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O CINEMA DE GLAUBER ROCHA NO JAPÃO
Toshihiko Yamamoto*
Recebido: 12 set. 2012
Aprovado: 21 set. 2012
* Doutorando da Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio. Parte deste trabalho foi apoiada pela Sasakawa
Sientific Reserch Grant de The Japan Science Society. Fuchuu, Tóquio, Japão. E-mail: [email protected]
Resumo: Este artigo examina as discussões do cineasta brasileiro, Glauber Rocha, no Japão. Os filmes “Deus e o
diabo na terra do sol” (1963); “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” (1969) do cineasta
influenciaram os artistas japoneses para refletir a sociedade japonesa com a ideia cinematográfica, Terceiro
Mundo. Analisando a crítica do Glauber Rocha feita pelo fotógrafo, Takuma Nakahira, em 1970, e sua
prática fotográfica em Okinawa, como seu Terceiro Mundo, interpretado por Gou Hirasawa e Isao
Nakazato que apontaram a semelhança entre o cineasta okinawano, Gou Takamine e o cineasta brasileiro
através da ideia do filósofo francês, Gilles Deleuze. Este trabalho procura a aplicação da visão do fotógrafo
aos estudos interculturais.
Palavras-chave: Glauber Rocha. Terceiro Mundo. Takuma Nakahira. Okinawa. Crítica de visão.
GLAUBER ROCHA’S FILMS IN JAPAN
Abstract: This paper examines the discussions of brazilian film director, Glauber Rocha, in Japan. The director’s
films, “Deus e o diabo na terra do sol” (1963) and “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” (1969)
influenced japanese artists to reflect the japanese community with the cinematographic idea, Third
World. Analyzing photographer, Takuma Nakahira’s critique of Glauber Rocha, in 1970, and his
photographic practice in Okinawa, as his Third World, that was interpreted by Gou Hirasawa and Isao
Nakazato that pointed out the similarity between okinawan film director, Gou Takamine and brazilian
film director through french philosopher, Gilles Deleuze’s idea, this work tries to apply the
Nakahira’s vision to the intercultural studies.
Key words: Glauber Rocha. Third World. Takuma Nakahira. Okinawa. Critique of vision.
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1 EXIBIÇÃO DE FILMES DE GLAUBER ROCHA NA ÉPOCA DA PRODUÇÃO
Os filmes de Glauber Rocha foram apresentados oficialmente no Japão várias vezes. Na
primeira delas, “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”, foi apresentado em 1970, e na
segunda, “Deus e o diabo na terra do sol”, em 1985, ambas as vezes os filmes foram exibidos em
Tóquio1. E também, em 2010, 2011 e 2012 houve uma mostra retrospectiva da obra do cineasta.
Dentre estas exibições, a que obteve maior repercussão foi a de “O dragão” em 1970.
A sociedade japonesa, na década de 1970, passava por um grande crescimento
econômico, processo já iniciado na década anterior. Com a economia em crescimento potencial, o
capital japonês foi exportado principalmente para os países asiáticos, a fim de as empresas
multinacionais investirem no exterior. A relação internacional entre o Japão e o Brasil também
foi marcada pelo capital investido nos projetos das empresas multinacionais japonesas no Brasil,
que foram mais efetivos do que os projetos anteriores, tal como a imigração japonesa. O Brasil,
naquele momento, já era um país que se afastava do Terceiro Mundo e entrava na etapa de alto
crescimento econômico com o desenvolvimentismo. Qual terá sido o significado da exibição no
Japão da obra do cineasta brasileiro que tinha insistido no conceito de terceiro mundo
internacionalmente?
Para um frequentador das salas de cinema do Japão, o Brasil era conhecido através de
filmes japoneses como Ikimono no kiroku (Vivo no medo, Akira Kurosawa, 1955), Ore wa
matteruze (Estou esperando, Koreyoshi Kurahara, 1957), Ai no sanka (Hino de amor, Yoji
Yamada, 1967), ou Rio no wakadaisyo (Juventude no Rio de Janeiro, Katsumi Iwauchi, 1968).
