A AIDS E A ESCOLA nem indiferença nem discriminação

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A AIDS E A ESCOLA nem indiferença nem discriminação
A AIDS E A ESCOLA
nem indiferença
nem discriminação
Se você acha que ainda não
conhece as informações
básicas sobre Aids – o que é,
como se transmite, como não
se transmite, etc. - consulte
o anexo 1 antes de iniciar a
leitura deste livro.
ABIA
A Aids e a escola: nem indiferença nem discriminação
© 1993 ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS
Rua Sete de Setembro, 48, 12º andar - 20.050-000 - Rio de Janeiro-RJ
tel.: (021) 224-1654
Texto e seleção de materiais: Jacques Schwarzstein, Teresinha Cristina Reis Pinto,
Cristina Alvim Castello Branco
Pesquisa jornalística e relatos de casos: Wanda Nestlehner
Assessoria: Christina Vallinoto, Jane Galvão, José Stalin Pedrosa, Veriano Terto Junior.
Projeto gráfico: Cláudio Mesquita (A 4 Mãos)
Editoração eletrônica: Kraft Produções Gráficas
As idéias veiculadas por este caderno sintetizam as experiências feitas entre 1990 e 1992
pelo PROJETO AIDS da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Estabelecem,
portanto, um vínculo direto entre a teoria e a prática da prevenção da Aids nas escolas.
Para garantir às pessoas que vivem com HIV / Aids o sigilo a que têm direito por lei,
modificamos os nomes de todos os personagens reais - mesmo dos que não têm o HIV mencionados nos relatos de casos verídicos que o leitor encontrará nas páginas seguintes. À
exceção da servente Josefa Carvalho Baron, que preferiu ser identificada, e da menina
Sheila, cujo caso foi amplamente divulgado pela imprensa, todos os nomes são fictícios.
Este caderno é dedicado a estes personagens e a todos aqueles que - tenham sido eles
mencionados ou hão - com dignidade, coragem e criatividade estão nos ajudando a inventar
e a assumir as atitudes esclarecidas e os comportamentos solidários que nos permitirão
controlar - esperamos em breve - as epidemias da Aids e do HIV em nosso país e no
mundo.
Na escola ensinamos e, antes de mais nada, aprendemos! Viver é possível! Controlar a Aids
também é!
A equipe de redação
Rio de janeiro, 1 de dezembro de 1992/Dia Mundial
da Aids
Financiador: Public Welfare Foundation
Apoio: Deve1oppement et Paix
A reprodução integral ou parcial deste caderno mediante citação da fonte é permitida e
desejável.
Ele foi impresso em preto e branco e formato A4 para facilitar sua reprodução em xerox. Se
você precisa reproduzir uma tiragem pequena para sua escola, este pode ser o melhor
caminho.
ABIA
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Sumário
Encontro com a vida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Introdução - Crises desnecessárias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo 1 - A Aids nas escolas brasileiras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo 2 - A prevenção da Aids nas escolas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
É importante falar de Aids nas escolas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Programas de prevenção devem se apoiar numa base jurídica sólida: vontade política é
fundamental! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Os programas de prevenção devem ser discutidos com toda a comunidade. . . . . . . . . . . . . . . . .
Um bom programa depende do treinamento da equipe de coordenação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Organização do apoio institucional aos professores envolvidos no programa. . . . . . . . . . . . . . .
Para alcançar o impacto desejável, os programas de prevenção da Aids podem exigir vários
anos de trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A prevenção da Aids passa, necessariamente, por um debate democrático sobre assuntos
delicados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A Aids nos obriga a um confronto com nossos preconceitos e medos. A luta contra a
discriminação da pessoa que está com HIV e do doente de Aids é de fundamental importância
para a prevenção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo 3 - Quando alguém na escola está com HIV / Aids - algumas perguntas e respostas. . . . . . .
Os pais de crianças com Aids são obrigados a informar a escola sobre a situação de seus
filhos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Há pais que ao solicitarem a matrícula de seu filho/a informam a escola de que a criança está
com vírus da Aids. Como proceder nestes casos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Além de encaminhar normalmente o pedido de matrícula, o que deve fazer a direção de uma
escola quando for informada pelos pais de um aluno de que esteja aluno/a está com HIV/Aids?
Professores e funcionários da escola devem ser informados de que um ou mais alunos estão
com HIV/Aids? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O que devem fazer professores e funcionários que receberem dos pais de uma criança com
HIV / Aids informações sobre a condição desta criança? Devem informar a direção da escola?
Devemos informar todos os alunos de que a escola tem pessoas com HIV/Aids? . . . . . . . . . . . .
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Capítulo 4 - Cuidados especiais com crianças que estão com HIV/Aids. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
As crianças que estão com HIV/Aids nem sempre ficam sabendo do problema que têm.
Porque? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
As crianças com HIV / Aids precisam de cuidados especiais? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O que fazer se os pais de uma criança com Aids solicitarem à direção da escola cuidados
especiais que não façam parte dos procedimentos normais da escola em caso de doenças dos
alunos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Pais e funcionários devem assumir sozinhos a responsabilidade por crianças com HIV/Aids? . .
Como deve se dar a colaboração com a Secretaria de Saúde. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo 5 - A Aids não representa um perigo maior para o meio escolar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A Aids é uma doença infecto-contagiosa? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Qual a diferença entre uma doença infecto-contagiosa e uma doença infecto-transmissível? . . .
Um aluno com HIV/Aids pode transmitir a doença para outros alunos, para professores ou
funcionários? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
E se uma criança que está com o HIV morder uma outra criança? Pode transmitir o vírus? . . . .
E se uma criança que está com o HIV / Aids se machucar e tiver um sangramento forte? Pode
contaminar outras crianças ou contaminar um professor que venha socorrê-la? . . . . . . . . . . . . .
Os professores devem usar luvas quando socorrem crianças que se machucaram? . . . . . . . . . . .
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Dividir o lanche, mascar o mesmo chiclete ou o mesmo lápis, transmite o HIV? . . . . . . . . . . . .
Beijo na boca transmite o HIV/Aids? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo 6 - Boatos: o que fazer? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Como surgem e o que são os boatos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Como neutralizar um boato? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo 7 - Professores também podem estar com HIV / Aids. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Professores e funcionários que estão com HIV / Aids podem continuar a trabalhar nas escolas?
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Capítulo 8 - A questão dos testes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Por que não testar todas as crianças, professores e funcionários para saber quais são as que
estão com o vírus da Aids? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Por que não organizar classes especiais ou escolas especiais para as crianças com HIV/Aids? .
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Capítulo 9 - Sexo e drogas na escola. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Por que falar de sexo e drogas nas escolas? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Que tipo de apoio a escola pode oferecer a seus alunos na área da sexualidade? . . . . . . . . . . . .
O que deve fazer a direção da escola se souber que um aluno/a que está com HIV/Aids está
namorando um outro aluno/a? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O que deve fazer a direção de uma escola com relação aos alunos que sabe serem
consumidores de drogas intravenosas? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Anexo 1 - HIV e Aids: botando os pingos nos “is”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Anexo 2 - Legislação do Projeto Aids/SP. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Anexo 3 - Anexo da Portaria Interministerial 796/29-5-92. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Anexo 4 - Endereços de ONG’s/ Aids. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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ENCONTRO COM A VIDA
No primeiro dia, todos choraram. Como qualquer criança, Reinaldo, de sete anos, Júnior e
Ana, de cinco, e Simone, de quatro, não gostaram nada da idéia de abandonar o aconchego
do lar para se aventurar no desconhecido da escola. A conquista desse território, repleto de
novidades, não foi simples, mas a resistência durou pouco e hoje os quatro não querem nem
ouvir falar na hipótese de deixar as aulas. Solidariedade, tolerância, respeito e, acima de
tudo, muita informação tiveram importância fundamental para garantir o direito dessas
crianças ao estudo.
Reinaldo, Júnior, Ana e Simone são alguns dos 21 moradores da Casa Vida, uma instituição
criada pela Igreja, em São Paulo, para abrigar menores que estão com o vírus HIV No
início de 1992, os responsáveis pela Casa Vida se deram conta de que os quatro tinham
idade suficiente para ir à escola e resolveram batalhar por isso junto à prefeitura. "É um
direito deles", diz o padre Júlio, idealizador do projeto. Mesmo assim, até que as coisas se
ajeitassem, ocorreu de tudo entre os adultos envolvidos na história: pressão, chantagem,
derramamento de lágrimas, raiva, histeria, medo e até algumas demonstrações de grandeza
e serenidade.
“Você aceitaria um aluno portador do vírus da Aids?” A proposta chegou pelo telefone, de
sopetão, aos ouvidos de Clara, diretora de uma escola municipal de educação infantil que
recebe alunos de até seis anos. Mesmo assim, a resposta saiu rápida de seus lábios. “Sem
dúvida”, ela disse, sem saber que ainda choraria muito, escondida no banheiro, por causa
daquela decisão. “Na hora, nem pensei, mas se pensasse daria a mesma resposta”.A escola
dirigida por Clara fica num bairro de classe média, bem próxima da Casa Vida, e mistura
em sua clientela filhos de médicos, advogados e de empregadas domésticas.
No mesmo dia, tocou o telefone de Wilma, diretora de uma escola de primeiro grau da
prefeitura, localizada num bairro mais afastado e de população mais carente. A resposta foi
idêntica. Nos dias seguintes, as diretoras se reuniram com o padre Júlio. “Eu parecia um pai
de primeira viagem, apavorado com o que eles comeriam, com machucados, com
preconceitos, mas sabia que os meninos não poderiam viver isolados”.
Clara foi à Casa Vida, para conhecer as três crianças que receberia. “Admito que naquele
dia não tive coragem de beijá-los”. Professores e funcionários de ambas as unidades
participaram do curso ministrado pelos representantes do Projeto Aids, da Secretaria
Municipal de Educação. Ao final, Wilma informou a todos que a escola tinha um aluno
portador do HIV e que não diria quem era. Não houve qualquer reação negativa. “Depois
daquele curso, a escola não seria mais a mesma”, garante a diretora. "Ela cresceu, ficou
mais unida”. Os pais não foram avisados. Quando tornou-se público o caso da menina
Sheila, rejeitada por uma escola particular, a imprensa descobriu Wilma e ela acabou dando
uma entrevista para a TV. Ao vê-la, muitos pais se apavoraram e foram até a escola. “Não
perdi nenhum aluno e ainda ganhei alguns elogios”, orgulha-se a diretora.
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Para Clara, as coisas não foram tão simples. A notícia da presença das crianças - ela ficou
com os três mais novos - vazou logo no início das aulas e uma das mães, Lúcia, apareceu
com uma espécie de panfleto, que pretendia distribuir caso não fosse convocada uma
reunião de pais. “A questão implica risco de vida para nossos filhos e nossas famílias”,
dizia o texto. Sem alternativa, com o apoio do Projeto Aids e a presença da diretora de
infectologia da Secretaria Estadual de Saúde, Clara chamou os pais. Lúcia se recusou a
aceitar as explicações da médica e saiu da sala aos gritos. Foi sozinha. Dias depois, ela tirou
o filho da escola. “Foi uma semana desgastante”, conta a diretora. Segundo ela, muitos pais
quiseram saber quem eram as crianças, mas a informação foi negada. “Eu dizia que nós
éramos privilegiados por saber que convivíamos com portadores e lembrei que muitas
crianças podem ter o vírus sem que nem os pais tenham conhecimento disso”. Deu certo.
Ninguém mais tocou no assunto.
“Quando soube que teríamos alunos portadores do HIV,
meu marido me aconselhou a sair da escola. Depois do curso,
eu sentei com ele e com minha filha de 10 anos e
conversamos. Acabou o medo. Hoje eles se preocupam,
pedem notícias das crianças e é só.
Karina, 40 anos
coordenadora pedagógica
No segundo semestre de 1992, a escola de Clara recebeu de braços abertos e sem traumas
mais uma pequena moradora da Casa Vida. Angélica, de quatro anos, chegou muito tímida,
mas, como os demais colegas, logo se abriu para o mundo novo ao qual foi apresentada. “É
incrível como eles já mudaram”, revela o padre Júlio. “A primeira coisa que aprenderam foi
a falar palavrão, mas com certeza tiveram seu horizonte ampliado”.
“Às vezes eu me pergunto se não é responsabilidade demais aceitar essas crianças, mas
com a retaguarda da Secretaria e com a honestidade com que estamos tratando o assunto,
porque não haveria de dar certo?”, indaga Clara.
Relato de caso / Projeto Aids - SP
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INTRODUÇÃO
Crises desnecessárias
“É uma doença, não é um melodrama”.Herbert Daniel
Continua a aumentar rapidamente, no Brasil e no mundo, o número de crianças e
adolescentes contaminados com o vírus da Aids. Em todo o planeta, de um total de
aproximadamente 12,9 milhões de pessoas contaminadas, 7 milhões são homens, 4,7
milhões são mulheres e 1,1 milhões são crianças1. No Brasil, foram diagnosticados, entre
1980 e fins de 1992, 2.034 casos de Aids entre menores de 19 anos de idade, cifra que
representa 7,4% do total de casos notificados em nosso país2. Além disto, sempre que
falamos de “Aids e Juventude”, é importante lembrar que, entre as pessoas que
desenvolvem a doença em idade adulta, é grande o número daquelas que se contaminaram
antes de completar 18 anos de idade.
Entre as crianças que têm HIV / Aids - sobretudo entre aquelas que têm menos de 10 anos
de idade - a grande maioria foi contaminada por suas mães, portadoras do vírus, durante a
gestação ou o parto. Outras foram contaminadas por transfusões de sangue infectado. Os
adolescentes, por sua vez, estão expostos à contaminação através de relações sexuais sem
proteção do preservativo, de abuso sexual, de transfusões de sangue e da utilização coletiva
de seringas e agulhas infectadas para a injeção de drogas.
Independentemente da maneira pela qual se contaminaram o certo é que muitos destes
jovens e crianças já freqüentam nossas escolas, e que outros mais chegarão às salas de aula
de todo o país ao longo dos próximos meses e anos. A título de ilustração, vale lembrar que
em maio de 1992, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo calculava que 2.600
crianças com HIV/Aids, entre cinco e 14 anos de idade, estavam freqüentando regularmente
as escolas públicas e privadas daquele Estado3.
Contudo, apesar desses números assustadores, qualquer reflexão científica e serena sobre a
epidemia da Aids levará à conclusão de que estamos, na verdade, lidando com uma doença
como as outras. Uma doença grave, sem dúvida, mas que deve ser vista como uma doença
comum. Uma doença transmissível, mas não contagiosa, pois não se propaga através do
convívio social, na rua, nos meios de transporte, no cinema, no esporte, na piscina, na praia,
no trabalho ou na escola. Uma doença virótica, que assusta porque pode ser fatal e nos
deixa vulneráveis a todo um conjunto de doenças - também comuns -, mas que pode ser
evitada, pois já sabemos de que forma se transmite. Uma doença que a medicina está
aprendendo a tratar com novas drogas antivirais como o AZT, DDI e DDC e com terapias
adequadas para as infecções oportunistas. Enfim, uma doença que poderá, dentro de algum
tempo - só nos é lamentavelmente impossível dizer ao certo quando-ser tratada como uma
doença crônica, como a diabete, por exemplo, que também não tem cura e também pode ser
fatal.
1
The Global Aids Policy Coalition, News/3-6-1992
Ministério da Saúde - Programa Nacional de DST/AIDS - Boletim Epidemiológico- Ano V/ nº 8
3
Revista Nova Escola - Entrevista com Dr. Caio Rosenthal - agosto/1992
2
7
No entanto, marcada pelo estigma do medo e do preconceito, a Aids parece ter o poder de
substituir nossa inteligência pelo pânico, e nosso conhecimento pelo obscurantismo, o que
faz com que muitos de nossos educadores se recusem até mesmo a pensar na hipótese de
conviver nas escolas com pessoas que têm HIV ou que já tenham a saúde abalada pela
multiplicação do vírus no organismo. Conseqüentemente, a presença de crianças com HIV
nas escolas tem provocado crises compreensíveis, porém desnecessárias e perigosas.
Desnecessárias, porque a integração de crianças e adultos que têm HIV / Aids nas salas de
aula e ruas atividades recreativas ou esportivas, assim como o convívio e as brincadeiras
destas crianças com outras, não representam uma ameaça para a saúde no meio escolar,
nem implicam em transtornos para a rotina educacional. Perigosas, porque o convívio
sereno e esclarecido tom estas pessoas é de fundamental importância para a prevenção e o
controle da epidemia na comunidade e no mundo.
No Brasil, o caso de Sheila - uma menina de seis anos que vivia com HIV / Aids e teve sua
matrícula recusada por uma escola paulista provocou, recentemente, um debate de
proporções nacionais. O caso de Sheila foi, como veremos neste caderno, apenas um entre
muitos exemplos destas crises desnecessárias. Sua história serviu, todavia, para confrontar
definitivamente os responsáveis pelas diferentes redes escolares do país com uma situação
que não pode mais ser ignorada: A Aids já chegou às escolas brasileiras! Temos que
aprender a lidar com ela!
Nas páginas seguintes, os educadores interessados encontrarão materiais informativos e
uma seqüência de perguntas e respostas baseadas no conhecimento científico que se tem
hoje sobre as vias de transmissão do HIV e sobre a Aids, e nas experiências feitas pelo
Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Esperamos que este
conjunto de informações venha a ser útil ao processo que leva à superação do medo e à
adoção de atitudes e medidas adequadas à solução dos problemas que se manifestam
quando são notificados nas comunidades escolares os primeiros casos de HIV / Aids entre
alunos, professores e funcionários.
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CAPÍTULO 1
A Aids nas escolas brasileiras
Menina com Aids luta para ir ao colégio
Peja primeira vez, pais vão à Justiça contra essa discriminação
Pais vão a juiz para matricular filha com Aids
Folha da Tarde/SP-1/5/92
Folha de SP. 1/5/92
Escolas decidem rejeitar portadores de HIV
Em São Paulo, sindicato orienta colégios particulares a recusarem matriculas de crianças com vírus da Aids
O Globo 8/5/92
OAB critica escola que veta criança com vírus da Aids
Assembléia da CNBB critica veto à menina
Folha da Tarde-SP-8/5/92
Justiça garante volta de Sheila à Ursa Maior
Folha da Tarde-SP-15/5/92
Sheila, feliz na escola nova.
Folha da Tarde-SP-19/5/92
JUNTO COM OS PAIS, ELA FOI CONHECER O SÃO LUIZ E DISSE QUE ADOROU O COLÉGIO
Ao contrário do que muitos pensam, não foi com o “Caso Sheila” que a Aids chegou às
escolas brasileiras. Quando a Escola Ursa Maior recusou-se a receber Sheila entre seus
alunos, as escolas da rede pública paulista já haviam integrado 20 ou mais casos
(conhecidos) de pessoas com HIV / Aids. Os casos, de rejeição a estas pessoas haviam sido
superados e todas elas, professores, funcionários e alunos, continuavam a participar
normalmente da rotina escolar. Àquela altura dos acontecimentos, o Projeto Aids da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo que será citado com freqüência neste
caderno por ser um projeto modelo para o país - já existia há mais de dois anos e já havia
treinado mais de 700 professores da rede, que atuam hoje como multiplica dores e ajudam
alunos e professores a resolver os problemas que a questão da Aids e da prevenção da
epidemia trazem para dentro das escolas.
Quando pensamos nos problemas decorrentes da presença no meio escolar de
crianças/pessoas com HIV ou Aids, é importante lembrar que muitas pessoas que têm o
HIV não sabem que estão contaminadas. Estas pessoas não apresentam nenhum tipo de
sintoma de infecção 01 doença e vivem em perfeita saúde durante muitos anos, antes de
sofre as primeiras infecções decorrentes da imunodeficiência (enfraquecimento do sistema
imunológico) provocada pelo HIV. Por outro lado devemos lembrar também que as pessoas
que sabem que têm o HIV (ou sabem que seus filhos estão com o vírus) não têm obrigação
de comunicar este fato a quem quer que seja. No Brasil, até hoje, da toda a discriminação
que uma declaração desta natureza pode provo car, a maioria destas pessoas prefere manter
o sigilo sobre sua condição. Ou seja, nenhum diretor de escola pode afirmar hoje, com
segurança, que na sua escola ninguém está com o vírus.
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EM DEFESA DA ESCOLA PUBLICA DE QUALIDADE
A AIDS E A ESCOLA:
NEM INDIFERENÇA
NEM DISCRIMINAÇÃO
“A CRIANÇA E O ADOLESCENTE TÊM DIREITO À EDUCAÇÃO. (...) ASSEGURANDO-SE-LHES
IGUALDADE DE CONDIÇÕES PARA o ACESSO E PERMANÊNCIA NA ESCOLA (...)”.
No momento em que a sociedade brasileira se mostra apreensiva com a propagação da
AIDS e suas conseqüências, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo não se limita
a desenvolver campanhas de esclarecimento sobre os riscos de transmissão da doença, mas
acompanha aqueles que, dentro da Rede Municipal de ensino, já se encontram atingidos por
ela.
