Produção: Fundamentos e Processos Arquivo

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Produção: Fundamentos e Processos Arquivo
Produção:
Fundamentos e Processos
Autor
Fabiano de Andrade Caxito
2008
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos
direitos autorais.
C154
Caxito, Fabiano de Andrade. / Produção: Fundamentos e Processos.
/ Fabiano Caxito. — Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2008.
152 p.
ISBN: 978-85-7638-855-2
1. Processos de fabricação. 2. Produção. 3. Planejamento de produção.
I. Título.
CDD 670
1.ª reimpressão
Todos os direitos reservados.
IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel
80730-200 • Curitiba • PR
www.iesde.com.br
Sumário
As organizações e o sistema de produção | 7
Produtos manufaturados | 8
Da Antiguidade até o século XIX | 10
A Revolução Industrial | 11
As grandes ferrovias americanas | 12
O varejo e a gestão de operações nos serviços | 13
A história da Gestão da Produção: o século XX | 19
Fundamentos e conceitos da Gestão de Produção | 31
Processo de transformação | 34
Diferenças entre bens (produtos) e serviços | 34
Funções do gestor de produção | 36
A produção como fator estratégico | 43
Conceitos de estratégia de produção | 45
Os objetivos de desempenho da função produção | 47
Desenvolvimento de projetos em produção | 57
A geração do conceito | 60
Triagem | 62
O projeto preliminar | 63
Avaliação e melhoria de projetos | 64
As tecnologias de processo | 71
Tecnologias de processamento de materiais | 71
Tecnologias de processamento de informação | 74
Tecnologias de processamento de consumidores | 75
Planejamento e Controle da Produção | 81
Previsão de demanda no curto, médio e longo prazos | 83
Planejamento de recursos de longo prazo, Planejamento Agregado de
Produção e Planejamento Mestre da Produção | 86
Planejamento de Materiais, Programação e Seqüenciamento da
Produção, e Controle da Produção e Materiais | 86
Planejamento e Controle da Capacidade | 88
Sistemas de Planejamento e Controle: MRP e MRP II | 95
O MRP (Material Requirement Planning) | 96
O MRP II (Manufacturing Resources Planning) | 100
Optimized Production Technology (OPT) | 102
Sistemas de Planejamento e Controle: Just in Time | 109
Os custos de produção | 110
Ciclo PDCA | 111
Ferramentas JIT | 112
O planejamento e controle da produção no sistema JIT | 115
Utilização combinada dos sistemas de Planejamento e Controle de Produção | 116
Melhoramentos da produção | 123
Ferramentas de melhoramentos da produção | 123
Arranjos físicos | 124
Relacionamento com fornecedores | 127
Gabarito | 137
Referências | 143
Seja muito bem-vindo à disciplina Produção: Fundamentos e Processos.
Nossa disciplina será desenvolvida em dez aulas. Nas duas primeiras, conheceremos a história da gestão das operações, com ênfase no desenvolvimento da disciplina nos últimos dois séculos. Na terceira aula, discutiremos os principais fundamentos e conceitos da gestão da produção, bem
como as funções do gestor de produção.
O quarto capítulo abordará o aspecto estratégico da gestão da produção, e serão destacados os principais objetivos que a função produção
busca atingir para apoiar a estratégia competitiva da empresa.
A quinta terá como foco o desenvolvimento de projetos, seja de produ­
tos, serviços e processos. Nesse módulo, discutiremos as diversas etapas
de um projeto, e como a gestão de produção deve conduzir essas etapas.
Este será complementado pelo capítulo 6, no qual descreveremos as tecnologias de processamento de materiais, de informações e de consumidores.
A partir da sétima aula, o foco de nosso curso será direcionado para o
planejamento e a gestão da produção. Nesse módulo, conheceremos os
conceitos de planejamento de demanda e dos recursos no curto, médio
e longo prazos.
O oitavo e o nono capítulos abordarão os principais sistemas de gestão
da produção: MRP, MRP II, OPT e JIT, mostrando a fundamentação teórica de cada um dos sistemas e suas aplicações práticas. Também serão
discutidas as vantagens e desvantagens de cada um dos sistemas e as
possibilidades de utilização combinada dos sistemas.