Também já tinham sido exibidos sete filmes brasileiros no país até aquele momento, como “O
cangaceiro” (Lima Barreto, 1953), “O pagador de promessa” (Anselmo Duarte, 1962), “Os
cafajestes” (Ruy Guerra, 1962), “Lampião, o rei do cangaço” (Carlos Coimbra, 1962),
“Bonitinha, mas ordinária” (Billy Davis, 1964), “Noite vazia” (Walter Hugo Khouri, 1964), e um
filme de J. B. Tanko (SCREEN, 1969; RATEN, 1988). Pelo menos, era possível reconhecer-se a
imagem do Brasil projetada entre o povo japonês surgida do olhar invejoso pelos recursos
1
No ano de 1970, a companhia distribuidora já tinha a cópia de Deus e o diabo na terra do sol, mas ainda não tinha
o direito de exibição. O filme foi exibido não oficialmente em alguns cineclubes (MATSUDA, 1970).
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naturais do país (SAITO; KOMAI; NAKAGAWA, 1978), mas também, do olhar pejorativo pela
emigração japonesa, considerada ainda como uma fuga do país (SUZUKI, 2008). Havia, ainda, a
imagem do exotismo do Nordeste através de “O cangaceiro” (IIJIMA, 1955). “O dragão da
maldade contra o santo guerreiro”, de Glauber, foi exibido nessa conjuntura. Nota-se que havia
poucas informações sobre o país do cineasta e a respeito do próprio Cinema Novo, movimento do
qual Glauber Rocha fazia parte.
Na ocasião da exibição de “O dragão”, uma revista japonesa de cinema, Art Theatre,
organizou os artigos especiais sobre o cineasta. Um deles abordou elementos da sociedade
brasileira para entender a sua obra fílmica, tais como a raça, os aspectos regionais como o sertão,
a religiosidade de matriz afro-brasileira, além de um panorama sobre a história do Cinema
Brasileiro (JAPAN..., 1970). Ao fazermos o cotejamento com outros periódicos, também se
percebe que a recepção do cineasta na Europa, a exemplo da revista francesa, Cahiers du
Cinéma, foi uma das pontes para conhecer Glauber Rocha no Japão, já que os Cahiers contavam
com um número significativo de leitores no país (KIKAN, 1970; TAYAMA, 1969).
Quem promoveu a exibição do filme no Japão foi a Art Theatre Guild, uma companhia
exibidora da cultura de vanguarda japonesa, que priorizava principalmente temáticas sobre
cinema e teatro dos anos 1960 e 1970. No campo cinematográfico, o seu objetivo era o de
apresentar o novo cinema mundial para o público japonês, além de financiar projetos para a nova
cinematografia japonesa. É nesse contexto que os cineastas estrangeiros são trazidos ao
conhecimento: Godard, Antonioni, Losey e o próprio Glauber. Interessante notar que deste
projeto surgiram muitos financiamentos para os filmes dos cineastas pertencentes à chamada
Nouvelle Vague japonesa: Oshima, Shinoda, Matsumoto e Yoshida. Enquanto a sociedade
japonesa experimentava o seu alto crescimento econômico, havia uma parcela significativa da
população que se mostrava problemática à modernização. Tal insatisfação foi ilustrada por
Oshima em um dos seus filmes, como a última cena de Shinjuku Dorobo Nikki (Diário de ladrão
em Shinjuku, 1969), filmada em Shinjuku, um bairro de Tóquio. A atmosfera era de
questionamento da moralidade, da passividade da sociedade frente às mudanças, e do clima
beligerante da Guerra Fria, ambos sob a rubrica da modernidade. Assim, a Art Theatre Guild foi
um forte veículo para promover essas discussões através do novo cinema mundial e da Nouvelle
Vague japonesa (KUZUI; HIRASAWA, 2008). Inclusive, isso possibilitaria aos espectadores a
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discussão da realidade dos países em subdesenvolvimento e do Terceiro Mundo, assuntos que
estavam no horizonte do cineasta Glauber Rocha.
2 DISCUSSÕES SOBRE GLAUBER ROCHA POR ALGUNS JAPONESES
O interesse do público japonês em relação à obra de Glauber Rocha segue em diferentes
direções. Há um ponto de vista que é o próprio dos estudos cinematográficos, que pensam a
produção fílmica do cineasta dentro da conjuntura do cinema mundial, notavelmente dos anos
1960 e 1970. Há outro que é o comum aos estudos de área do Brasil no Japão, que concebem as
obras do cineasta como documentos a partir dos quais é possível entender a cultura brasileira do
período. Cabe ressaltar que o presente trabalho busca desenvolver o primeiro ponto de vista, que
é o da autocrítica.
