Ceccim ( 2005 ) - ESP-MG - Governo de Minas Gerais

Transcrição

Ceccim ( 2005 ) - ESP-MG - Governo de Minas Gerais
EDITORIAL
N
este quinto exemplar da Revista Mineira de Saúde Publica, procuramos dar continuidade ao nosso primeiro propósito: proporcionar um espaço
para a divulgação de produções científicas e de atividades desenvolvidas no
espaço mineiro da Saúde Pública.
Apesar de termos estabelecido uma publicação semestral, infelizmente algumas dificuldades institucionais têm nos impedido de cumprir essa meta, o que,
temos certeza, não tirará o brilho de mais essa conquista.
Dos seis novos artigos aqui apresentados, destacamos o de Ricardo Burg
Ceccim, que com muita propriedade nos ajuda a refletir sobre o processo de
educação permanente em saúde.
Os outros artigos, com igual relevância, nos trazem diversas abordagens
sobre a questão do processo nutricional, sobre a psicologia infantil, uma importante revisão sobre infecção por Rhodococcus Equis, a experiência da Secretaria
de Estado da Saúde num processo de tomada de decisão e um artigo especial
sobre o grande artista mineiro — Aleijadinho.
Os artigos ora apresentados permitem a exposição de estudos e pensamentos no campo das ações de saúde, bem como retratam a disposição da Escola de
Saúde Pública de Minas Gerais em continuar sendo um espaço aberto aos múltiplos atores que compõem o Sistema Único de Saúde.
Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza
Coordenação Editorial
Rev. Min. Saúde Pub. Belo Horizonte a.3 n.5 p.1-72 jul./dez.2004
EXPEDIENTE
Revista Mineira de Saúde Pública
Publicação semestral da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG) e da Fundação
Ezequiel Dias (FUNED), com a finalidade de divulgar a produção
científica das diversas áreas do conhecimento, no âmbito da saúde pública
e coletiva, e da formação de recursos humanos.
Coordenação Geral
Rubensmidt Ramos Riani
Editor responsável por este número
Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza
Coordenação Editorial
Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza
Cleinir de Souza Gomes
Conselho Editorial
Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza
(Chefe da Divisão de Ensino e Desenvolvimento da ESP-MG)
Antônio Armindo Fernandes (Pesquisador da ESP-MG)
Antônio José Meira (Odontólogo e Consultor de Epidemiologia da SES-MG)
Benedito Scaranci Fernandes (Superintendente de Atenção à Saúde da SES-MG)
Gil Sevalho (Médico e Professor da ESP-MG)
José Lucas Magalhães Aleixo (Médico e Professor da ESP-MG)
Thaís Viana de Freitas (Pesquisadora e Diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da FUNED)
Robespierre Queiroz da Costa Ribeiro (Médico e Coordenador da ATC/DRA da SES-MG)
Jornalista responsável
Rejane Dias dos Santos
MTB 1376
Secretária
Júlia Selani Rodrigues Silva
Projeto gráfico, capa, diagramação
Gutenberg Publicações
Fotos da capa
Moisés Lopes Cançado de Faria
Fotolitos e impressão
Artes Gráficas Formato
Tiragem
2.500 exemplares
Endereço para correspondência
Escola de Saúde Pública de Minas Gerais
Avenida Augusto de Lima, 2.061 – Barro Preto
30190-002 – Belo Horizonte/MG
[email protected]
Revista Mineira de Saúde Pública / Escola de Saúde Pública de
Minas Gerais . — Ano 1 , nº 1 (2002)- . — Belo Horizonte : -2004.
v.
Semestral
ISSN 1808-6373
I.Escola de Saúde Pública de Minas Gerais.
Ficha catalográfica elaborada por Rinaldo de Moura Faria - CRB6-1006
SUMÁRIO
Educação permanente em saúde: descentralização e disseminação de
capacidade pedagógica na saúde
Ricardo Burg Ceccim
4
A transição nutricional no contexto da transição demográfica e
epidemiológica
Ronaldo Coimbra de Oliveira
16
Prospecção de evidências científicas para tomada de decisão
na gestão da saúde pública – A experiência da Secretaria
de Estado da Saúde de Minas Gerais
Robespierre Queiroz da Costa Ribeiro
Eugênio Vilaça Mendes
Benedito Scaranci Fernandes
Mauro Chrysóstomo Ferreira
24
Caracterização da demanda infantil de um serviço de psicologia
Wagner Prazeres dos Santos
Montserrat Zapico Alonso
35
Infecção por Rhodococcus equi em imunossuprimidos: uma revisão
Graziela Flávia Xavier de Oliveira
Daniela Rezende Neves
Hugo Abi-Saber Rodrigues Pedrosa
Orientador: Arinos Romualdo Viana
43
Aleijadinho: o gênio do barroco mineiro e sua enfermidade
José Lucas Magalhães Aleixo
61
Educação permanente em saúde:
descentralização e disseminação de
capacidade pedagógica na saúde1
Ricardo Burg Ceccim2
Resumo
1
Este texto é
tributário das
discussões e
do compartilhamento
intelectual com Laura
Feuerwerker e com
colegas do Deges.
2
Doutor em saúde
coletiva; professor de
Educação em Saúde
na Universidade
Federal do Rio Grande
do Sul; ex-diretor do
Departamento de
Gestão da Educação
na Saúde (Deges), do
Ministério da Saúde.
Este artigo apresenta o processo de
construção da política de educação permanente estabelecido pelo Ministério
da Saúde. A formação dos Pólos de
Educação Permanente é retratada como
uma opção renovadora que permite a
reflexão dos diversos atores participantes da gestão do SUS sobre os processos e proposições em educação em
saúde, decorrente das reais necessidades para a implementação e fortalecimento do SUS.
Palavras-chave
Educação permanente em saúde, pólos de educação, políticas de formação.
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Permanent Education in Health:
decentralization and dissemination
of the pedagogic capacity in health.
Abstract
This article presents the construction process of the permanent education
politics settled by the Health Department (Surgeon General). The constitution of the Permanent Education main
places is portrayed as a renovating option that allows the reflection of the
several actors that participate of the SUS
administration about the processes and
propositions in health education, originated from the real needs for the implementation and strengthening of SUS.
Key-Words
Permanent education in health, education main places, education constitution politics.
JUL./DEZ.2004
A
educação permanente em
saúde constitui estratégia fundamental
às transformações do trabalho no setor das políticas públicas de saúde.
Para que o trabalho em saúde seja lugar de atuação crítica, reflexiva, propositiva,
compromissada
e
tecnicamente competente, há necessidade de descentralizar e disseminar
capacidade pedagógica no setor, entre
seus trabalhadores e entre os gestores
de ações, serviços e sistemas de saúde, constituindo o Sistema Único de
Saúde (SUS) como uma rede-escola.
Passados 13 meses da publicação portaria ministerial que deu ordenamento inicial à estruturação e ao
funcionamento da educação permanente em saúde como política de gestão
do SUS, já existem no país 96 articulações interinstitucionais e locorregionais
congregando, em torno de 1.039 entidades da sociedade, entre representantes do ensino, da gestão, do trabalho e
da participação social em saúde, ocupadas em constituir língua e história à
política de descentralização e de disseminação de capacidade pedagógica na
saúde. Essas articulações interinstitucionais e locorregionais foram propostas
pela Portaria Ministerial nº 198, de 13
de fevereiro de 2004, do Ministério da
Saúde, como Pólos de Educação Permanente em Saúde.
Cada Pólo de Educação Permanente em Saúde encontra-se em uma
singular etapa de sua construção, não
havendo espelhamento idêntico entre
os projetos de cada um. Essa heterogeneidade, entretanto, longe de depor
contrariamente à sua implementação,
justifica a sua importância como instância política. Diferentemente da noção programática de implementação
de práticas previamente selecionadas
e com currículo dirigido ao treinamento
de habilidades, a política de educação
permanente em saúde congrega, articula e coloca em roda diferentes atores, destinando a todos um lugar de
protagonismo na condução dos sistemas locais de saúde.
Prova da construção política e não
programática é a escolha, como prioridade, entre as ações educativas dos Pólos, do desenvolvimento para a gestão
do SUS e do desenvolvimento para a
educação no SUS. Pode-se detectar com
clareza, diante dessas majoritárias escolhas, o desencadeamento de um processo político, e não a implementação
de um programa. Um processo político requer a produção ativa da autonomia e do protagonismo consciente. As
duas áreas/temáticas citadas representaram 42% do total de ações de qualificação (desenvolvimento profissional) e
34% das ações de especialização (formação pós-graduada lato sensu) apresentadas para o apoio do Ministério da
Saúde, em 2004, por meio dos Pólos de
Educação Permanente em Saúde.
Ao propor a educação na saúde
como política de governo, o gestor federal do SUS alterou a ordem do dia
no setor e somou novos parceiros, e
uma nova etapa anuncia o cumprimento de compromissos até então postergados na área de recursos humanos
em saúde. Colocar a formação e o desenvolvimento na ordem do dia para o
SUS pôs em nova evidência o trabalho
da saúde, que requer trabalhadores que
aprendam a aprender, práticas cuidadoras, intensa permeabilidade ao controle social, compromissos de gestão
com a integralidade e a humanização
no trato com a saúde e dedicação ao
ensino e à produção de conhecimento
implicados com as práticas concretas
de cuidado às pessoas e às coletividades e com a gestão setorial.
Ao colocar o trabalho, no SUS,
sob as lentes da formação e desenvolvimento, o gestor federal do SUS pôs
em evidência os encontros rizomáticos
que ocorrem entre ensino, trabalho, gestão e controle social em saúde, síntese
da noção de educação permanente em
saúde que, a seguir, abordaremos.
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Construção política de
relações entre educação,
saúde, trabalho e produção de
coletivos e redes para formar
o pessoal de saúde
Os Pólos de
Educação
Permanente
em Saúde
vieram viabilizar o
acesso massivo de
parceiros
da sociedade para a
implantação de um
SUS com elevada
implicação com a
qualidade de saúde,
com a promoção
da vida e com
a valorização
dos trabalhadores
e dos usuários...
6
A escolha da educação permanente em saúde como ato político de
defesa do trabalho no SUS decorre da
disputa ideológica para que o setor da
saúde corresponda às necessidades da
população, conquiste a adesão dos trabalhadores, constitua processos vivos
de gestão participativa e transformadora e seduza docentes, estudantes e
pesquisadores à mais vigorosa implementação do SUS.
Foi posto em curso no país um
processo de construção coletiva de uma
política de educação para o SUS. Essa
política interrompeu a compra de serviços educacionais das instituições de
ensino para implementar pacotes de
cursos, assim como a interrupção dos
treinamentos aplicados, pontuais e fragmentários que sobrepunham a técnica
aos processos coletivos do trabalho.
Sabemos que a forma da compra de
serviços educacionais não muda o
compromisso da universidade ou da
escola técnica com a sociedade e nem
a orientação dos cursos de formação
para a efetiva integração ao SUS ou
apropriação dele. Sabemos também
que os treinamentos não geram atores
comprometidos, mas apenas profissionais mais ilustrados sobre o tema objeto dos treinamentos.
Passados 13 meses da aprovação da Portaria Ministerial supracitada
e consumada a implementação de 96
instâncias locorregionais e interinstitucionais de gestão da educação permanente em saúde, a política de formação
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e desenvolvimento para a saúde deixou de ser simplesmente uma proposta do Ministério da Saúde para ser uma
política do SUS. Política tem responsabilidade compartilhada de condução
e de acompanhamento. Políticas resultam de lutas sociais, da sensibilidade
de gestores ou da seleção de modos
de enfrentar realidades complexas.
O próprio SUS, fruto das lutas
sociais por saúde, expressa em seu ideário o sonho de um sistema de saúde
universal, equânime, altamente resolutivo, acolhedor, responsável e capaz de
contribuir para o desenvolvimento da
autonomia das pessoas e das populações para propiciar uma vida com mais
saúde. Os Pólos de Educação Permanente em Saúde vieram viabilizar o acesso massivo de parceiros da sociedade
para a implantação de um SUS com
elevada implicação com a qualidade da
saúde, com a promoção da vida e com
a valorização dos trabalhadores e dos
usuários, empreendendo o esforço da
formação e desenvolvimento para o SUS
que queremos.
A Lei Orgânica da Saúde determinava em seu artigo 14 que deveriam
“ser criadas Comissões Permanentes de
integração entre os serviços de saúde
e as instituições de ensino profissional
e superior”, indicando que cada uma
dessas Comissões tivesse “por finalidade propor prioridades, métodos e
estratégias para a formação e educação continuada dos recursos humanos
do Sistema Único de Saúde na esfera
correspondente, assim como em relação à pesquisa e à cooperação técnica
entre essas instituições” (Lei Federal
nº 8.080, de 19 de setembro de 1990,
art. 14).
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TABELA 1 — Pólos de Educação Permanente em saúde: composição
Fonte: DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA EDUCAÇÃO NA SAÚDE, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da
Política Nacional de Educação na Saúde, 2004.
Legenda: Cosems — Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde; MST — Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra; Morhan — Movimento de Reintegração das Pessoas Portadoras e Eliminação da Hanseníase; Mops — Movimento Popular por Saúde; Movimento GLBTS — Movimento de Gays,
Lésbicas, Transgêneros, Bissexuais e Simpatizantes da Livre Orientação Sexual; MMC — Movimento de
Mulheres Camponesas; Fetag — Federação dos Trabalhadores da Agricultura; Conam — Confederação
Nacional das Associações de Moradores; Aneps — Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de
Educação Popular em Saúde; ONGs – Organizações não governamentais.
Os Pólos de Educação Permanente em Saúde, como instâncias do SUS,
atendendo àquilo que é proposto pela
lei, trouxeram novidades políticas ao
SUS. A proposta assenta-se na noção
de formação e desenvolvimento como
uma instância própria, inovadora, por
articular saúde e educação e por trazer
atores não previstos nas instâncias já
instituídas. Vale lembrar que é na atual
gestão do Ministério da Saúde que a
área de gestão do trabalho e da educação na saúde, pela primeira vez, tem
lugar finalístico nas políticas do SUS.
Propôs-se para aprovação no
Conselho Nacional de Saúde (CNS) e
aos três gestores do SUS para a pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) uma composição
interinstitucional que envolvesse instituições de ensino, instâncias de
gestão e de serviço do SUS, conselhos de saúde e movimentos sociais
locais, estudantes e docentes, trabalhadores e outros participantes identificados com a formação e
desenvolvimento. Os projetos de Pólos seriam iniciativas locorregionais, embasadas na esfera de gestão responsável
constitucionalmente pela execução das
ações e serviços de saúde, que são os
municípios (Constituição Federal, art.
30), mas de abrangência regional, conforme a realidade de construção da
integralidade da promoção e proteção da saúde individual e coletiva nos
ambientes e redes assistenciais ou sociais em que vivemos, e conforme a
realidade da mobilidade da população em busca de recursos educacionais e de pesquisa e documentação
em saúde.
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TABELA 2 — Ações de qualificação por área ou temática e número de vagas
Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da
Política Nacional de Educação na Saúde, 2004.
Legenda: HAS – Hipertensão Arterial Sistêmica; DM – Diabetes Mellitus; CD – Cirurgião Dentista; ACD –
Auxiliar de Consultório Dentário; THD – Técnico de Higiene Dental.