Este trabalho não começou agora. Teve início no primeiro dia de 1989, tomou forma como
Grupo de Trabalho e se desenvolveu em Projeto de Valorização da Vida. Veio e está aí,
com força e vontade políticas, determinado a garantir o enfrentamento da doença através de
informação combinada com a sensibilização, para erradicar qualquer tipo de preconceito e
desenvolver a solidariedade que respeita o direito à cidadania e à participação na vida, Um
Projeto que se coloca contra a segregação e que quer vivenciar, na prática, os pressupostos
de uma educação democrática e libertadora.
“Quando nós vamos aos clubes, ao cinema, a um restaurante, ou a um bar, certamente
vocês podem apostar que pelo menos nas últimas 48 horas alguém passou ali e era
portador do vírus HIV”1, diz a Dra- Marinella Della Negra, médica infectologista do
Hospital das Clínicas de São Paulo responsável pelo tratamento de crianças com Aids. Ou
seja, dadas as características e a evolução da epidemia, somos obrigados a fazer nossa a
idéia de que já estamos, ou em breve estaremos, convivendo nas escolas, assim como em
outros espaços públicos, com pessoas contaminadas pelo HIV. Infelizmente, estas
considerações são válidas para todo o país e não apenas para São Paulo. Antes do caso
Sheila, inúmeros casos de soropositividade em escolas já haviam sido registrados em outros
estados, como no Rio de Janeiro, Paraná e certamente outros dos quais não temos
conhecimento.
Apesar de não ser o primeiro caso de crianças com Aids nas escolas brasileiras, o “Caso
Sheila” teve enormes repercussões em todo o país: suscitou uma grande polêmica, permitiu
que a questão fosse discutida publicamente e resultou, pela primeira vez, numa resposta
formal dos Ministérios da Saúde e da Educação que emitiram a Portaria Interministerial
796 de 29.5.92.
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Caderno SINPRO – Ano I – nº1 – julho/92
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Além disto, o “Caso Sheila” teve o impacto de um brado de alerta para todos os
educadores. Ficou claro, depois da história de Sheila, que é urgente prepararmos e
capacitarmos as escolas para um confronto esclarecido com a epidemia da Aids em nossas
comunidades. O advento da Aids exige a implantação, nas redes escolares, de Programas de
Prevenção dirigidos aos alunos e a toda a comunidade escolar. Só através destes programas
será possível evitar que “casos” como o de Sheila se repitam.
Moradores de prédio em Santos movem ação para impedir instalação de abrigo para
crianças portadoras do HIV
Folha de SP. 18/5/92
Criança é recusada em colégio de São Carlos por estar com Aids
Folha da Tarde/SP 19/5/92
Suspeita de Aids afasta menina de creche no Paraná
CURITIBA - A menina Deisiane doa
Santos, de 2 anos, cujo pai cumpre pena de prisão.
viveu por quase uma semana o preconceito
enfrentado pelos doentes de ra, interferiram no
caso e Aids. Filha de uma cabeleireira de 21 anos,
que há duas semanas morreu dessa doença, ela foi
proibida de freqüentar a creche Lilian Vargas, em
Maringá, Paraná, até que sua família apresentasse
o resultado negativo do teste de HIV. Ontem, o
prefeito Ricardo Barros e o secretário estadual de
Saúde, Nizan Pereira, interferiram no caso e
Deisiane poderá continuar indo normalmente à
creche. A diretora da creche, Elizabeth Peixoto
Nonoze, foi quem levou a menina a um posto de
saúde, para que ela fizesse o exame.
Estado de São Paulo 26/5/92
Duas crianças e muita dedicação
Uma pequena casa no Morro do Adão,
em Bonsucesso, Zona Norte do Rio, está sendo
palco de uma batalha que transcende o cotidiano
da luta pela sobrevivência de uma família pobre e
favelada. Marcos Martins dos Santos, 26 anos,
largou o emprego para entregar-se totalmente aos
dois sobrinhos – Silas, uma não e dez meses, e
Artur, tre anos – abandonados há um ano pela mãe
aidética, Berenice Gomes, 22 anos. O pai, irmão
de Marcos, morreu de Aids há dois anos.
Por sorte, Marcos conseguiu uma creche que
aceitasse receber Silas e Artur. ‘Rodei a cidade
procurando creches, explicava o problema e
nenhuma aceitava os meninos’, conta o rapaz.
Sem contar com a ajuda da avó, mãe de Marcos,
que é idosa e alcoólatra, os garotos estão com uma
lista de material escolar no bolso, mas o tio não
tem dinheiro.
“Acabei todas as minhas
economias. Às vezes, o pessoal da igreja doa
feijão e arroz e todos do morro conhecem o
problema e ajudam como podem”, conta Marcos.
Jornal do Brasil/RJ 4/4/92
Criança com Aids volta para escola
O menino Leandro de Melo Santos, 7
anos, portador do vírus da Aids, venceu ontem a
primeira batalha contra a discriminação: agastado
desde a semana passada do curso de alfabetização
da Escola Muncipal São Leandro Paulo, em Brás
de Pina, a pedido de alguns pais de alunos que
descobriram a sua doença, Leandro retorna às
aulas hoje.
O Dia/RJ 15/5/91
11
Ministério da Educação
Gabinete do Ministro
Portaria Interministerial nº 796, de 29 de maio de 1992
Os Ministros de Estado da Educação e da Saúde, no uso das atribuições que lhes confere o art.
87, parágrafo único, inciso IV da Constituição Federal, e
Considerando o dever de proteger a dignidade e os direitos humanos das pessoas infectadas pelo
vírus da imunodeficiência humana (HIV);
Considerando que têm ocorrido injustificadas restrições a esses direitos no País;
Considerando que não foi documentado nenhum caso de transmissão mediante contatos casuais
entre pessoas em ambiente familiar, social, de trabalho, escolar ou qualquer outro;
Considerando que a educação é direito constitucionalmente definido e que o ensino fundamental
é obrigatório na forma do Título VIII, Capítulo III, Seção I da Constituição Federal;
Considerando que a limitação ou violação de direitos constitucionais à saúde, à educação e ao
trabalho de pessoas infectadas pelo HIV não se justificam; resolvem:
Art. 1º - Recomendar a observância das seguintes normas e procedimentos:
I- A realização de teste sorológico compulsório, prévio à admissão ou matrícula de aluno, e a
exigência de testes para manutenção da matrícula e de sua freqüência nas redes pública e privada de
ensino de todos os níveis, são injustificadas e não devem ser exigidas.
II - Da mesma forma não devem ser exigidos testes sorológicos prévios à contratação e
manutenção do emprego de professores e funcionários por parte de estabelecimentos de ensino.
III - Os indivíduos sorologicamente positivos, sejam alunos, professores ou funcionários, não
estão obrigados a informar sobre sua condição à direção, a funcionários ou a qualquer outro
membro da comunidade escolar.
IV - A divulgação de diagnóstico de infecção pelo HIV ou de Aids de que tenha conhecimento
qualquer pessoa da comunidade escolar, entre alunos, professores ou funcionários, não deve ser
feita.
V - Não deve ser permitida e existência de classes especiais ou de escolas específicas para
infectados pelo HIV.
Art. 2º - Recomendar a implantação, onde não exista, e a manutenção e ampliação, onde já se
executa, de projeto educativo, enfatizando os aspectos de transmissão e prevenção da infecção pelo
HIV e Aids, dirigido a professores, pais, alunos, funcionários e dirigentes das redes oficial e privada
de ensino de todos os níveis, na forma do anexo.
1º - O projeto educativo de que trata o caput deste artigo deverá ser desenvolvido em todos os
Estabelecimentos de ensino do País, em todos os níveis, com participação e apoio dos serviços que
compõem o Sistema Único de Saúde.
2º - Os conteúdos programáticos do projeto educativo deverão estar em consonância com as
diretrizes do Programa Nacional de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do
Ministério da Saúde.
3º - Os resultados do projeto educativo serão avaliados pela Coordenação do Programa Nacional
de Controle de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids e seus relatórios encaminhados
periodicamente aos Ministros da Educação e da Saúde.
Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
José Goldemberg - Ministro da Educação
Adib Jatene - Ministro da Saúde
12
“No primeiro dia de aula, depois que soube que tinha um aluno portador de HIV, em
fui até o armário, pequei um litro de álcool e o coloquei em cima da mesa. No final do
período, eu já tinha me dado conta do absurdo. Que besteira, o que eu ia fazer com
aquilo?”
Silvana, 44 anos, professor
Opção solidária
“O dia era 6 de maio de 1992 e eu nunca vou esquecer. A festa estava animada, os assuntos
eram os mais variados, mas quando alguém comentou o fato de uma escola particular ter
rejeitado a matrícula de uma garotinha portadora do vírus da Aids, o tempo fechou para o
meu lado. Achei que ia ser linchada, pois era a única que discordava da posição da escola,
que considerava aquilo discriminação, que achava que já era tempo de a gente aprender a
conviver com portadores do HIV
Eu tinha os meus motivos para pensar daquela forma. Já tinha visto pelo menos uma pessoa
daquele mesmo círculo de amigos morrer em conseqüência da Aids, embora tudo tenha
sido sempre escamoteado, encoberto. Além disso já podia notar os sintomas da doença em
um outro integrante do grupo. Esses fatos me levaram a ler muito, me informar sobre o
assunto e saber, entre outras coisas, que a Aids não se transmite no contato social. Não sei
se os outros também tinham se dado conta daquela realidade, ou se agiam com hipocrisia.
O que sei é que senti que era hora de tomar uma posição. E tomei. Critiquei a atitude
daquela escola com a liberdade que a distância me permitia.
Dois dias depois, pela televisão, veio a notícia que me tiraria da confortável posição de
observadora para me jogar no meio do fogo. A escola onde estudam meu filho de 17 anos e
minhas duas filhas, de 14 e oito anos, se oferecia para receber a menina. Apesar do baque,
minha posição não se modificou. Mas ainda havia dentro de mim uma ponta de dúvida. Eu
precisava de mais informações.
A decisão do reitor gerou um verdadeiro caos na escola. No primeiro dia minha filha menor
chegou das aulas chorando. O que ela sentia era pavor, pânico de ficar doente, de morrer.
Naquela noite ela não dormiu. Eu fiz o que pude no meu papel de mãe. Contei uma
historinha pra ela. Disse que aquela menina tinha um bichinho no sangue mas que era como
uma gripe e que não passava assim tão fácil para os outros. Ela se acalmou. Os dois mais
velhos agiram como eu, com calma e naturalidade. Naquela altura eu me preocupava com
os reflexos da convivência com uma criança aidética na rotina da vida escolar. Pensava em
como o colégio iria administrar a estrutura, os funcionários, a higiene. Também pensava
muito na morte. Muito mais do que na doença.
A primeira reunião convocada pelo reitor para tratar da questão atraiu mais de 600 pais. Aí
é que eu pude sentir a reação da sociedade. Eram pessoas intelectualizadas, de boa posição
sócio-econômica e totalmente desinformadas, despreparadas. Pelo menos a metade delas
13
sequer queria ouvir as explicações científicas sobre a doença. Naquele dia, várias pessoas
falaram: o reitor, representantes da Casa Vida, que cuida de crianças portadoras, uma
médica e a coordenadora do Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação, Teresinha
Cristina Reis Pinto. Todas as participações foram importantes, mas a Teresinha falou curto
e grosso. Ela contou que, na época, a rede pública já tinha 20 casos conhecidos de Aids,
afirmou que o HIV não se transmite no contato social e alertou para o fato de que as
pessoas precisam aprender a conviver com portadores, o que, segundo ela, só seria possível
através da educação.
Está aí, eu pensei. Educação é a palavra-chave. É preciso abrir as cabeças a machadadas
para conscientizar a população. Voltei para casa pensando naquilo. Constatava duas coisas
graves: a proximidade da doença e o despreparo das pessoas. Via o sofrimento chegando
antes da hora por causa do preconceito, da posição de avestruz que todo mundo vinha tendo
diante do problema.
"O curso revelou uma tremenda desinformação sobre Aids e mesmo sobre
sexualidade. Um aluno adulto disse que passava limão no pênis, antes do ato sexual,
para se prevenir contra a Aids. Uma servente se recusou a pôr a mão em uma
camisinha".
Cleide, 41 anos, diretora de escola de 1º grau
O tumulto ainda durou mais uns dias na escola. Houve até ameaça de bomba. O Projeto
Aids organizou um curso para as mães da pré-escola, onde a garota iria ingressar. Uma
dessas mães, minha amiga, ficou muito bem impressionada com as informações passadas.
Ela e uma outra mãe pensavam como eu e, juntas, resolvemos procurar o Projeto Aids.
Entramos em contato com 15 colégios particulares convidando-os para mandarem representantes interessados em fazer o curso. Apenas dois o fizeram. Eu me tornei
multiplicadora voluntária.
Ainda estou no começo do meu trabalho. Encaro tudo isso como uma espécie de missão. Eu
estava mesmo procurando, buscando algo importante para me dedicar. Encontrei. Já fiz três
palestras em escolas e tenho aproveitado muito todo esse aprendizado em casa e no meu
círculo de amigos. Falei até com meu marido. Perguntei: devemos usar camisinha sempre,
ou só nos meus dias férteis? Ele riu. Eu sabia que podia confiar nele, mas queria provocar.
Também chamei o namorado da minha filha e a namorada do meu filho. Conversei
seriamente com eles e fui bem recebida. Uma amiga minha quer reunir filhos de amigos e
sobrinhos para que eu faça palestras para eles. Hoje é assim: deu chance, eu multiplico. E
me sinto gratificada. Meu projeto prioritário no momento é levar essa experiência tão
importante a que as escolas públicas têm acesso para os colégios particulares. Espero que
eles estejam abertos para receber as informações”.
Relato de caso / Dulce, 42 anos, curso superior,
mãe de três alunos do Colégio São Luís, onde
também estuda uma menina portadora do vírus
da Aids
14
CAPÍTULO 2
A prevenção da Aids nas escolas
A escola é, por definição, um espaço de socialização do saber, sendo freqüentemente, no
Brasil, o único espaço em que a criança pode receber e trocar informações. Algumas vezes,
porém, a escola está mal preparada e divulga informações mal elaboradas, distorcidas e
carregadas de preconceitos e isto acontece, também, quando se fala de Aids. A Aids é uma
doença nova e é muito natural que muitos professores não se sintam preparados para
abordar as questões com as quais a epidemia os confronta.
Por outro lado, infelizmente, a ação preventiva não tem sido alvo das atenções e do
empenho que deveria merecer em um país como o nosso. No caso da Aids, este fato pode
vir a ter conseqüências graves. A exemplo do que acontece em muitos países do mundo,
todas as escolas brasileiras já deveriam estar, há muito, integradas num Programa de
Prevenção da Aids, dirigido a funcionários, professores, pais e alunos. Infelizmente, são
poucas as redes escolares brasileiras que já dispõem de um programa deste tipo. Neste
cenário de descuido, o Projeto Aids, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, se
apresenta, apesar de todas suas dificuldades, como louvável exceção.
Salário de sorrisos
“É engraçado como a vida da gente dá voltas. Veja o meu caso: comecei o meu trabalho no Projeto
Aids meio de brincadeira e hoje estou envolvida até o pescoço. Fiz disso a razão da minha
existência. Em outubro de 1991, quando li no Diário Oficial um convite para fazer o curso da
Secretaria de Educação sobre Aids, não dei a menor importância. Nem eu, nem ninguém mais da
escola em que eu trabalho. No fim, acabei me inscrevendo só para ficar cinco dias afastada da
escola.
Achei as palestras interessantes, recebi muitas informações e, principalmente, lembrei muito de meu
filho mais novo, que morreu em janeiro de 1986, aos três anos de idade, em conseqüência de um
tipo de leucemia. Um pouco antes de morrer, o meu menino fez um pedido: “Mãe, cuida das
criancinhas pra mim?” Como ele já estava internado há vários meses, achei que se referia aos
amiguinhos do hospital. Não era. Hoje eu sei que ele me pedia para cuidar das criancinhas do
mundo. Foi ele quem me fez ficar mais solidária.
Depois do curso, eu não parei mais de pensar nessas coisas e, meio sem saber porque, continuei
participando de seminários, encontros. Comprava livros, recortava jornais e logo comecei a fazer
palestras nas escolas. Já perdi a conta do número de escolas que visitei. Foram mais de 30, com
certeza. A primeira turma que peguei foi dureza. Eram 58 alunos das suplências 1 e 2, com idades
entre 14 e 50 anos. Quando entrei, estavam na maior algazarra. Disse boa noite e eles começaram
com piadas. Aí, resolvi entrar na deles, falei com simplicidade sobre Aids, homossexualismo e
drogas. No final, não queriam me deixar ir embora.
Mas nem sempre é simples assim. Houve uma escola em que desligaram a energia durante a
palestra. Noutra, um rapaz quis me chocar. “A senhora sabe que quando não tem seringa a gente usa
um arame para furar a veia e uma caneta para injetar a droga?”, ele perguntou. Eu embarquei na
conversa. Ele contou que era viciado há cinco anos e que para comprar cocaína já tinha feito de
15
tudo, menos matar. Eu falei que estava disposta a ajudá-lo. Ele agradeceu por eu falar com ele como
“gente”. Tudo isso aconteceu na frente dos colegas. Emocionado, ele pediu para sair. No dia
seguinte, compareceu à palestra que eu estava dando em outra sala. Aquilo me balançou.
Esse trabalho me faz feliz. Sinto que estou ajudando a humanidade. A Aids é uma doença terrível e
eu quero evitar que as pessoas se contaminem. Enfrento dificuldades com 'meus chefes, por causa
do horário de trabalho, mas vou levando. Às vezes preciso faltar no serviço para ir a reuniões na
Secretaria e eles não entendem. Fazer o quê?
Nos fins de semana, aproveito para dar palestras nas favelas lá do meu bairro, na Zona Norte da
cidade. Vou sempre com uma colega que também é multiplicadora do Projeto. A gente combina
com os moradores e fala em qualquer lugar: na rua, numa casa. Quando a situação aperta e falta
dinheiro para o ônibus, vamos a pé mesmo. Às vezes andamos um bocado. Mas sempre somos bem
recebidas. Nosso pagamento é feito de palavras, sorrisos e da certeza de que estamos evitando a
contaminação de muita gente.”
Relato de caso / Josefa Carvalho Baron (nome
real), 38 anos, separada, dois filhos (14 e 22
anos) e um neto. Tem curso ginasial completo e
trabalha como servente em uma escola municipal
de educação infantil, que atende a população
carente da Zona Norte da cidade
É importante falar de Aids nas escolas
A Aids não é, e nunca foi, uma doença que atinge apenas homossexuais e pessoas que usam
drogas. A Aids é uma doença que pode atingir qualquer indivíduo, seja ele homem, mulher,
ou criança. Hoje em dia, a sociedade como um todo deve aprender a conviver com Aids.
Aproximadamente 34% da população mundial tem menos de 17 anos de idade. No Brasil,
este grupo representa cerca de 41% da população total1. Assim como os adultos, as crianças
correm riscos de contaminação absolutamente alheios a suas atitudes e vontades. Podem ser
contaminadas pela mãe portadora, durante a gestação ou durante o parto, podem receber
transfusões de sangue e homo-derivados contaminados e podem, também, ser vítimas de
abuso sexual.
Já os pré-adolescentes e adolescentes tendem a iniciar precocemente suas vidas sexuais. No
Brasil, a idade média na primeira relação sexual é de 16,9 anos para as mulheres e de 15
anos de idade para os homens2. Além disto, os jovens estão expostos ao processo de
massificação do uso de drogas em nossa sociedade, o que faz com que a escola não possa
mais ignorar estes fatos e, pelo contrário, se veja levada a atuar como centro de difusão do
saber sobre a Aids.
1
IBGE – Crianças e Adolescentes – Indicadores Sociais - 1989
Centro Materno Infantil – Planejamento Famílias – Pesquisa feita entre 1987 e 1989 em São Paulo, Rio de
Janeiro, Curitiba, Salvador, e recife abrangendo 9066 jovens entre 15 e 24 anos. Assessoria Técnica do
Centro para o Controle de Doenças de Atlanta (CDC/EUA)
2
16
Projeto prepara professores
O projeto Aids da Secretaria de Educação do
município foi montado em 1989 para preparar as
escolas antes que a Aids atingisse alunos,
professores e funcionários. Não deu tempo.
Já no ano seguinte, funcionários de uma escola se
reuniram para expulsar um colega que estaria com o
vírus e que ameaçava se matar. O grupo do projeto
Aids foi chamado às pressas. “É uma das nossas
funções de bombeiro”, diz a professora Teresinha
Cristina Reis Pinto, 34, coordenadora do projeto.
Em 1991 surgiram os primeiros casos de alunos com
Aids na rede municipal. O grupo organizou em oito
meses 579 encontros para professores, alunos e pais.
O telefone 284-7244, colocado à disposição das
escolas, passou a receber denúncias e pedidos de
discriminação.
Folha da Tarde 18/4/92
Programas de prevenção devem se apoiar numa base jurídica sólida: vontade política
é fundamental!
A Aids não é apenas um problema dos educadores. É também um problema dos políticos e
da sociedade como um todo. Pouco a pouco, as Câmaras e Assembléias Legislativas de
nossos estados e municípios têm se dado conta disto e algumas já deliberam sobre a
implantação urgente de Programas de Prevenção nas redes escolares. Cabe aos responsáveis
pelas redes, e também aos pais, levar esta discussão aos partidos e ao legislativo,
acompanhar os debates e cobrar resultados.