O fotógrafo japonês, Takuma Nakahira2 escreveu um livro, Naze, syokubutsuzukan ka
(Porque uma enciclopédia de botânico), no qual ele criticou a ilusão da fotografia ser
considerada como objetividade, principalmente documento, e também, do olhar do ser humano
como a subjetividade, principalmente artística. Aquela é um objeto para funcionar na sociedade
consumista instituída pelo Estado, o capital, e a comunicação de massa, enquanto este é o desejo
de um sujeito para procurar significado de si como artista na sociedade, olhando e ignorando o
objeto. O superar da ilusão através da crítica e o exercício do fotógrafo seriam a percepção
corporal como naturalidade humana, refletindo o objeto: autocrítica da sua visão. Portanto, a
fotografia de Nakahira não é para transmitir um significado do objeto e do sujeito a fim de
sustentar a sociedade consumista, mas sim, é para projetar a reflexão do seu olhar com o objeto a
fim de memorizar a sua visão, como a percepção corporal, na câmera.
Houve um dos seus exercícios como lição: o terceiro mundo de Glauber Rocha. O
fotógrafo comentou no seu livro sua impressão sobre o filme “Deus e o diabo na terra do sol”,
assistido por ele em 1970 num cineclube. Nakahira compara o filme brasileiro à película de
Agnes Varda, “A felicidade” (1964). Na ocasião, disse haver uma grande barreira no que se
2
Nakahira Takuma. 1938-. Fotógrafo e crítico. Um dos fundadores de revista de fotografia, Provoke (1968-1970),
em que fazia a crítica da fotografia e propunha um novo pensamento efetivo político no momento através da
fotografia. Suas principais obras seriam: Circulation: hiduke, basyo, koui (Circulação: dia, lugar e ação) (2012) e
Mitsudukeru hateni hi ga…(Fogo no horizontal de olhar…) (2007).
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refere a uma linguagem comum, que permitisse a comunicação entre pessoas do mundo ocidental
e do Terceiro Mundo. Daí a importância do cineasta para encurtar esse caminho, já que poderia
recorrer, a exemplo de Glauber, a recursos sinestésicos e estilizados, como gesto, musicalidade e
ritmo terceiro mundistas. O fotógrafo também alerta que a população japonesa do pós-guerra, que
acatara o modo de vida ocidental, igualmente perdera a sua capacidade linguística para se
comunicar com o terceiro mundo. Assistindo a Glauber Rocha, Nakahira enfatizou a importância
do cineasta no seio deste processo (NAKAHIRA, 2007).
O fotógrafo analisou no ensaio a linguagem do cineasta, não só o conteúdo da obra, mas
também a política de filmagem que reflete a visão do cineasta terceiro mundista. Aberta à
germinação da possibilidade de evocar o terceiro mundo no Japão em 1970, a crítica tem sido
discutida no campo de estudos cinematográficos, ainda em voga nos debates contemporâneos.
No ano de 2006, foi lançada a primeira edição japonesa do livro do filósofo francês,
Gilles Deleuze, “Cinema: o tempo e imagem”. Artigos específicos para o livro foram
organizados, nessa ocasião, por uma revista japonesa de crítica, VOL. Um dos organizadores da
revista e crítico de cinema, Gou Hirasawa3, explicou sobre a necessidade do discurso dos países
do Terceiro Mundo contra a violência fomentada pela guerra e pelo subdesenvolvimento. O autor
menciona uma expressão de Deleuze, “o povo é o que falta” (VOL, 2007, p. 136-137), que
possibilita compartilhar da visão criticada pelo fotógrafo Nakahira. Cá nos dias de hoje, o espaço
cabível ao Terceiro Mundo tem sido cada vez mais restrito, a exemplo do olhar que é voltado à
África, América Latina e Ásia. É bom lembrar que parte dos cineastas desses continentes
reconhece o papel importante da linguagem cinematográfica para intervir na política do país, em
prol de mudanças efetivas.
A este respeito, é interessante uma entrevista feita por Hirasawa, que procura a ligação
entre Glauber Rocha e o cinema de Okinawa. Segundo o crítico, Hirasawa, o cinema de Okinawa
exibido no Japão nos anos 70, que Deleuze não tratou no seu livro, é um cinema que também
mostrou seu “o povo é o que falta” (VOL, 2007, p. 136).