Na efetivação das Comissões Permanentes previstas pela lei, o setor teria de pensar que elas deveriam suceder
às estruturas dos Pólos de Capacitação
em Saúde da Família, até então existentes, para enfrentar as demais frentes de formação e desenvolvimento
requeridas pelo SUS, superando-se a tradicional e tão criticada fragmentação/
segmentação da educação na saúde,
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como a que se assistia entre a coordenação de saúde da família e as coordenações de vigilância e análise de
situação de saúde, atenção integrada
às diversas doenças prevalentes, atenção especializada às urgências, atenção especializada ao parto e ao
nascimento humanizado, formação de
equipes gestoras hospitalares e equipes gestoras municipais, dentre outras.
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TABELA 3 — Ações de formação por área ou temática e número de vagas
Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da
Política Nacional de Educação na Saúde, 2004.
Legenda: Profae – Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área da Enfermagem; FortiSUS –
Política de Formação Técnica por Itinerário no SUS; Proformar – Programa de Formação de Agentes de
Vigilância em Saúde.
A integração entre o ensino, os
serviços, a gestão setorial e o trabalho
no SUS, ao mesmo tempo em que
disputa pela atualização cotidiana das
práticas segundo as mais recentes abordagens teóricas, metodológicas, científicas e tecnológicas disponíveis,
insere-se em uma necessária construção de relações e de processos que
vão desde a atuação conjunta das equipes — implicando seus agentes —
até as práticas organizacionais — implicando a instituição e/ou o setor
da saúde —, bem como as práticas
interinstitucionais e/ou intersetoriais
— implicando as políticas em que
se inscrevem os atos de saúde.
O que ficou definido — por força de aprovação no Conselho Nacio-
nal de Saúde e pactuação na Comissão Intergestores Tripartite — é que a
composição de cada Pólo de Educação
Permanente em Saúde e a proposição
de seu plano diretor seriam de iniciativa
locorregional e decorrente da disposição inicial das diversas instituições dessa base. As diretrizes dos Pólos seriam
aprovadas pelo respectivo Conselho
Estadual de Saúde (CES), tendo em vista
as prioridades da política estadual de
saúde conjugada com as políticas nacionais, a vinculação com as diretrizes
da Conferência Estadual de Saúde e,
principalmente, com a Conferência Nacional de Saúde. Caberia ao Conselho Estadual de Saúde julgar a
adequação do plano diretor de cada
Pólo às políticas nacional e estadual
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de saúde. O desenho locorregional e
interinstitucional passaria pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB), instância de encontro entre o gestor
estadual e a representação do conjunto
de gestores municipais por Estado, tendo em vista garantir que a organização
do conjunto de Pólos revele abrangência da totalidade dos municípios de cada
Estado e que eventuais acordos para
municípios em região fronteiriça sejam
preservados e respeitados.
Passou a caber ao gestor federal, depois desse trâmite, apenas a
apreciação analítica de duas naturezas: habilitação legal das instituições
para receber recursos públicos e coerência com o referencial pedagógico
e institucional da educação permanente em saúde, checando o cumprimento dos passos pactuados.
O referencial pedagógico e institucional da educação permanente em
saúde constitui uma ferramenta potente
para a transformação de práticas, e isso
pode ser feito em curso/em ato da gestão setorial ou de serviços. A definição
de educação permanente carrega, então, a noção de prática pedagógica que
coloca o cotidiano do trabalho ou da
formação — em saúde — como central
aos processos educativos.
A educação permanente, como
vertente pedagógica da educação, ganhou o estatuto de política pública apenas na área da saúde. Esse estatuto
deveu-se à difusão, pela Organização
Pan-Americana da Saúde, da proposta
de Educação Permanente do Pessoal
de Saúde para alcançar o desenvolvimento dos sistemas de saúde na região das Américas, com o
TABELA 4 — Comparação entre os Pólos de Capacitação em Saúde da Família (Pólos PSF)
e os Pólos de Educação Permanente em Saúde (Pólos EPS)
Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da
Política Nacional de Educação na Saúde, 2004.
*Exceção havia no estado do Rio Grande do Sul, onde o Pólo de Capacitação em Saúde da Família convivia
de maneira orgânica com o Pólo de Educação em Saúde Coletiva, instância do SUS estadual para o debate
do ensino, da pesquisa, da extensão educativa, da documentação científico-tecnológica e histórica, da
assistência em ambiente de ensino, da memória documental e da educação social para a gestão das
políticas públicas de saúde (ver Ceccim, 2002).
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reconhecimento de que os serviços de
saúde são organizações complexas em
que somente a “aprendizagem significativa” será capaz de fazer a adesão
dos trabalhadores aos processos de mudança no cotidiano.
A educação permanente em saúde configura o desdobramento de vários movimentos de mudança na
formação dos profissionais de saúde,
na atenção em saúde, na gestão setorial
e no exercício do controle social. Aquilo que deve ser realmente central à educação permanente em saúde é a sua
porosidade à realidade mutável e mutante das ações e dos serviços de saúde, a sua ligação política com a
formação de perfis profissionais e de
serviços, a introdução de mecanismos,
espaços e temas que gerem auto-análise, autogestão, implicação e mudança
institucional — enfim, que gerem processos de pensamento (disruptura com
instituídos, fórmulas ou modelos) e experimentação (em contexto, em ato: vivências).
Pólos de Educação Permanente
em Saúde: dispositivo e/ou
instância do SUS para
a gestão locorregional
da formação em saúde
O SUS sozinho não tem capacidade de promover o desenvolvimento
dos profissionais de saúde, e as instituições de ensino, fora do contato com
a realidade da construção do SUS, não
vão se transformar. Assim, uma nova
instância de gestão — com capacidade intersetorial e de protagonismo —
passou a ser requerida. O indicativo
das comissões permanentes de integração ensino-serviço, presentes na Lei Orgânica da Saúde, estava correto, mas
não assegurava evidência de inclusão
das instâncias de gestão e de participação social. A criação da Comissão
Intersetorial de Recursos Humanos do
SUS (CIRH), no Conselho Nacional de
Saúde, já havia revelado o grande acerto da proposta de intersetorialidade para
pensar o trabalho e os trabalhadores da
saúde, mas não havia assegurado/não
assegurou evidência de participação ativa das escolas (superiores ou técnicas),
das associações de ensino das profissões de saúde, das entidades de estudantes das profissões de saúde e das
entidades, instâncias e movimentos de
medicação pedagógica em saúde com
a sociedade. Havia antecedentes, mas
novos caminhos eram demandados.
Lembrar a estranheza e a complicação que provocou a proposta das
Comissões Interinstitucionais de Saúde no início da construção do SUS
(Ceccim, 1993) ajuda a clarear compreensões sobre as atuais reflexões relativas aos Pólos de Educação Permanente
em Saúde. Das Comissões Interinstitucionais de Saúde (CIS) e das suas Comissões Locais Interinstitucionais de
Saúde (Clis) saíram os Conselhos Municipais de Saúde, os Conselhos Estaduais de Saúde e o novo e ímpar
Conselho Nacional de Saúde, mas foi
preciso, na seqüência, criar as CIB e a
CIT como instâncias de pactuação do
SUS entre aqueles que executam as
políticas de saúde.
Quem executa as políticas de formação e as políticas intersetoriais de
educação permanente em saúde, entretanto, não é e não pode ser apenas
o(s) gestor(es) do SUS. Quem participa
da execução das políticas de formação
e das políticas intersetoriais de educação permanente em saúde precisa estar
entre os atores da negociação, da pactuação e da aprovação, até agora afastados dessa “convocação” ou previsão
de atuação protagonista direta.
A educação
permanente
em saúde
configura
o desdobramento de
vários movimentos
de mudança
na formação
dos profissionais de
saúde, na atenção
em saúde,
na gestão
setorial e no
exercício
do controle social.
Uma política de educação para
o SUS envolve não somente o desenvolvimento dos profissionais de saúde que já estão trabalhando no SUS,
mas estudantes, docentes, pesquisadores, gestores do ensino e gestores
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A interação entre
os segmentos
da formação, da
atenção, da gestão e do controle
social em saúde
deveria permitir
dignificar as características
locais, valorizar as
capacidades
instaladas,
desenvolver as
potencialidades
existentes em
cada
realidade,
estabelecer
a aprendizagem
significativa
e a efetiva e
criativa capacidade
de crítica, bem
como
produzir sentidos,
auto-análise e
autogestão.
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de informação científico-tecnológica,
que estão em seus respectivos nichos
ocupacionais, de formulação de pactos
e políticas ou de produção de práticas
e redes sociais. Uma política intersetorial e de interface tem de ser produzida
de maneira intersetorial e em interface,
por isso as instâncias constituídas do
SUS (comissões intergestores e conselhos) não são suficientes como palco
de pactuação para as políticas de educação na saúde. Uma comissão permanente apenas entre ensino e serviço é
insuficiente e uma comissão intersetorial territorializada na mesma esfera dos
conselhos de saúde excede ou carece
dos territórios reais onde a produção
de ensino, pesquisa, extensão educativa, documentação científico-tecnológica e histórico-documental e educação
popular em saúde acontecem.
O território de que falo não é
físico ou geográfico: o trabalho ou a
localidade. O território é de inscrição
de sentidos no trabalho, por meio do
trabalho, para o trabalho. Deseja-se
como efeito de aprendizagem a prevalência da sensibilidade, a destreza
em habilidades (saber-fazer) e a fluência em ato das práticas. Para habitar
um território, será necessário explorálo, torná-lo seu, ser sensível às suas
questões, ser capaz de movimentar-se
por ele com ginga, alegria e descoberta, detectando as alterações de paisagem e colocando em relação fluxos
diversos, não somente cognitivos, técnicos e racionais, mas políticos, comunicacionais, afetivos e interativos no
sentido concreto, e isso é detectável
na realidade (CECCIM, 2005).
A educação permanente em saúde projetada pela proposta de Pólos
supõe um processo de construção de
compromissos sociais e da relevância
pública interinstitucional e locorregional, sob os olhos uns dos outros, e do
controle da sociedade em matéria de
políticas públicas de saúde.
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Há uma virada de muitos valores. Dar possibilidade, então, à formação e ao desenvolvimento para o SUS
será, também, conquistar uma cronologia da implicação em que não
há quantidade de tempo, tampouco
continuidade evolutiva de mutações,
mas o crescimento dos compromissos
com a educação permanente ou com
a permeabilidade da educação às necessidades sociais em saúde e de fortalecimento dos princípios e diretrizes
do SUS (CECCIM, 2005).
Quadrilátero da formação:
articulação entre formação,
gestão, atenção e participação
Temos enormes dificuldades
para transformar as práticas de saúde.
A integralidade e a intersetorialidade
têm enorme dificuldade de sair do papel, pois envolvem pensamento, saberes e práticas no ensino, na gestão, no
controle social e na atuação profissional. Os gestores do SUS que querem
transformar as práticas reclamam que
os profissionais vêm para o SUS com
formação inadequada, que os estudantes não são expostos às melhores
aprendizagens e que as universidades
não têm compromisso com o SUS.
Os docentes e as escolas que
querem mudar a formação reclamam
que as unidades de saúde não praticam a integralidade, não trabalham
com equipes multiprofissionais, são
difíceis campos de prática e que os
gestores são hostis em produção de
pactos de reciprocidade. As duas reclamações são verdadeiras, por isso é
que a transformação das práticas de
saúde e a transformação da formação
profissional em saúde têm de ser produzidas em conjunto. Por mais trabalhoso que isso seja.
A interação entre os segmentos
da formação, da atenção, da gestão e
do controle social em saúde deveria
permitir dignificar as características
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locais, valorizar as capacidades instaladas, desenvolver as potencialidades
existentes em cada realidade, estabelecer a aprendizagem significativa e a
efetiva e criativa capacidade de crítica, bem como produzir sentidos, autoanálise e autogestão.
Entre os elementos analisadores
para pensar/providenciar a educação
permanente em saúde estão os componentes do Quadrilátero da Formação (CECCIM; FEUERWERKER, 2004; CECCIM, 2005):
a) análise da educação dos profissionais de saúde, buscando mudar a
concepção hegemônica tradicional e a
concepção lógico-racionalista, elitista
e concentradora da produção de conhecimento;
b) análise das práticas de atenção à saúde, buscando a integralidade,
a humanização e a inclusão da participação dos usuários no projeto terapêutico como nova prática de saúde;
c) análise da gestão setorial,
buscando modos criativos e originais
de organizar a rede de serviços segundo a acessibilidade e a satisfação
dos usuários;
d) análise da organização social,
buscando o efetivo contato e permeabilidade às rede sociais que tornam os
atos de saúde mais humanos e de promoção da cidadania.
A mudança na formação e no
desenvolvimento por si só ajuda, mas
essa mudança como política instaurase em mais lugares, todos do Quadrilátero, pois todos eles estão
conformados em acoplamento. Como
em um jogo de vasos comunicantes,
cada interferência ou bloqueio afeta
ou produz efeito de um sobre todos.
Tanto a incorporação sem crítica de
tecnologias materiais como a eficácia
dos cuidados ofertados, os padrões de
escuta, as relações estabelecidas com
os usuários e entre os profissionais representam a interferência ou bloqueio
da educação permanente em saúde. Assim, afetam ou produzem efeito sobre
os processos de mudança.
Para o setor da saúde, a estética
pedagógica da educação permanente
em saúde é a de introduzir a experiência da problematização e da invenção
de problemas. Esta estética é condição
para o desenvolvimento de uma inteligência proveniente de escutas, de práticas cuidadoras, de conhecimentos
engajados e de permeabilidade aos usuários, isto é, uma produção em ato das
aprendizagens relativas à intervenção/
interferência do setor no andar da vida
individual e coletiva.
O convite que vem sendo feito
aos Pólos é o de trabalhar com a seguinte pergunta: quais são os problemas que afastam nossa locorregião da
atenção integral à saúde? A partir daí,
deve-se identificar, em oficinas de trabalho, quais os nós críticos (os problemas que podem ser abordados e que
vão fazer diferença) e, somente então,
organizar as práticas educativas.
Conclusão
Não temos visões iguais quando
está em disputa o modelo tecnicista e
centrado na doença ou a abordagem
integral e humanística centrada nas necessidades de saúde. Estudantes e movimentos populares, gestores do SUS
e docentes da área da saúde estão implicados sempre em processos de disputa ideológica que acontecem
durante a formação e nos exercícios
da participação. Estudantes e movimentos populares por sua dispersão
e profusão precisam construir canais
de comunicação com a produção de
conhecimento, com a gestão do SUS
e com o controle social em saúde.
Estudantes e movimentos populares
nos Pólos são aliados para a mudança da atenção, da gestão e da formação em saúde voltada às necessidades
da população brasileira e afetam a
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implementação do ensino, da atenção
e da gestão em saúde.
Construir o processo de formulação e implementação da política de
educação permanente em saúde para
o SUS é uma tarefa para coletivos, organizados para essa produção, nos termos da Portaria 198/GM/MS, de 13 de
fevereiro de 2004, que instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, operacionalizada por
meio dos Pólos de Educação Permanente em Saúde.
