isso, aperfeiçoe os resultados do negócio. Diante
disto, a pesquisa de clima organizacional é um instrumento que objetiva a
análise do ambiente interno, baseado em suas necessidades. Além disso, esta
ferramenta de diagnóstico possibilita o mapeamento de aspectos críticos
que retratam o momento motivacional dos colaboradores de uma empresa,
por meio da identificação de seus pontos fortes, deficiências, expectativas
e aspirações (mussak, 2010).
Para que a mensuração dos níveis de satisfação dos colaboradores de uma
organização atinja os objetivos de melhoria contínua do negócio, destacamse algumas etapas para realização deste processo (Figura 5).
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Plano de ação
Divulgação dos resultados
Emissão relatórios
Tabulação
Aplicação e coleta da pesquisa
Divulgação da pesquisa
Definição das opções de resposta (para tabulação)
Montagem e validação da pesquisa
Definição das variáveis a serem pesquisadas
Planejamento da pesquisa
Aprovação e apoio da alta direção
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Figura 5 Etapas para realização da pesquisa de clima organizacional
Fonte: Adaptada de Luz (2010).
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helena trilhando caminhos na gestão de recursos humanos
Dentre as variáveis a serem investigadas na pesquisa de clima, pode-se
destacar a liderança, sendo que neste fator são avaliadas a relação dos
funcionários com seus gestores, a qualidade da supervisão exercida, a
capacitação técnica, humana e administrativa dos gestores, o tratamento
justo dado à equipe e o grau de feedback dado pelo gestor aos colaboradores
(luz, 2010).
A liderança também se apresenta como um fator que influencia o clima
organizacional. Para Araujo e Garcia (2010), liderar significa obter resultados
esperados, acordados e desejados, por meio de pessoas engajadas. Neste
contexto, Mussak (2010) destaca as principais habilidades para a função
de liderança: capacidade de interação e relacionamento interpessoal,
comunicação, capacidade intelectual, adaptabilidade a diferentes tipos
de grupos, capacidade de superar adversidades e oferecer resultados,
comprometimento com a equipe, conhecimento técnico e visão, que
possibilite o alcance de objetivos.
Complementando, Lacombe (2011) descreve como características de um
líder: confiança em si, crença no que faz, visão clara de onde quer chegar,
capacidade de comunicação, expectativas elevadas e reconhecimento
do mérito, inteligência e bom julgamento, discernimento e imaginação,
habilidade de aceitar responsabilidades, senso de humor, personalidade
equilibrada e senso de justiça.
Outro ponto, que merece destaque, é a reflexão sobre o papel da liderança
nos processos de mudança nas organizações. O líder é parte fundamental
neste processo, uma vez que o mesmo irá sensibilizar a equipe para a
mudança, executar e, posteriormente, acompanhar e avaliar a mesma.
Diante destas afirmativas, pode-se afirmar que o líder se caracteriza como
um fator-chave para que a mudança organizacional, de fato, se efetive e
traga os resultados almejados pela empresa.
Indicadores de gestão de recursos humanos
O Sistema de Informação de Recursos Humanos refere-se a um conjunto
de elementos interdependentes e logicamente associados, para que, de sua
interação, sejam geradas informações necessárias à tomada de decisões
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(chiavenato, 2009). Neste contexto, a montagem do sistema de informação
requer análise e avaliação da organização e de seus subsistemas e das
respectivas necessidades de informação.
Como principais indicadores de desempenho da área de recursos
humanos, pode-se destacar: rotatividade, absenteísmo, escolaridade do
quadro funcional, quantidade e resultados de treinamentos, produtividade,
percentual de horas extras, custos com folha de pagamento, despesas com
recrutamento e seleção, satisfação dos colaboradores, entre outros.
Diante disso, é relevante apresentar os conceitos sobre rotatividade e
absenteísmo.
A rotatividade expressa, em termos percentuais, as movimentação de
funcionários entre uma empresa e seu ambiente. Neste sentido, verificase o volume de admissões e demissões em relação ao quadro médio de
funcionários de uma organização. Os altos índices de rotatividade podem
influenciar o aumento dos custos com recrutamento e seleção, custos com
registros e documentação de novos colaboradores, custos de integração e
treinamento e custos com desligamentos, além dos reflexos na produtividade
da empresa como um todo (chiavenato, 2002).
Já o absenteísmo pode ser compreendido como o somatório dos períodos
em que os empregados de uma determinada organização ausentam-se
do trabalho, contabilizando, nesta situação, faltas ou atrasos. Doenças,
problemas familiares, problemas financeiros, dificuldades de transporte,
baixa motivação e políticas gerenciais inadequadas se apresentam como as
principais causas do aumento do absenteísmo (chiavenato, 2002).
A Figura 6 apresenta as equações que representam os índices de
rotatividade e absenteísmo.
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Figura 6 Equações para índices de rotatividade e absenteísmo
Rotatividade
Índice de
rotatividade
(Turnover Global)
{[
=
(
Nº de demissões
Nº de admissões
]}
)
+
(no mês)
(no mês)
__________________________________
2
________________________________________
Nº de funcionários (mês anterior)
Absenteísmo
Total de pessoas/
horas perdidas
= ______________________
Total de pessoas/
horas de trabalho
Índice
de
absenteísmo
Fonte: Adaptada de Caxito (2008) e Vilas Boas e Andrade (2009).
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Estratégia de aplicação
Propõe-se que os alunos sejam separados em grupos e que, inicialmente, o
caso seja lido e discutido pelos mesmos. Posteriormente, o professor poderá
apresentar as questões para discussão. Após as mesmas serem respondidas,
pode-se organizar a apresentação das conclusões elaboradas pelos grupos
de alunos e relacioná-las com o referencial teórico apresentado na seção
de alternativas para análise do caso. Esta estratégia de aplicação poderá
gerar diferentes visões e posicionamento entre os grupos, em relação às
decisões a serem tomadas pela protagonista. Neste sentido, poderá haver
um estímulo ao debate e um maior aprofundamento dos temas propostos
para a análise do caso.
Destaca-se que o caso pode ser aplicado na sua totalidade ou parcialmente,
de acordo com o tema que se objetiva discutir.
Fonte de obtenção dos dados
As informações descritas neste caso de ensino foram obtidas por meio de
observação da organização em questão, bem como a descrição da trajetória
profissional da protagonista, além de pesquisa bibliográfica sobre a área de
gestão de recursos humanos. Com o objetivo de ampliar as possibilidades
de análise e discussão, foram inseridos elementos ficcionais à história
apresentada.
* O nome da empresa, personagens e da protagonista são fictícios,
com o objetivo de preservar as fontes do caso real.
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Dados dos Autores
Denise Genari* [email protected]
Mestre em Administração pela UCS
Instituição de vinculação: Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves
Bento Gonçalves/RS – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Gestão de Pessoas, Relações no Trabalho, Capital social
e Comprometimento Organizacional.
* Rua Arlindo Franklin Barbosa, 460 São Roque Bento Gonçalves/RS 95700-000
Ivadete Marin Ravanello [email protected]
Mestre em Administração pela UFRRJ
Instituição de vinculação: Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves
Bento Gonçalves/RS – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Gestão de Pessoas, Liderança, Competências
relacionais e Desenvolvimento de Equipes.
Janaina Macke [email protected]
Pós-Douturado em Desenvolvimento Territorial (bolsista CAPES),
pela Université Joseph Fourier (Grenoble/França)
Doutora em Administração pela UFRGS
Instituição de vinculação: Universidade de Caxias do Sul
Caxias do Sul/RS – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Recursos Humanos e desenvolvimento local.
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Os chineses estão chegando!
O que fazer com meu Marketing mix?
O caso da Ramadhes & Cia Ltda.
The Chinese are coming!
What to do with my marketing mix?
The Case of Ramadhes & Cia Ltda.
Recebido em: 31/07/2013 Aprovado em: 23/09/2013
Avaliado pelo sistema double blind review
Editora Científica: Manolita Correia Lima
João Batista Soares Neto [email protected]
Anielson Barbosa da silva
André Gustavo Carvalho Machado
universidade federal da paraíba
Resumo
Este caso descreve, com base em fatos reais, a situação de mercado vivenciada pelo Sr. Rodrigo Ramadhes,
diretor da Ramadhes & Cia Ltda., empresa situada no interior de Minas Gerais com mais de 60 anos de história.
A empresa é uma das principais produtoras de cintos, mochilas e bolsas da América do Sul. Ao longo dos
anos 2000, o grupo Ramadhes & Cia Ltda. desenvolveu, dentro do seu mix de acessórios, a linha de cintos
Madhes, principal produto da empresa e seu sucesso era creditado às políticas do composto de Marketing que
conseguiram alinhar o preço, o canal de distribuição e um mix de comunicação a uma concepção de marca
pautada em atributos e benefícios funcionais. À luz do Marketing mix, o cenário era favorável para os cintos
Madhes, mas o crescimento do pib e dos produtos chineses, entre eles o cinto, incomodava Rodrigo Ramadhes,
que chegava a pensar em transferir o parque fabril da Ramadhes & Cia Ltda. de Minas Gerais para a China em
busca de uma maior competitividade. Ele refletia diariamente quais as eventuais implicações desta possível
transferência para o composto de Marketing da empresa, diante de uma situação presente favorável, sólida e
promissora em termos de mercado.
Palavras-Chave: composto de Marketing; posicionamento; marca.
Abstract
This case, based on real facts, describes the market situation experienced by Rodrigo Ramadhes, the director of
Ramadhes & Cia Ltda., a company based in Minas Gerais that has been operating for more than 60 years. It is one of
the leading producers of belts, backpacks and handbags in South America. During the 2000s, the company developed the
Madhes belt line as part of its range of accessories, which became its main product. Much of this success was credited
to the marketing mix policies, which combined the price, distribution channel and a mixture of communication with
brand concept based on functional attributes and benefits. According of the marketing mix, the scenario was favorable
for the Madhes line, but growing gdp and increasing penetration of Chinese products, including belts, concerned
Rodrigo Ramadhes, who began to consider transferring the company’s industrial production from Minas Gerais to
China in pursuit of a greater competitive edge. He constantly reflected on the possible implications of such a move on
the company’s marketing mix, despite the current situation being favorable, solid and promising in market terms.
Keywords: marketing mix; positioning; brand.
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Introdução
Em Janeiro de 2012 o diretor da Ramadhes & Cia Ltda., Rodrigo Ramadhes,
reuniu em um hotel de São Paulo seus executivos e representantes
comerciais para analisarem o crescimento da sua empresa, fabricante de
cintos, mochilas e bolsas, nos últimos dez anos. O momento era oportuno,
pois, na semana seguinte, aconteceria uma das maiores feiras de calçados da
América Latina, a Couromoda, onde expositores e lojistas se encontrariam
para fecharem novos negócios e conhecerem as principais tendências em
cores e modelos de calçados e acessórios.
Todos da Ramadhes & Cia Ltda. estavam eufóricos com as boas
perspectivas de negócios na Couromoda 2012, ficaram entusiasmados
quando Rodrigo Ramadhes apresentou os índices de crescimento da fábrica
nos últimos dez anos. A cada ano, a Ramadhes & Cia Ltda. superava entre
20% e 30% os seus concorrentes em unidades vendidas e aumentou sua
participação no mercado de acessórios para quase 10% em 2011.
Mas, qual tinha sido a fórmula do sucesso? Qual o motivo deste rápido
crescimento? A resposta era fácil, uma vez que bastava uma simples olhada
nas vitrines das principais lojas de calçados e confecções do país para
perceber a quantidade de sapatos expostos e vendidos junto com os cintos da
linha Madhes. Isso mesmo... o carro chefe da Ramadhes & Cia Ltda. tinha
sido os cintos Madhes, com sua qualidade e variedade de cores, tamanhos
e fivelas.
Nada podia ser melhor: os cintos Madhes, principal marca da empresa,
apresentava elevados índices de vendas, em função da diversidade de
tonalidades e modelagens de acordo com as preferências individuais de cada
lojista e um preço bem abaixo da concorrência. Este cenário era perfeito
para o crescimento e consolidação da marca Madhes nos próximos anos e
nas próximas feiras, como a Couromoda! Era o cenário perfeito, mas não
para Rodrigo Ramadhes!
Rodrigo costumava dizer que o sucesso era o primeiro passo para o
fracasso. Algo o incomodava, algo ainda não estava encaixado, algo podia
melhorar! Para ele, não bastava superar o concorrente, era preciso tirá148
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o caso da ramadhes & cia ltda.
lo do mercado e para tornar-se competitiva, a empresa teria que ousar e
inovar nas estratégias de Marketing e comercialização. Esse sempre foi o
seu entendimento de mercado e, por isso, desde 2008 vinha alimentando a
ideia de fechar a fábrica da Ramadhes & Cia Ltda., localizada no interior de
Minas Gerais, e transferi-la para a China. Queria reduzir ainda mais o preço
do cinto Madhes para ser mais competitivo, o que seria possível apenas por
meio de uma estratégia de liderança de custo.
Mas essa decisão não era simples. Não era só o preço mais baixo e outras
reflexões pairavam a mente de Rodrigo. Diariamente ele refletia se valeria a
pena todo um esforço de transferência da fábrica para outro continente, pois
a sua empresa apresentava uma situação já favorável, sólida e promissora em
termos de mercado no Brasil. Inquietava-se pensando no risco do mercado
consumidor associar a marca do cinto Madhes a um produto chinês e passar
a depreciá-lo por isso. Mas o que mais o incomodava eram as incertezas
quanto às implicações desta possível transferência nas políticas do composto
de Marketing da empresa. A responsabilidade era grande em face de uma
possível readequação do Marketing mix!
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O Negócio da Ramadhes & Cia Ltda.
O Grupo Ramadhes & Cia Ltda., com mais de 60 anos de história, era um
dos principais produtores de cintos, mochilas e bolsas da América do Sul, e
um grande produtor de laminados sintéticos (ProPlast) para a indústria da
moda, atendendo em todo o Brasil e no Mercosul. A empresa preocupavase com o crescimento sustentável na produção investindo constantemente
em inovação tecnológica, tendências de mercado e atualização da equipe
de colaboradores.
Para atender a demanda do mercado de acessórios, a Ramadhes & Cia
Ltda. disponibilizava o mix de produto, conforme apresentado no Quadro 1.
Quadro 1 Mix de Produtos da Ramadhes & Cia Ltda.
Cintos masculinos (Linha Print – “popular”)
Modelo: Casual e Esporte
Material: Sintético
Cores: preto, marrom, caramelo, verde, whisky, bambu, azul, amarelo, branco, cinza...
Carteiras masculinas (Linha Addi)
Modelo: Casual e Social
Material: Sintético
Cores: preto, marrom, caramelo e bambu
Cintos e Bolsas Femininas (Linha Venezza)
Modelo: Casual e Social
Material: Sintético
Cores: preto, marrom, caramelo, verde, whisky, bambu, azul, amarelo, branco, cinza...
Mochilas (Linha Addi)
Modelo: Casual e Esporte
Material: Sintético
Cores: preto, cinza, marrom, verde
Laminado (Linha Proplast)
Material: Cabedais e Forros sintéticos
Cores: a cor que o cliente desejar
Para Rodrigo Ramadhes, diretor e neto do fundador do grupo Ramadhes
& Cia Ltda., todos os produtos da empresa tinham sua importância, mas
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o caso da ramadhes & cia ltda.
uma linha em especial era o seu xodó: a Madhes. Ela havia sido a primeira
marca introduzida no mercado pelo grupo, por meio da comercialização
de bolsas para viagens, o que não deu certo. No final da década de 1990,
Rodrigo ressuscitou a marca no formato de cinto masculino (Quadro 2).
Quadro 2 Linha de cintos Madhes
Cintos masculinos (Madhes)
Modelo: Casual, Social e Esporte
Material: Sintético, lona e Couro
Cores: a cor que o cliente desejar (preto, marrom, bambu, caramelo, verde, azul, etc.)