3
Hirasawa Gou. 1975-. Crítico de cinema. É um dos organizadores da revista de arte, VOL, em que os artigos são
críticas sobre política e arte. Há livros do crítico como Fassbinder (co- org, 2005) e Underground film archive
(org, 2001).
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Mas, qual era a situação de Okinawa nos anos 70? 1972 foi um ano simbólico no
relacionamento político em Okinawa, no Japão, e nos Estados Unidos, pois, Okinawa, que tinha
sido ocupada pelos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, foi reintegrada ao
território japonês. Nessa região, os moradores reivindicavam sua autonomia e costumes, quando
houvesse a mudança dos Estados Unidos para o Japão. Cabe lembrar que os Estados Unidos
consideravam Okinawa como um lugar militarmente estratégico, dada à proximidade com o leste
asiático, o que explica a instalação de bases militares na região, que deram guarida aos soldados
durante as guerras da Coreia e do Vietnã. O mesmo ocorreu nas guerras do Afeganistão e do
Iraque. Os moradores dessa região esperavam que os Estados Unidos, após a Segunda Guerra
Mundial, tomassem uma decisão diferente daquela apregoada pelo imperialismo japonês,
expectativa contrariada a partir do momento em que os Estados Unidos ocuparam militarmente a
região.
Já na ocasião da reintegração, esperavam que o Japão, como o país de melhor situação
econômica, trouxesse mudanças efetivas a Okinawa, mas, o país reforçou a aliança de segurança
com os Estados Unidos, o que havia sido acordado a partir do ano de 1960, deixando as bases
americanas na região como proteção durante a guerra fria. Por isso que o local continuou
oscilando entre os dois países, buscando sua autonomia e tentando salvaguardar seus costumes
(JOURNAL DE YOMIURI, 2011). Sendo assim, em Okinawa, há a situação da guerra contínua
como o lugar considerado pelos Estados Unidos e pelo Japão com o objetivo de defesa bélica. Os
intelectuais nessa região têm questionado a “reintegração” e consideram a sua situação como um
colonialismo contínuo. Tendo estabelecido a indústria turística após a “reintegração”, a imagem
de Okinawa tem circulado na rede da comunicação de massa da sociedade japonesa. Havendo o
colonialismo não só como hard power, mas também, como soft power, a maioria das
representações da região no campo cinematográfico é a do exotismo visto pelo visitante de fora,
incluindo os japoneses, sem crítica.
Voltando à revista, segundo o crítico, Isao Nakazato4 que foi entrevistado por Hirasawa,
a situação cinematográfica em Okinawa mudou por volta dos anos 1970, quando um dos
4
Nakazato Isao. 1947-. Crítico. É um dos fundadores da revista, EDGE, em que divulga a realidade, a política, e a
cultura de Okinawa. Há livros do crítico como Kanashiki Agengotai (Triste trópico de língua) (2012) e Okinawa/
bouryokuron (Okiwana/ Violência) (co- org, 2008).
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cineastas de Okinawa, Gou Takamine5 começou a lançar seus filmes. Através desses
lançamentos, o olhar para Okinawa ou a representação da região por visitantes de fora foram
questionados, e o cinema de Okinawa manifestou a sua visão. As características principais dos
filmes de Takamine são: recuperação corporal da língua, do gesto e do olhar em Okinawa.
Por exemplo, a relação entre o Japão e Okinawa aparece na língua japonesa, como o
poder desigual, central/ marginalizado. Após a “reintegração”, a língua okinawana foi regulada
fortemente, como um dialeto, à língua japonesa, com a normativa nacional. Nas escolas de
Okinawa, os professores passaram a ensinar a língua normativa para corrigir os alunos às últimas
consequências e passarama penalizar os que falam o dialeto, que um exemplo foi carregado a
placa escrita, “falante do dialeto”, para chamar a atenção. As aulas foram usadas como forma
para “caçar” a língua local. Ao falarem a língua normativa, as pessoas não conseguiram mostrar
os gestos e os pensamentos acompanhados à sua língua materna e chegaram a sentir o complexo
de inferioridade dos gestos e dos pensamentos. Por uma necessidade da assimilação, o Japão
inventou “o outro” para manter o poder desigual, central/ marginalizado, ou seja, a língua
normativa/ o dialeto.