Na saúde, a
organização de
coletivos e redes
para a formação e
o desenvolvimento
nunca foi proposta
governamental,
pertencendo
unicamente
às experiências
populares
que desafiam
instituídos e
tradições.
O Projeto de cada Pólo se compõe por um Plano Diretor e um Plano
de Atividades. A aprovação do Plano
Diretor configura a instalação do Pólo
e a legitimação de suas diretrizes políticas. O Projeto de Atividades é o plano de ações educativas para as quais
serão indicadas instituições executoras e que contarão com o apoio financeiro do Ministério da Saúde. Os dois
instrumentos podem ser apresentados
conjuntamente, mas não necessariamente. Uma vez constituído o Plano Diretor, um ou vários Planos de Atividade
podem suceder-lhe, sendo apresentados ao Ministério da Saúde de forma
sistemática e de acordo com as pactuações internas do Pólo em funcionamento, sem necessidade de novo Plano
Diretor. O Plano Diretor e todos os
Planos de Atividade a ele ligados configuram o projeto global do Pólo.
Nosso objetivo é que os atores
nos Pólos trabalhem com um conceito
ampliado de saúde, saibam que não
são apenas os aspectos biológicos os
que necessitam da atualização dos pro-
fissionais e que determinam o processo saúde-doença individual ou coletivo ou as chances de sucesso
terapêutico. Também esperamos que
os atores nos Pólos desenvolvam recursos de educação para levar em conta
todas as dimensões e fatores que regulam, qualificam e modificam o trabalho. Para tanto, é preciso que seja
ampliada sua capacidade de escuta de
processos, de responsabilização pela
mudança das práticas e de mobilização de autorias. É preciso que os processos de formação e desenvolvimento
ofereçam oportunidade de desenvolver o trabalho em equipe multiprofissional e de caráter interdisciplinar.
Esperamos formar profissionais cuja
competência técnica inclua outros atributos que não os tradicionais, pois
ambos são indispensáveis para oferecer atenção integral à saúde humanizada e de qualidade.
Na saúde, nunca foi proposta governamental a organização de coletivos e redes para a formação e o
desenvolvimento, pertencendo unicamente às experiências populares que
desafiam instituídos e tradições. Concretamente, a política de educação
permanente em saúde está colocando
em ação uma prática rizomática de encontros e produção de conhecimento.
A disseminação dos Pólos e de capacidade pedagógica descentralizada gerou novos atores para o SUS, para a
sua construção política (e não programática), para a produção da saúde nos
atos, nos pensamentos e no desejo de
protagonismo pelo SUS, compreendendo seus princípios e diretrizes.
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A transição nutricional no contexto
da transição demográfica e
epidemiológica
M.Sc. Ronaldo Coimbra de Oliveira1
Resumo
1
Nutricionista da
Secretaria Estadual de
Saúde de Minas Gerais.
16
A transição nutricional refere-se a
modificações no perfil nutricional da
população, caracterizada pela redução
da prevalência de desnutrição e aumento da prevalência da obesidade.
Em meio a essa mudança no perfil
nutricional, destaca-se como causa e
conseqüência a transição epidemiológica, marcada por um modelo polarizado de transição que se caracteriza
pela coexistência de doenças infecciosas e não transmissíveis. A transição
nutricional é descrita neste artigo baseando-se em três inquéritos nacionais
de base populacional realizados em
1974/1975, 1989 e 1996, avaliando-se
a prevalência de desnutrição e obesidade segundo sexo, idade e macrorregião brasileira, bem como suas
possíveis causas e conseqüências.
The nutritional transition in the
context of the demographic and
epidemiologic transition
Abstract
The nutritional transition is about the
changes in the population nutritional
profile, characterized by the reduction
of the undernourishment prevalence and
increasing of the obesity prevalence.
Around this change in the nutritional profile, the epidemiologic transition stands
out as cause and consequence, marked
by a polarized transition model that is
characterized by the coexistence of infectious and non-transmissible diseases.
The nutritional transition is described in
this article based in three national inquiries of population base accomplished in
1974/1975, 1989 and 1996, evaluating the
prevalence of undernourishment and
obesity according to sex, age and Brazilian macro region, as well as its possible causes and consequences.
Palavras-chave
Key-Words
Transição epidemiológica, transição
nutricional, obesidade, desnutrição.
Epidemiologic transition, nutritional
transition, obesity, undernourishment.
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Introdução
O Brasil e diversos países da
América Latina experimentaram, nos
últimos vinte anos, uma rápida transição demográfica, epidemiológica e
nutricional. As características e os estágios de desenvolvimento da transição diferem entre os vários países
da América Latina, com alguns em
estágios avançados e outros, não. No
entanto, um ponto chama a atenção:
o marcante aumento na prevalência
de obesidade nos diversos subgrupos populacionais para quase todos
os países latino-americanos (KAC; VELÁSQUEZ-MELANDEZ, 2003).
Pretende-se, com este artigo,
avaliar o perfil nutricional da população brasileira nas três últimas décadas, baseando-se nos inquéritos
nutricionais realizados em 1974/1975,
1986, 1996.
Desenvolvimento
O processo de transição demográfica foi descrito pela primeira vez
por volta da década de quarenta, referindo-se aos efeitos que as mudanças
nos níveis de fecundidade, natalidade
e mortalidade provocam no ritmo de
crescimento populacional e na estrutura por idade e sexo (VERMELHO; MONTEIRO, 2003).
A teoria da transição demográfica postula que os países tendem a percorrer, progressivamente, quatro estágios
na sua dinâmica populacional. O primeiro estágio é caracterizado por um
equilíbrio populacional decorrente das
altas de natalidade e mortalidade, principalmente infantil. No estágio seguinte,
ocorre a explosão demográfica derivada da redução da taxa de mortalidade infantil e a conservação da alta taxa
de fecundidade. No terceiro estágio, a
redução acelerada das taxas de fecundidade e baixas taxas de mortalidade
levam ao fenômeno do envelhecimento da população, processo no qual o
Brasil se encontra (SCHKNOLKIK, 1996).
O quarto e último estágio da transição demográfica, conhecido como fase
moderna da transição, caracteriza-se
por baixas taxas de fecundidade e mortalidade, que proporcionam um equilíbrio populacional (PEREIRA, 1995).
Concomitantemente à transição
demográfica, ocorrem mudanças nos
padrões de morbimortalidade de uma
comunidade, o que se convencionou
chamar de transição epidemiológica.
Frederiksen (1969) considerou importante conhecer os padrões de morbimortalidade das sociedades para o
entendimento da transição demográfica, porém foi Omran (1971) um dos
primeiros autores a definir o termo
transição epidemiológica como um
processo de modificação nos padrões
de morbimortalidade, que ocorreria em
estágios sucessivos e seguindo a trajetória de um padrão tradicional para
um padrão moderno. Omran (1996)
propõe quatro estágios de evolução
da transição epidemiológica e um
quinto em potencial:
• Período das pragas e da fome;
• Período do desaparecimento
das pandemias;
• Período das doenças degenerativas e provocadas pelo homem;
• Período do declínio da mortalidade por doenças cardiovasculares, modificações no estilo de vida,
doenças emergentes e ressurgimento
de doenças;
• Período de longevidade paradoxal, emergência de doenças enigmáticas e capacitação tecnológica
para a sobrevivência do inapto.
O caráter linear e unidirecional
sugerido pelos estágios da transição
epidemiológica pode ter sido observado em países desenvolvidos no denominado modelo clássico de transição.
Para a maioria dos países da América
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É importante
relatar que somente a partir de
1975
dispõe-se, no Brasil, de inquéritos
representativos
da situação
nutricional do País
e de suas
diferentes
macrorregiões,
apesar dos vários
estudos de acompanhamento do
estado nutricional
realizado
em diversas
regiões, estados e
municípios.
18
Latina, inclusive o Brasil, observa-se
um modelo tardio e polarizado de transição, no qual há uma superposição
das doenças ditas do atraso sobre as
doenças da modernidade (FRENK et al.,
1991), pois, apesar de decréscimo global das taxas de mortalidade e da diminuição da mortalidade proporcional
por doenças infecciosas e parasitárias,
a mortalidade decorrente dessa causa
ainda permanece elevada no Brasil, exigindo atenção por parte dos setores
competentes (PAES, 1999).
O Brasil tem experimentado, nas
últimas décadas, importantes transformações no seu padrão de morbimortalidade, relacionadas, principalmente,
às seguintes condições:
• A redução da mortalidade precoce, especialmente aquela ligada a
doenças infecciosas e parasitárias;
• O aumento da expectativa de
vida ao nascer, com o conseqüente incremento da população idosa;
• O processo acelerado de urbanização e de mudanças socioculturais que respondem, em grande parte,
pelo aumento dos acidentes e das violências (MINAIO, 2002; SILVA JR; GOMES,
2003).
No modelo polarizado de transição epidemiológica brasileiro configurase o modelo análogo de transição
nutricional, no qual a coexistência de
obesidade e subnutrição passa ser um
fato marcante observado na sociedade,
principalmente, nas três últimas décadas.
O conceito de transição nutricional refere-se a mudanças seculares
nos padrões de nutrição, dadas as modificações da ingestão alimentar, como
conseqüência de transformações econômicas, sociais, demográficas e sanitárias (OPAS, 2000). A inversão nos
termos de ocupação do espaço físico,
quando passamos a ser um país fundamentalmente urbano; a melhoria das
condições de saúde, decorrente, em
parte, da importação de tecnologia
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médica e da melhoria das condições
de saneamento básico; e maior participação dos trabalhadores no setor terciário da economia são exemplos,
dentre outros, de transformações que
interferem diretamente na geração de
renda, estilos de vida e, especialmente, no perfil nutricional da população
(BATISTA FILHO; RISSIN, 2003).
Escoda (2002) aborda a situação
nutricional no Brasil nas três últimas
décadas, relatando que, até a década
de 1970, o quadro nutricional esteve
fortemente marcado por surtos epidêmicos de fome, que estavam geográfica e socialmente localizados, com altos
índices de prevalência das formas graves e severas de desnutrição energética protéica (DEP). Diferentemente da
década de 1970, na de 1980 a situação
nutricional passou a ser caracterizada
por uma deficiência global de nutrientes, distribuindo-se de forma generalizada por todo o país. Na década de
1990, além da manutenção do grave
problema da DEP, especialmente em
algumas regiões como o Nordeste e o
Norte, observou-se o acréscimo da obesidade, diabetes e dislipidemias (SAWAYA, 1997; ESCODA, 2002).
Escoda (2002) reconhece importância na redução da prevalência de todas as formas de desnutrição ocorridas
nas três últimas décadas e afirma que
essa queda decorre, em parte, da especificidade dos indicadores utilizados para
a avaliação da situação nutricional da
população infantil, que prioriza os casos graves em detrimento das formas
mais crônicas de desnutrição.
É importante relatar que somente a partir de 1975 dispõe-se, no Brasil, de inquéritos representativos da
situação nutricional do País e de suas
diferentes macrorregiões, apesar dos
vários estudos de acompanhamento do
estado nutricional realizado em diversas regiões, estados e municípios. Em
âmbito nacional, três estudos são
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utilizados por diversos autores para
descrever a evolução da transição nutricional (BARRETO; CARMO, 1995; ESCODA, 2002; BATISTA FILHO; RISSIN, 2003).
1. ENDEF (1974/75) — Estudo Nacional de Despesas Familiares, realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística — IBGE, no
qual foram avaliados todos os membros dos 55.000 domicílios selecionados para o estudo. O consumo
médio per capta diário de alimentos, estimado pela pesagem direta de
alimentos consumidos e as medidas
antropométricas, questionadas pela
inadequação do equipamento utili-
zado, foram alguns dados obtidos
desse inquérito.
2. PNSN — Pesquisa Nacional sobre
Saúde e Nutrição, realizada no ano
de 1989 pelo Instituo Nacional de Alimentação e Nutrição — INAN / MS,
na qual foram avaliados todos os
membros de 14000 domicílios selecionados (Ministério da Saúde, 1990).
3. PNDS — Pesquisa Nacional sobre
Demografia e Saúde, promovida pela
Sociedade de Bem-Estar Familiar —
BEFAM — no Brasil, em 1986, com uma
sub-amostra da PNAD — Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio,
Tabela 1 – Prevalência de agravos nutricionais em crianças brasileiras menores de cinco
anos de idade nos anos de 1974/75, 1989 e 1996
Fonte: Adaptado de MONTEIRO; MONDINI; 1997.
Nota:
1
Índice peso / idade
2
Índice peso / altura
Tabela 2 – Evolução do retardo estatural de menores de cinco anos, no Brasil, por grandes
regiões e estratos urbanos e rurais (1974/75, 1989, 1996)
Fonte: Adaptado de BATISTA FILHO; RISSIN, 2003.
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na qual avaliaram-se apenas crianças
menores de 5 anos e suas respectivas
mães (Ministério da saúde, 1996).
Os padrões
nutricionais
sofrem alterações
a cada século,
resultando em
mudanças na
dieta dos
indivíduos.
Em relação às crianças menores
de 5 anos, destacam-se a estabilidade
de baixas proporções de crianças com
sobrepeso e a enorme queda da desnutrição ao longo dos três inquéritos
estudados, como observados na Tabela 1 (MONTEIRO,1999).
Entretanto, ainda que essa redução tenha ocorrido em todo o país, não
ocorreu de maneira uniforme, conforme atesta Batista Filho e Rissin (2003).
Segundo esses autores, tomando como
referência o déficit estatural, que representa o efeito cumulativo do estresse
nutricional sobre o crescimento esquelético, observa-se na Tabela 2, que entre 1975 e 1989, a diminuição da
prevalência do retardo de estatura foi
mais rápida no meio urbano da região
Centro-Sul (englobando o Sudeste, o Sul
e o Centro-Oeste), com um declínio de
20,5% para 7,5%, enquanto no Norte a
redução foi de 39,0% para 23% e, no
Nordeste, de 48,0% para 23,8%.
Analisando os estudos nacionais
de 1974/1975 e 1989, Monteiro (2000)
afirmou que, no período estudado, a
obesidade elevou-se em todas os níveis de renda, mas o aumento foi maior entre os indivíduos que pertenciam
a famílias de menor renda per capita,
ou seja, à pobreza, e, a partir de 1989,
deixou de ser um fator de proteção
para a obesidade. O autor apontou,
também, a diminuição da desnutrição
em todos os níveis de renda familiar
estudados, com o virtual desaparecimento da mesma entre os adultos de
renda mais alta. Apesar da redução da
desnutrição no país, estudos continuam apontando para altas prevalências,
especialmente em regiões mais pobres
(TONIAL, 2002).
Monteiro (1999), analisando os
dados do inquérito realizado nas regiões Sudeste e Nordeste em 1996/1997,
20
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pelo Instituto Brasileiro de Geoestatística (IBGE), denominado Pesquisa dos
Padrões de Vida (PPV), revela que os
homens continuaram a apresentar aumento de prevalência da obesidade nas
duas regiões — cerca de 4,7% e 8,0%,
nas regiões Nordeste e Sudeste, respectivamente, ao passo que entre as
mulheres, a obesidade aumentou de
forma expressiva no Nordeste e diminui ligeiramente no Sudeste — cerca
de 12,3% e 12,4% nas regiões Nordeste
e Sudeste.
