COUNSELING - UMA NOVA FORMA DE FAZER TERAPIA: UMA

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COUNSELING - UMA NOVA FORMA DE FAZER TERAPIA: UMA
COUNSELING - UMA NOVA FORMA DE FAZER
TERAPIA: UMA ANÁLISE À LUZ DA
ABORDAGEM ROGERIANA CENTRADA NA
PESSOA
Patricia Carla Carvalho Sobral
Orientadora: Mércia Melo Silva
Resumo: A análise proposta pelo presente artigo traz à luz as diversas
possibilidades da experiência humana e a capacidade de existir e conduzir as
próprias escolhas diante das múltiplas exigências materialistas do mundo
contemporâneo. Através de uma nova proposta de ajuda ao enfrentamento desta
realidade contingente, surge o Counseling. Um novo conceito de terapia breve
baseada nos fundamentos e princípios da Abordagem Centrada na Pessoa de
Carl Rogers, onde toda a atenção é concentrada na pessoa, e a qualidade do
encontro proporciona condições favoráveis para um desenvolvimento rumo ao
autoconhecimento. Perceberemos a sutileza com que essas duas abordagens
agem revelando o quanto elas estão em sintonia e como atualmente se fazem tão
necessárias para o resgate dos verdadeiros valores humanos e existencialistas,
tão ausentes em nossa atual sociedade.
INTRODUÇÃO
Diante das urgências da atual vida contemporânea o
homem se percebe cada vez mais adentrando num vazio existencial
e isso se agrava ainda mais pelas exigências da sociedade e pela
materialidade dos valores humanos. Os princípios que permeiam as
relações humanas estão se esvaindo e sendo colocados em segundo
plano pelas próprias pessoas, que se tornam muitas vezes distantes
do outro e de si mesmas. Rogers, a partir do desenvolvimento de
sua teoria e psicoterapia centrada na pessoa nos traz à reflexão esses
valores humanos tão ausentes em nossa sociedade. Orienta e alerta
para os movimentos e atitudes que possam levar duas pessoas ou
mais a se encontrarem, no sentido do encontro pessoal e humano,
onde não são definidos papéis, mas sim o contato entre duas
pessoas, numa relação de presença e autenticidade. Baseado nesse
encontro descrito e orientado por Rogers surge uma nova definição
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de ajuda, que por muitos já deve ser utilizada, mas que atualmente
vem se tornando formalmente uma profissão desejada e procurada
por muitas dessas pessoas que vivem em meio a esse mundo
coletivizado e impessoal, no qual dando-se conta do seu desconforto
procura nesse profissional uma luz que possa guiá-la num novo
caminho, o counseling. Um termo inglês que pode ser traduzido em
nossa língua como aconselhamento, e que entre muitas definições,
segundo adotou a EAC (Associação Européia de Counseling), “é o
processo interativo entre o counselor e um cliente, ou mais clientes,
que aborda com técnicas holísticas temas sociais, culturais,
econômicos e/ou emotivos. Pode concentrar-se sobre o modo de
enfrentar e resolver problemas específicos, favorecer um processo
decisório, ajudar a superar uma crise, melhorar os relacionamentos
com os outros, facilitar o desenvolvimento, aumentar o
conhecimento, a consciência de si e permitir a elaboração de
emoções e conflitos interiores”. Levando em consideração
princípios, conceitos e influências da filosofia e psicologia
humanista o counseling traz a proposta de um encontro centrado na
pessoa, no qual o que importa é como a pessoa se vê e se coloca
diante de seus mais íntimos e emergentes desejos, como ela se sente
em relação ao que a sociedade exige dela, qual o nível de contato
consigo mesma, como ela se escuta e como se aceita diante do
mundo exteriorizado.
