Pubarca Precoce por Hiperplasia Congênita Supra

Transcrição

Pubarca Precoce por Hiperplasia Congênita Supra
Relato de Caso Clínico
Pubarca Precoce por Hiperplasia Congênita Supra-Renal,
Forma Clássica
Autores
Cláudia Lúcia Barbosa Salomão
Ginecologista e Obstetra
Av. Pasteur, 89/1408
Belo Horizonte cep 30150-290
Tel 31 3226 8163 – fax 31 3441 0586
[email protected]
Pós graduada pela Sociedad Argentina de Ginecologia Infanto Juvenil
Delegada da SOGIA-BR em Minas Gerais
Coordenadora do serviço de Ginecologia Infanto-Puberal do
Hospital Infantil São Camilo - BH
João Tadeu Leite dos Reis
Ginecologista e Obstetra
Assistant Étranger pela Université Paris V - Paris - França
Pós graduado pela Sociedad Argentina de Ginecologia Infanto Juvenil
Delegado da SOGIA-BR em Minas Gerais
atual Presidente da Comissão Nacional de Ginecologia Infanto Puberal da
FEBRASGO
Maria Virgínia Furquim Werneck Marinho
Ginecologista e Obstetra
Chefe do serviço de Ginecologia Infanto Puberal do Hospital Mater Dei - Belo
Horizonte - MG
atual Secretária da Comissão Nacional de Ginecologia Infanto Puberal da
FEBRASGO
Benedita Maria Lopes Vianna
Pediatra
Professora Titular de Pediatria da Faculdade de Medicina de Itajubá
Instituição: Hospital Infantil São Camilo – Belo Horizonte - MG
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A Hiperplasia Congênita da Supra-Renal (HCSR), doença de caráter autossômico
recessivo, se caracteriza pela deficiência de alguma(s) das enzimas participantes da cadeia
da síntese do cortisol. Essa deficiência enzimática, em seus diversos graus, induz a um
aumento da secreção de ACTH (hormônio Adrenocorticotrófico) a nível central,
constituindo-se um sistema de “feed-back”, ocasionando, conseqüentemente, uma
hiperplasia da glândula Supra-Renal, com resultante produção excessiva dos esteróides
adrenais precursores vizinhos ao ponto de bloqueio.
Quanto maior a magnitude da
alteração genética, já que se trata de um distúrbio geneticamente determinado, maior será o
comprometimento na produção das enzimas envolvidas e, conseqüentemente, a
apresentação clínica será mais precoce e exuberante, sendo chamadas “formas clássicas”
quando essas alterações estiverem presentes desde o nascimento.
A grande maioria dos casos de HCSR são causados pela deficiência, em graus
variáveis, da enzima 21 – hidroxilase, podendo também ser causada pela deficiência da
enzima 11β – hidroxilase e da enzima 3β – desidrogenase (gráfico 1). Ao nascimento podese apresentar clinicamente com ambigüidade genital: hipertrofia de clitóris, fusão em graus
variáveis dos grandes lábios, presença de orifício genital único. Já na infância, o quadro
clínico pode ser menos florido, com a presença de pubarca precoce associado a uma
genitália feminina normal ou com hipertrofia de clitóris. Na adolescência pode-se
manifestar com acne (geralmente em graus mais severos e de aparecimento precoce, às
vezes antes da menarca), hirsutismo, irregularidade menstrual e infertilidade por
anovulação crônica persistente.
Como são menos comunente encontradas, vale salientar que na deficiência da
enzima 11β – hidroxilase, o diagnóstico pode ser realizado ao nascimento através do exame
da genitália externa, que pode apresentar algum grau de ambigüidade, presença ou não de
hipertensão e alcalose, além das dosagens hormonais que serão citadas adiante. A
deficiência da 3-β-desidrogenase, de incidência desconhecida, também pode se apresentar
pelas formas clássica e tardia. O comprometimento da produção enzimática deve ser quase
completo para que se manifeste déficit de mineralocorticóides. Geralmente, a atividade
mineralocorticóide é normal nas formas tardias, as quais podem se apresentar com
hirsutismo e irregularidades menstruais devido ao hiperandrogenismo.
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A presença de genitália virilizada em indivíduos de sexo gonadal feminino tem
como principal causa a Hiperplasia Congênita da Supra-Renal, podendo também ser
causada por tumores maternos produtores de androgênios, quando ainda em vida intrauterina, e uso de drogas de ação androgênica durante a gestação (danazol, progestágenos
sintéticos, androgênios, usados especialmente no período de embriogênese). O
aparecimento de pelos pubianos antes da idade de 8 anos (pubarca precoce) deve ser
investigado, lembrando que a HCSR está entre as suas principais causas. Outros
diagnósticos possíveis seriam: pubarca precoce idiopática, puberdade precoce central, ou
periférica (tumores virilizantes de ovário ou supra-renal).
De uma maneira simplificada, na deficiência da 21 – hidroxilase encontramos,
principalmente, acúmulo dos precursores metabólicos 17 – hidroxiprogesterona (valores
normais até 200 nanog/dL; na primeira semana de vida pode chegar a 300 nanog/dL, caindo
rapidamente; realizado na fase folicular em pacientes adolescentes) e androstenediona
(valores normais entre 0,2 e 0,5 ng/ml). Na deficiência da 3β – desidrogenase
observaremos, principalmente, acúmulo dos precursores deidroepiandrosterona (valores
normais entre 0,5 e 3,5 ng/ml) e sulfato de deidroepiandrosterona (valores normais variando
com a idade). Nos casos raros da deficiência da enzima 11β – hidroxilase, o acúmulo será
de deoxicortisol (valores normais basais entre < que 8 ng/ml).
