A AIDS E A ESCOLA nem indiferença nem discriminação
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A AIDS E A ESCOLA nem indiferença nem discriminação
A AIDS E A ESCOLA nem indiferença nem discriminação Se você acha que ainda não conhece as informações básicas sobre Aids – o que é, como se transmite, como não se transmite, etc. - consulte o anexo 1 antes de iniciar a leitura deste livro. ABIA A Aids e a escola: nem indiferença nem discriminação © 1993 ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS Rua Sete de Setembro, 48, 12º andar - 20.050-000 - Rio de Janeiro-RJ tel.: (021) 224-1654 Texto e seleção de materiais: Jacques Schwarzstein, Teresinha Cristina Reis Pinto, Cristina Alvim Castello Branco Pesquisa jornalística e relatos de casos: Wanda Nestlehner Assessoria: Christina Vallinoto, Jane Galvão, José Stalin Pedrosa, Veriano Terto Junior. Projeto gráfico: Cláudio Mesquita (A 4 Mãos) Editoração eletrônica: Kraft Produções Gráficas As idéias veiculadas por este caderno sintetizam as experiências feitas entre 1990 e 1992 pelo PROJETO AIDS da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Estabelecem, portanto, um vínculo direto entre a teoria e a prática da prevenção da Aids nas escolas. Para garantir às pessoas que vivem com HIV / Aids o sigilo a que têm direito por lei, modificamos os nomes de todos os personagens reais - mesmo dos que não têm o HIV mencionados nos relatos de casos verídicos que o leitor encontrará nas páginas seguintes. À exceção da servente Josefa Carvalho Baron, que preferiu ser identificada, e da menina Sheila, cujo caso foi amplamente divulgado pela imprensa, todos os nomes são fictícios. Este caderno é dedicado a estes personagens e a todos aqueles que - tenham sido eles mencionados ou hão - com dignidade, coragem e criatividade estão nos ajudando a inventar e a assumir as atitudes esclarecidas e os comportamentos solidários que nos permitirão controlar - esperamos em breve - as epidemias da Aids e do HIV em nosso país e no mundo. Na escola ensinamos e, antes de mais nada, aprendemos! Viver é possível! Controlar a Aids também é! A equipe de redação Rio de janeiro, 1 de dezembro de 1992/Dia Mundial da Aids Financiador: Public Welfare Foundation Apoio: Deve1oppement et Paix A reprodução integral ou parcial deste caderno mediante citação da fonte é permitida e desejável. Ele foi impresso em preto e branco e formato A4 para facilitar sua reprodução em xerox. Se você precisa reproduzir uma tiragem pequena para sua escola, este pode ser o melhor caminho. ABIA 2 Sumário Encontro com a vida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Introdução - Crises desnecessárias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Capítulo 1 - A Aids nas escolas brasileiras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Capítulo 2 - A prevenção da Aids nas escolas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . É importante falar de Aids nas escolas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Programas de prevenção devem se apoiar numa base jurídica sólida: vontade política é fundamental! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Os programas de prevenção devem ser discutidos com toda a comunidade. . . . . . . . . . . . . . . . . Um bom programa depende do treinamento da equipe de coordenação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Organização do apoio institucional aos professores envolvidos no programa. . . . . . . . . . . . . . . Para alcançar o impacto desejável, os programas de prevenção da Aids podem exigir vários anos de trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A prevenção da Aids passa, necessariamente, por um debate democrático sobre assuntos delicados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A Aids nos obriga a um confronto com nossos preconceitos e medos. A luta contra a discriminação da pessoa que está com HIV e do doente de Aids é de fundamental importância para a prevenção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 16 Capítulo 3 - Quando alguém na escola está com HIV / Aids - algumas perguntas e respostas. . . . . . . Os pais de crianças com Aids são obrigados a informar a escola sobre a situação de seus filhos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Há pais que ao solicitarem a matrícula de seu filho/a informam a escola de que a criança está com vírus da Aids. Como proceder nestes casos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Além de encaminhar normalmente o pedido de matrícula, o que deve fazer a direção de uma escola quando for informada pelos pais de um aluno de que esteja aluno/a está com HIV/Aids? Professores e funcionários da escola devem ser informados de que um ou mais alunos estão com HIV/Aids? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O que devem fazer professores e funcionários que receberem dos pais de uma criança com HIV / Aids informações sobre a condição desta criança? Devem informar a direção da escola? Devemos informar todos os alunos de que a escola tem pessoas com HIV/Aids? . . . . . . . . . . . . 29 Capítulo 4 - Cuidados especiais com crianças que estão com HIV/Aids. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As crianças que estão com HIV/Aids nem sempre ficam sabendo do problema que têm. Porque? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As crianças com HIV / Aids precisam de cuidados especiais? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O que fazer se os pais de uma criança com Aids solicitarem à direção da escola cuidados especiais que não façam parte dos procedimentos normais da escola em caso de doenças dos alunos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Pais e funcionários devem assumir sozinhos a responsabilidade por crianças com HIV/Aids? . . Como deve se dar a colaboração com a Secretaria de Saúde. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Capítulo 5 - A Aids não representa um perigo maior para o meio escolar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A Aids é uma doença infecto-contagiosa? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Qual a diferença entre uma doença infecto-contagiosa e uma doença infecto-transmissível? . . . Um aluno com HIV/Aids pode transmitir a doença para outros alunos, para professores ou funcionários? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . E se uma criança que está com o HIV morder uma outra criança? Pode transmitir o vírus? . . . . E se uma criança que está com o HIV / Aids se machucar e tiver um sangramento forte? Pode contaminar outras crianças ou contaminar um professor que venha socorrê-la? . . . . . . . . . . . . . Os professores devem usar luvas quando socorrem crianças que se machucaram? . . . . . . . . . . . 17 20 21 24 24 25 26 29 29 31 31 32 33 35 35 38 38 40 41 41 42 42 42 44 44 3 Dividir o lanche, mascar o mesmo chiclete ou o mesmo lápis, transmite o HIV? . . . . . . . . . . . . Beijo na boca transmite o HIV/Aids? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 46 Capítulo 6 - Boatos: o que fazer? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como surgem e o que são os boatos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como neutralizar um boato? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 47 48 Capítulo 7 - Professores também podem estar com HIV / Aids. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Professores e funcionários que estão com HIV / Aids podem continuar a trabalhar nas escolas? 50 50 Capítulo 8 - A questão dos testes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Por que não testar todas as crianças, professores e funcionários para saber quais são as que estão com o vírus da Aids? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Por que não organizar classes especiais ou escolas especiais para as crianças com HIV/Aids? . 53 Capítulo 9 - Sexo e drogas na escola. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Por que falar de sexo e drogas nas escolas? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Que tipo de apoio a escola pode oferecer a seus alunos na área da sexualidade? . . . . . . . . . . . . O que deve fazer a direção da escola se souber que um aluno/a que está com HIV/Aids está namorando um outro aluno/a? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O que deve fazer a direção de uma escola com relação aos alunos que sabe serem consumidores de drogas intravenosas? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 56 58 59 Anexo 1 - HIV e Aids: botando os pingos nos “is”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Anexo 2 - Legislação do Projeto Aids/SP. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 Anexo 3 - Anexo da Portaria Interministerial 796/29-5-92. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Anexo 4 - Endereços de ONG’s/ Aids. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 54 55 59 4 ENCONTRO COM A VIDA No primeiro dia, todos choraram. Como qualquer criança, Reinaldo, de sete anos, Júnior e Ana, de cinco, e Simone, de quatro, não gostaram nada da idéia de abandonar o aconchego do lar para se aventurar no desconhecido da escola. A conquista desse território, repleto de novidades, não foi simples, mas a resistência durou pouco e hoje os quatro não querem nem ouvir falar na hipótese de deixar as aulas. Solidariedade, tolerância, respeito e, acima de tudo, muita informação tiveram importância fundamental para garantir o direito dessas crianças ao estudo. Reinaldo, Júnior, Ana e Simone são alguns dos 21 moradores da Casa Vida, uma instituição criada pela Igreja, em São Paulo, para abrigar menores que estão com o vírus HIV No início de 1992, os responsáveis pela Casa Vida se deram conta de que os quatro tinham idade suficiente para ir à escola e resolveram batalhar por isso junto à prefeitura. "É um direito deles", diz o padre Júlio, idealizador do projeto. Mesmo assim, até que as coisas se ajeitassem, ocorreu de tudo entre os adultos envolvidos na história: pressão, chantagem, derramamento de lágrimas, raiva, histeria, medo e até algumas demonstrações de grandeza e serenidade. “Você aceitaria um aluno portador do vírus da Aids?” A proposta chegou pelo telefone, de sopetão, aos ouvidos de Clara, diretora de uma escola municipal de educação infantil que recebe alunos de até seis anos. Mesmo assim, a resposta saiu rápida de seus lábios. “Sem dúvida”, ela disse, sem saber que ainda choraria muito, escondida no banheiro, por causa daquela decisão. “Na hora, nem pensei, mas se pensasse daria a mesma resposta”.A escola dirigida por Clara fica num bairro de classe média, bem próxima da Casa Vida, e mistura em sua clientela filhos de médicos, advogados e de empregadas domésticas. No mesmo dia, tocou o telefone de Wilma, diretora de uma escola de primeiro grau da prefeitura, localizada num bairro mais afastado e de população mais carente. A resposta foi idêntica. Nos dias seguintes, as diretoras se reuniram com o padre Júlio. “Eu parecia um pai de primeira viagem, apavorado com o que eles comeriam, com machucados, com preconceitos, mas sabia que os meninos não poderiam viver isolados”. Clara foi à Casa Vida, para conhecer as três crianças que receberia. “Admito que naquele dia não tive coragem de beijá-los”. Professores e funcionários de ambas as unidades participaram do curso ministrado pelos representantes do Projeto Aids, da Secretaria Municipal de Educação. Ao final, Wilma informou a todos que a escola tinha um aluno portador do HIV e que não diria quem era. Não houve qualquer reação negativa. “Depois daquele curso, a escola não seria mais a mesma”, garante a diretora. "Ela cresceu, ficou mais unida”. Os pais não foram avisados. Quando tornou-se público o caso da menina Sheila, rejeitada por uma escola particular, a imprensa descobriu Wilma e ela acabou dando uma entrevista para a TV. Ao vê-la, muitos pais se apavoraram e foram até a escola. “Não perdi nenhum aluno e ainda ganhei alguns elogios”, orgulha-se a diretora. 5 Para Clara, as coisas não foram tão simples. A notícia da presença das crianças - ela ficou com os três mais novos - vazou logo no início das aulas e uma das mães, Lúcia, apareceu com uma espécie de panfleto, que pretendia distribuir caso não fosse convocada uma reunião de pais. “A questão implica risco de vida para nossos filhos e nossas famílias”, dizia o texto. Sem alternativa, com o apoio do Projeto Aids e a presença da diretora de infectologia da Secretaria Estadual de Saúde, Clara chamou os pais. Lúcia se recusou a aceitar as explicações da médica e saiu da sala aos gritos. Foi sozinha. Dias depois, ela tirou o filho da escola. “Foi uma semana desgastante”, conta a diretora. Segundo ela, muitos pais quiseram saber quem eram as crianças, mas a informação foi negada. “Eu dizia que nós éramos privilegiados por saber que convivíamos com portadores e lembrei que muitas crianças podem ter o vírus sem que nem os pais tenham conhecimento disso”. Deu certo. Ninguém mais tocou no assunto. “Quando soube que teríamos alunos portadores do HIV, meu marido me aconselhou a sair da escola. Depois do curso, eu sentei com ele e com minha filha de 10 anos e conversamos. Acabou o medo. Hoje eles se preocupam, pedem notícias das crianças e é só. Karina, 40 anos coordenadora pedagógica No segundo semestre de 1992, a escola de Clara recebeu de braços abertos e sem traumas mais uma pequena moradora da Casa Vida. Angélica, de quatro anos, chegou muito tímida, mas, como os demais colegas, logo se abriu para o mundo novo ao qual foi apresentada. “É incrível como eles já mudaram”, revela o padre Júlio. “A primeira coisa que aprenderam foi a falar palavrão, mas com certeza tiveram seu horizonte ampliado”. “Às vezes eu me pergunto se não é responsabilidade demais aceitar essas crianças, mas com a retaguarda da Secretaria e com a honestidade com que estamos tratando o assunto, porque não haveria de dar certo?”, indaga Clara. Relato de caso / Projeto Aids - SP 6 INTRODUÇÃO Crises desnecessárias “É uma doença, não é um melodrama”.Herbert Daniel Continua a aumentar rapidamente, no Brasil e no mundo, o número de crianças e adolescentes contaminados com o vírus da Aids. Em todo o planeta, de um total de aproximadamente 12,9 milhões de pessoas contaminadas, 7 milhões são homens, 4,7 milhões são mulheres e 1,1 milhões são crianças1. No Brasil, foram diagnosticados, entre 1980 e fins de 1992, 2.034 casos de Aids entre menores de 19 anos de idade, cifra que representa 7,4% do total de casos notificados em nosso país2. Além disto, sempre que falamos de “Aids e Juventude”, é importante lembrar que, entre as pessoas que desenvolvem a doença em idade adulta, é grande o número daquelas que se contaminaram antes de completar 18 anos de idade. Entre as crianças que têm HIV / Aids - sobretudo entre aquelas que têm menos de 10 anos de idade - a grande maioria foi contaminada por suas mães, portadoras do vírus, durante a gestação ou o parto. Outras foram contaminadas por transfusões de sangue infectado. Os adolescentes, por sua vez, estão expostos à contaminação através de relações sexuais sem proteção do preservativo, de abuso sexual, de transfusões de sangue e da utilização coletiva de seringas e agulhas infectadas para a injeção de drogas. Independentemente da maneira pela qual se contaminaram o certo é que muitos destes jovens e crianças já freqüentam nossas escolas, e que outros mais chegarão às salas de aula de todo o país ao longo dos próximos meses e anos. A título de ilustração, vale lembrar que em maio de 1992, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo calculava que 2.600 crianças com HIV/Aids, entre cinco e 14 anos de idade, estavam freqüentando regularmente as escolas públicas e privadas daquele Estado3. Contudo, apesar desses números assustadores, qualquer reflexão científica e serena sobre a epidemia da Aids levará à conclusão de que estamos, na verdade, lidando com uma doença como as outras. Uma doença grave, sem dúvida, mas que deve ser vista como uma doença comum. Uma doença transmissível, mas não contagiosa, pois não se propaga através do convívio social, na rua, nos meios de transporte, no cinema, no esporte, na piscina, na praia, no trabalho ou na escola. Uma doença virótica, que assusta porque pode ser fatal e nos deixa vulneráveis a todo um conjunto de doenças - também comuns -, mas que pode ser evitada, pois já sabemos de que forma se transmite. Uma doença que a medicina está aprendendo a tratar com novas drogas antivirais como o AZT, DDI e DDC e com terapias adequadas para as infecções oportunistas. Enfim, uma doença que poderá, dentro de algum tempo - só nos é lamentavelmente impossível dizer ao certo quando-ser tratada como uma doença crônica, como a diabete, por exemplo, que também não tem cura e também pode ser fatal. 1 The Global Aids Policy Coalition, News/3-6-1992 Ministério da Saúde - Programa Nacional de DST/AIDS - Boletim Epidemiológico- Ano V/ nº 8 3 Revista Nova Escola - Entrevista com Dr. Caio Rosenthal - agosto/1992 2 7 No entanto, marcada pelo estigma do medo e do preconceito, a Aids parece ter o poder de substituir nossa inteligência pelo pânico, e nosso conhecimento pelo obscurantismo, o que faz com que muitos de nossos educadores se recusem até mesmo a pensar na hipótese de conviver nas escolas com pessoas que têm HIV ou que já tenham a saúde abalada pela multiplicação do vírus no organismo. Conseqüentemente, a presença de crianças com HIV nas escolas tem provocado crises compreensíveis, porém desnecessárias e perigosas. Desnecessárias, porque a integração de crianças e adultos que têm HIV / Aids nas salas de aula e ruas atividades recreativas ou esportivas, assim como o convívio e as brincadeiras destas crianças com outras, não representam uma ameaça para a saúde no meio escolar, nem implicam em transtornos para a rotina educacional. Perigosas, porque o convívio sereno e esclarecido tom estas pessoas é de fundamental importância para a prevenção e o controle da epidemia na comunidade e no mundo. No Brasil, o caso de Sheila - uma menina de seis anos que vivia com HIV / Aids e teve sua matrícula recusada por uma escola paulista provocou, recentemente, um debate de proporções nacionais. O caso de Sheila foi, como veremos neste caderno, apenas um entre muitos exemplos destas crises desnecessárias. Sua história serviu, todavia, para confrontar definitivamente os responsáveis pelas diferentes redes escolares do país com uma situação que não pode mais ser ignorada: A Aids já chegou às escolas brasileiras! Temos que aprender a lidar com ela! Nas páginas seguintes, os educadores interessados encontrarão materiais informativos e uma seqüência de perguntas e respostas baseadas no conhecimento científico que se tem hoje sobre as vias de transmissão do HIV e sobre a Aids, e nas experiências feitas pelo Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Esperamos que este conjunto de informações venha a ser útil ao processo que leva à superação do medo e à adoção de atitudes e medidas adequadas à solução dos problemas que se manifestam quando são notificados nas comunidades escolares os primeiros casos de HIV / Aids entre alunos, professores e funcionários. 8 CAPÍTULO 1 A Aids nas escolas brasileiras Menina com Aids luta para ir ao colégio Peja primeira vez, pais vão à Justiça contra essa discriminação Pais vão a juiz para matricular filha com Aids Folha da Tarde/SP-1/5/92 Folha de SP. 1/5/92 Escolas decidem rejeitar portadores de HIV Em São Paulo, sindicato orienta colégios particulares a recusarem matriculas de crianças com vírus da Aids O Globo 8/5/92 OAB critica escola que veta criança com vírus da Aids Assembléia da CNBB critica veto à menina Folha da Tarde-SP-8/5/92 Justiça garante volta de Sheila à Ursa Maior Folha da Tarde-SP-15/5/92 Sheila, feliz na escola nova. Folha da Tarde-SP-19/5/92 JUNTO COM OS PAIS, ELA FOI CONHECER O SÃO LUIZ E DISSE QUE ADOROU O COLÉGIO Ao contrário do que muitos pensam, não foi com o “Caso Sheila” que a Aids chegou às escolas brasileiras. Quando a Escola Ursa Maior recusou-se a receber Sheila entre seus alunos, as escolas da rede pública paulista já haviam integrado 20 ou mais casos (conhecidos) de pessoas com HIV / Aids. Os casos, de rejeição a estas pessoas haviam sido superados e todas elas, professores, funcionários e alunos, continuavam a participar normalmente da rotina escolar. Àquela altura dos acontecimentos, o Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo que será citado com freqüência neste caderno por ser um projeto modelo para o país - já existia há mais de dois anos e já havia treinado mais de 700 professores da rede, que atuam hoje como multiplica dores e ajudam alunos e professores a resolver os problemas que a questão da Aids e da prevenção da epidemia trazem para dentro das escolas. Quando pensamos nos problemas decorrentes da presença no meio escolar de crianças/pessoas com HIV ou Aids, é importante lembrar que muitas pessoas que têm o HIV não sabem que estão contaminadas. Estas pessoas não apresentam nenhum tipo de sintoma de infecção 01 doença e vivem em perfeita saúde durante muitos anos, antes de sofre as primeiras infecções decorrentes da imunodeficiência (enfraquecimento do sistema imunológico) provocada pelo HIV. Por outro lado devemos lembrar também que as pessoas que sabem que têm o HIV (ou sabem que seus filhos estão com o vírus) não têm obrigação de comunicar este fato a quem quer que seja. No Brasil, até hoje, da toda a discriminação que uma declaração desta natureza pode provo car, a maioria destas pessoas prefere manter o sigilo sobre sua condição. Ou seja, nenhum diretor de escola pode afirmar hoje, com segurança, que na sua escola ninguém está com o vírus. 