A proposta deste artigo é mostrar como a ACP rogeriana e
o counseling se unem de uma forma tão sutil que até parecem ser
uma só. Os princípios, as atitudes, os objetivos, o encontro com a
pessoa, a utilização de técnicas e atitudes de intervenção de forma
perspicaz e empática procurando acolher, guiar, compreender e criar
um ambiente cada vez mais propício para que o cliente seja o mais
autêntico que ele puder estão em constante interação. Na
psicoterapia, o tempo a ser utilizado para o processo de cura e
restruturação é desconhecido enquanto que no counseling as
questões abordadas são as mais emergentes do cliente e um trabalho
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mais profundo requer um encaminhamento para um outro
profissional mais adequado para continuar o processo.
I-CONGRUÊNCIA E INCONGRUÊNCIA
A atitude congruente é estimulada em todo o processo de
counseling, assim como para a ACP rogeriana a questão é muito
importante, pois demonstra o quanto a pessoa é consciente de seus
desejos e anseios refletindo isso no seu discurso. Mas, para que esse
ideal seja alcançado exige-se todo um caminho a ser percorrido
através do guia counselor, ajudando o indivíduo a trazer
gradativamente esses desejos para a sua consciência. O estado de
incerteza, de desconhecimento de si mesmo, de confusões internas,
tensões e ansiedades com que o cliente chega demonstram muitas
vezes sua incongruência de pensamento e discurso. O terapeuta,
segundo Rogers, deve atentar bem para isso e perceber qual é esse
grau de incongruência apresentado pelo cliente, até que ponto seus
desejos e atitudes são conscientes. De forma acolhedora e empática
o terapeuta deve entrar nesse mundo subjetivo da pessoa, não para
julgá-la ou encontrar uma alternativa, mas para compreendê-la
melhor, em seu sofrimento e em suas angústias.
As angústias vivenciadas pelas pessoas geralmente são
decorrentes dos conflitos internos em relação ao que o mundo
espera do indivíduo e à possibilidade ou impossibilidade que ele
sente de atender a essa expectativa. Essa sensação de incapacidade é
decorrente das relações humanas ignoradas e colocadas em segundo
plano, tornando o ser fragmentado e coletivizado devido à
necessidade de ser aceito e reconhecido como igual, dentre tantos
outros, tornando-se um ser apático e desequilibrado consigo mesmo.
Como conseqüência desse desequilíbrio a pessoa se afasta cada vez
mais de si mesma e daí começa a ser incongruente, não expressando
o que realmente está sentindo, pensando ou experienciando.
Na medida em que o processo de counseling vai evoluindo
e o encontro, segundo Rogers, entre duas pessoas vai criando um
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clima de confiança e autenticidade, a tomada de consciência do
indivíduo de seus pensamentos e desejos se torna cada vez mais
evidente e ele vai se dando conta de um terreno perigoso e
ameaçador. Contudo, percebe também que só experienciando esses
sentimentos conseguirá se conhecer melhor. Daí qual o processo de
congruência se torna gradativo e o discurso do cliente vai entrando
em acordo com seus desejos e anseios, e ele passa a aceitá-los como
seus e não como algo externo a ele. Quando o cliente se percebe
experienciando esses sentimentos plenamente, a imagem do Eu, do
Self ,vai mudando de maneira a permitir a integração de elementos
de suas experiência que haviam sido deformados ou negados. É o
que a ACP conceitua como uma “gestalt organizada e consciente”
proveniente do processo de construção e desconstrução, na medida
em que as situações vão mudando na vida do indivíduo,
reformulando o seu autoconceito, baseado em suas experiências
passadas, estimulações presentes e expectativas futuras.
II-AUTOCONHECIMENTO
Esse caminho só é possível de ser percorrido se quem está
guiando, seja o terapeuta ou o counselor, propicie um ambiente
favorável de aceitação, escuta, sintonia, acolhimento e compreensão
ao cliente, para que a partir das suas próprias potencialidades ele
seja capaz de ajudar a si mesmo. Para tanto, é importante também
um trabalho pessoal e contínuo desse profissional , no sentido de
conhecer melhor seus próprios entraves para assim reconhecer em si
mesmo alguma incongruência ou desconforto trazidos pelo cliente.