Ao propor este debate, é importante saber que o trabalho de prevenção da Aids não pode se
resumir à organização de palestras, à projeção esporádica de vídeos e à distribuição de
panfletos e preservativos. O trabalho de prevenção da Aids é complexo e deve ser contínuo,
pois só dá resultado após vários anos. de atividades regulares. Um bom Programa de
Prevenção deve ser institucionalizado por Decreto-lei, publicado no Diário Oficial e
anunciado pelos meios de comunicação, pois trata-se de um programa de fundamental
importância para a manutenção da saúde pública e para o equilíbrio sócio-econômico do
país. Só uma mobilização legislativa decidida poderá garantir a continuidade destes
programas através das diferentes administrações estaduais e municipais que irão se suceder.
História do Projeto Aids, segundo o Diário Oficial do Município de São Paulo
8.2.1989 - Portaria nº 120
(Prefeita institui Grupo de Trabalho Intersecretarial para abordagem da questão da
Aids)
L. E. de Sousa, Prefeita do Município de São Paulo, usando das atribuições que lhe
são conferidas por lei,
Resolve:
Constituir Grupo de Trabalho, integrado por P.C.S.B., representante da Secretaria
de Higiene e Saúde, S.M.C.Z., da Secretaria Municipal de Educação, M.C.C., da Secretaria
17
Municipal de Cultura, S.R.S.C., da Secretaria Municipal de Transportes, ES.E, da
Secretaria Municipal da Administração e A.A.S., da Secretaria Municipal do Bem-Estar
Social, para, sob a coordenação do primeiro nomeado, elaborar programa de prevenção
Aids/DST, cujo alvo será o servidor público municipal e a população junto à qual vêm as
referidas Secretarias atuando.
Prefeitura do Município de São Paulo/L.E.S, Prefeita
23.02.91 - Comunicado 6/91
(Secretário de Educação informa a rede sobre a existência do Projeto Aids)
Aos Educadores da Rede Municipal
A Aids é, provavelmente, o fenômeno de Saúde de maior impacto surgido nos
últimos tempos. O sensacionalismo com que muitas vezes esse fenômeno é tratado pelos
meios de comunicação impede, entretanto, que ele seja percebido com mais objetividade e
menos preconceitos.
A poluição, a fome, abastecimento de água, moradia, enchentes, etc. são problemas
sociais que têm sido analisados em suas relações com a saúde e permanecem como
questões ainda não resolvidas. A Aids é, também, um problema coletivo de saúde. Para ser
combatido com eficácia, deve ter suas causas estudadas, o que está sendo feito de forma
exaustiva pelos setores competentes. Apesar disso, as perspectivas de solução ainda estão
distantes. Durante muito tempo, o único remédio contra a Aids continuará sendo a
prevenção.
A Educação torna-se, desta forma, o meio mais eficaz de diminuir o número de
vítimas da epidemia, sensibilizando, informando e combatendo atitudes preconceituosas
para com os portadores do vírus HIV.
A Secretaria Municipal de Educação não poderia omitir-se diante desta grave
situação. Num trabalho conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde, educadores da
Rede, com apoio de técnicos de saúde, formaram um grupo que procura expandir o
horizonte de professores e alunos nas escolas, através de discussões, dinâmicas de grupo,
palestras e vídeos referentes à Aids e/ou Doenças Sexualmente Transmissíveis.
Ao oferecer a adultos e jovens um espaço para informar-se e discutir abertamente
suas dúvidas, será possível ajudar a construir atitudes mais responsáveis e menos arriscadas
em relação ao sexo.
A Aids não é uma questão pessoal enfrentá-la é uma responsabilidade social. Diante
do temor, angústia _ medo que ela inspira não é possível caminhar sozinho. E indispensável
solidariedade.
Escolas interessadas em receber apoio do Grupo de Educadores contra a Aids
podem entrar em contato através dos telefones abaixo relacionados.
26.03.91 - Comunicado 10/91
(Projeto Aids da S.M.E. oferece às escolas a possibilidade de esclarecimento)
Conscientização da Comunidade Escolar sobre a problemática do HIV (Aids)
A Secretaria Municipal de Educação, num trabalho conjunto com a Secretaria
Municipal de Saúde, considerando que,
18
- a informação segura, esclarecida, direta e atualizada diminui o risco de
contaminação, medo e preconceito sobre a doença:
- um trabalho específico junto à comunidade escolar (pais, funcionários e alunos) se
faz necessário,
Informa:
1) Que através do Projeto Aids (publicação no DOM estará dando apoio às
Unidades Escolares com palestras, vídeos, discussões sobre o tema e debates.
2) As escolas interessadas em receber o Grupo de Educadores contra a Aids devem
entrar em contato através do telefone xxx xx xx com a Prof. T.C.R.P. em SME/G.
18.02.92 - Portaria nº 1714
(Secretário de Educação cria condições para que os multiplicadores treinados pelo
Projeto Aids possam desenvolver projetos de esclarecimento nas escolas)
O Secretário Municipal de Educação, no uso de suas atribuições legais e
Considerando que
- a educação tem um papel significativo no sentido de transformar o impacto da
Aids numa oportunidade de resgatar o sentido da vida e o exercício pleno da cidadania;
- o Projeto Aids é um projeto especial porque a situação é especial e de
responsabilidade política daqueles que defendem uma nova sociedade onde a solidariedade
seja o alicerce através do qual as relações humanas possam ser construídas;
- a informação, a discussão aprofundada e o enfrentamento do medo e preconceito
podem fazer com que os soropositivos (funcionários, alunos e professores) tenham seu
espaço garantido na escola e vivam em clima de razoável tranqüilidade;
Resolve:
I - Os educadores que participaram dos cursos de multiplicadores do Projeto Aids
apresentarão planos de atuação no âmbito das Unidades Escolares que deverão ser
discutidos com a Comunidade Escolar e Conselhos de Escola.
II- Compete somente à Coordenação do Projeto Aids, exercida junto ao Gabinete
desta Pasta, a aprovação, acompanhamento e avaliação dos planos de atuação.
III- Aplicam-se ao Projeto Aids o disposto nas Portarias nºs 367, de 31.1.91,3.398
de 24.5.91 e 4.234 de 19.6.91, obedecendo o contido no item II desta Portaria.
(Ver no anexo 1 deste caderno os textos das três portarias mencionadas no item III. Estas
portarias definem o que são "projetos especiais., regulamentam questões relacionadas à
implantação de projetos específicos nas escolas, ao horário de trabalho, ao trabalho e
dispensa de ponto, à remuneração de trabalho excedente, etc., e podem ser úteis às
secretarias de educação de outros municípios e estados que desejem implantar projetos
semelhantes ao Projeto Aids, da S.M.E de São Paulo.)
19
Os programas de prevenção devem ser discutidos com toda a comunidade
“A Aids está saindo da televisão para ir bater na
porta das pessoas. Chegou a
nossa vez.”
Celeste, 44 anos, assistente de
diretor de escola
Ninguém - pessoa ou instituição - vai resolver o problema da Aids sozinho. O trabalho
dirigido para o controle e a prevenção da epidemia ultrapassa os limites da escola, e
abrange necessariamente a família e a comunidade. A família muitas vezes desconhece o
assunto ou prefere evitá-lo por vergonha, medo, desconfiança, falta de abertura com os
filhos. O mesmo ocorre, aliás, com professores e funcionários das escolas.
De pouco servirá um programa de informação e esclarecimento dirigido aos alunos, se os
próprios professores, funcionários e pais de alunos não estiverem minimamente
esclarecidos ou, ao menos, garantirem apoio ao programa. Uma criança que recebe na
escola uma informação correta sobre a Aids, mas é confrontada em casa, ou até mesmo em
sala de aula, com pais e professores mal informados, e com as informações contraditórias
freqüentemente divulgadas pela televisão e pela imprensa, permanecerá confusa e
continuará vulnerável aos perigos de infecção. Por outro lado - se bem informada e segura
de si – a criança pode ser um ótimo multiplicador da informação no espaço familiar. Para
isto necessita contudo de uma atmosfera doméstica que lhe permita abordar a questão. Os
Programas de Prevenção precisam da comunidade e a comunidade precisa dos Programas
de Prevenção.
Por isto, antes de organizar um Programa de Prevenção nas escolas, é importante reunir a
comunidade escolar e discutir abertamente o assunto. Cada escola conhece a comunidade à
qual presta serviços e a sua problemática específica. Cada Conselho de Escola-Comunidade
e/ou as APMs têm características próprias que devem ser levadas em conta na discussão
sobre a Aids. Cada escola saberá como fazer, da melhor maneira possível, a apresentação
da questão.
Aprendendo a Aids
Trabalho na Prefeitura de São Paulo há 10 anos. Primeiro fui vigia de escola e de 1986 para
cá passei a ser motorista. Comecei a atender a turma do Projeto Aids em maio de 1991.
Levo o pessoal para dar palestras e cursos nas escolas e também para visitas a casas que
atendem portadores do vírus HIv. Tenho aprendido muita coisa e posso dizer mesmo que
mudei bastante depois que conheci aquela mulherada. [O grupo de trabalho e de voluntários
do Projeto Aids é formado, em sua maioria, por mulheres].
Antes eu sabia que Aids existia, ouvia falar na televisão, mas não passava disso. Não me
preocupava muito com esse assunto. Agora é diferente. Sabe como é, né, não existe homem
20
santo e eu não sou exceção. Isso não significa que eu não ame minha mulher. Agente vive
junto há 21 anos, mas de uns tempos para cá a parte do sexo não anda bem. Ela vive doente
e eu acabo arrumando uns casos por aí. Nunca transei com qualquer uma, mas também não
tomava nenhuma precaução com relação à Aids. Só passei a usar camisinha depois que
comecei a conviver com os multiplicadores do Projeto. Apesar dos meus 45 anos, nunca
havia experimentado. Pensava, como diz o dito popular, que era que nem chupar bala com
papel. Mas mudei de idéia. Sou de opinião que o carinho da mulher pode compensar o uso
da camisinha, que é necessário.
No começo, mesmo convencido da importância, ainda relutava em colocar o preservativo.
Achava estranho aquilo tudo amarrado. Agora uso como quem usa desodorante. É coisa
corriqueira. Ando com a bolsa cheia de camisinhas. A mulher não gosta muito. Nem minha
filha, que tem 18 anos e cursa o terceiro ano do magistério. 'Outro dia notei que a menina
andou pegando camisinhas das minhas. Não me preocupei muito não, pois ela é bem
orientada e se fizer burrada vai fazer sabendo dos riscos. Todo o material que consigo folhetos, livros - sobre Aids eu levo para ela. Noto um grande interesse dela e das amigas,
que acabam lendo tudo também. Fico satisfeito com isso, porque o mundo mudou e todo
mundo que tiver um pouco de consciência vai ter que mudar de comportamento.
Não digo que precisa se apavorar, mas tem que ter informação e no nosso país ninguém
costuma dar informação adequada pro povo. No caso da Aids, fazem um bicho de sete
cabeças, deixam todo mundo em pânico. Isso também está errado. Eu mesmo tinha muita
curiosidade de conhecer um portador do vírus, mas achava que ia ver uma pessoa doente.
Quando apareceu pela primeira vez um rapaz que era portador lá com as meninas do
Projeto eu não quis acreditar. Ele estava muito bem, aparentemente não tinha nada de
errado com a sua saúde. Mesmo assim demorei um pouco para me acostumar a conviver
com os portadores. Cheguei a recusar café na casa de um deles. Agora não faço mais isso.
Relato de caso / José, 45 anos, ginásio completo,
motorista da Prefeitura de São Paulo
Um bom programa depende do treinamento da equipe de coordenação
Não são poucas as escolas que tentam, isoladamente e sem qualquer tipo de apoio,
implantar programas de prevenção dirigidos aos alunos. Estas iniciativas são importantes e
servem para motivar a rede. O ideal, porém, é que os Programas de Prevenção da Aids
sejam fruto de uma iniciativa conjunta das Secretarias de Educação e de Saúde, sejam elas
estaduais ou municipais. A descentralização dos programas até o nível municipal é, todavia,
determinante para o sucesso das ações preventivas. Cada município tem uma realidade
própria a ser levada em consideração.
As Secretarias de Educação devem selecionar e indicar para a equipe de coordenação do
programa um número de professores e funcionários suficientemente grande para abranger
toda a rede. O papel fundamental desta equipe será:
21
∗
O de treinar professores, pais e funcionários que, nas escolas, serão os responsáveis
pelo trabalho de esclarecimento dirigido aos alunos e a comunidade.
∗
O de coordenar e acompanhar o trabalho realizado na rede pelos multiplicadores.
∗
O de promover a reciclagem e troca periódica de experiências entre os
multiplicadores.
∗
O de intervir, sempre que necessário, quando surgirem casos de soropositividade
para o HIV ou Aids na comunidade escolar.
As Secretarias de Educação devem estar cientes de que, quase sempre, os membros da
equipe coordenadora do programa deverão consagrarse integralmente ao trabalho de
prevenção e deverão, provavelmente, afastar-se de suas atividades em sala de aula. Deve
saber também que estas pessoas deverão ser devidamente treinadas, que este treinamento
pode durar alguns meses e pode exigir estágios em outras cidades ou estados. Cada Estado
e Município deve tentar equacionar este problema na medida de suas possibilidades e
recursos. Há, em todo o país, diversas instituições que podem ajudar no treinamento das
equipes coordenadoras. Uma colaboração estreita com as Secretarias de Saúde será sempre
necessária. (Ver lista de entidades de apoio no Anexo 4).
“Sei que não vou salvar ninguém, mas a longo prazo meu trabalho pode surtir efeito,
pode evitar que outras pessoas se contaminem”.
Nádia, 44 anos, multiplicadora do Projeto Aids
Modelo de programa de treinamento de multiplicadores utilizado pelo Projeto Aids de
São Paulo
I - Objetivos gerais do treinamento
- Democratizar as informações sobre a infecção pelo HIV, proporcionando
oportunidade para uma análise crítica e reflexiva sobre o assunto.
- Promover o trabalho de prevenção dirigido a toda a comunidade escolar.
II - Objetivos específicos do treinamento
- Dar condições para que a clientela escolar, através de sensibilização, informação e
prevenção, num clima de solidariedade, respeito e compromisso, ajude a evitar a doença e a
combater a angústia, o medo, preconceitos e discriminações.
22
- Garantir a inserção de alunos, professores e funcionários com HIV/Aids na
realidade cotidiana da escola.
- Garantir a alunos, professores e funcionários com HIV/Aids o acompanhamento, o
apoio e os contatos necessários para que passam exercer seu trabalho e atividades, sem
"culpa" de estarem doentes de Aids, e para que a escola possa conviver com eles de
maneira tranqüila.
III- Metodologia para o treinamento de multiplicadores em grupos de 20 pessoas (20
horas de duração - 4 horas/dia)
Primeiro dia: Temática: Aspectos psicossociais da doença do HIV
Exemplos de técnicas e dinâmicas:
a) Em grupos de dois, as pessoas se apresentam e depois uma descreve a outra para
o grupo.
b) Simulação de uma reunião de Conselho de Escola: um pai, um servente, um
professor, 1 portador HIV, um diretor, um coordenador pedagógico, um aluno. O Conselho
discute se um professor com HIV/Aids deve ou não permanecer na escola. O resto do grupo
é observador. Discussão no grupo sobre as posições assumidas pelos diferentes
personagens.
Segundo dia: Temática: Informações técnicas sobre DST/Aids (O que é? Como se
transmite? Como não se transmite? Como pode ser evitada? Os testes? Os tratamentos, etc.)
Técnicas: vídeo e trabalho em grupo
Terceiro dia: Temática: Sexualidade e papéis sexuais
Técnica de grupo: jogo dramático, leitura de texto, discussão + Oficina de Sexo
Seguro baseada na metodologia do Grupo pela Vidda/SP e GAPA/SP.
Quarto dia: Temática: A morte
Técnica: O grupo "constrói" uma massa pronta (barro, massa de pão, etc.). Cada um
pega um pouco e modela a sua visão de morte. Discussão do que for aparecendo +
Discussão do que é o sentimento de morte para a pessoa com HIV/Aids, baseada em
Elisabeth Kubler Ross, Philipe Ariés e Jean Delumeau.
Quinto dia: Temática: O convívio / A escola e a pessoa com HIV/Aids Técnicas:
vídeo, jogo dramático e depoimento de pacientes HIV.
Apresentação das propostas de trabalho para as escolas dos participantes. O grupo
formado nestes encontros passa a integrar o projeto, participando de encontros mensais para
acompanhamento do trabalho, troca de experiências, etc.)
IV - Apoio às pessoas com HIV/Aids
O Projeto Aids encaminha para atendimento médico e/ou grupos de apoio nãogovernamentais as pessoas com HIV/Aids que fazem parte da comunidade escolar. Em
caso de necessidade, elementos da equipe coordenadora do projeto e/ou multiplicadores
realizam visitas domiciliares a estas pessoas e a seus familiares.
23
V - Metodologia utilizada para encontros nas escolas
De cada encontro, participam grupos de 30 a 35 professores, alunos, funcionários e
pais. Nestes grupos a problemática da doença do HIV é trabalhada através de
dramatizações, psicodramas, vídeos, técnicas de grupo ("batata-quente", jogo da velha,
simulação de situações, etc.), teatro de fantoches, e outros.
De acordo com o grupo e sua faixa etária, aplica-se uma determinada técnica e,
posteriormente, abre-se a discussão de maneira a permitir que as pessoas possam
exteriorizar seus medos e ansiedades.
Organização do apoio institucional aos professores envolvidos no programa
O treinamento adequado dos multiplicadores de um Programa de Prevenção (pais,
professores e funcionários) implica em consideráveis investimentos de tempo e energia. No
Projeto Aids de São Paulo, o treinamento dos multiplicadores foi feito em cursos de 20
horas de duração (4 horas/dia), que foram administrados pela equipe coordenadora do
projeto. Nestes cursos, além de se falar da Aids como fenômeno biomédico, falava-se de
preconceito, morte, sexo e do convívio com as pessoas que estão com o vírus ou doentes de
Aids (ver quadro acima). Além disto, os multiplicadores do projeto têm participado
regularmente de reuniões onde trocam informações e atualizam seus conhecimentos.
Para realizar um bom trabalho, os multiplicadores dos Programas de Prevenção devem
contar com o apoio da Secretaria de Educação e da diretoria da escola. É aconselhável
oferecer dispensa de ponto para o treinamento e para as atividades extracurriculares que
poderão ser desenvolvidas por cada 'um deles. Informações sobre o programa e convocação
para o treinamento nos Diários Oficiais (ver Anexo 2) podem ser extremamente úteis*.
Para alcançar o impacto desejável, os programas de prevenção da Aids podem exigir
vários anos de trabalho
Para nos protegermos da infecção pelo HIV que provoca a Aids, somos obrigados a
repensar e a modificar alguns de nossos comportamentos mais íntimos. A experiência
demonstra, contudo, que a difusão de informações corretas não é suficiente para convencer
as pessoas a modificarem comportamentos que estão profundamente arraigados em nossa
cultura. Muitos são aqueles que sabem que deveriam usar preservativos, mas poucos são
aqueles que de fato os utilizam. Por isto, é importante saber que serão necessários vários
anos de trabalho para se conseguir um resultado preventivo efetivo. Campanhas isoladas,
projeções de vídeos e palestras podem ajudar, mas dificilmente serão suficientes para levar
as pessoas à adoção de comportamentos que ajudem a conter a epidemia. A Aids trouxe um
novo desafio para a nossa sociedade, um desafio que deve ser enfrentado coletivamente,
pois o que está em discussão não é o comportamento de uma ou de outra pessoa. O que está
em pauta são realidades sociais e culturais que determinam nosso comportamento e que
exigem tempo para sua transformação.
*
A ABIA está preparando um Manual de Capacitação de Multiplicadores que incluirá dinâmicas, exercícios e
materiais de -apoio. Entre em contato conosco. Solicite seu exemplar.
24
Mudando as cabeças
Em maio de 1992, fiz o curso com o pessoal e também me tornei multiplicador. Eu sou
meio desajeitado, acham até que sou um pouco pornográfico, mas mesmo assim sinto que
posso ajudar. No começo de setembro, fui conversar com uma servente que descobriu ser
portadora e estava arrasada. A mulher tinha uns 32, 33 anos, era bonita, gostosa, como
dizem os homens, e eu fui objetivo com ela. Disse: olha, você ainda tem muita lenha para
queimar, é bonita, pode transar à vontade, não precisa se entregar, tem que viver a vida.
Falei também que ninguém fica para semente, que todos nós nascemos, nos criamos e
morremos, que isso não é diferente para ninguém. Para arrematar, ainda fiz uma
brincadeira, disse pra ela que se era por falta de candidato, eu me candidatava. Foi legal, ela
riu, ficou à vontade.