Na última aula, a discussão será divida em três tópicos, que se inter relacionam: as ferramentas de melhoramento da produção, o arranjo físico
da produção e o relacionamento com os fornecedores.
O curso é bastante prático e direcionado para um conhecimento geral
sobre a gestão da produção. Espero que tenha tanto prazer em realizálo quanto tive em desenvolvê-lo, e que possamos, juntos, conhecer um
pouco sobre esta disciplina, que apesar de não percebermos, está tão presente em nosso cotidiano.
As organizações
e o sistema de produção
Fabiano de Andrade Caxito*
Olhe a sua volta. O livro que você lê, a roupa que está usando, o caderno no qual faz anotações, o
que você comeu hoje. Quase tudo o que você utiliza no seu cotidiano foi produzido pelas mãos humanas. Utilizamos uma infinidade de produtos que satisfazem nossas necessidades. Sem esses produtos,
nosso dia-a-dia seria bem mais complicado.
Diversas categorias de produtos são necessárias para que possamos viver em sociedade. Alimentos, habitação, transporte, vestimentas, equipamentos eletrônicos, equipamentos médicos, carros, celulares são apenas alguns dos exemplos de bens que utilizamos.
Para que esses bens sejam produzidos, é necessário organizar e utilizar diversos fatores: recursos naturais (terra, metais, elementos químicos etc.), trabalho (mão-de-obra, conhecimento, tecnologia
etc.) e capital (dinheiro, equipamentos, investimentos etc.).
Conhecer a história nos ajuda a entender o presente e a nos preparar para o futuro. Desde o início da civilização, o homem buscou aplicar os conhecimentos que adquiriu para transformar um bem
ou matéria-prima em um outro bem com maior utilidade para seu cotidiano. Cada pessoa produzia as
próprias ferramentas e produtos necessários para seu sustento. Com a evolução da vida em sociedade,
as pessoas começaram a se especializar na produção e fabricação de determinadas ferramentas ou
­produtos. Esses especialistas, ou artesãos, passaram a desenvolver técnicas cada vez mais apuradas
pa­ra produzir produtos com mais qualidade e eficiência. Surgiram, então as primeiras formas de produção organizada.
* Doutorando e Mestre em Administração pela Universidade Nove de Julho (Uninove). MBA em Recursos Humanos pela Universidade de
São Paulo (USP). Graduado em Administração Financeira pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Consultor nas áreas comercial e de
logística. Atuou como gestor de excelência e qualidade em diversas empresas de distribuição e venda de bebidas. É coordenador de cursos
de Pós-Gradução lato sensu em Logística das Operações Comerciais e Negócios Internacionais, professor dos cursos de Marketing, Logística e
Recursos Humanos da Unicid, instituição na qual também atua como assessor de Assuntos Comunitários, Culturais e de Extensão.
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Produção: Fundamentos e Processos
Produtos manufaturados
À medida que as comunidades foram crescendo, os artesãos foram desenvolvendo novos conhecimentos que possibilitaram aumentar sua produtividade. Contrataram ajudantes, que realizavam os
trabalhos mais pesados e que exigiam menos conhecimentos técnicos. Esses ajudantes eram treinados,
aprendendo com o artesão seu ofício.
Diversos fatos históricos demonstram a evolução dos conhecimentos técnicos e tecnológicos da
humanidade, em sua busca por atender necessidades e que só podem ser realizadas mediante esforços
organizados. No ano de 4000 a.C., os egípcios já reconheciam a necessidade de planejar, organizar e
controlar as atividades de produção. Em 600 a.C., Nabucodonosor, da Babilônia, determinou normas
de controle de produção e incentivos salariais. Na China, em 500 a.C., já se reconhecia a necessidade de
sistemas e padrões. Nessa mesma época, na Grécia, Platão enunciava o princípio da especialização e a
importância do conhecimento especializado do artesão. O Arsenal de Veneza, no século XV, desenvolveu e implantou importantes controles, como a contabilidade de custos, a numeração de inventários, a
utilização da linha de montagem e a padronização das partes. Em 1767, na Inglaterra, Sir James Stuart
abordou, em seus estudos, o impacto da automação e a diferenciação entre gerentes e trabalhadores
baseadas nas vantagens da especialização. Uma década depois, Adam Smith descreveu seu princípio
da especialização dos trabalhadores e o conceito de controle. Algumas décadas mais tarde, em 1800,
James Watt e Matheu Boulton descreveram os procedimentos padronizados de operação. Abordaram
também as especificações, os métodos de trabalho e o planejamento da produção.
