A IMAGEM DE SI NOS FRAGMENTOS DISCURSIVOS DE NELSON

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A IMAGEM DE SI NOS FRAGMENTOS DISCURSIVOS DE NELSON
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A IMAGEM DE SI NOS FRAGMENTOS DISCURSIVOS DE NELSON MANDELA
Maria Aparecida dos Santos Oliveira
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Resumo: Este estudo aborda a Análise do Discurso,
evidenciando o discurso político do presidente africano Nelson
Mandela. O objetivo é compreender os efeitos de sentido que
os discursos causam no ouvinte. Para isso, baseou-se em
estudiosos da Análise do Discurso, tais como Gregolin (2007),
Fiorin (1993), Brandão (2004), identificando as formações
ideológicas e discursivas presentes no discurso político de
Mandela. Apresenta-se, ainda, os conceitos de enunciado e
polifonia na perspectiva bakhtiniana, para quem o sujeito é
interativo e seu discurso atravessado por uma multiplicidade de
vozes. E ainda neste estudo destaca-se Saussure com seu
conceito de língua como um sistema abstrato separado da fala.
Também analisa-se o corpus com base na noção de ethos,
conforme a perspectiva de Ruthy Amossy (2008), Dominique
Maingueneau (1997) e Patrick Charaudeau (2008), buscando
identificar as imagens que o sujeito cria ao formular seu
discurso.
Palavras-chave:
Político.
Discurso.
Ideologia.
Ethos.
Enunciado.
INTRODUÇÃO
Vivemos em um mundo em constante transformação. A política é a grande
estrutura que promove essas transformações, produzindo discursos diferentes em
todo o mundo. São muito comuns os discursos políticos proferidos através de
palanques, que têm como finalidade persuadir o público a aderir aos seus valores
ideológicos. Visto dessa forma, o objetivo deste artigo é investigar as formações
discursivas e ideológicas presentes nos fragmentos do discurso político de Nelson
Mandela em 10 de março de 1994, com base nas teorias dos estudiosos da Análise
do Discurso.
*
Acadêmica do 8º período do Curso de Letras da Faculdade Alfredo Nasser, sob orientação da Profª
Ms Odália Bispo de Souza e Silva.
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Saussure exclui os elementos como a fala, o sujeito, a ideologia e a história.
Na proposta pecheutiana, o objeto de estudo da análise do discurso (discurso) surge
a partir da crítica, a esse corte entre língua e fala, operado por Saussure, que foram
trazidos depois para os estudos linguísticos. A Análise do Discurso de linha francesa
vê o sujeito assujeitado aos aparelhos ideológicos (sociais religiosos e políticos); é a
linguagem que circula nos discursos que permite e se constitui espaços de
discussão, de persuasão e de atração nos quais se elaboram o pensamento e a
ação política.
O povo tem um forte respeito em relação do poder de hierarquia que é dado
ao político sobre o indivíduo. Esses teóricos citados diferenciam de Saussure por
acreditar que a fala, história e o sujeito é que contribui na formação do discurso
ideológico. O todo do sujeito é que lhe confere a sua fala, o seu discurso é
construído por tudo que lhe circunda.
O tipo de discurso escolhido nesta pesquisa foi o discurso político, sendo
este um acontecimento discursivo bastante proferido em todo meio social. Isto é, não
há política sem discurso. Assim todo político se faz merecedor do seu mandato
através do seu enunciado, que é construído com dizeres direcionados para a
população, compostos de argumentos que mostram uma preocupação com as
causas sociais. Isto é, o político usa esses recursos com interesse de garantir crédito
e confiança enquanto representante do povo.
Nessa perspectiva, este trabalho possui como objetivo identificar os efeitos
de sentido causados por alguns fragmentos dos discursos de Nelson Mandela, como
uma forma de evidenciar os pressupostos ideológicos que se escondem sob a
linguagem do discurso político. Para tanto, a primeira parte deste artigo, expõe
sobre os pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa. No
segundo momento, serão expostos os fragmentos discursivos do corpus, baseandonos na teoria do discurso propostas por Bakhtin, enfocando a enunciação e a
polifonia. A partir de Patrick Charaudeau (2008) e outros teóricos, serão estudados a
persuasão e o ethos, analisando os fragmentos do discurso de Mandela.
O corpus deste trabalho é composto por dois discursos de Nelson Mandela,
que foram retirados do blog Maiores discursos da história (todo conteúdo do corpus
está em anexo). Esses fragmentos foram pronunciados por Mandela em seus
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discursos logo após sair da prisão e se tornar presidente da África do sul. A escolha
dos discursos de Nelson Mandela justifica-se pelo fato de serem voltados para uma
nação que sofreu todos os tipos de preconceitos e por ter sido marco de mudanças
na história daquele país. Nesse sentido, compreende-se que a divisão racial e os
constantes conflitos corroboraram para provocar determinados efeitos de sentido
nos discursos de Mandela, que o diferenciou como político.
Infere-se que o desejo de permanência e a perseverança são recorrentes
em seus discursos, provocando um efeito persuasivo. É evidente que esse homem
político usa a política como meio pacífico, mostrando que é possível fazer paz
através da paz.
Conceito de língua e fala segundo Saussure e Bakhtin
Saussure é considerado um dos estudiosos mais influentes da linguística.
Atribui-se a ele os primeiros estudos da língua e da fala. Segundo Saussure (2002),
a língua é um sistema abstrato, um objeto por excelência da linguística, A
linguagem, nessa perspectiva, não pode ser um ponto de partida para uma análise
linguística, mas sim a língua. Saussure (2002, p. 22) separa a “língua da fala, ele
coloca a língua num plano social e a fala no sentido individual”.
Ao fazer essa separação, mostra que a “língua não consiste, pois, uma
função do falante: é o produto que o indivíduo registra passivamente; não supõe
jamais premeditações, e a reflexão nela intervém somente para atividade de
classificação”. Já a fala, é um ato de vontade e inteligência, em que o falante expõe
seus pensamentos, sendo de caráter individual. Logo, são atos individuais que
explicam a mudança histórica das formas da língua.
Saussure aponta algumas características próprias da língua, que é um
objeto definido dentro dos acontecimentos da linguagem. “Como instituição social a
língua é, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um
conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo social para permitir o exercício
dessa faculdade nos indivíduos”. (SAUSSURE, 2002, p.17).