Esse trabalho pessoal, já enfatizava Rogers, é de grande importância
para que o comportamento de congruência do terapeuta seja
autêntico, de forma que ele possa harmonizar e integrar a
experiência e a consciência de sua comunicação. Só desta forma o
counselor poderá apresentar um contínuo comportamento autêntico
construindo na relação um sentimento de confiança e segurança.
Segundo Rogers, esse comportamento congruente leva o terapeuta,
assim como o counselor a sentir verdadeiramente a experiência, a
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perceber como está sentindo a experiência, a aceitar o que está
percebendo, e por fim manifestar a experiência tal como ela é
aceita, expressando como a pensa e a sente. Essa atitude do
terapeuta precisa ser reconhecida pelo cliente para que, a partir do
reflexo de si mesmo, no counselor ou terapeuta, o cliente possa
perceber também suas incongruências e saber avaliá-las
adequadamente. E, enfatizando ainda mais a questão da preparação
deste profissional vale destacar que a autora (Danon, 2000) afirma
que no counseling, diferentemente do que ocorre em outras
profissões, a preparação pessoal é prioritária, porque, enquanto a
técnica se pode sempre adquirir, modificar, aperfeiçoar, assim como
se podem inventar modos novos de conduzir uma conversa, as
qualidades humanas de quem está atuando são os elementos mais
importantes para ativar em outra pessoa o processo de crescimento.
O objetivo maior do counseling é centrar na pessoa toda a
atenção do processo. Não é mais a superação do sintoma, como em
algumas terapias, mas a maior independência e integração do
indivíduo. E, para proporcionar ajuda a esse indivíduo em
crescimento, o counselor deve estar preparado para lidar com
diversas situações trazidas pelo outro, que podem lhe parecer
totalmente desconhecidas como também desconhecidas por mesmo.
Nesse momento surge a importância de se ter trabalhado
anteriormente para que não se confunda a situação trazida pelo
cliente com algo identificado ou vivido pelo próprio counselor.
Rogers define esse encontro como um momento de mudança e não
o preparo para uma mudança, por isso não apenas se requer um
preparo profissional do counselor para tal, mas também, devem ser
consideradas as suas qualidades humanas.
O counselor deve desenvolver em si a habilidade de
escutar, mas não simplesmente uma escuta passiva, como ocorre em
algumas terapias, mas uma escuta atenta às mensagens verbais e
não verbais, aos sentimentos e aos pensamentos expressos pelo
cliente, compreendendo o que é dito e como é dito e ainda o não
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dito. É um escutar sincero, participativo, sem pretensão de traçar
um diagnóstico ou simplesmente resolver o problema. O counselor
deve se mostrar verdadeiramente ao outro para que preconceitos,
temores, expectativas e estereótipos sejam quebrados e este possa
entrar em sintonia com o terapeuta.
Esse processo de estar com o outro num encontro,
considerando sempre o interlocutor como uma pessoa, procurando
entrar no seu estado de espírito e compreendendo sua posição faz
com que o counselor crie um estado de empatia com o cliente. A
empatia é uma característica essencial ao counselor e ao processo
propriamente dito. Pois, é através do exercício da empatia
trabalhada pelo counselor que este se torna capaz de acolher e
compreender a experiência subjetiva do cliente, colocando-se em
seus planos e olhando as coisas do seu mesmo ponto de vista, sem
que com isso ele se identifique com o outro, pois desta forma o
counselor poderia perder a consciência da sua própria
individualidade. Ressaltemos que, por mais que a vida do cliente
seja semelhante à do counselor, ele não pode querer sobrepor as
duas experiências e deixar de ser objetivo. No processo de
counseling, assim como na ACP, a empatia tem uma função
catalisadora do processo de crescimento retomando a confiança do
cliente em si mesmo.