O processo de produção artesanal evoluiu durante milênios, desde as primeiras técnicas desenvolvidas pelos homens das cavernas. Porém, esse
tipo de produção sempre esteve centrado na figura
de um artesão, uma pessoa que detinha o conhecimento técnico e tecnológico necessário para transformar matérias-primas em produtos acabados.
Todo esse modo de produção sofreu uma
grande mudança com a Revolução Industrial, a partir do século XVIII. Segundo Maximiano (2002), a Revolução Industrial tem como origem dois eventos:
o surgimento das fábricas e a invenção das máquinas a vapor. Em substituição ao artesão, um novo
e importante personagem surge no desenvolvimen- Tecelão. Vincent van Gogh.
to dos produtos: a empresa industrial. A Revolução Industrial, ainda segundo Maximiano, teve impacto
não só sobre o desenvolvimento de produtos, mas também sobre a forma de organização da sociedade. O surgimento das fábricas e a substituição do artesão pelo operário especializado causaram o crescimento das cidades, o que levou à necessidade do desenvolvimento da administração pública e o surgimento de sindicatos.
O surgimento das fábricas tem como origem o sistema de fabricação para fora, uma transição
entre o sistema artesanal e o sistema fabril. Grandes capitalistas contratavam famílias de artesãos, e
lhes entregavam matérias-primas e equipamentos necessários para a fabricação das peças. Os artesãos
­recebiam por peça produzida. Esse tipo de produção ainda é utilizada, em especial na indústria de roupas, que utiliza o serviço de costureiras que realizam seu trabalho em casa.
Wikipedia.
Esse sistema apresenta uma série de pro­
blemas: o conhecimento das técnicas de fabricação continua na mão dos artesãos. O proprietário
da matéria-prima e dos equipamentos também
não podia controlar e determinar a produtividade e portanto, não conseguia determinar quantas
peças seriam fabricadas em um determinado período de tempo. Como forma de evitar esses problemas, alguns comerciantes começaram a reunir os trabalhadores em galpões. Assim, podiam
manter maior controle sobre o trabalho. Surgem
então as primeiras fábricas.
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Wikipedia.
As organizações e o sistema de produção
Fábrica no período da Revolução Industrial.
Porém, segundo Maximiano (2002), o que marca o início da Revolução Industrial é a invenção da máquina a vapor, e a sua aplicação nas
fábricas, em especial na indústria têxtil, com a utilização dos teares mecânicos. Desde o início da Revolução Industrial, diversos autores e empresários se preocuparam com o planejamento e o controle da produção, como forma de garantir a maior produtividade possível. James Watt,
inventor da máquina a vapor, implantou em sua Fundição Soho, diversos
conceitos que ainda hoje são utilizados nas indústrias, tais como a padronização do funcionamento das máquinas, o planejamento detalhado das
operações, a cronometragem dos tempos e movimentos realizados pelos
operários, o pagamento de incentivos salariais relacionados à produtividade e os benefícios ao trabalhador.
Outro empresário que lançou novos conceitos de gestão foi Robert
Owen. Ao observar que os funcionários de uma fiação que existia em sua cidade trabalhavam e viviam em péssimas condições de higiene e moradia, Owen
comprou parte da empresa e implantou uma série de mudanças baseadas nos
ideais da filosofia utópica. As casas nas quais os funcionários residiam foram
reformadas, um armazém foi montado para vender alimentos e outras mercadorias a baixos preços. Owen implantou um rígido controle sobre o uso de
bebidas alcoólicas, e fundou a primeira escola maternal instalada na Inglaterra.
A comunidade era gerida pelos próprios funcionários, e vales correspondentes
ao número de horas trabalhadas eram usados como dinheiro.