9 EM DEFESA DA ESCOLA PUBLICA DE QUALIDADE A AIDS E A ESCOLA: NEM INDIFERENÇA NEM DISCRIMINAÇÃO “A CRIANÇA E O ADOLESCENTE TÊM DIREITO À EDUCAÇÃO. (...) ASSEGURANDO-SE-LHES IGUALDADE DE CONDIÇÕES PARA o ACESSO E PERMANÊNCIA NA ESCOLA (...)”. No momento em que a sociedade brasileira se mostra apreensiva com a propagação da AIDS e suas conseqüências, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo não se limita a desenvolver campanhas de esclarecimento sobre os riscos de transmissão da doença, mas acompanha aqueles que, dentro da Rede Municipal de ensino, já se encontram atingidos por ela. Este trabalho não começou agora. Teve início no primeiro dia de 1989, tomou forma como Grupo de Trabalho e se desenvolveu em Projeto de Valorização da Vida. Veio e está aí, com força e vontade políticas, determinado a garantir o enfrentamento da doença através de informação combinada com a sensibilização, para erradicar qualquer tipo de preconceito e desenvolver a solidariedade que respeita o direito à cidadania e à participação na vida, Um Projeto que se coloca contra a segregação e que quer vivenciar, na prática, os pressupostos de uma educação democrática e libertadora. “Quando nós vamos aos clubes, ao cinema, a um restaurante, ou a um bar, certamente vocês podem apostar que pelo menos nas últimas 48 horas alguém passou ali e era portador do vírus HIV”1, diz a Dra- Marinella Della Negra, médica infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo responsável pelo tratamento de crianças com Aids. Ou seja, dadas as características e a evolução da epidemia, somos obrigados a fazer nossa a idéia de que já estamos, ou em breve estaremos, convivendo nas escolas, assim como em outros espaços públicos, com pessoas contaminadas pelo HIV. Infelizmente, estas considerações são válidas para todo o país e não apenas para São Paulo. Antes do caso Sheila, inúmeros casos de soropositividade em escolas já haviam sido registrados em outros estados, como no Rio de Janeiro, Paraná e certamente outros dos quais não temos conhecimento. Apesar de não ser o primeiro caso de crianças com Aids nas escolas brasileiras, o “Caso Sheila” teve enormes repercussões em todo o país: suscitou uma grande polêmica, permitiu que a questão fosse discutida publicamente e resultou, pela primeira vez, numa resposta formal dos Ministérios da Saúde e da Educação que emitiram a Portaria Interministerial 796 de 29.5.92. 1 Caderno SINPRO – Ano I – nº1 – julho/92 10 Além disto, o “Caso Sheila” teve o impacto de um brado de alerta para todos os educadores. Ficou claro, depois da história de Sheila, que é urgente prepararmos e capacitarmos as escolas para um confronto esclarecido com a epidemia da Aids em nossas comunidades. O advento da Aids exige a implantação, nas redes escolares, de Programas de Prevenção dirigidos aos alunos e a toda a comunidade escolar. Só através destes programas será possível evitar que “casos” como o de Sheila se repitam. Moradores de prédio em Santos movem ação para impedir instalação de abrigo para crianças portadoras do HIV Folha de SP. 18/5/92 Criança é recusada em colégio de São Carlos por estar com Aids Folha da Tarde/SP 19/5/92 Suspeita de Aids afasta menina de creche no Paraná CURITIBA - A menina Deisiane doa Santos, de 2 anos, cujo pai cumpre pena de prisão. viveu por quase uma semana o preconceito enfrentado pelos doentes de ra, interferiram no caso e Aids. Filha de uma cabeleireira de 21 anos, que há duas semanas morreu dessa doença, ela foi proibida de freqüentar a creche Lilian Vargas, em Maringá, Paraná, até que sua família apresentasse o resultado negativo do teste de HIV. Ontem, o prefeito Ricardo Barros e o secretário estadual de Saúde, Nizan Pereira, interferiram no caso e Deisiane poderá continuar indo normalmente à creche. A diretora da creche, Elizabeth Peixoto Nonoze, foi quem levou a menina a um posto de saúde, para que ela fizesse o exame. Estado de São Paulo 26/5/92 Duas crianças e muita dedicação Uma pequena casa no Morro do Adão, em Bonsucesso, Zona Norte do Rio, está sendo palco de uma batalha que transcende o cotidiano da luta pela sobrevivência de uma família pobre e favelada. Marcos Martins dos Santos, 26 anos, largou o emprego para entregar-se totalmente aos dois sobrinhos – Silas, uma não e dez meses, e Artur, tre anos – abandonados há um ano pela mãe aidética, Berenice Gomes, 22 anos. O pai, irmão de Marcos, morreu de Aids há dois anos. Por sorte, Marcos conseguiu uma creche que aceitasse receber Silas e Artur. ‘Rodei a cidade procurando creches, explicava o problema e nenhuma aceitava os meninos’, conta o rapaz. Sem contar com a ajuda da avó, mãe de Marcos, que é idosa e alcoólatra, os garotos estão com uma lista de material escolar no bolso, mas o tio não tem dinheiro. “Acabei todas as minhas economias. Às vezes, o pessoal da igreja doa feijão e arroz e todos do morro conhecem o problema e ajudam como podem”, conta Marcos. Jornal do Brasil/RJ 4/4/92 Criança com Aids volta para escola O menino Leandro de Melo Santos, 7 anos, portador do vírus da Aids, venceu ontem a primeira batalha contra a discriminação: agastado desde a semana passada do curso de alfabetização da Escola Muncipal São Leandro Paulo, em Brás de Pina, a pedido de alguns pais de alunos que descobriram a sua doença, Leandro retorna às aulas hoje. O Dia/RJ 15/5/91 11 Ministério da Educação Gabinete do Ministro Portaria Interministerial nº 796, de 29 de maio de 1992 Os Ministros de Estado da Educação e da Saúde, no uso das atribuições que lhes confere o art. 87, parágrafo único, inciso IV da Constituição Federal, e Considerando o dever de proteger a dignidade e os direitos humanos das pessoas infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV); Considerando que têm ocorrido injustificadas restrições a esses direitos no País; Considerando que não foi documentado nenhum caso de transmissão mediante contatos casuais entre pessoas em ambiente familiar, social, de trabalho, escolar ou qualquer outro; Considerando que a educação é direito constitucionalmente definido e que o ensino fundamental é obrigatório na forma do Título VIII, Capítulo III, Seção I da Constituição Federal; Considerando que a limitação ou violação de direitos constitucionais à saúde, à educação e ao trabalho de pessoas infectadas pelo HIV não se justificam; resolvem: Art. 1º - Recomendar a observância das seguintes normas e procedimentos: I- A realização de teste sorológico compulsório, prévio à admissão ou matrícula de aluno, e a exigência de testes para manutenção da matrícula e de sua freqüência nas redes pública e privada de ensino de todos os níveis, são injustificadas e não devem ser exigidas. II - Da mesma forma não devem ser exigidos testes sorológicos prévios à contratação e manutenção do emprego de professores e funcionários por parte de estabelecimentos de ensino. III - Os indivíduos sorologicamente positivos, sejam alunos, professores ou funcionários, não estão obrigados a informar sobre sua condição à direção, a funcionários ou a qualquer outro membro da comunidade escolar. IV - A divulgação de diagnóstico de infecção pelo HIV ou de Aids de que tenha conhecimento qualquer pessoa da comunidade escolar, entre alunos, professores ou funcionários, não deve ser feita. V - Não deve ser permitida e existência de classes especiais ou de escolas específicas para infectados pelo HIV. Art. 2º - Recomendar a implantação, onde não exista, e a manutenção e ampliação, onde já se executa, de projeto educativo, enfatizando os aspectos de transmissão e prevenção da infecção pelo HIV e Aids, dirigido a professores, pais, alunos, funcionários e dirigentes das redes oficial e privada de ensino de todos os níveis, na forma do anexo. 1º - O projeto educativo de que trata o caput deste artigo deverá ser desenvolvido em todos os Estabelecimentos de ensino do País, em todos os níveis, com participação e apoio dos serviços que compõem o Sistema Único de Saúde. 2º - Os conteúdos programáticos do projeto educativo deverão estar em consonância com as diretrizes do Programa Nacional de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do Ministério da Saúde. 3º - Os resultados do projeto educativo serão avaliados pela Coordenação do Programa Nacional de Controle de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids e seus relatórios encaminhados periodicamente aos Ministros da Educação e da Saúde. Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. José Goldemberg - Ministro da Educação Adib Jatene - Ministro da Saúde 12 “No primeiro dia de aula, depois que soube que tinha um aluno portador de HIV, em fui até o armário, pequei um litro de álcool e o coloquei em cima da mesa. No final do período, eu já tinha me dado conta do absurdo. Que besteira, o que eu ia fazer com aquilo?” Silvana, 44 anos, professor Opção solidária “O dia era 6 de maio de 1992 e eu nunca vou esquecer. A festa estava animada, os assuntos eram os mais variados, mas quando alguém comentou o fato de uma escola particular ter rejeitado a matrícula de uma garotinha portadora do vírus da Aids, o tempo fechou para o meu lado. Achei que ia ser linchada, pois era a única que discordava da posição da escola, que considerava aquilo discriminação, que achava que já era tempo de a gente aprender a conviver com portadores do HIV Eu tinha os meus motivos para pensar daquela forma. Já tinha visto pelo menos uma pessoa daquele mesmo círculo de amigos morrer em conseqüência da Aids, embora tudo tenha sido sempre escamoteado, encoberto. Além disso já podia notar os sintomas da doença em um outro integrante do grupo. Esses fatos me levaram a ler muito, me informar sobre o assunto e saber, entre outras coisas, que a Aids não se transmite no contato social. Não sei se os outros também tinham se dado conta daquela realidade, ou se agiam com hipocrisia. O que sei é que senti que era hora de tomar uma posição. E tomei. Critiquei a atitude daquela escola com a liberdade que a distância me permitia. Dois dias depois, pela televisão, veio a notícia que me tiraria da confortável posição de observadora para me jogar no meio do fogo. A escola onde estudam meu filho de 17 anos e minhas duas filhas, de 14 e oito anos, se oferecia para receber a menina. Apesar do baque, minha posição não se modificou. Mas ainda havia dentro de mim uma ponta de dúvida. Eu precisava de mais informações. A decisão do reitor gerou um verdadeiro caos na escola. No primeiro dia minha filha menor chegou das aulas chorando. O que ela sentia era pavor, pânico de ficar doente, de morrer. Naquela noite ela não dormiu. Eu fiz o que pude no meu papel de mãe. Contei uma historinha pra ela. Disse que aquela menina tinha um bichinho no sangue mas que era como uma gripe e que não passava assim tão fácil para os outros. Ela se acalmou. Os dois mais velhos agiram como eu, com calma e naturalidade. Naquela altura eu me preocupava com os reflexos da convivência com uma criança aidética na rotina da vida escolar. Pensava em como o colégio iria administrar a estrutura, os funcionários, a higiene. Também pensava muito na morte. Muito mais do que na doença. A primeira reunião convocada pelo reitor para tratar da questão atraiu mais de 600 pais. Aí é que eu pude sentir a reação da sociedade. Eram pessoas intelectualizadas, de boa posição sócio-econômica e totalmente desinformadas, despreparadas. Pelo menos a metade delas 13 sequer queria ouvir as explicações científicas sobre a doença. Naquele dia, várias pessoas falaram: o reitor, representantes da Casa Vida, que cuida de crianças portadoras, uma médica e a coordenadora do Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação, Teresinha Cristina Reis Pinto. Todas as participações foram importantes, mas a Teresinha falou curto e grosso. Ela contou que, na época, a rede pública já tinha 20 casos conhecidos de Aids, afirmou que o HIV não se transmite no contato social e alertou para o fato de que as pessoas precisam aprender a conviver com portadores, o que, segundo ela, só seria possível através da educação. Está aí, eu pensei. Educação é a palavra-chave. É preciso abrir as cabeças a machadadas para conscientizar a população. Voltei para casa pensando naquilo. Constatava duas coisas graves: a proximidade da doença e o despreparo das pessoas. Via o sofrimento chegando antes da hora por causa do preconceito, da posição de avestruz que todo mundo vinha tendo diante do problema. "O curso revelou uma tremenda desinformação sobre Aids e mesmo sobre sexualidade. Um aluno adulto disse que passava limão no pênis, antes do ato sexual, para se prevenir contra a Aids. Uma servente se recusou a pôr a mão em uma camisinha". Cleide, 41 anos, diretora de escola de 1º grau O tumulto ainda durou mais uns dias na escola. Houve até ameaça de bomba. O Projeto Aids organizou um curso para as mães da pré-escola, onde a garota iria ingressar. Uma dessas mães, minha amiga, ficou muito bem impressionada com as informações passadas. Ela e uma outra mãe pensavam como eu e, juntas, resolvemos procurar o Projeto Aids. Entramos em contato com 15 colégios particulares convidando-os para mandarem representantes interessados em fazer o curso. Apenas dois o fizeram. Eu me tornei multiplicadora voluntária. Ainda estou no começo do meu trabalho. Encaro tudo isso como uma espécie de missão. Eu estava mesmo procurando, buscando algo importante para me dedicar. Encontrei. Já fiz três palestras em escolas e tenho aproveitado muito todo esse aprendizado em casa e no meu círculo de amigos. Falei até com meu marido. Perguntei: devemos usar camisinha sempre, ou só nos meus dias férteis? Ele riu. Eu sabia que podia confiar nele, mas queria provocar. Também chamei o namorado da minha filha e a namorada do meu filho. Conversei seriamente com eles e fui bem recebida. Uma amiga minha quer reunir filhos de amigos e sobrinhos para que eu faça palestras para eles. Hoje é assim: deu chance, eu multiplico. E me sinto gratificada. Meu projeto prioritário no momento é levar essa experiência tão importante a que as escolas públicas têm acesso para os colégios particulares. Espero que eles estejam abertos para receber as informações”. Relato de caso / Dulce, 42 anos, curso superior, mãe de três alunos do Colégio São Luís, onde também estuda uma menina portadora do vírus da Aids 14 CAPÍTULO 2 A prevenção da Aids nas escolas A escola é, por definição, um espaço de socialização do saber, sendo freqüentemente, no Brasil, o único espaço em que a criança pode receber e trocar informações. Algumas vezes, porém, a escola está mal preparada e divulga informações mal elaboradas, distorcidas e carregadas de preconceitos e isto acontece, também, quando se fala de Aids. A Aids é uma doença nova e é muito natural que muitos professores não se sintam preparados para abordar as questões com as quais a epidemia os confronta. Por outro lado, infelizmente, a ação preventiva não tem sido alvo das atenções e do empenho que deveria merecer em um país como o nosso. No caso da Aids, este fato pode vir a ter conseqüências graves. A exemplo do que acontece em muitos países do mundo, todas as escolas brasileiras já deveriam estar, há muito, integradas num Programa de Prevenção da Aids, dirigido a funcionários, professores, pais e alunos. Infelizmente, são poucas as redes escolares brasileiras que já dispõem de um programa deste tipo. Neste cenário de descuido, o Projeto Aids, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, se apresenta, apesar de todas suas dificuldades, como louvável exceção. Salário de sorrisos “É engraçado como a vida da gente dá voltas. Veja o meu caso: comecei o meu trabalho no Projeto Aids meio de brincadeira e hoje estou envolvida até o pescoço. Fiz disso a razão da minha existência. Em outubro de 1991, quando li no Diário Oficial um convite para fazer o curso da Secretaria de Educação sobre Aids, não dei a menor importância. Nem eu, nem ninguém mais da escola em que eu trabalho. No fim, acabei me inscrevendo só para ficar cinco dias afastada da escola. Achei as palestras interessantes, recebi muitas informações e, principalmente, lembrei muito de meu filho mais novo, que morreu em janeiro de 1986, aos três anos de idade, em conseqüência de um tipo de leucemia. Um pouco antes de morrer, o meu menino fez um pedido: “Mãe, cuida das criancinhas pra mim?” Como ele já estava internado há vários meses, achei que se referia aos amiguinhos do hospital. Não era. Hoje eu sei que ele me pedia para cuidar das criancinhas do mundo. Foi ele quem me fez ficar mais solidária. Depois do curso, eu não parei mais de pensar nessas coisas e, meio sem saber porque, continuei participando de seminários, encontros. Comprava livros, recortava jornais e logo comecei a fazer palestras nas escolas. Já perdi a conta do número de escolas que visitei. Foram mais de 30, com certeza. A primeira turma que peguei foi dureza. Eram 58 alunos das suplências 1 e 2, com idades entre 14 e 50 anos. Quando entrei, estavam na maior algazarra. Disse boa noite e eles começaram com piadas. Aí, resolvi entrar na deles, falei com simplicidade sobre Aids, homossexualismo e drogas. No final, não queriam me deixar ir embora. Mas nem sempre é simples assim. Houve uma escola em que desligaram a energia durante a palestra. Noutra, um rapaz quis me chocar. “A senhora sabe que quando não tem seringa a gente usa um arame para furar a veia e uma caneta para injetar a droga?”, ele perguntou. Eu embarquei na conversa. Ele contou que era viciado há cinco anos e que para comprar cocaína já tinha feito de 15 tudo, menos matar. Eu falei que estava disposta a ajudá-lo. Ele agradeceu por eu falar com ele como “gente”. Tudo isso aconteceu na frente dos colegas. Emocionado, ele pediu para sair. No dia seguinte, compareceu à palestra que eu estava dando em outra sala. Aquilo me balançou. Esse trabalho me faz feliz. Sinto que estou ajudando a humanidade. A Aids é uma doença terrível e eu quero evitar que as pessoas se contaminem. Enfrento dificuldades com 'meus chefes, por causa do horário de trabalho, mas vou levando. Às vezes preciso faltar no serviço para ir a reuniões na Secretaria e eles não entendem. Fazer o quê? Nos fins de semana, aproveito para dar palestras nas favelas lá do meu bairro, na Zona Norte da cidade. Vou sempre com uma colega que também é multiplicadora do Projeto. A gente combina com os moradores e fala em qualquer lugar: na rua, numa casa. Quando a situação aperta e falta dinheiro para o ônibus, vamos a pé mesmo. Às vezes andamos um bocado. Mas sempre somos bem recebidas. Nosso pagamento é feito de palavras, sorrisos e da certeza de que estamos evitando a contaminação de muita gente.” Relato de caso / Josefa Carvalho Baron (nome real), 38 anos, separada, dois filhos (14 e 22 anos) e um neto. Tem curso ginasial completo e trabalha como servente em uma escola municipal de educação infantil, que atende a população carente da Zona Norte da cidade É importante falar de Aids nas escolas A Aids não é, e nunca foi, uma doença que atinge apenas homossexuais e pessoas que usam drogas. A Aids é uma doença que pode atingir qualquer indivíduo, seja ele homem, mulher, ou criança. Hoje em dia, a sociedade como um todo deve aprender a conviver com Aids. Aproximadamente 34% da população mundial tem menos de 17 anos de idade. No Brasil, este grupo representa cerca de 41% da população total1. Assim como os adultos, as crianças correm riscos de contaminação absolutamente alheios a suas atitudes e vontades. Podem ser contaminadas pela mãe portadora, durante a gestação ou durante o parto, podem receber transfusões de sangue e homo-derivados contaminados e podem, também, ser vítimas de abuso sexual. Já os pré-adolescentes e adolescentes tendem a iniciar precocemente suas vidas sexuais. No Brasil, a idade média na primeira relação sexual é de 16,9 anos para as mulheres e de 15 anos de idade para os homens2. Além disto, os jovens estão expostos ao processo de massificação do uso de drogas em nossa sociedade, o que faz com que a escola não possa mais ignorar estes fatos e, pelo contrário, se veja levada a atuar como centro de difusão do saber sobre a Aids. 1 IBGE – Crianças e Adolescentes – Indicadores Sociais - 1989 Centro Materno Infantil – Planejamento Famílias – Pesquisa feita entre 1987 e 1989 em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, e recife abrangendo 9066 jovens entre 15 e 24 anos. Assessoria Técnica