A língua, nesse caso, é considerada um objeto concreto o que facilita seu
estudo. Sendo ela psíquica, não é feita de abstrações, e acontece no cérebro do
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indivíduo e nela encontra a imagem acústica que pode converter em imagem visual
constante na escrita. Segundo Saussure (2002, p. 23),
A língua, não menos que a fala, é um objeto de natureza concreta, o que
oferece grande vantagem para seu estudo. Os signos linguísticos, embora
sendo essencialmente psíquicos, não são abstrações; as associações,
ratificadas pelo consentimento coletivo e cujo conjunto constitui a língua,
são realidades que tem sua sede no cérebro.
Mesmo Saussure sendo o responsável pelos estudos da linguagem, nascem,
posteriormente, vários outros pensamentos se opondo a ele. Dentre eles está
Bakhtin que propõe um novo conceito de língua e fala, confrontando com a visão
abstrata que Saussure tem da língua. Na concepção de Bakhtin (2007), tudo está
em movimento constante, sendo que a língua muda conforme o estado histórico em
que os atos humanos se desenvolvem.
O processo de interação passa a ser a verdade fundamental da língua. “A
visão da linguagem como interação social, em que o Outro desempenha papel
fundamental na constituição do significado integra todo ato de enunciação individual
num contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o
social”. (BRANDÂO, 2004, p. 08)
Bakhtin, diferentemente de Saussure, coloca a fala como objeto de estudo
da linguagem. A fala é para Bakhtin o elemento necessário para compreender e
explicar a estrutura semântica de qualquer tipo de interação verbal. A cada
acontecimento de fala constitui uma realidade fundamental da língua.
Segundo Brandão (2004, p. 10), “a linguagem enquanto discurso e
interação é um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem natural,
por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia”. Nessa perspectiva, a
linguagem é o mediador preciso entre indivíduo e o seu convívio social, é um lugar
de coerções sociais, debates e conflitos ideológicos, não podendo ser questionada
fora do vínculo social, sendo que o acontecimento da linguagem se dá através das
ações históricas sociais.
Enquanto Saussure defende a língua como um sistema de regras imutáveis,
Bakhtin afirma que a língua não pode ser uma organização de regras, onde nada
permanece estável sendo que há uma constante evolução no convívio social de
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cada indivíduo. Este trabalho pauta-se, sobretudo, nessa última concepção, tendo
em vista que a língua deve ser encarada como produto da interação social entre os
falantes. Partimos agora para os conceitos relevantes nesta pesquisa da Análise do
Discurso de linha francesa.
Análise do discurso de linha francesa
A escola francesa de análise do discurso - AD - surge na década de 60 na
França, tendo o discurso como seu principal objeto de estudo. Um dos estudiosos da
AD francesa foi Michel Pêcheux. A linha francesa é estruturalista é interligada com a
lingüística e com a história. No Brasil, os estudos da AD são de origem francesa, e
têm um espaço aceitável com uma ampla área de estudos e linguistas, com visões
diferentes. Os estudos da AD de linha francesa veem o sujeito acondicionado a uma
ideologia que antecede o que pode ou não dizer em uma determinada situação
histórica e social.
O papel da teoria materialista do discurso é desconstruir a aparente unidade
do sujeito, pois a sua relação com a língua é atravessada por essa
construção da subjetividade: a língua tem seu real valor próprio, assim como
a história também tem seu real. O discurso é o lugar de encontro entre
esses dois reais, atravessados pelo processo histórico ideológico de
constituição do sujeito. (GREGOLIN, 2007, p. 140)
Dessa forma, o sujeito é assujeitado aos aparelhos ideológicos e “a ideologia
interpela os indivíduos como sujeitos” (GREGOLIN, 2007, p. 134). O sujeito da AD é
histórico e social: histórico porque não está alienado do mundo que o cerca; social
porque não é o indivíduo, mas aquele compreendido num espaço coletivo. Segundo
Brandão (2004, p. 34): “O sujeito deixa de ser uma noção idealista imanente, o
sujeito da linguagem não é o sujeito em si, tal como existe socialmente, interpelado
pela ideologia. Dessa forma, o sujeito não é a origem, a fonte absoluta do sentido,
porque na sua fala outras falas se dizem”.
O que define o sujeito é o lugar de onde fala. assim sendo constituído por
vários “eus”, não existe uma só voz em seu ser, não é o dono do seu dizer. Tendo
em vista que o discurso é onde se materializa a linguagem e traz com ele as
formações ideológicas, é no enunciado que a ideologia se manifesta, sendo dirigida
por formações ideológicas. Segundo Brandão (2004, p. 19), ”[...] a ideologia é a
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separação que se faz entre produção das idéias e as condições sociais é históricas
em que são produzidas”.
Para Fiorin (1993, p. 28), “[...] as condições de vida do homem e as relações
que ele mantém com os outros homens é o que comumente se chama ideologia”.
Nota-se que há um conjunto de fatores necessários para o que se pode chamar de
ideologia, tais como condições sociais do indivíduo e sua forma de relacionamento
com outros grupos sociais, sendo fenômeno da realidade.
Ricoeur (apud BRANDÃO, 2004, p. 30) afirma que “tem a noção de
ideologia como uma visão, uma concepção de mundo de uma determinada
comunidade social numa determinada circunstância histórica”. Althusser (apud
GREGOLIN, 2007 p. 50) ressalta a ideologia como “[...] uma relação imaginária que
os homens mantêm com suas condições reais de existência. Derivando do domínio
do concreto, do vivido a ideologia sedimenta as relações sociais, produzindo uma
ilusão que as torna suportáveis para os sujeitos”.
Seja qual for a posição de classe, religiosa jurídica ou política, a ideologia
está inserida, e mostra para cada classe social uma dada visão de mundo diferente,
pois a maneira de uma certa sociedade ver o mundo é de uma para outra classe
social, com os diferentes modos de pensar dos seus participantes.
Bakhtin (apud BRAIT, 2007, p. 170) afirma que “[...] todo signo e ideológico.