O diferencial do cinto Madhes era a sua qualidade e a variedade de cores,
visto que o grupo Ramadhes & Cia Ltda. era fabricante do insumo e
laminado do produto, o controle da qualidade era rigoroso e a produção
das cores individualizada.
Customizar o atendimento... Ah, esse era o maior trunfo dos cintos
Madhes! A estrutura flexível e o investimento em pesquisa e desenvolvimento
permitiram que a empresa produzisse o cinto Madhes em qualquer
tonalidade de cor. Isto agradava aos donos de lojas de calçados, pois estavam
sendo comercializados sapatos com cores não muito tradicionais (por
exemplo, caramelo, bambu, verde, azul, prata, vermelho, etc.) o que, em
muitos casos, dificultava a sua comercialização, gerando altos estoques, pois
os consumidores só compravam o sapato se tivesse um cinto na mesma
tonalidade.
Certa vez, na Couromoda de 2008, Rodrigo Ramadhes atendeu no stand
da empresa um dos principais lojistas de calçados do Brasil:
— Boa tarde seu Vasconcelos, tudo bem? Que prazer em recebê-lo aqui!
— Boa tarde Rodrigo, tudo bem? Tem algum vendedor que possa me
atender?
— Sr. Vasconcelos, eu mesmo o atenderei, sem problemas.
— E a comissão dessa venda, vai pra quem? Risos.
— Risos... Não se preocupe, vai para o nosso representante do seu Estado.
Aqui o nosso lema é atender e satisfazer bem, sem olhar a quem! Risos.
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—Pois bem Rodrigo... Eu estou com um problemão na minha loja. Comprei
alguns milhares de pares de sapato de couro e não consigo vendê-los. É
que o diabo do sapato tem uma cor lindíssima, mas é “difícil pra burro”
achar um cinto da mesma tonalidade para fazer o kit. E como você sabe, o
consumidor só leva o sapato se a cor do cinto for igualzinha!
— E que cor é essa tão difícil? Risos.
— Sei lá... Acho que é uma mistura de caramelo com bambu, meio puxado
pra telha... Sei lá... Só sei que é bonita, viu? Peguei até um pra mim, mas
estou sem cinto também para combinar... Risos.
— Risos... Pois bem seu Vasconcelos, vamos resolver seu problema. Como
o senhor deve saber, temos na Ramadhes & Cia Ltda. uma estrutura de
pesquisa e desenvolvimento de insumos e laminados, o que nos permite
desenvolver e projetar qualquer tonalidade de cor para cintos e acessórios.
Se o senhor puder me enviar uma amostra desse seu sapato de cor “sei lá”
garanto que faço um cinto na mesma corzinha dele bem rapidinho!
— É mesmo?! E vai custar mais caro?
— De forma alguma. Como tudo é feito dentro da nossa fábrica aqui no
Brasil, não haverá nenhum custo adicional. Só preciso que o senhor me
compre pelo menos 500 unidades do cinto que fechamos a negociação agora.
— E quanto tá custando o cinto Madhes? Aumentou de preço?
— Risos... seu Vasconcelos, a única coisa aqui que vai aumentar é o seu
faturamento. O senhor vai vender o cinto de couro Madhes em sua loja por
apenas R$ 29,90 e nada mais!
— Quanto?! R$ 29,90?! Nossa! O menor preço que havia encontrado no
seu concorrente foi R$ 59,90, depois de muito choro. O preço de vocês é
imbatível mesmo.
— Essa é a vantagem de quem produz, processa e comercializa o insumo
do cinto. Além disso, temos nossa marca própria, a Madhes, tudo feito aqui
dentro. E então, negócio fechado?
— Fechadíssimo!
Situações como retratadas neste diálogo provocavam uma satisfação
profissional para Rodrigo Ramadhes. Ter uma estrutura e um composto
de Marketing capaz de personalizar um cliente, atender a uma demanda
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os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix?
o caso da ramadhes & cia ltda.
específica de um mercado e aplicar o conceito de Marketing na sua essência
era a razão de ser do grupo Ramadhes & Cia Ltda. e a realização de um
sonho iniciado pelos avôs de Rodrigo na década de 1950. Este era o negócio
da Ramadhes & Cia Ltda.!
Na reunião de Janeiro de 2012, antes da Couromoda, Rodrigo resgatou
o diálogo da venda ocorrida em 2008 e mostrou que as estratégias de
Marketing direcionadas aos cintos Madhes, ao longo dos últimos anos,
levaram esta linha de produto a representar cerca de 40% do faturamento
de todo o grupo Ramadhes & Cia Ltda. Muito dos 10% de participação no
mercado de acessórios se creditou ao sucesso de vendas da linha de cintos
Madhes. O diretor aproveitou, então, a oportunidade para apresentar o
Marketing mix utilizado no desenvolvimento e comercialização do cinto
Madhes.
Estava feliz com tudo isso, mas algo o inquietava como empreendedor.
Pensava como poderia ousar ainda mais e instalar uma fábrica na China ou,
quem sabe, levar apenas a produção dos cintos Madhes para o Oriente. Esta
última seria uma ótima opção para baratear a principal linha de produtos
da empresa sem arriscar os outros 60% do faturamento. Seria uma ótima
alternativa para competir, não só com as indústrias nacionais, mas também,
contra a invasão de cintos chineses no Brasil. Será...? Pensava ele. Quais as
contra indicações associadas ao Marketing para tudo isto?
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Composto de Marketing dos cintos Madhes
A graduação em Administração de empresas e a especialização em Marketing
fizeram de Rodrigo Ramadhes um especialista em indústria e comércio
varejista. Costumava dizer que não era o diretor da empresa, mas sim
o negociador dela. Para ele, antes de gerenciar uma empresa, a pessoa
precisava entender do negócio e das ferramentas que faziam parte dele.
Por isso, tinha o meticuloso trabalho de sempre estudar o composto de
Marketing da Ramadhes & Cia Ltda.
Entendia que os 4 P´s do Marketing eram variáveis controláveis que
uma empresa tinha para produzir respostas as demandas do mercado.
Teve o cuidado, desde quando assumiu a direção da empresa em 1999, de
desenvolver o mix de Marketing da linha de cintos Madhes, na crença de
que esta marca seria a sua “menina dos olhos” e o cartão de visita do grupo.
Ele estava certo! A combinação de um bom projeto de produto, uma
adequada estratégia de preço, uma política de canal eficiente e um composto
de comunicação atuante, eram ferramentas mercadológicas essenciais. Por
isso, sua preocupação em delimitar de forma clara o produto, o preço, a
praça e a promoção dos cintos Madhes, conforme será retratado a seguir.
Produto
O cinto era classificado como um bem de compra comparada em relação
à quantidade de ofertas existentes no mercado. Assim era o cinto Madhes,
só que com uma diferença: era um produto ampliado. A ampliação deste
cinto residia na qualidade do material (sintético, lona e couro), nas opções
de modelo e fivelas (casual, social e esporte) e na flexibilidade e variedade
de cores (fazia-se o cinto na tonalidade que o cliente desejava).
Quando um lojista olhava o catálogo dos cintos Madhes ficava admirado,
uma vez que existiam várias opções de compra. Se juntassem os três tipos
de materiais, com os três modelos, mais as variedades de cores existentes,
era possível montar qualquer tipo de cinto em qualquer tonalidade. Se a
cor desejada pelo cliente não estivesse no catálogo, a empresa desenvolvia
a partir de uma peça com a tonalidade da cor a ser copiada e desenvolvida
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os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix?
o caso da ramadhes & cia ltda.
pela Ramadhes & Cia Ltda. Estas três variáveis (material, modelagem e
cores) geravam para a Madhes um significado de marca relacionado aos
atributos (durabilidade, qualidade e variedade) e aos benefícios funcionais
(praticidade para montar um cinto ou criar uma cor específica).
Entre os anos de 2008 e 2011, as vitrines das lojas de calçados masculinos
eram repletas de kits (sapato e cinto) de diversas tonalidades. O desafio
para os fabricantes de cintos era o desenvolvimento de modelos e cores
semelhantes aos calçados da moda. Importantes marcas de cintos tentavam
acompanhar a tendência de cores e, para isso, terceirizavam sua produção
na busca de parceiros especialistas no assunto.
A Ramadhes & Cia Ltda., além de produtora (às vezes até fabricando
para as marcas citadas acima), tinha a sua marca própria (Madhes), o que
lhe garantia uma permanente fiscalização, in loco, do processo produtivo e
um preço bem abaixo dos concorrentes.
Preço
Rodrigo entendia que todo produto, ao ser precificado, tinha um objetivo
de mercado por trás. Para ele, o preço do cinto Madhes tinha que ser
competitivo, ao ponto de maximizar a sua participação no mercado e, ao
mesmo tempo, gerar uma imagem de qualidade. Costumava afirmar nas
reuniões que a perpetuação de uma marca no mercado não se dava apenas
pelo aumento do seu market share, mas principalmente pela boa reputação
da imagem e qualidade.
O mercado de acessórios masculinos caracterizava-se pela alta elasticidade
de preço da demanda, ou seja, qualquer aumento no preço do cinto
provocava uma retração no seu consumo. Alguns aspectos relacionados
ao consumidor explicavam esta alta elasticidade como a percepção da
existência de produtos substitutos, a facilidade de comparação de preço nas
lojas e o dispêndio total.
Devido a esta alta elasticidade do mercado, a Ramadhes & Cia Ltda.
procurava, na segunda metade da década de 2000, implantar algumas
estratégias de adequação de preço (Quadro 3) para o cinto Madhes.
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Quadro 3 Estratégias de adequação de preço
Preço promocional
Preço isca - oferta de cintos da linha esporte para gerar (atrair) venda da linha casual
Descontos psicológicos - tabelas “maquiadas” com valor mais alto para oferecer desconto sem perder
comissão
Preço discriminatório
Por segmento de cliente - Linha casual sintético (sugestão PDV R$ 19,90)
- Linha esporte sintético/lona (sugestão PDV R$ 29,90)
- Linha social couro (sugestão PDV R$ 39,90)
Pela versão e modelo do produto - Possibilidade de aumento em cada coleção nova
Preço do mix de produto
Características opcionais - Cinto dupla face casual (sugestão PDV R$ 21,90)
Pacote de produtos - Kit Linha casual (3 cintos - 15% de desconto)
- Kit Linha esporte (3 cintos - 20% de desconto)
- Kit Linha social (3 cintos - 20% de desconto)
Existia na Ramadhes & Cia Ltda. uma política de preço bem delimitada na
venda do cinto Madhes. Dependendo do tipo de intermediário e volume de
compras, os descontos oscilavam entre 10% a 30% (Quadro 4).
Quadro 4 Desconto versus Volume de compras do cinto Madhes
Varejo - Até 10% para compras entre R$ 3.000 e R$ 5.000
- Até 15% para compras acima de R$ 5.000
Atacado - Até 20% para compras entre R$ 10.000 e R$ 20.000
- Até 30% para compras acima de R$ 20.000
As estratégias de adequação e estabelecimento de preço da Ramadhes &
Cia Ltda. na linha de cintos Madhes eram competitivas em relação aos
demais concorrentes. O fato de a empresa ser produtora do insumo e ter
a sua própria marca de cinto, deixava a marca Madhes em uma situação
privilegiada em termos de condições de pagamento e preço médio final no
ponto de venda, conforme apresentado na Tabela 1.
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Tabela 1 Condição de Pagamento e Preço médio final no ponto de venda
Marca
Condição de Pagamento para o Lojista
Preço (R$) médio final no PDV
Madhes
90/120/150 dias
29,90
Concorrente 1
30/60/90 dias
65,90
Concorrente 2
60/90/120 dias
59,90
Concorrente 3
60/90/120 dias
59,90
Concorrente 4
60/90/120 dias
59,90
Concorrente 5
30/60/90 dias
65,90
Rodrigo acreditava que uma política de preço adequada deveria estar
relacionada a um canal de distribuição diferenciado e devidamente
estruturado para atender a demanda de cada região.
Praça
A Ramadhes & Cia Ltda. acreditava que o local ou o meio pelo qual o
produto é oferecido ao mercado, embora pouco aparente e palpável aos
olhos do consumidor, era de fundamental importância para o sucesso do
cinto Madhes. Dessa forma, Rodrigo e seus gerentes procuravam entender
a melhor forma de administrar como, onde, quando e sob que condições o
produto deveria ser colocado nas lojas de acessórios e calçados.
As vendas dos cintos Madhes eram de responsabilidade exclusiva dos
Representantes Comerciais da empresa. Eram cerca de 20 representantes
devidamente comissionados (8% no faturamento) e alocados em diferentes
regiões, uns atendendo aos varejistas e outros aos atacadistas. A eficiência da
equipe de vendas permitiu, na década de 2000, que os cintos Madhes fossem
distribuídos nas principais lojas de varejo e atacado de calçados, confecções e
acessórios do Brasil e em algumas capitais da América do Sul, como Buenos
Aires e Montevideo. Grandes magazines, formadoras de opinião, em todo
o país, renovavam periodicamente seus estoques de cintos, assim como
grandes redes de calçados.
As estratégias de distribuição sugeridas por Rodrigo estavam voltadas
para o cumprimento e a política do canal (Quadro 5), e dependiam do
modelo do cinto Madhes que seria comercializado.
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Quadro 5 Cumprimento e Política de Canal
Cumprimento do Canal
Canal indireto curto: Ramadhes & Cia Ltda. – Varejista – Consumidor Final – Modelo (Casual, Esporte
e Social)
Canal indireto longo: Ramadhes & Cia Ltda. – Atacadista – Varejista – Consumidor Final – Modelo (Casual)
Política de Canal
Distribuição Seletiva: Intermediários que tinham condições de expor com qualidade e visibilidade os
cintos da linha Casual, Esporte e Social
Distribuição Intensiva: Intermediários que tinham condições de comprar o cinto da linha Casual, independente das condições de exposição na loja
Promoção
Existia na Ramadhes & Cia Ltda. um cuidado na maneira como o cinto
Madhes deveria ser promovido, até porque as marcas concorrentes tinham
maior expressão e força de mercado em virtude do alto apelo midiático. Para
o diretor do grupo, uma divulgação consistente dos atributos e benefícios
da marca Madhes implicaria num fortalecimento de longo prazo com os
seus clientes. Dessa forma, a propaganda e a promoção de venda (Quadro
6) tinham um importante papel neste objetivo.
Quadro 6 Propaganda versus Promoção de Venda
Propaganda
Tipo: Propaganda de produto
Processo de decisão: - Objetivo: informar e persuadir os consumidores
- Mensagem: fortalecer os atributos (durabilidade, qualidade e variedade) e benefícios funcionais (praticidade para montar um cinto ou criar uma cor) do cinto Madhes
- Slogan: Qualidade e estilo do seu jeito
- Mídia: Revista Veja e setorial de calçados
- Cobertura: Nacional e Internacional (América do Sul)
- Frequência: Veja (semanal) e setorial de calçados (trimestral)
Promoção de Venda
Consumidor Final: - Demonstrações da montagem (fivelas) dos cintos nos pontos de venda
- Distribuição de amostras grátis para compradores estratégicos
- Participação em feiras do setor como a Couromoda e Francal
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Promoção de Venda
Varejo: - Descontos progressivos (10% a 30%) para o aumento no volume das compras
- Serviços de Merchandising nos pontos de venda (Expositores de cintos e banners)
- Reposição, arrumação e troca periódica dos expositores de cintos e banners
- Prêmio para os vendedores do ponto de venda: A cada dez cintos vendidos ele ganhava um
Outra ferramenta do composto de comunicação utilizada na divulgação
do cinto Madhes era a Venda Pessoal. Constantemente, nas reuniões da
empresa, Rodrigo se considerava, acima de tudo, um vendedor. Tinha
convicção de que a venda pessoal era um conjunto de atividades realizadas
com o propósito de informar, motivar e persuadir o cliente a adquirir um
cinto. Dividia esta responsabilidade com a equipe e mesmo sendo o diretor
da empresa fazia questão de vender pessoalmente para dois dos maiores
clientes do varejo de confecção do país. Carregava o mostruário e catálogo
do cinto Madhes debaixo do braço e atendia estes dois grandes varejistas
mensalmente. Para não gerar discórdia ou qualquer mal-estar, não fazia
questão da comissão (repassava-a para o representante do Estado), queria
apenas sentir o mercado, analisar a aceitação do seu cinto nos pdv (ponto
de venda), pesquisar preços e exposição dos concorrentes, conversar com os
vendedores da loja.