É importante também que exista, acima de tudo, por parte
do counselor no desenvolvimento dos encontros, o respeito pelo
indivíduo. E a consciência de que a pessoa que por ali passar deve
ser considerada como única e irrepetível, e que cada situação trazida
por ela é diversa e requer um acolhimento livre de preconceitos ou
interpretações. Mesmo se valendo de técnicas e teorias anteriores, o
counselor nunca deve se esquecer da unicidade de cada caso e
sempre acolher o outro com toda a dignidade que lhe é devida. O
counselor deve também atentar para duas atitudes: uma é ver o
cliente como ele é, respeitando e aceitando o seu sofrimento, a sua
depressão, o seu desconforto, o seu modo de se perceber e de
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perceber o mundo, sem desvalorizá-lo. Através desse procedimento
o counselor passa a perceber e sentir que não é obrigado a fazê-lo
sair o mais rápido possível de um determinado estado de espírito
que o incomoda, respeitando também os limites e os tempos,
observando se o cliente está preparado para seguir um atalho, ou se
ele ainda necessita de uma preparação para enfrentar certas
situações. Assim também o counselor deve deixar crescer dentro de
si a visão do que o cliente poderia vir a ser, se removidos os
principais obstáculos. Esta atitude permite que o counselor acredite
verdadeiramente nas possibilidades do cliente, propiciando um
clima positivo na relação, o que Rogers conceituou de consideração
positiva.
O trabalho de autoconhecimento do counselor é necessário
e essencial para que, antes de guiar pessoas nos estranhos e
misteriosos caminhos do autoconhecimento, ele também já esteja há
um bom tempo familiarizado com esses caminhos, assim como com
seus possíveis obstáculos e dificuldades. O treinamento e a
exploração de seu próprio mundo interior são o que o torna capaz de
guiar outros nesse percurso. Mas, que fique claro que esse
crescimento pessoal do counselor não deve necessariamente chegar
a uma perfeição, isto porque ele não é um super-homem, ao
contrário, antes de qualquer coisa ele é uma pessoa como outra
qualquer atenta aos relacionamentos humanos, pois é sensível à
complexidade da própria interioridade. O mais importante neste
processo é que ele se conheça cada vez mais e que tenha a
possibilidade de identificar suas áreas de vulnerabilidade, para a
partir daí poder distinguir as suas situações pessoais das do cliente,
e até mesmo saber o momento certo de encaminhá-lo para outro
profissional.
III-LIBERDADE EXPERIENCIAL
Através de um ambiente seguro e acolhedor criado pelo
counselor na relação de ajuda, o cliente começa a experienciar
momentos de liberdade em que ele pode ser autêntico e pode
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expressar com palavras, gestos e mímicas tudo o que pensa e sente,
sem repressões ou julgamentos. É percebendo essa liberdade que o
indivíduo se torna capaz de entrar num processo de exploração de
sua personalidade, reconhecendo em si mesmo suas incongruências,
de forma que possa avaliá-las e reelaborá-las, representando suas
experiências na consciência adequadamente. É primordial que no
início do processo de counseling, a liberdade seja a primeira
qualidade a ser despertada no indivíduo, para que só a partir daí ele
possa crescer.
E, sendo ainda mais claro, todo o processo de counseling
deve ter como base de concepção e aplicação, a liberdade do
indivíduo de autodeterminar-se, de compreender suas convicções,
atitudes e comportamentos que modelam os acontecimentos de sua
vida e assim modificá-los quando necessário.
Quando a liberdade se torna plena de pensamento, de
expressão e de ação, desperta a capacidade de criatividade do
indivíduo, ativando em conjunto a sua imaginação e daí sua atitude
de elaborar novas possibilidades. O cliente passa a agregar ao seu
crescimento uma capacidade cada vez maior de perceber ao seu
redor uma realidade não só por aquilo que é, mas também por
aquilo que poderia vir a ser. A partir daí despertar para uma
criatividade de cada dia, ativar novos modos de responder à
realidade contingente, aprendendo a não generalizar e automatizar o
pensamento, e a ser livre valorizando a unicidade de cada
experiência.