do Centro para o Controle de Doenças de Atlanta (CDC/EUA) 2 16 Projeto prepara professores O projeto Aids da Secretaria de Educação do município foi montado em 1989 para preparar as escolas antes que a Aids atingisse alunos, professores e funcionários. Não deu tempo. Já no ano seguinte, funcionários de uma escola se reuniram para expulsar um colega que estaria com o vírus e que ameaçava se matar. O grupo do projeto Aids foi chamado às pressas. “É uma das nossas funções de bombeiro”, diz a professora Teresinha Cristina Reis Pinto, 34, coordenadora do projeto. Em 1991 surgiram os primeiros casos de alunos com Aids na rede municipal. O grupo organizou em oito meses 579 encontros para professores, alunos e pais. O telefone 284-7244, colocado à disposição das escolas, passou a receber denúncias e pedidos de discriminação. Folha da Tarde 18/4/92 Programas de prevenção devem se apoiar numa base jurídica sólida: vontade política é fundamental! A Aids não é apenas um problema dos educadores. É também um problema dos políticos e da sociedade como um todo. Pouco a pouco, as Câmaras e Assembléias Legislativas de nossos estados e municípios têm se dado conta disto e algumas já deliberam sobre a implantação urgente de Programas de Prevenção nas redes escolares. Cabe aos responsáveis pelas redes, e também aos pais, levar esta discussão aos partidos e ao legislativo, acompanhar os debates e cobrar resultados. Ao propor este debate, é importante saber que o trabalho de prevenção da Aids não pode se resumir à organização de palestras, à projeção esporádica de vídeos e à distribuição de panfletos e preservativos. O trabalho de prevenção da Aids é complexo e deve ser contínuo, pois só dá resultado após vários anos. de atividades regulares. Um bom Programa de Prevenção deve ser institucionalizado por Decreto-lei, publicado no Diário Oficial e anunciado pelos meios de comunicação, pois trata-se de um programa de fundamental importância para a manutenção da saúde pública e para o equilíbrio sócio-econômico do país. Só uma mobilização legislativa decidida poderá garantir a continuidade destes programas através das diferentes administrações estaduais e municipais que irão se suceder. História do Projeto Aids, segundo o Diário Oficial do Município de São Paulo 8.2.1989 - Portaria nº 120 (Prefeita institui Grupo de Trabalho Intersecretarial para abordagem da questão da Aids) L. E. de Sousa, Prefeita do Município de São Paulo, usando das atribuições que lhe são conferidas por lei, Resolve: Constituir Grupo de Trabalho, integrado por P.C.S.B., representante da Secretaria de Higiene e Saúde, S.M.C.Z., da Secretaria Municipal de Educação, M.C.C., da Secretaria 17 Municipal de Cultura, S.R.S.C., da Secretaria Municipal de Transportes, ES.E, da Secretaria Municipal da Administração e A.A.S., da Secretaria Municipal do Bem-Estar Social, para, sob a coordenação do primeiro nomeado, elaborar programa de prevenção Aids/DST, cujo alvo será o servidor público municipal e a população junto à qual vêm as referidas Secretarias atuando. Prefeitura do Município de São Paulo/L.E.S, Prefeita 23.02.91 - Comunicado 6/91 (Secretário de Educação informa a rede sobre a existência do Projeto Aids) Aos Educadores da Rede Municipal A Aids é, provavelmente, o fenômeno de Saúde de maior impacto surgido nos últimos tempos. O sensacionalismo com que muitas vezes esse fenômeno é tratado pelos meios de comunicação impede, entretanto, que ele seja percebido com mais objetividade e menos preconceitos. A poluição, a fome, abastecimento de água, moradia, enchentes, etc. são problemas sociais que têm sido analisados em suas relações com a saúde e permanecem como questões ainda não resolvidas. A Aids é, também, um problema coletivo de saúde. Para ser combatido com eficácia, deve ter suas causas estudadas, o que está sendo feito de forma exaustiva pelos setores competentes. Apesar disso, as perspectivas de solução ainda estão distantes. Durante muito tempo, o único remédio contra a Aids continuará sendo a prevenção. A Educação torna-se, desta forma, o meio mais eficaz de diminuir o número de vítimas da epidemia, sensibilizando, informando e combatendo atitudes preconceituosas para com os portadores do vírus HIV. A Secretaria Municipal de Educação não poderia omitir-se diante desta grave situação. Num trabalho conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde, educadores da Rede, com apoio de técnicos de saúde, formaram um grupo que procura expandir o horizonte de professores e alunos nas escolas, através de discussões, dinâmicas de grupo, palestras e vídeos referentes à Aids e/ou Doenças Sexualmente Transmissíveis. Ao oferecer a adultos e jovens um espaço para informar-se e discutir abertamente suas dúvidas, será possível ajudar a construir atitudes mais responsáveis e menos arriscadas em relação ao sexo. A Aids não é uma questão pessoal enfrentá-la é uma responsabilidade social. Diante do temor, angústia _ medo que ela inspira não é possível caminhar sozinho. E indispensável solidariedade. Escolas interessadas em receber apoio do Grupo de Educadores contra a Aids podem entrar em contato através dos telefones abaixo relacionados. 26.03.91 - Comunicado 10/91 (Projeto Aids da S.M.E. oferece às escolas a possibilidade de esclarecimento) Conscientização da Comunidade Escolar sobre a problemática do HIV (Aids) A Secretaria Municipal de Educação, num trabalho conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde, considerando que, 18 - a informação segura, esclarecida, direta e atualizada diminui o risco de contaminação, medo e preconceito sobre a doença: - um trabalho específico junto à comunidade escolar (pais, funcionários e alunos) se faz necessário, Informa: 1) Que através do Projeto Aids (publicação no DOM estará dando apoio às Unidades Escolares com palestras, vídeos, discussões sobre o tema e debates. 2) As escolas interessadas em receber o Grupo de Educadores contra a Aids devem entrar em contato através do telefone xxx xx xx com a Prof. T.C.R.P. em SME/G. 18.02.92 - Portaria nº 1714 (Secretário de Educação cria condições para que os multiplicadores treinados pelo Projeto Aids possam desenvolver projetos de esclarecimento nas escolas) O Secretário Municipal de Educação, no uso de suas atribuições legais e Considerando que - a educação tem um papel significativo no sentido de transformar o impacto da Aids numa oportunidade de resgatar o sentido da vida e o exercício pleno da cidadania; - o Projeto Aids é um projeto especial porque a situação é especial e de responsabilidade política daqueles que defendem uma nova sociedade onde a solidariedade seja o alicerce através do qual as relações humanas possam ser construídas; - a informação, a discussão aprofundada e o enfrentamento do medo e preconceito podem fazer com que os soropositivos (funcionários, alunos e professores) tenham seu espaço garantido na escola e vivam em clima de razoável tranqüilidade; Resolve: I - Os educadores que participaram dos cursos de multiplicadores do Projeto Aids apresentarão planos de atuação no âmbito das Unidades Escolares que deverão ser discutidos com a Comunidade Escolar e Conselhos de Escola. II- Compete somente à Coordenação do Projeto Aids, exercida junto ao Gabinete desta Pasta, a aprovação, acompanhamento e avaliação dos planos de atuação. III- Aplicam-se ao Projeto Aids o disposto nas Portarias nºs 367, de 31.1.91,3.398 de 24.5.91 e 4.234 de 19.6.91, obedecendo o contido no item II desta Portaria. (Ver no anexo 1 deste caderno os textos das três portarias mencionadas no item III. Estas portarias definem o que são "projetos especiais., regulamentam questões relacionadas à implantação de projetos específicos nas escolas, ao horário de trabalho, ao trabalho e dispensa de ponto, à remuneração de trabalho excedente, etc., e podem ser úteis às secretarias de educação de outros municípios e estados que desejem implantar projetos semelhantes ao Projeto Aids, da S.M.E de São Paulo.) 19 Os programas de prevenção devem ser discutidos com toda a comunidade “A Aids está saindo da televisão para ir bater na porta das pessoas. Chegou a nossa vez.” Celeste, 44 anos, assistente de diretor de escola Ninguém - pessoa ou instituição - vai resolver o problema da Aids sozinho. O trabalho dirigido para o controle e a prevenção da epidemia ultrapassa os limites da escola, e abrange necessariamente a família e a comunidade. A família muitas vezes desconhece o assunto ou prefere evitá-lo por vergonha, medo, desconfiança, falta de abertura com os filhos. O mesmo ocorre, aliás, com professores e funcionários das escolas. De pouco servirá um programa de informação e esclarecimento dirigido aos alunos, se os próprios professores, funcionários e pais de alunos não estiverem minimamente esclarecidos ou, ao menos, garantirem apoio ao programa. Uma criança que recebe na escola uma informação correta sobre a Aids, mas é confrontada em casa, ou até mesmo em sala de aula, com pais e professores mal informados, e com as informações contraditórias freqüentemente divulgadas pela televisão e pela imprensa, permanecerá confusa e continuará vulnerável aos perigos de infecção. Por outro lado - se bem informada e segura de si – a criança pode ser um ótimo multiplicador da informação no espaço familiar. Para isto necessita contudo de uma atmosfera doméstica que lhe permita abordar a questão. Os Programas de Prevenção precisam da comunidade e a comunidade precisa dos Programas de Prevenção. Por isto, antes de organizar um Programa de Prevenção nas escolas, é importante reunir a comunidade escolar e discutir abertamente o assunto. Cada escola conhece a comunidade à qual presta serviços e a sua problemática específica. Cada Conselho de Escola-Comunidade e/ou as APMs têm características próprias que devem ser levadas em conta na discussão sobre a Aids. Cada escola saberá como fazer, da melhor maneira possível, a apresentação da questão. Aprendendo a Aids Trabalho na Prefeitura de São Paulo há 10 anos. Primeiro fui vigia de escola e de 1986 para cá passei a ser motorista. Comecei a atender a turma do Projeto Aids em maio de 1991. Levo o pessoal para dar palestras e cursos nas escolas e também para visitas a casas que atendem portadores do vírus HIv. Tenho aprendido muita coisa e posso dizer mesmo que mudei bastante depois que conheci aquela mulherada. [O grupo de trabalho e de voluntários do Projeto Aids é formado, em sua maioria, por mulheres]. Antes eu sabia que Aids existia, ouvia falar na televisão, mas não passava disso. Não me preocupava muito com esse assunto. Agora é diferente. Sabe como é, né, não existe homem 20 santo e eu não sou exceção. Isso não significa que eu não ame minha mulher. Agente vive junto há 21 anos, mas de uns tempos para cá a parte do sexo não anda bem. Ela vive doente e eu acabo arrumando uns casos por aí. Nunca transei com qualquer uma, mas também não tomava nenhuma precaução com relação à Aids. Só passei a usar camisinha depois que comecei a conviver com os multiplicadores do Projeto. Apesar dos meus 45 anos, nunca havia experimentado. Pensava, como diz o dito popular, que era que nem chupar bala com papel. Mas mudei de idéia. Sou de opinião que o carinho da mulher pode compensar o uso da camisinha, que é necessário. No começo, mesmo convencido da importância, ainda relutava em colocar o preservativo. Achava estranho aquilo tudo amarrado. Agora uso como quem usa desodorante. É coisa corriqueira. Ando com a bolsa cheia de camisinhas. A mulher não gosta muito. Nem minha filha, que tem 18 anos e cursa o terceiro ano do magistério. 'Outro dia notei que a menina andou pegando camisinhas das minhas. Não me preocupei muito não, pois ela é bem orientada e se fizer burrada vai fazer sabendo dos riscos. Todo o material que consigo folhetos, livros - sobre Aids eu levo para ela. Noto um grande interesse dela e das amigas, que acabam lendo tudo também. Fico satisfeito com isso, porque o mundo mudou e todo mundo que tiver um pouco de consciência vai ter que mudar de comportamento. Não digo que precisa se apavorar, mas tem que ter informação e no nosso país ninguém costuma dar informação adequada pro povo. No caso da Aids, fazem um bicho de sete cabeças, deixam todo mundo em pânico. Isso também está errado. Eu mesmo tinha muita curiosidade de conhecer um portador do vírus, mas achava que ia ver uma pessoa doente. Quando apareceu pela primeira vez um rapaz que era portador lá com as meninas do Projeto eu não quis acreditar. Ele estava muito bem, aparentemente não tinha nada de errado com a sua saúde. Mesmo assim demorei um pouco para me acostumar a conviver com os portadores. Cheguei a recusar café na casa de um deles. Agora não faço mais isso. Relato de caso / José, 45 anos, ginásio completo, motorista da Prefeitura de São Paulo Um bom programa depende do treinamento da equipe de coordenação Não são poucas as escolas que tentam, isoladamente e sem qualquer tipo de apoio, implantar programas de prevenção dirigidos aos alunos. Estas iniciativas são importantes e servem para motivar a rede. O ideal, porém, é que os Programas de Prevenção da Aids sejam fruto de uma iniciativa conjunta das Secretarias de Educação e de Saúde, sejam elas estaduais ou municipais. A descentralização dos programas até o nível municipal é, todavia, determinante para o sucesso das ações preventivas. Cada município tem uma realidade própria a ser levada em consideração. As Secretarias de Educação devem selecionar e indicar para a equipe de coordenação do programa um número de professores e funcionários suficientemente grande para abranger toda a rede. O papel fundamental desta equipe será: 21 ∗ O de treinar professores, pais e funcionários que, nas escolas, serão os responsáveis pelo trabalho de esclarecimento dirigido aos alunos e a comunidade. ∗ O de coordenar e acompanhar o trabalho realizado na rede pelos multiplicadores. ∗ O de promover a reciclagem e troca periódica de experiências entre os multiplicadores. ∗ O de intervir, sempre que necessário, quando surgirem casos de soropositividade para o HIV ou Aids na comunidade escolar. As Secretarias de Educação devem estar cientes de que, quase sempre, os membros da equipe coordenadora do programa deverão consagrarse integralmente ao trabalho de prevenção e deverão, provavelmente, afastar-se de suas atividades em sala de aula. Deve saber também que estas pessoas deverão ser devidamente treinadas, que este treinamento pode durar alguns meses e pode exigir estágios em outras cidades ou estados. Cada Estado e Município deve tentar equacionar este problema na medida de suas possibilidades e recursos. Há, em todo o país, diversas instituições que podem ajudar no treinamento das equipes coordenadoras. Uma colaboração estreita com as Secretarias de Saúde será sempre necessária. (Ver lista de entidades de apoio no Anexo 4). “Sei que não vou salvar ninguém, mas a longo prazo meu trabalho pode surtir efeito, pode evitar que outras pessoas se contaminem”. Nádia, 44 anos, multiplicadora do Projeto Aids Modelo de programa de treinamento de multiplicadores utilizado pelo Projeto Aids de São Paulo I - Objetivos gerais do treinamento - Democratizar as informações sobre a infecção pelo HIV, proporcionando oportunidade para uma análise crítica e reflexiva sobre o assunto. - Promover o trabalho de prevenção dirigido a toda a comunidade escolar. II - Objetivos específicos do treinamento - Dar condições para que a clientela escolar, através de sensibilização, informação e prevenção, num clima de solidariedade, respeito e compromisso, ajude a evitar a doença e a combater a angústia, o medo, preconceitos e discriminações. 22 - Garantir a inserção de alunos, professores e funcionários com HIV/Aids na realidade cotidiana da escola. - Garantir a alunos, professores e funcionários com HIV/Aids o acompanhamento, o apoio e os contatos necessários para que passam exercer seu trabalho e atividades, sem "culpa" de estarem doentes de Aids, e para que a escola possa conviver com eles de maneira tranqüila. III- Metodologia para o treinamento de multiplicadores em grupos de 20 pessoas (20 horas de duração - 4 horas/dia) Primeiro dia: Temática: Aspectos psicossociais da doença do HIV Exemplos de técnicas e dinâmicas: a) Em grupos de dois, as pessoas se apresentam e depois uma descreve a outra para o grupo. b) Simulação de uma reunião de Conselho de Escola: um pai, um servente, um professor, 1 portador HIV, um diretor, um coordenador pedagógico, um aluno. O Conselho discute se um professor com HIV/Aids deve ou não permanecer na escola. O resto do grupo é observador. Discussão no grupo sobre as posições assumidas pelos diferentes personagens. Segundo dia: Temática: Informações técnicas sobre DST/Aids (O que é? Como se transmite? Como não se transmite? Como pode ser evitada? Os testes? Os tratamentos, etc.) Técnicas: vídeo e trabalho em grupo Terceiro dia: Temática: Sexualidade e papéis sexuais Técnica de grupo: jogo dramático, leitura de texto, discussão + Oficina de Sexo Seguro baseada na metodologia do Grupo pela Vidda/SP e GAPA/SP. Quarto dia: Temática: A morte Técnica: O grupo "constrói" uma massa pronta (barro, massa de pão, etc.). Cada um pega um pouco e modela a sua visão de morte. Discussão do que for aparecendo + Discussão do que é o sentimento de morte para a pessoa com HIV/Aids, baseada em Elisabeth Kubler Ross, Philipe Ariés e Jean Delumeau. Quinto dia: Temática: O convívio / A escola e a pessoa com HIV/Aids Técnicas: vídeo, jogo dramático e depoimento de pacientes HIV. Apresentação das propostas de trabalho para as escolas dos participantes. O grupo formado nestes encontros passa a integrar o projeto, participando de encontros mensais para acompanhamento do trabalho, troca de experiências, etc.) IV - Apoio às pessoas com HIV/Aids O Projeto Aids encaminha para atendimento médico e/ou grupos de apoio nãogovernamentais as pessoas com HIV/Aids que fazem parte da comunidade escolar. Em caso de necessidade, elementos da equipe coordenadora do projeto e/ou multiplicadores realizam visitas domiciliares a estas pessoas e a seus familiares. 23 V - Metodologia utilizada para encontros nas escolas De cada encontro, participam grupos de 30 a 35 professores, alunos, funcionários e pais. Nestes grupos a problemática da doença do HIV é trabalhada através de dramatizações, psicodramas, vídeos, técnicas de grupo ("batata-quente", jogo da velha, simulação de situações, etc.), teatro de fantoches, e outros. De acordo com o grupo e sua faixa etária, aplica-se uma determinada técnica e, posteriormente, abre-se a discussão de maneira a permitir que as pessoas possam exteriorizar seus medos e ansiedades. Organização do apoio institucional aos professores envolvidos no programa O treinamento adequado dos multiplicadores de um Programa de Prevenção (pais, professores e funcionários) implica em consideráveis investimentos de tempo e energia. No Projeto Aids de São Paulo, o treinamento dos multiplicadores foi feito em cursos de 20 horas de duração (4 horas/dia), que foram administrados pela equipe coordenadora do projeto. Nestes cursos, além de se falar da Aids como fenômeno biomédico, falava-se de preconceito, morte, sexo e do convívio com as pessoas que estão com o vírus ou doentes de Aids (ver quadro acima). Além disto, os multiplicadores do projeto têm participado regularmente de reuniões onde trocam informações e atualizam seus conhecimentos. Para realizar um bom trabalho, os multiplicadores dos Programas de Prevenção devem contar com o apoio da Secretaria de Educação e da diretoria da escola. É aconselhável oferecer dispensa de ponto para o treinamento e para as atividades extracurriculares que poderão ser desenvolvidas por cada 'um deles. Informações sobre o programa e convocação para o treinamento nos Diários Oficiais (ver Anexo 2) podem ser extremamente úteis*. Para alcançar o impacto desejável, os programas de prevenção da Aids podem exigir vários anos de trabalho Para nos protegermos da infecção pelo HIV que provoca a Aids, somos obrigados a repensar e a modificar alguns de nossos comportamentos mais íntimos. A experiência demonstra, contudo, que a difusão de informações corretas não é suficiente para convencer as pessoas a modificarem comportamentos que estão profundamente arraigados em nossa cultura. Muitos são aqueles que sabem que deveriam usar preservativos, mas poucos são aqueles que de fato os utilizam. Por isto, é importante saber que serão necessários vários anos de trabalho para se conseguir um resultado preventivo efetivo. Campanhas isoladas, projeções de vídeos e palestras podem ajudar, mas dificilmente serão suficientes para levar as pessoas à adoção de comportamentos que ajudem a conter a epidemia. A Aids trouxe um novo desafio para a nossa sociedade, um desafio que deve ser enfrentado coletivamente, pois o que está em discussão não é o comportamento de uma ou de outra pessoa. O que está em pauta são realidades sociais e culturais que determinam nosso comportamento e que exigem tempo para sua transformação. * A ABIA está preparando um Manual de Capacitação de Multiplicadores que incluirá dinâmicas, exercícios e materiais de -apoio. Entre em contato conosco. Solicite seu exemplar. 