Durante a “reintegração”, Takamine estava estudando arte em Quioto como aluno
intercambista. O cineasta tinha sentido particularmente o complexo na ocasião em que a gerente
do seu alojamento na cidade o chamava como “okinawano”. A reação do cineasta no momento
sempre foi gagueira, sentindo uma grande sensação estranha por esta forma de ser chamado, o
que evocou para Takamine a memória do poder desigual, central/ marginalizado. Em Okinawa,
houve os eventos nacionais e internacionais para a comemoração e a iniciação da “reintegração”,
como Festival de plantação comemorativa de reintegração (Fukki kinen syokuju sai) (1972) no
qual o Imperador e a Imperatriz participaram, Competição de atletismo nacional em Okinawa de
comemoração especial de reintegração (Fukki kinen okinawa tokubetsu kokumin taiiku taikai)
(1973) no qual as Forças de Autodefesa do Japão participaram e Exposição internacional de
oceano em Okinawa (Okinawa kokusai kaiyou hakurankai) (1975-76) que foi o detonador para o
turismo. E ainda, desenvolvendo os projetos de infraestrutura em Okinawa, como alteração do
5
Takamine Gou. 1947-. Cineasta. A sua primeira obra é Okinawan dream show (1974). A maioria dos filmes do
cineasta é feita em Okinawa. O filme, Untamagiru (1989), foi premiado com o prêmio Caligari, no festival de
Berlim. Realizou Shitekidori mugen ryuukyuu J. M (Imagem particular de Ryuukyuu: J. M.) (1996-), tendo tido
contato com o cineasta Jonas Mekas em Okinawa.
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sistema viário da direita para a esquerda, essa fusão avançou com certeza. Em fim, não só o
problema linguístico, mas também a mentalidade e o ambiente de Okinawa foram emasculados a
fim de adaptar-se ao estilo japonês. Para Takamine, a gagueira foi sua última fortaleza. A partir
desse complexo, o cineasta realizou um documentário em Okinawa chamado Okinawan chirudai
(Chirudai okinawana) (1979), aprofundando o ambiente, o gesto, e a língua das pessoas.
Chirudai é um costume de preguiça na língua okinawana, que é um lado tropical na região que
nunca foi compartilhado com a nação. Para a reivindicação corporal, mostrou-se a preguiças
okinawana nessa obra, incluindo uma parte da experiência de Takamine em Quioto. Takamine
mandou os participantes do documentário “representarem”, textualizando o processo da
dramaticidade na obra, a fim de adquirir as suas reivindicações soltadas do gesto emasculado. No
documentário todo, há câmera lenta particular, isso possibilita a chirudai do tempo
cinematográfico. E ainda, a obra foi feita com a descentralização do olhar, consistindo na
compilação de cenas curtas. Sendo assim, a chirudai cinematográfica faz o espectador balançar o
seu olhar (NAKAZATO, 2007, p. 232-250).
Quem também enfrentou o poder desigual, olhador/ olhado, foi Nakahira ao fazer a
crítica da visão do terceiro mundista Glauber Rocha. O fotógrafo se interessou por Okinawa
quando aconteceu uma demonstração: Greve geral contra acordo de reintegração (Okinawa
henkan kyoutei funsai kougi zenesuto) (1971), organizada por militantes na região. Os militantes
lançaram bombas de gasolina contra policiais e um deles pegou fogo e foi morto. Um jovem que
estava nesse lugar tentou salvar o policial. Ao emitir a notícia, com duas fotografias da situação,
num dos maiores jornais no Japão, o significado de ”salvação” foi transformado no de
“assassinato” no jornal por sua explicação. Tendo apenas essas duas fotografias como prova, o
jovem foi injustamente preso. Nakahira começou a ir para Okinawa, por causa do assunto, e
participou do julgamento. Para o fotógrafo, Okinawa virou um lugar como seu conceito de
Terceiro Mundo, para exercitar a autocrítica da sua visão, refletindo a “objetividade” da
fotografia na sociedade instituída pelo Estado, o capital, e a comunicação de massa.
