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Transcrição

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PRÓLOGO
L
ady Georgiana Halley invadiu a sala ampla, espumando de raiva.
— Ficaram sabendo o que aquele homem fez agora?
Lucinda Barrett e Evelyn Ruddick trocaram olhares cúmplices. Claro que sabiam exatamente a quem
Georgiana se referia. E como não saberiam, já que ele
era o pior homem da Inglaterra?
— O quê? — Lucinda perguntou ao largar as cartas que estava embaralhando.
Depois de sacudir as gotas de chuva da barra de
seu vestido, Georgiana se sentou à mesa de jogo.
— Elinor Blythem e sua criada foram pegas de
surpresa pela chuva esta manhã. Elas caminhavam
para casa quando aquele homem passou em sua carruagem a toda a velocidade sobre uma poça enorme
e encharcou as duas. — Georgiana tirou as luvas e
bateu na mesa com elas. — Felizmente, a chuva tinha
apenas começado. Senão, ele as teria afogado no meio
da rua!
— Ele nem sequer parou para socorrê-las? —
Evelyn indagou.
— Para se molhar também? Claro que não! —
Georgiana jogou um punhado de açúcar em sua xícara
de chá e mexeu o líquido vigorosamente. Os homens
eram tão enervantes! — Se não estivesse chovendo,
Suzanne Enoch
ele teria parado para escoltar Elinor e a criada, mas,
para a maioria dos homens, a “nobreza” não é um estado de espírito; é um estado de conforto.
— Um estado de conforto monetário — Lucinda
completou. — Mas não espalhe para ninguém — disse com ironia.
Evelyn serviu-se de chá.
— Embora vocês duas sejam cínicas, tenho de admitir que a sociedade parece relevar a arrogância quando um cavalheiro tem dinheiro e poder. A verdadeira
nobreza desapareceu. Na época do rei Arthur, conquistar a admiração de uma mulher era tão importante
quanto a habilidade de matar um dragão.
Na mente imaginativa da srta. Ruddick, quase
tudo estava ligado às fábulas de cavalheirismo, mas,
mesmo assim, ela tinha razão.
— Exatamente — Georgiana concordou. — Desde
quando os dragões se tornaram mais importantes que
as donzelas?
— Os dragões protegem tesouros — Lucinda disse. — Por isso, as mulheres com dotes abastados possuem o mesmo grau de importância que os dragões.
— Nós deveríamos ser os tesouros, com ou sem dotes — Georgiana insistiu. — O problema é que somos
mais complicadas que apostas e corridas de cavalos.
Compreender uma mulher está para além da capacidade da maioria dos homens.
Lucinda provou o bolo de chocolate.
— Concordo. É preciso mais que uma espada brandindo em minha direção para despertar meu interesse. — Ela riu.
— Lucinda! — Ruborizada, Evelyn se abanou com
o leque. — Pelo amor de Deus!
— Não. Luce está certa, Evie. Um cavalheiro não
pode conquistar o coração de uma mulher do mesmo
a aposta
jeito como ele... ganha uma corrida no Tâmisa —
Georgiana pontuou. — Eles precisam saber que as
regras são diferentes. Por exemplo, eu não gostaria de
me associar a um cavalheiro que tenha como hábito
partir o coração das damas, por mais charmoso e rico
que ele seja.
— E um cavalheiro deve saber que uma dama é
dona da própria vontade! — Evelyn acrescentou,
enfática.
Lucinda se levantou e foi até a escrivaninha do
outro lado da sala.
— Precisamos escrever tudo isso — ela sugeriu, pegando papéis em uma gaveta. — Nós três possuímos
muita influência, principalmente no que se refere aos
cavalheiros para os quais essas regras se aplicam.
— E prestaremos um serviço inestimável às outras damas — Georgiana concluiu, quando um plano
começou a se formar em sua mente.
— Mas uma lista não fará nada a ninguém, a
não ser a nós mesmas. — Evelyn pegou o lápis que
Lucinda lhe entregava junto com o papel.
— Fará, sim, quando pusermos nossas regras em
prática — Georgiana afirmou. — Proponho que cada
uma de nós escolha um homem e lhe ensine o que
precisa saber para impressionar uma mulher.
— Claro! Que ideia incrível! — Lucinda bateu
palmas.
Ao começar a escrever, Georgiana riu.
— Poderíamos publicar nossas regras no London
Times. O título seria: “Lições de Amor de Três Damas
Distintas”.
A lista de Georgiana
1. Nunca parta o coração de uma dama.
Suzanne Enoch
2. Sempre diga a verdade, a despeito do que acredite que uma dama queira escutar.
3. Nunca faça uma aposta que envolva os sentimentos de uma dama.
4. Flores são bem-vindas; mas certifique-se de serem as preferidas da dama em questão. Lírios são
particularmente adoráveis.