Só a partir dessa liberdade e criatividade conscientes o
indivíduo é capaz de assumir a responsabilidade de suas escolhas,
tornando-se consciente de que é responsável pelo próprio destino e
que este é construído a cada momento experienciado, de acordo
com o seu modo de pensar e de agir diante das situações e dos
outros através de suas próprias atitudes. É importante que o
counselor guie o seu cliente para o entendimento de que ele não está
ligado deterministicamente à sua infância, à educação ou às
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experiências passadas, mas que tem uma margem de autonomia
sobre sua própria vida.
IV- CONSIDERAÇÃO POSITIVA
CIONAL PARA CONSIGO
INCONDI-
Segundo Rogers, a qualidade das avaliações proveniente
dos outros pelas quais o indivíduo passa ao longo de sua vida e
principalmente durante a sua infância, influencia diretamente o
distanciamento entre as experiências do organismo e as experiências
do Self. Isto significa que, se essas avaliações sempre tivessem um
sinal positivo, o que ele chamou de consideração positiva
incondicional, esse distanciamento se tornaria inexistente e as
experiências simbolizadas que constituem o Self espelhariam
fielmente as experiências do organismo, e desta forma não existiria
incongruência entre a tomada de consciência do indivíduo e o
campo fenomenal (totalidade de experiência). Quando esse ideal é
percebido, Rogers diz que a pessoa é ajustada, madura e funciona
de modo completo, enquanto que a incongruência entre o Self e o
organismo faz com que os indivíduos se sintam ameaçados e
ansiosos. Ele diz ainda que se a experiência do indivíduo fosse
apenas consideração positiva incondicional, ele não desenvolveria
nenhuma condição de valor, e a auto-estima seria incondicional, e
essas duas jamais discordariam da avaliação organísmica, e o
indivíduo funcionaria de modo completo.
Essas avaliações são provenientes dos pais e de outras
pessoas que durante a infância classificam o comportamento da
criança como aceitável e inaceitável. Isso provoca nela o desejo de
ser aquilo que esperam dela e não o que realmente sente que deve
ser. A criança tende a atender às expectativas positivas, mesmo que
estas não signifiquem uma melhora organísmica. O
desenvolvimento do indivíduo é construído em torno de situações e
comportamentos esperados os quais muitas vezes são conflitantes
com a forma como ele pensa ou elabora seus desejos. Em
conseqüência, a pessoa se torna um ser incongruente e cada vez
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mais distante de si mesmo e ainda tem que lidar com as exigências e
expectativas sociais que provocam ansiedades e angústias
demasiadamente incompreendidas por ele mesmo, o que representa
uma brecha entre o Self e o organismo.
Esse desconforto existencial é que impulsiona o indivíduo
a procurar ajuda. freqüentemente o counselor se depara com
situações trazidas por esses organismos conflitantes. Por isso a
necessidade do encontro ocorrer nas melhores condições de
acolhimento e aceitação. A importância de demonstrar uma
consideração positiva independente do que o outro esteja trazendo
dentro de si ou do que ainda está por vir no decorrer do percurso. A
consideração positiva provoca uma sensação de conforto e
confiança naquele que está se propondo a ajudá-lo. Todas as
condições favoráveis proporcionadas nos encontros de counseling
permitem que o indivíduo gradualmente entre em contato com seus
sentimentos e pensamentos antes reprimidos e incompreendidos
pelos outros e por si mesmo, e que inutilmente em situações
passadas, foi forçado a eliminar de sua consciência, provocando
com isso conflitos interiores incompreendidos e que precisam vir à
tona para serem representados adequadamente na sua consciência.
Esses comportamentos e sentimentos devem ser percebidos
novamente pela pessoa e analisados e avaliados em sua atual
realidade, tornando-se significativo para si mesmo e assim se
tornando ele uma pessoa ativa e centrada em sua própria
experiência e não na dos outros, como aprendeu no passado. Daí
seu cliente, à medida do seu desenvolvimento mediante o processo
de counseling, passa a considerar positivamente a si mesmo e as
suas experiências, diminuindo cada vez mais o distanciamento entre
o seu Self e o organismo, resultando na congruência de seu
discurso.