O diretor da empresa se realizava como vendedor e por isso valorizava os
vendedores da empresa. Gerenciava e motivava sua equipe de representantes
como nenhuma outra empresa do setor. A comissão sobre as vendas era
a mais alta do mercado (8%), o pagamento era feito integralmente no
faturamento do pedido e anualmente os melhores vendedores ganhavam
prêmios como viagens e comissões extras. Em contrapartida, exigia
profissionalismo, dedicação, responsabilidade, estudo do produto e do
mercado, e, especialmente, capacidade de planejamento e previsão de vendas.
Além da equipe de vendas, o grupo Ramadhes & Cia Ltda. disponibilizava,
24 horas por dia, um serviço de atendimento ao cliente (sac). Os e-mails e
telefones de todos os Representantes Comerciais estavam disponíveis no
sítio da empresa, assim como a ouvidoria para receber as reclamações e
sugestões do mercado.
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O Mercado Chinês
A reunião em janeiro de 2012, na véspera da Couromoda, foi animadora.
Os números da empresa apresentados pelo diretor, Rodrigo Ramadhes,
eram motivadores: o crescimento nas vendas (20% a 30%), o aumento na
participação no mercado (10% do market share), a satisfação dos clientes
com a customização do produto, como no caso do Sr. Vasconcelos, eram
indícios de que a linha de cintos Madhes, enquanto carro-chefe da empresa,
estava no caminho certo. O sucesso do produto era creditado às políticas
do composto de Marketing que, segundo o próprio Rodrigo, conseguiram
alinhar o preço, o canal de distribuição e um mix de comunicação a uma
concepção de marca pautada em atributos (durabilidade, qualidade e
variedade) e em benefícios funcionais (praticidade na montagem e escolha
da cor do cinto). Diferenciais que só a Ramadhes & Cia Ltda. conseguiam,
pois além de produtores do insumo, tinham sua própria marca.
Mesmo com todo este cenário favorável e promissor, Rodrigo estava
incomodado, inquieto. Seu temor tinha nome: China! Os jornais da
década de 2000 noticiavam a representatividade do pib chinês (Gráfico 1), o
crescimento exponencial das empresas chinesas e o quão competitivas em
termos de preço elas eram.
Gráfico 1 Comparação entre o pib do Brasil e de países desenvolvidos e
emergentes - resultado em percentual
10
8
6
4
Espanha
Reino Unido
França
Estados Unidos
Brasil
Alemanha
África do Sul
Coreia do Sul
Índia
0
China
2
Fonte: Falcão (2012).
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A indústria e a construção representavam cerca de 50% do pib chinês, Além
disso, aproximadamente 8% de todos os produtos manufaturados do mundo
eram fabricados neste país. A representatividade das empresas chinesas no
segmento de acessórios, vestuários e calçados era representativa e passou
a chamar atenção do grupo Ramadhes & Cia Ltda. Diversas empresas
chinesas exportavam cintos para o mercado brasileiro a preços bem abaixo
dos praticados aqui. Muitos desses cintos, e até outros manufaturados eram
de baixa qualidade e de conhecimento das próprias autoridades chinesas,
conforme informações divulgadas nos portais eletrônicos brasileiros em
2012 e 2007. O site “O País Online” estampava “China reconhece fraca
qualidade de produtos que exporta para o mundo” e o “bbc Brasil.com”
acrescentava “produtos chineses enfrentam crise de credibilidade”. Mas,
mesmo assim, muitos lojistas compravam estes produtos na expectativa de
maximização do lucro e contenção de gastos.
Aos poucos estas mercadorias entravam fortemente no mercado formal
e informal brasileiro, o que provocou a falência de diversas fábricas de
acessórios e calçados, especialmente no sudeste do país.
Rodrigo Ramadhes organizou e liderou, em 2009, uma comitiva,
representando os fabricantes de calçados e acessórios do Brasil, para
pressionar o governo e o congresso nacional a desenvolverem estratégias
políticas e tarifárias para contenção destes produtos chineses. Sem sucesso!
O Dilema
A preocupação de Rodrigo não era com a competição entre as empresas
nacionais, mas sim, com o gigante oriental. Embora o grupo Ramadhes
estivesse, atualmente, com um Marketing mix ajustado e ótimo desempenho
nas vendas dos seus cintos, a empresa poderia perder espaço para os
produtos chineses com seus preços mais baixos e a oferta de margens de
lucros maiores para os lojistas.
Neste contexto, a transferência da produção para a China (seja pela
montagem de um novo parque fabril seja apenas pela terceirização da
produção), apesar de ser uma alternativa, ainda gerava incertezas quanto
à imagem da marca caso os consumidores a associassem a produtos de
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baixa qualidade. Mais do que isto, indagava-se sobre as implicações práticas
desta possível transferência para o composto de Marketing do cinto Madhes.
Por outro lado, caso resolvesse continuar com sua produção no Brasil
e enfrentar uma realidade cada vez mais desafiadora, teria que realizar
transformações radicais nas políticas empreendidas no Marketing mix para
lidar com os novos entrantes.
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Notas de Ensino
Objetivos Educacionais
O caso aborda como temática principal o composto de Marketing. Apresenta
como teorias relevantes às decisões do marketing mix; imagem da marca;
política de preço; composto de comunicação; estratégia de venda; ética em
Marketing; posicionamento de mercado.
Recomenda-se sua aplicação nas disciplinas de Introdução ao Marketing
(em nível de graduação em Administração) ou Marketing, tendo como
objetivo desenvolver nos discentes competências voltadas a interpretação
dos conceitos e variáveis do Marketing mix e compreensão da inter-relação
entre elas. A interdisciplinaridade do caso envolve as áreas de Marketing,
vendas, comportamento do consumidor, ética e produção. Além disso o
caso enfatiza a decisão de levar a produção para a China ou não, enaltecendo
a questão da readequação do Marketing mix.
Questões para Discussão
1 Ciente de que uma das decisões do produto é a marca, analise quais os
significados de marca que o cinto Madhes poderá explorar no mercado
brasileiro caso a Ramadhes & Cia Ltda. se instale na China.
2 Caso o cinto seja produzido na China, analise as estratégias de
adequações de preços que a empresa poderá utilizar no mercado
brasileiro para a linha Madhes.
3 Avalie quais os tipos e a política de canal que melhor se adequa a possível
nova realidade da empresa na China. Cite vantagens e desvantagens.
4 Detalhe as ações do composto de comunicação necessárias para que a
empresa continue crescendo no mercado de acessórios, caso ela opte
por se instalar na China.
5 Caso a decisão fosse não produzir na China, como poderia ser
readequado o Marketing mix para competir com os produtos Chineses?
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Tópicos Pedagógicos
Sugere-se, para uma aplicação mais adequada do caso, que os alunos sejam
divididos em grupos de cinco; que estudem o caso previamente, com a
possibilidade de analisar as variáveis e opções necessárias para a tomada
de decisão.
Ciente de que os alunos já fizeram a leitura prévia do caso e considerando
o tempo de uma aula em 1h e 40min, deve-se destinar 10’ para uma releitura
do caso, 25’ para uma discussão no pequeno grupo, 45’ para uma discussão
no grande grupo e 20’ para o fechamento do caso.
É possível, inicialmente, observar certa dificuldade do aluno em interrelacionar as variáveis do mix de Marketing, em função do pouco estímulo
interpretativo, crítico e integrado de conteúdos presentes no ensino superior
brasileiro. Superada esta etapa, espera-se que os alunos de administração
ou Marketing vivenciem os dilemas e inquietudes do protagonista do caso,
participando das discussões ao longo do processo decisório do Marketing mix
da empresa, conjecturando cenários do mercado consumidor de acessórios
e propondo soluções e estratégias para os problemas do composto de
Marketing. Acredita-se que a participação ativa nas discussões dos pequenos
e grandes grupos, além de um relatório individual de cada grupo no final da
aula com as soluções para as questões, devam ser os critérios de avaliação
discentes.
Análise do Caso e conexão com a literatura
O debate deste caso deve ser iniciado com o entendimento do conceito
e ambiente de Marketing. Para Kotler e Keller (2006) existem diferenças
entre o marketing social, voltado para a sociedade, e o Marketing gerencial,
preocupado em entender o consumidor e vender produtos adequados às
suas necessidades.
Dentro do escopo gerencial do Marketing, entende-se que as ferramentas
do seu composto são variáveis necessárias para produzir as respostas que
o mercado-alvo deseja. Mais que isso, o conceito de Marketing mix prevê
uma inter-relação entre o produto, o preço, a praça e a promoção, ou
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seja, qualquer alteração em uma destas variáveis pode gerar impacto nas
demais. Esta inter-relação entre os 4 P´s é retratada nos dilemas vividos pelo
protagonista deste caso.
Composto de Marketing
Produto
Para Kotler e Keller (2006) o produto é algo que pode ser oferecido a um
mercado, para sua apreciação, aquisição, uso ou consumo, que pode satisfazer
um desejo ou uma necessidade; inclui objetos físicos, serviços, personalidades,
lugares, organizações e ideias. Importante que uma empresa reconheça em
que nível de produto está trabalhando e direcione seus esforços para sua
ampliação, ou seja, ofereça produtos que excedam as expectativas dos clientes.
Uma das decisões de produtos mais pontuais refere-se à marca, conforme
aponta Basta et al. (2003). A marca quando bem trabalhada pode representar
um ativo da organização, valorizar os produtos, conquistar a lealdade dos
mercados e gerar significados nos consumidores. Estes significados são
percepções que os consumidores têm das marcas quando as enxergam, por
exemplo: Um consumidor pode olhar para uma marca e associá-la a algo
valoroso, a uma personalidade, a uma cultura, a um tipo de usuário, a um
atributo ou a um benefício.
Na Questão 1 deve-se tratar dos significados de marca relacionados aos
atributos como: durabilidade, qualidade e variedade, e aos benefícios
funcionais como a praticidade na montagem da cor do cinto, especialmente
porque a indústria de acessórios vem desenvolvendo produtos em nível
ampliado.
Preço
Preço é o valor agregado que justifica a troca. Para Basta et al. (2003) a
transferência de posse de um produto é planejada e adequada por esse
elemento. Fundamenta-se que uma boa estratégia de preço deve integrar o
valor percebido, o custo e o benefício gerado (kotler; keller, 2006). Além
disso, dois aspectos devem ser contemplados no estudo do preço:
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O processo de estabelecimento do preço: cujo foco é no objetivo do
preço; na determinação da demanda; na análise dos custos, preços e
ofertas dos concorrentes; na seleção de um método de determinação
de preços; e na influência dos outros elementos do Marketing mix na
seleção do preço final.
b Processo de adequação do preço: análise das estratégias do preço
geográfico; preço com descontos; preço promocional; preço
discriminatório e preço pelo mix de produtos.
Na Questão 2, pode-se explorar as estratégias de adequação voltadas para
o preço promocional (por exemplo, preço isca e o desconto psicológico),
o preço discriminatório (por exemplo, segmento de cliente e versão do
produto) e o preço pelo mix de produto (por exemplo, linha de produtos e
pacotes de produto).
Praça
A Praça é o local ou o meio pelo qual o produto é oferecido. Fundamentase, com base em Basta et al. (2003) e Kotler e Keller (2006), que o gestor
de Marketing deve planejar e administrar onde, como, quando e sob que
condições o produto será colocado no mercado. Entre as suas decisões,
estão a escolha do número e tipos de intermediários (varejo, atacado e
distribuidor), o tipo de canal (direto ou indireto) e a política de canal
(exclusiva, seletiva ou intensiva)
Na Questão 3, sugere-se que seja discutida a utilização apenas de varejistas,
o que caracterizaria um canal indireto. Quanto à política de canal, buscando
resgatar a imagem de produto de qualidade, possivelmente maculada
pela associação com um produto chinês, pode-se trabalhar com a política
exclusiva (vender onde se controla a venda) ou seletiva (vender onde se
vende melhor).
Promoção
Observa-se que promover os produtos, serviços, benefícios, valores e marcas
de uma empresa, objetivando fortalecer o relacionamento de longo prazo
com os seus clientes é uma atividade pertinente à área de Marketing. O
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processo de divulgação entre a organização e o mercado, segundo Basta et al.
(2003) e Lima et al. (2003) se dá por meio das cinco ferramentas do composto
de comunicação: propaganda, promoção de vendas, relações públicas, venda
pessoal e SAC. Os autores apontam vantagens e desvantagens na utilização
de cada uma delas, e sugerem, assim como Kotler e Keller (2006), que sejam
analisados, antes da escolha da ferramenta, o objetivo, a mensagem, o
mercado e o público-alvo.
Encaminha-se a Questão 4 para a utilização de quatro variáveis do
composto de comunicação:
a a) Propaganda (propaganda de produto ou institucional veiculando
mensagens informativas e persuasivas quanto à imagem e qualidade
do produto);
b b) Promoção de vendas: inicialmente com foco no varejista para
reforçar a imagem de qualidade dos cintos Madhes, realizando
campanhas de incentivo aos vendedores das lojas. Posteriormente o
foco no consumidor final, por meio de demonstrações nos pontos de
venda e distribuições de amostras grátis.
c c) Relações públicas: o público interno da organização precisa entender
os novos horizontes e perspectivas da empresa que sua possível ida
para a China pode trazer. Sugere-se que a gestão da comunicação
interna publique notícias sobre os acontecimentos.
d d) Venda pessoal: espera-se uma estrutura capaz de treinar os
representantes comerciais para contornar as adversidades advindas
da possível associação dos cintos Madhes com o produto chinês da
baixa qualidade. O representante comercial é peça importante nas
ações de promoção de vendas com foco tanto no varejo quanto no
consumidor final.
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Readequação do Marketing mix
O projeto do produto, a definição de preço, as decisões sobre os canais de
distribuição e as estratégias de promoção dependem do posicionamento que
a organização deseja ter no mercado, segundo Hooley, Piercy e Nicolaud
(2011). Dessa forma a readequação do Marketing mix pode ser trabalhada por
meio do novo posicionamento no mercado em função da maneira como o
produto será definido pelos consumidores no que diz respeito aos atributos
importantes. É o lugar que o produto ocupa na mente dos consumidores
em relação aos produtos concorrentes.
Entende-se que a Questão 5 contempla a readequação do Marketing
mix a partir das estratégias de posicionamento. A partir das estratégias
de adequação de preços e das variáveis do composto de comunicação
adotados para competir com os baixos preços dos produtos chineses, a
empresa pode explorar o modelo AIDA – A – Attention/Awareness (Atenção/
Consciência), I – Interest (Interesse), D – Desire (Desejo) e A – Action (Ação)
na estruturação da mensagem e slogan do cinto Madhes e desenvolver
estratégias de posicionamento pelo atributo/ benefício (durabilidade,
qualidade, variedade e praticidade na montagem da cor do cinto). Podese utilizar também, o posicionamento pelo concorrente dependendo das
ações de Marketing que ele adote, ou até mesmo em retaliação a alguma
mensagem mais provocativa
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Fontes de Dados
Este caso é baseado em fatos reais de uma fábrica de acessórios brasileira,
que há mais de 60 anos produz cintos, mochilas e bolsas para a América
do Sul. As situações descritas são fieis à realidade investigada. Os dados
secundários foram obtidos mediante pesquisas bibliográficas sobre a
empresa, concorrentes e o mercado em que atuava. Na coleta dos dados
primários, foram utilizadas técnicas de observação e entrevistas, ao longo
do segundo semestre de 2012 e início de 2013, com ex-funcionários da
organização. Em função da privacidade e da não autorização da divulgação
dos nomes, tanto a empresa quanto os personagens tiveram seus nomes
alterados.