É evidente que as diferenciações
geográficas expressam diferenciações
sociais na distribuição da obesidade. Em
princípio, existiria maior prevalência de
sobrepeso/obesidade nas regiões mais
ricas, sendo essa condição o fator discriminante dos cenários epidemiológicos entre o Nordeste e o Sudeste do
Brasil. Assim, nessa perspectiva, no entanto, já se desenha outra tendência: o
aumento da ocorrência da obesidade
nos extratos de renda mais baixa, no
período de 1989 a 1996, enquanto o
comportamento ascendente do problema começa a se interromper entre as
mulheres adultas de renda mais elevada (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003).
Segundo Najas (1994), os resultados encontrados na PNSN revelam
um novo direcionamento da relação
entre obesidade e níveis de renda e escolaridade. O maior desenvolvimento
de algumas regiões tornam essa relação negativa pelo acesso à informação
e a produtos mais diversificados no
mercado.
Entre os aspectos explicitados
por Recine e Radaelli para justificar as
altas prevalências de obesidade no país
estão:
• estrutura demográfica: as pessoas concentram-se mais nas cidades,
onde gastam menos energia e têm
acesso a variados tipos de alimentos,
principalmente industrializados;
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• redução do tamanho da família: aumento da disponibilidade de alimento na família;
• dieta desequilibrada: predomínio de alimentos muito calóricos e de
fácil acesso (cereais, óleo e açúcar) à
população mais carente.
Os padrões nutricionais sofrem
alterações a cada século, resultando em
mudanças na dieta dos indivíduos. O
século XX foi marcado por uma dieta
rica em gorduras (principalmente as
de origem animal), açúcar e alimentos
refinados e reduzida em carboidratos
complexos e fibras. O predomínio dessa dieta tem contribuído, juntamente
com declínio progressivo da atividade
física, para o aumento da obesidade.
Apesar de os dados sobre o padrão alimentar da população do país
serem escassas e irregulares, as informações disponíveis mostram que, nos
últimos 20 anos, o brasileiro passou a
consumir mais alimentos de origem
animal e menos grãos e cereais (MONDINE; MONTEIRO, 1994). Em algumas regiões, o consumo de gordura está acima
da recomendação máxima de 30% das
calorias totais (INAN, 1997) e a proporção de adultos obesos aumentou em
mais de 50% desde a realização, no início da década de 1970, do Estudo Nacional de Despesa Familiar (MONDINI;
MONTEIRO, 1994; MONTEIRO; MONDINI, 2000).
Em estudo realizado, no qual foram avaliadas as mudanças na composição e adequação nutricional da
dieta familiar nas áreas metropolitanas
do Brasil, no período de 1988 a 1996,
Monteiro et al. (2000) concluíram que
permanece a tendência ascendente da
participação relativa dos lipídios na di-
eta do Norte e do Nordeste, bem como
o aumento no consumo de ácidos graxos saturados em todas as áreas metropolitanas do país. O autor também
revelou a redução do consumo de carboidratos complexos, a estagnação ou
a redução de consumo de leguminosas, verduras, legumes e frutas e o aumento no consumo de açúcares, que
são traços marcantes e negativos da
evolução do padrão alimentar no período avaliado, ou seja, de 1988 a 1996.
Nesse mesmo trabalho, o autor revelou mudanças registradas apenas na
região Centro-Sul do país, que poderiam indicar a adesão da população a
dietas mais saudáveis, como o declínio no consumo de ovos e o recuo
discreto da elevada proporção de calorias lipídicas.
Considerações finais
Diante do aumento da prevalência da obesidade nos estratos de renda
e escolaridade mais inferiores, a redução da desnutrição nos bolsões de miséria, aliada a patologias decorrentes
da evolução social, como o câncer e
as doenças cardiovasculares, nos remete à complexidade da situação epidemiológica nutricional pela qual passa
o Brasil, exigindo da agenda do setor
de saúde os sentidos e a práxis da
integralidade, da eqüidade e da universalidade na assistência médica, além
de sinalizar a importância de estudos
que acompanhem a evolução nutricional das populações, subsidiando os formuladores e executores de políticas
públicas na criação ou ajuste de intervenções condizentes com a dinâmica
dos processos nutricionais.
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Apesar de os
dados sobre o
padrão alimentar da
população do país
serem escassas
e irregulares,
as informações
disponíveis mostram
que, nos
últimos vinte anos,
o brasileiro passou a
consumir mais
alimentos de origem
animal e menos
grãos e cereais.
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JUL./DEZ.2004
23
Prospecção de evidências científicas para
tomada de decisão na gestão da saúde
pública – A experiência da Secretaria de
Estado de Saúde de Minas Gerais
Robespierre Queiroz da Costa Ribeiro1
Eugênio Vilaça Mendes2
Benedito Sacaranci Fernandes3
Mauro Chrysóstomo Ferreira4
1
Mestre em pediatria,
Faculdade de Medicina
da UFMG; Doutor em
cardiologia, Faculdade
de Medicina da USP-SP/
Incor; Coordenador do
Setor de Avaliação
Tecnológica da Saúde –
DRA/SAS da Secretaria
de Estado da Saúde de
Minas Gerais; Assessor
para a área de pesquisa
da DIREP/FHEMIG.
Endereço para
correspondência:
Alameda Guilherme
Henrique Daniel, 94,
30.220-200,
Belo Horizonte, MG, Brasil
[email protected]
2
Consultor de
Desenvolvimento de
Sistemas e Serviços de
Saúde. Consultor da
Secretaria de Estado de
Saúde de Minas Gerais.
3
Superintendente de
Atenção à Saúde da
Secretaria de Estado de
Saúde de Minas Gerais.
4
Diretor de Redes
Assistenciais da
Secretaria de Estado de
Saúde de Minas Gerais.
24
Resumo
Objetivos: Obter evidências para orientar o gestor de saúde quanto à implementação de serviços de cirurgia cardíaca.
Método: Revisão assistemática da literatura.
Resultados: Exceto o pólo macrorregional do Jequitinhonha, todos os outros contemplam o critério populacional de 500 mil
habitantes para instalação de um serviço de
cirurgia cardíaca. Os poucos serviços de cirurgia cardíaca que apresentavam grande volume e os que realizaram um volume mínimo
de 150 cirurgias/ano estão, em sua maioria,
apresentando estabilidade ou tendência decrescente no volume desses procedimentos. Alguns, com volume abaixo de 200
cirurgias/ano, apresentam tendência incremental. A maioria (88%) dos serviços de cirurgia cardíaca apresenta taxa de mortalidade
acima de 5%.
Conclusão: Apesar do critério populacional ter sido contemplado, a maioria dos serviços de cirurgia cardíaca não satisfaz
importantes critérios de qualidade largamente utilizados para o credenciamento desse tipo
de tecnologia.
Palavras-chave
Avaliação de tecnologia em saúde, centro de evidências, cirurgia cardíaca, gestão
da saúde, saúde pública.
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N.5
, P.24-34 –
Prospección de evidencias
científicas para la tomada
de decisión en la gestión
de la salud pública —
La experiencia de la Secretaria
da Saúde de Minas Gerais
Resumen
Objetivos: Obtener evidencias para orientar el gestor de salud encuanto a la implementación de servicios de cirurgía cadiaca.
Método: Revisión asistemática de la literatura.
Resultados: Con excepción del polo macrorregional de Jequitinhonha, todos los otros
contemplan el criterio poblacional de 500.000
habitantes para instalar un servicio de cirurgía
cardiaca. Otros servicios de cirurgía cardiaca
que presentaban grán volumen y los que realizaban un volumen mínimo de 150 cirurgías/
año están, en su mayoría, presetando una estabilidad ó tendencia decreciente en el volumen de estos procedimientos. Algunos, todavía
con volumen por debajo de 200 cirurgías/año,
presentan tendencia incremental. La mayoría
(88%) de los servicios de cirurgía cardiaca presentan tasa de mortalidad superior a 5%.
Conclusión: Apesar del criterio poblacional haber sido contemplado, la mayoría de
los servicios de cirurgía cardiaca no satisface
importantes criterios de calidad ampliamente utilizados para el credenciamiento de este
tipo de tecnología.
JUL./DEZ.2004
Introdução
Tem sido relatada a ocorrência
de uma crescente epidemia de doenças cardiovasculares isquêmicas
(DCVs), tanto em países desenvolvidos, como naqueles em desenvolvimento, até mesmo o Brasil, contribuindo
para altas taxas de morbidade, mortalidade e custos em cuidados com a
saúde e, conseqüentemente, elevada
carga para a saúde pública em termos
de anos de vida perdidos, ajustados
por incapacidade (AVAI ou DALY –
Disability Adjusted Life Years) (MURRAY,
1996; LOTUFO, 2000; LOTUFO, 2000A; GULLIFORD, 2001; WHO, 2003). Em nível mundial, estimam-se 17 milhões de óbitos
a cada ano decorrentes de doenças cardiovasculares, ou seja, uma em cada
três mortes, e seis vezes o número de
mortes causadas pelo HIV/AIDS (WHO,
2002). Projeções para as próximas décadas indicam a permanência das
DCVs como responsáveis pelas maiores taxas globais de mortalidade e
da hipertensão arterial um aumento
de 60% na sua prevalência em 2025
(KEARNEY, 2005; MURRAY, 1996).
Recentemente, verificaram-se valores preocupantes nas taxas de prevalência (com tendência crescente em
análise de cinco anos) de fatores de
risco cardiovascular entre crianças e
adolescentes da cidade de Belo Horizonte, que, naturalmente, tendem a aumentar o número de adultos com DCVs
nas próximas décadas (RIBEIRO et al.
2002; ROBESPIERRE, 2004). O Estudo de
Carga de Doença no Brasil mostrou que
as doenças cardiovasculares são responsáveis pela maior carga de doença (9,6
DALY) em nosso país, seguida pelo diabetes mellitus (5,1 DALY) (Brasil 2004).
Embora as taxas de mortalidade por
DCVs se encontrem em descenso no
país, espera-se, com a acelerada epidemia de excesso de peso, que essas
taxas voltem a apresentar curva ascendente (LOTUFO 2000a ).
Também por esses expressivos
valores de morbimortalidade, as doenças cardiovasculares têm demandado
expressivo arsenal de tecnologias para
os cuidados prestados aos pacientes
com essas enfermidades. Entre as várias tecnologias utilizadas, a cirurgia cardíaca, particularmente a de
revascularização miocárdica (CRVM),
vem há várias décadas engrossando o
armamentarium terapêutico das
DCVs, com indicações precisas e benefícios importantes para o paciente.
Entretanto, muitas vezes, serviços de
cirurgia cardíaca são estabelecidos sem
retorno adequado de benefícios à população a que assiste.
A partir da divulgação da portaria SAS/MS nº 210, de 15/6/2004, do
Ministério da Saúde (MS-BR), recomendando como parâmetro populacional
a existência de uma unidade de cirurgia cardíaca para cada 500 mil habitantes, a Secretaria de Estado da Saúde
de Minas Gerais (SES-MG) solicitou à
então recém-criada Coordenação de
Avaliação de Tecnologias em Saúde a
prospecção de evidências para embasar essa Secretaria nas decisões quanto a implantação/implementação de
serviços de cirurgia cardíaca no Estado. Essa tarefa consistiu, basicamente,
na coleta (identificação, seleção), análise e síntese de dados sobre a tecnologia, as atividades características de
um Centro de Evidências — formato
inicial escolhido para a implantação
paulatina dessa coordenadoria.
No estado de Minas Gerais, existiam então 21 serviços de cirurgia cardíaca credenciados pelo Ministério da
Saúde, distribuídos nos seguintes municípios: nove em Belo Horizonte, dois
em Montes Claros, dois em Uberaba,
dois em Uberlândia e os outros em Contagem, Divinópolis, Nova Lima, Ipatinga, Juiz de Fora e Patos de Minas. O
número de serviços de cirurgia cardíaca para Minas Gerais, segundo o parâmetro populacional do MS-BR, seria de
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32 serviços, existindo um déficit de 11
serviços. Em decorrência desse fato,
surgiu imediata movimentação de serviços médicos solicitando o seu credenciamento no SUS.
Surgia, então, a necessidade de
uma avaliação desta tecnologia por
meio de critérios baseados em evidências científicas robustas, com o objetivo não só de conter custos em uma
realidade que conta com recursos muito escassos, mas, também, de melhoria da qualidade dos serviços de
cirurgia cardíaca.
Objetivos
De acordo com o
Efeito Roemer,
quanto mais se abre
vagas/leitos em um
hospital ou cidade,
mais leitos serão
preenchidos.
O objetivo desta revisão assistemática foi obter evidências para orientar o gestor de saúde quanto à
implementação de uma tecnologia intensiva em saúde, a saber, serviços de
cirurgia cardíaca, a partir de evidências
científicas robustas validadas/utilizadas
em outros serviços de saúde pública,
privada, associações de especialidades,
e a partir da literatura médica.
Metodologia
Buscou-se a identificação e avaliação de evidências científicas que indicassem critérios confiáveis e válidos
para nortear decisões a respeito da implementação de serviços de cirurgia
cardíaca. As evidências foram obtidas
a partir de prospecção sistemática em
diversas bases de dados, sites específicos de instituições públicas e privadas, sites de busca (motores de busca)
e outros. As evidências foram, então,
sendo identificadas inicialmente mediante busca genérica (palavras de títulos, palavras-chave e resumos). Em
seguida, todas as palavras-chave com
evidências relevantes foram listadas e
utilizadas, posteriormente, em diversas combinações. A prospecção foi realizada em diversas fontes como
INAHTA, Cochrane Library, MEDLINE,
LILACS, Google, DATASUS e Ministério da Saúde, dentre outras.
26
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Indicadores
Um referencial teórico importante
consistiu nos critérios utilizados pelas
secretarias de saúde dos estados norte-americanos para a certificação de
serviços de cirurgia cardíaca. De acordo com o preenchimento desses critérios, o serviço de cirurgia cardíaca
obtinha um documento denominado
Certificado de Necessidade (Certificate of Need – CON), que atestava a real
necessidade da implantação/implementação do serviço (ACC-ADVOCACY 2003).
Apesar de algumas críticas, essa certificação vem sendo utilizada como instrumento para refrear os gastos
estratosféricos com a saúde, prevenir
a duplicação desnecessária de serviços de saúde e atingir um acesso eqüitativo aos cuidados de saúde com
qualidade, a um custo razoável. Verificou-se que as taxas de mortalidade
de cirurgia cardíaca em estados norteamericanos cujos serviços não são regulamentados pelo CON foram maiores
que naqueles que exigem esse certificado (VAUGHAN-SARRAZIN 2002).
De acordo com o Efeito Roemer,
quanto mais se abre vagas/leitos em um
hospital ou cidade, mais leitos serão preenchidos. E com a regionalização dos
serviços de cirurgia cardíaca surgem,
conseqüentemente, os hospitais e cirurgiões com baixo volume de cirurgia.