O ponto de vista, o lugar valorativo e a situação são sempre determinado sóciohistoricamente”. A ideologia se constitui e materializa na interação constantes dos
grupos organizados em torno das atividades humanas. A linguagem seria, então, o
lugar completo das manifestações ideológicas. Bakhtin vê na comunicação da vida
cotidiana o lugar de constituição ideológica. Essa interação no cotidiano resulta das
diversas ideologias existentes na sociedade. A ideologia se organiza,
[...] como um sistema lógico e coerente de representações (ideias e valores)
e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos
membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar o que
devem valorizar o que devem sentir o que devem fazer e como devem fazer.
(BRAIT, 2007, p. 169)
Pode-se afirmar que os políticos se comunicam permeados por várias
ideologias e por suas relações históricas estabelecidas com o partido político e sua
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vida social, evidenciando as formações discursivas as quais o sujeito do discurso
político está submetido.
Nos estudos da Análise do discurso, é utilizado o conceito fundamental de
formações discursivas que estão vinculadas às formações ideológicas. Numa
formação ideológica - FI - podem existir várias formações discursivas - FD, as quais
designam discursos diferentes, sendo seu espaço atravessado por discursos que
surgiram de outros lugares. As formações discursivas vivem em constantes
reformulações, um discurso proferindo outro, e estão inseridas em um lugar de lutas
ideológicas. Segundo Brandão (2004, p. 48), “[...] são as formações discursivas que
em uma formação ideológica específica e levando em conta uma relação de classe
determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada em uma
conjuntura dada”.
Imerso nas formações discursivas, o homem constrói seu discurso. Logo, o
sentido de um discurso está relacionado a uma dada formação discursiva, que muda
de acordo com a formação ideológica inserida e o posicionamento que o sujeito
ocupa dentro do seu espaço de produção. Segundo Pêcheux (apud GREGOLIN,
2007, p. 68), ”as palavras mudam de sentido ao passar de uma formação discursiva
a outra”.
Uma formação discursiva não é uma única linguagem para todos.
Considerando-se que uma ou mais formações discursivas interligadas determinam
aquilo que se pode e se deve dizer, o sentido muda conforme ela vai ser dita se é
em forma de um sermão de uma exposição ou um programa. Isto é, as posições que
a sustentam que estabelecem as mudanças de sentido de uma formação discursiva
à outra.
Portanto, ao longo de uma vida, o homem aprende a enxergar o mundo
através dos contatos discursivos a qual ele foi participante. “Que haja justiça para
todos. Que haja paz para todos. Que haja trabalho, pão água e sal para todos. Que
cada um de nós saiba que o seu corpo, a sua mente e a sua alma foram libertados
para se realizarem”. (MANDELA, 10 DE MAIO DE 1994).
Em um discurso político, deve-se considerar o contexto de comunicação
como parte essencial da formação discursiva. Sendo que tudo que é dito nos
discursos faz parte de uma formação discursiva. Esse fragmento mostra o
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tratamento que o político deseja que o povo tenha. Percebe-se que o discurso desse
sujeito é formado a partir de diferentes formações discursivas que defendem os
direitos do povo. O sujeito expressa sua ideologia pacifista, mostrando que tudo é
fruto de formações discursivas as quais ele esteve imerso. Na sequência,
apresentaremos uma síntese da proposta de Bakhtin sobre o discurso enunciado e
polifonia.
Bakhtin e o discurso – enunciado e polifonia
As teorias de Bakhtin têm grande contribuição para os estudos da
linguagem. Para ele, é possível estudar as relações entre língua, linguagem, história
e sujeitos, como lugares que produzem conhecimentos de forma séria e responsável
sem precisar o uso de teorias e métodos dominantes de cada época. Diferente da
proposta de AD de linha francesa que vê o sujeito assujeitado, submetido a fatores
sociais, históricos e ideológicos, Bakhtin vê o sujeito ativo, interativo, de certa
maneira livre para escolher as vozes que falam em seu discurso.
Brait destaca que o círculo de Bakhtin apresenta “o sujeito não como um
fantoche das relações sociais, mas como um agente, um organizador de discursos,
responsáveis por seus atos e responsivo ao outro” (2007, p. 25). O sujeito em
Bakhtin se dá através da interação, e o seu contexto imediato, social se reproduz na
sua fala e prática, em caráter dialógico.
Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, (2004, p. 113), Bakhtin ressalta que
”a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam
completamente e por assim dizer a partir do seu próprio interior a estrutura da
enunciação”. Entende-se que a situação é que dá forma a enunciação e os
participantes do momento são quem determinam a forma e o estilo ocasionais da
enunciação. A enunciação, por ser de natureza histórica e social, é ligada a
enunciações anteriores e posteriores, o que gera novos discursos.
Desse modo, os discursos variam de acordo com a posição social e a
interação que os sujeitos estabelecem entre si. É na interação constante dos grupos,
que se organiza ao redor das atividades humanas, que se materializam os signos,
que são compostos por uma duplicidade de sentidos, sendo diferenciado a partir do
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valor que cada sujeito ocupa. Diante de tais afirmações, podemos observar que é
através da linguagem na interação verbal que o mundo se comunica, que é diante
do outro e dos outros que os enunciados são proferidos.
Conforme Bakhtin (apud, BRAIT, 2007, p. 1994), “a polifonia se define pela
convivência e pela interação, em um mesmo espaço da enunciação, de uma
multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis”. Na perspectiva
bakhtiniana, o discurso é constituído das relações dialógicas, como um palco de
lutas e ideologias. Bakhtin concebe o enunciado discursivo como um lugar de
diálogos onde vozes se cruzam.
Sendo a linguagem diversificada socialmente,
essas vozes podem criar polêmicas ou completar um discurso ou trazer respostas
uma as outras.
Então, a polifonia ocorre como resultante da pluralidade de vozes sociais no
discurso. Pode-se afirmar que o discurso analisado nesta pesquisa (discurso de
posse de Nelson Mandela 1994) é atravessado por uma multiplicidade de vozes.
Neste fragmento do seu discurso, “nosso grande medo não é o de que sejamos
incapazes. Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida”, podemos
perceber um discurso tecido por vozes provenientes da vida social e cultural, as
quais não são definidas pelo autor discursante, mas o sujeito permite que elas
interajam em seu discurso.