Wikipedia.
James Watt.
Robert Owen.
Experiências como a de Watt e a de Robert Owen, da Fiação New Lanark, na Escócia, anteciparam
algumas das escolas de administração que foram desenvolvidas no final do século XIX e no século XX.
O controle e a administração da produção como seu principal autor Frederick Taylor, um engenheiro
americano que estudou em profundidade os processos de manufatura então adotados pelas indústrias.
Taylor foi o criador e o principal participante do movimento da Administração Científica, que incorporou conhecimentos e métodos de análise científica ao estudo da administração.
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Produção: Fundamentos e Processos
O século XIX marca o início da área do conhecimento que aqui chamaremos de gestão de produção. Na literatura sobre o tema, encontramos também os termos “gestão de produção e operações”,
“­administração de produção”, “engenharia de produção” e outros. No início, os conceitos eram geralmente ligados apenas às indústrias, mas ao longo dos séculos XIX e XX a gestão de produção passou a
incorporar também os aspectos ligados à produção de serviços, as redes de empresas que se relacionam em uma cadeia de suprimentos.
Para Slack et al. (1996), a gestão de operações é a atividade de gerenciamento de recursos escassos e processos, que produzem e entregam bens e serviços, visando a atender necessidades e/ou desejos de qualidade, tempo e custo de seus clientes. Toda e qualquer organização tem dentro de si uma
função de operações, pois gera algum tipo de valor para seus clientes. Esse valor pode incluir algum
composto de produtos e serviços.
A disciplina de Gestão de Operações faz parte do currículo da maioria das escolas de Administração, escolas de Engenharia e carreiras relacionadas. A maioria da literatura sobre o tema aborda tópicos
como estratégia de operações, projeto de produtos e serviços, gestão de capacidade produtiva, localização e arranjo físico de instalações, gestão de qualidade, gestão de redes de suprimentos, planejamento programação e controle das operações e gestão de estoques. Neste capítulo, vamos conhecer e
discutir alguns fatos marcantes da evolução dessa área de conhecimento.
Da Antiguidade até o século XIX
Grandes obras como a Grande Muralha da China, as pirâmides no Egito e na América Central,
estradas e aquedutos no Império Romano ou a construção das grandes catedrais góticas foram, certamente, construções que exigiram um grande esforço de coordenação e a utilização de técnicas gerenciais para suas operações.
Muito pouco se sabe sobre métodos gerenciais usados para a gestão desses empreendimentos.
Os projetos monumentais envolviam milhares de pessoas com as mais variadas atividades. Em geral,
não havia uma grande preocupação com a duração do projeto e seu custo, pois a maioria dos projetos
apresentava uma natureza religiosa e política. Dessa forma, não havia pressão por eficiência ou eficácia
na gestão.
Já no século XVII, a gestão das operações começou a ser estudada, e os primeiros textos sobre
o tema foram publicados. Defoe (1697 apud Slack, 1996), em seu livro Essay Upon Projects, afirma que
alguns projetos eram realizados por volta do ano de 1640. Esses projetos, porém, ainda não apresentavam um nível de organização e sistematização da gestão de suas operações.
O padrão de organização e gestão das operações industriais, como conhecemos hoje, foi desenvolvido durante o século XIX. O Sistema Americano de Manufatura (American System of Manufacturing
– ASM) baseava-se em três pilares:
::: desenvolvimento de máquinas e equipamentos;
::: uso de matérias-primas de melhor qualidade; e
::: intensificada aplicação de energia.
As organizações e o sistema de produção
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As empresas passaram a organizar seu processo de produção, desenvolvendo novas plantas produtivas, práticas e procedimentos para sincronizar fluxos de deslocamento dos materiais e da mão-deobra e supervisionar a força de trabalho.
A Revolução Industrial
Em 1776, na Inglaterra, James Watt começou a produzir motores a vapor, utilizados em fábricas
de artefatos de ferro e aço, dando início à Primeira Revolução Industrial, mudando completamente os
processos industriais. A máquina a vapor permitiu a mecanização das tarefas antes executadas de forma
manual, o que levou a ganhos de escala, ou seja, o aumento da produtividade, e lançou as bases para a
produção em massa. Essas primeiras indústrias, porém, ainda não tinham a capacidade de produzir em
massa produtos mais complexos, compostos de vários componentes, e que exigiam diversas habilidades e especializações profissionais para a produção.