Para que o counselor propicie esse ambiente positivo é
preciso que ele acolha a presente situação existencial do outro que
se apresenta diante de si para, a partir daí, a pessoa em questão se
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sinta aceita em sua totalidade e apreenda também a importância de
se aceitar incondicionalmente dentro de suas possibilidades e
reconhecendo os seus próprios limites. Segundo Rogers, na
segurança do relacionamento terapêutico, o cliente pode ir
assimilando à auto-estrutura aqueles sentimentos antes
ameaçadores, e muitas vezes isso pode exigir uma drástica
reorganização do autoconceito pessoal para que então fique de
acordo com a realidade da experiência organísmica. “Ele será, de
modo mais unificado, aquilo que ele organicamente é, e essa parece
ser a essência da terapia” (Rogers, 1955, p. 269).
V-CRESCIMENTO MÚTUO
É necessário que no processo da ACP o terapeuta esteja
presente na relação, valendo-se desta premissa. O counseling tem
como objetivo maior levar o indivíduo de uma situação de rara
intimidade consigo a uma sempre maior consciência das suas
motivações mais profundas e da possibilidade de diversificar as
respostas habituais, tendo por base as exigências contingentes. Para
tal o counselor deve, através de suas habilidades inerentes e
aprendidas, como a compreensão empática, o acolhimento, o
respeito pelo indivíduo, a escuta ativa, a autenticidade, entre outros
traços distintivos propiciar uma relação de confiança tão pessoal
com o cliente que ele possa tê-lo a princípio como uma referência
para posteriormente descobrir que ele mesmo é o centro de suas
experiências. E isso não seria pleno se o ajudador não se colocasse
também na relação, preservando sua individualidade e ponderando
suas experiências quando necessário. Na medida em que o cliente
percebe que não está sozinho em seu sofrimento, em suas dúvidas e
angústias, ele se sente amparado e confiante em seu percurso de
autoconhecimento. Essa motivação é importante para que o
processo de counseling tenha sucesso pois, quando o terapeuta ou o
counselor se coloca em sua essência, como uma pessoa diante de
outra, todas as barreiras e dificuldades são postas abaixo,
diferentemente quando o cliente está diante do médico ou terapeuta,
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que se coloca a uma distância segura e impessoal, na tentativa de
elaborar ou desenvolver um psicodiagnóstico, e não no intuito de
conhecer e acolher aquele ser em sofrimento, que o procura
suplicando ajuda, mesmo quando isto não é verbalmente colocado.
A sensibilidade de percepção e a concentração no
interlocutor proporciona ao counselor uma compreensão total do
indivíduo, seja pelo que é dito nas entrelinhas, seja pelos gestos e
comportamentos, seja até mesmo pelo que ainda não foi
verbalizado, mas que, a partir de sua perspicaz observação, pode ser
identificado através de sinais que demonstram um sentimento
outrora reprimido ou desconhecido.
Quando o counselor se coloca como participante da
relação, essa presença desencadeia o processo de desenvolvimento,
e é através dessa coparticipação que o cliente começa a entrar em
contato consigo mesmo e a experienciar sentimentos outrora
esquecidos ou recalcados. E ele passa a entrar em contato com seus
pensamentos, desejos, com seu próprio corpo, compreendendo
melhor comportamentos e posturas, assim como com suas emoções,
antes reprimidas. Esse momento de descobertas, e aceitação de si
mesmo propicia ao indivíduo encontrar a congruência ente essas
três instâncias vivenciais  mente, corpo e emoções  para só assim
tornar-se um organismo em sua função plena.