24 Mudando as cabeças Em maio de 1992, fiz o curso com o pessoal e também me tornei multiplicador. Eu sou meio desajeitado, acham até que sou um pouco pornográfico, mas mesmo assim sinto que posso ajudar. No começo de setembro, fui conversar com uma servente que descobriu ser portadora e estava arrasada. A mulher tinha uns 32, 33 anos, era bonita, gostosa, como dizem os homens, e eu fui objetivo com ela. Disse: olha, você ainda tem muita lenha para queimar, é bonita, pode transar à vontade, não precisa se entregar, tem que viver a vida. Falei também que ninguém fica para semente, que todos nós nascemos, nos criamos e morremos, que isso não é diferente para ninguém. Para arrematar, ainda fiz uma brincadeira, disse pra ela que se era por falta de candidato, eu me candidatava. Foi legal, ela riu, ficou à vontade. Claro que eu não estava me oferecendo, era só brincadeira. Mas também não falei aquilo da boca pra fora. Hoje tenho certeza de que se pintar uma atração, eu sou capaz, sem problemas, de ter relação sexual com u,ma portadora. Vou usar a camisinha e no mais vou agir normalmente. Digo isso porque sei que é até mais fácil de acontecer de a gente transar com uma portadora sem saber e, se é assim, por que deveria ser diferente quando a gente sabe da realidade? Eu aprendi muito, mas mesmo assim ainda me sinto um pouco deprimido quando vejo algum portador. Penso logo na discriminação, na falta de apoio e me coloco na posição dele. Acho que foi o curso que me permitiu isso, com aquelas encenações que colocam mesmo a gente no lugar de quem tem o vírus. Fico com os olhos cheios de lágrimas de ver as pessoas que se dedicam a cuidar de adultos e crianças que têm essa doença. É uma lição de vida. Pena que ainda tem muita gente que ignora completamente o problema, que leva tudo na gozação. Ainda temos muitas cabeças para mudar." Relato de caso / José, 45 anos, ginásio completo, motorista da' Prefeitura de São Paulo A prevenção da Aids passa, necessariamente, por um debate democrático sobre assuntos delicados Ao ocultarmos dos alunos informações que são consideradas perigosas ou imorais relacionadas à sexualidade e ao uso de drogas, por exemplo - pensamos protegê-los, mas estamos perdendo a oportunidade de conversar com eles sobre assuntos que os interessam e que de todas as maneiras são discutidos fora da escola e sem qualquer acompanhamento. Sufocando, nas escolas, o debate sobre estes assuntos, estamos permitindo que os jovens exponham-se a riscos desnecessários e que nos compete reduzir. Conversar e informar sobre práticas e comportamentos sexuais apropriados para reduzir o risco de infecção não significa, contudo, interferir nos valores de uma pessoa ou tentar impor-lhe determinados comportamentos, mas sim oferecer opções e criar condições para que estas informações possam ser interiorizadas e utilizadas, individualmente, sempre que necessário. Cada indivíduo deve ter liberdade para decidir livremente sobre os 25 comportamentos preventivos que pretende adotar. Da abstinência sexual, passando pelo uso da camisinha até a fidelidade entre os parceiros, todos os comportamentos são válidos, Não cabe à escola, ou a quem quer que seja, impor nenhum deles. O debate sobre a Aids deve ser livre, científico e democrático. Posturas repressivas e o recurso ao medo, além de não serem adequados ao mundo que queremos, serão sempre contraproducentes. A pedagogia moderna sabe disto. Sexo chega às aulas de colégios católicos Alunos de cinco anos namoram e se beijam na boca. Com a chegada da Aids às escolas, as crianças querem saber sobre a transmissão da doença e questionam os professores durante as aulas A Aids nos obriga a um confronto com nossos preconceitos e medos. A luta contra a discriminação da pessoa que está com HIV e do doente de Aids é de fundamental importância para a prevenção Na prevenção da Aids, o pânico e o medo são os piores inimigos. Lutar contra o medo e a discriminação é lutar pela saúde de todos, é lutar contra aquilo que a Organização Mundial de Saúde chama de "Terceira Epidemia de Aids": a epidemia dos preconceitos! “...Pode-se dizer, sem recorrer a qualquer metáfora, que a nossa sociedade está doente de Aids. Doente de pânico, de desinformação, de preconceitos, de imobilismo diante da doença real. Medidas eficazes contra a epidemia de HIV passam por medidas concretas no combate ao vírus ideológico. Isto significa: informação correta, ações eficientes, desmistificação do medo, esvaziamento dos preconceitos, exercício permanente da solidariedade”. Herbert Daniel O conhecimento que os cientistas já têm sobre a Aids demonstra claramente que, ao contrário do que muitos ainda podem pensar, a presença nas escolas de pessoas que estão com HIV ou com Aids não representa perigo de infecção para os alunos, professores ou funcionários. A divulgação sistemática deste conhecimento permite eliminar o medo, ajuda a evitar a discriminação e os preconceitos e permite uma reflexão serena sobre o assunto. Uma escola que ignora. o que já foi provado pela ciência e discrimina as pessoas que estão com HIV / Aids é uma escola tomada pelo obscurantismo e pela ignorância sobre a realidade da epidemia. Nesta escola preconceituosa será difícil - se não impossível - ensinar os alunos a evitar o contágio. “Eu estava mudando de escola e, numa reunião, outros diretores me sondaram: você sabia que sua nova escola tem uma professora com Aids? O que você pretende fazer?' Eu disse apenas que ia dar a ela todo o meu apoio e solidariedade”. Teima, 41 anos, diretora de escola 26 Extratos de um texto da Dra. Norma Rubini* “... Ao lidarmos hoje com uma criança com Aids devemos vê-la não como um doente terminal, mas sim como uma criança com uma doença crônica, a quem devemos dar assistência médica máxima visando: (1) diminuir ao mínimo as manifestações clínicas, (2) promover um crescimento e desenvolvimento normal e (3) prevenir ou diminuir as conseqüências psicossociais. ... A escola tem sido, infelizmente, o local onde as crianças com infecção pelo H/VlAids têm sido discriminadas com maior freqüência. Esta discriminação é injustificada, já que não existem evidências científicas da transmissão do HIV através de contatos sociais. Assim sendo a criança com infecção Pelo HIV/AIDS pode freqüentar creches e escolas, desde que as suas condições de saúde física e mental o Permitam. As crianças com infecção indeterminada e assintomática podem ser admitidas nestas instituições sem nenhuma restrição. Com relação às crianças com infecção sintomática, a decisão é responsabilidade do médico que atende a criança e baseada nas condições da mesma, de maneira similar às demais patologias crônicas da infância. A Academia Americana de Pediatria em publicação recente (abril/1992) sistematizou as questões referentes ao convívio de crianças com HIV em creches e escolas, descritas abaixo: 1) Não existe necessidade de restringir as crianças com HIV do convívio com outras crianças em creches ou escolas, porque o risco de transmissão do HIV nos contatos ambientais é negligenciável. 2) Os profissionais que trabalham em instituições educacionais ou creches não necessitam ser informados sobre o "status" HIV das crianças que freqüentam estas instituições. 3) Todos os profissionais que atuam em instituições para crianças devem ser orientados com relação às normas de biossegurança universal, que devem ser empregadas no manuseio do sangue ou de fluídos sangüinolentos de qualquer criança. 4) As creches e escolas devem rotineiramente informar todas as famílias se ocorrer uma doença altamente infecciosa (Ex.: sarampo, variçela) em qualquer criança da instituição, facilitando a proteção do paciente imunodeprimido. ... A Aids emerge como uma das principais doenças crônicas da infância nos EUA e África. É provável que o mesmo venha ocorrer em nosso país, a menos que medidas preventivas e/ou avanços médicos detenham o curso da epidemia. A grande maioria das crianças brasileiras já é vítima de carências sócio-econômicas profundas e de um sistema de saúde precário, o que representa mais um complicador para aquelas acometidas Pela Aids. É importante que profissionais de saúde e autoridades governamentais sensibilizemse para a relevância da Aids na população pediátrica. Finalmente, substancial progresso vem ocorrendo no manejo da Aids pediátrica e é fundamental que todas as crianças com infecção pelo HIV/Aids tenham acesso e beneficiem-se de uma assistência médica adequada. * Norma Rubini é professora adjunta de Imunologia Clínica, Hospital Universitário Gaffrée.e Guinle/UNIRIO Texto publicado no Dossiê Assistência - Grupo pela Vidda - RI/Grupo pela Vidda - Niterói, em dezembro de 1992 27 Risco de pegar Aids na classe é igual ao de um meteoro cair na sua cabeça Cientistas dos EUA provam que contágio em escola é quase impossível e rebatem pânico e preconceito FERNANDO ROSSETTI Da Reportagem Local A probabilidade de uma criança pegar Aids de um colega portador do vírus é igual à de um meteoro cair bem em cima da escola. Esse é o risco que um aluno com a doença representa para sua classe, segundo a Associação Médica Americana, com sede em Chicago, IIIinois (norte dos EUA), ouvida pela Folha por telefone. Acostumada a lidar com o problema desde 1985. quando um jovem portador do HIV foi rejeitado pela escola (leia texto nesta página), a sociedade norte-ameri- cana já tem um vasto repertório de informações e pesquisas para contrapor ao pânico e preconceito que surgem em torno da síndrome da imunodeficiência adquirida. Pesquisas da Divisão de HIV/Aids dos Centros Nacionais para Doenças Infecciosas, em Atlanta, Geórgia (sudeste dos EUA), mostram que não há casos comprovados de contágio com o vírus HIV por mordidas, arranhões, uso comum de Utensílios domésticos ou vasos sanitários. Folha de São Paulo 10/05/92 28 CAPÍTULO 3 Quando alguém na escola está com HIV / Aids - algumas perguntas e respostas Estatuto da Criança e do Adolescente Capítulo IV - Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II- direito de ser respeitado por seus educadores;... V - acesso a escola pública gratuita próxima de sua residência... Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; ... IV - atendimento em creche e pré-escolar às crianças de zero a seis anos de idade; ... VII - # 1 - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo Os pais de crianças com Aids são obrigados a informar a escola sobre a situação de seus filhos? Não! A Portaria Interministerial nº 796, de 29.5.92, do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde dá liberdade aos pais e responsáveis de informar ou não as escolas sobre a condição de seus filhos, mas os pais que assim o desejarem têm o direito de fazê-lo. Pais vão à Justiça para manter filha na escola Folha da Tarde SP 1/5/92 Há pais que ao solicitarem a matricula de seu filho/a informam a escola de que a criança está com vírus da Aids. Como proceder nestes casos? Quando isto acontece, é importante lembrar que os pais não têm obrigação de informar a escola sobre a situação de seus filhos e que a escola pode, sem o saber, já ter entre seus alunos outras crianças que estão com o vírus. Por isto, o certo é aceitar e encaminhar o pedido de matrícula como encaminharíamos qualquer outro. Uma criança com HIV / Aids não deve ser alvo de discriminações ou privilégios. Cuidados especiais com sua saúde só deverão ser tomados com base em solicitações de seus pais/responsáveis, ou do médico da criança. 29 Trechos de uma entrevista com o Dr. Mario Santoro Junior* Pergunta: Por que os portadores do vírus da Aids precisam freqüentar a escola? Qual deve ser o comportamento da escola ao receber um aluno com o vírus HIV? . Dr. Mario: “... Acho que a pergunta tinha que ser mais ampla. Por que uma criança deve freqüentar a escola? Eu lembraria que na época da Constituinte houve um grande movimento no Brasil inteiro e por milhares de assinaturas se conseguiu introduzir um artigo na Constituição. É o artigo 227, que depois, em 1990, deu origem a uma Lei Ordinária, que é o “Estatuto da Criança”, que hoje normatiza nosso relacionamento com as crianças e com os adolescentes. Esse diploma legal é extremamente importante, porque num de seus artigos ele privilegia o direito a uma série de atividades. Na verdade ele promove uma série de direitos: o direito ac lazer, o direito à saúde, o direito ao trabalho e, principalmente, o direito à educação. ... Portanto, a criança, mais do que deve, tem o direito de freqüentar a escola garantido pela Constituição. Eu acho que o processo educacional é tão importante para as crianças com Aids que não deve ser interrompido nem nos momentos de agravamento da doença, cabendo ao hospital humanizar o atendimento a essas crianças através de ações não só ludoterápicas, mas também educativas. Há quem veja nesta ação até a maneira de se ajudar o restabelecimento da saúde. Portanto, nem nos momentos de agravamentos se deve interromper o processo educacional da criança. Então, quando a criança não tem motivos que a impeçam de freqüentar a escola, ela tem o direito de ir à escola. Como já foi dito aqui, não há embasamento científico que impeça a criança portadora do vírus da Aids de ir à aula. Existem trabalhos, e eu não vou reproduzir todos aqui, mas recentemente foi feito um acompanhamento de cerca de 700 familiares de portadores do vírus H/v, expos tos às mais diferentes atividades como, por exemplo, compartilhar o mesmo talher, o mesmo banheiro, a mesma lavagem de roupa e até de crianças que davam mordida, sem que se constatasse sequer transmissão intradomiciliar nesta situação. Três casos desses foram contaminados por exposição em atividades de enfermagem. Portanto, não há embasamento científico que impeça a criança de freqüentar a escola. Na segunda parte da pergunta - Qual deve ser o comportamento da escola ao receber um aluno com o vírus HIV?- Em primeiro lugar, eu acho que a escola deve ter um comportamento único. Ela não deve ter um comportamento discriminador. * Mario Santoro junior é presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo e coordenador do Grupo de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Entrevista publicada pelo Caderno Sinpro, do Sindicato dos Professores de São Paulo, em junho de 1992 30 Além de encaminhar normalmente o pedido de matricula, o que deve fazer a direção de uma escola quando for informada pelos pais de um aluno de que esteja aluno/a está com HIV/Aids? Nestes casos, a direção da escola deve se reunir com os pais do aluno com o objetivo de verificar se estes desejam que a informação seja passada para professores e funcionários, e de maneira específica, para que professores e que funcionários. O direto/a deve pedir também um contato com o médico da criança, para poder trabalhar em parceria com ele, nos cuidados especiais que esta criança possa necessitar. Professores e funcionários da escola devem ser informados de que um ou mais alunos estão com HIV / Aids? Não! Esta informação deve ser tratada de maneira absolutamente confidencial. Ninguém tem o direito de divulgar este tipo de informação sem o consentimento dos pais da criança. Os pais devem poder decidir com toda liberdade a quem desejam transmitir informações sobre a condição de seus filhos, se é que o desejam. Alguns pais podem comunicar o fato à direção da escola, outros a um determinado professor ou mesmo a um determinado funcionário que seja de sua confiança. De todas as maneiras, esta informação é de caráter sigiloso e só pode ser comunicada a terceiros com a autorização expressa dos pais ou responsáveis. Informar ou não o professor da criança? ...” Aids cria situações por vezes complexas, que exigem de cada um de nós criatividade e coragem. Por um lado, é fundamental garantir o sigilo sobre a presença e a identidade de crianças com HIV nas escolas. Por outro, o ideal é convencer os pais de crianças menores de 10 anos a informar o professor da turma sobre a condição da criança. O convívio diário com o aluno em sala de aula permite a este professor não apenas uma avaliação contínua de sua saúde, mas também suas reações emocionais e afetivas. O resultado destas observações pode ser da maior importância para o médico que acompanha a criança. Ao longo de nosso trabalho, aprendemos a dar grande valor à parceria do professor com o médico. Uma febre de 5 minutos, por exemplo, que para outra criança não tem maiores implicações, pode ser uma informação valiosa para o médico da criança que tem HIV, pois lhe dá condições de prevenir uma infecção que apenas se anuncia. A parceria com o professor da turma dá ao médico a possibilidade de uma avaliação global da criança. Uma avaliação que inclua o físico e o emocional. Teresinha Cristina Reis Pinto - Coordenadora do Projeto Aids - São Paulo 31 O que devem fazer professores e funcionários que receberem dos pais de uma criança com HIV / Aids informações sobre a condição desta criança? Devem informar a direção da escola? Professores e funcionários devem manter o sigilo sobre a informação, mas podem pedir autorização aos pais da criança para transmiti-Ia à direção da escola. Com esta autorização prévia, poderão passar a informação à direção da escola que deverá então se reunir com os pais da criança e com o professor ou funcionário que lhes transmitiu a informação. Caso os pais não desejem que a informação seja transmitida à direção da escola - o que raramente acontece - estes professores e/ou funcionários ficarão numa situação delicada, pois não têm nem obrigação, nem o direito de fazê-lo. Neste caso, cabe ao professor ou funcionário a decisão de assumir, ou não, a responsabilidade pelo caso e por eventuais cuidados especiais que lhe sejam solicitados pelos pais para a preservação da saúde da criança. Se não desejar ou puder arcar sozinho com estas responsabilidades, o professor ou funcionário deve comunicar este fato aos pais do aluno. Aos pais caberá então a decisão de permitir que a direção da escola seja informada ou encontrar outra solução. Normalmente, estas situações se resolvem sem maiores problemas através de um diálogo aberto e de uma atitude solidária e esclarecida. Código Penal/Capítulo I Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral Violação do sigilo funcional - ART. 325 “É CRIME, REVELAR FATO DE QUE TEM CIÊNCIA EM RAZÃO DO CARGO E QUE DEVA PERMANECER EM SEGREDO, OU FACILITAR-LHE A REVELAÇÃO”. Pena - detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa" Exposição de motivos do Código Penal 55. Definindo o crime de “violação do segredo profissional”, o projeto procura dirimir qualquer incerteza acerca do que sejam confidentes necessários. Incorrerá na sanção penal todo aquele que revelar segredo, de que tenha ciência em razão de “função, ministério, ofício ou profissão”. Assim, já não poderá ser suscitada como perante a lei vigente, a dúvida sobre se constitui ilícito penal a quebra do “sigilo do confessionário”. 32 Devemos informar todos os alunos de que a escola tem pessoas com HIV / Aids? Não! Os alunos não precisam ter acesso a esta informação. Precisam, isto sim, de esclarecimento adequado sobre a doença e sobre as maneiras de se prevenir. Devem saber que o contato com o sangue de outras pessoas pode transmitir doenças graves e devem ser ensinadas a não mexer ou brincar com objetos sujos de sangue e a pedir a ajuda de um adulto quando uma delas se ferir. Muitas vezes, nem mesmo as crianças que estão com HIV / Aids têm conhecimento de sua condição. Continuação da entrevista com o Dr. Mario Santoro Junior Pergunta: O senhor concorda que o nome do portador deve ser conhecido de todos na escola? Dr. Mario: O segredo do paciente, o segredo médico, do ponto de vista ético, do ponto de vista moral deve ser mantido. Em primeiro lugar porque ele pertence ao paciente. É por isso que a lei exige que o médico guarde segredo e que este segredo seja revelado apenas e tão somente em determinadas situações que são configuradas tanto no Código de Ética Médica quanto no Código Penal. Entre essas situações, por exemplo, está “o grande imperativo de consciência”, ou as situações onde, ao colocar em risco a sociedade, o médico se vê na obrigação de colocar a sociedade antes do paciente. No caso da Aids, em si, ela se comporta de uma maneira diferente do ponto de vista ético. Imaginemos, senhores professores de escola. No ponto de vista de vitimização de crianças, a sociedade atua porque quem deveria zelar pela criança, se esta vitimização é doméstica, não está fazendo. Então, cabe a nós, enquanto sociedade, protegermos a criança. No caso de uma doença como nós estamos colocando aqui, cujo convívio é absolutamente social, fica por conta da família o exercício do seu direito coletivo de dizer ou não se essa criança tem ou não tem o vírus HIV. Só que isso pode provocar uma série de grupos. Eu não vejo muita diferença entre revelar que esta ou outra criança é portadora do vírus da hepatite B. Uma outra, portadora do vírus da hepatite C. Ali, as crianças que têm luz positiva no sangue. E naquele grupo, as crianças que são Chagas positivas. Para se ter uma idéia, a hepatite B é grave, é um vírus, assim como a hepatite C, e são hoje considerados vírus de ação lenta e com potencialidades patológicas graves, com sérias repercussões, com a possibilidade de desenvolvimento de doenças graves em função da presença desse vírus. A forma de aquisição é a mesma da Aids: pega-se por transfusão, por relações sexuais, por drogas, enfim da mesma forma que o vírus HIV Daí pode-se concluir que o convívio deve ser normal e a família fica com o direito de revelar ou não este segredo à escola. Por que não revelar a todos? Porque seguramente nós cairíamos na discriminação. Esta é a minha posição. 