Essas são vozes das representações sociais e dos sistemas de pensamento
revelam o quanto Mandela é um político que profere em seu discurso o livre arbítrio
de um povo. Segundo Bakhtin (apud BRAIT, 2007, p. 135), “a consciência da
personagem é a consciência do outro, não se objetifica, não se torna objeto da
consciência do autor , não se fecha , está sempre aberta à interação com a minha e
com outras consciências”. Aquele que fala, fala usando aquilo que ouviu de outros, o
que o personagem fala é tudo aquilo que já vivenciou, que presenciou, por isso
serve como meio de transmissão de seu conhecimento, em consonância com o
conhecimentos de outros.
Nesse trecho, percebe-se que o sujeito mantém a sua consciência
interagindo com outras vozes que se tornam também sujeitos desse discurso.
Embora no campo da política o político é visto de certa forma como um sujeito
hierárquico que estabelece “poder” sobre o povo, Mandela através dessas vozes
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inseridas em seu discurso, estabelece uma ligação de igual para igual com seu
público.
Nesse outro fragmento do discurso: “quem sou eu para ser brilhante atraente
talentoso e incrível?” “Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?”
(MANDELA, 10 DE MARÇO DE 1994), ressalta-se que Mandela quer que seu
público faça uma adesão aos mesmos valores ideológicos que constitui a sua
formação, sendo que tais valores foram adquiridos no meio político. O capitalismo, a
igreja, o estado e os anseios de um povo são vozes que soam em seu ambiente
discursivo, cada uma com um sentido diferente, tais como, poder, valores e
coerções. Mandela não se julga melhor que seu povo. Ele expõe a ideia de um
governo igual para todos. Reconhecendo no “outro” (povo) os sujeitos de seu
discurso, ele usa a noção de interação como condição para a construção de uma
pátria melhor.
Segundo Bakhtin (2004, p. 113), “[...] a palavra é o território comum do
locutor e do interlocutor”. O discurso não é apenas transmissão de informação, mas
sim efeito de sentido entre locutor e interlocutor. O sujeito usa a palavra como uma
espécie de mediação entre ele e o povo, facilitando a compreensão das suas ideias.
O político, antes de proferir o seu discurso, passa a conhecer o seu publico. Isso
facilita os efeitos de sentidos que o discurso pode causar.
Segundo Orlandi (2002, p. 43), “os sentidos sempre são determinados
ideologicamente. Não há sentido que não o seja. Tudo que dizemos tem, pois um
traço ideológico em relação a outros traços ideológicos”. Assim, o sentido do
discurso se dá através de uma seqüência de fatores, a situação social do sujeito em
que formação discursiva ele se inscreve, o lugar de onde o discurso vai ser proferido
e o publico alvo.
Na afirmação “Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras
pessoas não se sintam inseguras em torno de você”. (MANDELA 10 DE MARÇO DE
1994). Mandela consciente que o público desse discurso é marcado por vários
fatores sociais e, como qualquer político, quer ganhar aprovação do povo, faz crítica
aos seus antecessores no poder sem provocar ofensas, desarmando a agressão.
Ele diz que não está longe do seu povo, que não faz nada de diferente, quando se
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encolhe, pois é uma forma de falar com proximidade, uma maneira de deixar as
pessoas à vontade ao seu lado.
Considerando-se que a África foi um país em que parte da população por ser
negra era privada de todos os seus direitos, para que esse povo pudesse usufruir de
certas liberdades foi preciso uma grande força política entrar em ação. Os efeitos de
sentidos que esse discurso causou naquele povo foram um marco histórico para o
recomeço e a para a permanência do político em seu poder.
O discurso político e o Ethos discursivo
Segundo Charaudeau (2008, p. 32), ”toda fala política é, evidentemente por
definição, um fato social”. E qualquer enunciado por mais simples que seja, pode
ganhar um sentido político, isto e, a situação do momento é que vai autorizar esse
sentido. Charaudeau (2008, p. 40) afirma que “não é, portanto, o discurso que é
político, mas a situação de comunicação que assim o torna. Não é o conteúdo do
discurso que assim o faz, mas é a situação que o politiza”. Percebe-se que sem uma
situação de comunicação, nem o conteúdo nem o discurso político teria em si um
sentido, sendo, portanto, necessário haver uma circunstância para poder gerar uma
situação política.
Charaudeau (2008, p. 40) discute o discurso político em três tópicos:
“O discurso político como sistema de pensamento” é o resultado de
uma atividade discursiva que procura fundar um ideal político em função de certos
princípios que devem servir de referência para a construção das opiniões e dos
posicionamentos. É em nome dos sistemas de pensamentos que se determinam as
filiações ideológicas.
“O discurso político como ato de comunicação” concerne mais
diretamente aos atores que participam da cena de comunicação política, cujo
desafio consiste em influenciar as opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou
consensos. Ele resulta de aglomerações que estruturam parcialmente a ação
política: comícios, debates, apresentação de slogans, reuniões, ajuntamentos,
marchas, cerimônias, declarações televisivas e constroem imaginários da filiação
comunitária, mas dessa vez, mais em nome de um comportamento comum, mais ou
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menos ritualizado, do que de um sistema de pensamento, mesmo que este perpasse
aquele. Aqui o discurso político dedica se a construir imagens de atores e a usar
estratégias de persuasão e de sedução.
“O discurso político como comentário” não está necessariamente
voltado para um fim político. O propósito é o conceito político, mas o discurso
inscreve-se em uma situação cuja finalidade está fora do campo de ação política: é
um discurso a respeito do político, sem risco político. Nesse caso, o discurso pode
revelar a opinião do sujeito que fala, sem que se saiba o grau de comprometimento
em relação à certa opinião. O discurso político pode ser construído de forma
rigorosa, com teorias, em seu desafio de construir um sistema de pensamento e que
mais tarde aparece em variadas situações de comunicação.
Segundo Charaudeau (2008, p. 42), “o discurso é constitutivo do político”
que está ligado no interior da organização da vida social como poder e discussão. O
discurso é, ao mesmo tempo, um lugar de envolvimento do sujeito, onde há
justificação de seu pensamento e de influência do outro. Cada prática de discurso
varia segundo os atos de comunicação.