Estabelecemos, então, dois parâmetros: os indicadores de necessidade e os critérios de qualidade. Os
indicadores de necessidade consistiam
no indicador populacional (número
mínimo de indivíduos em uma comunidade a ser beneficiada pela tecnologia em questão) e na dimensão
epidemiológica do agravo relacionado
à tecnologia (prevalência e morbimortalidade das doenças cardiovasculares).
Os critérios de qualidade basearam-se
no conceito de escala ou volume, nos
resultados da aplicação da tecnologia,
nos recursos humanos nela utilizados
(capacitação/titulação dos profissioJUL./DEZ.2004
nais), nos recursos materiais, na infraestrutura do serviço e no acesso da
população à tecnologia. Como os recursos humanos, materiais e infra-estrutura do serviço já constituíam
exigências do Ministério da Saúde para
o credenciamento do serviço, nos atemos aos outros critérios, uma vez que
esses do Ministério teriam que ser contemplados de antemão.
Há evidências de que em hospitais com grandes volumes (quantidade) de cirurgia os pacientes apresentam
melhores resultados (menores taxas de
complicações e óbitos), enquanto naqueles com pequenos volumes ou com
cirurgiões menos experientes os resultados são piores (LUFT, 1990). A partir
da constatação, tem sido utilizado o
volume de cirurgias realizado como um
proxy de qualidade do serviço. As taxas de mortalidade caem à medida que
o volume de cirurgia do hospital e do
cirurgião aumenta.
A maioria dos estudos tem demonstrado uma relação positiva entre
o volume de procedimentos cirúrgicos
cardiovasculares e os desfechos favoráveis (OR < 1) (SOWDEN, 1997; AMN EWS , 2003). Apesar de ter sido
verificada uma redução no valor da
razão de chances (OR — Odds Ratio)
quando se ajusta por fatores de risco
inerentes ao paciente, especificamente depois da inclusão do grau de severidade da doença, a unidade não é
incluída no intervalo de confiança desta
razão, permanecendo ainda valores de
benefício (SOWDEN, 1997).
Recentemente, essa relação volume/desfecho foi claramente demonstrada em uma revisão sistemática de
57.150 pacientes submetidos a CRVM
— cirurgia de revascularização do miocárdio — em serviços diversos no estado de Nova York (WU 2004). Nessa
revisão, em que o benefício da cirurgia
foi medido pela razão das chances (OR)
e ajustado pelo risco clínico do paciente, verificou-se que os serviços que realizavam mais de 200 cirurgias ao ano
apresentavam mais benefícios (OR =
0,53 (IC95%: 0,30 a 0,93) e 0,62 (IC95%:
0,40 a 0,96), respectivamente para pacientes de baixo e médio a elevado risco), quando comparados aos serviços
com menos de 200 cirurgias/mês. Quanto à validade clínica (número necessário para tratar ou NNT), esse estudo
mostra, ainda, que os primeiros serviços necessitavam operar, respectivamente, 147 e 37 pacientes com os riscos já
descritos, para obter os benefícios citados. Quando se movia o ponto de corte para valores acima de 200 cirurgias/
ano, o valor do benefício (OR) reduzia-se, enquanto o NNT aumentava, diminuindo, assim, o benefício e a
validade clínica do procedimento nos
pontos de corte mais elevados. Essa situação sugere, então, como ponto de
corte para o critério de volume ou escala, o valor de 200 cirurgias/ano. Também os pontos de corte utilizados como
critério de volume mínimo de CRVM/
ano, nas diversas fontes de evidências
prospectadas, mostram um valor mediano em torno de 200 cirurgias/ano (Tabela 1). Assim, e de acordo com a
revisão de Wu (2004), optamos por 200
cirurgias/ano como valor mínimo, para
um proxy da qualidade do serviço (Tabela 1). Os valores para o indicador
populacional, recomendados pelo Ministério da Saúde do Brasil e do Canadá, coincidem com a instalação de um
serviço de cirurgia cardíaca para cada
500 mil habitantes (Tabela 1).
Analisando 357.885 pacientes
com idade superior a 65 anos, atendidos pelo Medicare (EUA) e submetidos a CRVM, Peterson et al. (1994)
encontraram valor médio na taxa de
mortalidade no 30º dia de pós-operatório e um ano depois, em torno de
7% a 13%, respectivamente.
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TABELA 1 — Indicadores de necessidade e qualidade para implantação/implementação
de serviço de cirurgia cardíaca
* Referências no final do artigo
*”Mínimo ideal”: 200 cirurgias/ano (hospital)
Resultados
Quanto ao indicador epidemiológico, levantamos no banco do DATASUS as taxas de morbidade no estado
de Minas Gerais, de acordo com a recomendação nº 15 do Consenso em
Serviços de Cirurgia Cardíaca – Canadá (CARDIAC CARE NETWORK 2000), que
sugere utilizar a taxa de admissão padronizada de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) para o ajuste das
taxas-objetivos. Verificamos, então, que
esses dados sugerem a existência de
subnotificação do agravo, impossibilitando a utilização deles, de forma confiável para a sua análise.
Para a verificação do número de
internações para cirurgias cardíacas no
período de 2001 a 2003, inicialmente
identificamos os 106 procedimentos
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hospitalares descritos na “Tabela de
Procedimentos do SIH-SUS” nos diversos sub-grupos de cirurgias cardíacas
e, posteriormente, utilizamos a variável procedimento hospitalar realizado, para a seleção no banco de dados
das internações nas quais foram realizados os procedimentos selecionados.
Em Minas Gerais, no período de
2001/2003, independentemente da idade e do gênero, foram realizadas mais
CRVMs, seguidas de valvoplastias. Como
tratamento das cardiopatias isquêmicas,
foram realizados mais procedimentos
invasivos não cirúrgicos (angioplastias)
do que os cirúrgicos (CRVMs).
Em 2002, o governo de Minas
Gerais dividiu o estado em 13 pólos
macrorregionais — Plano Diretor de
Regionalização — PDR (Figura 1).
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FIGURA 1 — Pólos macrorregionais do estado de Minas Gerais
No período analisado (2001/
2003), mais de 20% das internações para
cirurgias cardíacas, de residentes em
Minas Gerais, ocorreram em outros estados, em cada ano. Esse percentual
varia muito quando verificado por macrorregião de residência do paciente.
Por exemplo, em 2003, mais de 90%
das internações de residentes na macrorregião Sul foram realizadas em outros estados, enquanto apenas 1,1% das
internações de residentes ocorreram na
macrorregião Centro. Entre os estados
que receberam pacientes residentes em
Minas Gerais, São Paulo recebeu o
maior número em todos os anos, apre-
sentando as maiores proporções de internações. Quando calculamos as taxas de internações considerando o local
de residência do paciente, verificamos
uma grande diferença entre as macrorregiões, variando de 0,4 internações por
10 mil habitantes na macrorregião Sul
a 6,4 na do Triângulo Norte, em 2003.
Minas Gerais apresentou um incremento nas taxas de internações para cirurgias cardíacas de alta complexidade,
entretanto a distribuição do número de
cirurgias cardíacas realizadas pelos serviços credenciados pelo SUS distribuiuse de forma muito heterogênea entre
suas macrorregiões (Gráfico 1).
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GRÁFICO 1 – Cirurgias cardíacas de alta complexidade realizadas em Minas Gerais
Taxas de internações por 10 mil habitantes por macrorregião de residência, SUS/MG, 2001/2003
Uma parte significativa desse volume de cirurgias em pacientes internados em hospitais de Minas Gerais está
sendo realizada em outros estados da
federação. E, entre as macrorregiões que
encaminharam os seus pacientes para
outros estados, durante 2003, verificamos que as menores taxas de realização
de cirurgias cardíacas e, especificamente as CRVMs em todas as faixas etárias,
encontram-se na macrorregião Sul (com
um valor máximo em torno de 0,4 internações por 10 mil habitantes), seguida
pela Noroeste e Triângulo Sul (Gráfico
2). Por outro lado, essas mesmas macrorregiões detentoras das menores
taxas de realização de cirurgias cardíacas são as que mais encaminham seus
pacientes cirúrgicos para ser operados
em outros estados. Entre as macrorregiões que mais encaminham pacientes estão a macrorregião Sul (mais de 90%
dos adultos), seguida pelas regiões Triângulo Norte, Triângulo Sul, Oeste, Sudeste e Noroeste (Gráfico 2). No Estado,
para cada três casos de CRVM, um é
encaminhado para outro Estado (Gráfico 2). Na macrorregião Sul, as microrregiões que mais encaminham pacientes
cirúrgicos são as cidades de Pouso Alegre, seguida por São Lourenço e Alfenas, respectivamente.
GRÁFICO 2 – Cirurgias de revascularização miocárdica realizadas em Minas Gerais
Taxas de internações por 10 mil habitantes em pacientes com 20 anos e mais, por macrorregião de
residência, SUS/MG, 2003
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Analisando o volume de cirurgias de revascularização miocárdica realizadas em Minas Gerais, nos diversos
hospitais credenciados pelo SUS, em
usuários desse sistema, durante o período de 2001 a 2003, verificamos que
entre os que realizam mais de 200 cirurgias/mês, apenas o Hospital Madre
Tereza mantém esse volume (Gráfico
3). Se considerarmos um ponto de corte
mais baixo, de 150 cirurgias/ano como
volume mínimo de cirurgias, o Hospital
Biocor e o Hospital Madre Tereza contemplam esse parâmetro, mesmo assim,
apresentando tendência ao decrescimento
do volume. Entre 100 a 150 cirurgias/
ano, inclui-se a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (Gráfico 3).
Quanto às taxas de mortalidade, considerando um ponto de corte
de 10%, verificamos que pouco mais
da metade (53%) dos serviços apresentam valores maiores que 10%; acima de 5%, incluem-se mais 35% dos
serviços (mortalidade entre 5% e 10%);
Em decorrência, 88% dos serviços
apresentam taxa de mortalidade acima de 5%, restando apenas 12% dos
serviços com taxas abaixo de 5%
(Gráfico 4).
GRÁFICO 3 – Tendência do volume de cirurgias cardíacas tipo revascularização miocárdica
(CRVM) realizadas em Minas Gerais
Número de internações por hospitais e grupos de cirurgias. SUS/MG, 2001/2003
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GRÁFICO 4 – Revascularização miocárdica
Mortalidade hospitalar (óbitos /100 internações), por hospital e grupos de cirurgias. SUS/MG, 2001/2003
TABELA 2 — População por macrorregião do Estado de Minas Gerais
Quanto ao critério populacional, a Tabela 2 mostra a densidade populacional por pólo macrorregional,
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indicando que, exceto a macrorregional Jequitinhonha, todas as outras possuem mais de 500 mil habitantes.
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Conclusão
Excetuando o pólo macrorregional do Jequitinhonha, os demais contemplam o critério populacional de 500
mil habitantes para instalação de um
serviço de cirurgia cardíaca.
Aqueles poucos serviços de cirurgia cardíaca que apresentavam grande
volume e os que realizaram volume mínimo de 150 cirurgias/ano estão, em
sua maioria, apresentando estabilidade
ou tendência decrescente no volume desses procedimentos. Outros, ainda com
volume abaixo de 200 cirurgias/ano,
apresentam tendência incremental.
A maioria (88%) dos serviços de
cirurgia cardíaca apresenta taxa de
mortalidade acima de 5%.
Embora o critério populacional
tenha sido contemplado, a maioria dos
serviços de cirurgia cardíaca não satisfaz os critérios de qualidade utilizados
por serviços de saúde pública de outros países para o credenciamento desse tipo de tecnologia.
Este estudo contribui para a condução do novo processo de regionalização da Secretaria de Estado de
Saúde de Minas Gerais, agregandolhe qualidade, uma vez que utiliza parâmetros regionais, epidemiológicos,
de qualidade do serviço, de necessidade real da tecnologia, dentre outros, para a incorporação dessa
tecnologia.
Agradecimentos
Ao Dr. David Toledo Velarde,
pela revisão do texto e preciosa opinião sobre o assunto.
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impact of hospital and surgeon volumes on the in-hospital mortallity rate for coronary artery
bypass graft surgery limited to parients at high risk? Circulation, 110:784-789, 2004.
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Caracterização da demanda infantil
de um serviço de psicologia
Resumo
Este estudo tem como objetivo conhecer algumas características da demanda de
um serviço público de atendimento ambulatorial de psicologia da cidade de Sabará,
Minas Gerais. Foram avaliados os registros
de crianças de 2 a 12 anos de idade, totalizando 220 sujeitos. Analisaram-se as seguintes variáveis: sexo, idade, escolaridade das
crianças e dos pais, renda familiar, profissão
dos pais, origem do encaminhamento, tipo
de queixa e procedência da clientela. Verificou-se que a maioria das crianças era do sexo
masculino (70,45%), com idades entre 7 e 9
anos (44,55%), cursando as duas primeiras
séries ou o pré-escolar (73,18%), procedentes de famílias de baixa renda (70,93%) e
moradores da região onde se localiza o serviço (55,46%). As queixas referiram-se a dificuldades afetivo-sociais (54,20%),
problemas funcionais (23,04%) e problemas
cognitivos (22,76%), destacando-se a família e a escola como principais fontes de encaminhamento (33,64% e 32,73%
respectivamente).
Palavras-chave
Perfil da clientela, caracterização da demanda, registro de demanda, atendimento
psicológico.
Wagner Prazeres dos Santos
1
Montserrat Zapico Alonso
2
Caracterización de la demanda infantil de un servicio de psicologia
Resumen
El siguiente estudio tiene como objetivo
conocer algunas de las características de la
demanda de un asistimiento público de psicologia de la ciudad de Sabará, MG. Fueron
evaluados todos los registros de niños hasta
12 anõs de edad, totalizando 220 sujetos. Se
analizaron las siguientes variables: sexo, edad,
escolaridad de los ninõs y de los padres, renta familiar, profesión de los padres, origen del
encaminamiento, tipo de queja y procedencia de la clientela. Se verificó que la mayoria
de los niños es del sexo masculino (73,45%),
con edad entre siete y nueve años (44,55%),
estudiando los dos primeros grados o preescolar (70,18%) y procedientes de familias de
baja renta (70,93%) y residientes en la región
donde se situa el servicio (55,46). Las quejas
se referiran a las dificultades afectivo-sociales
(54,20%), problemas funcionales (23,04%) y
problemas cognitivos (22,76%), sobresaliendo la familia y la escuela como principales
fuentes del encaminamiento (33,64% y
32,73% respectivamiente)
1
Psicólogo do Hospital
Cristiano Machado/
Fundação Hospitalar do
Estado de Minas Gerais
(FHEMIG); Coordenador do
Núcleo de Ensino e
Pesquisa – NEP/HCM;
Especialista em Psicologia
Educacional – PUC Minas.
Endereço para
correspondência
Rua Santana, nº 600,
34.545-790, Sabará, MG
tel. 31 3672-9836
[email protected]
2
Psicóloga do Centro de
Saúde Mental Infantil e
da Adolescência (CESMIA)
da Prefeitura Municipal
de Sabará; Especialista
em Psicologia
Educacional – PUC Minas.
Endereço para
correspondência
Rua Juscelino
Kubitischek, 474-B,
34.515-170, Sabará, MG
tel. 31 3674-4583
[email protected]
Palabras-clave
Perfil de los clientes, caracterización de
la demanda, registro de la demanda, atendimiento psicológico.