Posicionando-se com Okinawa, Nakahira repara no olhar do Japão, que direciona para a região
com a “reintegração”, e ao mesmo tempo, percebe que o fotógrafo foi olhado pela visão que
mostra o poder desigual da fusão, como o filme de Takamine. Através do exercício de fotógrafo,
a sua visão ressalta no Arquipélago de Tokara, que fica entre o Japão e Okinawa, que é a
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fronteira “internacional” determinada por ele mesmo e que é a margem do poder desigual, o
Japão/ Okinawa, ou seja, olhador/ olhado, para questionar-se a vida existencial como fotógrafo. A
partir do ponto de lugar, Nakahira, evitando a sociedade consumista japonesa e sentindo a agonia
de olhar Okinawa, germinou a sua visão para sua recuperação corporal, que chegou a resultar no
seu ensaio e na sua fotografia (NAKAZATO, 2009, p. 204-214; NAKAHIRA, 2012).
Diz-se que a visão de Takamine a que Nakahira aproximou-se, associa-se com a visão de
Glauber Rocha manifestada em “Uma Estética da Fome” (1965) (VOL, 2007, p. 251). E ainda, há
um depoimento do fotógrafo que ele teria exibido os filmes de Glauber Rocha nas universidades
de Okinawa para discutir sobre o Terceiro Mundo ao Nakahira exercitar na região (KURAISHI,
2012, p. 149). Entre o Japão e o Brasil, é bastante que se discuta sobre o Terceiro Mundo,
seguindo as pistas como as de Okinawa apresentadas pelo cineasta Takamine e pelo fotógrafo
Nakahira.
3 EXIBIÇÃO DE OBRAS DE GLAUBER ROCHA NA ÉPOCA DA RETROSPECTIVA
No presente trabalho, trata-se de estudos interculturais. Geralmente, esse estudo seria
considerado como o entender da cultura de outros países. O caso dos estudos de área do Brasil no
Japão, também é para entender o Brasil. O país, como objeto de estudo, é pesquisado pelas várias
disciplinas, como Ciência Política, Economia etc. O que precisa de se reconhecer sobre o estudo
nesse trabalho e que seria uma crítica da determinação do estudo, ou seja, uma autocrítica do
ponto de vista do Japão que adiciona “inter” entre os dois países para entender a cultura
brasileira.
Na relação internacional entre o Japão e o Brasil, já haveria os olhares daquele sobre
este, como os filmes japoneses em que aparecia o Brasil, que foram já mencionados no princípio
desse texto: o invejoso, o pejorativo e o exótico. É preciso fazer uma autocrítica desses olhares.
Já nós reconhecemos o fotógrafo Nakahira que evocou o conceito de Terceiro Mundo de Glauber
Rocha para esclarecer a problemática desse tipo de olhares. Para Nakahira, o exercício foi a
transformação da sua visão no meio entre o Japão/ Okinawa, fazendo a reflexão dos olhares e
chegou a ver o “Japão” relativamente. Essa visão do fotógrafo, como o ponto de vista entre o
Japão e o Brasil, possibilitaria ser o tema atual para reaproximar-se a Glauber Rocha, já evocado
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no Japão. Ao pesquisar sobre o cineasta, os estudos de área do Brasil no Japão são requeridos,
pois se necessita pesquisar um objeto focalizado pelo cineasta para refletir sobre o seu olhar.
Pesquisando e esclarecendo a visão transformada de Glauber Rocha na relação com o objeto, nós
poderíamos ver o “Brasil” relativamente.
Em “Uma estética da fome”, Glauber Rocha criticou o reconhecimento geral da fome na
América Latina dentre os europeus e os brasileiros. Os primeiros tinham seus olhares de
observação como dado científico, enquanto os seguintes tinham seus olhares de vergonha da
fome como um elemento do atraso econômico. Culturalmente, a arte brasileira foi elaborada pelo
primitismo e exotismo para satisfazer a nostalgia, ignorando a fome. A atividade do Cinema
Novo foi enfrentar com a fome para desmitificar a ilusão da cultura resultante da censura do
Estado, do comercialismo, e do reconhecimento, e para reparar a função do poder desigual,
colonizador-colonizado, ao contar e olhar a fome (ROCHA, 2004, p. 63-67).
O elemento das obras de Glauber Rocha que associa-se com o das obras de Takamine
seria o sertão. O espaço e o tempo do lugar em que há a memória e a história que nunca
compartilha com a nação. Ao seguir ao exercício de Glauber Rocha no meio entre o Brasil/ o
sertão, será como chegar a transformar os nossos olhares que possuem no “inter” entre o Japão/ o
Brasil, duas nações mostradas relativamente?
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