O discurso político é acometido por uma questão de assujeitamento que se
torna fundamental para sua construção. Desse modo, ao mesmo tempo em que se
constroem sujeitos, enfrenta-se sujeitos já construídos. Na África do sul devido aos
conflitos é as desigualdades sociais a maior parte da população comumente não se
constitui como portadora de direitos. São esses os sujeitos que se encontram
acolhidos em discursos políticos como de Mandela, que relata a questão da
desigualdade é o preconceito social, um dos maiores problemas vividos pelo povo
africano.
Ao afirmar: “da experiência de um extraordinário desastre humano que durou
demais, deve nascer uma sociedade da qual toda humanidade se orgulhará“.
(MANDELA, 10 DE MARÇO DE 1994). Destaca tanto do desgaste físico quanto
emocional que o povo africano foi acometido, sendo que Mandela foi um dos
personagens centrais dessa história. Ele experimentou a prisão durante 27 anos, e,
como um político, enxerga isso como experiência de vida.
É relevante destacar que neste trabalho a idéia de discurso mais apropriada
é de o discurso político como sistema de pensamento. Mandela fundamenta seus
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discursos em um ideal político em função das lutas sociais, que a partir desses
conflitos, constrói opiniões e posicionamentos que são por meio dos ideais políticos
que determinam sua filiação ideológica. Vale afirmar que o discurso que compõe o
corpus deste trabalho foi pronunciado em palanque na a presença de centenas de
pessoas todas com olhares voltados para um mesmo ideal, a liberdade. Segundo
Charaudeau (2008, p. 78),
Não é de se admirar que o político procure construir para si a imagem de
um antecessor benfeitor, capaz de unir a condição humana da realidade
social a um invisível ideal social, pois ele deve retribuir ao povo esse porquê
que o fez conferir-lhe um mandato: o benefício de uma felicidade de ser.
É a população que consagra o político é o faz merecedor do seu cargo na
política, é um servidor do bem comum, que passa a representar uma sociedade e
ser um mediador responsável pelos problemas coletivos do povo. O discurso de
Mandela é voltado para um público de pessoas menos favorecidas, excluídas. Esse
povo atribui ao Mandela à responsabilidade de mudança e ao resgate social,
acredita que, por ser um político, pode trazer o direito à liberdade para o povo
africano.
Nesse fragmento do seu discurso (10 DE MARÇO DE 1994), Mandela diz
que “cada vez que tocamos no solo desta terra, experimentamos uma sensação de
renovação pessoal. O clima da nação muda com as estações“. Ao afirmar isso,
Mandela vê o público como aliado político e o convida o povo a fazer um trabalho
coletivo para a reconstrução daquele país (África), palco de lutas raciais. Nota-se
que o discurso político pode ser usado para tentar seduzir, como é o caso de
Mandela, que tenta atrair seu ouvinte com um discurso de esperança cheio de
sentimentos positivos.
Compreende-se que Mandela usa essa forma de discurso porque sabe que
seu público passou por todas as experiências de sofrimentos. Assim como Mandela
viveu anos privado de liberdade seu país, também participou dessa “prisão”,
escravizado pelas imposições das leis capitalistas. Para Charaudeau (2008, p. 79),
O político deve, portanto, construir para si uma dupla identidade discursiva;
uma que corresponda ao conceito político, enquanto lugar de constituição
de um pensamento sobre a vida dos homens em sociedade: outra que
corresponda à pratica política, lugar das estratégias da gestão do poder.
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Visto dessa forma, o político deve criar duas instâncias para o discurso: uma
voltada para o posicionamento ideológico e outra que corresponda à prática política,
o lugar do gestor e do poder. Logo, o político está envolvido em dois lados: a
emoção e a razão.
Esta união espiritual e física que partilhamos com esta pátria comum explica
a profunda dor que trazíamos no nosso coração quando víamos o nosso
país despedaçar-se num terrível conflito, quando víamos desprezados ,
proscrito e isolado pelos povos do mundo, precisamente por se ter tornado a
sede universal da perniciosa ideologia e prática do racismo e da opressão
social. (MANDELA, 10 DE MAIO DE 1994)
Nota-se que, nesse trecho, o político Mandela partilha com seu interlocutor
os mesmos interesses. Mandela constrói um ideal para seu ouvinte, uma espécie de
pacto de aliança, uma vez que ele oferece a África um sonho supostamente
desejado por ele. E volta afirmar que sofreram juntos e juntos construíram uma
sociedade melhor. Percebe-se que, nesse discurso, as marcas ideológicas do
Estado e da igreja que também contribuíram para as coerções nesse país.
Segundo Charaudeau (2008, p. 241), “a arte do discurso político é a arte de
dirigir-se ao maior número de indivíduos para fazê-los aderir a valores comuns.” É
nessa perspectiva que em outro fragmento do discurso Mandela (10 DE MAIO DE
1994) usa o seguinte posicionamento:
Agradecemos a todos os nossos distintos convidados internacionais por
terem vindo tomar posse, juntamente com o nosso povo, daquilo que é,
afinal, uma vitória comum pela justiça pela paz e pela dignidade humana,
acreditamos que continuarão a apoiar-nos à medida que enfrentamos os
desafios da construção da paz, da prosperidade, da democracia e da
erradicação do sexismo e do racismo.
Mandela, em Conversas que tive comigo (2010), reconhece que o político
precisa conhecer e estabelecer contatos com outras culturas, e nesse fragmento
discursivo, faz agradecimentos às autoridades políticas que estavam presentes em
seu discurso. Isso demonstra que é um político popular e usa as palavras como
forma de fazer com que as pessoas, junto com ele, continuam os planos de fazer a
África (mundo), uma nação livre em igualdade de direitos.
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Segundo Charaudeau (2008, p. 86), “não existe um ato de linguagem que
não passe pela construção de uma imagem de si”. A partir do momento em que
falamos, aparece uma imagem daquilo que somos por meio daquilo que dizemos. O
posicionamento ideológico, o conteúdo do pensamento e a opinião não é tão levado
em conta, mas aquilo que sobressai da relação que mantemos conosco e que
oferecemos a percepção dos outros. O sujeito que fala não escapa à questão do
Ethos.