Capítulo I
L
ady Georgiana Halley observou lorde Dare entrar
no salão de baile e perguntou-se por que as solas
das botas lustrosas do visconde não esfumaçavam,
já que o homem caminhava pelas trilhas do inferno.
O restante dele certamente ardia em chamas enquanto, moreno e diabolicamente sedutor, dirigiase às salas de jogos. Ele nem sequer notou quando
Elinor Blythem lhe deu as costas.
— Eu odeio aquele homem — Georgiana
murmurou.
— Como disse? — lorde Luxley perguntou, empreendendo os passos da quadrilha.
— Nada, milorde. Estou pensando em voz alta.
— Pois então partilhe seus pensamentos comigo,
lady Georgiana. — Luxley tocou a mão dela, virou-se
e desapareceu atrás da srta. Partrey antes de voltar
novamente a encará-la. — Nada me agrada mais que
o som de sua voz.
Exceto, talvez, o ouro que tilinta em minha bolsa.
Georgiana suspirou. Ela se tornava cada vez mais
intolerante.
— Está apenas sendo gentil, milorde.
— Essa é uma impossibilidade no que lhe diz respeito, milady.
Quando deram outra volta no salão, ela notou que
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Dare saía de seu campo de visão. Provavelmente o
devasso ia fumar um charuto com seus amigos igualmente libertinos. A presença do visconde havia estragado a noite agradável. Como fora sua tia quem
organizara a soirée, não podia imaginar quem o
convidara.
Seu parceiro de dança se juntou a ela outra vez.
Georgiana presenteou o garboso barão com um sorriso determinado. Tinha de eliminar o diabólico
Dare de seus pensamentos.
— Está muito disposto esta noite, lorde Luxley.
— A senhorita me inspira — o barão disse.
A dança terminou. Enquanto o barão pegava um
lenço no bolso, Georgiana avistou Lucinda Barrett e
Evelyn Ruddick juntas à mesa de refrescos.
— Obrigada, milorde — Georgiana agradeceu e fez
uma cortesia antes que ele a convidasse para um passeio pelo salão. — Milorde me exauriu. Poderia me
dar licença?
— Eu... É claro, milady.
— Luxley?! — Lucinda exclamou por trás do leque quando Georgiana se juntou a elas. — Como
aconteceu?
— Ele queria recitar o poema que escreveu em minha homenagem, e o único jeito de calá-lo logo depois da primeira estrofe foi aceitando o convite para
dançar.
— Ele escreveu um poema para você? — Evelyn a
tocou no braço e guiou as amigas em direção às cadeiras dispostas em um canto do salão.
— Sim. — Grata ao ver Luxley selecionar uma das
debutantes como sua próxima vítima, Georgiana aceitou a taça de vinho que um criado lhe oferecia. Após
três horas de quadrilhas e valsas, seus pés latejavam.
— E você sabe que palavras rimam com Georgiana?
a aposta
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— Não. Conte-me — Evelyn pediu, rindo.
— Nenhuma. Ele inseriu “iana” ao final de cada
palavra. “Oh, Georgiana, sua beleza é minha luziana, seu cabelo é tão nobre quanto uma moeda de
ouriana, seu...”
Lucinda ficou chocada.
— Meu Deus, pare agora mesmo. Georgie, você
tem o talento de fazer os homens dizer as coisas
mais ridículas do mundo.
Georgiana meneou a cabeça e ajeitou uma mecha
dourada que havia escapado da presilha.
— Meu dinheiro tem esse talento.
— Não seja tão cínica. Afinal, ele se deu o trabalho
de escrever um poema — Evelyn argumentou.
— Você tem razão. É triste notar que me tornei
ranzinza aos vinte e quatro anos.
— Vai escolher Luxley para sua lição de cavalheirismo? — Evelyn perguntou. — Parece que ele poderia aprender algumas coisas, como, por exemplo, que
as mulheres não são parvas.
— Para ser franca, não creio que ele valha o esforço. — Georgiana sorriu. — Aliás... — Um movimento
na escadaria a alertou. Dare voltou ao salão, de braço
dado com uma mulher. Mas não se tratava de qualquer mulher, ela notou, irritada; era Amelia Johns.
— Aliás o quê? — Lucinda seguiu o olhar da amiga. — Oh, Deus! Quem convidou Dare?
— Eu não fui.
A srta. Johns devia ter dezoito anos. Portanto, era
doze anos mais nova do que Dare. Porém, no que se
referia a atos pecaminosos, ele a superava em séculos. Georgiana escutara rumores de que o visconde
cortejava uma dama e, dadas a fortuna da família e
a inocência da jovem, Amelia era o alvo perfeito,
a pobre moça.