33 Pergunta: O que fazer então quando o direito da criança for violado? Dr. Mario: Em primeiro lugar, toda vez que o direito da criança for violado, existe um órgão encarregado de receber a denúncia dessa violação de direito, que é o Conselho Tutelar. Infelizmente, não está implantado em quase nenhum município do Brasil, mas é assegurado pelo Estatuto da Criança. Diz ainda o estatuto que, não estando instalado o Conselho Tutelar, quem recebe a denúncia de violação dos direitos da criança é o juizado da Infância e da juventude, o antigo juiz de menor. É por aí o caminho. Caderno Sinpro, publicação do Sindicato dos Professores de São Paulo, junho de 1992 34 CAPÍTULO 4 Cuidados especiais com crianças que estão com HIV / Aids As crianças que estão com HIV / Aids nem sempre ficam sabendo do problema que têm. Por que? Os médicos e pais destas crianças costumam guardar segredo sobre o assunto porque as crianças nem sempre estão preparadas para compreender o que está acontecendo com elas. É muito importante que as crianças que estejam com Aids tenham uma vida normal e não se sintam diferentes das outras. A saúde delas depende disto, por que qualquer tipo de depressão pode alterar seu estado e acelerar o desenvolvimento da doença. Estatuto da Criança e do Adolescente Capítulo II Do direito á liberdade, ao respeito e á dignidade Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e criações, dos espaços e objetos pessoais. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 As crianças com HIV / Aids precisam de cuidados especiais? A direção da escola deve conversar com os pais e com os médicos das crianças com HIV / Aids sobre eventuais medidas especiais a serem tomadas pela escola para a preservação de sua saúde. Por exemplo: eventual dispensa das aulas de educação física, administração regular de medicamentos, cuidados especiais com a alimentação, etc. Trata-se, no caso, de medidas especiais que a escola deve estar pronta a tomar também no caso de alunos afetados por outras doenças, sempre que recomendadas pelo médico da criança, e não de medidas de caráter excepcional que possam criar problemas para a rotina da escola. Trechos de uma entrevista com o Dr. Caio Rosenthal* Pergunta: Como lidar com o medo dos pais de crianças que sabem que há pessoas com HIV/Aids nas escolas que seus filhos freqüentam? Caio: Na minha opinião, o problema da Aids nas escolas, neste momento, está sendo superdimensionadd. Nem os riscos de transmissão são tantos, como em geral se acredita, * Caio Rosenthal, 43 anos, é médico infectologista e trabalha há 17 anos no Hospital Emílio Ribas, onde atua como especialista no tratamento de doentes com Aids. Entrevista publicada pela revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita, em agosto de 1992 35 nem o número de crianças com HIV/Aids é, ainda, tão grande. No futuro, sim, esse número poderá ser muito grande, mas não por enquanto. E a escola, neste momento, deveria estar envolvida com outras prioridades, como o uso indevido de drogas, a violência, as outras tantas doenças infecciosas que as crianças pobres desenvolvem. Com relação ao medo dos pais, penso que a melhor maneira de lidar com ele seja esclarecendo esses pais. À medida que toda a população tiver acesso às informações básicas - o que á a Aids, como se transmite -, pelo menos essa intranqüilidade com relação ao convívio na escola vai desaparecer. Mas é preciso que o acesso à informação não seja discriminado, que todas as classes sociais a recebam. E me preocupa muito que a divulgação da informação se dê através, apenas, da mídia escrita, num país como o nosso, onde o número de analfabetos é tão grande - sem contar as pessoas que conseguem ler um texto, mas não conseguem entendê-lo. Pergunta: Caso as outras crianças fiquem sabendo que um colega tem Aids, ou no caso de perderem esse colega, o que se poderia fazer? Caio: Com Aids, ou sem ela, as perdas e a morte são assuntos que precisam ser encarados e tratados junto. às crianças. Ao mesmo tempo, vivemos em nosso país uma situação tão chocante de miséria, desonestidade e corrupção que, mesmo para esse contato com a morte - que vai ser a morte .do colega da escola -, a criança já está sendo preparada através de outros meios. Diante da situação de nossas crianças de rua, da indiferença do país frente a tantas misérias, do estupro e da prostituição infantil, a Aids acaba sendo mais uma das desgraças que a criança vai ter de ver e aceitar. Tenho a impressão de que nada mais consegue abalar uma criança que mora na periferia, para quem a presença da morte já está tão acentuada. E vai chegar uma época, infelizmente, em que o assunto morte talvez deixe de ser envolvido em tanto tabu, pela quantidade de pacientes de Aids que vamos ter. É quase uma guerra, essa Aids, que nos obriga a convívio novo com uma situação nova. Pergunta: Qual a responsabilidade que um professor tem, dentro de uma escola, sobre uma criança portadora do vírus da Aids? Caio: Isso não deve ter muito peso sobre o professor, a não ser que a criança com HIV/Aids apresente, por algum motivo (e esse motivo não é ela estar com o vírus da Aids), um comportamento anormal e seja mais agressiva do que as outras, o que poderia implicar uma possibilidade maior de transmissão. Nesse caso o professor precisa ser mais cuidadoso, para evitar que ela saia arranhando, batendo, esmurrando e mordendo as outras crianças. Mas o que quero dizer é que, com ou sem HIV, essa criança, com esse comportamento, já exigiria, em qualquer situação uma preocupação maior por parte do professor. Pergunta: Crianças com HIV /Aids devem participar das aulas de educação física? O esforço exigido delas pode ser o mesmo que das outras crianças? Caio: Podem e devem. Quanto ao esforço físico exigido, vai depender do estágio em que estejam. Você pode ter uma criança que tenha sido contaminada há muitos anos e que já não apresente a mesma performance de uma outra, que adquiriu o vírus recentemente. À 36 medida que o tempo passa, o organismo da pessoa contaminada - adulta ou criança vai se tornando mais frágil, a imunidade diminui, a pessoa emagrece, passa a ter mais distúrbios intestinais, torna-se mais sensível que as outras. Com menos energia, ela terá menos condições de atividades físicas. Mas o professor seguramente perceberá que ela está adoecendo. “Outro dia o Reinaldo, um aluno com HIV, se machucou. Caiu, bateu a boca e cortou a língua. Era uma quantidade monumental de sangue que saía. A professora manteve a calma. Levou-o até o bebedouro e orientou-o para que lavasse a boca. Em seguida se dirigiu à diretoria. Por um segundo eu fiquei imobilizada, olhando aquele sangue que escorria. Mas passou rápido. Peguei minhas luvas, limpei o garoto e levei-o para o posto de saúde, para ver se precisava de algum cuidado extra. Não precisou”. Clara, 35 anos, diretora de escola infantil Pergunta: Quanto tempo uma criança demora para apresentar os primeiros sintomas da doença? Caio: Se for uma criança que não nasceu com o HIV, mas o adquiriu depois, ela vai se comportar da mesma forma que um adulto. Cinqüenta por cento vão adoecer cerca de oito ou nove anos depois do primeiro dia de contato com o vírus; dos outros 50%, uma parcela adoece antes do oito ou nove anos, outra parcela adoece depois... Uma criança que já tenha nascido com o vírus na maioria das vezes até os quatro anos de idade já desenvolveu a doença. Algumas conseguem prolongar até os seis anos de idade esse período, mas são exceções. No caso das crianças, o vírus não precisa - como faz com os adultos - ir comendo devagarinho os linfócitos T4 para devastar o seu sistema imunológico, porque todas as crianças já nascem com o sistema imunológico imaturo, sejam ou não portadoras do HIV. Pergunta: Quais são os primeiros sintomas que aparecem quando uma criança com HIV começa a manifestar a doença? Caio: Emagrecimento, diarréia, alterações na pele, unhas quebradiças, quedas de cabelo, períodos de febre, muitas sem causa aparente, gânglios. Mesmo sem ter uma doença aparente, a criança (ou adulto) vai começando a perder a vitalidade, vai ficando desnutrida. Nesse momento, ela não tem mais condições de freqüentar a escola. Pergunta: Quando um professor deve levantar a possibilidade de que um de seus alunos seja portador do vírus da Aids, caso não tenha sido informado? Caio: Quando ele tiver uma criança com essas características descritas na pergunta anterior, que cresce menos que as outras e ao mesmo tempo emagrece e não acompanha, fisicamente, as outras crianças. Ou quando ela se mostra totalmente exposta às infecções bacterianas e vai tendo seguidas otites, pneumonias, amigdalites, uma atrás da outra e muito rapidamente. 37 Pergunta: Caso os pais dessa criança careçam de orientação, como o professor pode ajudar? Caio: As crianças nessa situação devem ser encaminhadas a um posto de saúde. Se o posto não estiver capacitado para fazer um diagnóstico, acredito que seja capaz de levantar a suspeita e encaminhar a criança a setores de atendimento competentes. O que fazer se os pais de uma criança com Aids solicitarem à direção da escola cuidados especiais que não façam parte dos procedimentos normais da escola em caso de doenças dos alunos? Se a direção da escola sentir-se impossibilitada de garantir às crianças com HIV / Aids os cuidados especiais solicitados pelos pais ou pelo médico destas crianças, deverá recorrer à Unidade Sanitária mais próxima para criar as condições necessárias para a convivência com a criança doente. É bom lembrar; porém, que na maioria dos casos, as crianças com HIV / Aids não exigem cuidados especiais que sejam diferentes do tipo de cuidados citados na resposta anterior. Pais e funcionários devem assumir sozinhos a responsabilidade por crianças com HIV / Aids? Não! Cabe às secretarias de educação implantar Programas de Prevenção que possam, entre outras coisas, garantir o apoio necessário às escolas que têm alunos com HIV Em caso de necessidade, a equipe coordenadora destes programas deve ser acionada e assumir parte da responsabilidade sobre as medidas a serem tomadas. A equipe do projeto irá à escola e fará um treinamento com pais, professores e funcionários, para que estes possam conviver com tranqüilidade e segurança com o problema da Aids. Serão também feitas reuniões com o conjunto da escola, informando sobre Aids, modos de prevenção e de transmissão. Estados e Municípios que não contam com um projeto/programa de prevenção deste gênero devem tomar as medidas para implantá-lo com urgência. De todas as maneiras, a Secretaria de Educação deve apoio solidário aos educadores e pais que estão diretamente confrontados com o problema. Além disto, não havendo este tipo de projeto, a responsabilidade deve ser dividida com a Unidade Básica de Saúde (Posto de Saúde, Centro de Saúde, Hospital) que atende a comunidade da escola. Triste surpresa Carolina veio correndo, os longos cabelos batendo no rosto. “Tia, prende a minha franja?”, pediu à professora, estendendo um grampo de metal. Márcia, que conversava com Leila, á coordenadora pedagógica da escola, sequer olhou para a garota. “Prende você, já que está tão calma”, gritou à colega e saiu apressada, batendo os pés. A menina não entendeu nada e poucos minutos depois se dirigiu novamente à professora, ainda com o grampo na mão. “A tia Leila disse que é pra jogar fora o grampo, que ele está enferrujado”, contou. “Então vai jogar, o lixo é ali”, falou Márcia, aliviada, mesmo constatando que não havia nada de 38 errado com a pequena presilha. Márcia se recusou a prender o cabelo de Carolina porque havia recebido, um dia antes, a notícia de que sua linda aluna de seis anos de idade era portadora do vírus da Aids, o HIV. Ela estava revoltada com Leila, que tentava acalmá-la, explicando que as formas de transmissão da doença são bem conhecidas e que não haveria perigo de contágio na escola. Apesar do discurso,.nenhuma das duas encontrou coragem de colocar as mãos nos cabelos de Carolina. “Eu estava apavorada, agora vejo como fui infantil”, disse a professora alguns meses depois. A cena do grampo ilustra bem o clima que a notícia da existência de alunos portadores do HIV criou naquela escola municipal, que, embora localizada num bairro de classe média, atende principalmente filhos de empregadas domésticas que trabalham na região. Tudo começou na manhã do dia 25 de fevereiro de 1992, quando a diretora, Cecília, recebeu a visita de Cleide, diretora de uma creche do bairro, também municipal. A conversa foi muito direta. “Você tem dois alunos com o vírus da Aids”, revelou a visitante. Surpresa com a própria tranqüilidade, Cecília foi informada de que se tratava de um casal de gêmeos, Carolina e Bruno, que já freqüentava as aulas havia um mês. Com dois anos e meio de idade, de volta de uma sofrida viagem à Bahia, as duas crianças, filhas de uma empregada doméstica, foram internadas com forte diarréia num hospital de São Paulo. Receberam sangue contaminado. Repetidos problemas de saúde acabaram denunciando a presença do HIV, quase três anos depois. A mãe avisou a creche, que' optou por manter as crianças. Na ocasião da matrícula na escola, porém, o medo da rejeição foi maior e a informação foi escondida. Durante sua visita, Cleide quis ver as crianças. Aproveitou para arrancar um dente de Carolina, que estava mole. “Aquela atitude eu nunca vou esquecer”, diz Cecília. Minutos depois, sozinha em sua sala, ela fechou os olhos e pensou rio que fazer. “Preciso me informar”, concluiu. Telefonou para a coordenadora das escolas da região e descobriu a existência do Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação. “Naqueles dois primeiros dias eu devo ter ligado para lá umas 20 vezes, tantas eram as dúvidas”, conta. –“Eles não me abandonaram”. De posse dos dados que pôde obter, a diretora passou a chamar professores e funcionários, em pequenos grupos e, da maneira mais amena que encontrou, deu a notícia. “Apesar da minha calma, criou-se uma situação de pânico”, lembra. “Você é uma irresponsável”, acusou um dos professores. No dia seguinte, a escola recebeu a visita de uma das multiplicadoras do Projeto Aids. Ficou decidido que todos os funcionários participa.riam de um curso de 20 horas sobre a doença. “O primeiro dia foi horrível”, relata a professora Márcia, que naquela altura já pensava em deixar o emprego. Quando chegava em casa, depois do trabalho, Márcia tinha o cuidado de tomar banho e se trocar, antes de buscar a filha Adriana, de três anos, na casa da mãe. Não foi por acaso que a dramatização proposta no início do curso lhe fez mal. Todos os presentes experimentaram os diversos papéis envolvidos na situação. “O pior foi me sentir como portadora”, admite a diretora, Cecília. “Meu Deus, como era difícil pensar na convivência com as outras pessoas”. 39 Márcia garante que naquele dia voltou para casa ainda mais angustiada. “Eu tive a impressão que eles queriam apenas fazer a nossa cabeça, para que aceitássemos as crianças de qualquer jeito”. Mesmo desconfiada, ela compareceu nos dias seguintes e ao final do curso fez questão de dar um presente para Enivaldo, o portador do HIV que apareceu para contar sua experiência. “Abracei-o e dei-lhe um beijo. Quando olhei pra trás tinha uma fila. Todos queriam agradecer, mostrar solidariedade”. A equipe decidiu manter em segredo a situação das crianças. A comunidade não foi informada. Alheios a tudo que se passou, Carolina e Bruno continuaram freqüentando as aulas. As serventes pararam de lavar seus pratos e talheres com água sanitária e eles ganharam uma nova amiga, Adriana, a filha da professora Márcia, com quem costumam brincar animadamente. Hoje, Márcia só tem uma preocupação. “Eu temo pelo dia em que eles tiverem de mudar de escola. Não quero que encontrem outra professora no estado em que me encontraram”. Relato de caso /Projeto Aids- São Paulo “Estou acostumada a perder minhas crianças. Elas mudam de turma, mudam de escola. Isto acontece todo ano. Com estes meninos portadores de HIV eu procuro encarar da mesma forma. Um dia eles vão embora. Nunca penso que eles podem morrer. Pelo contrário, trabalho diariamente com a certeza de que eles estarão vivos quando for encontrada cura para a Aids. Quando isto acontecer eles precisarão estar preparados para enfrentar a vida como crianças normais. É por isso que não podem ser tratados de forma diferente das demais crianças. Eu sou contra a paparicação." Rosa, 45 anos, professora Como deve se dar a colaboração com a Secretaria de Saúde Ao saber da presença, em sua escola, de pessoas com HIV / Aids, a direção deve - sem por isto revelar, por decisão própria, a identidade destas pessoas! - procurar a Secretaria de Saúde, que deverá tomar todas as medidas cabíveis, ou seja, identificar a Rede de Referência (rede de Unidades Sanitárias capacitadas para o acompanhamento de pessoas com HIV / Aids) a ser acionada em caso de solicitação e, sobretudo, providenciar o treinamento mínimo e adequado de seus funcionários. A direção da escola pode procurar também a ajuda de uma ONG/ Aids de sua cidade ou estado (veja lista de endereços no Anexo 4) De todas as maneiras, a informação deverá ser tratada com o devido sigilo e tudo deverá ser feito para evitar o perigo de pânico na comunidade. 