Para que o counselor conduza o indivíduo ao seu
autoconhecimento é preciso que este esteja confiante e tenha
propriedade experiencial desse percurso, ou pelo menos de parte
dele, até porque no início dos encontros não se tem certeza de quais
serão os caminhos a serem seguidos. É através da presença,
autenticidade e das conversas que o counselor vai percebendo como
aquele sujeito pode ser guiado, levando em consideração a
maturidade das suas emoções, a aceitação de suas incongruências, o
desejo de auto-realização e as representações conscientes e
inconscientes de seus pensamentos e da realidade contingente. É
imprescindível também que o counselor se utilize de algumas
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técnicas e recursos para auxiliá-lo nesta condução, contudo, ele não
deve se prender às teorias ou práticas generalistas, mas concentrarse acima de tudo no que está sendo trazido pelo cliente, centrando
todo o processo nas questões existenciais da pessoa. As técnicas são
usadas como ferramentas auxiliares que em alguns momentos se
fazem necessárias, mas que precisam ser conhecidas e se tornaram
primeiramente para terapeuta, para só assim serem aplicadas no
processo de counseling. A confiança e a autenticidade não devem
ser abaladas, pois através de uma demonstração de insegurança todo
o processo terapêutico pode vir por água abaixo. A utilização das
técnicas é muito importante para que mentalmente o counselor
possa, de forma sutil e respeitando o outro, traçar um mapa mental a
ser percorrido com o objetivo de facilitar o crescimento do
indivíduo. Contudo, ele deve ser flexível e não se deixar levar por
modelos inadequados. Essas intervenções são necessárias ao
processo e só através da experiência o counselor ou terapeuta saberá
o momento exato de pontuar uma questão ou utilizar-se de
ferramentas aceleradoras do processo, sem fugir do objetivo maior
que é primeiramente trabalhar a pessoa e depois o problema.
O crescimento desta relação de ajuda requer que o
counselor, munido de suas habilidades e qualidades atue na relação
enfatizando os pontos de força do cliente, centrando-se em suas
qualidades e realizações positivas, sem focar na problemática
trazida por ele. Ele deve permitir que o cliente se veja sob uma nova
perspectiva, destacando o que está dando certo em sua vida e como
ele se projeta em seu futuro, planos, sonhos e realizações. O
counselor deve acompanhar o cliente nesse crescimento,
objetivando o contato maior com a realidade, com a sua vida
cotidiana e as possibilidades concretas, não motivar fantasias e
ilusões irreais, pois o counseling precisa proporcionar a aceitação da
realidade e como ela pode ser representada positivamente na
consciência do indivíduo.
Um outro momento muito importante no counseling é
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quando o problema é trazido à luz e o counselor procura, por meio
de intervenções e estratégias, conduzir o cliente a encontrar a
melhor resolução possível. Para que isto seja possível, é preciso que
a atitude em relação ao problema seja modificada, diminuindo a
ansiedade. O counselor deve concentrar-se no que o indivíduo é
agora, nas suas experiências passadas, e dirigir toda a energia para o
futuro, questionando o que possa estar querendo emergir com essa
dificuldade. Deve permitir que o cliente reflita sobre seus anseios e
perspectivas futuras.
É necessário que o counselor não apenas guie, mas esteja
ao lado do cliente, crescendo junto com ele no percurso do seu
autoconhecimento, exercitando a sua vontade e despertando a
propriedade de suas escolhas, e de ser ele mesmo diante das
cobranças e expectativas do mundo exterior. E, quando na relação o
cliente vai se percebendo como independente e protagonista de suas
escolhas, sendo congruente no que pensa e expressa e se aceitando
como é e não mais como esperam que ele seja, a autonomia e a
autenticidade passam a ser internalizadas e o indivíduo sente a sua
verdadeira liberdade humana, tornando-se capaz de enfrentar e
decidir situações e eventos trazidos pela vida. Neste momento,
percebe-se que sua segurança em si mesmo e sua independência de
atitudes e comportamentos em episódios da vida cotidiana, revelam
as condições favoráveis para uma separação do apoio do counselor.