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Referências e Bibliografia de Apoio Recomendada
BASTA, D.; MARCHESINI, F.R.A.; OLIVEIRA, J.A.F.; SÁ, L.C. Fundamentos de
Marketing. Rio de Janeiro: FGV, 2003.
CHINA reconhece fraca qualidade de produtos que exporta para o mundo. O país
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os chineses estão chegando! o que fazer com meu marketing mix?
o caso da ramadhes & cia ltda.
Dados dos Autores
João Batista Soares Neto* [email protected]
Mestre em Administração pela UFRN
Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba
João Pessoa/PB – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Marketing.
* Universidade Federal da Paraíba /PPGA Cidade Universitária – Castelo Branco
João Pessoa/PB 58051-900
Anielson Barbosa da Silva [email protected]
Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC
Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba
João Pessoa/PB – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Aprendizagem Gerencial e Organizacional, Gestão por
Competências, Comportamento Organizacional e Gestão Pública.
André Gustavo Carvalho Machado [email protected]
Doutor em Administração pela UFPE
Instituição de vinculação: Universidade Federal da Paraíba
João Pessoa/PB – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia.
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Grupo Bonaparte: aprendendo com uma cadeia de
restaurantes do Nordeste brasileiro
The Bonaparte Group: learning from a chain of
estaurants in Brazil’s Northeast
Recebido em: 07/06/2013 Aprovado em: 22/07/2013
Avaliado pelo sistema double blind review
Editora Científica: Manolita Correia Lima
Viviane Santos Salazar [email protected]
Walter Fernando Araújo de Moraes
universidade federal de pernambuco
Yákara Vasconcelos Pereira Leite
universidade federal rural do semi-árido
Resumo
Este caso de ensino visa mostrar os desafios enfrentados por uma empresa de food service, o Grupo Bonaparte,
no processo de expansão internacional. A corporação está ampliando as suas atividades para um mercado
mais competitivo que é o norte-americano, com isso, vem passando por novas e difíceis situações. Alguns
questionamentos permeiam as ações da empresa, a saber: Por que a corporação escolheu os Estados Unidos
que é o berço do fast food, pioneiro no setor de franquias e muito mais competitivo do que o brasileiro? Quais
as vantagens de entrar nesse mercado? O caso pode ser utilizado nas turmas de graduação, posterior ou
concomitante aos conceitos básicos de Administração Estratégica de Internacionalização de Empresas e de
Marketing. Recomenda-se o uso especialmente em sessões que estratégias internacionais, marketing de serviços,
estratégias de crescimento, vantagem competitiva e empreendedorismo estejam sendo discutidos.
Palavras-chave: caso de ensino; estratégias de internacionalização; restaurantes.
Abstract
This teaching case aims to demonstrate the challenges faced by a food service company, in this case, the Bonaparte
Group, undergoing a process of international expansion. The corporation is expanding its activities to a more
competitive market, the US, and so faces new and difficult situations. Certain issues are central to the company’s
actions: why choose the US – the birthplace of fast food and global leader in the franchise industry, which is also much
more competitive than Brazil. What are the advantages of entering this market? The case is intended for use at the
undergraduate level, after or at the same time as basic strategic internationalization in business administration or
marketing courses. It is especially recommended for sessions in which international strategies, marketing services,
growth strategies, competitive advantage and entrepreneurship are being discussed.
Keywords: teaching case; internationalization strategies; restaurants.
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Introdução
Baseado no desenvolvimento tecnológico nos sistemas de transporte e
de comunicação tem sido possível às nações intensificar suas relações
econômicas, ampliando o acesso a insumos e a mercados com resultados
crescentes na internacionalização das empresas que pode ser conceituada
como um processo crescente e continuado de envolvimento de uma empresa
nas operações com outros países fora de sua base de origem.
A internacionalização antes muito mais restrita aos produtos
manufaturados está aumentando também no setor terciário dos serviços
graças, principalmente, a economia da informação facilitada pela difusão
da microeletrônica.
No mercado global, a participação dos serviços na economia tem
aumentado consideravelmente e diversos tipos de serviços respondem
por 30% do comércio mundial. Este crescimento não está restrito aos
países desenvolvidos. Nações em desenvolvimento como China e Indonésia
empregam quase 40% da sua força de trabalho no setor de serviços. Dentre
os fatores que têm contribuído para a internacionalização deste setor
destacam-se a criação da Organização Mundial do Comércio (omc) e o
estabelecimento dos blocos econômicos regionais como a nafta (North
America Free Trade Agreement) e a União Europeia; os avanços tecnológicos
em informação e telecomunicações e a diferenciação dos produtos por meio
da incorporação de serviços (kon, 1999).
Dentre os serviços, a indústria da alimentação fora do lar tem se
consolidado como uma das principais atividades econômicas de vários
países. No Brasil, segundo dados do ibge/abia, em 1998 a porcentagem gasta
com alimentação fora do lar era de 22,5%, em 2009 já representava 28,9%,
e em 2010 representou 31%. Esse percentual é inferior ao verificado nos
Estados Unidos, porém, é maior do que a média nos 27 países que compõem
a União Europeia (abia, 2010). Apesar da crise econômica e financeira que
reverteu à tendência de crescimento da participação da alimentação fora
do lar, nos eua o percentual do consumo fora do lar chegou a 51% em
2006 e recuou para os atuais 42%. O cenário gastronômico brasileiro tem
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grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro
se modificado bastante graças principalmente à efervescência econômica
dos últimos anos. Segundo a Revista exame (2011), desde 2004 o número de
restaurantes e lanchonetes cresceu 9% e os estabelecimentos tiveram um
aumento no movimento, 87% mais do que há cinco anos.
Em 2010, o mercado de food service movimentou cerca de R$ 180 bilhões e
para os próximos dez anos estima-se que os brasileiros passarão a fazer não
só uma, mas duas alimentações fora do lar, o que fará com que o número
de refeições fora de casa salte de 57 milhões para 80 milhões por dia. O
número de restaurantes no Brasil passou de 320.000 em 2004 para 350.000 em
2008. Um dos fatores que podem explicar esse crescimento está na crescente
integração das mulheres ao mercado de trabalho. Em menos de três décadas,
o número de mulheres economicamente ativas quase dobrou. Segundo
dados do ibge, no ano de 1971 a participação das mulheres na População
Economicamente Ativa era de 23%, aumentando para 43,6% em 2008, e a
expectativa é que em 2012, 46% da população de trabalhadores brasileiros
seja do sexo feminino (ibge, 2010).
Outro ponto importante a ser analisado é o aumento da distância em
quilômetros, e tempo gasto, especialmente nas grandes metrópoles, entre
o local de trabalho e a residência, indicando que as pessoas não têm mais
tempo para fazer suas refeições em casa. Ainda segundo este estudo, as
regiões Norte e Nordeste apresentam os menores percentuais, sendo que
pouco mais de 20% das despesas familiares com alimentação são realizadas
fora do lar. Com base nesses dados, este caso de ensino visa mostrar os
desafios enfrentados por uma empresa totalmente nordestina de food service,
o Grupo Bonaparte, no processo de expansão internacional. A corporação
está ampliando as suas atividades para um mercado muito mais competitivo
que é o norte-americano, com isso, vem passando por novas e difíceis
situações. Então, por que a corporação escolheu os Estados Unidos que é o
berço do fast food, pioneiro no setor de franquias e um mercado muito mais
competitivo do que o brasileiro? Quais as vantagens que o Grupo Bonaparte
pode conseguir no mercado americano?
Devido a sua importância regional e nacional, o processo de
internacionalização do Grupo Bonaparte é um caso interessante para
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se estudar. Desse modo, o leitor se posicionará como os atuais gestores
da empresa para refletir sobre quais ações da administração estratégica
deverão implantar com o objetivo de manter a cadeia de restaurantes em
atividade também nos mercados estrangeiros.
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grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro
O Grupo Bonaparte
O grupo Bonaparte surgiu em 1996, da parceria entre os empresários
Leonardo Lamartine e Roberto Bitu, respectivamente sócios diretores e
responsáveis pela administração do grupo. Atualmente é líder de vendas por
metro quadrado nos shoppings em que atua no Nordeste, além de se encontrar
na 28ª posição entre as 100 franquias mais lucrativas em atividade no Brasil,
inclusive considerando as multinacionais, segundo a Associação Brasileira
de Franchising, em uma pesquisa feita em 2009. Hoje, o grupo possui mais
de 56 lojas espalhadas em 13 estados da federação, mais especificamente
nas regiões Nordeste e Centro Oeste. Seu principal produto são refeições,
a maioria é servida no horário do almoço nas praças de alimentação dos
shoppings centers. O volume de vendas mensal é de aproximadamente 5.500
pratos/loja. Em 2009, o grupo Bonaparte apresentou um faturamento
15% superior ao de 2008. O bom momento da marca se reflete, ainda, no
primeiro trimestre de 2010, período em que apresentou um crescimento de
8% em relação ao ano anterior. Levado pelo desenvolvimento da economia
de Pernambuco, que graças a investimentos estruturantes como o Estaleiro
Atlântico Sul e investimentos no Porto de Suape tem apresentado um
crescimento de 7% ao ano, superior a maioria dos Estados do país. Além
disso, o grupo planeja mais uma expansão para o interior pernambucano
e para o Sudeste do país.
Como prova da ousadia e empreendedorismo dos seus diretores, o Grupo
Bonaparte foi a primeira empresa brasileira, no segmento fast food, a inverter
a regra migratória das franquias, que invariavelmente indicava um fluxo do
Sudeste para o Nordeste, inaugurando, em 2002 – sete anos depois de sua
criação - a primeira franquia Bonaparte no Rio de Janeiro. O Grupo possui
em média sessenta funcionários diretos trabalhando em seu escritório e
1.500 trabalhando em alguma de suas franquias.
Atualmente, a corporação possui cinco marcas: (i) o Bonaparte; (ii) o
Donatário; (iii) o Monalisa; (iv) o Galileu; e (v) o Bossa Grill – inaugurado
em julho de 2010, sendo este último localizado na cidade de Wichita, Estado
do Kansas, nos Estado Unidos da América.
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O Bonaparte foi a primeira marca do grupo e surgiu em 1998 após um
cuidadoso estudo mercadológico que detectou alguns anseios de clientes
habituais de fast food que ainda não haviam sido satisfatoriamente
respondidos. O Bonaparte encontrou o seu trunfo na racionalização
do cardápio e na otimização do espaço físico reduzido, comum a
grande parte dos restaurantes localizados dentro de shopping centers. A
composição do cardápio e a agilidade do atendimento, no entanto, são
inversamente proporcionais à área que o restaurante ocupa. O cardápio
tem como base cortes de ave, carne, peixe e oferece até 15 opções
de acompanhamento, com inúmeras possibilidades de combinação
entre si. O Bonaparte revolucionou o conceito geralmente atribuído
a refeições rápidas, que fixou a ideia de uma alimentação pobre em
sabor e aparência. Utilizando ingredientes nobres, carnes de primeira
e absoluto rigor e padronização na preparação dos pratos, o Bonaparte
tem se firmado como uma opção gastronômica de alto nível, sem que
seja necessário sacrificar a agilidade exigida por sua característica de
fast food.
Na rede Donatário, o camarão é o carro-chefe, embora o cardápio
também contemple receitas de filé, peixe, salmão, risotos, saladas e
massas. Fornecidos por grandes fazendas de carcinicultura do país, com
tamanho maior, os camarões utilizados nos pratos do Donatário são précozidos, sem casca, preparados na hora, a pedido do cliente, garantindo
assim, a preservação de textura e sabor.
O Galileu é uma reformulação do antigo Galetasso e originalmente
objetivava ser uma opção requintada para quem escolhia pratos a base de
frango como refeição principal. No entanto, a nova linha de comunicação
visa estabelecer um conceito de culinária contemporânea, que oferece
opções distintas de pratos, misturando sabores e ingredientes como
demanda a cozinha moderna. Nessa marca, são oferecidos pescados,
carnes, aves e saladas em pratos requintados, sofisticados e novos, como
diz o slogan adotado “Reinventando o sabor”.
O Monalisa surgiu baseado na ideia de apostar na cozinha italiana,
após três bem sucedidas experiências do Grupo Bonaparte. O tema
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grupo bonaparte: aprendendo com uma cadeia de restaurantes do nordeste brasileiro
Itália também foi usado na concepção de sua marca e no layout dos
restaurantes. A identidade visual do empreendimento utilizou elementos
dessa cultura.
Por fim, a última marca a ser lançada e objeto de análise deste estudo foi
o Bossa Grill. Esse produto foi todo concebido para dar início ao processo
de internacionalização do Grupo Bonaparte conforme será tratado a seguir.
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O Processo de Internacionalização
A efetiva abertura de uma operação nos eua aconteceu apenas em julho de
2010 apesar do processo ter iniciado em 2008. Os empreendedores do Grupo
Bonaparte já pensavam em internacionalizar a empresa e estavam fazendo
prospecções de mercado nos eua. Em 2008, o grupo foi procurado por
um administrador financeiro que já havia trabalhado por muitos anos no
Grupo pernambucano renda, Sr. Alberto Moreira, e cujo filho trabalhava
e residia nos Estados Unidos, especificamente na cidade de Wichita, Estado
do Kansas. Este estava interessado em montar um restaurante com apelo
à cultura brasileira nesta cidade que é a maior do Estado do Kansas. Nela
estão localizadas todas as empresas de aviação particular e por isso tem um
fluxo de turista de negócio muito grande. A escolha pelo Grupo se deve à
reputação positiva e o pioneirismo no mercado de franquias. O processo
teve início em julho de 2008, quando o Sr. Alberto mudou-se para Wichita
para dar início às pesquisas de marketing, prospecção de mercado e efetiva
abertura da empresa. Porém, em setembro daquele ano, uma grave crise
financeira afetou a economia mundial e os planos foram adiados. Na visão
dos empreendedores, apesar da crise ter retardado o início das operações
devido à alta do dólar e consequente aumento do investimento para o setor
de alimentação nos eua, ela se mostrou favorável para o tipo de produto,
o Bossa Grill, que o Grupo Bonaparte formatou como restaurante casual
dinner, tratado adiante. Para Luiz, gerente de marketing do grupo:
Não foi uma questão de falta de mercado nos Estados Unidos, muito pelo
contrário, o mercado até melhorou com esse segmento de fast casual, pois,
caiu o ticket médio e as pessoas deixaram de comer nos restaurantes mais
chiques para ir comer nesse modelo de operação [...]. Mas havia um problema
do câmbio então, o câmbio oscilando sem a gente saber onde ia parar
inviabilizou o investimento naquele momento (informação verbal).
No processo de internacionalização, uma das decisões mais importantes se
refere onde “entrar” primeiro. Dentre as explicações dos destinos escolhidos
pelas empresas para darem início ao processo de internacionalização
destacam-se as vantagens de localização - abundância de recursos
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naturais ou humanos com qualidade e baixo custo, know how tecnológico,
infraestrutura, instituições, tamanho do mercado, estabilidade política e
econômica, regime cambial e esquema de política econômica - oferecidas
por um dado país ou região. O mercado de alimentação fora do lar nos EUA
é muito maior do que o brasileiro, a média de gastos das famílias americanas
com alimentação gira em torno de 42%, bem acima do gasto dos brasileiros
(31%) e parece ter sido justamente esta a maior razão da escolha do país de
destino como afirma o Sr. Luís:
Porque é um mercado muito desenvolvido, a gente tem um lado de consumo
super favorável lá. Mais de 40% do que se ganha de renda nos Estados Unidos
se gasta com alimentação fora do lar, então, eles comem muito fora de casa,
então, é um mercado pulsante (informação verbal).
Este pensamento é corroborado por Leonardo Lamartine quando afirma que:
Então, é um mercado extremamente desenvolvido, porém, muito concorrido.
Lá nos Estados Unidos, 42% da renda do americano é gasta com refeições
fora do lar [...] o que chamou atenção foi os números e a estabilidade, vamos
dizer assim, para planejamento (informação verbal).