Wikipedia.
A Inglaterra liderou o mundo industrial e tecnológico durante todo o século XVIII, em especial os equipamentos têxteis, as máquinas, as ferramentas e os motores
a vapor. Apesar dessa evolução em termos tecnológicos,
os sistemas de gestão da produção não estavam adaptados para o que conhecemos hoje como produção em
massa de produtos complexos. Na sua maioria, os produtos industrializados eram simples e pouco complexos.
A industrialização de produtos compostos por diversos
componentes (que requeriam especializações profissionais diversas para a produção) ainda era quase que
exclusivamente realizada por pequenos artesãos, em Motor a vapor de Watt.
suas oficinas particulares. Os consumidores buscavam produtos de alta qualidade, personalizados, com
tradição. Dessa forma, até o final do século XVII, a maioria dos produtos eram feitos por indústrias de pequena escala, mantidas por artesãos e que produziam sob encomenda, com alta qualidade, por meio de
produção e montagem manual. Apesar da alta qualidade, essa forma de produção era pouco eficiente
quanto ao uso de materiais e mão-de-obra. A produção não era organizada por funções especializadas:
o trabalhador, em geral, produzia o produto inteiro manualmente.
Em 1798, Eli Whitney (inventor da máquina de processar algodão) assinou com o governo dos Estados Unidos a produção de 10 000 mosquetes. Ele decidiu, então, reorganizar e redefinir toda a forma
de produzir as armas. Construiu ferramentas e outros equipamentos e definiu um fluxo integrado de
produção através de sua fábrica de mosquetes. Eli Whitney dividiu o trabalho de construção do mosquete em diversos postos de trabalho. Dessa forma, a gestão da produção não deveria mais se preocupar em coordenar os esforços individuais de uma série de artesãos, mas sim em definir a atividade a ser
desenvolvida por cada operário. A responsabilidade pela quantidade e qualidade das armas produzidas,
deixou de ser do artesão e passou a ser dos engenheiros que desenvolveram o sistema de manufatura
A experiência de Whitney colocou em prática as idéias de divisão do trabalho desenvolvidas por Adam
Smith em seu livro A Riqueza das Nações: operários trabalhando repetidamente em partes individuais e
não em produtos completos.
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Produção: Fundamentos e Processos
Porém, um novo problema surgiu para os fabricantes: os avanços tecnológicos, cada vez mais
freqüentes, acabavam por tornar o produto obsoleto. A fabricante de máquinas de costura Singer foi
pioneira no desenvolvimento de uma organização de manufatura flexível o suficiente para assimilar
avanços tecnológicos, enquanto oferecia variedade de produtos a custos baixos e uma qualidade uniforme. A única diferença entre uma máquina Singer mais barata de uma mais cara era o acabamento.
Todas as peças ligadas ao funcionamento da máquina eram as mesmas. No final do século XIX, três
quartos das máquinas de costura vendidas no mundo tinham a marca Singer.
Samuel Colt resolveu o problema da obsolescência de outra forma: utilizou a mais moderna tecnologia e incentivou melhoramentos contínuos nas tecnologias de produto e processo como forma de
obter vantagens em relação a seus concorrentes. Colt esforçava-se para melhorar a produção, e também tinha idéias bastante modernas sobre condições de trabalho em suas fábricas.
As rápidas mudanças levaram as fábricas a desenvolver novos tipos de relacionamento com fornecedores tanto de matéria-prima quanto de componentes e submontagens, que eram difíceis de serem feitas internamente. Fontes de suprimentos externas permitiam aos fabricantes adquirir peças e
partes de seus produtos de forma muito mais barata e com mais tecnologia. Quanto mais sofisticada
e específica a peça a ser produzida pelos fornecedores, mais especializados eles se tornariam. Dessa
forma, as grandes empresas passaram a ter que se relacionar com um maior número de fornecedores.
