O nascimento - Portal dos Jornalistas

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O nascimento - Portal dos Jornalistas
19/04/12
Folha Online - Equilíbrio - Comportamento - Luiz Henrique Rivoiro - O nascimento - 19/02/2002
19/02/2002
O nascimento
LUIZ RIVOIRO
colunista da Folha Online
Nasceu. Quinta-feira, 17h29, 3,16 kg, 48 cm. Parto natural, João está aqui, no colo da
Mãe, bem pertinho, e mamando enquanto escrevo a mais esperada das colunas.
Tudo começou na manhã de quinta-feira, quando, ao acordar, me deparei com a Mãe
segurando um relógio em cima de sua barriga. "Parece que são contrações, mas não
sei..." Mas do que depressa, assumi a função de cronômetro (e aí, amigos pais de
primeira viagem, é preciso ter sempre à mão um relógio capaz de marcar minutos e
segundos. Se for daqueles com cronômetro, melhor ainda. É fundamental).
A cada cinco minutos, uma contração de 20 a 30 segundos. Nada muito forte, segundo
ela, mas com certeza já eram sinais de que deveríamos levar nossas mochilas para a
maternidade. Apesar deles, fiquei em dúvida, pois não havia acontecido o tão falado
rompimento da bolsa com líquido amniótico. Pouco depois, o Doutor confirmou nossas
suspeitas: "É melhor ir para o hospital". E fomos. Para quem esperava uma louca
escapada em meio ao trânsito de São Paulo, com carro em alta velocidade, gestante
aos gritos e aquela famosa respiração tipo "cachorrinho", esqueça. De casa à
maternidade foram menos de 15 minutos, mas em velocidade normal e sem atropelos.
Ao chegar, recebemos o diagnóstico: "As contrações são regulares, já há dilatação,
vamos internar". Guardei o carro e subi com a Mãe para a suíte de pré-parto. Eram
11h, e o quarto, além de aparelho de som, contava ainda com uma banheira de
hidromassagem. Bacana.
O tempo foi passando e eu, compenetrado no papel de cronômetro oficial, ia marcando
as contrações. Às 16h, já eram tão fortes que foi preciso tomar anestesia. A bolsa
rompeu naturalmente. Uma hora depois, a tal suíte se transformou em uma sala de
parto real. Detrás das paredes saltaram equipamentos para monitoramento da Mãe e
do bebê. O Doutor chegou, mediu mais uma vez a dilatação e confirmou que era
chegada a hora. Vieram mais enfermeiras, a obstetriz (a mesma do curso de pais,
lembram-se?), a pediatra, o anestesista, o assistente do Doutor. Assisti a tudo isso
calado, segurando firme na mão da Mãe (ah, essa é a outra função que nos cabe além
de cronômetro: segurar a mão da Mãe nos momentos mais duros). Coloquei a
máscara (afinal todos vestiam uma) e arrumei a câmera para registrar o momento mais
importante da minha vida.
Alguns podem torcer o nariz para o fato de eu mesmo ter fotografado todo o parto, mas
a verdade é que eu não me sentiria à vontade se outros o fizessem. Daí, lá estava eu,
trêmulo, câmera em punho, sem flash, acompanhando o anestesista subir em um
banquinho e colocar toda a força de seus músculos e peso do seu corpo sobre a
barriga da Mãe. Esse é o trabalho de expulsão do bebê. Parece violento, brutal, mas é
absolutamente necessário em partos naturais. Doze cronometrados minutos depois,
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ouvi um chorinho baixo e vi o João sendo passado, ainda melecado, às mãos da
obstetriz e depois às da pediatra. O visor da câmera embaçou. Eu não conseguia
controlar as lágrimas. Segurei forte a mão da Mãe: "Ele nasceu. É ele!" E foi isso.
Em seguida, o João, sem derramar lágrima, foi trazido para o lado da Mãe. A pediatra
me tranquilizou dizendo que tudo estava bem com o garoto. Depois, ainda ao lado da
cama, ele tomou seu primeiro banho. Acariciei seus cabelinhos pela primeira vez,
ainda com medo de tocá-lo, até que, enrolado como um kebab, aquele garotinho me foi
colocado nos braços. Não sabia o que fazer, se estava segurando certo (e se eu
causasse algum tipo de concussão cerebral naquela criatura tão frágil?), para onde
deveria ir, o que fazer para aquelas lágrimas pararem de escorrer!
Das minhas mãos, João foi direto para a sua primeira mamada. E como ele mamou.
Esgotada, a Mãe ficou por mais duas horas na suíte enquanto o bebê foi levado para o
berçário. Por volta das 20h estávamos todos no quarto. Difícil era conter a baba dos
pais, tios e avós que já não aguentavam mais de saudade daquele menino. Ficamos
na maternidade por três dias até o João ter alta. A Mãe, segundo Doutor, quase que já
estava de alta no primeiro dia, tamanha a sua disposição pós-parto. No domingo, nos
reunimos em casa para o primeiro almoço em família.
Pode parecer chavão, mas, ainda que pareça tão frágil, é impressionante o
magnetismo e a força que um recém-nascido tem. Já havia lido, visto em filmes, ouvido
de amigos, mas sinceramente não esperava tamanho poder. De uma hora para outra
estava eu falando ao telefone: "Ele é lindo, muito bonitinho, e sim, claro, fofinho..." E o
mais espantoso é que esse vocabulário repleto de diminutivos em momento algum soa
de forma piegas aos meus ouvidos. Tampouco me sinto estranho quando me pego
namorando esse bebê enquanto o mundo continua a acontecer ao meu lado. Para mim,
o mundo agora é outro. E bem melhor.
Luiz Rivoiro é jornalista, editor-chefe do Núcleo de Revistas da Folha e pai "de
primeira viagem". Escreve quinzenalmente na Folha Online, às terças-feiras.
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