As razões que levaram o grupo a buscar mercados internacionais foram
tanto a expansão de mercado como também o perfil empreendedor do seu
principal diretor-fundador, Sr. Leonardo Lamartine. A primeira escolha foi
em que cidade se instalar e a definição por Wichita no Estado do Kansas
não foi fácil. A princípio, os empreendedores ficaram muito receosos
principalmente pela cidade ser do interior e ter um clima muito diferente
do tropical. Mas devido à rede de relacionamentos do Sr. Alberto e do seu
filho Marcelo naquela cidade ser muito extensa optou-se pelo início da
operação nela. Ademais, segundo Leonardo, em cidades maiores como
Dallas, Chicago ou Nova York a nova marca iria ser fortemente atacada pela
concorrência. Porque se o início ocorresse por Miami ou Orlando, a rede
poderia sofrer preconceito do restante dos Estados Unidos.
Definido o início do processo, faltava resolver qual seria o produto a ser
internacionalizado. A princípio pensou-se em internacionalizar a marca
Bonaparte, visto que esta é a mais antiga e mais consolidada marca do
grupo. Porém, após várias pesquisas de mercado realizadas em parceria
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com a Universidade do Kansas, percebeu-se certa resistência em relação
ao nome Napoleão Bonaparte e a cultura francesa. Em contrapartida, esta
mesma pesquisa identificou certa aceitação da cultura brasileira e dentre os
cinco nomes que os americanos associavam com a cultura brasileira – Pelé,
Bossa Nova, Samba, Amazônia e Rio de Janeiro – escolheu-se trabalhar com
a temática da Bossa Nova. O modelo de negócio adotado foi o chamado
fast casual. Este modelo de serviço difere dos restaurantes tradicionais
porque agrega características do fast food com pratos de qualidade e preços
acessíveis.
Assim, o produto foi pensado e desenvolvido considerando esta temática
conforme atesta o gerente de marketing:
A gente procurou trabalhar a temática da Bossa Nova em todo o contexto
do restaurante então, as cores pretas, brancas e vermelhas foram tiradas do
que era usual da Bossa Nova. O calçadão de Copacabana virou marca da
Bossa Grill, [...] na loja a gente tem a entrada do restaurante todo do calçadão
de Copacabana até o caixa então ele entra mesmo nessa cultura do Rio de
Janeiro. Têm quadros em preto e branco mostrando o Rio de Janeiro, o
Corcovado, o Pão de Açúcar então ele vai começando a interagir com essa
cultura da Bossa Nova. O som é todo Bossa Nova, tocando o dia inteiro
dentro do restaurante [...](informação verbal).
Apesar de a temática do restaurante ser Brasil, o Bossa Grill não é mais um
restaurante brasileiro nos eua para um público de brasileiros que moram
nos eua e sentem falta da comida. O cardápio é de comida internacional,
porém com toques brasileiros como, por exemplo, o feijão preto e a tentativa
de introduzir a farofa de mandioca.
Na concepção do cardápio houve adaptações para o gosto do americano.
O cardápio foi concebido usando um mix dos melhores pratos das quatro
marcas brasileiras e adaptados ao paladar americano no que se refere ao
sabor – mais picante e adocicado – e gramatura – pois o americano come
mais. Sobre esse aspecto Luís relata que:
A gente procurou reunir os melhores pratos dessas marcas e adaptar para o
paladar americano. E o nosso foco é vender para americano e não vender para
brasileiro e nem para latino. A gente tem um público de brasileiro e latino
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grande pela temática do restaurante, mas a gente procurou pegar o melhor
das outras marcas do Brasil adaptar para o paladar americano, trabalhar
[...] sabor para que a gente pudesse atingir melhor o público americano
(informação verbal).
A adaptação aconteceu também no que se refere não só a legislação
trabalhista, mas ao método de trabalho, pois na cultura americana, o
trabalho é bastante diferente da brasileira. Se por um lado não há uma carga
tributária muito alta atrelada à manutenção de um funcionário, por outro
lado não há comprometimento do trabalhador com a empresa conforme
atesta Luís:
A gente teve que se ajustar a algumas culturas profissionais, cultura deles
mesmo com relação a trabalho, a como lidar com o trabalho, a maneira como
as coisas fluem no processo, precisavam estar definidos para que eles tivessem
facilidade de operar dentro da loja que é um pouco diferente do que a gente
tem aqui no Brasil. Aqui no Brasil a gente contrata um cozinheiro e ele tem
lá um livro de receita e ele executa. Mas nos Estados Unidos você precisa
dizer a hora que ele começa a fazer isso, a hora que ele começa a fazer aquilo
porque ele segue exatamente o que está no livro e o que tiver fora do livro
não espere porque ele não vai fazer (informação verbal).
Por fim, uma inovação importante no que se refere ao produto é que no
Brasil, todas as marcas operam em praças de alimentação em shoppings
centers e nos Estados Unidos o Bossa Grill é uma operação de rua.
O modo de entrada no mercado norte-americano foi a franquia. Foram
montadas nos eua duas empresas: uma empresa franqueadora máster –
Bossa Group formada por quatro sócios: o grupo Bonaparte, o grupo Renda,
Michael R. Biggs – advogado americano especialista em franquias e Alberto
Moreira – sócio minoritário. E esta franqueadora fez o investimento na
primeira loja do grupo de aproximadamente US$ 500 mil. O planejamento
inicial era após seis meses inaugurar outra unidade também com capital
próprio no oeste da Wichita, mas no momento, este prazo foi reprogramado.
Apesar disso, o Bossa Group tem metas bastante ousadas, visto que o projeto
é que em 10 anos de operação nos EUA o número de operações seja o dobro
das operações no Brasil, ou seja, em mais ou menos 100 restaurantes abertos.
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Isto graças à dinâmica do mercado que é bastante diferente nos dois países.
Enquanto que no Brasil cada franqueado tem poucas lojas, nos EUA quando
uma franquia decide expandir “[...] encontra os fundos de investimentos
privados, e montam quarenta ou cinquenta lojas numa tacada só, diferente
do que acontece aqui no Brasil”, conforme afirma Leonardo.
É interessante também destacar a rede de relacionamentos do
principal executivo do Grupo Bonaparte e o seu papel neste processo de
internacionalização. Durante quatro anos, Leonardo Lamartine foi também
Presidente da abrasel – Associação Brasileira de Bares e Restaurantes,
seccional Pernambuco. E neste tempo fez várias viagens aos Estados Unidos
para participar da nra (National Restaurant Association), maior feira de
alimentação do país, e nesta feira fez vários contatos com fornecedores
o que facilitou o início das operações nos eua, visto que a rede cobre
basicamente todo o território americano, conforme atesta Leonardo:
Acho que o fato de eu ter sido presidente da abrasel foi que me trouxe o
contato que eu tenho com o consulado americano [...] o fato de eu ser muito
organizado em relação ao meu network, no sentido, de eu sempre anotar os
contatos que eu faço, quais são as empresas e tal, independente de eu nem
imaginar que ia para os Estados Unidos, mas isso me ajudou também na busca
de fornecedores, os contatos, por exemplo, do pessoal da Micros que é uma
empresa de sistema de informática, que atende a gente em Wichita, foram
feitos nessas feiras da nra [...](informação verbal).
Também graças a essas viagens e a este papel desempenhado, Leonardo
conheceu o Michael Biggs, um dos maiores advogados especialistas em
franquias dos eua, que se tornou sócio da empresa franqueadora e tem o
papel de desenvolver essa rede de relacionamento para a continuidade da
expansão.
Quanto ao futuro da internacionalização do Grupo, o plano é consolidar
a marca nos Estados Unidos e expandir para Estados como Flórida e Texas.
Para isso, a empresa procura brasileiros com perfil empreendedor que
queiram imigrar para os Estados Unidos conforme atesta Leonardo:
Está dentro da nossa estratégia de expansão, pessoas que querem migrar para
os Estados Unidos, que tem um perfil de empreendedor, que tem um perfil
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de investimento [...] e aí nosso escritório de advocacia que já nos atende vão
dar todo o suporte para fazer uma migração legal e isso é muito comum nos
Estados Unidos (informação verbal).
Fora dos Estados Unidos, o grupo iniciou conversas com empresários
Angolanos e as negociações estão bastante avançadas. E quanto a Portugal,
onde as conversas são iniciais, em ambas as operações a marca usada será
a Bonaparte.
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Possíveis obstáculos
Para continuar o processo de internacionalização, os desafios que se
apresentam ao Grupo Bonaparte são muitos. Os gestores não sabem ao
certo quando e onde será inaugurado o próximo restaurante da rede.
Existem de 6 a 8 candidaturas de investidores de Miami para a marca Bossa.
Enquanto que em Portugal e na Angola, pretende-se implantar a Bonaparte.
Todavia, deve-se questionar: será que a marca Bonaparte é a mais adequada
para Portugal e Angola? Além disso, problemas econômicos no caso de
Portugal e sociopolíticos na Angola precisam ser analisados antes de efetivar
um contrato de franquia.
A legislação também é um aspecto relevante no processo de
internacionalização de serviços. Houve muitas adaptações que precisaram
ser feitas como o número de funcionários de loja. Pela própria legislação
trabalhista nos eua, para operar uma loja são necessários mais funcionários,
pois muitos simplesmente param de trabalhar quando querem, como
explica o Sr. Luís:
[...] não esperava que eu precisasse de tantos funcionários pra preencher
um schedule curto, o que acontece, eu posso ter 40 funcionários, selecionar
tantos para aquele horário e tanto faz ele vir ou ele não vir, porque se ele tiver
nesse horário em outro lugar, ele também não avisa, ele simplesmente não
vem, então é questão de um comprometimento profissional com a empresa,
a gente sentiu um certo choque no início. Aí depois a gente percebeu que
realmente precisamos ter um leque grande, porque na hora que um não vem
o outro vem, a gente chama de última hora e vai preenchendo as lacunas
(informação verbal).
Além desse cuidado com a escala de trabalho, a organização precisou se
posicionar perante os funcionários de um modo que não fosse processada.
Diferentemente do que acontece no Brasil, o gestor que atua no território
americano não pode nem perguntar ao subordinado qual a sua religião ou
se fuma. Outro aspecto tem relação com descrição do trabalho, é preciso
apresentar todo o procedimento minuciosamente, do contrário, as atividades
não serão realizadas pelos funcionários. Esse tipo de adaptação seria um
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tipo de responsividade operacional, existente na internacionalização de
serviços?
Quanto à concorrência, com o ticket médio em torno de 10 a 12 dólares
por pessoa, ainda é cedo para dizer se o produto Bossa obteve sucesso,
porém, mesmo com esse grande mercado, será que a escolha da localização
foi acertada? O Sr. Luís faz comentários sobre o assunto:
Meus concorrentes nos Estados Unidos seriam basicamente Pei Wei, que é
uma operação de lá, é uma operação fast casual de um à la carte lá [...], comida
chinesa oriental, acho que o Pei Wei e um pouco o Chipotle que é uma
operação aqui, que não sei se pertencia ao McDonalds (informação verbal).
Diferentemente do Pei Wei e do Chipotle, o Bossa não é uma marca
conhecida e nem tampouco está com pretensão de se expandir para outros
países além dos eua. Não seria este mais um ponto fraco da marca? Talvez
uma opção fosse tratar a comunicação de marketing de forma integrada
com o apelo multimarcas, passando a apresentar o Bonaparte, Monalisa,
Donatário, Galileu e Bossa como pertencentes ao mesmo grupo. Isso talvez
facilitasse a internacionalização do Grupo.
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Notas de Ensino
Objetivos educacionais
•
Fazer com que os alunos avaliem e discutam o processo de
internacionalização de um restaurante, as principais estratégias adotadas,
considerando o seu conteúdo, contexto e processo (pettigrew, 2012);
•
Relacionar o embasamento teórico às atividades desenvolvidas pela
organização em foco, e fazer com que os alunos sejam capazes
de discernir e tomar decisões estratégicas sobre o processo de
internacionalização de uma empresa (andersson, 2000; butler;
doktor; lins, 2010; carneiro; dib, 2007; dunning, 1988, 1989;
edvardsson; edvinsson; nyström, 1993; erramilli, 1990; erramilli;
rao, 1990; erramilli, 1993; farhi et al., 2009; ferreira et al., 2009;
ford, 2002; hilal; hemais, 2003; javalgi; martin, 2007; johanson;
vahlne, 1977, 2009; knight, 1999; kon, 1999; kovacs, 2009; leite; moraes,
2013; lovelock; yip, 1996; vernon, 1966; zeithaml; bitner, 2003).
Utilização recomendada
O caso pode ser utilizado nas turmas de graduação, posterior ou concomitante
aos conceitos básicos de Administração Estratégica de Internacionalização
de Empresas, Marketing Estratégico, Empreendedorismo e Gestão de
Pessoas. Recomenda-se o uso, especialmente em sessões que estratégias
internacionais, marketing de serviços, estratégias de crescimento, vantagem
competitiva, gestão de pessoas e empreendedorismo estejam sendo
discutidos. Em Gestão de Pessoas, o destaque se dá nos aspectos culturais
do trabalhador nativo em comparação com a cultura brasileira, bem como
dos expatriados, ao mencionar a estratégia da empresa em buscar brasileiros
para serem franqueados nos Estados Unidos.
Fonte de obtenção de dados
Os dados que fundamentaram este trabalho foram coletados em fontes
bibliográficas e em entrevistas realizadas com o gerente de marketing do
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Grupo Bonaparte e o diretor executivo Leonardo Lamartine durante o
período de novembro e dezembro de 2010. Ademais, informações do site do
próprio grupo, da revista Exame, dos livros e de artigos acadêmicos foram
coletadas até 2013.
Questões para discussão
Algumas questões são apresentadas para apoiar a discussão do caso:
1 Como você descreve o ambiente de negócios do Grupo Bonaparte?
Quais as principais oportunidades e ameaças do ambiente?
2 Descreva o ambiente interno da marca Bossa, identificando as suas
forças e fraquezas.
3 Qual foi o modo de entrada escolhido pelo Grupo Bonaparte para se
internacionalizar? Quais motivos levaram a essa escolha?
4 A distância psíquica foi determinante no processo de internacionalização?
Por quê?
5 Por que a escolha dos EUA, considerando que é um mercado muito mais
competitivo do que o brasileiro?
6 Quais foram as ações de responsividade na concepção do produto Bossa
Grill? Elas foram necessárias? Por quê?
7 Para se internacionalizar, o Grupo Bonaparte fez ajustes na sua operação,
diretamente relacionados às pessoas. Quais são as consequências dessa
ação?
8 Quais são os desafios da gestão de pessoas para implantar as estratégias
empresariais?
9 Como os gestores devem tratar a concorrência americana?
10 A cadeia de restaurantes possui alguma vantagem competitiva? Por quê?
11 Qual foi o papel das redes de relacionamentos para a internacionalização?
12 Como o empreendedor influenciou as estratégias ao longo da trajetória
do Grupo Bonaparte?
13 Como dimensões do empreendedorismo, oportunidades e inovação,
foram trabalhadas pelos dirigentes?
14 Quais as vantagens que o Grupo Bonaparte pode conseguir no mercado
americano?
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15 No lugar dos dirigentes, qual seria o seu plano e ações para continuar o
processo de internacionalização?
Finalmente, o professor retoma o objetivo da discussão, sintetiza as
principais ideias, confere se as temáticas foram cobertas e faz ligação com
os assuntos já discutidos em sala de aula e os que serão apresentados nos
próximos encontros.
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Dados dos Autores
Viviane Santos Salazar [email protected]
Mestre em Administração pela UFPE
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Pernambuco
Recife/PE – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia Empresarial, Marketing de Serviços e
Hospitalidade.
* Rua Real da Torre 1433, ap. 302B Torre Recife/PE 50710-100
Walter Fernando Araújo de Moraes [email protected]
PhD em Administração pela UMIST
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Pernambuco
Recife/PE – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia Empresarial; Internacionalização e
Desempenho Empresarial.