40 CAPÍTULO 5 A Aids não representa um perigo maior para o meio escolar A Aids é uma doença infecto-contagiosa? Não! A Aids não é classificada pela Organização Mundial da Saúde como uma doença infecto-contagiosa. A Aids é, isto sim, uma doença infecto-transmissível. No Brasil, a Aids foi classificada como Doença Sexualmente Transmissível. Mordidas e arranhões Um dos estudos conta o caso de um aidético agressivo que atacava seus enfermeiros. A pesquisa acompanhou por dois anos e meio 198 enfermeiros que.lidavam com pessoas contaminadas em dois hospitais no Canadá. Trinta dos enfermeiros foram mordidos e arranhados pelo paciente violento. Agravante: por causa da atitude excessivamente agressiva, não era possível cortar as unhas nem escovar os dentes do doente, de 32 anos. Ele acabou com uma gengivite, que provocava sangramentos na boca. Além disso, se masturbava ostensivamente e ficava com as mãos sujas de esperma. Ninguém pegou o vírus. A pesquisa, chamada “Ausência da Transmissão do HIV Por Mordidas e Arranhões Humanos”, saiu em 1988 no “Boletim de Síndromes de Imunodeficiências Adquiridas” , de Nova York. Folha de São Paulo 10/5/92 Governo recua e anuncia campanha BRASÍLIA - Os ministro da Saúde, Adib Jatene, e da Educação, José Goldemberg, podem enviar ao Congresso um projeto de lei obrigando as escolas a aceitarem os alunos portadores do vírus da Aids. Ontem, os dois ministros e o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos particulares de Ensino de São Paulo decidiram que não será mais elaborada uma portaria obrigando as escolas a aceitarem crianças portadoras do vírus HIV. O documento terá a função apenas de prestar esclarecimentos sobre o assunto. Além da portaria, também será preparada uma campanha informativa para as escolas. Se nada disso funcionar, os ministros enviarão o projeto ao Congresso. O ministro da Saúde disse que não voltou atrás na decisão de obrigar as escolas a aceitarem criança aidéticas. Segundo ele, o que houve ontem foi uma flexibilização da posição anterior. Jatene disse que não será imposta nenhuma posição às escolas, mesmo se for editada uma lei garantindo matrículas a crianças com o vírus HIV. - Se houver consenso da sociedade, poderá ser criada uma lei que obrigue as escolas a receberem as crianças infectadas. Isso não significa intromissão do Estado na iniciativa privada explicou Jatene, explicando que haverá ampla discussão sobre o assunto. O ministro da Educação, José Goldemberg, também garantiu que é possível criar uma lei dando direito às crianças portadoras do HIV de estudar em qualquer escola: - A Lei de Diretrizes e Bases da Educação impede a discriminação de crianças, exceto por doenças infectocontagiosas, que são transmitidas com facilidade, o que não é o caso da Aids explicou o ministro José Goldemberg. Em São Paulo, a Prefeitura de São Paulo já vem preparando sua rede de pré-escola e do 1º grau para receber a primeira geração de crianças portadoras do vírus da Aids. A Secretaria de Educação formou há dois anos um grupo de dez profissionais entre psicólogos e pedagogos, que percorreram os colégios in. formando sobre a doença. Do total de 690 unidades de ensino do município, 129 de 1° grau e 18 pré-escolares já passaram pelo aprendizado. Segundo da. dos da secretaria, 37.619 pessoas receberam as instruções desse grupo (34.184 alunos, 1.997 pais e 1.438 funcionários). Com isso, 385 pessoas foram cadastradas como aptas a repassar as informações a outras escolas e comunidades. O Globo/RJ 14/5/92 41 Qual a diferença entre uma doença infecto-contagiosa e uma doença infectotransmissível? Uma doença infecto-contagiosa é uma doença que se transmite através do convívio social, ou seja, pelo uso comum de roupas, talheres, objetos de uso comum, sanitários, pela tosse, espirro, no elevador, no ônibus, pelo abraço ou pelo beijo na boca, etc. As doenças infectocontagiosas mais freqüentes são: meningite, sarampo, catapora, rubéola, gripe, tuberculose, caxumba, etc. Estas doenças acarretam um perigo de contágio no meio escolar e, por isto, implicam no afastamento temporário das crianças doentes. A Aids não é uma destas doenças: a Aids é uma doença infecto-transmissível. O contágio por doenças infecto-transmissíveis é mais difícil. Estas doenças só passam de uma pessoa para outra de maneiras muito bem definidas. A Aids, por exemplo, não se transmite .através do convívio social, pelo ar ou por objetos de uso comum. O HIV só se transmite através de determinados líquidos orgânicos, como o sangue, o esperma e os líquidos vaginais. É por isto que a Aids não representa um perigo maior para o ambiente escolar. . Um aluno com HIV / Aids pode transmitir a doença para outros alunos, para professores ou funcionários? No ambiente escolar, o perigo de transmissão do HIV de uma pessoa para outra é praticamente inexistente. O HIV só se transmite nas quatro modalidades citadas abaixo: Modalidade de transmissão 1: durante relações sexuais sem proteção do preservativo; Modalidade de transmissão 2: por transfusões de sangue e de hemoderivados que não tenham sido controlados e pela utilização coletiva de agulhas e seringas não esterilizadas. Modalidade de transmissão 3: da mãe portadora para o filho, durante a gestação, durante o parto e, em casos raros, pelo aleitamento materno. Todos sabemos que relações sexuais, utilização de drogas e transfusões de sangue não fazem parte da rotina das escolas. Casos de relações sexuais e utilização de drogas nas dependências das escolas são passíveis de medidas disciplinares e devem ser alvo de uma discussão interna que independe da questão da Aids. A questão do uso de drogas injetáveis e da ocorrência de relações sexuais no meio escolar será tratada mais adiante em capítulo especial. E se uma criança que está com o HIV morder uma outra criança? Pode transmitir o vírus? O risco de transmissão do vírus da Aids através de mordidas é extremamente pequeno ou inexistente. Segundo um estudo científico publicado nos EUA, pela revista científica JADA, em setembro de 1991, o vírus da Aids pode ser encontrado na saliva de alguns 42 doentes,. mas numa proporção extremamente baixa (1% das 218 amostras de saliva inteira analisadas), "que sugere a improbabilidade de potencial de transmissão do HIV pela saliva". Além disto, um outro estudo, publicado pela mesma revista em maio de 1988 demonstrou evidências de que "a atividade antiviral da saliva tem, ao que tudo indica, um papel importante da defesa oral contra a Aids" e pode bloquear a ação infectante do HIV. Outros estudos exaustivos feitos com adultos e crianças que foram mordidos por pessoas que têm Aids não revelaram nenhuma evidência de contaminação. Na verdade, uma mordida infantil só pode transmitir o HIV se a criança que morder a outra estiver com um forte sangramento nas gengivas, e se sua mordida provocar sangramento na criança alvo de sua agressão. Mordidas que apenas deixam marcas de dentes na pele não representam risco de infecção. De todas maneiras, independentemente da questão da Aids, crianças que mordem com freqüências seus colegas devem ser alvo de cuidados especiais .adequados aos distúrbios comportamentais que apresentam. Principais dúvidas sobre transmissão da Aids entre crianças Mordida Para uma criança contaminar a outra com uma mordida, a portadora teria de estar sofrendo um sangramento na boca e esse sangue entrar em contato com o sangue da outra criança. O HIV existe em pequena quantidade na saliva, insuficiente para a contaminação, e sobrevive poucos segundos nesse meio. Uso do mesmo banheiro Preservadas as condições habituais de higiene, não há qualquer risco de contaminação. O HIV só é transmissível pelo sangue, esperma ou secreções vaginais Dividir o lanche ou mascar o mesmo chiclete Não há riscos de transmissão. Para que uma eventual contaminação aconteça, é necessário uma situação extraordinária em que a criança portadora tenha um sangramento abundante na boca, o alimento fique ensangüentado e a outra criança também tenha lesões na boca Contato físico (abraço, beijo social, aperto de mão) e convivência social no mesmo ambiente Não existe qualquer possibilidade de riscos, se não houver troca de secreções, sangue ou esperma Contaminação por material perfurante infectado (agulha de compasso, tesouras, lápis pontiagudo) Existe risco. No entanto, com a observação das normas básicas de segurança e prevenção de acidentes essa possibilidade se reduz a praticamente zero Contato com feridas em criança portadora do HIV (esfolados, arranhões) Existe risco se os ferimentos apresentarem secreções com sangue, mesmo que em pequena quantidade. Para ser contaminada, a criança precisa, também, apresentar uma lesão com sangramento Talheres e pratos Desde que não estejam sujos de sangue, não há riscos Cuspidas ou saliva da criança portadora do HIV em ferimentos de outras crianças Se não houver sangue na saliva, não há risco de contaminação Fonte: Vicente Amato Neto, professor-titular de Infectologia da Faculdade de Medicina da USP e diretorsuperintendente do Hospital das Clínicas. Estado de São Paulo 9/5/92 43 E se uma criança que está com o HIV / Aids se machucar e tiver um sangramento forte? Pode contaminar outras crianças ou contaminar um professor que venha socorrê-la? Apenas se a pessoa que tenta socorrê-la também estiver com feridas abertas, sangrando. Nestes casos, pode haver troca de sangue. Por isto, vale lembrar aqui, mais uma vez, os princípios básicos de higiene e os procedimentos universais a serem adota dos quando da prestação de primeiros socorros (ver detalhes sobre estas precauções no Anexo 3: Anexo da Portaria Interministerial No. 796, de 29 de maio de 1992). Estes procedimentos são anteriores à existência da Aids e são mais que suficientes para preservar, não apenas a saúde do ferido, como também a saúde de quem o socorre. É interessante lembrar ainda que estes procedimentos servem há muito tempo para evitar outras doenças, conhecidas e também fatais, como a hepatite B, por exemplo, que podem ser transmitidas pelas mesmas vias que a Aids Os professores devem usar luvas quando socorrem crianças que se machucaram? No caso de sangramentos importantes (cortes que exigem sutura para a cicatrização), o professor ou funcionário pode usar luvas protetoras. Num sangramento pouco importante como o sangramento de nariz, o aluno pode ser orientado para estancar seu próprio sangue, segurando, ele mesmo, um chumaço de algodão sobre o nariz ou sobre a ferida, enquanto o professor ou funcionário o encaminha a uma pessoa capacitada para atendimento adequado. Lembramos mais uma vez que é importante orientar os alunos para que, em caso de sangramentos, recorram à ajuda de um adulto. Estes procedimentos devem ser adota dos de todas as maneiras, mesmo em escolas onde não se tem registro de alunos com Aids. o uso de luvas sempre foi recomendável para a proteção de pessoas feridas. A possibilidade de contágio pelo HIV através do atendimento a pessoas feridas é praticamente inexistente. O atendimento a estas pessoas deve ser feito, como sempre, com tranqüilidade e cuidado. Não há necessidade de usar luvas cirúrgicas. Mantenha sempre, em sua caixa de primeiros socorros, luvas ou sacos plásticos devidamente desinfeta dos que possam ser usados em caso de necessidade. Extratos de uma entrevista com a Dra. Marinella Della Negra* Pergunta: O que fazer quando as crianças se machucam? Marinella: Vamos lembrar que se a criança faz um corte e sangra, se a criança se machuca, existem normas internacionais que foram estipuladas muito antes da Aids. Se uma criança se corta, mesmo antes da Aids, ninguém vai pôr a mão em cima do sangue. Se a criança tem que ser corretamente atendida, com uso de luvas, não é nem para proteger * Marinelta Delta Negra é formada em Medicina pela Santa Casa de São Paulo, é médica infectologista responsável Pelo 2º andar do Hospital Emílio Ribas e do grupo de médicos que acompanha o tratamento de crianças com Aids. Extratos de entrevista publicada pelo Caderno Sinpro, em junho de 1992 44 quem socorre mas para proteger a criança de uma infecção. Essas normas de primeiros socorros são antigas e estão sendo resgatadas agora por causa da Aids. ... Até o momento não há referência, nos estudos médicos, de contágio da doença através da mordida de uma criança ou de uma criança que se machuca. Quer dizer, você teria que ter um corte enorme e o outro com um corte enorme, todo mundo junto. Ou seja, esta criança estaria onde? Numa escola ou numa guerra? Eu acho que determinadas colocações têm que ser analisadas. As crianças quando vão à escola, especialmente as menores, porque as maiores já se defendem sozinhas, não ficam soltas, há sempre um professor ou auxiliar perto que vai acudir e impedir que uma criança fique sangrando com abundância pelo pátio da escola. Pergunta: E quando os professores não estão preparados para usar as normas internacionais de atendimento a uma criança que se fere? Marinella: Na realidade, o que o professor deve fazer é pegar esta criança machucada e leva-!a a um posto médico. Mas o corte terá que ser muito profundo e o sangramento abundante para justificar a preocupação com o contágio. Agora eu pergunto. Isso é muito freqüente nas escolas? Quando me fazem essa pergunta com tanta insistência dá a impressão que, na pré-escola, aquela tesoura que as professoras pedem é para as crianças se cutucarem, para se cortarem, coisas desse gênero. Se formos continuar assim vamos acabar com os esportes onde obviamente o risco é muito maior. Só para vocês terem uma noção, existem trabalhos variados em todas as partes do mundo, que estudam o grau de contaminação dos profissionais que lidam na área de saúde, na área da Aids. Esses estudos concluem que os profissionais que se soroconverteram (teste HIV deu positivo) tiveram várias exposições, e profundas. Portanto, não é assim com um cortezinho que se contrai o vírus. ...Para resumir, qualquer destas crianças (com HIV/Aids) pode freqüentar normalmente as escolas. Elas não oferecem riscos no convívio diário. Se ela mordeu o sanduíche de uma outra criança, ela não vai contaminar, se ela pegar o copo de outra criança, ela não vai contaminar, se ela pegar o copo de outra criança, ela não vai contaminar. Mesmo porque se essa neurose pegar nós vamos nos fechar dentro de casa. Porque/quando nós vamos aos clubes, ao cinema, a um restaurante ou a um bar, certamente vocês podem apostar que pelo menos nas últimas 48 horas alguém passou por ali com o vírus HIV. ... Então, é importante que os profissionais da educação acreditem nos profissionais da saúde, assim como quando nós entregamos nossos filhos a vocês, nós acreditamos em vocês. "O que mais me deixa triste não é o fato de ele ter o HIV. Eu me angustio por saber que ele foi abandonado pela mãe." Sílvia, 22 anos, professora 45 Dividir o lanche, mascar o mesmo chiclete ou o mesmo lápis, transmite o HIV? Não! A saliva, não transmite o HIV. Beijo na boca transmite o HIV / Aids? Não! O beijo na boca não transmite o HIV! 46 CAPÍTULO 6 Boatos: o que fazer? Como surgem e o que são os boatos? Boatos são frutos da desinformação e do preconceito. Desde o advento da Aids, no princípio dos anos 80, nos habituamos a ouvir dizer: “Fulano anda muito magro. Deve estar com Aids!” Este tipo de brincadeira pode ter conseqüências muito sérias, sobretudo no meio escolar quando diz respeito a crianças. Numa comunidade desinformada, uma criança estigmatizada pela Aids poderá ter toda sua vida escolar e social comprometida. Brincadeiras muitas vezes geram boatos que podem criar dificuldades para famílias e comunidades inteiras. Aos educadores cabe atuar de maneira decisiva contra qualquer boato relacionado à Aids. Assumir publicamente que na nossa escola estudam alunos com HIV/Aids? Uma questão de discernimento... Alguns diretores de escola têm optado por informar a comunidade quando tomam conhecimento de que têm, em seu quadro de funcionários, ou entre seus alunos, pessoas com HIV/Aids. Isto aconteceu com as escolas municipais de São Paulo onde estudam as crianças da Casa Vida e com o colégio particular onde estudava Sheila. No caso das crianças da Casa Vida, a identidade das crianças não foi revelada. O caso de Sheila era de domínio público e a questão do sigilo havia sido, portanto, ultrapassada anteriormente. É difícil fazer recomendações definitivas sobre o que deve e o que não deve ser feito. Tudo é uma questão de discernimento. Uma escola que assume publicamente que tem entre seus funcionários ou alunos, pessoas com HIV/Aids é uma escola esclarecida que se mostra disposta a assumir suas responsabilidades. Esta escola, como é o caso da escola paulista que recebeu a Sheila, se preocupará necessariamente em esclarecer a comunidade e discutir abertamente a questão da Aids, o que é bom para todos. Os alunos e professores desta escola irão certamente estudar e conversar sobre as formas de transmissão da doença, sobre as maneiras de evitála e sobre o convívio com pessoas que têm HIV/Aids. A escola terá, assim, assumido integralmente suas responsabilidades sociais, e estará contribuindo, à sua maneira, para o controle da epidemia. Por outro lado, no caso de uma comunidade despreparada, desinformada e carregada de preconceitos, algumas pessoas poderão tentar descobrir quem são os alunos com HIV/Aids e lançar boatos de difícil controle. Cada escola deve avaliar sua situação e tomar a decisão que lhe parecer mais indicada mas, antes de 47 informar a comunidade, deve, de todas as maneiras, obter permissão explícita dos pais das crianças que têm HIV/ Aids ou dos professores e funcionários que estão nesta condição. Vale lembrar mais uma vez - nunca é demais - que pode haver pessoas com HIV/Aids em qualquer escola e que, deste ponto de vista, todas as escolas são iguais. Diante deste fato, nenhuma escola é mais ou menos segura que a outra. O certo é que, tanto as escolas que sabem de casos de Pessoas com HIV/ Aids na comunidade, quanto aquelas que não sabem de tais casos, devem atuar como centro de divulgação de informações e esclarecimento sobre a epidemia. Jacques Schwarzstein, Coordenador do “Projeto Escolas” da ABIA Como neutralizar um boato? Quando um boato relacionado à Aids entra em circulação no meio escolar, cabe à direção da escola, em primeiro lugar, garantir todo apoio possível 'à pessoa/aluno que é alvo do boato. Sem exercer qualquer tipo de pressão sobre esta pessoa, para que ela confirme ou deixe de confirmar o boato, a escola deve manifestar sua solidariedade e colocar-se à disposição desta pessoa para tomar todas as medidas cabíveis que lhe forem solicitadas. Em segundo lugar, a direção da escola deve procurar identificar os responsáveis pelo boato e se reunir individualmente com as pessoas que o propagam, para alertá-las sobre as conseqüências daquilo que pode ter começado com uma simples brincadeira irresponsável. Mais uma vez, na ocorrência de boatos do tipo: “Fulaninha está com Aids! Vive doente; está sempre muito agasalhada, e seus pais aqueles cabeludos que moram na rua tal - usam drogas!”, a direção da escola tem um ótimo motivo para reunir a comunidade e conversar abertamente sobre a Aids, suas características e implicações. Nesta ocasião, assim como nas reuniões com as pessoas/alunos que propagam o boato vale lembrar: ∗ Que a transmissão pelo HIV pode se manifestar por sintomas após muitos anos. ∗ Que os sintomas da Aids são sintomas iguais aos de outras doenças. ∗ Que um diagnóstico seguro só é possível através de no mínimo dois testes laboratoriais consecutivos. ∗ Que o diagnóstico não-laboratorial, ou seja, o diagnóstico clínico, é de competência exclusiva dos médicos. ∗ Que ninguém tem o direito de propagar boatos deste tipo e que estes podem, não apenas criar sérios problemas para as pessoas que atingem, mas também gerar pânico na comunidade. 48 Boato Do outro lado da linha, Sandra, coordenadora pedagógica de uma escola de educação infantil da Prefeitura, mal conseguia se explicar. Era puro pânico. Com algum esforço, Glória Maria, 55 anos, uma das coordenadoras do Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, entendeu que havia rumores sobre a possibilidade de uma aluna da escola, localizada num bairro de classe média da cidade, ter Aids. Sandra e a diretora, Regina, queriam chamar professores e funcionários para discutir o assunto. “Eu disse não, não façam isso”, conta Glória. “E marquei um encontro com as duas”. O esforço inicial da multiplicadora foi para mostrar; em primeiro lugar, que não havia nenhum fato concreto e que passar a informação para a frente só serviria para fortalecer o boato. Que, além disso, mesmo que se confirmasse que a menina era portadora do HIV, ninguém tinha o direito de divulgar a notícia. Na primeira visita do Projeto Aids à escola, a história se esclareceu. Regina tinha sido procurada pela mãe de uma aluna que dizia saber que os pais de uma outra garota da escola, seus vizinhos, estavam com Aids e que a menina, Melissa, também teria sido contaminada. “Pedimos que a mãe em questão fosse chamada e instruída- para não espalhar o boato e isso foi feito”, lembra Glória. Depois da conversa, Regina decidiu informar a professora da menina sobre a existência do boato e, uns 15 dias depois, informou também os demais professores, segundo ela, “para garantir a participação no curso proposto pela Secretaria, que fora marcado para maio”. Durante o curso, revelou-se muito forte a rejeição à idéia de ter um aluno portador do HIV na escola, tanto por parte de professores como de funcionários. “Eu mesma falei que se dependesse de mim não aceitaria”, conta a diretora, que se dizia muito preocupada com a “imagem” da escola perante a comunidade. No final, as posturas mudaram. “Confesso que fiquei doidinha para saber se era ou não verdade, mas entendi que não podia me envolver, que havia leis que garantiam esse direito à garota”, diz Regina. Tão grande como a curiosidade, era a desinformação sobre a doença. “Eu pensava que só de encostar a gente podia pegar Aids”, admite a servente Izilda. Hoje ela encara a possibilidade de conviver com portadores do HIV com muita naturalidade. "A gente sabendo como é o contágio, fica mais fácil", diz. Entre os professores, que estavam arrepiados frente ao simples boato de que poderiam ter um aluno portador, surgiu um novo comportamento. “Me dei conta de que a doença está por aí e que podemos ter vários alunos contaminados”, pondera Elisa, a professora da menina sobre quem circulava o boato - até hoje não confirmado - de que teria o HIV. Relato de caso / Projeto Aids - SP 49 CAPÍTULO 7 Professores também podem estar com HIV / Aids Professores e funcionários que estão com HIV / Aids podem continuar a trabalhar nas escolas? Assim como os alunos com HIV / Aids, professores e funcionários que enfrentam esta situação podem dar prosseguimento normal às suas atividades profissionais. Como o HIV / Aids não se transmite através de contatos sociais, o convívio com estes adultos, em sala de aula e no recreio, não representa qualquer tipo de ameaça para a saúde. dos alunos. Sentindo-se aptos e desejosos de exercer suas profissões, professores e funcionários devem permanecer nas escolas e dar andamento à sua rotina normal de trabalho. Todos os médicos que cuidam de pessoas . com HIV / Aids são unânimes ao recomendar que seus pacientes mantenham suas atividades profissionais rotineiras. Mais uma vez lembramos que todos nós podemos estar convivendo, sem o saber, com pessoas que estão com HIV / Aids nas ruas, nos restaurantes, nos meios de transporte e até mesmo em nossas casas. Declaração Consensual sobre a Aids no Local de Trabalho OMS/OIT Elementos de uma Política Adequada a) Com relação a pessoas que solicitam um emprego: “A detecção do HIV/Aids anterior à contratação, como parte dos testes de aptidão para o trabalho, é desnecessária e não deve ser exigida. Esta contra-indicação refere-se tanto aos métodos diretos de detecção (teste de soropositividade para o HIV) quanto aos métodos indiretos (avaliação dos comportamentos de risco) e a perguntas sobre os resultados dos testes de HIV aos quais o candidato já se tenha submetido.” b) Com relação a pessoas que já estão empregadas: “...1. Detecção do HIV/Aids. Não se deve exigir a detecção do HIV/Aids, seja direta (teste de soropositividade para o HIV), indireta (avaliação de comportamentos) ou baseada em perguntas sobre os resultados dos testes de soropositividade aos quais o candidato já se tenha submetido ...2. Confidencialidade.. Deve ser respeitado o caráter confidencial de toda informação técnica, inclusive sobre a situação relativa ao HIV/Aids. ...3. Informação do empregador. O trabalhador não deve ser obrigado a informar seu empregador sobre sua situação relativa ao HIV/Aids. ...4. Proteção do empregado. As pessoas afetadas pelo HIV/Aids , assim como as pessoas suspeitas de contaminação, devem ser protegidas, no local de trabalho, de toda estigmatização e discriminação por parte de colegas, sindicatos, empregadores e clientes. A informação e a educação são essenciais para manter o clima de confiança mútua que é indispensável para se garantir esta proteção. 