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Suzanne Enoch
Quando Dare segurou as mãos de Amelia,
Georgiana cerrou os dentes. O visconde disse algo e,
com um sorriso, soltou a jovem e se afastou. O rosto
de Amelia enrubesceu e, em seguida, empalideceu,
antes de ela fugir do salão.
Georgiana se levantou e encarou as amigas.
— Não será Luxley — declarou, surpresa com a própria determinação. — Pensei em um aluno diferente,
alguém que necessite de uma lição imediatamente.
Os olhos de Evelyn se arregalaram.
— Está pensando em lorde Dare? Você o odeia.
Nem sequer fala com ele.
A risada de Dare ecoou do outro lado do salão.
O sangue de Georgiana ferveu. Obviamente, ele não
se importava em magoar uma jovem. Oh, sim, Dare
precisava de uma lição! Afinal, ele fora o motivo que
as levara a fazer a lista. E Georgiana sabia que tipo
de lição pretendia lhe ensinar. Aliás, não conseguia
pensar em ninguém mais qualificada do que ela própria para essa façanha.
— Sim. E, é claro, terei de partir o coração do
visconde, embora eu não tenha certeza de que ele o
possua. Mas...
— Quieta — Evelyn disse, acenando discretamente.
— Quem possui o quê?
Tensa, Georgiana se virou.
— Eu não falava com milorde.
Tristan Carroway, o visconde Dare, fitou-a com
seus intensos olhos azuis. Certamente, ele não possuía um coração, já que conseguia sorrir de forma
tão charmosa e sensual logo depois de reduzir outra
mulher às lágrimas.
— Mas aqui estou — Dare continuou —, somente para lhe dizer como está linda esta noite, lady
Georgiana.
a aposta
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Ela sorriu, embora por dentro estivesse furiosa.
Agora o visconde a elogiava, enquanto a pobre Amelia
estava em algum canto escuro chorando.
— Escolhi este vestido pensando em milorde —
Georgiana disse, alisando a saia. — Gostou mesmo?
Dare não era tolo e, embora sua expressão não mudasse, ele recuou um passo. Georgiana não segurava
o leque, mas o de Lucinda estava a seu alcance, caso
ela pretendesse atacá-lo.
— Gostei, sim, milady. — O exame minucioso de
Dare a deixou com a estranha sensação de que ele sabia diferenciar seda e algodão.
— Então, usarei este traje em seu enterro —
Georgiana revelou, sorridente.
— Georgie... — Lucinda murmurou.
— Quem disse que será convidada? — Com um sorriso malicioso, ele se virou. — Boa noite, senhoritas.
Oh, ele definitivamente precisava aprender uma
lição!
— Como vão suas tias? — Georgiana perguntou
antes que ele se afastasse.
— Minhas tias?
— Sim. Não as vi esta noite. Como elas vão?
— Tia Edwina vai muito bem — Dare respondeu,
ressabiado. — Tia Milly está se recuperando, embora
não tão rapidamente quanto ela deseja. Por quê?
Georgiana não tinha a menor intenção de explicarse. Melhor seria deixá-lo na ignorância até que ela elaborasse os detalhes do plano que começava a criar.
— Por nada. Por favor, mande lembranças minhas
a elas.
— Farei isso. Senhoritas.
— Lorde Dare.
Tão logo ele se foi, Lucinda soltou o braço de
Georgiana.
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— É assim que pretende fazer um cavalheiro se
apaixonar por você? Estava me perguntando o que eu
tenho feito de errado.
— Ora, não posso simplesmente me jogar nos braços dele. Dare ficaria desconfiado.
— Então, como vai conquistá-lo? — Evelyn, sempre otimista, agora estava cética.
— Antes que eu faça qualquer coisa, preciso falar
com uma pessoa. Conversarei com vocês amanhã.
Georgiana saiu em busca de Amelia Johns. Dare
havia desaparecido, mas isso não a impediu de continuar atenta. Uma das características mais irritantes
do visconde era que ninguém sabia onde ou quando
ele poderia aparecer. De súbito, lembrou-se de que
não lhe perguntara quem o tinha convidado para a
festa.
Uma busca extensa não revelou nenhum sinal da
bela debutante e, preocupada, Georgiana foi ao encontro da tia, a fim de retomar seus deveres de anfitriã.
Ser acompanhante de tia Frederica implicava certas
responsabilidades, e passar a noite sorrindo para os
convidados, quando preferia ir até seu quarto para
tramar estratégias, era uma delas.
Fazer Tristan Carroway se apaixonar por ela era
um risco grande, mas o visconde precisava aprender
aquela lição. Dare já havia partido vários corações.
Por isso, ela precisava obrigá-lo a se redimir.