Yákara Vasconcelos Pereira Leite [email protected]
Doutora em Administração pela UFPE
Instituição de vinculação: Universidade Federal Rural do Semi-Árido
Mossoró/RN – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Administração estratégica, Marketing, Ensino e
Pesquisa em Administração e internacionalização.
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Guaraná Orgânico: Ecodesenvolvimento e Comércio Justo
Guarana Organic: Fair Trade and green development
Recebido em: 31/07/2013 Aprovado em: 27/09/2013
Avaliado pelo sistema double blind review
Editora Científica: Manolita Correia Lima
Adriana Teixeira Bastos [email protected]
Cora Franklina do Carmo Furtado
universidade estadual do ceará
Fátima Regina Ney Matos
universidade de fortaleza
Mário Henrique Ogasavara
escola superior de propaganda e marketing
Resumo
O objetivo do caso de ensino é apresentar o Projeto Wará, que desenvolve uma produção sustentável no sentido
de agregar valor para os consumidores. O caso descrito ilustra o dilema entre a possibilidade de ampliação
de atividade econômica, tendo como pano de fundo os negócios internacionais e questões éticas e culturais
que levam em consideração não somente a sustentabilidade econômica, mas principalmente a ambiental e
a social. Trata-se de uma história complexa, pois incorpora elementos de diferentes áreas do conhecimento,
como estratégia internacional, desenvolvimento sustentável, ética e organização social. O questionamento
principal a ser trabalhado no caso de ensino é identificar como o Consórcio dos Povos Aisó Ayira, responsável
pelo Projeto Wará, pode proteger a produção da concorrência, que oferece um produto semelhante e mais
barato, para garantir a sua sustentabilidade.
Palavras-chave: sustentabilidade; comércio justo; guaraná; índios da Amazônia; comércio internacional.
Abstract
This case presents the Wará Project, which develops sustainable production in harmony with nature in order to add
value and educate consumers, as well as ensure production for present and future generations (WCED, 1991). The case
illustrates the dilemma between possible economic growth against the backdrop of international business and ethical
and cultural issues, which take into account not only economic sustainability, but primarily environmental and social
sustainability. This comprises a complex story, as it incorporates elements from various areas of knowledge, such as
international strategy, sustainable development, ethics and social organization. The main issue for discussion in this
teaching case is the identification of how the Consortium Peoples Aisó Ayira, responsible for Project Wará, can protect
against the competition, which offers a similar, cheaper product, to ensure their sustainability.
Keywords: sustainability; fair trade; guarana; Amazonian Indians; international trade.
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Introdução
Moaci está na Vila de Guaranatuba, no Rio Andira, Estado do Amazonas,
em um dia claro de 2004, ouvindo mais uma vez a estória que D. Iara,
produtora de guaraná, costuma contar sobre a origem do guaraná. Com
voz doce e macia, ela lembra que havia na floresta uma índia que, ao
saber que estava grávida, decidiu plantar uma castanheira para que seu
filho quando estivesse grande pudesse comer dos seus frutos. Entretanto,
quando o menino já estava crescido e a castanheira produzindo frutos
abundantemente, os tios da criança, por inveja, decidiram seguir a criança
e espancá-la até a morte. A mãe, ao encontrar o rapaz morto, retirou os
olhos dele e os plantou, profetizando que deles nasceria uma planta que
se espalharia pelo mundo todo e que seria muito amada e respeitada nos
quatro cantos da terra.
Enquanto espera pelos líderes das tribos e organizações parceiras para
analisar e decidir o futuro do Projeto Wará, Moaci imagina que o guaraná
surgiu predestinado para ganhar o mundo.
Moaci idealizou o projeto há 18 anos e sempre soube que não era objetivo
do projeto deixar o produtor rico da noite para o dia. A sustentabilidade
econômica, ecológica e social sempre foi a principal proposta, afinal, os
integrantes da tribo assumiram que as gerações anteriores tinham se
engajado a um sistema de mercado que poderia levar à destruição da floresta
Amazônica e a sua geração não podia incorrer nesse erro novamente. Moaci
e a tribo acreditavam que o ecodesenvolvimento só poderia acontecer se a
produção respeitasse a natureza, o homem e a sociedade. Este era o conceito
de sustentabilidade para eles. Não adiantava produzir o guaraná, exportar
e ganhar dinheiro se não proporcionasse o desenvolvimento sustentável.
A luta foi difícil, no início, reuniam-se as famílias de produtores
indígenas como sujeitos autônomos dentro da sociedade Aisó Ayira e na
economia mundial, respeitando a cultura tradicional comunitária e o papel
da produção coletiva de renda econômica. Também, foram vencidos os
entraves com a grande indústria do guaraná, que tentava disseminar uma
forma pouco natural de produção em nome da produtividade.
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guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo
Hoje, depois de superado estes desafios iniciais, a realidade é outra. Os
líderes estão se reunindo para definir qual o caminho a percorrer, agora
que a concorrência está baixando cada vez mais o preço do produto. A
cooperativa de caboclos, que há muitos anos também se fixou no Amazonas,
produz guaraná orgânico em regime de monocultura e, com o aumento da
produção, baixam seus preços.
Os distribuidores reivindicam ao Projeto Wará uma maior produção.
Todavia é difícil, mesmo por meio do consórcio, com a produção semidoméstica, aumentar a oferta do guaraná para os níveis desejados.
Diante deste cenário, decidir como a comunidade indígena produtora
de guaraná poderá se proteger da concorrência, que oferece um produto
semelhante e mais barato, é o dilema que Moaci precisa resolver o mais rápido
possível, pois o Projeto Wará respeita os padrões de ecodesenvolvimento e
os princípios do comércio justo.
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Guaraná, a semente do conhecimento, dela emerge o
desenvolvimento
O Guaraná – que na língua indígena significa “o início de todo o
conhecimento”, é cultivado há centenas de anos na Amazônia Brasileira.
Porém, somente no século xviii que foi classificado pelo botânico alemão
Christian Franz Paullini como Paullinia cupana, variedade Sorbilis (SFB, 2013).
O cultivo do guaraná é muito importante para a cultura religiosa dos
povos Aisó Ayira, desempenhando um papel simbólico similar ao do vinho
na liturgia católica.
Os Aisó Ayira são hoje uma tribo de cerca de 8.000 pessoas que vivem
em 80 aldeias no norte do Brasil. Elas cultivam o guaraná em um sistema
conhecido como semi-domesticação.
Coletam as sementes que caem das árvores de guaraná na floresta, e as
plantam nas clareiras, onde são aguadas pela chuva e precisam de cuidados
mínimos. Na floresta, o guaraná pode crescer até 12 metros. As flores brancas
das árvores crescem em longos cachos, com a forma de espigas de milho.
Quando amadurecem, as flores dão lugar a cachos de frutas vermelhas, que
se abrem levemente para revelar a semente preta na polpa branca. O guaraná
é colhido imediatamente antes de madurecerem. [...] Após a remoção da
polpa das frutas maduras, as sementes são torradas por três dias em fornos
de barro tradicionais. As sementes são então descascadas, trituradas em pilão,
moldadas em bastões, que pesam entre 100 gramas e 2 quilos cada. Estes
bastões são embalados em sacos de algodão e colocados nos fumeiros, onde
são defumados com madeira aromática (sfb, 2013).
Para serem consumidos, os bastões precisam ser ralados. O guaraná em pó
pode ser dissolvido em água, como acontece nos rituais indígenas, ou pode
ser diluído em suco de frutas frescas. O extrato do guaraná é usado para
fazer xaropes, refrescos e bebidas, como o tradicional refrigerante guaraná,
que pode ser encontrado em todo o Brasil.
A produção do guaraná no Amazonas tem duas vertentes: o guaraná
orgânico e o guaraná híbrido, manipulado nos laboratórios da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária - embrapa, que chega às plantações
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guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo
para uma larga produção a fim de atender a grande indústria do guaraná
nacional, representada pela ambev. A produção é baseada na utilização de
produtos químicos, agrotóxicos e transgênicos que só atende o aqui e agora,
além de prejudicar a saúde dos envolvidos, desde o processo de produção
até a própria saúde do consumidor.
Como o guaraná produzido pelos índios nunca teve como princípio a
produtividade, nunca foi vantajoso para eles venderem seus produtos para
esta grande indústria. Além do guaraná, os indígenas que fazem parte do
Projeto Wará também trabalham com outras atividades produtivas.
Da floresta para o mundo
Moaci, idealizador do Projeto Wará, empreendeu essa iniciativa há 18 anos.
No início era um projeto pequeno que enfrentava muitas dificuldades, mas
a comunidade indígena, em contato com o homem branco, precisava fazer
alguma coisa, já que, a cada dia que passava, o índio precisava encontrar
formas de ganhar dinheiro para sobreviver. Afinal, desde que o dinheiro
foi introduzido, a união entre as comunidades já não era mais suficiente
para garantir a sobrevivência do povo indígena. Moaci sempre lembra em
suas palestras, inclusive na proferida no evento rio+20, que “não existe
desenvolvimento se não houver uma produção. Seja lá uma família, uma
comunidade, um povo ou uma nação. Nesse sentido começamos a criar um
comércio justo levando em conta toda a produção que temos dentro da área
e da biodiversidade” (rio + 20, 2012).
O principal objetivo do projeto era desenvolver uma produção sustentável
em harmonia com a natureza no sentido de agregar valor e sensibilizar
os consumidores de modo que pudesse ser garantida a produção para
as gerações presentes e futuras (cmmad, 1991). A ideia inicial foi criar um
projeto cujo tipo de desenvolvimento fosse duradouro. Moaci ressalta
que “não é um projeto de quatro anos, três anos, dois anos, como fazem
alguns políticos: sai político, entra político, muda tudo, não é assim.
Uma política de desenvolvimento tem que se fazer permanente, para
a vida toda”. Por isso é que a base do projeto sempre foi a busca pelo
fortalecimento das comunidades indígenas. Também há a consciência de
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que esse fortalecimento se dá não somente mantendo os povos indígenas
integrados, mas também buscando sensibilizar os consumidores, os
exportadores e os distribuidores sobre as características específicas do
negócio. Ou seja, conscientizar sobre as diferenças entre os negócios dos
índios e do homem branco.
Os indígenas vivem há muito tempo da produção do guaraná e de
produtos cultivados na região, mas antes do Projeto Wará, a venda do
guaraná não compensava. Existe na região uma importante indústria
de bebidas que está disposta a comprar toda a produção do guaraná, a
AMBEV. Esta empresa desenvolve, em parceria com a EMBRAPA, um
projeto de melhoria genética da semente do guaraná para aumentar a
produtividade, assim como habilitam produtores locais para a utilização
destas tecnologias, bem como financia estes pequenos produtores.
A história da participação dos índios na comercialização do guaraná
orgânico teve início nos anos 70 com a inauguração do Centro de
Formação para Trabalhadores Rurais de Anyrá (cetra). Nos anos 80, o
guaraná começou a ser comercializado nas cantinas do primeiro projeto
do guaraná em parceria com o Centro de Trabalho Indígena de São Paulo cti, que tinha por foco “reconhecimento dos direitos territoriais dos povos
indígenas, valorização das suas referências culturais e proteção ambiental
das suas Terras” (cti, 2013).
Entretanto, essa experiência regional não atendeu às questões desejadas
de sustentabilidade e as comunidades começaram a avaliar a possibilidade
da criação de espaços de comercialização no mercado internacional, onde
pudessem encontrar o reconhecimento dos compradores internacionais,
de modo que viessem contribuir para a preservação e a sobrevivência da
etnia indígena, aquela que realmente era a disseminadora da cultura do
guaraná. Assim, em 1995, é criado o Projeto Wará, que em parceria com
uma instituição de pesquisa do Amazonas, enviou 20 quilos do guaraná
em pó ao mercado internacional.
Em 1998, a grande dificuldade da comunidade dos povos indígenas
era a organização dos produtores de guaraná. A primeira dificuldade era
que as famílias indígenas fossem organizadas como sujeito autônomo
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guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo
dentro da sua própria comunidade, denominada Aisó Ayira e no mercado
internacional. A segunda era resgatar a cultura indígena e, ao mesmo
tempo, gerar renda para a sustentação do projeto.
Foi muito trabalho, pois não bastava vender para o exterior, era
necessário sensibilizar a comunidade indígena e os compradores
internacionais sobre a proposta de comércio justo baseado em práticas
de sustentabilidade ambiental. Em resposta a esse trabalho, no início de
2005, foi implantada a auto-organização com a presença de 70 produtores
que protocolaram, de forma participativa, as regras para a produção do
guaraná. Esse movimento foi patrocinado pelo Conselho Geral da Tribo
Aisó Ayira (cgtaa). Neste mesmo ano, foi discutido e aprovado o novo
estatuto do cgtaa.
No ano de 2006, o novo estatuto é executado e um organograma é
traçado. É escolhido o secretário de produção e, também, são eleitos
o coordenador geral e o tesoureiro pelos próprios produtores das
comunidades indígenas.
Em 2008, alguns indígenas resolvem retirar os poderes de representação
da maioria e uma minoria reunida na sede do cgtaa resolve modificar
o estatuto, dando plenos poderes ao presidente. Mas a maioria não
concorda, o que acaba criando um mal estar devido à recusa de alguns
de participarem dessa briga. Esta cisão acaba apressando a criação de um
Consórcio dos Povos Aisó Ayira (copoaa). Em 2009, os produtores do
guaraná finalmente conseguem se tornar sujeito coletivo autonomamente
para impulsionar o projeto integrado do ecodesenvolvimento.
Hoje, 18 anos após sua fundação, o Projeto Wará está despertando o
interesse da comunidade acadêmica. A participação da academia ocorre
no resgate e apoio à manutenção da cultura do povo Aisó Ayira. O
projeto reconhece que os professores que trabalham nas comunidades
indígenas são responsáveis pela educação desde a infância até a formação
das lideranças e adultos. Entende que a educação precisa ser feita para as
comunidades com base na compreensão dos problemas sociais para buscar
soluções para o povo indígena. Ensinar a cultura da tribo de respeito ao
outro, em que todos se ajudam em busca do bem comum.
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A semente da ciência ou a semente selvagem?
Atualmente, existe grande concorrência na compra do grão do guaraná. É um
mercado cuja demanda internacional e nacional superam a oferta. Portanto,
existe uma grande disputa entre os compradores pelos produtores.
O concorrente mais importante da produção indígena é uma cooperativa
de caboclos, agropomar, que produz o guaraná orgânico em regime de
monocultura. Porém, no começo do Projeto Wará, as relações com a
cooperativa não eram de concorrência.
No início do Século xxi, foi criada a apoena, organização idealizada para unir
a produção indígena com a dos agricultores da Cooperativa agropomar. Esta
organização acabou não dando certo devido a problemas de comercialização
dos produtos, pois a agropomar também vendia produto não orgânico.
A Cooperativa agropomar produz em torno de 60 toneladas, das quais
apenas cinco toneladas são certificadas pela ecocert. Estas cinco toneladas
são exportadas para a empresa Nature Bio, sediada na França. Por outro lado,
a produção das comunidades indígenas, em torno de cinco a seis toneladas,
é toda orgânica.
O consórcio dos povos indígenas exporta guaraná e produtos naturais
somente para importadores que tenham compromisso com o comércio
justo e solidário. São quatro os distribuidores que comercializam produtos
controlados pelos produtores Aisó Ayira por meio do Consórcio: Guará
Tropical, Atb Altromercato, Cooperativa Amazônia Livre e Healthy Food. No
Brasil, o consórcio não possui distribuidor autorizado, realizando ele mesmo
suas vendas apenas por meio da internet.
Todavia, cabe precisar que os produtores associados ao consórcio possuem
o direito de vender produtos a quem desejar, pois algumas vezes isso é
necessário devido à urgência monetária. Entretanto, quando isso acontece,
o consórcio não se responsabiliza pelo controle de qualidade do produto e
da ética nas transações.