O processo da construção da figura de Mandela no domínio político se deu
através dos grandes acontecimentos que houve na sua vida e naquele país (prisão,
conflitos e opressões raciais). Esses são fatores que contribuíram para a formação
de seu personagem como um gestor público. A imagem de Mandela como político
reflete no povo os seus desejos em comum.
O seu discurso menciona os dois lados: o dos menos favorecidos e o da alta
sociedade. De um lado ele convence o povo de que sonhar é possível e de outro ele
agradece e continua dizendo que a ajuda e a união entre os povos são necessárias.
Na imagem de um político que governa para o povo, Mandela coloca à frente
de um ideal que é fazer da África um país democrático, construindo para o povo o
retrato de um homem que resistiu a todas as práticas capitalistas possíveis. Pode se
afirmar que intenção é mostrar ao mundo o seu projeto político, buscando convencer
as pessoas a aderirem a sua ideologia de vida e seus valores.
Segundo Amossy (2008, p. 09), “[...] todo ato de tomar a palavra implica a
construção de uma imagem de si”. Para tanto, não é necessário que o locutor faça
seu auto-retrato ou detalhe suas qualidades nem mesmo que fale explicitamente de
si. Nota-se que a imagem vai se revelando conforme o desenvolvimento do discurso,
sem precisar que o sujeito faça por ele mesmo uma autodefinição de sua imagem ao
longo do processo discursivo.
É diante dessa visão que o político pode mostrar-se verdadeiro ou digno de
fé. Segundo Maingueneau (apud AMOSSY, 2008, p. 16), “a maneira de dizer
autoriza a construção de uma verdadeira imagem de si, na medida, que o locutório
se vê obrigado a depreendê-la a partir de diversos índices discursivos ela contribui
para o estabelecimento de uma inter-relação entre o locutor e seu parceiro”. É no
16
discurso político que a noção de ethos adquire para maingueneau, toda sua
importância.
Não se pode dizer que existem marcas específicas do Ethos, o sujeito
desenvolve diversos tipos de comportamento no espaço discursivo tais como o tom
de voz, os gestos e as maneiras de falar e o conteúdo de suas propostas. Esses
elementos fazem com que o sujeito se mostra de forma mais implícita do que
explicita. Segundo Charaudeau (2008, p. 118), “[...] não se pode separar Ethos das
idéias, pois a maneira de apresentá-las tem o poder de construir imagens”.
No discurso político, a credibilidade é fundamental, uma vez que o desafio
consiste em tentar persuadir determinado público de que se tem certo poder.
Segundo os relatos de sua trajetória política no livro de Uma lição de vida, (2007),
Jack Lang afirma que Mandela, através da sua história de vida política e social,
assume como político defensor do povo a bandeira da libertação, condenando as
leis injustas do estado.
Antes de produzir seu enunciado, Mandela se organizou usando estratégias
políticas de acordo com aquilo que o povo africano necessitava e esperava do seu
discurso e como político ligado ao povo ele sabia das condições do seu público para
que ele pudesse expressar seu discurso.
Também gostaríamos de prestar homenagens às nossas forças de
segurança, a todas as suas patentes, pelo destacado papel que
desempenharam para garantir as nossas primeiras eleições democráticas e
a transição para a democracia protegendo-nos das forças sanguinárias que
ainda se recusam a ver a luz (10 DE MARÇO DE 1994).
Mandela como um político que veio para o povo como uma promessa não
pode deixar dúvidas acerca da sua vida política e convoca o povo a apagar o
passado e praticar o perdão. Ele “acredita” que pedir ao povo para perdoar o inimigo
é uma forma de ele mostrar seu caráter passivo de um político dotado de virtude
demonstrando uma forma de governar diferente, de um político religioso que vai a
favor das leis da igreja em que o perdão é visto como um ingresso para o homem
chegar ao céu. Mandela, como um político que interage com o povo, sabe da
influência da igreja na vida das pessoas.
17
Esse ethos virtuoso revelado em Mandela coloca nele a marca de um
político “diferente” dos outros que sempre teve em si o desejo de permanência,
mostrando que seu engajamento com a política não foi motivado por uma ambição
pessoal, mas sim por um ideal de vida.
Segundo Charaudeau (2008, p. 125), “o ethos da competência” exige saber
e habilidade. Seriam domínio e conhecimento do seu campo de atuação mostrando
suas experiências e poder que ele possui como um político. O político deve provar
que tem os meios, o poder e a experiência necessária para realizar seus objetivos,
obtendo bons resultados. É o que Mandela através dos seus discursos demonstra a
seu público que conhece todos os princípios da vida política.
É pela visão do conjunto do percurso de um político que se pode julgar seu
grau de competência. Mandela invoca esse ethos de competência que se construiu
com suas experiências, estudos e funções exercidas ao longo do tempo. A imagem
que se nota é que ele como político se mostra preparado para governar o seu país.
Isso é o que pode ser percebido pelo interlocutor diante do seu ato discursivo.
Triunfamos no nosso intento de implantar a esperança no coração de
milhões de compatriotas. Assumimos o compromisso de construir uma
sociedade na qual todos os sul-africanos, quer, sejam negros ou brancos,
possam caminhar de cabeça erguida sem receios no coração, certos do seu
inalienável direito a dignidade humana uma nação arco íris, em paz consigo
própria e com o mundo. (MANDELA, 10 DE MAIO DE 1994)
.
O povo africano passava por momentos de conflitos e a solução salvadora
consistia em propor medidas que deveriam reparar o mal existente. Mandela
manifesta em seu discurso o defensor dessas medidas, aparece persuasivo e
constrói para si a imagem forte de salvador da pátria. O público encontra nele o
libertador de seus problemas. Isso refere a que ponto a construção do ethos é
inerante ao discurso político.
Segundo Charaudeau (2008, p.163), “[...] o Ethos de solidariedade faz do
político um ser que não somente está atento às necessidades do outro, mas que as
partilha e se torna responsável por elas”. O político,como um bom representante do
povo deve estar atento às necessidades de seu público, desenvolvendo uma
imagem de um político solidário voltado para as causas sociais, tais como moradia,
educação e lazer, que são alguns dos fatores que compõem a vida de um indivíduo.