Claro que eu não estava me oferecendo, era só brincadeira. Mas também não falei aquilo da
boca pra fora. Hoje tenho certeza de que se pintar uma atração, eu sou capaz, sem
problemas, de ter relação sexual com u,ma portadora. Vou usar a camisinha e no mais vou
agir normalmente. Digo isso porque sei que é até mais fácil de acontecer de a gente transar
com uma portadora sem saber e, se é assim, por que deveria ser diferente quando a gente
sabe da realidade?
Eu aprendi muito, mas mesmo assim ainda me sinto um pouco deprimido quando vejo
algum portador. Penso logo na discriminação, na falta de apoio e me coloco na posição
dele. Acho que foi o curso que me permitiu isso, com aquelas encenações que colocam
mesmo a gente no lugar de quem tem o vírus. Fico com os olhos cheios de lágrimas de ver
as pessoas que se dedicam a cuidar de adultos e crianças que têm essa doença. É uma lição
de vida. Pena que ainda tem muita gente que ignora completamente o problema, que leva
tudo na gozação. Ainda temos muitas cabeças para mudar."
Relato de caso / José, 45 anos, ginásio completo,
motorista da' Prefeitura de São Paulo
A prevenção da Aids passa, necessariamente, por um debate democrático sobre
assuntos delicados
Ao ocultarmos dos alunos informações que são consideradas perigosas ou imorais relacionadas à sexualidade e ao uso de drogas, por exemplo - pensamos protegê-los, mas
estamos perdendo a oportunidade de conversar com eles sobre assuntos que os interessam e
que de todas as maneiras são discutidos fora da escola e sem qualquer acompanhamento.
Sufocando, nas escolas, o debate sobre estes assuntos, estamos permitindo que os jovens
exponham-se a riscos desnecessários e que nos compete reduzir.
Conversar e informar sobre práticas e comportamentos sexuais apropriados para reduzir o
risco de infecção não significa, contudo, interferir nos valores de uma pessoa ou tentar
impor-lhe determinados comportamentos, mas sim oferecer opções e criar condições para
que estas informações possam ser interiorizadas e utilizadas, individualmente, sempre que
necessário. Cada indivíduo deve ter liberdade para decidir livremente sobre os
25
comportamentos preventivos que pretende adotar. Da abstinência sexual, passando pelo uso
da camisinha até a fidelidade entre os parceiros, todos os comportamentos são válidos, Não
cabe à escola, ou a quem quer que seja, impor nenhum deles. O debate sobre a Aids deve
ser livre, científico e democrático. Posturas repressivas e o recurso ao medo, além de não
serem adequados ao mundo que queremos, serão sempre contraproducentes. A pedagogia
moderna sabe disto.
Sexo chega às aulas de colégios católicos
Alunos de cinco anos namoram e se beijam na boca.
Com a chegada da Aids às escolas, as crianças querem saber sobre a transmissão da
doença e questionam os professores durante as aulas
A Aids nos obriga a um confronto com nossos preconceitos e medos. A luta contra a
discriminação da pessoa que está com HIV e do doente de Aids é de fundamental
importância para a prevenção
Na prevenção da Aids, o pânico e o medo são os piores inimigos. Lutar contra o medo e a
discriminação é lutar pela saúde de todos, é lutar contra aquilo que a Organização Mundial
de Saúde chama de "Terceira Epidemia de Aids": a epidemia dos preconceitos!
“...Pode-se dizer, sem recorrer a qualquer metáfora, que a nossa sociedade está doente
de Aids. Doente de pânico, de desinformação, de preconceitos, de imobilismo diante da
doença real. Medidas eficazes contra a epidemia de HIV passam por medidas concretas no
combate ao vírus ideológico. Isto significa: informação correta, ações eficientes,
desmistificação do medo, esvaziamento dos preconceitos, exercício permanente da
solidariedade”.
Herbert Daniel
O conhecimento que os cientistas já têm sobre a Aids demonstra claramente que, ao
contrário do que muitos ainda podem pensar, a presença nas escolas de pessoas que estão
com HIV ou com Aids não representa perigo de infecção para os alunos, professores ou
funcionários. A divulgação sistemática deste conhecimento permite eliminar o medo, ajuda
a evitar a discriminação e os preconceitos e permite uma reflexão serena sobre o assunto.
Uma escola que ignora. o que já foi provado pela ciência e discrimina as pessoas que estão
com HIV / Aids é uma escola tomada pelo obscurantismo e pela ignorância sobre a
realidade da epidemia. Nesta escola preconceituosa será difícil - se não impossível - ensinar
os alunos a evitar o contágio.
“Eu estava mudando de escola e, numa reunião, outros diretores me sondaram: você
sabia que sua nova escola tem uma professora com Aids? O que você pretende fazer?'
Eu disse apenas que ia dar a ela todo o meu apoio e solidariedade”.
Teima, 41 anos, diretora de escola
26
Extratos de um texto da Dra. Norma Rubini*
“... Ao lidarmos hoje com uma criança com Aids devemos vê-la não como um
doente terminal, mas sim como uma criança com uma doença crônica, a quem devemos
dar assistência médica máxima visando: (1) diminuir ao mínimo as manifestações clínicas,
(2) promover um crescimento e desenvolvimento normal e (3) prevenir ou diminuir as
conseqüências psicossociais.
... A escola tem sido, infelizmente, o local onde as crianças com infecção pelo
H/VlAids têm sido discriminadas com maior freqüência. Esta discriminação é injustificada,
já que não existem evidências científicas da transmissão do HIV através de contatos
sociais.
Assim sendo a criança com infecção Pelo HIV/AIDS pode freqüentar creches e
escolas, desde que as suas condições de saúde física e mental o Permitam. As crianças com
infecção indeterminada e assintomática podem ser admitidas nestas instituições sem
nenhuma restrição. Com relação às crianças com infecção sintomática, a decisão é
responsabilidade do médico que atende a criança e baseada nas condições da mesma, de
maneira similar às demais patologias crônicas da infância.
A Academia Americana de Pediatria em publicação recente (abril/1992)
sistematizou as questões referentes ao convívio de crianças com HIV em creches e escolas,
descritas abaixo:
1) Não existe necessidade de restringir as crianças com HIV do convívio com
outras crianças em creches ou escolas, porque o risco de transmissão do HIV nos contatos
ambientais é negligenciável.
2) Os profissionais que trabalham em instituições educacionais ou creches não
necessitam ser informados sobre o "status" HIV das crianças que freqüentam estas
instituições.
3) Todos os profissionais que atuam em instituições para crianças devem ser
orientados com relação às normas de biossegurança universal, que devem ser empregadas
no manuseio do sangue ou de fluídos sangüinolentos de qualquer criança.
4) As creches e escolas devem rotineiramente informar todas as famílias se ocorrer
uma doença altamente infecciosa (Ex.: sarampo, variçela) em qualquer criança da
instituição, facilitando a proteção do paciente imunodeprimido.
... A Aids emerge como uma das principais doenças crônicas da infância nos EUA e
África. É provável que o mesmo venha ocorrer em nosso país, a menos que medidas
preventivas e/ou avanços médicos detenham o curso da epidemia. A grande maioria das
crianças brasileiras já é vítima de carências sócio-econômicas profundas e de um sistema
de saúde precário, o que representa mais um complicador para aquelas acometidas Pela
Aids. É importante que profissionais de saúde e autoridades governamentais sensibilizemse para a relevância da Aids na população pediátrica.
Finalmente, substancial progresso vem ocorrendo no manejo da Aids pediátrica e é
fundamental que todas as crianças com infecção pelo HIV/Aids tenham acesso e
beneficiem-se de uma assistência médica adequada.
*
Norma Rubini é professora adjunta de Imunologia Clínica, Hospital Universitário Gaffrée.e Guinle/UNIRIO
Texto publicado no Dossiê Assistência - Grupo pela Vidda - RI/Grupo pela Vidda - Niterói, em dezembro de
1992
27
Risco de pegar Aids na classe é igual ao de um meteoro cair na sua cabeça
Cientistas dos EUA provam que contágio em escola é quase impossível e rebatem pânico e preconceito
FERNANDO ROSSETTI
Da Reportagem Local
A probabilidade de uma criança pegar Aids de um
colega portador do vírus é igual à de um meteoro cair
bem em cima da escola. Esse é o risco que um aluno com
a doença representa para sua classe, segundo a
Associação Médica Americana, com sede em Chicago,
IIIinois (norte dos EUA), ouvida pela Folha por telefone.
Acostumada a lidar com o problema desde 1985.
quando um jovem portador do HIV foi rejeitado pela
escola (leia texto nesta página), a sociedade norte-ameri-
cana já tem um vasto repertório de informações e
pesquisas para contrapor ao pânico e preconceito que
surgem em torno da síndrome da imunodeficiência
adquirida.
Pesquisas da Divisão de HIV/Aids dos Centros
Nacionais para Doenças Infecciosas, em Atlanta, Geórgia
(sudeste dos EUA), mostram que não há casos
comprovados de contágio com o vírus HIV por mordidas,
arranhões, uso comum de Utensílios domésticos ou vasos
sanitários.
Folha de São Paulo 10/05/92
28
CAPÍTULO 3
Quando alguém na escola está com HIV / Aids - algumas perguntas e
respostas
Estatuto da Criança e do Adolescente
Capítulo IV - Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o
trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II- direito de ser respeitado por seus educadores;...
V - acesso a escola pública gratuita próxima de sua residência...
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram
acesso na idade própria;
...
IV - atendimento em creche e pré-escolar às crianças de zero a seis anos de idade;
...
VII - # 1 - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo
Os pais de crianças com Aids são obrigados a informar a escola sobre a situação de
seus filhos?
Não! A Portaria Interministerial nº 796, de 29.5.92, do Ministério da Educação e do
Ministério da Saúde dá liberdade aos pais e responsáveis de informar ou não as escolas
sobre a condição de seus filhos, mas os pais que assim o desejarem têm o direito de fazê-lo.
Pais vão à Justiça para manter filha na escola
Folha da Tarde SP 1/5/92
Há pais que ao solicitarem a matricula de seu filho/a informam a escola de que a
criança está com vírus da Aids. Como proceder nestes casos?
Quando isto acontece, é importante lembrar que os pais não têm obrigação de informar a
escola sobre a situação de seus filhos e que a escola pode, sem o saber, já ter entre seus
alunos outras crianças que estão com o vírus. Por isto, o certo é aceitar e encaminhar o
pedido de matrícula como encaminharíamos qualquer outro. Uma criança com HIV / Aids
não deve ser alvo de discriminações ou privilégios. Cuidados especiais com sua saúde só
deverão ser tomados com base em solicitações de seus pais/responsáveis, ou do médico da
criança.
29
Trechos de uma entrevista com o Dr. Mario Santoro Junior*
Pergunta: Por que os portadores do vírus da Aids precisam freqüentar a escola? Qual
deve ser o comportamento da escola ao receber um aluno com o vírus HIV?
.
Dr. Mario: “... Acho que a pergunta tinha que ser mais ampla. Por que uma criança deve
freqüentar a escola? Eu lembraria que na época da Constituinte houve um grande
movimento no Brasil inteiro e por milhares de assinaturas se conseguiu introduzir um
artigo na Constituição. É o artigo 227, que depois, em 1990, deu origem a uma Lei
Ordinária, que é o “Estatuto da Criança”, que hoje normatiza nosso relacionamento com
as crianças e com os adolescentes.
Esse diploma legal é extremamente importante, porque num de seus artigos ele privilegia o
direito a uma série de atividades. Na verdade ele promove uma série de direitos: o direito
ac lazer, o direito à saúde, o direito ao trabalho e, principalmente, o direito à educação.
... Portanto, a criança, mais do que deve, tem o direito de freqüentar a escola garantido
pela Constituição.
Eu acho que o processo educacional é tão importante para as crianças com Aids que não
deve ser interrompido nem nos momentos de agravamento da doença, cabendo ao hospital
humanizar o atendimento a essas crianças através de ações não só ludoterápicas, mas
também educativas. Há quem veja nesta ação até a maneira de se ajudar o
restabelecimento da saúde.
Portanto, nem nos momentos de agravamentos se deve interromper o processo educacional
da criança. Então, quando a criança não tem motivos que a impeçam de freqüentar a
escola, ela tem o direito de ir à escola.
Como já foi dito aqui, não há embasamento científico que impeça a criança portadora do
vírus da Aids de ir à aula. Existem trabalhos, e eu não vou reproduzir todos aqui, mas
recentemente foi feito um acompanhamento de cerca de 700 familiares de portadores do
vírus H/v, expos tos às mais diferentes atividades como, por exemplo, compartilhar o
mesmo talher, o mesmo banheiro, a mesma lavagem de roupa e até de crianças que davam
mordida, sem que se constatasse sequer transmissão intradomiciliar nesta situação. Três
casos desses foram contaminados por exposição em atividades de enfermagem. Portanto,
não há embasamento científico que impeça a criança de freqüentar a escola.
Na segunda parte da pergunta - Qual deve ser o comportamento da escola ao receber um
aluno com o vírus HIV?- Em primeiro lugar, eu acho que a escola deve ter um
comportamento único. Ela não deve ter um comportamento discriminador.
*
Mario Santoro junior é presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo e coordenador do Grupo de
Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo.
Entrevista publicada pelo Caderno Sinpro, do Sindicato dos Professores de São Paulo, em junho de 1992
30
Além de encaminhar normalmente o pedido de matricula, o que deve fazer a direção
de uma escola quando for informada pelos pais de um aluno de que esteja aluno/a está
com HIV/Aids?
Nestes casos, a direção da escola deve se reunir com os pais do aluno com o objetivo de
verificar se estes desejam que a informação seja passada para professores e funcionários, e
de maneira específica, para que professores e que funcionários. O direto/a deve pedir
também um contato com o médico da criança, para poder trabalhar em parceria com ele,
nos cuidados especiais que esta criança possa necessitar.
Professores e funcionários da escola devem ser informados de que um ou mais alunos
estão com HIV / Aids?
Não! Esta informação deve ser tratada de maneira absolutamente confidencial. Ninguém
tem o direito de divulgar este tipo de informação sem o consentimento dos pais da criança.
Os pais devem poder decidir com toda liberdade a quem desejam transmitir informações
sobre a condição de seus filhos, se é que o desejam. Alguns pais podem comunicar o fato à
direção da escola, outros a um determinado professor ou mesmo a um determinado
funcionário que seja de sua confiança. De todas as maneiras, esta informação é de caráter
sigiloso e só pode ser comunicada a terceiros com a autorização expressa dos pais ou
responsáveis.
Informar ou não o professor da criança?
...” Aids cria situações por vezes complexas, que exigem de cada um de nós
criatividade e coragem. Por um lado, é fundamental garantir o sigilo sobre a presença e a
identidade de crianças com HIV nas escolas. Por outro, o ideal é convencer os pais de
crianças menores de 10 anos a informar o professor da turma sobre a condição da
criança. O convívio diário com o aluno em sala de aula permite a este professor não
apenas uma avaliação contínua de sua saúde, mas também suas reações emocionais e
afetivas. O resultado destas observações pode ser da maior importância para o médico que
acompanha a criança. Ao longo de nosso trabalho, aprendemos a dar grande valor à
parceria do professor com o médico.
Uma febre de 5 minutos, por exemplo, que para outra criança não tem maiores
implicações, pode ser uma informação valiosa para o médico da criança que tem HIV, pois
lhe dá condições de prevenir uma infecção que apenas se anuncia. A parceria com o
professor da turma dá ao médico a possibilidade de uma avaliação global da criança. Uma
avaliação que inclua o físico e o emocional.
Teresinha Cristina Reis Pinto - Coordenadora do Projeto Aids - São Paulo
31
O que devem fazer professores e funcionários que receberem dos pais de uma criança
com HIV / Aids informações sobre a condição desta criança? Devem informar a
direção da escola?
Professores e funcionários devem manter o sigilo sobre a informação, mas podem pedir
autorização aos pais da criança para transmiti-Ia à direção da escola. Com esta autorização
prévia, poderão passar a informação à direção da escola que deverá então se reunir com os
pais da criança e com o professor ou funcionário que lhes transmitiu a informação.
Caso os pais não desejem que a informação seja transmitida à direção da escola - o que
raramente acontece - estes professores e/ou funcionários ficarão numa situação delicada,
pois não têm nem obrigação, nem o direito de fazê-lo. Neste caso, cabe ao professor ou
funcionário a decisão de assumir, ou não, a responsabilidade pelo caso e por eventuais
cuidados especiais que lhe sejam solicitados pelos pais para a preservação da saúde da
criança.
Se não desejar ou puder arcar sozinho com estas responsabilidades, o professor ou
funcionário deve comunicar este fato aos pais do aluno. Aos pais caberá então a decisão de
permitir que a direção da escola seja informada ou encontrar outra solução.
Normalmente, estas situações se resolvem sem maiores problemas através de um diálogo
aberto e de uma atitude solidária e esclarecida.
Código Penal/Capítulo I
Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral
Violação do sigilo funcional - ART. 325
“É CRIME, REVELAR FATO DE QUE TEM CIÊNCIA EM RAZÃO DO
CARGO E QUE DEVA PERMANECER EM SEGREDO, OU FACILITAR-LHE A
REVELAÇÃO”.
Pena - detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa"
Exposição de motivos do Código Penal
55. Definindo o crime de “violação do segredo profissional”, o projeto procura
dirimir qualquer incerteza acerca do que sejam confidentes necessários. Incorrerá na sanção
penal todo aquele que revelar segredo, de que tenha ciência em razão de “função,
ministério, ofício ou profissão”. Assim, já não poderá ser suscitada como perante a lei
vigente, a dúvida sobre se constitui ilícito penal a quebra do “sigilo do confessionário”.
32
Devemos informar todos os alunos de que a escola tem pessoas com HIV / Aids?
Não! Os alunos não precisam ter acesso a esta informação. Precisam, isto sim, de
esclarecimento adequado sobre a doença e sobre as maneiras de se prevenir. Devem saber
que o contato com o sangue de outras pessoas pode transmitir doenças graves e devem ser
ensinadas a não mexer ou brincar com objetos sujos de sangue e a pedir a ajuda de um
adulto quando uma delas se ferir.
Muitas vezes, nem mesmo as crianças que estão com HIV / Aids têm conhecimento de sua
condição.
Continuação da entrevista com o Dr. Mario Santoro Junior
Pergunta: O senhor concorda que o nome do portador deve ser conhecido de todos na
escola?
Dr. Mario: O segredo do paciente, o segredo médico, do ponto de vista ético, do ponto de
vista moral deve ser mantido. Em primeiro lugar porque ele pertence ao paciente. É por
isso que a lei exige que o médico guarde segredo e que este segredo seja revelado apenas e
tão somente em determinadas situações que são configuradas tanto no Código de Ética
Médica quanto no Código Penal. Entre essas situações, por exemplo, está “o grande
imperativo de consciência”, ou as situações onde, ao colocar em risco a sociedade, o
médico se vê na obrigação de colocar a sociedade antes do paciente.
No caso da Aids, em si, ela se comporta de uma maneira diferente do ponto de vista ético.
Imaginemos, senhores professores de escola. No ponto de vista de vitimização de crianças,
a sociedade atua porque quem deveria zelar pela criança, se esta vitimização é doméstica,
não está fazendo. Então, cabe a nós, enquanto sociedade, protegermos a criança. No caso
de uma doença como nós estamos colocando aqui, cujo convívio é absolutamente social,
fica por conta da família o exercício do seu direito coletivo de dizer ou não se essa criança
tem ou não tem o vírus HIV.
Só que isso pode provocar uma série de grupos. Eu não vejo muita diferença entre revelar
que esta ou outra criança é portadora do vírus da hepatite B. Uma outra, portadora do
vírus da hepatite C. Ali, as crianças que têm luz positiva no sangue. E naquele grupo, as
crianças que são Chagas positivas.
Para se ter uma idéia, a hepatite B é grave, é um vírus, assim como a hepatite C, e são hoje
considerados vírus de ação lenta e com potencialidades patológicas graves, com sérias
repercussões, com a possibilidade de desenvolvimento de doenças graves em função da
presença desse vírus. A forma de aquisição é a mesma da Aids: pega-se por transfusão, por
relações sexuais, por drogas, enfim da mesma forma que o vírus HIV Daí pode-se concluir
que o convívio deve ser normal e a família fica com o direito de revelar ou não este
segredo à escola. Por que não revelar a todos? Porque seguramente nós cairíamos na
discriminação. Esta é a minha posição.
33
Pergunta: O que fazer então quando o direito da criança for violado?
Dr. Mario: Em primeiro lugar, toda vez que o direito da criança for violado, existe um
órgão encarregado de receber a denúncia dessa violação de direito, que é o Conselho
Tutelar. Infelizmente, não está implantado em quase nenhum município do Brasil, mas é
assegurado pelo Estatuto da Criança. Diz ainda o estatuto que, não estando instalado o
Conselho Tutelar, quem recebe a denúncia de violação dos direitos da criança é o juizado
da Infância e da juventude, o antigo juiz de menor. É por aí o caminho.
Caderno Sinpro, publicação do Sindicato dos Professores de São Paulo, junho de 1992
34
CAPÍTULO 4
Cuidados especiais com crianças que estão com HIV / Aids
As crianças que estão com HIV / Aids nem sempre ficam sabendo do problema que
têm. Por que?
Os médicos e pais destas crianças costumam guardar segredo sobre o assunto porque as
crianças nem sempre estão preparadas para compreender o que está acontecendo com elas.