São três as certificações obtidas pelos indígenas: 1. Ministério da Agricultura
Familiar – Certificação Nacional; 2. Instituto Biodinâmico (ibd); 3. Forest
Garden Products Certification (fgp) - essa é uma certificação Internacional do
Sri Lanka aceita na Europa, Índia e Tailândia.
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guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo
Os produtores associados à cooperativa recebem mais do que se
produzissem para a grande indústria do Guaraná. Assim, tanto a
cooperativa quanto os produtores do consórcio indígena têm incomodado
bastante a grande indústria do guaraná. Porém, como a agropomar e
outros produtores da região que produzem o guaraná orgânico o fazem
em regime de monocultura, o preço destes produtores tem caído bastante
no mercado. A tendência do mercado é também tentar baixar o preço dos
orgânicos indígenas, mas que em virtude da especificidade da produção,
baixar ainda mais o preço pode não ser economicamente viável, assim como
alterar as formas de produção pode levar ao desvirtuamento das práticas
de sustentabilidade.
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Notas de Ensino
Natureza do Caso
O caso descrito ilustra o dilema entre a possibilidade de ampliação de
atividade econômica, tendo como pano de fundo os negócios internacionais
e questões éticas e culturais, que levam em consideração não somente a
sustentabilidade econômica, mas a ambiental e a social. Portanto, tratase de uma história complexa, incorporando elementos de várias áreas
do conhecimento, e podendo ser analisada sob as óticas da estratégia
internacional, desenvolvimento sustentável, ética e organização social.
Do ponto de vista da organização social e ética, descreve o momento
organizativo em que as comunidades indígenas e cabocla são sensibilizadas,
não somente para a necessidade de trabalhar em cooperação, mas também
em relação ao imperativo de atuar economicamente de modo responsável,
respeitando as pessoas, a natureza e a cultura do povo da floresta. Ainda
descreve a luta de grupos menos favorecidos contra a grande indústria
do guaraná que, além de não respeitar os limites da natureza, tem
comportamento monopolizador e autoritário no sentido de não permitir
mecanismos da livre economia de mercado para a definição dos preços.
No aspecto da estratégia internacional, é particularmente inovador, pois
descreve a inserção do grupo na economia internacional ao se beneficiar
da sua condição enquanto povo da floresta que empunha a bandeira do
respeito à cultura do povo e do respeito às pessoas e à natureza, uma
vez que é um mercado consumidor que reivindica um comportamento
sustentável e ético de todo o planeta. Em relação ao desenvolvimento sustentável, a descrição do caso revela
que a iniciativa indígena e dos caboclos é uma alternativa à produção em
massa que, além de pressupor o respeito à natureza e às pessoas, é altamente
rentável economicamente. Portanto, o caso procura revelar as estratégias
utilizadas pelo Conselho Geral da Tribo para conseguir aumentar a sua
produção e permanecer em um mercado altamente exigente e rentável, que
é o mercado internacional.
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guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo
Objetivos de Aprendizagem
Este caso tem como alvo estudantes de cursos de administração ou áreas
afins que estejam matriculados em cursos de graduação ou pós-graduação.
É recomendado para ser utilizado em disciplinas de estratégia internacional,
desenvolvimento sustentável e gestão social e ambiental.
O principal objetivo do caso de ensino é relacionar as estratégias de
internacionalização com o desenvolvimento sustentável. Os estudantes
devem ser estimulados a identificar na literatura as possibilidades das
estratégias de internacionalização em atividades que tenham suas estratégias
de negócios baseadas em tendências globais como o tratamento justo e ético
da natureza e das populações mais pobres.
No tocante à abordagem sobre internacionalização, o objetivo é destacar
a forma de entrada em mercados internacionais dessas atividades, que são
alternativas ao modelo de mercado vigente.
Quanto ao aspecto do desenvolvimento sustentável, o objetivo é
identificar as preocupações e as ações necessárias para a consecução de um
negócio ambientalmente sustentável, socialmente justo e economicamente
viável, bem como as exigências dos consumidores em relação a tais negócios.
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Análise do Caso
Modos de entrada em mercados internacionais
Existem algumas questões que podem facilitar a comercialização dos
produtos orgânicos no mercado internacional, bem como outras que podem
comprometer ou dificultar a entrada no referido mercado.
Em relação à facilidade, está a tendência de mercado dos países
desenvolvidos em buscar cada vez mais produtos que sejam ambientalmente
sustentáveis e socialmente justos. Além disso, existe também uma tendência
à valorização dos produtos orgânicos provenientes da Floresta Amazônica,
em função da riqueza de sua biodiversidade e sua importância para toda a
humanidade.
Do ponto de vista dos elementos complicadores, colocam-se as exigências
de certificação para os produtos orgânicos, bem como os requisitos de
importação desses produtos que são menos elementares em função dessa
característica e as supostas dificuldades em lidar com o mercado estrangeiro.
Nesse sentido, é salutar levar os estudantes a identificar e analisar o
modo de entrada eleito pelo projeto, bem como discutir suas vantagens e
desvantagens, com base na Figura 1, a seguir.
Para tanto, é possível contar com o artigo de Pan e Tse (2000) intitulado
Hierarchical Model of Market Entry Modes (Modelo Hierárquico de Modos de
Entrada no Mercado).
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guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo
Figura 1 Modos de entrada no mercado internacional
Modos
de
entrada
Modos não
patrimoniais
Exportação
Acordos
contratuais
Modos
patrimoniais
Joint Venture
de capital
próprio
Exportação
direta
Licenciamento
Joint Venture
minoritária
Exportação
indireta
Franchising
Joint Venture
Co-proprietária
Subsidiária de
capital
totalmente
próprio
Greenfield
Outro aspecto a discutir e analisar seriam as prováveis futuras mudanças
no modo de entrada atual, considerando as vantagens e desvantagens.
Para tanto, é possível contar com o apoio do artigo de Benito, Petersen e
Welch (2009), cujo título é Towards more realistic conceptualizations of foreign
operation modes.
A Figura 2, a seguir, ilustra os elementos que devem ser considerados
na análise. Por outro lado, é importante lembrar que esse será apenas um
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Experiência
passada
Experiência do
modo de
gerenciamento com
outras companhias;
Modo internacional
de mudanças
interiores;
Modo de
experiência em
outros mercados
208
Modo
tendência:
‘conjunto de
considerações’
Modo escolhas:
modo de
configuração
(incluindo
pacotes)
Feedback
Modo
comparação e
avaliação:
Deliberado e
emergente
Decisão dos dirigentes
Ímpeto para internacionalização
Controle, risco e considerações comuns
Restrições internas e externas
Modo de ação
(i) Modo de
continuação
(11) mudança
(iii) modo
mudança de
função
(iv) modo
adição e
supressão
(v) modo
integra
mudança
Modo uso e
resultados
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exercício de criatividade e levantamento de possibilidade sobre os caminhos
futuros dos negócios internacionais para o grupo de empreendedores.
Figura 2 Modos de operações internacionais
Fonte: Benito, Petersen e Welch (2009).
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guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo
Questões para Discussão
1 Como a comunidade indígena produtora do Guaraná poderá se
proteger da concorrência que oferece um produto semelhante a um
custo menor?
2 Que modos de entrada no mercado internacional seriam adequados
para o consórcio dos povos Aisó Ayira?
3 Quais dificuldades estão relacionadas ao comércio justo?
4 Como tornar produtos orgânicos competitivos comercialmente?
5 Qual a diferença no modo de produção dos povos indígenas e da
cooperativa dos caboclos para o modo de produção da grande indústria
que produz guaraná?
Administração estratégica e vantagem competitiva
Considerando as especificidades do produto e da condição organizativa
do grupo, é salutar pensar em levar os estudantes a aplicar o modelo da
visão baseada em recursos que pode ser encontrada em Administração
Estratégica e Vantagem Competitiva de Barney e Hesterly (2007). Os
autores partem da noção do modelo vrio, que consiste em “um modelo
integrador, amplo o bastante para ser aplicado na análise de grande
variedade de casos e cenários de negócios; mas, suficientemente simples
para ser compreendido e compartilhado” (barney; hesterly, 2007, p. 13).
Além da proposta do modelo integrador que analisa a empresa do
ponto de vista dos recursos enquanto o seu valor, raridade, imitabilidade e
organização, os autores também buscam integrar as questões estratégicas
das empresas com os requisitos éticos de uma sociedade em transformação
e crise constante, assim como a inserção de organizações no mercado
internacional. Nesse sentido, suas preocupações éticas ao perpassarem
o atendimento das necessidades/satisfação dos shareholders e stakeholders,
o bem estar da sociedade mediante a busca das empresas por vantagem
competitiva e a solução para questões de externalidades deixam evidente
uma tendência de solução desses dilemas por meio das leis de mercado e
da livre iniciativa, que vai ao encontro das propostas de sustentabilidade
que não desprezam o caráter da viabilidade econômica e financeira dos
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negócios nem a possibilidade de atuação em mercados fora das fronteiras
nacionais.
Portanto, tal abordagem é essencial para mostrar que grande parte do êxito
dos negócios no mercado internacional está relacionada às características
dos produtos (valor, raridade e imitabilidade) e a capacidade organizativa
dos índios que se encontra especialmente dispersa e representando situação
alternativa em relação à grande empresa capitalista.
Ainda considerando a pauta das vantagens estratégicas, outros enfoques
que podem ser abordados são os frameworks apresentados nos trabalhos de
autores que discutem a Responsabilidade Social Corporativa Estratégia.
Nesta perspectiva é possível citar os trabalhos de Zadek (2004), Carroll (1979;
1999), Husted e Salazar (2006), e Porter e Kramer (2006).
Para Zadek (2004), o grande desafio das organizações é empreender
práticas responsáveis de negócios. Neste intento, as organizações passam
por, pelo menos, cinco fases perceptíveis de atuação em relação às suas
responsabilidades. Mas, além disso, assim como as organizações, a sociedade
também amadurece sua visão sobre a forma como as organizações devem
tratar este problema.
Segundo o autor, quando as organizações começam a desenvolver senso
de responsabilidade, elas passam pelos seguintes estágios:
1 Defensivo: as organizações apenas procuram se defender dos ataques
à sua reputação.
2 Condescendente: as organizações passam a observar bases políticas
e legais dos custos do fazer negócio para reduzir a erosão do valor
econômico no médio prazo e também para não manchar sua reputação
e evitar riscos de reivindicações de ativistas.
3 Gerencial: as organizações começam a se envolver com os problemas
sociais, mas o objetivo disso é mitigar a erosão do valor econômico da
empresa no médio prazo e no longo prazo e obter ganhos por inserir
práticas de responsabilidade aos negócios.
4 Estratégico: as organizações implantam ações para lidar com problemas
sociais no objetivo estratégico dos negócios. O objetivo dessas práticas
é aumentar o valor econômico no longo prazo e ganhar vantagem
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competitiva com a inovação.
5 Civil: as organizações passam a promover ações coletivas relacionadas
com preocupações da sociedade que podem, algumas vezes, estar
ligadas diretamente à estratégia da empresa.
A questão da sustentabilidade ambiental insere-se nessa discussão, pois o
autor lembra que muitas questões que antes não preocupavam a sociedade,
atualmente, aparecem nas pautas de reivindicações, e um exemplo disso é
a preocupação com o futuro do planeta diante da crescente degradação do
ambiente natural. Portanto, o autor ensina que o truque para sobreviver
a essas mudanças é as empresas procurarem prever e responder com
credibilidade a essas mudanças de consciência da sociedade, embora
também reconheça que essa pode ser uma tarefa difícil.
Para mensurar o grau de maturidade dos problemas sociais e a expectativa
pública em torno dele, Zadec (2004) apresenta uma escala adaptada da
indústria farmacêutica Novo Nordisk que considera os seguintes estágios
de maturidade: latente, emergente, consolidado e institucionalizado.
Considerando essas duas escalas, Zadek (2004) desenvolve uma ferramenta
denominada de aprendizagem civil, que permite o cruzamento dos dois
tipos de aprendizagem (organizacional e social) e orientar a empresa sobre
a melhor estratégia a ser adotada. Do cruzamento desses dois estágios de
aprendizagem, qualquer empresa pode identificar em que zona se encontra.
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Figura 3 Ferramenta de aprendizagem civil
Zona Clara
Oportunidade
Estratégico
Gerência
Condescente
Emergente
Latente
Defensivo
Problema de Maturidade
Institucionalizado
Zona Escura
Risco
Consolidado
Aprendizagem
Civil
Fonte: Zadek (2004).
Portanto, o uso da ferramenta é capaz de revelar o ponto em que a
organização pode transformar a zona de risco vermelha na zona verde
de oportunidade, mas para tanto, a organização precisa estar atenta às
demandas da sociedade.
A análise das características de atuação estratégica das organizações em
relação a sua responsabilidade social, também pode ser discutida baseada
em Carroll (1979), que também usa uma tipologia para ressaltar as várias
obrigações das organizações. Para o autor, as organizações devem se
preocupar com os aspectos econômicos, legais, éticos e discricionários. A
Figura 4 ilustra como o autor visualiza essas quatro formas de atuação das
corporações:
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Figura 4 Tipos de Responsabilidade Social
Responsabilidade Discricionária
Responsabilidade Ética
Responsabilidade Legal
Responsabilidade Econômica
Fonte: Baseado em Carrol (1979, p. 40).
Os quatro componentes da rsc começam propondo que o desempenho
econômico é a base de tudo. Ao mesmo tempo, espera-se que o negócio obedeça
as leis e comportamentos da sociedade. A seguir, o negócio deve ser ético em
seu nível mais fundamental e expressar a obrigação de fazer o que é certo,
justo e equitativo para evitar ou minimizar os danos às partes interessadas
(trabalhadores, consumidores, meio ambiente, e outros). Finalmente, espera-se
que a organização seja uma boa cidadã, em que se espera que as organizações
colabora com recursos humanos e financeiros para melhorar a qualidade de
vida das pessoas.
O comportamento estratégico da organização indígena também pode ser
abordado com base em Husted e Salazar (2006). Os autores também usam
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uma tipologia em que classificam o comportamento das organizações de
Altruísta, Egoísta e Estratégico. Partem principalmente da premissa de que é
impossível maximizar em mais de uma dimensão (lucro e social) ao mesmo
tempo, pois existe trade-off entre lucros e desempenho social. Entretanto, é
ponto de exceção, o fato de ambos alcançarem essa condição ao mesmo tempo:
o investimento em projetos sociais corporativos precisa contribuir para a
maximização do lucro.
O modelo apresentado pelos autores, portanto, considera que o lucro e o
bem estar da sociedade podem ser alcançados de várias formas, mas é somente
por meio da atuação responsável estratégica que tanto a sociedade quanto
a corporação podem obter os melhores resultados. É na responsabilidade
estratégica que se justifica a preocupação com a sustentabilidade, uma vez
que assim a organização realiza algum benefício adicional (boa reputação,
diferenciação de produto, preço Premium, etc.) que gera um lucro maior do
que o normalmente esperado. Por sua vez, Porter e Kramer (2006) propõem um modelo de responsabilidade
social corporativa que pressupõe dois tipos de ações: uma responsiva – como
uma reação aos clamores da sociedade – e outra estratégica – alinhadas ao
planejamento estratégico da empresa.
Os autores consideram que a RSC tem sido a prioridade para os empresários
líderes, em todo o mundo, na primeira década do século XXI. No entanto,
eles veem que as estratégias usadas na RSC nas corporações estão fora de
sintonia dos negócios perdendo, em consequência, ótimas oportunidades que
poderiam ser revertidas, inclusive para a sociedade.
Neste sentido, o princípio da sustentabilidade suscita o interesse da
corporação usando uma base tripla formada pelo econômico, social e ambiental
e, ainda, de longo prazo.
Outro ponto que deve ser considerado é a atuação na cadeia de valor, que
pode ser feita de modo que melhore a dimensão social envolvida, ao mesmo
tempo, que investimentos no setor competitivo aumentam o valor da cadeia
produtiva.