Cada um deles, especializado em fabricar uma determinada parte do produto final. Gerenciar esses
relacionamentos passou a ser uma competência necessária àqueles que supervisionavam a produção
das indústrias.
A grande explosão da quantidade de oficinas especializadas em fornecer peças, moldes, ferramentas para as grandes indústrias foi fundamental para o surgimento da primeira geração de fabricantes de automóveis, como: Henry Ford, Durant, Dodge, Studebaker, que na verdade, montavam seus
carros a partir de componentes fornecidos por terceiros.
As grandes ferrovias americanas
Outra indústria da época que teve um aspecto importante na evolução da gestão de operações
foram as ferrovias americanas, pois simbolizam a Segunda Revolução Industrial. A chamada Segunda
Revolução Industrial difere da primeira por um significativo aspecto: o capital necessário para construir
uma ferrovia era imensamente maior do que o necessário para construir uma fábrica de bens de consumo. Exatamente por seu tamanho, exigiam estruturas organizacionais, com vários níveis hierárquicos de
profissionais, além de métodos de contabilização completamente diferentes dos até então adotados.
Daniel C. McCallum (1815-1878), um dos gestores da York and Erie Railroad Company, desenvolveu estruturas organizacionais, linhas de autoridade, comunicação e divisão do trabalho.
Além de impulsionar a criação de indústrias de produção de componentes e de extração de matérias-primas necessárias para a construção dos trilhos, vagões e locomotivas, as ferrovias, depois de
construídas, permitiram um fluxo ininterrupto de produtos. Esse fato fez com que as grandes indústrias
aumentassem sua escala produtiva, já que podiam distribuir seus produtos para uma grande quanti­
dade de localidades.
As organizações e o sistema de produção
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O varejo e a gestão de operações nos serviços
O crescimento e desenvolvimento das grandes empresas de varejo nos Estados Unidos, no final
do século XIX, tais como a Sears & Roebuck, foi outro importante evento que influenciou o desenvolvimento das práticas contemporâneas de gestão de operações. O ponto mais importante para o funcionamento da grande rede de varejo da Sears era um intrincado e organizado sistema de programação de
pedidos. Henry Ford estudou em detalhe esse sistema antes de construir sua primeira fábrica, na qual
utilizou algumas das idéias desenvolvidas na Sears.
O sistema desenvolvido pela Sears lidava com uma quantidade enorme de pedidos, papéis e
­produtos de forma automatizada. Outro aspecto fundamental para a gestão de operações que foi desenvolvido pela Sears foi o desenvolvimento de técnicas e práticas de contabilização de custos. O controle contábil sobre os custos relativos a cada pedido era de fundamental importância para os grandes
varejistas, em função das pequenas margens de lucro unitárias. Devido ao seu bem desenvolvido sistema de controle de pedidos, varejistas como a Sears podiam atender mercados muito mais amplos e distantes do que os varejistas normais. Nesse cenário, a propaganda e a publicidade ganharam uma nova
dimensão.
Podemos dizer que a gestão das operações industriais como conhecemos atualmente nasceu na
indústria de produtos metal mecânicos. Utilizando os conceitos de produção em massa aperfeiçoada
na construção das grandes ferrovias, e a organização desenvolvida pelos grandes varejistas, diversas
indústrias mecânicas surgiram e cresceram nessa época, impulsionadas pelo crescimento acelerado
das demandas das ferrovias.
Neste capítulo, abordamos os principais fatos históricos que precederam o século XX, no qual a
gestão de operações industriais floresceu e passou a ser considerada uma importante área de conhecimento. Os fatos e conceitos discutidos neste capítulo prepararam as indústrias para a grande revolução
na gestão, que surge já no início do século XX. A indústria automobilística, em especial a Ford Motor Co.,
foi a primeira grande indústria a implantar conceitos como divisão de trabalho, organização do fluxo de
produção e a linha de produção móvel em suas fábricas.