Os casos duvidosos, especialmente das formas não-clássicas, devem ser acrescidos
do teste pós estímulo com ACTH, intravenoso, e dosagens basal e com 60’. Geralmente é
dosada a 17 hidroxiprogesterona, uma vez que a deficiência de 21 hidroxilase é a mais
comum. Também pode-se dosar outros componentes da cadeia do cortisol como
androstenediona,
deidroepiandrosterona,
17
hidroxipregnenolona,
progesterona,
deoxicortisol e o próprio cortisol. Como a maioria destes precursores acumulados têm ação
androgênica, clinicamente haverá virilização da genitália externa fetal em pacientes com a
forma clássica..
O diagnóstico deve ser realizado, se possível, ao nascimento, para que não
ocorram posteriormente situações de impacto entre sexo de criação e sexo genéticogonadal. A associação entre exame clínico e dosagens hormonais vai nos fornecer dados
para que o diagnóstico seja efetuado.
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É importante chamar atenção para algumas apresentações clínicas especiais
de HCSR:
- Forma clássica por deficiência da 21 – hidroxilase “perdedora de sal”: ocorrerá
diminuição acentuada na produção de mineralocorticóides, portanto, a recém-nascida
apresentará diarréia, vômitos, inapetência e até mesmo quadro de choque por desequilíbrio
hidro-eletrolítico e ácido-básico nos primeiros dias ou semanas de vida. Esta criança pode
evoluir para crise tipo “Addisoniana”, apresentando hiponatremia, hiperpotassemia e
acidose metabólica. O diagnóstico portanto deve ser realizado de prontidão.
- Forma não-clássica, de instalação tardia, por deficiência de 21 – hidroxilase: de
instalação dos sinais clínicos na infância ou adolescência, pode se apresentar como pubarca
precoce, hirsutismo, irregularidades menstruais e infertilidade.
- Forma hipertensiva por deficiência de 11β – hidroxilase: a hipertensão ocorre
devido ao acúmulo da 11 – deoxicortisona, substância que apresenta ação retentora de sal e
supressora da atividade plasmática da renina.
- Forma “perdedora de sal” por deficiência da 3β – desidrogenase: há extrema perda
de sal, com quadro clínico muitas vezes grave, por diminuição na produção de corticóides.
A hipertrofia de clitóris é frequente.
O tratamento da HCSR baseia-se no bloqueio da atividade da glândula Supra-Renal
a partir do uso de glicocorticóides, visando à diminuição na produção de androgênios de
origem supra-renal e à regressão do quadro de androgenização. Em casos associados a
defeitos maiores do seio urogenital ou regressão insatisfatória da hipertrofia do clitóris póstratamento, haverá indicação de correção cirúrgica específica.
Caso Clínico
Criança com idade de 1 ano e 6 meses, encaminhada de cidade do interior do
estado de Minas Gerais, sexo feminino, baixo nível sócio-econômico, com quadro de
hipertrofia de clitóris desde o nascimento e pubarca precoce desde a idade de 8 meses, com
diagnóstico prévio recente de Hiperplasia Supra-Renal Congênita, para avaliação
pormenorizada de genitália externa (foto 1). A paciente foi reavaliada neste serviço após
discussão do caso com sua médica de origem. Neste contato inicial, a paciente já
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apresentava os seguintes resultados laboratoriais que confirmavam o diagnóstico: 17
hidroxiprogesterona basal de 2720 nanog/dL; androstenediona de 3,2 nanog/ml;
testosterona total 3680 pg/ml (normal de 30 a 200 pg/ml, para esta idade); FSH 0,3 UI/L
(normal menor que 3 UI/L ); LH 0,02 UI/L (normal menor que 0,2 UI/L);
dehidroepiandrosterona 8,6 nanog/ml (normal de 0,5 a 3,5 nanog/ml). À ultrassonografia
pélvica apresentava útero e ovários normais para a idade, e à ecografia abdominal total,
avaliação de glândulas supra-renais normal. Não foi realizada idade óssea.
Ao exame clínico a paciente apresentava mamas de padrão infantil, hirsutismo grau
I/II de face, pubarca V de Tanner, hipertrofia de clitóris grau II, orifícios uretral e himenal
individualizados (tendo sido realizada sondagem de orifício vaginal: 3 cms).
A paciente já se encontrava há 1 mês em corticoterapia que foi mantida para
posterior reavaliação laboratorial, clínica e eventual cirurgia corretiva da hipertrofia de
clitóris.
Conclusão
O caso apresentado enfatiza a necessidade da avaliação adequada em crianças do
sexo feminino nascidas com sinais de androgenização, especialmente de genitália externa.
A percepção destes sinais ao exame clínico neonatal exige propedêutica adequada para
confirmar ou excluir patologias das glândulas supra-renais.
A não realização do diagnóstico precoce da HCSR pode acarretar em uma evolução
clínica insatisfatória da patologia. Se o diagnóstico desta paciente tivesse sido realizado
mais precocemente e o tratamento instituído de forma adequada, possivelmente a evolução
para a pubarca não ocorreria ou seria menos expressiva.
Acreditamos que as condições sócio-econômicas de grande parte da população de
nosso país, e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, contribuem para que vários
diagnósticos e terapêuticas sejam realizados incompleta ou tardiamente.
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Gráfico 1
Kiguel f. Hiperplasia adrenal congênita no clásica. Revista de la Sociedad Argentina
de Ginecologia Infanto Juvenil, 2001: 8(1): 25-50.
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Foto 1
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