18
Esse ethos de homem solidário, generoso, preocupado comparece nos seus
discursos, constituindo-se como um meio de fortalecer seu vínculo político. Nesse
outro
fragmento
do
seu
discurso
(10
DE
MARÇO
DE
1994)
destaca
“comprometemo-nos a libertar todo o nosso povo do continuado cativeiro da
pobreza, das privações, do sofrimento da discriminação sexual e de quaisquer
outros”. Em grande parte dos trechos do discurso selecionado Mandela mantém
argumentações religiosas retratando a prática do perdão da humildade.
Para isso apóia-se em crenças fortes, supostamente partilhadas por todos
para causar efeitos em seus discursos, provando que é através da fé e do seu
mandato como político que a África não será mais a mesma. As ações políticas de
Mandela não surgiram dele sozinho, mas sim de um grupo político organizado que
adere às mesmas ideologias de vida defendida por Mandela.
O político se fortalece através de suas propostas e de seu desempenho no
seu partido a qual está vinculado. Segundo relata Jack Lang (2007), as lideranças
políticas as quais Mandela pertence defende os mesmos ideais políticos que ele
defendi em seus discursos, de ver a África um país livre.
Segundo Charaudeau (2008, p. 79), “o sujeito político deve também se
mostrar crível e persuadir o maior número de indivíduos de que ele partilha certos
valores”. Mandela (2010) encontra na democracia uma forma de governar para
todos. Ele consegue através de atos generosos na política partilhar valores com
vários outros povos, espalhados por todo mundo. Mandela persuade seu público
criando uma espécie de político dos menos favorecidos, sua forma de persuasão
nasce do seu jeito político de ser e de se fazer política. Partilha com os ouvintes das
mesmas idéias e dos mesmos sonhos, buscando o apoio de outras nações. Sua
meta é caminhar juntos em um só pensamento com olhares múltiplos rumo à
liberdade.
Em todo seu percurso enunciativo, Mandela faz o uso de suas palavras
como métodos de auto-ajuda elevam a auto-estima do seu público com palavras
confortantes de esperança, comportando-se como um líder religioso. Portanto
Mandela como político sabia da necessidade de tais falas persuasiva no seu
discurso para a construção de um novo tempo. Os discursos constituídos por
Mandela têm o sentido de aproximar o seu público e de repassar a imagem de
19
homem do “povo”, que caminha junto com seu país. O seu papel é ajudar a África a
se reconstruir e encontrar seu espaço no mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O corpus de análise nesta pesquisa é o discurso político, sendo um discurso
social que circula no interior dos grupos que o constitui. O discurso é constitutivo do
político; ele está ligado à organização da vida social como governo e como
discussão, para o melhor e para o pior. Ele é o lugar de engajamento do sujeito, de
justificação de seu posicionamento e de influência do outro, cuja forma de discurso
varia segundo as circunstâncias de comunicação.
De acordo com os conceitos da Análise do discurso, o sujeito se mostra
assujeitado aos aparelhos ideológicos, o que diferencia dos estudos realizados por
Bakhtin, que vê o sujeito, como sendo livre para escolher, seus dizeres, um sujeito
interativo. No corpus analisado, reconhece-se um sujeito que interage com o povo e
seu enunciado é portador de várias vozes enunciativas, que segundo Bakhtin, são
vozes que manifestam em seu discurso, tais como a igreja, Estado, família. Mandela
usa o discurso para conseguir apoio político do povo. No campo do discurso político,
há uma forte presença ideológica referente às relações sociais e políticas do sujeito.
Tendo em vista que o sujeito procura persuadir o ouvinte a aderir suas
mesmas ideologias de vida, neste trabalho foi abordada a noção de ethos, no intuito
de mostrar a construção da imagem que o político faz de si em seus discursos,
transparecendo seu caráter, seu estilo discursivo e suas crenças e valores. Nota-se
que nos discursos de Mandela há uma forte ligação do sujeito com o público-alvo. O
sujeito participa das mesmas ideologias de seus ouvintes.
O político se mostra preocupado com o povo, por ter vivido os mesmos
conflitos que seu país sofreu. Isso é o que faz de Mandela um político diferenciado,
com um jeito de governar, que traz para seu povo a esperança de tempos melhores.
Entendemos que o discurso é uma prática, uma ação do sujeito sobre o mundo,
quando pronunciamos um discurso, seja em qualquer contexto, agimos sobre o
mundo. Análise do Discurso veio ajudar na compreensão dos sujeitos de uma
sociedade e os efeitos de sentidos produzidos por seus diferentes discursos.
20
Abstract: This study present the Analysis of discourse, showing the
political discourse of African President Nelson Mandela. The goal is to
understand the effects of meaning that the discourse have on the listener.
For this, based in studious of Analysis of discourse, like Gregolin (2007),
Fiorin (1993), Brandão (2004), identifying discursive and ideological
formation present in the political discourse of Mandela. This study
presents also the concepts of statement and polyphony of Bakhtin, for who
the subject is interactive and his discourse have done by multiplicity of
voices. And yet this study show Saussure with his concept of language as
an abstract system separate of speaks. It also analyses the corpus based
on the notion of ethos, as the prospect of Ruthy Amossy (2008),
Dominique Maingueneau (1997), and Patrick Charaudeau (2008), seeking
to identify the images that the subject creates when makes your discourse.
Keywords: Discourse. Ideology. Ethos. Enunciate. political.
REFERÊNCIAS
AMOSSY, Ruth. Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo:
Contexto, 2008.
BAKHTIN, Mikhail. (Volochinov) Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo:
Hucitec, 2004.
BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. 4ª Ed. São Paulo: Contexto, 2007.
__________. Bakhtin: outros conceitos-chaves. São Paulo: Contexto, 2008.
BRANDÂO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas:
Editora da UNICAMP, 2004.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. Tradução de Dílson Ferreira da Cruz e
Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2008.
CITELLI, Adilson. Linguagem e Persuasão. São Paulo: Ática, 2005.
FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Ática, 2007.
GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na Análise do Discurso:
Diálogos & Duelos. São Paulo: Claraluz, 2007.
LANG, Jack. Uma Lição de Vida: Nelson Mandela /Jack Lang; Tradução Rubia
Goldoni. São Bernardo do Campo: Mundo Editorial, 2007.