Texto complementar
Evolução histórica da Logística Empresarial
(LEÃO, 2008)
Desde a formação dos grupos sociais primitivos, que deram origens à construção das sociedades organizadas, o homem tem desenvolvido atividades econômicas, procurando atender ao seu
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Produção: Fundamentos e Processos
instinto de sobrevivência. A história demonstra, através dos séculos, que o desenvolvimento das
sociedades, pelo acúmulo de conhecimento e geração de riqueza, tem apresentado três situações
básicas: tradição, imposição e liberdade econômica. O desenvolvimento econômico, através da tradição, estabeleceu que as atividades deveriam obedecer aos usos e costumes, respeitando rigorosamente a divisão de classes.
As grandes obras da Antiguidade, por seu turno, foram construídas por imposição, através de
decretos autoritários que asseguravam a sobrevivência política e econômica das sociedades. E, finalmente, atendendo à liberdade econômica, foi estabelecido um arranjo no qual o desenvolvimento seria obtido por um sistema de mercado, onde a motivação dos seus agentes se estabelecia
pelo lucro monetário.
As sociedades medievais eram fragmentadas politicamente, dificultando o seu desenvolvimento econômico. Nesse período ainda não havia condições para o estabelecimento consciente de
um sistema de mercado, porque os seus fatores básicos de produção – terra, trabalho e capital – não
eram reconhecidos como tal. A economia, movida pela tradição, não considerava a terra como uma
propriedade vendável, pois esta proporcionava as bases para o prestígio social e o alicerce para a
organização da sociedade. Da mesma forma, não existia um mercado de trabalho estabelecido,
pois seus agentes estavam vinculados aos donos das propriedades no campo ou às corporações de
ofício nas cidades.
O terceiro fator de produção, o capital, existia sob a forma de riqueza privada que, no entanto,
não se dispunha a assumir riscos com novos e agressivos usos, preferindo o conservadorismo seguro, mesmo à custa da ineficiência das técnicas de produção. A partir do século XV, intensifica-se o
comércio marítimo e fluvial entre as cidades européias que dispunham de vias navegáveis. A produção de bens transportáveis a granel, tais como madeira, cereais, lã e vinho, favorecia essa prática
e atendia à sua crescente população. O transporte de mercadorias, principalmente através de vias aquáticas, favoreceu o estabelecimento de uma indústria de construção naval e a criação de novos centros de riqueza e comércio
– embrião dos modernos centros logísticos – realimentados através do desenvolvimento de um
sistema creditício e bancário de escala internacional. Esse impulso permitiu que esses novos centros pudessem financiar as conquistas coloniais transoceânicas, a partir das quais se desenvolveu
o mercantilismo como forma de geração de riquezas das nações européias, que necessitavam de
investimentos crescentes para manutenção do poderio militar e garantia de continuidade de suas
atividades econômicas. [...]
A Revolução Industrial é conseqüência da criação de um ambiente favorável à transformação
econômica, devido ao esgotamento do modelo mercantilista de geração de riqueza e à necessidade
de manutenção da competitividade econômica e militar das nações tem início em fins do século
XVIII, e se estende por todo o século XIX, primeiramente na Inglaterra e, posteriormente, na Europa
continental e nos Estados Unidos. Seu efeito mais significativo foi o crescente incremento de produtividade dos sistemas econômicos que dela se beneficiaram. Até o início do século XIX, as transações econômicas ocorriam
entre o proprietário da empresa e fornecedores de matérias-primas, trabalhadores pagos por tarefa
e clientes. As organizações e o sistema de produção
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O advento da Revolução Industrial permitiu que as empresas se beneficiassem da economia
de escala, a partir da divisão do trabalho e do aumento da capacidade de produção dos sistemas de
manufatura, exigindo, em contrapartida, uma inversão significativa de capital por prazos mais longos. No final do século XIX, muitas empresas ainda empregavam métodos de produção artesanal,
cujos custos eram elevados e não diminuíam com o aumento dos volumes de produção. Surge, então, uma nova concepção, desenvolvida por Henry Ford, que superava os problemas
da produção artesanal, denominada de sistema de produção em massa. Esse sistema apresentava
novas características, incorporando os avanços tecnológicos existentes à época. A chave para o seu
sucesso foi o desenvolvimento de peças intercambiáveis e a facilidade de ajustá-las entre si, tornando possível a implementação da linha de montagem com poucas tarefas de ajustes complexos. Tal especialização teve como reflexo um crescimento das áreas de apoio engenheiros de produto, engenheiros de produção e administradores de materiais responsáveis pelo desenvolvimento
dos produtos, elaboração de seus métodos de produção e administração das operações de suprimentos, fabricação, montagem e expedição. Essa nova concepção de produção provocou impactos
na organização da empresa e na sua relação com o mercado.