É muito importante que as crianças que estejam com Aids tenham uma vida normal e não
se sintam diferentes das outras. A saúde delas depende disto, por que qualquer tipo de
depressão pode alterar seu estado e acelerar o desenvolvimento da doença.
Estatuto da Criança e do Adolescente
Capítulo II
Do direito á liberdade, ao respeito e á dignidade
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, dos valores, idéias e criações, dos espaços e objetos pessoais.
Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990
As crianças com HIV / Aids precisam de cuidados especiais?
A direção da escola deve conversar com os pais e com os médicos das crianças com HIV /
Aids sobre eventuais medidas especiais a serem tomadas pela escola para a preservação de
sua saúde. Por exemplo: eventual dispensa das aulas de educação física, administração
regular de medicamentos, cuidados especiais com a alimentação, etc. Trata-se, no caso, de
medidas especiais que a escola deve estar pronta a tomar também no caso de alunos
afetados por outras doenças, sempre que recomendadas pelo médico da criança, e não de
medidas de caráter excepcional que possam criar problemas para a rotina da escola.
Trechos de uma entrevista com o Dr. Caio Rosenthal*
Pergunta: Como lidar com o medo dos pais de crianças que sabem que há pessoas com
HIV/Aids nas escolas que seus filhos freqüentam?
Caio: Na minha opinião, o problema da Aids nas escolas, neste momento, está sendo
superdimensionadd. Nem os riscos de transmissão são tantos, como em geral se acredita,
*
Caio Rosenthal, 43 anos, é médico infectologista e trabalha há 17 anos no Hospital Emílio Ribas, onde atua
como especialista no tratamento de doentes com Aids.
Entrevista publicada pela revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita, em agosto de 1992
35
nem o número de crianças com HIV/Aids é, ainda, tão grande. No futuro, sim, esse número
poderá ser muito grande, mas não por enquanto. E a escola, neste momento, deveria estar
envolvida com outras prioridades, como o uso indevido de drogas, a violência, as outras
tantas doenças infecciosas que as crianças pobres desenvolvem. Com relação ao medo dos
pais, penso que a melhor maneira de lidar com ele seja esclarecendo esses pais. À medida
que toda a população tiver acesso às informações básicas - o que á a Aids, como se
transmite -, pelo menos essa intranqüilidade com relação ao convívio na escola vai
desaparecer. Mas é preciso que o acesso à informação não seja discriminado, que todas as
classes sociais a recebam. E me preocupa muito que a divulgação da informação se dê
através, apenas, da mídia escrita, num país como o nosso, onde o número de analfabetos é
tão grande - sem contar as pessoas que conseguem ler um texto, mas não conseguem
entendê-lo.
Pergunta: Caso as outras crianças fiquem sabendo que um colega tem Aids, ou no caso de
perderem esse colega, o que se poderia fazer?
Caio: Com Aids, ou sem ela, as perdas e a morte são assuntos que precisam ser encarados
e tratados junto. às crianças. Ao mesmo tempo, vivemos em nosso país uma situação tão
chocante de miséria, desonestidade e corrupção que, mesmo para esse contato com a
morte - que vai ser a morte .do colega da escola -, a criança já está sendo preparada
através de outros meios. Diante da situação de nossas crianças de rua, da indiferença do
país frente a tantas misérias, do estupro e da prostituição infantil, a Aids acaba sendo mais
uma das desgraças que a criança vai ter de ver e aceitar. Tenho a impressão de que nada
mais consegue abalar uma criança que mora na periferia, para quem a presença da morte
já está tão acentuada. E vai chegar uma época, infelizmente, em que o assunto morte talvez
deixe de ser envolvido em tanto tabu, pela quantidade de pacientes de Aids que vamos ter.
É quase uma guerra, essa Aids, que nos obriga a convívio novo com uma situação nova.
Pergunta: Qual a responsabilidade que um professor tem, dentro de uma escola, sobre
uma criança portadora do vírus da Aids?
Caio: Isso não deve ter muito peso sobre o professor, a não ser que a criança com
HIV/Aids apresente, por algum motivo (e esse motivo não é ela estar com o vírus da Aids),
um comportamento anormal e seja mais agressiva do que as outras, o que poderia implicar
uma possibilidade maior de transmissão. Nesse caso o professor precisa ser mais
cuidadoso, para evitar que ela saia arranhando, batendo, esmurrando e mordendo as
outras crianças. Mas o que quero dizer é que, com ou sem HIV, essa criança, com esse
comportamento, já exigiria, em qualquer situação uma preocupação maior por parte do
professor.
Pergunta: Crianças com HIV /Aids devem participar das aulas de educação física? O
esforço exigido delas pode ser o mesmo que das outras crianças?
Caio: Podem e devem. Quanto ao esforço físico exigido, vai depender do estágio em que
estejam. Você pode ter uma criança que tenha sido contaminada há muitos anos e que já
não apresente a mesma performance de uma outra, que adquiriu o vírus recentemente. À
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medida que o tempo passa, o organismo da pessoa contaminada - adulta ou criança vai se
tornando mais frágil, a imunidade diminui, a pessoa emagrece, passa a ter mais distúrbios
intestinais, torna-se mais sensível que as outras. Com menos energia, ela terá menos
condições de atividades físicas. Mas o professor seguramente perceberá que ela está
adoecendo.
“Outro dia o Reinaldo, um aluno com HIV, se machucou. Caiu, bateu a boca e cortou
a língua. Era uma quantidade monumental de sangue que saía. A professora manteve
a calma. Levou-o até o bebedouro e orientou-o para que lavasse a boca. Em seguida se
dirigiu à diretoria. Por um segundo eu fiquei imobilizada, olhando aquele sangue que
escorria. Mas passou rápido. Peguei minhas luvas, limpei o garoto e levei-o para o
posto de saúde, para ver se precisava de algum cuidado extra. Não precisou”.
Clara, 35 anos,
diretora de escola infantil
Pergunta: Quanto tempo uma criança demora para apresentar os primeiros sintomas da
doença?
Caio: Se for uma criança que não nasceu com o HIV, mas o adquiriu depois, ela vai se
comportar da mesma forma que um adulto. Cinqüenta por cento vão adoecer cerca de oito
ou nove anos depois do primeiro dia de contato com o vírus; dos outros 50%, uma parcela
adoece antes do oito ou nove anos, outra parcela adoece depois... Uma criança que já
tenha nascido com o vírus na maioria das vezes até os quatro anos de idade já desenvolveu
a doença. Algumas conseguem prolongar até os seis anos de idade esse período, mas são
exceções. No caso das crianças, o vírus não precisa - como faz com os adultos - ir
comendo devagarinho os linfócitos T4 para devastar o seu sistema imunológico, porque
todas as crianças já nascem com o sistema imunológico imaturo, sejam ou não portadoras
do HIV.
Pergunta: Quais são os primeiros sintomas que aparecem quando uma criança com HIV
começa a manifestar a doença?
Caio: Emagrecimento, diarréia, alterações na pele, unhas quebradiças, quedas de cabelo,
períodos de febre, muitas sem causa aparente, gânglios. Mesmo sem ter uma doença
aparente, a criança (ou adulto) vai começando a perder a vitalidade, vai ficando
desnutrida. Nesse momento, ela não tem mais condições de freqüentar a escola.
Pergunta: Quando um professor deve levantar a possibilidade de que um de seus alunos
seja portador do vírus da Aids, caso não tenha sido informado?
Caio: Quando ele tiver uma criança com essas características descritas na pergunta
anterior, que cresce menos que as outras e ao mesmo tempo emagrece e não acompanha,
fisicamente, as outras crianças. Ou quando ela se mostra totalmente exposta às infecções
bacterianas e vai tendo seguidas otites, pneumonias, amigdalites, uma atrás da outra e
muito rapidamente.
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Pergunta: Caso os pais dessa criança careçam de orientação, como o professor pode
ajudar?
Caio: As crianças nessa situação devem ser encaminhadas a um posto de saúde. Se o posto
não estiver capacitado para fazer um diagnóstico, acredito que seja capaz de levantar a
suspeita e encaminhar a criança a setores de atendimento competentes.
O que fazer se os pais de uma criança com Aids solicitarem à direção da escola
cuidados especiais que não façam parte dos procedimentos normais da escola em caso
de doenças dos alunos?
Se a direção da escola sentir-se impossibilitada de garantir às crianças com HIV / Aids os
cuidados especiais solicitados pelos pais ou pelo médico destas crianças, deverá recorrer à
Unidade Sanitária mais próxima para criar as condições necessárias para a convivência com
a criança doente.
É bom lembrar; porém, que na maioria dos casos, as crianças com HIV / Aids não exigem
cuidados especiais que sejam diferentes do tipo de cuidados citados na resposta anterior.
Pais e funcionários devem assumir sozinhos a responsabilidade por crianças com HIV
/ Aids?
Não! Cabe às secretarias de educação implantar Programas de Prevenção que possam, entre
outras coisas, garantir o apoio necessário às escolas que têm alunos com HIV Em caso de
necessidade, a equipe coordenadora destes programas deve ser acionada e assumir parte da
responsabilidade sobre as medidas a serem tomadas. A equipe do projeto irá à escola e fará
um treinamento com pais, professores e funcionários, para que estes possam conviver com
tranqüilidade e segurança com o problema da Aids. Serão também feitas reuniões com o
conjunto da escola, informando sobre Aids, modos de prevenção e de transmissão. Estados
e Municípios que não contam com um projeto/programa de prevenção deste gênero devem
tomar as medidas para implantá-lo com urgência. De todas as maneiras, a Secretaria de
Educação deve apoio solidário aos educadores e pais que estão diretamente confrontados
com o problema. Além disto, não havendo este tipo de projeto, a responsabilidade deve ser
dividida com a Unidade Básica de Saúde (Posto de Saúde, Centro de Saúde, Hospital) que
atende a comunidade da escola.
Triste surpresa
Carolina veio correndo, os longos cabelos batendo no rosto. “Tia, prende a minha franja?”,
pediu à professora, estendendo um grampo de metal. Márcia, que conversava com Leila, á
coordenadora pedagógica da escola, sequer olhou para a garota. “Prende você, já que está
tão calma”, gritou à colega e saiu apressada, batendo os pés. A menina não entendeu nada e
poucos minutos depois se dirigiu novamente à professora, ainda com o grampo na mão. “A
tia Leila disse que é pra jogar fora o grampo, que ele está enferrujado”, contou. “Então vai
jogar, o lixo é ali”, falou Márcia, aliviada, mesmo constatando que não havia nada de
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errado com a pequena presilha. Márcia se recusou a prender o cabelo de Carolina porque
havia recebido, um dia antes, a notícia de que sua linda aluna de seis anos de idade era
portadora do vírus da Aids, o HIV. Ela estava revoltada com Leila, que tentava acalmá-la,
explicando que as formas de transmissão da doença são bem conhecidas e que não haveria
perigo de contágio na escola. Apesar do discurso,.nenhuma das duas encontrou coragem de
colocar as mãos nos cabelos de Carolina. “Eu estava apavorada, agora vejo como fui
infantil”, disse a professora alguns meses depois.
A cena do grampo ilustra bem o clima que a notícia da existência de alunos portadores do
HIV criou naquela escola municipal, que, embora localizada num bairro de classe média,
atende principalmente filhos de empregadas domésticas que trabalham na região. Tudo
começou na manhã do dia 25 de fevereiro de 1992, quando a diretora, Cecília, recebeu a
visita de Cleide, diretora de uma creche do bairro, também municipal. A conversa foi muito
direta. “Você tem dois alunos com o vírus da Aids”, revelou a visitante. Surpresa com a
própria tranqüilidade, Cecília foi informada de que se tratava de um casal de gêmeos,
Carolina e Bruno, que já freqüentava as aulas havia um mês.
Com dois anos e meio de idade, de volta de uma sofrida viagem à Bahia, as duas crianças,
filhas de uma empregada doméstica, foram internadas com forte diarréia num hospital de
São Paulo. Receberam sangue contaminado. Repetidos problemas de saúde acabaram
denunciando a presença do HIV, quase três anos depois. A mãe avisou a creche, que' optou
por manter as crianças. Na ocasião da matrícula na escola, porém, o medo da rejeição foi
maior e a informação foi escondida.
Durante sua visita, Cleide quis ver as crianças. Aproveitou para arrancar um dente de
Carolina, que estava mole. “Aquela atitude eu nunca vou esquecer”, diz Cecília. Minutos
depois, sozinha em sua sala, ela fechou os olhos e pensou rio que fazer. “Preciso me
informar”, concluiu. Telefonou para a coordenadora das escolas da região e descobriu a
existência do Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação. “Naqueles dois primeiros
dias eu devo ter ligado para lá umas 20 vezes, tantas eram as dúvidas”, conta. –“Eles não
me abandonaram”.
De posse dos dados que pôde obter, a diretora passou a chamar professores e funcionários,
em pequenos grupos e, da maneira mais amena que encontrou, deu a notícia. “Apesar da
minha calma, criou-se uma situação de pânico”, lembra. “Você é uma irresponsável”,
acusou um dos professores. No dia seguinte, a escola recebeu a visita de uma das
multiplicadoras do Projeto Aids. Ficou decidido que todos os funcionários participa.riam de
um curso de 20 horas sobre a doença.
“O primeiro dia foi horrível”, relata a professora Márcia, que naquela altura já pensava em
deixar o emprego. Quando chegava em casa, depois do trabalho, Márcia tinha o cuidado de
tomar banho e se trocar, antes de buscar a filha Adriana, de três anos, na casa da mãe. Não
foi por acaso que a dramatização proposta no início do curso lhe fez mal. Todos os
presentes experimentaram os diversos papéis envolvidos na situação. “O pior foi me sentir
como portadora”, admite a diretora, Cecília. “Meu Deus, como era difícil pensar na
convivência com as outras pessoas”.
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Márcia garante que naquele dia voltou para casa ainda mais angustiada. “Eu tive a
impressão que eles queriam apenas fazer a nossa cabeça, para que aceitássemos as crianças
de qualquer jeito”. Mesmo desconfiada, ela compareceu nos dias seguintes e ao final do
curso fez questão de dar um presente para Enivaldo, o portador do HIV que apareceu para
contar sua experiência. “Abracei-o e dei-lhe um beijo. Quando olhei pra trás tinha uma fila.
Todos queriam agradecer, mostrar solidariedade”. A equipe decidiu manter em segredo a
situação das crianças. A comunidade não foi informada.
Alheios a tudo que se passou, Carolina e Bruno continuaram freqüentando as aulas. As
serventes pararam de lavar seus pratos e talheres com água sanitária e eles ganharam uma
nova amiga, Adriana, a filha da professora Márcia, com quem costumam brincar
animadamente. Hoje, Márcia só tem uma preocupação. “Eu temo pelo dia em que eles
tiverem de mudar de escola. Não quero que encontrem outra professora no estado em que
me encontraram”.
Relato de caso /Projeto Aids- São Paulo
“Estou acostumada a perder minhas crianças. Elas mudam de turma, mudam de
escola. Isto acontece todo ano. Com estes meninos portadores de HIV eu procuro
encarar da mesma forma. Um dia eles vão embora. Nunca penso que eles podem
morrer. Pelo contrário, trabalho diariamente com a certeza de que eles estarão vivos
quando for encontrada cura para a Aids. Quando isto acontecer eles precisarão estar
preparados para enfrentar a vida como crianças normais. É por isso que não podem
ser tratados de forma diferente das demais crianças. Eu sou contra a paparicação."
Rosa, 45 anos, professora
Como deve se dar a colaboração com a Secretaria de Saúde
Ao saber da presença, em sua escola, de pessoas com HIV / Aids, a direção deve - sem por
isto revelar, por decisão própria, a identidade destas pessoas! - procurar a Secretaria de
Saúde, que deverá tomar todas as medidas cabíveis, ou seja, identificar a Rede de
Referência (rede de Unidades Sanitárias capacitadas para o acompanhamento de pessoas
com HIV / Aids) a ser acionada em caso de solicitação e, sobretudo, providenciar o
treinamento mínimo e adequado de seus funcionários.
A direção da escola pode procurar também a ajuda de uma ONG/ Aids de sua cidade ou
estado (veja lista de endereços no Anexo 4)
De todas as maneiras, a informação deverá ser tratada com o devido sigilo e tudo deverá ser
feito para evitar o perigo de pânico na comunidade.
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CAPÍTULO 5
A Aids não representa um perigo maior para o meio escolar
A Aids é uma doença infecto-contagiosa?
Não! A Aids não é classificada pela Organização Mundial da Saúde como uma doença
infecto-contagiosa. A Aids é, isto sim, uma doença infecto-transmissível. No Brasil, a Aids
foi classificada como Doença Sexualmente Transmissível.
Mordidas e arranhões
Um dos estudos conta o caso de um aidético agressivo que atacava seus enfermeiros. A pesquisa
acompanhou por dois anos e meio 198 enfermeiros que.lidavam com pessoas contaminadas em dois hospitais
no Canadá. Trinta dos enfermeiros foram mordidos e arranhados pelo paciente violento.
Agravante: por causa da atitude excessivamente agressiva, não era possível cortar as unhas nem escovar os
dentes do doente, de 32 anos. Ele acabou com uma gengivite, que provocava sangramentos na boca. Além
disso, se masturbava ostensivamente e ficava com as mãos sujas de esperma. Ninguém pegou o vírus. A
pesquisa, chamada “Ausência da Transmissão do HIV Por Mordidas e Arranhões Humanos”, saiu em 1988 no
“Boletim de Síndromes de Imunodeficiências Adquiridas” , de Nova York.
Folha de São Paulo 10/5/92
Governo recua e anuncia campanha
BRASÍLIA - Os ministro da Saúde, Adib Jatene, e da
Educação, José Goldemberg, podem enviar ao
Congresso um projeto de lei obrigando as escolas a
aceitarem os alunos portadores do vírus da Aids.
Ontem, os dois ministros e o presidente do Sindicato
dos Estabelecimentos particulares de Ensino de São
Paulo decidiram que não será mais elaborada uma
portaria obrigando as escolas a aceitarem crianças
portadoras do vírus HIV. O documento terá a função
apenas de prestar esclarecimentos sobre o assunto.
Além da portaria, também será preparada uma campanha informativa para as escolas. Se nada disso
funcionar, os ministros enviarão o projeto ao
Congresso.
O ministro da Saúde disse que não voltou atrás na
decisão de obrigar as escolas a aceitarem criança
aidéticas. Segundo ele, o que houve ontem foi uma
flexibilização da posição anterior. Jatene disse que não
será imposta nenhuma posição às escolas, mesmo se for
editada uma lei garantindo matrículas a crianças com o
vírus HIV.
- Se houver consenso da sociedade, poderá ser criada
uma lei que obrigue as escolas a receberem as crianças
infectadas. Isso não significa intromissão do Estado na
iniciativa privada explicou Jatene, explicando que
haverá ampla discussão sobre o assunto.
O ministro da Educação, José Goldemberg, também
garantiu que é possível criar uma lei dando direito às
crianças portadoras do HIV de estudar em qualquer
escola:
- A Lei de Diretrizes e Bases da Educação impede a
discriminação de crianças, exceto por doenças infectocontagiosas, que são transmitidas com facilidade, o que
não é o caso da Aids explicou o ministro José
Goldemberg.
Em São Paulo, a Prefeitura de São Paulo já vem
preparando sua rede de pré-escola e do 1º grau para
receber a primeira geração de crianças portadoras do
vírus da Aids. A Secretaria de Educação formou há dois
anos um grupo de dez profissionais entre psicólogos e
pedagogos, que percorreram os colégios in. formando
sobre a doença.
Do total de 690 unidades de ensino do município, 129
de 1° grau e 18 pré-escolares já passaram pelo
aprendizado. Segundo da. dos da secretaria, 37.619
pessoas receberam as instruções desse grupo (34.184
alunos, 1.997 pais e 1.438 funcionários). Com isso, 385
pessoas foram cadastradas como aptas a repassar as
informações a outras escolas e comunidades.
O Globo/RJ 14/5/92
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Qual a diferença entre uma doença infecto-contagiosa e uma doença infectotransmissível?
Uma doença infecto-contagiosa é uma doença que se transmite através do convívio social,
ou seja, pelo uso comum de roupas, talheres, objetos de uso comum, sanitários, pela tosse,
espirro, no elevador, no ônibus, pelo abraço ou pelo beijo na boca, etc. As doenças infectocontagiosas mais freqüentes são: meningite, sarampo, catapora, rubéola, gripe, tuberculose,
caxumba, etc. Estas doenças acarretam um perigo de contágio no meio escolar e, por isto,
implicam no afastamento temporário das crianças doentes. A Aids não é uma destas
doenças: a Aids é uma doença infecto-transmissível.
O contágio por doenças infecto-transmissíveis é mais difícil. Estas doenças só passam de
uma pessoa para outra de maneiras muito bem definidas. A Aids, por exemplo, não se
transmite .através do convívio social, pelo ar ou por objetos de uso comum. O HIV só se
transmite através de determinados líquidos orgânicos, como o sangue, o esperma e os
líquidos vaginais. É por isto que a Aids não representa um perigo maior para o ambiente
escolar. .