Ao aproximar-se a conclusão do processo, percebe-se a qualidade
do trabalho desempenhado juntos. Os sinais vão sendo percebidos e
as máscaras vão sendo desfeitas ao longo do processo e por fim a
pessoa se apresenta como ela é. Esse fechamento deve ser
experienciado tanto pelo counselor como pelo cliente, pois o luto da
separação deve ser vivido em conjunto, entendendo-se a
importância também deste momento para ambas as partes, como
crescimento humano de pessoas que estão em processo de
desenvolvimento.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Rogers, uma terapia centrada no cliente bemsucedida, realizada em condições ótimas, “... significa que o
terapeuta foi capaz de estabelecer um relacionamento intensamente
pessoal e subjetivo com o cliente, como uma pessoa com outra
pessoa. Significa que o terapeuta acha que o cliente é uma pessoa de
autovalor incondicional; de valor independente de sua condição,
comportamento ou sentimentos. Significa que o terapeuta é
autêntico, não se escondendo atrás de uma fachada defensiva, mas
encontrando o cliente com os sentimentos que ele, o terapeuta, está
experienciando. Significa que o terapeuta é capaz de soltar-se ao
entender o cliente,; que nenhuma barreira interna o impede de sentir
como é ser este cliente em cada momento do relacionamento; e que
ele consegue transmitir parte de seu entendimento empático ao
cliente. Significa que o terapeuta fica à vontade ao entrar
inteiramente nesse relacionamento, sem saber cognitivamente aonde
ele vai levar, satisfeito por criar um clima que permitirá ao cliente a
maior liberdade possível para ser ele mesmo”(Rogers,1961, p.185).
Basicamente fundamentado nos princípios da ACP
rogeriana, o counseling traz uma proposta moderna e pontual de
uma psicoterapia que tem a pessoa como centro do processo e
objetiva o seu desenvolvimento pessoal e de autoconhecimento.
Surgindo em meio a mudanças de valores sociais e ao
distanciamento do indivíduo de si mesmo, em troca de aceitações
distorcidas da sociedade e exigências cotidianas, o counseling se
apresenta como uma tendência em crescimento, tendo como
influências principais os fundamentos humanistas e existencialistas,
assim como o universo da experiência humana trazido pela
psicologia transpessoal, que concebe a realidade em níveis
ampliados de consciência.
Diante das angústias e ansiedades decorrentes das
urgências sociais, onde o homem cada vez mais desconhece o seu
próprio ser, tornando-se coletivizado e impessoal em suas relações,
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criando uma sensação de vazio, o counseling com sua proposta de
acolhimento e aceitação incondicional, oferece a esse público uma
forma diferente de se reconstruir e se descobrir no mundo. Sem
ilusões ou soluções mágicas, apenas através de técnicas, trabalho
pessoal de autoconhecimento, habilidades inerentes e aprendidas e,
acima de tudo, com a disposição de entrar numa relação de
crescimento e descobertas essenciais para o desenvolvimento
existencial do indivíduo.
Pode-se dizer que se trata de uma nova forma de fazer
terapia e de trazer à tona os verdadeiros valores humanos
esquecidos em meio a valorização exacerbada do materialismo. O
counseling adaptou a psicoterapia rogeriana para ser aplicada em
situações e locais diversos, com o objetivo de atender,de forma
precisa e breve, indivíduos que se encontram em conflitos e
desacordos internos. Seja no ambiente de uma empresa, onde a
motivação e o espírito solidário devem ser estimulados, seja nas
clínicas e hospitais, no atendimento a clientes portadores de
sofrimentos físicos e psíquicos, seja no enfrentamento de uma
situação emergencial. O counseling pode ser praticado por diversos
profissionais que têm como intenção o resgate dos valores e das
relações humanas saudáveis.
REFERÊNCIAS
HALL, Calvin S.; LINDZEY, Gardner; CAMPBELL, John B.
Teorias da Personalidade. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
591p.
DANON, Marcella. Counseling: Uma nova profissão de ajuda.
Curitiba: Sociedade Educacional e Editora IATES, 2003. 232p.
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