21
MANDELA. Nelson. Conversas que tive comigo/ Tradução de Ângela Lobo de
Andrade, Nivaldo montingelli Jr. Ana Deiró. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.
_______________. In: <http://maioresdiscursos.blogspot.com/2010/10discurso-denelsonmandela.html>. Acessado em 20 de março de 2011.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios e procedimentos.
Campinas: Pontes, 2003.
SAUSSURRE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2002.
22
ANEXOS
23
1. Discurso de Nelson Mandela
Nelson Mandela, Pretória, 10 de Maio de 1994, "Chegou o momento de
construir”. Hoje, através da nossa presença aqui e das celebrações que têm lugar
noutras partes do nosso país e do mundo, conferimos glória e esperança à liberdade
recém-conquistada.
Da experiência de um extraordinário desastre humano que durou demais,
deve nascer uma sociedade da qual toda a humanidade se orgulhará.
Os nossos comportamentos diários como sul-africanos comuns devem dar
azo a uma realidade sul-africana que reforce a crença da humanidade na justiça,
fortaleça a sua confiança na nobreza da alma humana e alente as nossas
esperanças de uma vida gloriosa para todos.
Devemos tudo isto a nós próprios e aos povos do mundo, hoje aqui tão bem
representados. Sem a menor hesitação, digo aos meus compatriotas que cada um
de nós está tão intimamente enraizado no solo deste belo país como estão os
célebres jacarandás de Pretória e as mimosas do bushveld.
De cada vez que tocamos no solo desta terra, experimentamos uma
sensação de renovação pessoal. O clima da nação muda com as estações. Uma
sensação de alegria e euforia comove-nos quando a erva se torna verde e as flores
desabrocham.
Esta união espiritual e física que partilhamos com esta pátria comum explica a
profunda dor que trazíamos no nosso coração quando víamos o nosso país
despedaçar-se num terrível conflito, quando o víamos desprezado, proscrito e
isolado pelos povos do mundo, precisamente por se ter tornado a sede universal da
perniciosa ideologia e prática do racismo e da opressão racial.
Nós, o povo sul-africano, sentimo-nos realizados pelo fato de a humanidade
nos ter de novo acolhido no seu seio; por nós, proscritos até há pouco tempo, termos
recebido hoje o privilégio de acolhermos as nações do mundo no nosso próprio
território.
Agradecemos a todos os nossos distintos convidados internacionais por terem
vindo tomar posse, juntamente com o nosso povo, daquilo que é, afinal, uma vitória
comum pela justiça, pela paz e pela dignidade humana.
24
Acreditamos que continuarão a apoiar-nos à medida que enfrentarmos os
desafios da construção da paz, da prosperidade, da democracia e da erradicação do
sexismo e do racismo.
Apreciamos sinceramente o papel desempenhado pelas massas do nosso
povo e pelos líderes das suas organizações democráticas, políticas, religiosas,
femininas, de juventude, profissionais, tradicionais e outras para conseguir este
desenlace. O meu segundo vice-presidente, o distinto F.W. de Klerk, é um dos mais
eminentes.
Também gostaríamos de prestar homenagem às nossas forças de segurança,
a todas as suas patentes, pelo destacado papel que desempenharam para garantir
as nossas primeiras eleições democráticas e a transição para a democracia,
protegendo-nos das forças sanguinárias que ainda se recusam a ver a luz.
Chegou o momento de sarar as feridas.
Chegou o momento de transpor os abismos que nos dividem.
Chegou o momento de construir.
Conseguimos finalmente a nossa emancipação política. Comprometemo-nos
a libertar todo o nosso povo do continuado cativeiro da pobreza, das privações, do
sofrimento, da discriminação sexual e de quaisquer outras.
Conseguimos dar os últimos passos em direção à liberdade em condições de
paz relativa. Comprometemo-nos a construir uma paz completa, justa e duradoura.
Triunfamos no nosso intento de implantar a esperança no coração de milhões
de compatriotas. Assumimos o compromisso de construir uma sociedade na qual
todos os sul-africanos, quer sejam negros ou brancos, possam caminhar de cabeça
erguida, sem receios no coração, certos do seu inalienável direito a dignidade
humana: uma nação arco-íris, em paz consigo própria e com o mundo.
Como símbolo do seu compromisso de renovar o nosso país, o novo governo
provisório de Unidade Nacional abordará, com maior urgência, a questão da anistia
para várias categorias de pessoas que se encontram atualmente a cumprir penas de
prisão.
Dedicamos o dia de hoje a todos os heróis e heroínas deste país e do resto
do mundo, que se sacrificaram de diversas formas e deram as suas vidas para que
nós pudéssemos ser livres.
25
Os seus sonhos tornaram-se realidade. A sua recompensa é a liberdade.
Sinto-me simultaneamente humilde e elevado pela honra e privilégio que o
povo da África do Sul me conferiu ao eleger-me primeiro Presidente de um governo
unido, democrático, não racista e não sexista.
Mesmo assim, temos consciência de que o caminho para a liberdade não é
fácil. Sabemos muito bem que nenhum de nós pode ser bem-sucedido agindo
sozinho.
Por conseguinte, temos que agir em conjunto, como um povo unido, pela
reconciliação nacional, pela construção da nação, pelo nascimento de um novo
mundo.
Que haja justiça para todos.
Que haja paz para todos.
Que haja trabalho, pão, água e sal para todos.
Que cada um de nós saiba que o seu corpo a sua mente e a sua alma foi
libertado para se realizarem.
Nunca, nunca e nunca mais voltará esta maravilhosa terra a experimentar a
opressão de uns sobre os outros, nem a sofre a humilhação de ser a escória do
mundo.
Que reine a liberdade.
O sol nunca se porá sobre um tão glorioso feito humano.
Que Deus abençoe África!
26
2. Discurso de Nelson Mandela
“Nosso
grande
medo
não
é
o
de
que
sejamos
incapazes”.
Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não
nossa escuridão, que mais nos amedronta.
Perguntamos-nos: “Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e
incrível”? ”Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?... Bancar o pequeno
não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras
pessoas
não
se
sintam
inseguras
em
torno
de
você.
E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às
outras pessoas permissão para fazer o mesmo". (Discurso de posse, em 1994)

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