Um aluno com HIV / Aids pode transmitir a doença para outros alunos, para
professores ou funcionários?
No ambiente escolar, o perigo de transmissão do HIV de uma pessoa para outra é
praticamente inexistente. O HIV só se transmite nas quatro modalidades citadas abaixo:
Modalidade de transmissão 1: durante relações sexuais sem proteção do preservativo;
Modalidade de transmissão 2: por transfusões de sangue e de hemoderivados que não
tenham sido controlados e pela utilização coletiva de agulhas e seringas não esterilizadas.
Modalidade de transmissão 3: da mãe portadora para o filho, durante a gestação, durante
o parto e, em casos raros, pelo aleitamento materno.
Todos sabemos que relações sexuais, utilização de drogas e transfusões de sangue não
fazem parte da rotina das escolas.
Casos de relações sexuais e utilização de drogas nas dependências das escolas são passíveis
de medidas disciplinares e devem ser alvo de uma discussão interna que independe da
questão da Aids. A questão do uso de drogas injetáveis e da ocorrência de relações sexuais
no meio escolar será tratada mais adiante em capítulo especial.
E se uma criança que está com o HIV morder uma outra criança? Pode transmitir o
vírus?
O risco de transmissão do vírus da Aids através de mordidas é extremamente pequeno ou
inexistente. Segundo um estudo científico publicado nos EUA, pela revista científica
JADA, em setembro de 1991, o vírus da Aids pode ser encontrado na saliva de alguns
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doentes,. mas numa proporção extremamente baixa (1% das 218 amostras de saliva inteira
analisadas), "que sugere a improbabilidade de potencial de transmissão do HIV pela
saliva". Além disto, um outro estudo, publicado pela mesma revista em maio de 1988
demonstrou evidências de que "a atividade antiviral da saliva tem, ao que tudo indica, um
papel importante da defesa oral contra a Aids" e pode bloquear a ação infectante do HIV.
Outros estudos exaustivos feitos com adultos e crianças que foram mordidos por pessoas
que têm Aids não revelaram nenhuma evidência de contaminação. Na verdade, uma
mordida infantil só pode transmitir o HIV se a criança que morder a outra estiver com um
forte sangramento nas gengivas, e se sua mordida provocar sangramento na criança alvo de
sua agressão. Mordidas que apenas deixam marcas de dentes na pele não representam risco
de infecção.
De todas maneiras, independentemente da questão da Aids, crianças que mordem com
freqüências seus colegas devem ser alvo de cuidados especiais .adequados aos distúrbios
comportamentais que apresentam.
Principais dúvidas sobre transmissão da Aids entre crianças
Mordida
Para uma criança contaminar a outra com uma mordida, a portadora teria de estar sofrendo um sangramento
na boca e esse sangue entrar em contato com o sangue da outra criança. O HIV existe em pequena quantidade
na saliva, insuficiente para a contaminação, e sobrevive poucos segundos nesse meio.
Uso do mesmo banheiro
Preservadas as condições habituais de higiene, não há qualquer risco de contaminação. O HIV só é
transmissível pelo sangue, esperma ou secreções vaginais
Dividir o lanche ou mascar o mesmo chiclete
Não há riscos de transmissão. Para que uma eventual contaminação aconteça, é necessário uma situação
extraordinária em que a criança portadora tenha um sangramento abundante na boca, o alimento fique
ensangüentado e a outra criança também tenha lesões na boca
Contato físico (abraço, beijo social, aperto de mão) e convivência social no mesmo ambiente
Não existe qualquer possibilidade de riscos, se não houver troca de secreções, sangue ou esperma
Contaminação por material perfurante infectado (agulha de compasso, tesouras, lápis pontiagudo)
Existe risco. No entanto, com a observação das normas básicas de segurança e prevenção de acidentes essa
possibilidade se reduz a praticamente zero
Contato com feridas em criança portadora do HIV (esfolados, arranhões)
Existe risco se os ferimentos apresentarem secreções com sangue, mesmo que em pequena quantidade. Para
ser contaminada, a criança precisa, também, apresentar uma lesão com sangramento
Talheres e pratos
Desde que não estejam sujos de sangue, não há riscos
Cuspidas ou saliva da criança portadora do HIV em ferimentos de outras crianças
Se não houver sangue na saliva, não há risco de contaminação
Fonte: Vicente Amato Neto, professor-titular de Infectologia da Faculdade de Medicina da USP e diretorsuperintendente do Hospital das Clínicas.
Estado de São Paulo 9/5/92
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E se uma criança que está com o HIV / Aids se machucar e tiver um sangramento
forte? Pode contaminar outras crianças ou contaminar um professor que venha
socorrê-la?
Apenas se a pessoa que tenta socorrê-la também estiver com feridas abertas, sangrando.
Nestes casos, pode haver troca de sangue. Por isto, vale lembrar aqui, mais uma vez, os
princípios básicos de higiene e os procedimentos universais a serem adota dos quando da
prestação de primeiros socorros (ver detalhes sobre estas precauções no Anexo 3: Anexo da
Portaria Interministerial No. 796, de 29 de maio de 1992). Estes procedimentos são
anteriores à existência da Aids e são mais que suficientes para preservar, não apenas a
saúde do ferido, como também a saúde de quem o socorre.
É interessante lembrar ainda que estes procedimentos servem há muito tempo para evitar
outras doenças, conhecidas e também fatais, como a hepatite B, por exemplo, que podem
ser transmitidas pelas mesmas vias que a Aids
Os professores devem usar luvas quando socorrem crianças que se machucaram?
No caso de sangramentos importantes (cortes que exigem sutura para a cicatrização), o
professor ou funcionário pode usar luvas protetoras. Num sangramento pouco importante
como o sangramento de nariz, o aluno pode ser orientado para estancar seu próprio sangue,
segurando, ele mesmo, um chumaço de algodão sobre o nariz ou sobre a ferida, enquanto o
professor ou funcionário o encaminha a uma pessoa capacitada para atendimento adequado.
Lembramos mais uma vez que é importante orientar os alunos para que, em caso de
sangramentos, recorram à ajuda de um adulto. Estes procedimentos devem ser adota dos de
todas as maneiras, mesmo em escolas onde não se tem registro de alunos com Aids.
o uso de luvas sempre foi recomendável para a proteção de pessoas feridas. A possibilidade
de contágio pelo HIV através do atendimento a pessoas feridas é praticamente inexistente.
O atendimento a estas pessoas deve ser feito, como sempre, com tranqüilidade e cuidado.
Não há necessidade de usar luvas cirúrgicas. Mantenha sempre, em sua caixa de primeiros
socorros, luvas ou sacos plásticos devidamente desinfeta dos que possam ser usados em
caso de necessidade.
Extratos de uma entrevista com a Dra. Marinella Della Negra*
Pergunta: O que fazer quando as crianças se machucam?
Marinella: Vamos lembrar que se a criança faz um corte e sangra, se a criança se
machuca, existem normas internacionais que foram estipuladas muito antes da Aids. Se
uma criança se corta, mesmo antes da Aids, ninguém vai pôr a mão em cima do sangue. Se
a criança tem que ser corretamente atendida, com uso de luvas, não é nem para proteger
*
Marinelta Delta Negra é formada em Medicina pela Santa Casa de São Paulo, é médica infectologista
responsável Pelo 2º andar do Hospital Emílio Ribas e do grupo de médicos que acompanha o tratamento de
crianças com Aids.
Extratos de entrevista publicada pelo Caderno Sinpro, em junho de 1992
44
quem socorre mas para proteger a criança de uma infecção. Essas normas de primeiros
socorros são antigas e estão sendo resgatadas agora por causa da Aids.
... Até o momento não há referência, nos estudos médicos, de contágio da doença através
da mordida de uma criança ou de uma criança que se machuca. Quer dizer, você teria que
ter um corte enorme e o outro com um corte enorme, todo mundo junto. Ou seja, esta
criança estaria onde? Numa escola ou numa guerra? Eu acho que determinadas
colocações têm que ser analisadas. As crianças quando vão à escola, especialmente as
menores, porque as maiores já se defendem sozinhas, não ficam soltas, há sempre um
professor ou auxiliar perto que vai acudir e impedir que uma criança fique sangrando com
abundância pelo pátio da escola.
Pergunta: E quando os professores não estão preparados para usar as normas
internacionais de atendimento a uma criança que se fere?
Marinella: Na realidade, o que o professor deve fazer é pegar esta criança machucada e
leva-!a a um posto médico. Mas o corte terá que ser muito profundo e o sangramento
abundante para justificar a preocupação com o contágio. Agora eu pergunto. Isso é muito
freqüente nas escolas?
Quando me fazem essa pergunta com tanta insistência dá a impressão que, na pré-escola,
aquela tesoura que as professoras pedem é para as crianças se cutucarem, para se
cortarem, coisas desse gênero. Se formos continuar assim vamos acabar com os esportes
onde obviamente o risco é muito maior.
Só para vocês terem uma noção, existem trabalhos variados em todas as partes do mundo,
que estudam o grau de contaminação dos profissionais que lidam na área de saúde, na
área da Aids. Esses estudos concluem que os profissionais que se soroconverteram (teste
HIV deu positivo) tiveram várias exposições, e profundas. Portanto, não é assim com um
cortezinho que se contrai o vírus.
...Para resumir, qualquer destas crianças (com HIV/Aids) pode freqüentar normalmente as
escolas. Elas não oferecem riscos no convívio diário. Se ela mordeu o sanduíche de uma
outra criança, ela não vai contaminar, se ela pegar o copo de outra criança, ela não vai
contaminar, se ela pegar o copo de outra criança, ela não vai contaminar. Mesmo porque
se essa neurose pegar nós vamos nos fechar dentro de casa. Porque/quando nós vamos aos
clubes, ao cinema, a um restaurante ou a um bar, certamente vocês podem apostar que
pelo menos nas últimas 48 horas alguém passou por ali com o vírus HIV.
... Então, é importante que os profissionais da educação acreditem nos profissionais da
saúde, assim como quando nós entregamos nossos filhos a vocês, nós acreditamos em
vocês.
"O que mais me deixa triste não é o fato de ele ter o HIV. Eu me angustio por saber
que ele foi abandonado pela mãe."
Sílvia, 22 anos, professora
45
Dividir o lanche, mascar o mesmo chiclete ou o mesmo lápis, transmite o HIV?
Não! A saliva, não transmite o HIV.
Beijo na boca transmite o HIV / Aids?
Não! O beijo na boca não transmite o HIV!
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CAPÍTULO 6
Boatos: o que fazer?
Como surgem e o que são os boatos?
Boatos são frutos da desinformação e do preconceito. Desde o advento da Aids, no
princípio dos anos 80, nos habituamos a ouvir dizer: “Fulano anda muito magro. Deve estar
com Aids!”
Este tipo de brincadeira pode ter conseqüências muito sérias, sobretudo no meio escolar
quando diz respeito a crianças. Numa comunidade desinformada, uma criança
estigmatizada pela Aids poderá ter toda sua vida escolar e social comprometida.
Brincadeiras muitas vezes geram boatos que podem criar dificuldades para famílias e
comunidades inteiras.
Aos educadores cabe atuar de maneira decisiva contra qualquer boato relacionado à Aids.
Assumir publicamente que na nossa escola estudam alunos com HIV/Aids?
Uma questão de discernimento...
Alguns diretores de escola têm optado por informar a comunidade quando tomam
conhecimento de que têm, em seu quadro de funcionários, ou entre seus alunos, pessoas
com HIV/Aids. Isto aconteceu com as escolas municipais de São Paulo onde estudam as
crianças da Casa Vida e com o colégio particular onde estudava Sheila. No caso das
crianças da Casa Vida, a identidade das crianças não foi revelada. O caso de Sheila era de
domínio público e a questão do sigilo havia sido, portanto, ultrapassada anteriormente. É
difícil fazer recomendações definitivas sobre o que deve e o que não deve ser feito. Tudo é
uma questão de discernimento.
Uma escola que assume publicamente que tem entre seus funcionários ou alunos, pessoas
com HIV/Aids é uma escola esclarecida que se mostra disposta a assumir suas
responsabilidades. Esta escola, como é o caso da escola paulista que recebeu a Sheila, se
preocupará necessariamente em esclarecer a comunidade e discutir abertamente a questão
da Aids, o que é bom para todos. Os alunos e professores desta escola irão certamente
estudar e conversar sobre as formas de transmissão da doença, sobre as maneiras de evitála e sobre o convívio com pessoas que têm HIV/Aids. A escola terá, assim, assumido
integralmente suas responsabilidades sociais, e estará contribuindo, à sua maneira, para o
controle da epidemia. Por outro lado, no caso de uma comunidade despreparada,
desinformada e carregada de preconceitos, algumas pessoas poderão tentar descobrir
quem são os alunos com HIV/Aids e lançar boatos de difícil controle. Cada escola deve
avaliar sua situação e tomar a decisão que lhe parecer mais indicada mas, antes de
47
informar a comunidade, deve, de todas as maneiras, obter permissão explícita dos pais das
crianças que têm HIV/ Aids ou dos professores e funcionários que estão nesta condição.
Vale lembrar mais uma vez - nunca é demais - que pode haver pessoas com HIV/Aids em
qualquer escola e que, deste ponto de vista, todas as escolas são iguais. Diante deste fato,
nenhuma escola é mais ou menos segura que a outra. O certo é que, tanto as escolas que
sabem de casos de Pessoas com HIV/ Aids na comunidade, quanto aquelas que não sabem
de tais casos, devem atuar como centro de divulgação de informações e esclarecimento
sobre a epidemia.
Jacques Schwarzstein, Coordenador do “Projeto Escolas” da ABIA
Como neutralizar um boato?
Quando um boato relacionado à Aids entra em circulação no meio escolar, cabe à direção
da escola, em primeiro lugar, garantir todo apoio possível 'à pessoa/aluno que é alvo do
boato. Sem exercer qualquer tipo de pressão sobre esta pessoa, para que ela confirme ou
deixe de confirmar o boato, a escola deve manifestar sua solidariedade e colocar-se à
disposição desta pessoa para tomar todas as medidas cabíveis que lhe forem solicitadas.
Em segundo lugar, a direção da escola deve procurar identificar os responsáveis pelo boato
e se reunir individualmente com as pessoas que o propagam, para alertá-las sobre as
conseqüências daquilo que pode ter começado com uma simples brincadeira irresponsável.
Mais uma vez, na ocorrência de boatos do tipo: “Fulaninha está com Aids! Vive doente;
está sempre muito agasalhada, e seus pais aqueles cabeludos que moram na rua tal - usam
drogas!”, a direção da escola tem um ótimo motivo para reunir a comunidade e conversar
abertamente sobre a Aids, suas características e implicações. Nesta ocasião, assim como
nas reuniões com as pessoas/alunos que propagam o boato vale lembrar:
∗
Que a transmissão pelo HIV pode se manifestar por sintomas após muitos anos.
∗
Que os sintomas da Aids são sintomas iguais aos de outras doenças.
∗
Que um diagnóstico seguro só é possível através de no mínimo dois testes
laboratoriais consecutivos.
∗
Que o diagnóstico não-laboratorial, ou seja, o diagnóstico clínico, é de competência
exclusiva dos médicos.
∗
Que ninguém tem o direito de propagar boatos deste tipo e que estes podem, não
apenas criar sérios problemas para as pessoas que atingem, mas também gerar
pânico na comunidade.
48
Boato
Do outro lado da linha, Sandra, coordenadora pedagógica de uma escola de educação
infantil da Prefeitura, mal conseguia se explicar. Era puro pânico. Com algum esforço,
Glória Maria, 55 anos, uma das coordenadoras do Projeto Aids da Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo, entendeu que havia rumores sobre a possibilidade de uma aluna da
escola, localizada num bairro de classe média da cidade, ter Aids. Sandra e a diretora,
Regina, queriam chamar professores e funcionários para discutir o assunto. “Eu disse não,
não façam isso”, conta Glória. “E marquei um encontro com as duas”.
O esforço inicial da multiplicadora foi para mostrar; em primeiro lugar, que não havia
nenhum fato concreto e que passar a informação para a frente só serviria para fortalecer o
boato. Que, além disso, mesmo que se confirmasse que a menina era portadora do HIV,
ninguém tinha o direito de divulgar a notícia. Na primeira visita do Projeto Aids à escola, a
história se esclareceu. Regina tinha sido procurada pela mãe de uma aluna que dizia saber
que os pais de uma outra garota da escola, seus vizinhos, estavam com Aids e que a
menina, Melissa, também teria sido contaminada. “Pedimos que a mãe em questão fosse
chamada e instruída- para não espalhar o boato e isso foi feito”, lembra Glória.
Depois da conversa, Regina decidiu informar a professora da menina sobre a existência do
boato e, uns 15 dias depois, informou também os demais professores, segundo ela, “para
garantir a participação no curso proposto pela Secretaria, que fora marcado para maio”.
Durante o curso, revelou-se muito forte a rejeição à idéia de ter um aluno portador do HIV
na escola, tanto por parte de professores como de funcionários. “Eu mesma falei que se
dependesse de mim não aceitaria”, conta a diretora, que se dizia muito preocupada com a
“imagem” da escola perante a comunidade. No final, as posturas mudaram.
“Confesso que fiquei doidinha para saber se era ou não verdade, mas entendi que não podia
me envolver, que havia leis que garantiam esse direito à garota”, diz Regina. Tão grande
como a curiosidade, era a desinformação sobre a doença. “Eu pensava que só de encostar a
gente podia pegar Aids”, admite a servente Izilda. Hoje ela encara a possibilidade de
conviver com portadores do HIV com muita naturalidade. "A gente sabendo como é o
contágio, fica mais fácil", diz. Entre os professores, que estavam arrepiados frente ao
simples boato de que poderiam ter um aluno portador, surgiu um novo comportamento.
“Me dei conta de que a doença está por aí e que podemos ter vários alunos contaminados”,
pondera Elisa, a professora da menina sobre quem circulava o boato - até hoje não
confirmado - de que teria o HIV.
Relato de caso / Projeto Aids - SP
49
CAPÍTULO 7
Professores também podem estar com HIV / Aids
Professores e funcionários que estão com HIV / Aids podem continuar a trabalhar nas
escolas?
Assim como os alunos com HIV / Aids, professores e funcionários que enfrentam esta
situação podem dar prosseguimento normal às suas atividades profissionais. Como o HIV /
Aids não se transmite através de contatos sociais, o convívio com estes adultos, em sala de
aula e no recreio, não representa qualquer tipo de ameaça para a saúde. dos alunos.
Sentindo-se aptos e desejosos de exercer suas profissões, professores e funcionários devem
permanecer nas escolas e dar andamento à sua rotina normal de trabalho. Todos os médicos
que cuidam de pessoas . com HIV / Aids são unânimes ao recomendar que seus pacientes
mantenham suas atividades profissionais rotineiras.
Mais uma vez lembramos que todos nós podemos estar convivendo, sem o saber, com
pessoas que estão com HIV / Aids nas ruas, nos restaurantes, nos meios de transporte e até
mesmo em nossas casas.
Declaração Consensual sobre a Aids no Local de Trabalho OMS/OIT
Elementos de uma Política Adequada
a) Com relação a pessoas que solicitam um emprego:
“A detecção do HIV/Aids anterior à contratação, como parte dos testes de aptidão
para o trabalho, é desnecessária e não deve ser exigida. Esta contra-indicação refere-se
tanto aos métodos diretos de detecção (teste de soropositividade para o HIV) quanto aos
métodos indiretos (avaliação dos comportamentos de risco) e a perguntas sobre os
resultados dos testes de HIV aos quais o candidato já se tenha submetido.”
b) Com relação a pessoas que já estão empregadas:
“...1. Detecção do HIV/Aids. Não se deve exigir a detecção do HIV/Aids, seja
direta (teste de soropositividade para o HIV), indireta (avaliação de comportamentos) ou
baseada em perguntas sobre os resultados dos testes de soropositividade aos quais o
candidato já se tenha submetido
...2. Confidencialidade.. Deve ser respeitado o caráter confidencial de toda
informação técnica, inclusive sobre a situação relativa ao HIV/Aids.
...3. Informação do empregador. O trabalhador não deve ser obrigado a informar
seu empregador sobre sua situação relativa ao HIV/Aids.
...4. Proteção do empregado. As pessoas afetadas pelo HIV/Aids , assim como as
pessoas suspeitas de contaminação, devem ser protegidas, no local de trabalho, de toda
estigmatização e discriminação por parte de colegas, sindicatos, empregadores e clientes. A
informação e a educação são essenciais para manter o clima de confiança mútua que é
indispensável para se garantir esta proteção.
50
...5. Acesso dos assalariados aos serviços. Os assalariados e suas famílias devem
ter acesso a programas de informação e educação sobre o HIV/Aids, assim como a meios
adequados de acompanhamento e consulta.
...6. Seguros sociais. Os assalariados contaminados pelo HIV não devem ser objeto
de discriminação em relação ao acesso aos benefícios regulamentares dos programas de
seguro social e outros benefícios trabalhistas a que tenham direito.
...7. Mudanças razoáveis das condições de trabalho. A infecção pelo HIV não
acarreta, por si só, nenhuma limitação da aptidão para o trabalho. Se esta aptidão for
reduzida por uma doença relacionada ao HIV, deverão ser tomadas medidas para efetivar
uma modificação razoável das condições de trabalho.