50 ...5. Acesso dos assalariados aos serviços. Os assalariados e suas famílias devem ter acesso a programas de informação e educação sobre o HIV/Aids, assim como a meios adequados de acompanhamento e consulta. ...6. Seguros sociais. Os assalariados contaminados pelo HIV não devem ser objeto de discriminação em relação ao acesso aos benefícios regulamentares dos programas de seguro social e outros benefícios trabalhistas a que tenham direito. ...7. Mudanças razoáveis das condições de trabalho. A infecção pelo HIV não acarreta, por si só, nenhuma limitação da aptidão para o trabalho. Se esta aptidão for reduzida por uma doença relacionada ao HIV, deverão ser tomadas medidas para efetivar uma modificação razoável das condições de trabalho. ...8. Continuidade da atividade profissional. A infecção pelo HIV não representa motivo para abandono do trabalho. Assim como no caso de muitas outras enfermidades, as pessoas que sofrem de doenças relacionadas ao HIV devem continuar a trabalhar enquanto, do ponto de vista médico, estiverem em condições de desempenhar tarefas adequadas. ...9. Primeiros socorros. Em toda situação que exija primeiros socorros no lugar de trabalho, será necessário tomar-se precauções que reduzam o perigo de transmitir infecções sanguíneas, entre elas a' da hepatite B. Essas precauções gerais resultam eficazes também em relação à infecção pelo HIV”. (Extratos da declaração formulada durante a Reunião Consultiva sobre a Aids no Local de Trabalho das Organização Mundial da Saúde[OMS] e Organização Internacional do Trabalho[OIT], organizada em Genebra, entre 27 e 29 de junho de 1988.) Volta por cima “Estou começando a sentir a vida palpitar outra vez”. A frase, dita em março de 1992 por Ana Lúcia, professora de uma escola de educação infantil da Prefeitura, num bairro pobre e afastado da capital paulista, veio acompanhada de um sorriso. Era um dos primeiros sorrisos ensaiados por aqueles lábios depois de um pesadelo que durou mais de dois anos. Nesse período, Ana Lúcia, portadora do HIV, pensou em se afastar do trabalho e até em pôr um fim à vida. Mas ela resistiu. Continua se dedicando a educar crianças e já se dá até o direito de ser um pouco feliz. Para chegar nesse ponto, no entanto, foi preciso muita coragem. Como a maioria de suas amigas, Ana Lúcia namorou, noivou e casou depois de concluída a faculdade. Durante oito anos seu casamento correu às mil maravilhas, mas ela, sem saber bem porque, relutava em ter o filho que o marido queria. O resultado do desencontro de interesses foi a separação. Sozinha, ela se mudou para um pequeno apartamento e, pouco tempo depois, conheceu um rapaz simpático, por quem se apaixonou. Passou com ele uma única noite e acabou engravidando. Aos 40 anos de idade, a notícia da gravidez a fez explodir de felicidade. Indiferente à censura da família e até ao desprezo do rapaz, ela resolveu que teria a criança de qualquer maneira. Fabíola nasceu em março de 1989. Era linda e saudável. A felicidade de Ana Lúcia e Fabíola começou a ser abalada quando a menina completou cinco meses. As infecções de ouvido e garganta se repetiam. A criança vivia no médico. Só 51 muito tempo depois surgiu a suspeita, confirmada logo com um teste Elisa. Fabíola tinha Aids, herdara o vírus da mãe. Antes que Ana pudesse se refazer do susto, a menina morreu, em novembro de 1990. Tinha um ano e oito meses. Culpa, culpa, culpa. Era só o que Ana podia sentir, além do enorme sofrimento pela perda da filha. Mal conseguia pensar na própria situação. Na escola, ninguém sabe dizer como, a notícia se espalhou rápido durante a licença de luto da professora. A paranóia foi inevitável. "Podemos ter sido picados pelo mesmo inseto", dizia um. "A gente usava os mesmos talheres", falava outro "E o banheiro, será que não estamos todas contaminadas?" O medo era tão generalizado quanto a falta de informações sobre a doença. .Ao mesmo tempo, havia por parte de alguns uma grande preocupação com o estado da colega, enquanto outros se dedicavam a censurá-la. A professora Nádia, que nem trabalhava no mesmo período que Ana, cansou de ouvir coisas como: "Se ela está nesse estado é porque procurou". Nádia lembra que se amargurava com os comentários. "Será que uma mulher separada não tem direito a uma segunda chance?" As opiniões variavam. No quarto dia do luto de Ana Lúcia uma voz feminina que não se identificou ligou para a Secretaria de Educação e contou o que se passava na escola. O Projeto Aids ainda era embrionário, mas um grupo de voluntários já começava a se dedicar ao assunto. Um desses voluntários, Maria Neusa, que depois se integrou na equipe coordenadora do projeto, seguiu imediatamente para a escola. "Encontrei um clima de velório", conta Maria Neusa. "Muitas professoras estavam chorando e havia um mar de dúvidas a esclarecer. Alguns queriam que Ana Lúcia se aposentasse." Naquela reunião falou-se das formas de transmissão da doença, dos direitos dos soropositivos e da importância do convívio e da solidariedade. Parte da poeira assentou e a professora pôde voltar ao trabalho num ambiente mais favorável. Mesmo assim, por vontade dela, um banheiro foi reservado apenas para o seu uso. Neusa só foi conhecer Ana Lúcia dois meses depois, quando levou-lhe material didático e livros sobre a doença, que foram bem recebidos. Passado algum tempo, uma das professoras ligou de novo para a Secretaria. Ana Lúcia estava enfaixando os dedos com esparadrapo no horário de aulas. "É só uma forma de prevenção", disse a professora. "Nada disso é necessário, pois seus dedos não estão machucados", explicou Neusa. As fitas foram retiradas. Hoje, duas professoras e a coordenadora pedagógica da escola são multiplicadoras do Projeto Aids. Elas já deram cursos e palestras para professores, funcionários e pais de alunos. Em agosto de 1992, a morte de um funcionário, que os colegas não sabiam ser soropositivo, trouxe o fantasma da Aids de volta, mas a escola já se sentia amadurecida para enfrentar o problema. "Agora nós não queremos mais falar nesse assunto", diz a diretora Magda. "A escola leva uma vida normal", garante. Ana Lúcia também mudou seu comportamento. Passou a usar os mesmos banheiros que os demais professores e desistiu de abandonar a sala de aula. "As crianças me dão ânimo para continuar levando a vida", diz. A foto da filha que ela carrega na bolsa já está envelhecendo. Relato de caso / Projeto Aids - SP 52 CAPÍTULO 8 A questão dos testes Há quem pense ser possível se proteger da epidemia da Aids testando toda a população para saber quem tem HIV / Aids e quem não tem. Este tipo de proposta, que pode parecer lógica à primeira vista, não resiste porém a uma reflexão mais aprofundada sobre suas implicações éticas e práticas. Do ponto de vista ético, a testagem compulsória de toda a população ou de determinados segmentos sociais representa um atentado direto contra os direitos humanos. Do ponto de vista prático, a testagem em massa coloca problemas insuperáveis e não se justifica porque: ∗ os testes não são 100% seguros e podem fornecer resultados errados (ver abaixo); ∗ para garantir os resultados desejados seria necessário realizar periodicamente novos testes com todas as pessoas, trimestralmente ou semestralmente; ∗ os testes são caros e nem mesmo os sistemas de saúde dos países mais ricos disporiam dos recursos necessários à realização de testagens compulsórias periódicas de toda a população. O que é e como funciona o teste do HIV? Os testes utilizados hoje em dia, servem para verificar a presença, na corrente sanguínea de um indivíduo, dos anticorpos que o organismo humano produz contra o HIV. Dizemos que o teste tem resultado "positivo", quando constata a presença destes anticorpos na corrente sanguínea de uma pessoa. Quando o resultado do teste não oferece evidências da presença de anticorpos para o HIV, dizemos que seu resultado foi "negativo". Como o teste verifica apenas a existência de anticorpos para o HIV e não a presença do vírus em si, é errado chamá-lo de "Teste da Aids", ou "Teste do HIV". Na verdade, trata-se de um teste de anticorpos para o HIV. Após ter sido contaminado pelo vírus da Aids, o organismo humano precisa de oito a 12 semanas para produzir uma quantidade de anticorpos suficientemente grande para ser “notada” pelo teste do HIV. Se o teste for realizado durante este período, fornecerá um resultado negativo mas errado, ou seja, um “falso-negativo”. Este período em que a pessoa já está contaminada mas ainda não produziu anticorpos é chamado de período de “janela imunológica”. Um único teste não é suficiente para dar resultados seguros, De um lado, o teste pode ter sido realizado durante o período de “janela imunológica”, de outro, sabemos hoje que os testes disponíveis não são 100% seguros e permitem erros em sua realização e na interpretação de seus resultados, podendo levar a "falsos negativos" e a "falsos positivos", Por isto, é fundamental exigir-se a confirmação de qualquer resultado positivo, através de um segundo teste que, normalmente, deve ser feito com recursos mais sofisticados e caros. 53 Para que serve o teste? Muitas pessoas têm medo de se contagiar através de relações sexuais, mas procuram se tranqüilizar com o pensamento de que seus/suas parceiros/as não têm o HIV. Ao invés de tomarem medidas de precaução (como o uso da camisinha), procuram no teste uma maneira de se proteger. Ignoram que o teste não oferece segurança, pois não protege da infecção. Quando alguém se pergunta se deve ou não fazer o teste, deve saber, antes de mais nada que, independentemente de ter ou não feito o teste, e independentemente dos resultados do teste, é possível proteger-se do contágio através de medidas simples. Ao pensarmos se devemos ou não fazer o teste, devemos procurar aconselhamento adequado junto a um médico, a organizações não-governamentais e a Centros de Testagem Anônima, Nestas ocasiões devemos tentar verificar: ∗ ∗ ∗ ∗ se houve de fato perigo de contágio; se nossa insegurança nos é mais insuportável do que seria um possível resultado positivo; se estamos em condições de suportar psiquicamente um possível resultado positivo; se vamos encontrar, no caso de um resultado positivo., pessoas que possam nos ajudar e apoiar; onde encontraremos acompanhamento clínico adequado no caso de um resultado positivo. Quem se decidir por fazer o teste deve se certificar de que: ∗ ∗ ∗ o teste será realizado com base no anonimato; os resultados do teste - tanto os positivos quanto os negativos - lhes serão comunicados pessoalmente e não por telefone ou carta. que o comunicado do resultado do teste será completado pelo necessário aconselhamento e esclarecimento. Extratos de “Aids, Heutiger Wissenstand”, da Deutsche Aids-Hilfe Por que não testar todas as crianças, professores e funcionários para saber quais são as que estão com o vírus da Aids? Como a Aids não se transmite no meio escolar ou no convívio social, não há razão médica para se isolar os doentes de Aids do resto da sociedade. A testagem de todas as crianças só serviria para favorecer a discriminação das crianças com HIV / Aids e o seu conseqüente e desnecessário isolamento. Em nenhum país do mundo foi adotada, até hoje, uma política de testagem em massa da população escolar, ou de qualquer outra população. Testes compulsórios ferem os direitos civis e humanos e revelam intenção de segregação por parte 54 de quem os impõe. É importante lembrar aqui o Artigo 52, Inciso 2 da Constituição Brasileira; “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, se não em virtude de lei”. Por que não organizar classes especiais ou escolas especiais para as crianças com HIV / Aids? Assim como a testagem compulsória, a criação de classes ou escolas especiais para crianças com HIV / Aids se constituiria num crime de discriminação, visto não haver risco de contaminação no meio escolar que justifique o isolamento destas crianças. Os crimes de discriminação são passíveis de punição prevista em lei. É obrigação ética dos educadores tudo fazer para que as crianças que estão com HIV / Aids possam dar prosseguimento normal ao seu processo de integração social, permanecendo na escola junto aos outros alunos. De todas as maneiras, não faria sentido confinar numa escola especial as crianças que sabemos estar com HIV / Aids, se podemos, sem o saber, ter nas outras escolas crianças, e também professores, na mesma condição. A única resposta para a Aids passa pela solidariedade e não pela discriminação. 55 CAPÍTULO 9 Sexo e drogas na escola Por que falar de sexo e drogas nas escolas? Muitos pais e professores têm dificuldades para imaginar que suas crianças possam ter uma vida sexual ativa ou estar envolvidas com o consumo de drogas. De todas maneiras, aprovando ou não este tipo de comportamento. somos obrigados a admitir (estão aí as pesquisas que o comprovam) que a maioria de nossos jovens têm sua primeira relação sexual antes de completar 20 anos de idade. “Eu estou cansado de encontrar seringas espalhadas pelo pátio da escola. A droga é uma realidade por aqui e com ela crescem os casos de Aids”. Jaime, 45 anos, diretor de escola de 1º grau Ser jovem não quer dizer "ser grupo de risco", mas é fato que os jovens são vulneráveis à transmissão pelo HIV, porque: ∗ Nem sempre pensam nas conseqüências de seus atos, sobretudo quando relacionados ao sexo e às drogas. ∗ Freqüentemente não sabem o que é a Aids e como se transmite. ∗ Tendem a confundir a realidade com seus próprios desejos: por exemplo acreditar, irracionalmente, que estão imunes à Aids e que a doença só atinge outras pessoas. ∗ Tendem a crer que nunca morrerão de doenças fatais e que estas só afligem pessoas mais velhas. No caso da Aids esta crença se agrava por que a Aids leva muitos anos para se manifestar como doença. Jovens contaminados pelo HIV podem não se dar conta de sua condição antes de se tornarem adultos. ∗ Dependem mais do que os adultos de aceitação por parte de seus colegas. Quando contaminados, tendem a manter este fato em segredo pois temem serem afastados do grupo. Mantendo sua condição em segredo, reforçam o mito de que a Aids não atinge os mais jovens. ∗ São alvo freqüente de abuso sexual. ∗ Envolvem-se com facilidade em relações heterossexuais e homossexuais desprotegidas, características dos adolescentes de todas as classes sociais. 56 Alarme falso Janice, 40 anos, camelô, estava nervosa quando entrou na sala de Jaime, diretor de uma escola de primeiro grau da prefeitura, localizada num bairro pobre, na extrema periferia da cidade. "Vim tirar meu filho", disse a mulher. "Ele está com Aids e eu não tenho como cuidar de um menino doente. Entreguei-o para a Febem". A notícia deixou Jaime atônito. Ele olhou incrédulo para o resultado do exame que Janice tinha nas mãos e lembrou que já havia algum tempo que se preocupava com a saúde de Francisco, um rapagão bonito, alto, de 16 anos,' que cursava a quinta série do período noturno. A visita de Janice, na verdade mãe adotiva de Francisco, ocorreu em junho de 1991, mas desde o começo daquele ano o rapaz vinha reclamando de diarréias, dores de cabeça e gânglios. Em maio, sabendo das precárias condições de vida no bairro, onde o desemprego e a desagregação familiar assumem feições dramáticas, Celeste, assistente do diretor, achou por bem chamar Janice para uma conversa. "Eu vou levá-lo ao médico", ela lhe prometeu. Jaime conta que o encontro com Janice o fez perder o fôlego, apesar de ele já estar acostumado a ouvir falar das numerosas mortes causadas pela Aids na comunidade. Sua primeira atitude foi localizar, com a ajuda de uma lista telefônica, entidades de apoio a portadores do HIV. Ele queria saber se não haveria um lugar mais apropriado do que a Febem para receber o garoto. "Na verdade, eu estava agindo meio como a mãe, queria entregar o caso para alguém", admite o diretor. Na sua busca, ele acabou descobrindo a existência do Projeto Aids, da Secretaria de Educação, ao qual recorreu, pois estava preocupado com a repercussão que a notícia poderia ter na escola. As multiplicadoras fizeram várias palestras para professores e alunos abordando temas como contágio, solidariedade, morte, perda e solidão. "Elas nos deram o principal: apoio e orientação", conta Jaime. "Atenderam tanto ao emocional quanto ao lógico." Ao contrário do que o diretor imaginou, não houve nem sinal de pânico na comunidade escolar. Os alunos construíram uma espécie de muro de silêncio em torno do assunto. "Parecia haver um pacto de solidariedade", recorda-se Jaime. Ele ainda tinha, no entanto, um receio muito grande de que outros estudantes estivessem contaminados. Já havia algum tempo que Francisco demonstrava comportamento homossexual. Um pouco antes da descoberta do vírus, sua mãe contara a Celeste que ele tinha hábitos "estranhos" desde pequeno, quando ela o recolhera da rua, e que estava ameaçado de morte por ter abusado sexualmente de um garoto de cinco anos, filho de um vizinho. Na escola, apesar dos esforços de professores e das representantes do Projeto Aids, que procuraram provocar o assunto, não ficou confirmado o envolvimento de Francisco com nenhum dos demais alunos. Francisco acabou por ser internado na Febem. Durante os três meses em que esteve ali, Francisco foi visitado algumas vezes pelo diretor, por Celeste e por alguns professores. "Na primeira vez, quando cheguei, ele me abraçou pra valer e eu tive que fazer um esforço razoável para não demonstrar o tremor que senti internamente", conta Jaime. Na saída, ele confessa que esteve a ponto de passar no banheiro para lavar as mãos, mas não chegou a fazê-lo. "Pensei na minha filha de cinco anos, tinha medo que ela fosse contaminada", 57 explica. Vez por outra, esse mesmo pensamento voltava. "Mas eu lembrava das conversas com o pessoal da Secretaria, eles realmente nos tranqüilizaram." Na Febem, Francisco, já sabendo de sua condição, foi submetido a mais dois testes para detectar anticorpos do vírus HIv. Ambos deram resultado negativo. Nessa altura, tanto o garoto quanto sua mãe já haviam sido procurados por representantes do Projeto Aids. Mais tranqüila, Janice queria seu filho de volta. O Juiz de Menores pediu mais dois exames, que foram feitos no hospital Emílio Ribas. De novo os resultados foram negativos. "Ele ria a toa", conta Janice. Francisco arranjou então um emprego de empacotador num supermercado próximo de sua casa. No primeiro semestre de 1992 freqüentou normalmente as aulas da quinta série, mas resolveu parar de estudar em junho, por não conseguir compatibilizar o horário das aulas com o' do trabalho. Em agosto, perdeu o emprego, mas continua muito bem de saúde. "Eu vou arranjar outro trabalho", diz, confiante. "E não vejo a hora de voltar para a escola." Ele tem certeza de que será sempre bem recebido. Relato de caso / Projeto Aids - SP Que tipo de apoio a escola pode oferecer a seus alunos na área da sexualidade? A cada dia que passa, impõe-se com mais urgência, em nosso país, a necessidade de uma tomada de decisão política clara, favorável à integração no currículo escolar de um Programa de Educação Sexual de conteúdo programático vertical, adaptado às diferentes faixas etárias dos alunos. Infelizmente, pouco tem se falado n.o Brasil, até agora, sobre este assunto. Algumas Secretarias de Educação, como a do Município de São Paulo, por exemplo, têm tomado iniciativas isoladas e realizado algumas experiências-piloto que poderão fornecer subsídios interessantes para o resto do país. Dada a inexistência destes programas, valem as seguintes observações: "Eu tinha pavor de homossexual. Achava uma sem-vergonhice, não gostava nem de chegar perto. Agora, depois daquele curso, já não penso do mesmo jeito. Continuo não gostando, mas aceito um pouco mais. Acho que é uma circunstância da vida." Carmem, 40 anos,servente de escola de 1º grau ∗ O saber é a melhor proteção. Assim como na prevenção da gravidez precoce, também n.o caso da Aids o conhecimento e a capacidade de tomar decisões e fazer escolhas responsáveis são a melhor defesa. ∗ Para tomar decisões e fazer escolhas adequadas, relacionadas à sexualidade, as crianças precisam, além da informação correta, de experiência, auto-estima e confiança em si mesmas. ∗ Desde os primeiros anos de idade, as crianças devem ser educadas para tomar decisões próprias. Oferecendo-lhes alternativas em lugar de diretivas e proibições, estarem.os ajudando-as a tomar decisões responsáveis. 