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Introdução
Conhecer o perfil da demanda
dos serviços de psicologia, principalmente aquela ligada à clínica-escola
das universidades ou ao Sistema Único de Saúde (SUS), para subsidiar a
elaboração de propostas de intervenção, tem sido o objetivo de alguns estudos brasileiros (Carvalho; Térzis,
1989; Sales, 1989; Santos, 1993; Marturano et al., 1993; Lopez, 1993; Barbosa
e Silvares, 1994).
De acordo com levantamento realizado referente ao período de 1998 a
2002, em seis periódicos brasileiros da
área de Psicologia (Arquivos Brasileiros de Psicologia; Psicologia: Teoria e
Pesquisa; Estudos de Psicologia; Psicologia: Ciência e Profissão; Psico; Boletim de Psicologia) sobre trabalhos de
caracterização de demanda em saúde
mental, verificou-se que poucos foram
realizados no Estado de Minas Gerais:
o de Sanches (1985), que investiga os
aspectos epidemiológicos dos usuários de uma clínica-escola da Universidade Federal de Uberlândia e o de Sales
(1989), com a clientela da Policlínica
do município de Varginha.
Diante desta realidade, tem-se
como objetivo caracterizar a demanda
infantil em saúde mental do ambulatório do Hospital Cristiano Machado
(HCM) da cidade de Sabará, Minas Gerais, unidade da Fundação Hospitalar
do Estado de Minas Gerais (FHEMIG),
que ainda não dispõe de dados sistematizados que possam contribuir para
a formulação de políticas públicas que
incrementem o modelo de assistência
em saúde mental.
Fundado na década de 1940, o
HCM era, inicialmente, uma colônia para
tratamento e recuperação dos portadores de hanseníase de todo o Brasil. Incorporado pelo sistema de saúde do
estado de Minas Gerais, vem se transformando em hospital geral e servindo
de retaguarda para dois hospitais de
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Belo Horizonte. Conta, ainda, com um
ambulatório de várias clínicas, onde funciona o Serviço de Psicologia.
Material e método
A amostra ficou constituída de
220 crianças com idade variando de 2
a 12 anos (Idade média = 7 a 8m; DP =
1,19 e Md = 8 a 3m). Foram consultados todos os formulários de Registro
de Demanda para Atendimento Psicológico — utilizado na entrevista de triagem — de crianças até 12 anos de
idade que, no período de maio/98 a
maio/04, foram encaminhadas ao ambulatório do HCM, para atendimento
psicológico. O perfil sociodemográfico da amostra encontra-se na tabela 1.
Resultados e discussão
Considerando as variáveis socioeconômicas referentes ao contexto familiar das crianças, observou-se que
no geral a escolaridade dos pais é baixa: 73,86% tem até 8 anos de estudo,
13,64% de 9 a 11 anos de estudo e
apenas 3 pessoas tinham curso universitário. Quanto à qualificação profissional dos pais, de acordo com a
escala de profissões de Hutchinson
(apud SANTOS, 1993), predominaram
profissões de diarista, doméstica e trabalhadores da construção civil (35,68%),
seguidas de profissões que requerem
habilidade manual específica e técnica (17,50% e 4,32% respectivamente).
Foi expressiva a proporção de pais
fora do mercado de trabalho, dentre
desempregados, aposentados e donas
de casa (32,05%). Este dado foi prejudicado em 10,46%, tendo em vista o
preenchimento incompleto de alguns
registros de demanda. Quanto à renda
familiar, em salários mínimos (SM),
70,91% dos pais situaram-se na faixa
de 1 a 3 SM, 23,64% na faixa de 4 a 6
SM, 4,55% na faixa de 7 a 10 SM e
apenas 0,91% acima de 10 SM. Esses
indicadores são compatíveis aos dos
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usuários do serviço público de saúde,
freqüentemente caracterizados por baixo nível socioeconômico e cultural (FIGUEIREDO; SCHVINGER, 1981; RIBEIRO, 1989;
MARTURANO et al., 1993; LINHARES et al.,
1993), situação que, segundo Marturano (1999), é um fator que se relaciona
com a disponibilidade de recursos de
apoio ao desenvolvimento dos filhos,
tais como, a oferta de materiais educacionais, revistas, jornais, brinquedos e
passeios familiares.
Perfil sociodemográfico
da amostra
Na Tabela 1, verifica-se que
70,45% da amostra refere-se a meninos
e 29,55% a meninas, predominando a
faixa etária de 7 a 9 anos (44,55%). Estudos têm destacado a presença crescente de crianças, principalmente do
sexo masculino, nos serviços de psicologia (CARVALHO, TÉRZIS, 1989; TÉRZIS, CARVALHO, 1986; GANGORA, SILVARES, 1991;
GRAMINHA, MARTINS, 1993; BARBOSA, SILVARES, 1994; MASSOLA, SILVARES, 1997). Nossos achados concordam com os de
outros estudos, como os de Lopez (1983),
Santos (1990), Terzis e Carvalho (1986).
Em um estudo de caracterização dos
motivos da procura de atendimento psicopedagógico, Linhares et al. (1993)
também encontraram uma predominância de crianças de ambos os sexos, com
idade entre 7 e 9 anos.
Em relação à escolaridade, a maioria das crianças pertencia à primeira
série (25,91%), seguida da segunda série (19,54%) e pré-escolar (17,73%), período em que os educadores percebem
com mais freqüência as dificuldades no
desempenho acadêmico das crianças.
Considerando a origem do encaminhamento, verificou-se que a família
foi que mais encaminhou as crianças
para o atendimento (33,64%), seguida
pela escola (32,73%) e pelos médicos
(28,18%), e apenas 5,45% da amostra
foi encaminhada por outros segmentos. Há uma proporção semelhante
entre meninos e meninas encaminhados pela rede de ensino e pelos médicos em geral e uma leve discrepância
nos encaminhamentos realizados pela
família. No estudo de Linhares et al.
(1993), a área de saúde foi a que mais
encaminhou crianças para atendimento
(63%), seguida pela escola (21%) e família (10%). O fato de a família destacar-se como fonte de encaminhamento
pode ser em parte explicado pelo próprio envolvimento dos membros, facilitando aos pais melhor observação de
mudanças ocorridas no processo de desenvolvimento dos filhos (MACHADO et al.,
1994). Por outro lado, é provável que os
níveis profissional e de escolaridade dos
pais sejam variáveis que se relacionam
com o encaminhamento. De acordo com
Griest et al. (citados por SANT’ANA e SILVARES, 1991), pais com melhores níveis de
escolaridade teriam melhor compreensão dos problemas dos filhos e pais com
menor nível de conhecimento teriam mais
expectativas irreais em relação aos filhos e, conseqüentemente, seriam pais
que mais inscreveriam seus filhos em
clínicas de psicologia, em decorrência
de uma interpretação errônea sobre o
comportamento deles.
Para avaliar a procedência da demanda, considerou-se quatro áreas geográficas do município, de acordo com
a proximidade dos bairros entre si, e
uma referente à rede metropolitana de
Belo Horizonte. Observou-se que a
maior parte das crianças residia na região de Roça Grande (onde se localiza
o serviço), em bairros circunvizinhos
(55,46%), seguidos da região de General Carneiro (20,0%) e do centro da
cidade (15,45%). Este quadro sugere a
necessidade de descentralização dos serviços de psicologia, principalmente na
área infantil, pois somente no bairro de
Roça Grande e no centro é que existem
esses serviços, embora outros bairros
de grande densidade populacional possuam unidades básicas de saúde, mas
sem profissionais de saúde mental.
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O fato de a
família destacar-se
como fonte de
encaminhamento
pode ser em parte
explicado pelo
próprio envolvimento
dos membros,
facilitando aos pais
melhor observação
de mudanças
ocorridas
no processo
de desenvolvimento
dos filhos.
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TABELA 1 — Freqüência e porcentagem da amostra, segundo sexo, faixa etária, escolaridade, fonte de encaminhamento e procedência (n = 220)
Fonte: Serviço de Psicologia do Ambulatório do Hospital Cristiano Machado/Fhemig
Características clínicas da amostra
Para estudo das queixas apresentadas pelas mães ou responsáveis,
adaptou-se a classificação dos problemas infantis de Anthony (apud MARTURANO et al., 1993). Ressalta-se que foram
consideradas todas as queixas apresentadas sobre uma mesma criança, podendo ela estar enquadrada em mais
de uma categoria, conforme critério
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sugerido por Santos (1993). São três as
categorias de queixas: afetivo-social,
problemas funcionais e dificuldades
cognitivas. Procedendo-se a uma análise global dessas queixas, verificouse as seguintes proporções: área
afetivo-social: 54,20%; problemas funcionais: 23,04%; problemas cognitivos:
22,76%. As queixas mais freqüentes
JUL./DEZ.2004
de comportamento afetivo-social foram
de agressividades/brigas: (24,60%); nervosismo/ansiedade: (21,39%); problemas de conduta: (14,97%).
Comparativamente, os meninos apresentaram queixas de agressividade, problemas de conduta e desinteresse pela
escola em maiores proporções do que
as meninas, entre as quais sobressaíram queixas de choro freqüente, isolamento social e medo. Esses dados se
assemelham aos encontrados por Linhares et al. (1993), embora o estudo
se refira à amostra selecionada por dificuldades escolares.
No aspecto funcional, as maiores referências foram relativas à agitação motora (36,48%), enurese (15,72%)
e a distúrbios do sono (13,84%). Os
meninos apresentaram mais queixas de
agitação motora, distúrbios da fala, tiques e manipulações do corpo do que
as meninas. A agitação motora relaciona-se com dificuldades de atenção e
pode, neste caso, refletir um quadro
clínico específico de Transtorno de
Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH). Por outro lado, as meninas
apresentaram mais problemas de enurese, distúrbios do sono, alterações
neurológicas e manifestações somáticas. No entanto, a literatura tem indicado que a enurese é mais frequente
em meninos (REIMÃO; DIAMENT, 1985).
Em relação aos problemas cognitivos, predominaram as dificuldade de
aprendizagem (44,59%) — incluindo
dificuldade na leitura, na escrita e em
matemática — baixo rendimento escolar (22,29%); dificuldade de atenção
(18,47). Proporcionalmente, na comparação dos gêneros, houve mais relatos de dificuldade de aprendizagem e
baixo rendimento escolar das meninas
e mais relatos de dificuldade de atenção e memória e lentidão na aprendizagem dos meninos. No estudo de
Marturano et al. (1993), também as
dificuldades de aprendizagem em escrita, leitura e rendimento no ambiente escolar, obtiveram proporções
elevadas. Fora deste ambiente sobressaíram as dificuldades de aprendizagem geral e de atenção. Do mesmo
modo, Santos (1990) destaca a dificuldade de aprendizagem como o
principal motivo de procura por atendimento psicológico. Para Bernardesda-Rosa et al. (2000), os “distúrbios
específicos do desenvolvimento e
habilidades escolares” foram as queixas mais recorrentes.
Os problemas infantis, traduzidos
nas queixas, aparecem no curso evolutivo de maneira dinâmica, conjugando
múltiplos fatores. Problemas funcionais
podem decorrer de experiências estressantes na escola, gerando ansiedade ou
respostas pouco adaptativas e dificuldades de aprendizagem podem resultar de pressões emocionais no ambiente
familiar, etc. Linhares et al. (1993) chamaram a atenção para esses “padrões
de queixas combinadas”.
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Proporcionalmente,
na comparação
dos gêneros,
houve mais relatos
de dificuldade de
aprendizagem
e baixo rendimento
escolar das meninas
e mais relatos
de dificuldade de
atenção e memória
e lentidão
na aprendizagem
dos meninos.
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TABELA 2 — Freqüência e porcentagem da amostra, segundo gênero e queixas afetivosociais, cognitivas e funcionais (n = 690)
Fonte: Serviço de Psicologia do Ambulatório do Hospital Cristiano Machado/Fhemig
Conclusão
Ficou demonstrado que as crianças encaminhadas ao ambulatório do
HCM para atendimento psicológico
eram predominantemente do sexo
masculino, com idade variando entre
7 e 9 anos, cursando as primeiras
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séries do ciclo básico, provenientes
de famílias com limitadas condições
socioeconômicas e culturais.
As principais queixas foram
agressividade, nervosismo e problemas de conduta (área afetivo-social),
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agitação motora, enurese e distúrbios
do sono (área funcional) e dificuldades de aprendizagem, baixo rendimento escolar e dificuldade de atenção (área
cognitiva).
A literatura tem ressaltado a importância de conhecer as características e peculiaridades de determinada
clientela para melhor orientar as intervenções. Assim, este trabalho pode subsidiar eventuais políticas de saúde
pública para o segmento infantil do
município.
Diante do crescimento da demanda em saúde mental infantil, constado em outros estudos (CARVALHO; TÉRZIS,
1989: Santos, 1993), e considerando que
no Serviço de Psicologia do ambulatório do HCM predomina o atendimento
individual, verificou-se a necessidade
de incorporação de outras modalidades de atendimento que tenham caráter sociocomunitário e preventivo,
conforme sugerido por alguns autores
(MEJIAS, 1983; SANTOS, 1990; ARCARO; MEJIAS, 1992; SILVARES; MELO, 2000), principalmente, no que se refere à fila de
espera e a trabalhos de orientação aos
pais. Por fim, seria interessante, em
outro momento, estabelecer as relações
entre o tipo de sintomatologia com as
diferentes idades das crianças.
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Infecção por Rhodococcus equi em
imunossuprimidos: uma revisão
Graziela Flávia Xavier de Oliveira1
1
Daniela Rezende Neves
2
Hugo Abi-Saber Rodrigues Pedrosa3
Orientador: Arinos Romualdo Viana4
Siglas
BAL – Lavado broncoalveolar
NCTC 1621 – Nutriente para cultivo celular
AIDS – Síndrome da imunodeficiência adquirida
HIV – Vírus da imunodeficiência humana
Th1 – Linfócito T auxiliar 1
CD4 – Linfócitos T-auxiliares
INF-ã – Interferon gama
TNF-á – Fator de necrose tumoral alfa
MW – Peso molecular
KDa – Kilodalton
IL4 e IL10 – Interleucina 4 e 10
mAc – Anticorpo monoclonal
AMPc – Monofosfato de adenosina cíclico
PCR – Reação em cadeia da polimerase
M3 – Meio de cultivo
CR3 – Fator do complemento
Resumo
O nocardioforme actinomiceto Rhodococcus equi é um importante patógeno de eqüinos e um patógeno emergente oportunista
de humanos. Infecta, freqüentemente, potros com menos de 6 meses de idade. A
maioria dos humanos infectados apresenta
algum déficit na imunidade celular e contato
prévio com animais, solo contaminado ou
ambos. A inalação dos organismos infectantes
do solo pode levar a uma crônica e severa
pneumonia piogranulomatosa em potros e
pacientes imunocomprometidos. Além disso, colite ulcerativa é uma seqüela comum
em potros e a disseminação do pulmão
para outros sítios não é rara, tanto em animais quanto em humanos. Embora o R. equi,
um cocobacilo gram-positivo e bactéria intracelular facultativa, seja susceptível à morte por neutrófilos, ele é capaz de resistir às
defesas macrofágicas inatas e estabelecer
residência no ambiente intracelular desse
fagócito. Usualmente, o pulmão é o órgão
primário da infecção. As manifestações de
disseminação extrapulmonares, fruto de bacteremia, têm sido descritas como abscessos
cutâneo, cerebral, ósseo, etc. As manifestações clínicas da doença são febre, dispnéia,
tosse, expectoração, dor torácica, hemoptise,
emagrecimento, entre outras assim como na
tuberculose. A propedêutica da rodococose
inclui radiografia de tórax, exame direto e
cultura do escarro, hemocultura, broncoscopia com BAL, biópsia transbrônquica, aspiração transparietal, exame anatomopatológico
e, mais recentemente, análise genética. No
diagnóstico diferencial da rodococose consideram-se tuberculose, nocardiose, actinomicose, abscesso pulmonar, pneumonia
bacteriana por Pneumocystis carinii e outros.