...8. Continuidade da atividade profissional. A infecção pelo HIV não representa
motivo para abandono do trabalho. Assim como no caso de muitas outras enfermidades, as
pessoas que sofrem de doenças relacionadas ao HIV devem continuar a trabalhar enquanto,
do ponto de vista médico, estiverem em condições de desempenhar tarefas adequadas.
...9. Primeiros socorros. Em toda situação que exija primeiros socorros no lugar de
trabalho, será necessário tomar-se precauções que reduzam o perigo de transmitir infecções
sanguíneas, entre elas a' da hepatite B. Essas precauções gerais resultam eficazes também
em relação à infecção pelo HIV”.
(Extratos da declaração formulada durante a Reunião Consultiva sobre a Aids no
Local de Trabalho das Organização Mundial da Saúde[OMS] e Organização Internacional
do Trabalho[OIT], organizada em Genebra, entre 27 e 29 de junho de 1988.)
Volta por cima
“Estou começando a sentir a vida palpitar outra vez”. A frase, dita em março de 1992 por
Ana Lúcia, professora de uma escola de educação infantil da Prefeitura, num bairro pobre e
afastado da capital paulista, veio acompanhada de um sorriso. Era um dos primeiros
sorrisos ensaiados por aqueles lábios depois de um pesadelo que durou mais de dois anos.
Nesse período, Ana Lúcia, portadora do HIV, pensou em se afastar do trabalho e até em pôr
um fim à vida. Mas ela resistiu. Continua se dedicando a educar crianças e já se dá até o
direito de ser um pouco feliz.
Para chegar nesse ponto, no entanto, foi preciso muita coragem. Como a maioria de suas
amigas, Ana Lúcia namorou, noivou e casou depois de concluída a faculdade. Durante oito
anos seu casamento correu às mil maravilhas, mas ela, sem saber bem porque, relutava em
ter o filho que o marido queria. O resultado do desencontro de interesses foi a separação.
Sozinha, ela se mudou para um pequeno apartamento e, pouco tempo depois, conheceu um
rapaz simpático, por quem se apaixonou. Passou com ele uma única noite e acabou
engravidando. Aos 40 anos de idade, a notícia da gravidez a fez explodir de felicidade.
Indiferente à censura da família e até ao desprezo do rapaz, ela resolveu que teria a criança
de qualquer maneira. Fabíola nasceu em março de 1989. Era linda e saudável.
A felicidade de Ana Lúcia e Fabíola começou a ser abalada quando a menina completou
cinco meses. As infecções de ouvido e garganta se repetiam. A criança vivia no médico. Só
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muito tempo depois surgiu a suspeita, confirmada logo com um teste Elisa. Fabíola tinha
Aids, herdara o vírus da mãe. Antes que Ana pudesse se refazer do susto, a menina morreu,
em novembro de 1990. Tinha um ano e oito meses.
Culpa, culpa, culpa. Era só o que Ana podia sentir, além do enorme sofrimento pela perda
da filha. Mal conseguia pensar na própria situação. Na escola, ninguém sabe dizer como, a
notícia se espalhou rápido durante a licença de luto da professora. A paranóia foi inevitável.
"Podemos ter sido picados pelo mesmo inseto", dizia um. "A gente usava os mesmos
talheres", falava outro "E o banheiro, será que não estamos todas contaminadas?" O medo
era tão generalizado quanto a falta de informações sobre a doença. .Ao mesmo tempo,
havia por parte de alguns uma grande preocupação com o estado da colega, enquanto outros
se dedicavam a censurá-la.
A professora Nádia, que nem trabalhava no mesmo período que Ana, cansou de ouvir
coisas como: "Se ela está nesse estado é porque procurou". Nádia lembra que se
amargurava com os comentários. "Será que uma mulher separada não tem direito a uma
segunda chance?" As opiniões variavam.
No quarto dia do luto de Ana Lúcia uma voz feminina que não se identificou ligou para a
Secretaria de Educação e contou o que se passava na escola. O Projeto Aids ainda era
embrionário, mas um grupo de voluntários já começava a se dedicar ao assunto. Um desses
voluntários, Maria Neusa, que depois se integrou na equipe coordenadora do projeto,
seguiu imediatamente para a escola. "Encontrei um clima de velório", conta Maria Neusa.
"Muitas professoras estavam chorando e havia um mar de dúvidas a esclarecer. Alguns
queriam que Ana Lúcia se aposentasse."
Naquela reunião falou-se das formas de transmissão da doença, dos direitos dos
soropositivos e da importância do convívio e da solidariedade. Parte da poeira assentou e a
professora pôde voltar ao trabalho num ambiente mais favorável. Mesmo assim, por
vontade dela, um banheiro foi reservado apenas para o seu uso. Neusa só foi conhecer Ana
Lúcia dois meses depois, quando levou-lhe material didático e livros sobre a doença, que
foram bem recebidos. Passado algum tempo, uma das professoras ligou de novo para a
Secretaria. Ana Lúcia estava enfaixando os dedos com esparadrapo no horário de aulas. "É
só uma forma de prevenção", disse a professora. "Nada disso é necessário, pois seus dedos
não estão machucados", explicou Neusa. As fitas foram retiradas.
Hoje, duas professoras e a coordenadora pedagógica da escola são multiplicadoras do
Projeto Aids. Elas já deram cursos e palestras para professores, funcionários e pais de
alunos. Em agosto de 1992, a morte de um funcionário, que os colegas não sabiam ser
soropositivo, trouxe o fantasma da Aids de volta, mas a escola já se sentia amadurecida
para enfrentar o problema. "Agora nós não queremos mais falar nesse assunto", diz a
diretora Magda. "A escola leva uma vida normal", garante. Ana Lúcia também mudou seu
comportamento. Passou a usar os mesmos banheiros que os demais professores e desistiu
de abandonar a sala de aula. "As crianças me dão ânimo para continuar levando a vida",
diz. A foto da filha que ela carrega na bolsa já está envelhecendo.
Relato de caso / Projeto Aids - SP
52
CAPÍTULO 8
A questão dos testes
Há quem pense ser possível se proteger da epidemia da Aids testando toda a população para
saber quem tem HIV / Aids e quem não tem. Este tipo de proposta, que pode parecer lógica
à primeira vista, não resiste porém a uma reflexão mais aprofundada sobre suas implicações
éticas e práticas. Do ponto de vista ético, a testagem compulsória de toda a população ou de
determinados segmentos sociais representa um atentado direto contra os direitos humanos.
Do ponto de vista prático, a testagem em massa coloca problemas insuperáveis e não se
justifica porque:
∗
os testes não são 100% seguros e podem fornecer resultados errados (ver abaixo);
∗
para garantir os resultados desejados seria necessário realizar periodicamente novos
testes com todas as pessoas, trimestralmente ou semestralmente;
∗
os testes são caros e nem mesmo os sistemas de saúde dos países mais ricos
disporiam dos recursos necessários à realização de testagens compulsórias
periódicas de toda a população.
O que é e como funciona o teste do HIV?
Os testes utilizados hoje em dia, servem para verificar a presença, na corrente sanguínea de
um indivíduo, dos anticorpos que o organismo humano produz contra o HIV. Dizemos que
o teste tem resultado "positivo", quando constata a presença destes anticorpos na corrente
sanguínea de uma pessoa. Quando o resultado do teste não oferece evidências da presença
de anticorpos para o HIV, dizemos que seu resultado foi "negativo". Como o teste verifica
apenas a existência de anticorpos para o HIV e não a presença do vírus em si, é errado
chamá-lo de "Teste da Aids", ou "Teste do HIV". Na verdade, trata-se de um teste de
anticorpos para o HIV.
Após ter sido contaminado pelo vírus da Aids, o organismo humano precisa de oito a 12
semanas para produzir uma quantidade de anticorpos suficientemente grande para ser
“notada” pelo teste do HIV. Se o teste for realizado durante este período, fornecerá um
resultado negativo mas errado, ou seja, um “falso-negativo”. Este período em que a pessoa
já está contaminada mas ainda não produziu anticorpos é chamado de período de “janela
imunológica”.
Um único teste não é suficiente para dar resultados seguros, De um lado, o teste pode ter
sido realizado durante o período de “janela imunológica”, de outro, sabemos hoje que os
testes disponíveis não são 100% seguros e permitem erros em sua realização e na
interpretação de seus resultados, podendo levar a "falsos negativos" e a "falsos positivos",
Por isto, é fundamental exigir-se a confirmação de qualquer resultado positivo, através de
um segundo teste que, normalmente, deve ser feito com recursos mais sofisticados e caros.
53
Para que serve o teste?
Muitas pessoas têm medo de se contagiar através de relações sexuais, mas procuram se
tranqüilizar com o pensamento de que seus/suas parceiros/as não têm o HIV. Ao invés de
tomarem medidas de precaução (como o uso da camisinha), procuram no teste uma maneira
de se proteger. Ignoram que o teste não oferece segurança, pois não protege da infecção.
Quando alguém se pergunta se deve ou não fazer o teste, deve saber, antes de mais nada
que, independentemente de ter ou não feito o teste, e independentemente dos resultados do
teste, é possível proteger-se do contágio através de medidas simples.
Ao pensarmos se devemos ou não fazer o teste, devemos procurar aconselhamento
adequado junto a um médico, a organizações não-governamentais e a Centros de Testagem
Anônima, Nestas ocasiões devemos tentar verificar:
∗
∗
∗
∗
se houve de fato perigo de contágio;
se nossa insegurança nos é mais insuportável do que seria um possível resultado
positivo; se estamos em condições de suportar psiquicamente um possível resultado
positivo;
se vamos encontrar, no caso de um resultado positivo., pessoas que possam nos
ajudar e apoiar;
onde encontraremos acompanhamento clínico adequado no caso de um resultado
positivo.
Quem se decidir por fazer o teste deve se certificar de que:
∗
∗
∗
o teste será realizado com base no anonimato;
os resultados do teste - tanto os positivos quanto os negativos - lhes serão
comunicados pessoalmente e não por telefone ou carta.
que o comunicado do resultado do teste será completado pelo necessário
aconselhamento e esclarecimento.
Extratos de “Aids, Heutiger Wissenstand”, da Deutsche Aids-Hilfe
Por que não testar todas as crianças, professores e funcionários para saber quais são
as que estão com o vírus da Aids?
Como a Aids não se transmite no meio escolar ou no convívio social, não há razão médica
para se isolar os doentes de Aids do resto da sociedade. A testagem de todas as crianças só
serviria para favorecer a discriminação das crianças com HIV / Aids e o seu conseqüente e
desnecessário isolamento. Em nenhum país do mundo foi adotada, até hoje, uma política de
testagem em massa da população escolar, ou de qualquer outra população. Testes
compulsórios ferem os direitos civis e humanos e revelam intenção de segregação por parte
54
de quem os impõe. É importante lembrar aqui o Artigo 52, Inciso 2 da Constituição
Brasileira; “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, se não em
virtude de lei”.
Por que não organizar classes especiais ou escolas especiais para as crianças com HIV
/ Aids?
Assim como a testagem compulsória, a criação de classes ou escolas especiais para crianças
com HIV / Aids se constituiria num crime de discriminação, visto não haver risco de
contaminação no meio escolar que justifique o isolamento destas crianças. Os crimes de
discriminação são passíveis de punição prevista em lei.
É obrigação ética dos educadores tudo fazer para que as crianças que estão com HIV / Aids
possam dar prosseguimento normal ao seu processo de integração social, permanecendo na
escola junto aos outros alunos.
De todas as maneiras, não faria sentido confinar numa escola especial as crianças que
sabemos estar com HIV / Aids, se podemos, sem o saber, ter nas outras escolas crianças, e
também professores, na mesma condição. A única resposta para a Aids passa pela
solidariedade e não pela discriminação.
55
CAPÍTULO 9
Sexo e drogas na escola
Por que falar de sexo e drogas nas escolas?
Muitos pais e professores têm dificuldades para imaginar que suas crianças possam ter uma
vida sexual ativa ou estar envolvidas com o consumo de drogas. De todas maneiras,
aprovando ou não este tipo de comportamento. somos obrigados a admitir (estão aí as
pesquisas que o comprovam) que a maioria de nossos jovens têm sua primeira relação
sexual antes de completar 20 anos de idade.
“Eu estou cansado de encontrar seringas espalhadas pelo pátio da escola. A droga é
uma realidade por aqui e com ela crescem os casos de Aids”.
Jaime, 45 anos, diretor de escola de 1º grau
Ser jovem não quer dizer "ser grupo de risco", mas é fato que os jovens são vulneráveis à
transmissão pelo HIV, porque:
∗
Nem sempre pensam nas conseqüências de seus atos, sobretudo quando
relacionados ao sexo e às drogas.
∗
Freqüentemente não sabem o que é a Aids e como se transmite.
∗
Tendem a confundir a realidade com seus próprios desejos: por exemplo acreditar,
irracionalmente, que estão imunes à Aids e que a doença só atinge outras pessoas.
∗
Tendem a crer que nunca morrerão de doenças fatais e que estas só afligem pessoas
mais velhas. No caso da Aids esta crença se agrava por que a Aids leva muitos anos
para se manifestar como doença. Jovens contaminados pelo HIV podem não se dar
conta de sua condição antes de se tornarem adultos.
∗
Dependem mais do que os adultos de aceitação por parte de seus colegas. Quando
contaminados, tendem a manter este fato em segredo pois temem serem afastados
do grupo. Mantendo sua condição em segredo, reforçam o mito de que a Aids não
atinge os mais jovens.
∗
São alvo freqüente de abuso sexual.
∗
Envolvem-se com facilidade em relações heterossexuais e homossexuais
desprotegidas, características dos adolescentes de todas as classes sociais.
56
Alarme falso
Janice, 40 anos, camelô, estava nervosa quando entrou na sala de Jaime, diretor de uma
escola de primeiro grau da prefeitura, localizada num bairro pobre, na extrema periferia da
cidade. "Vim tirar meu filho", disse a mulher. "Ele está com Aids e eu não tenho como
cuidar de um menino doente. Entreguei-o para a Febem". A notícia deixou Jaime atônito.
Ele olhou incrédulo para o resultado do exame que Janice tinha nas mãos e lembrou que já
havia algum tempo que se preocupava com a saúde de Francisco, um rapagão bonito, alto,
de 16 anos,' que cursava a quinta série do período noturno.
A visita de Janice, na verdade mãe adotiva de Francisco, ocorreu em junho de 1991, mas
desde o começo daquele ano o rapaz vinha reclamando de diarréias, dores de cabeça e
gânglios. Em maio, sabendo das precárias condições de vida no bairro, onde o desemprego
e a desagregação familiar assumem feições dramáticas, Celeste, assistente do diretor, achou
por bem chamar Janice para uma conversa. "Eu vou levá-lo ao médico", ela lhe prometeu.
Jaime conta que o encontro com Janice o fez perder o fôlego, apesar de ele já estar
acostumado a ouvir falar das numerosas mortes causadas pela Aids na comunidade. Sua
primeira atitude foi localizar, com a ajuda de uma lista telefônica, entidades de apoio a
portadores do HIV. Ele queria saber se não haveria um lugar mais apropriado do que a
Febem para receber o garoto. "Na verdade, eu estava agindo meio como a mãe, queria
entregar o caso para alguém", admite o diretor. Na sua busca, ele acabou descobrindo a
existência do Projeto Aids, da Secretaria de Educação, ao qual recorreu, pois estava
preocupado com a repercussão que a notícia poderia ter na escola. As multiplicadoras
fizeram várias palestras para professores e alunos abordando temas como contágio,
solidariedade, morte, perda e solidão. "Elas nos deram o principal: apoio e orientação",
conta Jaime. "Atenderam tanto ao emocional quanto ao lógico."
Ao contrário do que o diretor imaginou, não houve nem sinal de pânico na comunidade
escolar. Os alunos construíram uma espécie de muro de silêncio em torno do assunto.
"Parecia haver um pacto de solidariedade", recorda-se Jaime. Ele ainda tinha, no entanto,
um receio muito grande de que outros estudantes estivessem contaminados. Já havia algum
tempo que Francisco demonstrava comportamento homossexual. Um pouco antes da
descoberta do vírus, sua mãe contara a Celeste que ele tinha hábitos "estranhos" desde
pequeno, quando ela o recolhera da rua, e que estava ameaçado de morte por ter abusado
sexualmente de um garoto de cinco anos, filho de um vizinho. Na escola, apesar dos
esforços de professores e das representantes do Projeto Aids, que procuraram provocar o
assunto, não ficou confirmado o envolvimento de Francisco com nenhum dos demais
alunos.
Francisco acabou por ser internado na Febem. Durante os três meses em que esteve ali,
Francisco foi visitado algumas vezes pelo diretor, por Celeste e por alguns professores. "Na
primeira vez, quando cheguei, ele me abraçou pra valer e eu tive que fazer um esforço
razoável para não demonstrar o tremor que senti internamente", conta Jaime. Na saída, ele
confessa que esteve a ponto de passar no banheiro para lavar as mãos, mas não chegou a
fazê-lo. "Pensei na minha filha de cinco anos, tinha medo que ela fosse contaminada",
57
explica. Vez por outra, esse mesmo pensamento voltava. "Mas eu lembrava das conversas
com o pessoal da Secretaria, eles realmente nos tranqüilizaram."
Na Febem, Francisco, já sabendo de sua condição, foi submetido a mais dois testes para
detectar anticorpos do vírus HIv. Ambos deram resultado negativo. Nessa altura, tanto o
garoto quanto sua mãe já haviam sido procurados por representantes do Projeto Aids. Mais
tranqüila, Janice queria seu filho de volta. O Juiz de Menores pediu mais dois exames, que
foram feitos no hospital Emílio Ribas. De novo os resultados foram negativos. "Ele ria a
toa", conta Janice. Francisco arranjou então um emprego de empacotador num
supermercado próximo de sua casa. No primeiro semestre de 1992 freqüentou normalmente
as aulas da quinta série, mas resolveu parar de estudar em junho, por não conseguir
compatibilizar o horário das aulas com o' do trabalho. Em agosto, perdeu o emprego, mas
continua muito bem de saúde. "Eu vou arranjar outro trabalho", diz, confiante. "E não vejo
a hora de voltar para a escola." Ele tem certeza de que será sempre bem recebido.
Relato de caso / Projeto Aids - SP
Que tipo de apoio a escola pode oferecer a seus alunos na área da sexualidade?
A cada dia que passa, impõe-se com mais urgência, em nosso país, a necessidade de uma
tomada de decisão política clara, favorável à integração no currículo escolar de um
Programa de Educação Sexual de conteúdo programático vertical, adaptado às diferentes
faixas etárias dos alunos. Infelizmente, pouco tem se falado n.o Brasil, até agora, sobre este
assunto. Algumas Secretarias de Educação, como a do Município de São Paulo, por
exemplo, têm tomado iniciativas isoladas e realizado algumas experiências-piloto que
poderão fornecer subsídios interessantes para o resto do país. Dada a inexistência destes
programas, valem as seguintes observações:
"Eu tinha pavor de homossexual. Achava uma sem-vergonhice, não gostava nem de
chegar perto. Agora, depois daquele curso, já não penso do mesmo jeito. Continuo não
gostando, mas aceito um pouco mais. Acho que é uma circunstância da vida."
Carmem, 40 anos,servente de escola de 1º grau
∗
O saber é a melhor proteção. Assim como na prevenção da gravidez precoce,
também n.o caso da Aids o conhecimento e a capacidade de tomar decisões e fazer
escolhas responsáveis são a melhor defesa.
∗
Para tomar decisões e fazer escolhas adequadas, relacionadas à sexualidade, as
crianças precisam, além da informação correta, de experiência, auto-estima e
confiança em si mesmas.
∗
Desde os primeiros anos de idade, as crianças devem ser educadas para tomar
decisões próprias. Oferecendo-lhes alternativas em lugar de diretivas e proibições,
estarem.os ajudando-as a tomar decisões responsáveis.
58
∗
A autoconfiança nos ajuda a fazer escolhas saudáveis. As crianças não devem ser
humilhadas, ridicularizadas ou reprimidas quando manifestam dúvidas relacionadas
à sexualidade, à reprodução e às funções .orgânicas, ou quando brincam ou falam de
sexo. Infelizmente, quanto mais querem.os que as crianças aprendam alguma coisa
importante (como, por exemplo, cuidado ao atravessar a rua), ao invés de instruir e
dar meios, tendem.os a proibir e a dar ordens. Broncas e autoritarismo, assim como
a humilhação e o ridículo, confundem as crianças e diminuem sua capacidade de
decidir livremente quando pressionadas pelas circunstâncias. Em lugar de exercer
autoritarismo, a escola deve reforçar a auto-estima e a autoconfiança respondendo
francamente e honestamente a todas as perguntas que lhe são apresentadas. É a
autoconfiança que vai ajudar as crianças a dizer não a uma relação sexual para a
qual não se sentem seguras e a resistir à pressão de colegas que lhes oferecem
drogas.
O que deve fazer a direção da escola se souber que um aluno/a que está com HIV/Aids
está namorando um outro aluno/a?