As organizações que levam em consideração essas questões em suas decisões
ficarão cada vez mais separadas dos seus concorrentes. Uma vez que a mais
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importante função da organização é contribuir para uma economia próspera.
Os autores também consideram que seria apropriado substituir a RSC
pela Integração Social da Corporação (ISC). Nesta perspectiva, é importante
salientar que as organizações não são responsáveis por todos os problemas
do mundo e também não possuem recursos para solucionar a todos, mas
que criar um valor compartilhado (com a sociedade) em um determinado
problema, resultará em diferencial competitivo (em relação à concorrência).
Assim, a organização poderá causar impacto social maior do que qualquer
outra instituição ou organização filantrópica.
Questões para discussão
1 Quais as características do produto e da organização dos Aisó Ayira,
baseadas no modelo de Barney e Hesterly (2007), que apontam para o
fracasso e/ou sucesso na inserção do negócio no mercado internacional?
2 Como a estratégia de comercialização de produtos orgânicos, baseada em
práticas de comércio justo, pode ser analisa à luz da literatura sobre RSC?
3 Em qual zona se encontra a organização dos Aisó Ayira quando
considerada para análise da ferramenta de aprendizagem civil proposta
por Zadel (2004)? Justifique sua resposta.
Negócio economicamente rentável, ambientalmente
sustentável e socialmente justo
Considerando os pilares fundamentais do negócio que está sendo estudando, é
imprescindível que os estudantes sejam levados a refletir sobre suas condições
de sustentabilidade e se ele está de fato contribuindo para o desenvolvimento
sustentável da região e do planeta.
Para tanto, pode-se partir de Sachs (1993) que, percebendo que a
sustentabilidade alcança diversos setores, sugeriu que houvesse uma
sistematização em cinco dimensões: a social, a econômica, a cultural, ecológica
e a dimensão espacial. Baseado na dimensão social, Sachs (1993) evidencia que,
para conquistarmos a qualidade de vida, se faz necessário ocorrer quebra de
paradigmas existentes a fim de se formar sociedades equitativas na geração
de oportunidades e na distribuição de renda e de bens. A sustentabilidade
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econômica pressupõe o aumento da produção e da riqueza social mundial sem
dependência externa por meio da alocação e gestão mais eficiente dos recursos
e por um fluxo regular de investimentos públicos e privados, pressupondo-se
autonomia na geração e disseminação do conhecimento por intermédio da
pesquisa cientifica e tecnológica. A dimensão ecológica defende a geração
e a disseminação de tecnologias limpas, além da criação e consolidação de
mecanismos de proteção ambiental. Nesse aspecto, Sachs (1993) julga essencial
a promoção de mudanças no padrão de consumo da sociedade, não apenas a
limitação desse consumo, mas também a valorização dos produtos gerados em
processos que contribuem para o equilíbrio ambiental. A dimensão cultural
da sustentabilidade encontra-se relacionada ao respeito das especificidades
de cada local, valorizando a cultura regional. Na busca por modelos de
desenvolvimento, deve-se prezar pela pluralidade de soluções e pela valorização
da diversidade das culturas locais. Por sua vez, a dimensão espacial referese a uma adequada distribuição demográfica sobre o planeta por meio de
uma nova configuração rural-urbana que possibilite, de forma equilibrada, a
redução da concentração populacional e de suas atividades econômicas nos
grandes centros urbanos, podendo assim proteger ecossistemas mais frágeis
e praticar atividades da zona rural em escalas menores e com técnicas que se
mantenham.
Outra análise, mais simples, que pode dar lugar a essa é a baseada no trabalho
de Elkington (2012), que apresenta sua análise em três pilares comumente
reconhecidos como The Triple Bottom Line, que discute apenas os aspectos
econômicos, sociais e ambientais.
Questões para discussão
1 De que forma o relacionamento da organização com a natureza e as
pessoas tem contribuído para o sucesso dos negócios?
2 Existe um limite para o tamanho do negócio que o permita continuar
contribuindo para a sustentabilidade?
3 Até que ponto fica comprometida a sustentabilidade do negócio quando
o que está em jogo é o comércio internacional, ou seja, que pressupõe o
deslocamento dos produtos para diversas partes do globo?
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Questões Prévias
A utilização das questões prévias é uma prática que tem sido utilizada para
instigar a curiosidade dos alunos em relação ao tema e ao caso que será
apresentado. Nesse sentido, apresentam-se algumas questões que podem
auxiliar o docente neste objetivo de prender a atenção do aluno, quais sejam:
1 É possível um negócio ser ambientalmente sustentável e socialmente
justo e ainda ser rentável?
2 Quais seriam as principais dificuldades e facilidades, do ponto de vista
organizativo, que um grupo de caboclos e índios da Amazônia poderia
encontrar para comercializar seus produtos orgânicos no mercado
internacional?
3 Quais seriam os principais desafios a serem enfrentados pelos caboclos
e indígenas para a comercialização dos seus produtos orgânicos no
mercado internacional? Como superar esses desafios?
4 A oferta de guaraná orgânico pode ser incompatível com os princípios
da sustentabilidade?
5 É possível um “verdadeiro” desenvolvimento sustentável?
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Plano de Aula
No Quadro 1 é apresentado uma sugestão de plano de aula de três horas de
duração. Ressalte-se que a proposta abaixo deve ser adaptada à necessidade
do docente em função dos objetivos do Plano de Ensino da disciplina.
Quadro 1 Plano de aula – Duração de 3 horas
Tempo
Atividade
Recursos
0 – 10 min
Identificar nos alunos qual o nível de
conhecimento deles sobre mercados
internacionais, produção de produtos
orgânicos e desenvolvimento sustentável
Perguntas sobre o conhecimento
anterior dos alunos sobre os temas
10 – 25 min
Desenvolver nos alunos interesse pelo caso Lista de perguntas sugeridas no item
Questões Prévias
25 – 50 min
Apresentar os conceitos a serem abordados Textos sugeridos no item Análise do
Caso
Quadro e projetor
50 – 75 min
Ler o caso (a ser feito em grupos de três a
cinco alunos)
Texto de apoio com o caso: Guaraná
Orgânico: Ecodesenvolvimento e
Comércio Justo
75 – 95 min
Discutir em subgrupo as questões
propostas pelo professor
Perguntas apresentadas no item
Análise do Caso
95 – 105 min
Intervalo
105 – 150 min
Discutir em plenária com moderação dos
participantes pelo professor
150 – 180
min
Apresentar síntese das principais relações Quadro e pincel
teórico-práticas identificadas no estudo do
caso em sala
218
Sala em círculo
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guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo
Avaliação da Aprendizagem
Recomenda-se que a participação na sala, nos grupos de trabalho e nas
discussões em plenária, a leitura do material relacionado e as respostas às
questões previamente entregues venham compor os múltiplos critérios que
podem ser utilizados para a definição do quadro de avaliação.
Sugere-se ainda que parte da avaliação escrita seja uma síntese de toda
a discussão, que pode ser desenvolvida na própria sala de aula após os
trabalhos ou, em casa, para que se possibilite outra imersão no caso e nos
materiais que previamente devem ter sido estudados.
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Considerações Finais
Por fim, é importante salientar que as possibilidades de abordagem do caso
em disciplinas como Desenvolvimento Sustentável, Estratégia Internacional,
Gestão Social e Ambiental, não se esgota aqui.
Exemplo disso é a possibilidade de aplicação do caso também à teoria
dos Stakeholders de Freeman (2005). Ainda como sugestão de plano de aula
para o emprego desse framework, como o caso envolve múltiplos stakeholders,
é de que os alunos sejam divididos em vários grupos que representam os
stakeholders (Organização Aisó Ayira, cooperativa de caboclos, índios, a
concorrência, o comprador internacional, o governo, a comunidade local,
etc.), de forma que cada um defenda seus interesses, façam movimentos de
pressão, proponham eventuais acordos, etc.
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guaraná orgânico: ecodesenvolvimento e comércio justo
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Advantage and Corporate Social Responsibility. Harvard Business Review, v. 84, n.12, p.
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SACHS, I. Estratégias de Transição para o século XXI – desenvolvimento e meio ambiente.
São Paulo: Studio Nobel Fundap, 1993.
SLOW FOOD BRASIL (SFB). Fortalezas Slow Food no Brasil. Disponível em: <http://
www.slowfoodbrasil.com/fortalezas/fortalezas-no-brasil/> Acesso em: 02/07/2013.
UNITED NATIONS CONFERENCE ON SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Cúpula
dos Povos pela justiça social e ambiental. Entrevista de Moaci Batista Garcia na RIO +
20. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=mIM3t4tdYE0> Acesso em:
20/12/2012.
ZADEK, S. The path to Corporate responsibility. Harvard Business Review, v. 82, n. 12, p.
125-136, 2004.
* Os nomes de pessoas e instituições foram permutados por outros
fictícios visando manter a privacidade dos mesmos.
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adriana teixeira bastos & outros
issn 2177-6083
Dados dos Autores
Adriana Teixeira Bastos* [email protected]
Doutoranda em Administração pela Universidade de Fortaleza
Instituição de vinculação: Universidade Estadual do Ceará
Fortaleza/CE – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Desenvolvimento Sustentável, Cooperação e
Institucionalismo.
* Av. Paranjana, 1700 Serrinha Fortaleza/CE 60.714-903
Cora Franklina do Carmo [email protected]
Doutoranda em Administração pela Universidade de Fortaleza
Instituição de vinculação atual: Universidade Estadual do Ceará
Fortaleza/CE – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Comportamento do consumidor, Estratégia e
Responsabilidade Social e Ambiental.
Fátima Regina Ney Matos [email protected]
Doutora em Administração pela UFPE
Instituição de vinculação: Universidade de Fortaleza
Fortaleza/CE – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Estudos organizacionais e metodologia qualitativa.
Mário Henrique Ogasavara [email protected]
Doutor em Administração pela University of Tsukuba (Japão)
Instituição de vinculação: Escola Superior de Propaganda e Marketing
São Paulo/SP – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Internacionalização de Empresas e Estratégias Globais.
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administração: ensino e pesquisa rio de janeiro v. 15 no 1 p. 195–222 jan fev mar 2014
política editorial
foco
A revista Administração: Ensino e Pesquisa é uma publicação que busca difundir o estado
da arte do ensino e da pesquisa em Administração, oportunizando a apresentação em
forma de artigos, teorias, modelos, pesquisas e retrospectivas que abordem o processo
de ensino-aprendizagem e intensifiquem o aprendizado dos alunos em disciplinas dos
cursos de Administração.
estilo
Os trabalhos enviados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa devem ser inéditos
nacional e internacionalmente e demonstrar uma linguagem clara e objetiva, não
podendo estar em avaliação paralela em outros veículos de divulgação. Recomenda-se
atenção especial com a estrutura geral do artigo e com o contexto lógico dos argumentos.
Os artigos encaminhados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa deverão ser
apresentados no seguinte formato: Editor de texto: Word for Windows 6.0 ou posterior.
configuração das páginas
Tamanho do papel A4 (29,7 x 21 cm)
Margens superior 3cm, inferior 2cm, esquerda 3cm e direita 2 cm;
Espaçamento Simples (entre caracteres, palavras e linhas);
Número de palavras O artigo deve conter entre 5.000 e 10.000 palavras, excluindo-se o
resumo e o abstract, as ilustrações, as referências e as notas de final de texto.
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observações
conteúdo da primeira página
Título do trabalho centralizado, em português e inglês.
Resumo em português e inglês, contendo o objetivo do trabalho, o método utilizado,
os resultados obtidos e as conclusões com no mínimo 10 (dez) e no máximo 15 (quinze)
linhas; seguido de palavras-chave e keywords (no mínimo três e no máximo cinco
palavras-chave).
As ilustrações, tabelas, quadros e gráficos não poderão ser coloridos e deverão ser
enviados em formato editável (Word, Power Point ou Excel) com fonte tamanho 10.
As referências completas deverão ser apresentadas em ordem alfabétical ao final do texto,
de acordo com as normas da abnt.
As notas devem ser reduzidas ao mínimo necessário e serem apresentadas ao final do
texto sequencialmente depois das referências.
Trabalhos publicados em decorrência de atividades financiadas por quaisquer órgãos
de fomento, por exemplo, cnpq, capes, dentre outros, deverão, necessariamente, fazer
menção ao apoio recebido, após as referências, com as seguintes notas:
a) se publicado individualmente O presente trabalho foi realizado com o apoio da [Nome da
Instituição];
b) se publicado em co-autoria Beneficiário de auxílio financeiro da [Nome da Instituição].
Os artigos que não estiverem dentro de tais parâmetros serão remetidos aos autores solicitando
que os envie novamente em formato adequado.
envio do trabalho
Os artigos podem ser enviados em português, espanhol, inglês ou francêse e deverão ser
encaminhados por meio da homepage da angrad www.angrad.org.br/revista/artigos/
insert/
Os artigos submetidos à Administração: Ensino e Pesquisa com identificação dos autores no
corpo do texto serão automaticamente desconsiderados, tendo em vista que as informações
para identificação dos autores são solicitadas na página para submissão do artigo, além de
levar em consideração que a revista segue o processo de blind review na avaliação dos trabalhos.
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processo de avaliação
Os artigos enviados para publicação na revista Administração: Ensino e Pesquisa são
submetidos a um processo de avaliação, objetivando divulgar as melhores contribuições
recebidas e avaliadas até o momento da finalização do exemplar.
O processo de avaliação da revista Administração: Ensino e Pesquisa inicia com uma
avaliação do editor que observará a adequação do artigo à política editorial da revista.
O editor encaminhará os artigos para avaliadores seguindo um processo de revisão sem
identificação de autor e revisor, no qual os avaliadores recebem um relatório com aspectos
a serem observados no artigo. Os critérios analisados estão listados abaixo e são aplicados
com base na natureza e no tipo do compuscrito.
Originalidade e importância das principais ideias;
Qualidade do tratamento e relevância da literatura existente;
Qualidade de apresentação das ideias;
Concepção e execução dos métodos de pesquisa;
Contribuição do artigo para o avanço do conhecimento.
Na análise, destacam pontos importantes que justificam a sua avaliação, contribuindo
para o aperfeiçoamento do trabalho do autor.
Os comentários dos avaliadores são enviados ao autor para que realize as sugestões
recebidas. Feitas as melhorias, o artigo retorna aos avaliadores que farão nova avaliação,
indicando ou não a publicação do trabalho.
Após ser aceito para publicação, o artigo passa por uma revisão ortográfica e estilística
profissional. É por tudo isso fortemente recomendado que os autores solicitem a opinião
crítica de algum colega antes do envio do artigo.
O editor poderá rejeitar artigos que não apresentem condições mínimas ou que não
estejam alinhados com a política da revista sem a necessidade de apresentar pareceres de
modo a agilizar a submissão do trabalho em outros periódicos.
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processo de escolha
Por ser um veículo nacional, a revista Administração: Ensino e Pesquisa publicará sempre
artigos de autores oriundos de toda a federação.
Após a análise e aprovação dos avaliadores, o editor da Revista procurará sempre selecionar
para publicação em cada fascículo artigos de autores vinculados as instituições das mais
diversas localidades do país.
A revista se permite o direito de publicação em cada fascículo de um artigo internacional
que também passará pelos mesmos critérios de avaliação.
direitos autorais
Ressaltamos que as opiniões emitidas nos textos publicados são de total responsabilidade
de seus respectivos autores. Todos os direitos de reprodução, tradução e adaptação estão
reservados.
Quando o trabalho for aprovado para publicação, os autores serão comunicados por e-mail
e receberão uma carta para a cessão de direitos autorais e autorização para publicação
em meio eletrônico, em nome da Administração: Ensino e Pesquisa, esta deverá ser
preenchida por cada um dos autores do trabalho, assinada e remetida em formato
digitalizado via e-mail. Também é necessário o envio de um breve currículo de cada um
dos autores, no qual deverá constar: nome completo; formação acadêmica; instituição de
afiliação; cidade; estado; país; áreas de interesse em pesquisa; endereço completo; e e-mail.
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