58 ∗ A autoconfiança nos ajuda a fazer escolhas saudáveis. As crianças não devem ser humilhadas, ridicularizadas ou reprimidas quando manifestam dúvidas relacionadas à sexualidade, à reprodução e às funções .orgânicas, ou quando brincam ou falam de sexo. Infelizmente, quanto mais querem.os que as crianças aprendam alguma coisa importante (como, por exemplo, cuidado ao atravessar a rua), ao invés de instruir e dar meios, tendem.os a proibir e a dar ordens. Broncas e autoritarismo, assim como a humilhação e o ridículo, confundem as crianças e diminuem sua capacidade de decidir livremente quando pressionadas pelas circunstâncias. Em lugar de exercer autoritarismo, a escola deve reforçar a auto-estima e a autoconfiança respondendo francamente e honestamente a todas as perguntas que lhe são apresentadas. É a autoconfiança que vai ajudar as crianças a dizer não a uma relação sexual para a qual não se sentem seguras e a resistir à pressão de colegas que lhes oferecem drogas. O que deve fazer a direção da escola se souber que um aluno/a que está com HIV/Aids está namorando um outro aluno/a? Para o/a diretor/a da escola qualquer intervenção nesta questão de foro íntimo deve ser alvo de cuidadosa reflexão. Nestes casos, a manutenção do sigilo é especialmente conflituosa. Sem quebrar o devido sigilo, o ideal nestes casos é sugerir ao/à aluno/a que está com HIV uma conversa da qual participe também seu/sua namorado/a. Caso o/a aluno/a que está com HIV/Aids não concorde com uma conversa deste tipo, o/a diretoria da escola pode/deve avisá-lo de que irá conversar com seus pais sobre o problema. Normalmente, estas situações se resolvem com relativa facilidade, se a ênfase for dada ao diálogo e não à repressão, à solidariedade e não ao julgamento moral. De todas maneiras, mais uma vez, o/a diretoria terá, numa situação deste tipo, um excelente motivo para promover debates abertos (sem mencionar o caso específico) sobre a Aids, suas formas de prevenção e de contaminação. O que deve fazer a direção de uma escola com relação aos alunos que sabe serem consumidores de drogas intravenosas? É fundamental lembrarmos que não são as drogas em si que transmitem o vírus da Aids. O vírus se transmite, isto sim, através do sangue que fica retido nas seringas e agulhas utilizadas por mais de uma pessoa. A problemática do uso de drogas se relaciona, mas não deve ser confundida com a questão da Aids. Nos contatos com alunos que usam drogas injetáveis é fundamental termos objetivos claros. Uma coisa é querer ajudar estes alunos a abandonar o consumo de drogas, outra é querer ajudá-los a evitar a transmissão pelo HIV. Normalmente, a direção da escola se preocupa apenas com aquilo que acontece dentro dos limites da instituição. A epidemia da Aids veio, contudo, exigir dos educadores um outro tipo de atitude e intervenção. 59 Também aqui, o diálogo pode ser a chave de uma intervenção bem sucedida. A direção da escola, apesar de só se responsabilizar por fatos que ocorram no espaço institucional, deve procurar estabelecer um contato individual com cada um destes alunos/as para adverti-los do perigo que a Aids representa para eles. Nesta ocasião, ênfase deve ser dada aos cuidados que os alunos- devem tomar para a prevenção da Aids (desinfecção de seringas e uso de seringas e agulhas, individuais), caso não consigam superar a dependência de drogas e deixar de consumi-las. Discriminar e perseguir os alunos que usam drogas, ou mesmo denunciá-las às autoridades policiais, será de pouca utilidade para a prevenção da Aids na escola. Este tipo de atitude rompe qualquer relação de confiança que ainda possa existir entre estes alunos e a escola. Relegados à clandestinidade, sem acesso a instituições (a escola e a família) e pessoas (diretores, professores e pais) que os podem informar, aconselhar e ajudar, os alunos que usam drogas estarão mais do que nunca expostos ao risco de contaminação e afastados de comportamentos preventivos. 60 ANEXO 1 HIV e Aids: botando os pingos nos "is" O HIV e o desequilíbrio do sistema de defesa natural do organismo Ao contrário das bactérias, que se reproduzem livremente na corrente sanguínea, os vírus são parasitários e só se reproduzem através de sua fusão genética com determinadas células do organismo humano ou animal. O HIV (vírus da imunodeficiência humana que provoca a Aids), por exemplo, liga-se, para sua multiplicação, ao linfócito T4, que é uma célula da maior importância para nosso sistema de defesa contra doenças e infecções. Quando o vírus penetra no linfócito T4, integra seu material genético aos cromossomos do linfócito, o que o leva a produzir novos vírus do tipo HIV. Quando vários vírus deixam a célula hospedeira (o linfócito T4 que foi parasitado) , levam um pedaço de sua membrana, ficando completos e estando prontos para penetrar em outras células do tipo T4. Quando vários vírus deixam a célula hospedeira, ocorre a sua morte por lesão externa da membrana. A destruição de uma quantidade importante de células T4 leva ao desequilíbrio do Sistema de defesa natural, deixa-nos vulneráveis a todo tipo de infecções e doenças e pode levar à Aids. Qual a diferença entre HIV e Aids? É errado dizer que uma pessoa "pegou Aids". Ninguém "pega Aids". O que se pode contrair é o HIV - o vírus que enfraquece nossas defesas naturais e pode nos deixar vulneráveis a um conjunto de infecções e doenças. O HIV é transmissível, a Aids não. Dizemos que uma pessoa está com Aids quando seu sistema de defesa natural foi largamente enfraquecido e a pessoa está sofrendo de um conjunto de infecções e doenças que não consegue mais curar e que leva, normalmente, à morte. O período que decorre entre a introdução do HIV no organismo humano e o surgimento dos primeiros sinais da Aids (período de latência) pode durar alguns meses, alguns anos ou, possivelmente, prolongar-se indefinidamente sem nunca resultar em problemas de saúde. Se o HIV enfraquecer seriamente o sistema de defesa natural de uma pessoa, esta pessoa poderá passar a sofrer um conjunto de infecções oportunistas (infecções que se aproveitam da vulnerabilidade do sistema imunológico). Nestes casos, falamos de um quadro clínico relacionado à Aids. Este quadro clínico antecede normalmente o desenvolvimento da Aids propriamente dita mas pode se prolongar durante vários anos. As infecções que caracterizam este quadro clínico não acarretam, normalmente, perigo de vida para o indivíduo pois muitas delas podem ser tratadas com sucesso. O desenvolvimento de um "quadro clínico relacionado à Aids" e da Aids propriamente dita depende de co-fatores ainda insuficientemente elucidados pela ciência. Basicamente, é importante saber que uma pessoa que está com HIV não está com Aids mas poderá, isto sim, vir a desenvolver a Aids dentro de um período que dura, em média, oito a 10 anos. Além disto, vale lembrar também que, segundo o Professor Luc Montaigner, cientista que, em 1983, conseguiu isolar pela primeira vez o vírus da Aids, é possível que 10% das pessoas contaminadas possam sobreviver a esta infecção sem nenhum tipo de tratamento. 61 O que é Aids A Aids é uma doença infecciosa muito grave. O seu nome é uma sigla que vem do inglês e que quer dizer: síndrome de imunodeficiência adquirida. A doença destrói os mecanismos de defesa natural do corpo contra muitas infecções causadas por bactérias, fungos e vírus. A doença é causada por um vírus chamado da imunodeficiência humana (ou HIV) que é encontrado basicamente no sangue, no esperma e na secreção vaginal. Como se pega Aids Pode-se pegar Aids através de relações sexuais, se um dos parceiros estiver contaminado. Também se 'pode pegar Aids através do sangue. Por exemplo, se você usa a mesma agulha ou seringa usada por outra pessoa contaminada pelo vírus. Ou ainda .se você recebe uma transfusão de sangue que não tenha sido testado para saber se está contaminado pelo vírus. Quem pode pegar Aids! Qualquer pessoa pode pegar Aids. Até hoje, em muitos países da Europa e das Américas, a doença é mais comum em homens que transam com outros homens, ou em homens que transam tanto com outros homens quanto com mulheres. Outros pegaram a doença partilhando seringas para uso de drogas injetáveis. Muitos pegaram a doença recebendo sangue transfundido. Cresce em todo o mundo o número de casos de homens que só transam com mulheres e o número de casos de mulheres que receberam a doença de parceiros contaminados. Muitos bebês, filhos de mães infectadas, estão nascendo com a doença. Em muitos países, como na África ou no Caribe, a Aids já atinge o mesmo número de mulheres do que de homens. Como não se pega Aids A Aids é menos contagiosa do que a gripe ou o resfriado. O vírus só entra no corpo através de um contato sexual íntimo ou através da mistura de sangue. Uma pessoa contaminada pelo vírus pode não ter nenhum sintoma durante anos. Mas, mesmo assim, pode transmitir o vírus para outra pessoa. Uma parte das pessoas que estão contaminadas pelo vírus ficam doentes. O vírus da Aids não se transmite através de contatos diários, na convivência do dia-a-dia com o portador do vírus ou com o doente. Você não precisa ter medo. Você deve saber que: ∗ você não pega a doença vivendo junto de um infectado ou de um doente; ∗ você não pega Aids usando piscinas, saunas, indo a bares ou restaurantes, salas de ginástica, escolas, ou qualquer lugar público; ∗ você não pega Aids usando a mesma pia, o mesmo banheiro, a mesma privada, a mesma cama de um infectado ou de um doente; ∗ você não pega Aids comendo a comida preparada por alguém doente, nem se compartilhar copos, talheres, e pratos com essa pessoa; 62 ∗ a Aids não se transmite por picadas de insetos; ∗ a Aids não se transmite através de espirros ou de tosse; ∗ você não pega Aids se apertar as mãos de um doente; a Aids não se transmite através de abraços, carinhos ou beijos; ∗ você não pega Aids se ajudar uma pessoa com Aids. Como você pode evitar a Aids É possível continuar fazendo amor, sem perigo de pegar Aids. Em primeiro lugar, em todas as suas relações sexuais tenha bastante precaução. Isto quer dizer: ∗ Use corretamente a camisinha toda vez que transar, e durante todo o tempo da relação. Evite sempre o contato com esperma. Não se esqueça: em qualquer transa, use sempre camisinha. Leve sempre consigo algumas, para qualquer eventualidade. E use-as! ∗ Procure evitar todo tipo de transa que possa provocar algum arranhado, qualquer machucado ou sangramento. ∗ Evite sempre que possível receber transfusão de sangue, ou injeções ou tratamentos em serviços de saúde de lugares que não tenham um bom controle sanitário. ∗ Evite ser tatuado se não tiver certeza da higiene do tatuador. ∗ Nunca partilhe agulhas ou seringas. A Aids tem cura? Até o momento não há cura para a Aids. Ainda não. existe nenhuma vacina contra a doença. Vai demorar ainda algum tempo para aparecer uma vacina ou uma cura definitiva. Há, entretanto, tratamentos para as doenças que atingem as pessoas com Aids. Como se trata de uma doença muito grave, que muitas vezes é mortal, os doentes necessitam de grande apoio e solidariedade. É preciso saber evitar o medo, o pânico e os preconceitos. Amizade, carinho e solidariedade são grandes armas que temos para combater a Aids. Estar bem informado é essencial. Informe-se e informe seus amigos e familiares. Combata a ignorância. Auxilie na luta contra o pânico e os preconceitos. Valorize sempre a vida. 63 ANEXO 2 Portaria 3.398 de 24 de maio de 1991 O Secretário Municipal de Educação, no uso de suas atribuições legais, resolve: 1- O horário cumprido além da jornada semanal, pelos professores envolvidos nos projetos especiais devidamente aprovados pelos Núcleos de Ação Educativa, deverá ser apontado em folha de pagamento pela Unidade Escolar, de acordo com o Manual de Apontamentos, Manual do Secretário de Escola. 1.1- Os monitores e professores de Educação de Adultos, admitidos, utilizarão a complementação de Carga Horária(C.C.H.) para participarem de atividades dos projetos especiais. 1.2- Os professores substitutos de 1º grau, Nível I (eventuais), poderão participar dos projetos especiais, em conjunto com os professores de seu período, de acordo com o projeto da escola, sem prejuízo do seu turno de substituição. 2- Estabelecer o limite mínimo de 2 (duas) e máximo de 10 (dez) horas semanais de trabalho em projetos especiais, para cada professor, independentemente de acumulo de cargos. 2.1- Para efeitos desta Portaria e organização das unidades escolares, a hora de trabalho em projetos especiais, equivale a quarenta e cinco minutos. 2.2- A participação do professor em mais de um projeto especial será possível, desde que respeitado o limite fixado no item 2. 2.3- Nas unidades escolares envolvidas em vários projetos especiais o limite de horas fixado no item 2 poderá ser alterado desde que devidamente analisado e aprovado pela Diretoria de Orientação Técnica e o respectivo Núcleo de Ação Educativa. 3- Caracterizam-se como projetos especiais aqueles indicados na Portaria 367, de 30 de janeiro de 1991, bem como os Grupos de Formação nas unidades escolares. 4- As aulas destinadas aos projetos de Recuperação Paralela das unidades escolares, devidamente aprovados pelos respectivos Núcleos de Ação Educativa, deverão ser apontadas em folha de pagamento, além da jornada semanal, não entrando no cômputo das horas destinadas aos demais projetos especiais. 5- Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Portaria 4.234, de 19 de junho de 1991 O Secretário Municipal de Educação, no uso de suas atribuições legais, resolve: 1- O item 1.2 da Portaria 3.398, de 24 de maio de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação: 1.2- Os Professores Substitutos de Educação Infantil e de 1º grau, Nível I (eventuais), poderão participar dos projetos especiais, em conjunto com os professores do seu período, de acordo com o projeto da escola, sem prejuízo do seu tu mo de substituição. 2- Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos a 25 de maio de 1991. 64 Gabinete do Secretário Comunicado 41/91 A Coordenação do Projeto Aids da Secretaria Municipal de Educação convida os educadores e funcionários das Unidades Escolares do Núcleo de Ação Educativa - 9 a fazerem curso de treinamento para formação de multiplicadores em DST/Aids a ser realizado no período de 18 a 22 de novembro. Este curso visa instrumentalizar os educadores no enfrentamento da problemática que envolve a doença do HIV, no cotidiano da escola. Será ministrado para duas turmas, a saber: 18 vagas para o horário das 15:00 às 19:00 horas e 18 para o horário das 19:30 às 22:30 horas. As inscrições deverão ser feitas pelo telefone 944-6413 ou 9444314. Além das 18 vagas há mais quatro (duas para cada horário) destinadas aos funcionários e/ou educadores do NAE. Haverá dispensa de ponto. O temário a ser desenvolvido através de sensibilização é o seguinte: 1 dia - Contexto psicossocial da Aids 2 dia - A morte para o infectado pelo HIV, as drogas endovenosas e a Aids. 3 dia - Sexualidade e Aids 4 dia -Informações técnicas sobre Aids e DST 5 dia - O paciente HIV e o cotidiano da escola. Gabinete do Secretário Convocação O Secretário Municipal de Educação, no uso de suas atribuições legais, Convoca os professores e servidores operacionais que participaram do Curso de Multiplicadores em DST/Aids nos Núcleos de Ação Educativa - NAE 3, 4, 7, e 9, bem como os professores que estão atuando no Projeto de Orientação Sexual, para comparecer nos dias 10 e 11 de dezembro de 1991, ao Seminário Aids, compartilhando o desafio, conforme cronograma anexo a esta convocação. Será fornecido aos participantes comprovante a ser entregue na Unidade Escolar para fins de apontamento de freqüência dos servidores ora convocados. 65 ANEXO 3 Anexo da Portaria Interministerial 796, de 29.05.92 Aids nas escolas Introdução Há preocupação legítima por parte de pais, professores, funcionários e até das próprias crianças, em escolas de primeiro grau, quanto a eventuais riscos de transmissão do vírus da Aids no ambiente escolar. Os mecanismos de transmissão permitem, com grande margem de certeza, qualificar como desprezível o perigo no que se refere às crianças que ainda não iniciaram atividade sexual ou encontram-se em idades nas quais o uso de drogas pela via endovenosa é muito pouco freqüente: o vírus da Aids (HIV) é transmitido através do sangue, do relacionamento sexual e de gestante infectada para seu filho. Não há nenhum caso rigorosamente documentado, no mundo, de propagação no convívio escolar, sem a interveniência do uso de drogas ou do contato sexual. A literatura médica é consensual no sentido de que a convivência com o indivíduo portador do vírus da Aids, no âmbito familiar ou em lugares de trabalho, clubes, escolas e outras comunidades sociais, afigura-se plenamente admissível. Observações decorrentes do que vem sucedendo em alguns países, há pelo menos cinco anos, atestam a inocuidade desses tipos de convívio. Medidas habituais de higiene, inclusive nos sanitários de uso comum, devem ser respeitadas. Situações nas quais pessoas podem se expor a sangue de contaminados, tendo igualmente lesões de tegumento cutâneo, oferecem riscos potenciais; todavia, elas não são mais freqüentes nas escolas do que na vida civil de um modo geral, já que acidentes acontecem em todos os locais onde tem lugar atividade humana. Outras infecções, além da provocada pelo HIV, podem ser transmitidas pelo sangue. A hepatite, pelo vírus B, por exemplo, nunca mereceu destacada atenção e nem causou episódios de pânico e discriminação, o que mostra não ser racional nem uma coisa nem outra, quando está em foco a Aids. Diante desses fatos, é judicioso que as escolas do primeiro grau preparem-se para a implantação de precauções pertinentes ao sangue, envolvendo todos os alunos, sem nenhuma preocupação com informações advindas de exames sorológicos. Qualquer ocorrência precisa ser manuseada com cuidado, para que o sangue não entre em contato com quem presta atendimento e isso implica no uso de luvas descartáveis. O sangue deixado no lugar requer cobertura com álcool a 70%, por dez minutos, ou hipoclorito de sódio a 1% (ver nem IV- superfícies não corpóreas), igualmente durante dez minutos para inativar possíveis vírus presentes, só devendo ser removido depois da adoção desta providência. São essas, aliás, as normas seguidas por médicos e seus colaboradores em tarefas assistenciais, assim como por bombeiros, policiais e outros profissionais que não raramente podem ter contato com sangue, em virtude das exposições a que ficam sujeitos. Secreções e excreções (saliva, suor, lágrima, fezes e urina), excluídos o sangue, o esperma e secreções vaginais, não geram risco palpável, inexistindo relatos de contaminação por intermédio delas. Precauções simples e rotineiras de higiene em relação às secreções ou 66 excreções, nas escolas e em quaisquer outras situações de convivência, são suficientes para se eliminar qualquer risco, mesmo teórico, de contaminação. As precauções indicadas nesta instrução possuem da mesma forma o valor de prevenir outras moléstias potencialmente transmissíveis por sangue, além da infecção pelo HIV; não dependem de custosos investimentos ou de materiais complexos, estando ao alcance de qualquer escola. 67 ANEXO 4 “AS INFORMAÇÕES CONTIDAS NESSE ANEXO ENCONTRAM-SE DESATUALIZADAS”. 68 REFERÊNCIAS Caderno SINPRO - ANO I, número 1, junho/1992, Sindicato dos Professores de São Paulo. Consensus Statement on Aids in Schools, World Consultation of Teachers International Organizations em associação com as OMS/UNESCO/OIT Jornais - Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo, Folha da Tarde, Estado de São Paulo The Global News/3.6.1992 Revista Nova Escola - ano VII 63/dezembro/1992, Fundação Virar Civita Nº Folheto - "Qual é o porto seguro contra a Aids?" - ABIA, novembro/1991 Hablando con los niños sobre el sida - Guia Metodológico (un programa para los padres y otros adultos intersados en el tema) - Jennifer Tiffany/Donald Tobias/ Arzeymah Raqib/Jerome Ziegler - Parent Aids Project Department of Human Service Studies Cornell Cooperative Extension Dossiê 2 assistência - Texto Aids pediátrica Norma Rubini. Grupo Pela Vidda/RJ e Niterói Dezembro/1992 Projeto Aids/Secretaria Municipal de EducaçãoSP Daniel Herbert, Vida antes da morte - 1989 Aids Policy Coalition, Ministério da Saúde, Programa Nacional DSTS/AIDS, Boletim Epidemiológico. 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