REV. MIN. SAÚDE PÚB.,
A.3
,
N.5
, P.43-60 –
JUL./DEZ.2004
Acadêmica do 5º ano do
curso de Medicina da
Faculdade de Ciências
Médicas de Minas
Gerais.
Endereço para
correspondência
Rua Abadessa Gertrudes
Prado, nº 77, apto. 1002,
Belo Horizonte, MG,
30.380-790,
tel. 31 3293-25888 e
9956-1908,
[email protected]
2
Acadêmica do 5º ano do
curso de Medicina da
Faculdade de Ciências
Médicas de Minas
Gerais.
Endereço para
correspondência
Rua Rio Grande do Sul,
1030, apto. 2002,
30170-111,
Belo Horizonte, MG,
tel. 31 3292-4905 e
9993-2740,
[email protected]
3
Acadêmico do 4º ano do
curso de Medicina da
Faculdade de Ciências
Médicas de Minas
Gerais.
Endereço para
correspondência
Rua Colômbia, 276,
apto. 302
30320-010,
Belo Horizonte, MG,
tel. 31 3286-1853 e
9128-5092,
[email protected]
4
Professor titular de
Microbiologia da
Faculdade de Ciências
Médicas de Minas
Gerais;
Tel. 31 96341557
43
O sucesso do tratamento depende do diagnóstico precoce e do uso correto de drogas
antimicrobianas sensíveis, como imipenem,
eritromicina, rinfampicina, vancomicina, aminoglicosídeos e quinolonas de última geração. Portanto, deve-se pesquisar e suspeitar
do Rhodococcus equi em todo paciente imunodeprimido, com pneumonia evoluindo lentamente, especialmente em presença de
necrose tecidual, para que o tratamento seja
precoce e específico. Com este artigo pretende-se alertar os profissionais da área de
saúde sobre a importância do reconhecimento e isolamento do Rhodococcus equi para
o diagnóstico diferencial da pneumonia cavitária em imunossuprimidos visando à otimização do tratamento e o benefício desses
pacientes.
Palavras-chave
Rhodococcus equi, infecções oportunistas, doenças pulmonares, actinomicetoses,
nocardiose.
Rhodococcus equi infection in human immunodeficiency: a review
Abstract
The nocardioform actinomycete Rhodococcus equi is an important pathogen of horses and an emerging opportunistic pathogen
of humans. The infection occurs most in foals with six months age. Most of the infected humans has some deficit in cellular
immunity and a previous contact with animals, contaminated soil or both. Inhalation
of the soil-borne organism can lead to chronic and severe pyogranulomatous pneumonia in young horses and immunocompromised
people. In addition, ulcerative colitis is a
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common sequel to infection in foals, and dissemination from the lung to other body sites is not uncommon in either horse or
human. Although R. equi, a facultative intracellular bacterium, is susceptible to neutrophil-mediated killer, it is able to resist innate
macrophage defenses and establish residence
within the intracellular environment of that
phagocyte. Usually, the lung is the first organ to be compromised. The extra pulmonary manifestations, resultant of the blood
spread bacteria, are cutaneous, bone and
cerebral abscess. The clinical manifestations
of the disease are fever, dyspnea, cough,
increased sputum production, chest pain, hemoptysis, weight loss and others, like in tuberculosis. The investigation to diagnosis
includes routine chest radiographs, sputum
smears and cultures, hemoccult, bronchoscopy with BAL, over bronchioles biopsy, over
parietal aspiration, pathologic analysis and
more recently through genetic analysis. The
differential diagnosis of R. equi infections
are tuberculosis, lung abscess, actynomicosis, nocardiosis, bacterial pneumonia for P.
carinii and others. The success for treatment
depends on early diagnosis and correct use
of antibiotics like imipenem, erythromycin,
rifampin, vancomycin, aminoglycosides and
last generation quinolones. This article aim
to alert the health care professionals for the
importance in recognizing and isolating R.
equi to differential diagnosis of cavitary pneumonia in immunosuprimid to achieve the
correct and early treatment and the benefit
to these patients.
Key-words
Rhodococcus equi, opportunistic infections, lung diseases, actinomycetal infections,
nocardiosis.
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Introdução
Este artigo consiste numa revisão de literatura sobre a infecção em
humanos por um patógeno oportunista, Rhodococcus equi (R. equi), inicialmente descrito na veterinária como
causa freqüente de infecção, principalmente em potros com menos de 6
meses de idade (1). A rodococose teve
o primeiro relato em humanos em 1967,
em um paciente que fazia uso de corticosteróides e apresentou quadro
pneumônico pelo R. equi (7). Desde
então, já foram descritos na literatura
vários outros relatos de casos de pacientes imunossuprimidos com a doença. Foi observado que um número
elevado desses pacientes recebe diagnóstico tardio da doença, o que, freqüentemente, eleva o risco de óbito.
Sendo o Rhodococcus equi um microorganismo parcialmente ácido-resistente, que induz a um quadro clínico
semelhante ao da tuberculose, o diagnóstico diferencial merece especial importância, principalmente em países
subdesenvolvidos como o Brasil, em que
a prevalência de tuberculose é alta.
Como muitas vezes não se consegue
identificar o bacilo de Koch nos procedimentos rotineiros dos laboratórios clínicos, alguns médicos iniciam o
tratamento empírico da tuberculose,
deixando a rodococose sem tratamento. Diante dessa situação, pretende-se,
com este artigo, alertar os profissionais
da área de saúde humana sobre a importância de se suspeitar e isolar, precocemente, o Rhodococcus equi em
imunossuprimidos com lesões infecciosas cavitárias, para que se institua o
tratamento específico para rodococose.
Epidemiologia
O Rhodococcus equi é uma bactéria, inicialmente descrita na veterinária, que causa infecção sobretudo em
potros entre 2 e 6 meses de idade. A
infecção é também descrita em cavalos adultos, porcos, bois, caprinos,
carneiros, pássaros selvagens e outros
animais. Raramente provoca infecção
em humanos (1-6).
A maior ocorrência de rodococose em potros é explicada pelos baixos níveis de anticorpos maternos e
por um sistema imunológico ainda não
completamente desenvolvido (8). Potros com algum tipo de imunodeficiência são particularmente susceptíveis
à infecção (9). As manifestações clínicas da doença em potros com mais de
6 meses de idade e em outros animais
são raramente descritas, salvo naqueles com algum comprometimento da
imunidade celular (8).
Existe ainda muita discordância
quanto ao habitat primário e ao modo
de transmissão do patógeno, entretanto, parece que o R. equi se mostra amplamente disseminado e sua ocorrência
não está relacionada com nenhuma
área geográfica específica (9).
Em condições ambientais, o R.
equi faz parte da microbiota intestinal
de eqüinos, bovinos e suínos (10). Foi
isolado de fezes ou segmentos de intestinos em grande número de herbívoros ou onívoros (1). É encontrado
no solo, em águas doce e salgada, no
esterco, bem como no trato intestinal
de insetos sugadores com os quais mantém relação de mutualismo (10).
A multiplicação do R. equi no
solo depende da temperatura ambiente, da presença de ácido graxo volátil
nas fezes de herbívoros e do pH do
solo. O organismo não se multiplica
em temperaturas abaixo de 10º C. As
diferenças nas condições climáticas, no
decorrer do ano, explicam a variação
anual no número de casos de rodococose diagnosticada em potros (1). Há
maior prevalência da doença durante
as estações secas (8).
A infecção em animais propaga-se por ingestão, inalação, transmissão via umbilical, congênita ou por
migração de larvas parasitárias do trato
gastrointestinal. As infecções são normalmente esporádicas, mas surtos têm
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Rhodococcus equi
é uma bactéria,
inicialmente descrita
em veterinária,
que causa infecção
principalmente em
potros entre 2 e 6
meses de idade.
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A rodococose teve
o primeiro relato em
humanos em 1967.
Era um
paciente portador de
hepatite crônica em
uso de corticosteróides, que apresentou
quadro de pneumonia pelo R. equi
sido ocasionalmente descritos. A doença pode ser endêmica em algumas
fazendas com casos que se repetem a
cada ano (9).
A rodococose teve o primeiro relato em humanos em 1967. Era um paciente portador de hepatite crônica, em
uso de corticosteróides, que apresentou
quadro de pneumonia pelo R. equi (7).
Os humanos infectados por esse patógeno oportunista incomum possuem algum comprometimento da imunidade
celular (síndrome da imunodeficiência
adquirida, uso de terapia imunossupressora, doenças malignas, alcoolismo crônico ou transplante) e uma história
pregressa de contato com animais em
fazendas, solos contaminados ou estercos de origem animal (2-3).
A transmissão do microorganismo nos humanos dá-se por via inalatória ou transcutânea. A transmissão
transcutânea parece dar-se por trauma, com inoculação direta do microorganismo (3).
Foram diagnosticados quatro casos em crianças, sendo que apenas duas
possuíam algum tipo de imunodeficiência (3). Os dois casos relatados de
crianças com rodococose sem imunossupressão, foram decorrentes de trauma (transmissão transcutânea). Uma
delas estava com endoftalmite acompanhada de laceração da córnea, devido a trauma com ponta de uma
sombrinha. A outra estava com uma
ferida aberta no joelho em decorrência
de uma queda (3).
Há uma relação entre infecção
pulmonar por Rhodococcus equi e presença de malacoplasia pulmonar, que
pode ser detectada histologicamente (7).
Biologia
O gênero Rhodococcus pertence ao mesmo grupo filogenético do
Caseobacter, Corynebacterium, Mycobacterium, Nocardia e Aurantiaca,
descrito como Nocardioform actinomycete. É composto por bactérias
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gram-positivas, aeróbias e catalase-positivas (1).
O Rhodococcus equi é um microorganismo pleomórfico, com variações de apresentação: desde formas
cocóides (mais comuns) a formas curvadas e longas. Formas ovais ou cocóides são vistas em esfregaços de pus
e nas culturas em meio sólido, enquanto as formas mais longas são vistas
nas culturas em caldos (9).
Nos esfregaços, as células mostram-se agrupadas e lembram as letras
L e V ou letras chinesas. Esfregaços de
cultura em meio líquido, algumas vezes, mostram organismos filamentosos
com dilatação terminal.
Há um consenso mundial de que
R. equi é um gram-positivo, embora
formas gram-negativas possam ser vistas, especialmente, em culturas velhas.
O R. equi mostra-se ácido-resistente em culturas pela técnica de ZiehlNeelsen. A idade das culturas, o meio
em que cada bactéria cresce e a técnica
de coloração são importantes. As formas ácido-resistentes são observadas depois de 48 horas de incubação.
Nas preparações em que se utilizou tinta da Índia, foram observadas
bactérias capsuladas. A microscopia
eletrônica mostrou cápsula laminar polissacarídica, corada com vermelho rutênio. O Rhodococcus equi não possui
flagelos, mas já foram detectadas fímbrias. Não há formação de esporos.
Composição da parede celular
Nas preparações da parede celular de R. equi (NCTC 1621) foram encontradas grandes quantidades de
arabinose e galactose, um pouco de manose, mas não ramnose (análise cromatográfica de digeridos do organismo
em ácido sulfúrico). Glicosamina e uma
não conhecida hexosamina, identificada como 3-0-lactil glicosamina ou ácido murâmico, foram detectadas, mas
não galactosamina. Alanina, ácido
glutâmico e ácido D, L diaminopimélico
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foram encontrados em grandes quantidades, mas ácido aspártico, lisina, serina e glicina não foram detectados. Há
presença de pequena quantidade de glicose, mas não ribose ou manose na
parede celular de R. equi. Esses resultados indicam que a bactéria tem parede celular quimio tipo IV (cepa NCTC
1621), com características das espécies
Corynebacterium spp, Nocardia spp e
Mycobacterium spp (9).
A parede celular de R. equi contém ácido micólico e ácido 2-alquilado ramificado-3-hidroxi de cadeia
longa, encontrados só em bactérias com
parede celular quimio tipo IV (9).
Uma pequena amostra de cromatogramas revelou o lipídio LCN-A (um
lipídio típico de Nocardia), que é similar em valor aos encontrados no gênero
Rhodococcus, mas diferente daqueles
encontrados em outras corinebactérias.
Os principais tipos de lipídios
polares nas bactérias são fosfolipídios e
glicolípides. Os produtos da hidrólise
ácida de lipídeos solúveis do R. equi
são glicerol, manose, inositol, glicose e
arabinose e os principais produtos da
desacilação foram identificados como
glicerilfosforilinositol dimanosado, glicerilfosforilinositol, glicerol e glicose. Uma
£
pequena
faixa cromatográfica de ácidos
graxos fosfolipídicos metilados mostrou
que eles não eram hidroxilados. A cromatografia gasosa e líquida revelou que
a porcentagem de ácidos graxos saturados foi 33,1%. Há grandes quantidades
de cardiolipina, quantidades moderadas
de fosfatidil etanolamina, fosfatidil inositol manosados e menores quantidades
de fosfatidil glicerol e fosfatidil inositol
nas análises de fosfolípides do R. equi.
Não existem relatos na literatura a respeito de lipídios polares. Os isolados de
R. equi produziram pigmentos descritos
como carotenóides (9).
Habitat
O Rhodococcus equi pode ser
isolado em solos de jardins, pastos, rios,
trato intestinal e fezes de algumas espécies animais. É um suposto saprófita habitante desse meio. Dessa maneira,
permanece alguma dúvida se a R. equi
é normalmente um habitante do solo
ou se ele está presente e sobrevive no
solo que tenha previamente sido contaminado por fezes de animais (9).
Requerimentos nutricionais
O Rhodococcus equi cresce em
ágar simples. Alguns crescimentos ocorrem em ágar MacConkey e crescimento
escasso, em ágar asparagine. O R. equi
cresce bem em telorito de potássio na
concentração de 1:500, em média. O
crescimento é facilitado com a adição
de dextrose ao meio base. Entretanto, o
efeito estimulatório da glicose ocorre
com a utilização de pequenas quantidades de carboidratos, associadas ao
metabolismo da glicose a acetato. Cresce
bem (sem cromogênese) em meio
contendo sulfato de amônia como fonte de nitrogênio e acetato, assim como
carbono e energia e em meio M3, no
qual o nitrato de potássio é a fonte de
nitrogênio e o propionato a fonte de
carbono e energia (9).