O sistema de produção em massa que foi economicamente hegemônico durante grande parte
do século XX exigiu uma nova forma de organização empresarial, impulsionando o desenvolvimento da Logística Empresarial. A partir dos anos 1970, o cenário macroeconômico mundial começa a
se modificar, alterando os parâmetros de competição. As novas exigências de mercado, aumento
da qualidade, redução dos prazos de fornecimento e crescente demanda pela redução do tempo
de ciclo de desenvolvimento de novos produtos obrigaram as empresas a uma adequação de seus
sistemas logísticos, determinando o declínio da supremacia do conceito de produção em massa
como forma de conquistar maior lucratividade e rentabilidade. [...]
Após a Segunda Guerra Mundial, o caminho natural para reconstruir os países destruídos parecia ser a reprodução do modelo norte-americano de produção em massa, adotado com sucesso
pelos países europeus até meados dos anos 1970. O Japão, no entanto, devido a características particulares – mercado doméstico limitado e reduzida capacidade financeira para investimento em tecnologias ocidentais – optou por um modelo
diferenciado, o sistema de produção enxuta. Nesse sistema foram desenvolvidas técnicas que permitiram a diminuição do tamanho dos lotes de produção, proporcionando uma redução dos custos
financeiros com a manutenção de estoques. Além disso, a adoção destas técnicas permitiu uma
economia com a redução do desperdício, através do aumento da preocupação com a qualidade das
peças fabricadas, cujos defeitos eram identificados e corrigidos imediatamente. O trabalho iniciado
nos setores de fabricação foi expandido para as linhas de montagem final e, posteriormente, para
a rede de fornecedores, organizando-os em um sistema integrado, que deu origem ao conceito de
cadeia de suprimentos. Nas últimas décadas do século XX, o incremento na disponibilidade de equipamentos e ferramentas para o gerenciamento de negócios e troca de informações entre as empresas tem permitido
a mensuração e avaliação do desempenho da cadeia de suprimentos. Os empreendimentos de alto
valor passaram a desempenhar funções típicas de uma empresa de prestação de serviços, oferecendo
atividades especializadas de operação logística, a fim de vincular os processos de agregação de valor. 16
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Produção: Fundamentos e Processos
A logística, então, passou a ser um instrumento fundamental para a manutenção da competitividade, tendo o Council of Logistics Management, entidade que reúne mais de 15 000 profissionais
da área, estabelecido que – submetendo a logística aos novos conceitos de gerenciamento da cadeia de suprimentos, e responsabilizando-a pela integração dos processos de negócios, desde os
fornecedores até os usuários de produtos e serviços – a Logística Empresarial é o processo de planejamento, implementação e controle do fluxo e armazenamento de bens e serviços, com eficiência e
economia, e das informações a eles associadas, desde o ponto de origem até o ponto de consumo,
satisfazendo as exigências dos clientes. Atividades
1.
Quais são os três tipos de fatores necessários para a produção de um bem?
2.
Qual invenção pode ser considerada a deflagradora da Revolução Industrial?
As organizações e o sistema de produção
3.
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De acordo com as informações abaixo, escolha a alternativa correta.
I. Uma das indústrias que teve um aspecto importante na evolução da gestão de operações
foram as ferrovias americanas.
II. A indústria de construção civil influenciou a evolução da gestão de operações.
III. Outro importante evento que influenciou o desenvolvimento das práticas de gestão de operações foi o crescimento e desenvolvimento das grandes empresas de varejo.
Podemos afirmar que:
a) somente a afirmativa I está correta.
b) somente a afirmativa II está correta.
c) as afirmativas I e III estão corretas.
d) todas as afirmativas estão corretas.