Para o/a diretor/a da escola qualquer intervenção nesta questão de foro íntimo deve ser alvo
de cuidadosa reflexão. Nestes casos, a manutenção do sigilo é especialmente conflituosa.
Sem quebrar o devido sigilo, o ideal nestes casos é sugerir ao/à aluno/a que está com HIV
uma conversa da qual participe também seu/sua namorado/a.
Caso o/a aluno/a que está com HIV/Aids não concorde com uma conversa deste tipo, o/a
diretoria da escola pode/deve avisá-lo de que irá conversar com seus pais sobre o problema.
Normalmente, estas situações se resolvem com relativa facilidade, se a ênfase for dada ao
diálogo e não à repressão, à solidariedade e não ao julgamento moral.
De todas maneiras, mais uma vez, o/a diretoria terá, numa situação deste tipo, um excelente
motivo para promover debates abertos (sem mencionar o caso específico) sobre a Aids,
suas formas de prevenção e de contaminação.
O que deve fazer a direção de uma escola com relação aos alunos que sabe serem
consumidores de drogas intravenosas?
É fundamental lembrarmos que não são as drogas em si que transmitem o vírus da Aids. O
vírus se transmite, isto sim, através do sangue que fica retido nas seringas e agulhas
utilizadas por mais de uma pessoa. A problemática do uso de drogas se relaciona, mas não
deve ser confundida com a questão da Aids. Nos contatos com alunos que usam drogas
injetáveis é fundamental termos objetivos claros. Uma coisa é querer ajudar estes alunos a
abandonar o consumo de drogas, outra é querer ajudá-los a evitar a transmissão pelo HIV.
Normalmente, a direção da escola se preocupa apenas com aquilo que acontece dentro dos
limites da instituição. A epidemia da Aids veio, contudo, exigir dos educadores um outro
tipo de atitude e intervenção.
59
Também aqui, o diálogo pode ser a chave de uma intervenção bem sucedida. A direção da
escola, apesar de só se responsabilizar por fatos que ocorram no espaço institucional, deve
procurar estabelecer um contato individual com cada um destes alunos/as para adverti-los
do perigo que a Aids representa para eles. Nesta ocasião, ênfase deve ser dada aos cuidados
que os alunos- devem tomar para a prevenção da Aids (desinfecção de seringas e uso de
seringas e agulhas, individuais), caso não consigam superar a dependência de drogas e
deixar de consumi-las.
Discriminar e perseguir os alunos que usam drogas, ou mesmo denunciá-las às autoridades
policiais, será de pouca utilidade para a prevenção da Aids na escola. Este tipo de atitude
rompe qualquer relação de confiança que ainda possa existir entre estes alunos e a escola.
Relegados à clandestinidade, sem acesso a instituições (a escola e a família) e pessoas
(diretores, professores e pais) que os podem informar, aconselhar e ajudar, os alunos que
usam drogas estarão mais do que nunca expostos ao risco de contaminação e afastados de
comportamentos preventivos.
60
ANEXO 1
HIV e Aids: botando os pingos nos "is"
O HIV e o desequilíbrio do sistema de defesa natural do organismo
Ao contrário das bactérias, que se reproduzem livremente na corrente sanguínea, os vírus
são parasitários e só se reproduzem através de sua fusão genética com determinadas células
do organismo humano ou animal. O HIV (vírus da imunodeficiência humana que provoca a
Aids), por exemplo, liga-se, para sua multiplicação, ao linfócito T4, que é uma célula da
maior importância para nosso sistema de defesa contra doenças e infecções. Quando o vírus
penetra no linfócito T4, integra seu material genético aos cromossomos do linfócito, o que
o leva a produzir novos vírus do tipo HIV. Quando vários vírus deixam a célula hospedeira
(o linfócito T4 que foi parasitado) , levam um pedaço de sua membrana, ficando completos
e estando prontos para penetrar em outras células do tipo T4. Quando vários vírus deixam a
célula hospedeira, ocorre a sua morte por lesão externa da membrana. A destruição de uma
quantidade importante de células T4 leva ao desequilíbrio do Sistema de defesa natural,
deixa-nos vulneráveis a todo tipo de infecções e doenças e pode levar à Aids.
Qual a diferença entre HIV e Aids?
É errado dizer que uma pessoa "pegou Aids". Ninguém "pega Aids". O que se pode contrair
é o HIV - o vírus que enfraquece nossas defesas naturais e pode nos deixar vulneráveis a
um conjunto de infecções e doenças. O HIV é transmissível, a Aids não. Dizemos que uma
pessoa está com Aids quando seu sistema de defesa natural foi largamente enfraquecido e a
pessoa está sofrendo de um conjunto de infecções e doenças que não consegue mais curar e
que leva, normalmente, à morte.
O período que decorre entre a introdução do HIV no organismo humano e o surgimento dos
primeiros sinais da Aids (período de latência) pode durar alguns meses, alguns anos ou,
possivelmente, prolongar-se indefinidamente sem nunca resultar em problemas de saúde.
Se o HIV enfraquecer seriamente o sistema de defesa natural de uma pessoa, esta pessoa
poderá passar a sofrer um conjunto de infecções oportunistas (infecções que se aproveitam
da vulnerabilidade do sistema imunológico). Nestes casos, falamos de um quadro clínico
relacionado à Aids. Este quadro clínico antecede normalmente o desenvolvimento da Aids
propriamente dita mas pode se prolongar durante vários anos. As infecções que
caracterizam este quadro clínico não acarretam, normalmente, perigo de vida para o
indivíduo pois muitas delas podem ser tratadas com sucesso.
O desenvolvimento de um "quadro clínico relacionado à Aids" e da Aids propriamente dita
depende de co-fatores ainda insuficientemente elucidados pela ciência. Basicamente, é
importante saber que uma pessoa que está com HIV não está com Aids mas poderá, isto
sim, vir a desenvolver a Aids dentro de um período que dura, em média, oito a 10 anos.
Além disto, vale lembrar também que, segundo o Professor Luc Montaigner, cientista que,
em 1983, conseguiu isolar pela primeira vez o vírus da Aids, é possível que 10% das
pessoas contaminadas possam sobreviver a esta infecção sem nenhum tipo de tratamento.
61
O que é Aids
A Aids é uma doença infecciosa muito grave. O seu nome é uma sigla que vem do inglês e
que quer dizer: síndrome de imunodeficiência adquirida. A doença destrói os mecanismos
de defesa natural do corpo contra muitas infecções causadas por bactérias, fungos e vírus. A
doença é causada por um vírus chamado da imunodeficiência humana (ou HIV) que é
encontrado basicamente no sangue, no esperma e na secreção vaginal.
Como se pega Aids
Pode-se pegar Aids através de relações sexuais, se um dos parceiros estiver contaminado.
Também se 'pode pegar Aids através do sangue. Por exemplo, se você usa a mesma agulha
ou seringa usada por outra pessoa contaminada pelo vírus. Ou ainda .se você recebe uma
transfusão de sangue que não tenha sido testado para saber se está contaminado pelo vírus.
Quem pode pegar Aids!
Qualquer pessoa pode pegar Aids. Até hoje, em muitos países da Europa e das Américas, a
doença é mais comum em homens que transam com outros homens, ou em homens que
transam tanto com outros homens quanto com mulheres. Outros pegaram a doença
partilhando seringas para uso de drogas injetáveis. Muitos pegaram a doença recebendo
sangue transfundido. Cresce em todo o mundo o número de casos de homens que só
transam com mulheres e o número de casos de mulheres que receberam a doença de
parceiros contaminados. Muitos bebês, filhos de mães infectadas, estão nascendo com a
doença. Em muitos países, como na África ou no Caribe, a Aids já atinge o mesmo número
de mulheres do que de homens.
Como não se pega Aids
A Aids é menos contagiosa do que a gripe ou o resfriado. O vírus só entra no corpo através
de um contato sexual íntimo ou através da mistura de sangue. Uma pessoa contaminada
pelo vírus pode não ter nenhum sintoma durante anos. Mas, mesmo assim, pode transmitir
o vírus para outra pessoa. Uma parte das pessoas que estão contaminadas pelo vírus ficam
doentes.
O vírus da Aids não se transmite através de contatos diários, na convivência do dia-a-dia
com o portador do vírus ou com o doente. Você não precisa ter medo. Você deve saber que:
∗
você não pega a doença vivendo junto de um infectado ou de um doente;
∗
você não pega Aids usando piscinas, saunas, indo a bares ou restaurantes, salas de
ginástica, escolas, ou qualquer lugar público;
∗
você não pega Aids usando a mesma pia, o mesmo banheiro, a mesma privada, a
mesma cama de um infectado ou de um doente;
∗
você não pega Aids comendo a comida preparada por alguém doente, nem se
compartilhar copos, talheres, e pratos com essa pessoa;
62
∗
a Aids não se transmite por picadas de insetos;
∗
a Aids não se transmite através de espirros ou de tosse;
∗
você não pega Aids se apertar as mãos de um doente; a Aids não se transmite
através de abraços, carinhos ou beijos;
∗
você não pega Aids se ajudar uma pessoa com Aids.
Como você pode evitar a Aids
É possível continuar fazendo amor, sem perigo de pegar Aids. Em primeiro lugar, em todas
as suas relações sexuais tenha bastante precaução. Isto quer dizer:
∗
Use corretamente a camisinha toda vez que transar, e durante todo o tempo da
relação. Evite sempre o contato com esperma.
Não se esqueça: em qualquer transa, use sempre camisinha. Leve sempre consigo algumas,
para qualquer eventualidade. E use-as!
∗
Procure evitar todo tipo de transa que possa provocar algum arranhado, qualquer
machucado ou sangramento.
∗
Evite sempre que possível receber transfusão de sangue, ou injeções ou tratamentos
em serviços de saúde de lugares que não tenham um bom controle sanitário.
∗
Evite ser tatuado se não tiver certeza da higiene do tatuador.
∗
Nunca partilhe agulhas ou seringas.
A Aids tem cura?
Até o momento não há cura para a Aids. Ainda não. existe nenhuma vacina contra a
doença. Vai demorar ainda algum tempo para aparecer uma vacina ou uma cura definitiva.
Há, entretanto, tratamentos para as doenças que atingem as pessoas com Aids. Como se
trata de uma doença muito grave, que muitas vezes é mortal, os doentes necessitam de
grande apoio e solidariedade. É preciso saber evitar o medo, o pânico e os preconceitos.
Amizade, carinho e solidariedade são grandes armas que temos para combater a Aids.
Estar bem informado é essencial. Informe-se e informe seus amigos e familiares. Combata
a ignorância. Auxilie na luta contra o pânico e os preconceitos. Valorize sempre a vida.
63
ANEXO 2
Portaria 3.398 de 24 de maio de 1991
O Secretário Municipal de Educação, no uso de suas atribuições legais, resolve:
1- O horário cumprido além da jornada semanal, pelos professores envolvidos nos
projetos especiais devidamente aprovados pelos Núcleos de Ação Educativa, deverá ser
apontado em folha de pagamento pela Unidade Escolar, de acordo com o Manual de
Apontamentos, Manual do Secretário de Escola.
1.1- Os monitores e professores de Educação de Adultos, admitidos, utilizarão a
complementação de Carga Horária(C.C.H.) para participarem de atividades dos projetos
especiais.
1.2- Os professores substitutos de 1º grau, Nível I (eventuais), poderão participar
dos projetos especiais, em conjunto com os professores de seu período, de acordo com o
projeto da escola, sem prejuízo do seu turno de substituição.
2- Estabelecer o limite mínimo de 2 (duas) e máximo de 10 (dez) horas semanais de
trabalho em projetos especiais, para cada professor, independentemente de acumulo de
cargos.
2.1- Para efeitos desta Portaria e organização das unidades escolares, a hora de
trabalho em projetos especiais, equivale a quarenta e cinco minutos.
2.2- A participação do professor em mais de um projeto especial será possível,
desde que respeitado o limite fixado no item 2.
2.3- Nas unidades escolares envolvidas em vários projetos especiais o limite de
horas fixado no item 2 poderá ser alterado desde que devidamente analisado e aprovado
pela Diretoria de Orientação Técnica e o respectivo Núcleo de Ação Educativa.
3- Caracterizam-se como projetos especiais aqueles indicados na Portaria 367, de 30
de janeiro de 1991, bem como os Grupos de Formação nas unidades escolares.
4- As aulas destinadas aos projetos de Recuperação Paralela das unidades escolares,
devidamente aprovados pelos respectivos Núcleos de Ação Educativa, deverão ser
apontadas em folha de pagamento, além da jornada semanal, não entrando no cômputo das
horas destinadas aos demais projetos especiais.
5- Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Portaria 4.234, de 19 de junho de 1991
O Secretário Municipal de Educação, no uso de suas atribuições legais, resolve:
1- O item 1.2 da Portaria 3.398, de 24 de maio de 1991, passa a vigorar com a
seguinte redação:
1.2- Os Professores Substitutos de Educação Infantil e de 1º grau, Nível I
(eventuais), poderão participar dos projetos especiais, em conjunto com os professores do
seu período, de acordo com o projeto da escola, sem prejuízo do seu tu mo de substituição.
2- Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos a 25 de
maio de 1991.
64
Gabinete do Secretário
Comunicado 41/91
A Coordenação do Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação convida os
educadores e funcionários das Unidades Escolares do Núcleo de Ação Educativa - 9 a
fazerem curso de treinamento para formação de multiplicadores em DST/Aids a ser
realizado no período de 18 a 22 de novembro.
Este curso visa instrumentalizar os educadores no enfrentamento da problemática
que envolve a doença do HIV, no cotidiano da escola.
Será ministrado para duas turmas, a saber: 18 vagas para o horário das 15:00 às
19:00 horas e 18 para o horário das 19:30 às 22:30 horas.
As inscrições deverão ser feitas pelo telefone 944-6413 ou 9444314. Além das 18
vagas há mais quatro (duas para cada horário) destinadas aos funcionários e/ou educadores
do NAE. Haverá dispensa de ponto.
O temário a ser desenvolvido através de sensibilização é o seguinte:
1 dia - Contexto psicossocial da Aids
2 dia - A morte para o infectado pelo HIV, as drogas endovenosas e a Aids.
3 dia - Sexualidade e Aids
4 dia -Informações técnicas sobre Aids e DST
5 dia - O paciente HIV e o cotidiano da escola.
Gabinete do Secretário
Convocação
O Secretário Municipal de Educação, no uso de suas atribuições legais, Convoca os
professores e servidores operacionais que participaram do Curso de Multiplicadores em
DST/Aids nos Núcleos de Ação Educativa - NAE 3, 4, 7, e 9, bem como os professores que
estão atuando no Projeto de Orientação Sexual, para comparecer nos dias 10 e 11 de
dezembro de 1991, ao Seminário Aids, compartilhando o desafio, conforme cronograma
anexo a esta convocação.
Será fornecido aos participantes comprovante a ser entregue na Unidade Escolar
para fins de apontamento de freqüência dos servidores ora convocados.
65
ANEXO 3
Anexo da Portaria Interministerial 796, de 29.05.92 Aids nas escolas
Introdução
Há preocupação legítima por parte de pais, professores, funcionários e até das próprias
crianças, em escolas de primeiro grau, quanto a eventuais riscos de transmissão do vírus da
Aids no ambiente escolar. Os mecanismos de transmissão permitem, com grande margem
de certeza, qualificar como desprezível o perigo no que se refere às crianças que ainda não
iniciaram atividade sexual ou encontram-se em idades nas quais o uso de drogas pela via
endovenosa é muito pouco freqüente: o vírus da Aids (HIV) é transmitido através do
sangue, do relacionamento sexual e de gestante infectada para seu filho. Não há nenhum
caso rigorosamente documentado, no mundo, de propagação no convívio escolar, sem a
interveniência do uso de drogas ou do contato sexual. A literatura médica é consensual no
sentido de que a convivência com o indivíduo portador do vírus da Aids, no âmbito familiar
ou em lugares de trabalho, clubes, escolas e outras comunidades sociais, afigura-se
plenamente admissível. Observações decorrentes do que vem sucedendo em alguns países,
há pelo menos cinco anos, atestam a inocuidade desses tipos de convívio.
Medidas habituais de higiene, inclusive nos sanitários de uso comum, devem ser
respeitadas.
Situações nas quais pessoas podem se expor a sangue de contaminados, tendo igualmente
lesões de tegumento cutâneo, oferecem riscos potenciais; todavia, elas não são mais
freqüentes nas escolas do que na vida civil de um modo geral, já que acidentes acontecem
em todos os locais onde tem lugar atividade humana. Outras infecções, além da provocada
pelo HIV, podem ser transmitidas pelo sangue. A hepatite, pelo vírus B, por exemplo,
nunca mereceu destacada atenção e nem causou episódios de pânico e discriminação, o que
mostra não ser racional nem uma coisa nem outra, quando está em foco a Aids.
Diante desses fatos, é judicioso que as escolas do primeiro grau preparem-se para a
implantação de precauções pertinentes ao sangue, envolvendo todos os alunos, sem
nenhuma preocupação com informações advindas de exames sorológicos. Qualquer
ocorrência precisa ser manuseada com cuidado, para que o sangue não entre em contato
com quem presta atendimento e isso implica no uso de luvas descartáveis. O sangue
deixado no lugar requer cobertura com álcool a 70%, por dez minutos, ou hipoclorito de
sódio a 1% (ver nem IV- superfícies não corpóreas), igualmente durante dez minutos para
inativar possíveis vírus presentes, só devendo ser removido depois da adoção desta
providência. São essas, aliás, as normas seguidas por médicos e seus colaboradores em
tarefas assistenciais, assim como por bombeiros, policiais e outros profissionais que não
raramente podem ter contato com sangue, em virtude das exposições a que ficam sujeitos.
Secreções e excreções (saliva, suor, lágrima, fezes e urina), excluídos o sangue, o esperma
e secreções vaginais, não geram risco palpável, inexistindo relatos de contaminação por
intermédio delas. Precauções simples e rotineiras de higiene em relação às secreções ou
66
excreções, nas escolas e em quaisquer outras situações de convivência, são suficientes para
se eliminar qualquer risco, mesmo teórico, de contaminação.
As precauções indicadas nesta instrução possuem da mesma forma o valor de prevenir
outras moléstias potencialmente transmissíveis por sangue, além da infecção pelo HIV; não
dependem de custosos investimentos ou de materiais complexos, estando ao alcance de
qualquer escola.
67
ANEXO 4
“AS INFORMAÇÕES CONTIDAS NESSE ANEXO ENCONTRAM-SE
DESATUALIZADAS”.
68
REFERÊNCIAS
Caderno SINPRO - ANO I, número 1,
junho/1992, Sindicato dos Professores de São
Paulo.
Consensus Statement on Aids in Schools, World
Consultation
of
Teachers
International
Organizations em associação com as
OMS/UNESCO/OIT
Jornais - Jornal do Brasil, O Globo, Folha de
São Paulo, Folha da Tarde, Estado de São Paulo
The
Global
News/3.6.1992
Revista Nova Escola - ano VII
63/dezembro/1992, Fundação Virar Civita
Nº
Folheto - "Qual é o porto seguro contra a Aids?"
- ABIA, novembro/1991
Hablando con los niños sobre el sida - Guia
Metodológico (un programa para los padres y
otros adultos intersados en el tema) - Jennifer
Tiffany/Donald
Tobias/
Arzeymah
Raqib/Jerome Ziegler - Parent Aids Project
Department of Human Service Studies Cornell
Cooperative Extension
Dossiê 2 assistência - Texto Aids pediátrica Norma Rubini. Grupo Pela Vidda/RJ e Niterói Dezembro/1992
Projeto Aids/Secretaria Municipal de EducaçãoSP
Daniel Herbert, Vida antes da morte - 1989
Aids
Policy
Coalition,
Ministério da Saúde, Programa Nacional
DSTS/AIDS, Boletim Epidemiológico. Ano
V/nº 8
Constituição Brasileira
Recuperação de HIV-1 infeccioso em saliva
inteira, C.E. Barr, L.K. Miller, M.R. Lopez, T.S.
Croxson, S.A. Schwartz, H. Denman R.
Jandorek.
Folheto - "How to talk with your child about'
Aids" - NY, Planned Parenthood,1988
Saliva inibe infecciosidade do HIV-1, P.C. Fox,
A. Wolff, C.K. Yeh,J.C. Atkinson, B.J. Baum.
Portaria Interministerial 796 de 29.5.1992,
Ministério da Educação
Manual para professores do livro "Um jogo pela
vida" - Cláudio Mesquita e Bia Salgueiro,
ABIA, 1992
Estatuto da Criança e do Adolescente
Código Penal
Código de Ética Profissional dos Psicólogos
Declaração Consensual sobre a AIDS no local
de trabalho, OMS/OIT. Genebra, junho/1988
69
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Summus, 1992.
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Conversando sobre sexo - RJ, Ed. Vozes, 1983.
SHILTS, Randy - Prazer com risco de vida - RJ,
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TIBA, Içami - Sexo e adolescência - RJ, Ed. Ática.
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GIKOVATI, Flávio - Homem sexo frágil- SP, MG
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TREVISAN, João S. - Devassos no paraíso - SP,
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PERLONGHER, Nestor - O negócio de michê SP, Ed. Brasiliense.
VARELLA, Drauzio, ESCALEIRA, Fernando,
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70

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