Mor fologia das colônias
• Placa com ágar: em meio semisólido verifica-se a formação de colônias irregulares, arredondadas, com
borda cremosa medindo de 1 a 3 mm
de diâmetro, depois de 24 a 48 horas
de incubação aeróbica, a 37o C. Colônias molhadas e viscosas tornam-se rosas
ou vermelhas. Os termos mucóide, suculenta, viscosa, colônias em gotas de
água, coalescente, cremosa e brilhante
são utilizados para descrever a morfologia das colônias. O pigmento das colônias é descrito como rosa,
marrom-claro, rosa-salmão, vermelhotijolo. Há a descrição de colônias ásperas (irregulares), secas, de cor cinza,
que com o tempo desenvolvem pigmento amarelado.
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Sob maiores
circunstâncias,
a bactéria não é
considerada
patogênica para
humanos,
mas em pessoas
imunocomprometidas,
pode ser fatal.
• Meio com batata: há crescimento vigoroso neste meio, produzindo inicialmente, um pigmento rosa pálido,
que torna-se intensamente vermelho
amarelado. Algumas cepas produzem
colônias cremosas e outras secas e enrugadas. O crescimento nesse meio pode
ser moderado ou insuficiente, e as características das colônias podem variar.
• No meio líquido, as colônias
mostram crescimento granular vigoroso na superfície do caldo e delicadas
e difusas turvações na profundidade,
formando um pesado depósito depois
de quatro a cinco dias. Podem ocorrer
variações nos achados, dependendo da
composição dos caldos usados (9).
Características
metabólicas e bioquímicas
O Rhodococcus equi cresce sob
ampla variação de temperatura, variando de 10 a 40oC. É um aeróbio estrito e necessita de atmosfera contendo
mais de 40% de dióxido de carbono.
Em relação à atividade proteolítica, todas as cepas do Rhodococcus
equi mostram-se catalase positivas. Não
há atividade hemolítica e nem liquefação de gelatina. Cresce em soro coagulado sem liquefação, aumentando sua
pigmentação.
Não há produção de indol, nem
de citocromo C oxidase. Há relatos de
que a cepa tipo NCTC 1621 foi oxidase positiva.
A capacidade em hidrolisar uréia,
ou reduzir nitrato, é variável. Seria de
interesse saber se as cepas que não
reduzem nitrato crescem em meio contendo nitrogênio inorgânico como fonte de nitrogênio.
Os testes de produção de amônia e arginina diidrolase, e de utilização de citrato, vermelho metil e
Voges-Proskauer são negativos.
O uso de ágar acetato ou papéis
de acetato nas amostras está associado
à produção de ácido sulfídrico. Em vista
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das diferentes sensibilidades aos diversos métodos em detectar produção de
ácido sulfídrico, fica difícil estabelecer se há ou não variação nas cepas
de Rhodococcus equi.
As habilidades em hidrolisar uréia
e hipurato são variáveis.
Não há fermentação de glicose,
galactose, frutose, manose, lactose,
maltose, manitol, sorbitol, glicerina, sacarose, rafinose, adonitol, eritritol, ramnose, inulina, dextrina ou salicilina.
A cepa tipo NCTC 1621 fermentou glicose, bem como produziu ácido a partir da oxidação da glicose.
Quanto ao teste com leite de tornassol, a descrição mais comum é que
o Rhodococcus equi não produz sua
mudança, porém, já foram descritas as
seguintes alterações no leite de tornassol: alcalinização, espessamento lento
e gradual, clareamento, acidificação,
peptonização e coagulação.
Na literatura há considerável variação nas descrições dadas aos isolados do Rhodococcus equi, desde a
morfologia da colônia até o comportamento em testes bioquímicos comumente utilizados (9).
Patogenia
Na última década, considerável
progresso tem sido feito no entendimento da patogênese da doença por
R. equi. Muitos aspectos têm sido examinados, tanto in vitro, como in vivo.
Sob maiores circunstâncias, a bactéria
não é considerada patogênica para humanos, mas em pessoas imunocomprometidas pode ser fatal. Depois da
inalação, nos alvéolos pulmonares, bactérias morfologicamente intactas são comumente vistas dentro dos macrófagos
e células gigantes, mas bactérias nunca estão presentes nas células do epitélio pulmonar.
Enzimas lisossômicas e radicais livres do oxigênio, liberados de neutrófilos e macrófagos intactos ou degenerados,
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podem ser os responsáveis pela maior
parte da destruição tecidual associada
às lesões do R. equi (8).
Interação com fagócitos
• Neutrófilos: a lesão pulmonar
típica associada com R. equi é broncopneumonia piogranulomatosa com
abscedação, na qual ocorre infiltração
neutrofílica típica.
• Macrófagos: o R. equi adere-se
aos macrófagos in vitro e isso requer o
complemento do hospedeiro (CR3CD11b,CD18). A expressão de CR3 em
uma linhagem de fibroblastos está correlacionada à aderência bacteriana (16).
As bactérias ficam viáveis dentro dos
macrófagos quatro horas depois da infecção como tem sido demonstrado por
pesquisadores. Esse fato parece deverse à alteração do processo de maturação
do fagossomo como nos microorganismos intracelulares Mycobacterium spp,
Nocardia asteroides e Legionella pneumophila. Interessante é que a opsonização de R. equi com anticorpos está
associada ao aumento na fusão de fagolisossomos. O tempo de replicação
dentro de macrófagos não ativados vai
de seis a oito horas. Cepas avirulentas
não replicam in vitro. A bactéria mostra
ser tóxica para os macrófagos e muitas
células são irreversivelmente lesadas. Especula-se que a degranulação não específica de lisossomos, concomitantemente
com a liberação de conteúdo lisossomal
dentro do citosol celular, pode resultar
em redução da viabilidade macrofágica (20).
Dentre os fatores de virulência,
destacam-se os antígenos de 15 a 17
KDa, denominados VapA, diretamente
ligados à patogenicidade do agente,
às exoenzimas colesterol oxidase e fosfolipase C (fatores equi) e aos polissacarídeos capsulares e ácidos micólicos
da parede celular (12).
O polissacarídeo capsular interfere na capacidade de os leucócitos
fagocitar a bactéria. Existe intensa he-
terogenicidade nos antígenos capsulares (sorotipos 1-27) entre cepas de R.
equi, sendo o sorotipo 1, o mais prevalente no mundo. Não há relação entre um sorotipo e o local de origem da
cepa. Estudo recente demonstrou que
um sorotipo capsular não está diretamente relacionado à virulência e tanto
isolados avirulentos, como virulentos,
mostraram ter o mesmo sorotipo (15).
O colesterol oxidase é um produto importante para o R. equi. A ação
combinada dos fatores equi pode conferir atividade membranolítica, mas seu
papel preciso na virulência não está definido. Tanto isolados virulentos, como
avirulantos, secretam essa proteína.
O ácido micólico contendo glicolípides na parede celular de R. equi
é capaz de promover a formação de
mais granulomas e aumentar sua virulência. Além disso, a inoculação intravenosa de glicolípides purificados
mostrou resultados semelhantes (12).
Tem sido observado que muitos
isolados de eqüinos expressam proteínas 15-KDa e 17,5-KDa, que não são
encontradas em cepas não patogênicas (ATCC 6939). Além disso, observou-se que o soro de potros infectados
naturalmente reagia com proteínas desse peso molecular, enquanto o soro de
potros sadios, não (15). Foi observado
que, associado a esses antígenos existe um grande plasmídio de 85 KDa.
Estudos posteriores mostram que cepas que perdem o plasmídio por passagem repetidas na cultura não mais
expressam esses antígenos e tornamse avirulentas (21). O gene Vap A codifica os antígenos 15 e 17,5 KDa. Ele
foi clonado e sua localização confirmada no plasmídio. No presente, está
incerto se o Vap A é verdadeiramente
fator de virulência.
Estudos recentes em ratos têm
demonstrado que a replicação bacteriana e a formação de granuloma in vivo
estão correlacionadas à presença de
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plasmídio (12). Parece que a replicação intramacrofágica dá-se somente
com cepas plasmídio positivas. A importância do plasmídio em infecções
humanas é bem menos definida e parece que existe maior diversidade em
seu tamanho e produtos gênicos.
No momento, não é
claro se existe
determinante de
superfície espécieespecíficos ou se,
simplesmente,
o status severamente
imunocomprometido
da maioria das pessoas infectadas, possibilita que
os organismos
relativamente
avirulentos suportem
e produzam a
doença.
Foi relatada que a resistência à
antibióticos betalactâmicos está ligada
à virulência. O mecanismo ainda é incerto e os organismos não exibem atividade de betalactamase, nem têm suas
proteínas de ligação à penicilina (PLPs)
diferentes de organismos susceptíveis.
As cepas resistentes possuem estruturas na superfície celular que lembram
a cauda de um bacteriófago, não vistas em cepas susceptíveis. Além disso,
partículas tipo bacteriófago (PLP) foram detectadas em todas as cepas com
estruturas de superfície (17). Maiores
estudos são necessários para identificar a natureza da matéria de superfície nessas cepas (17). Estudos também
demonstram que duas cepas (ATCC
33701, ATCC 33705) são resistentes aos
betalactâmicos, exibem estruturas de
superfície, produzem PLP e causam infecção crônica em ratos gnotobióticos.
Entretanto, essas duas cepas também
carregam um grande plasmídio e produzem VapA. No momento, não é claro se existem determinante de
superfície espécie-específicos ou se,
simplesmente, o status severamente
imunocomprometido da maioria das
pessoas infectadas, possibilita que os
organismos relativamente avirulentos
suportem e produzam a doença.
Imunologia
Há pelo menos três níveis de virulência para o R. equi: com antígenos
de 15.000 a 17.000 MW e um plasmídeo virulento de 80-95 KDa, que causa
pneumonia supurativa em potros; intermediária, contendo antígenos de
20.000MW e um plasmídeo virulento de
69-100 KDa, e avirulência não conten-
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do antígenos, nem plasmídeos virulentos associados (13). Em humanos, a
maioria dos isolados de pacientes HIV
positivo é virulenta ou de virulência
intermediária, e a maioria dos isolados
de pacientes imunocomprometidos sem
AIDS é avirulenta. A contribuição relativa da imunidade celular e humoral
para resistência contra infecções por
R. equi permanece obscura e paradoxal. A transferência passiva de plasma
eqüino hiperimune demonstrou efeito
protetor em potros e diminuição da
incidência e severidade da pneumonia
em fazendas onde a infecção era endêmica. Entretanto, a vacinação de
potros e éguas com proteínas virulentas de R. equi não protege potros (13).
Por outro lado, tem-se mostrado que a
imunidade celular é crucial na defesa
do hospedeiro em ratos. Os R. equi
virulentos vivos, mais do que mortos
ou avirulentos, induzem imunidade
protetora em ratos, e estudos, usando
anticorpos monoclonais em ratos transgênicos, indicam a participação de linfócito CD4 na eliminação da bactéria.
O mecanismo para a imunidade que
medeia a resistência durante a infecção primária permanece não resolvido. Na tentativa de elucidá-lo, foram
feitas inoculações de doses subletais
de R. equi em ratos e avaliadas as respostas (13). Os títulos de INF-ã e TNFá aumentaram no baço e no fígado de
ratos infectados com microorganismos
virulentos até o quarto dia, de acordo
com o aumento do número de bactérias, e depois diminuíram. Níveis mínimos de INF- ã e TNF-á foram detectados
no sangue e no pulmão de ratos infectados com cepas avirulentas. Nem IL-4
e IL-10 foram detectados no sangue e
pulmão dos ratos infectados em várias
cepas testadas de R. equi. A neutralização de TNF e INF-ã in vivo com
mAc, claramente, indica o papel essencial das citocinas no controle e sobrevivência nas infecções com R. equi
virulentos, mas não afeta os avirulentos.
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Isso mostra que as citocinas foram produzidas pelo estímulo microbiano e que
o TNF é necessário precocemente para
reter a replicação da bactéria dentro dos
órgãos (13). A depleção de TNF in vivo
por um anticorpo anti-TNF leva a um
curso letal em infecções por R. equi
virulentos, diferente do observado por
Nordmann et al. (19), que mostra somente a inibição da capacidade de exterminar o invasor. A secreção de INFã é essencial para a ação imune eficiente, visto que o uso de mAc anti INFã leva à uma falha na limpeza pulmonar
e resulta no desenvolvimento de granulomas pulmonares. A ativação macrofágica, nesse caso, é a chave da resposta
imune protetora, já que os R. equi virulentos possuem habilidade para sobreviver e multiplicar-se em macrófagos.
O macrófago infectado aumenta em
muito sua produção de TNF, ficando
ativado — um passo crítico na primeira linha de defesa contra tais organismos. Estudos mostram que a efetividade
em destruir o R. equi parece ser uma
resposta tipo Th1 e que INF-ã é um
mediador primário desse evento (18).
Em resumo, a TNF-á e a INF-ã são citocinas críticas que oferecem proteção
contra infecções primárias por organismos virulentos e intermediariamente virulentos, e não para avirulentos (13).
Manifestações clínicas
As principais manifestações clínicas da rodococose têm início insidioso e são: pneumonia cavitária crônica
com derrame pleural; abscessos renal,
hepático, cerebral, retroperitoneal; artrite séptica; osteomielite; bacteremia
e meningite (11).
As manifestações clínicas da rodococose podem ser:
• pulmonares: o pulmão é o órgão mais comumente afetado pelo R. equi,
o que pode ser explicado pela forma
mais freqüente de transmissão, a inalatória (1-3). Usualmente, os pacientes com
acometimento pulmonar desenvolvem
febre com duração de vários dias a semanas, além de dispnéia, tosse produtiva, dor torácica, mal-estar, fadiga,
anorexia, emagrecimento, hemoptise (16). Os sintomas podem durar dias ou
semanas (3). As lesões são geralmente
mais extensas no pulmão direito que
no esquerdo (8).
• extrapulmonares o R. equi
pode infectar feridas, bem como disseminar-se de um grande foco de infecção, por exemplo, um abscesso no
pulmão. As manifestações de disseminação extrapulmonares, fruto de bacteremia, têm sido descritas como
meningite e abscessos cutâneo, cerebral, ósseo, etc. A ulceração intestinal e
a linfadenite vêm juntas, dependendo
da intensidade da infecção intestinal, e
são responsáveis pelo quadro de colite
ulcerativa (1). O quadro intestinal é raro
sem pneumonia e deve-se à ingestão
de grandes quantidades de escarro contaminado. Origina-se nas placas de
Peyer que ficam ulceradas e destruídas.
Os sítios extrapulmonares de infecção,
tais como, os nódulos subcutâneos, artrite séptica, serosite e, raramente, linfangite cutânea ulcerativa, são causados
pelo Rhodococcus equi, e representam
focos secundários de uma infecção respiratória primária (3). A sintomatologia
é específica do órgão de localização
do foco infeccioso.
O relato do exame clínico de pacientes brasileiros com rodococose, descritos no Rio Grande do Sul, ilustra as
manifestações dessa infecção: 1) Paciente de 33 anos, HIV positivo há três
anos, queixava-se de dor ventilatóriodependente no hemitórax esquerdo, tosse e expectoração purulenta, fétida, com
raias de sangue. Tinha náuseas, vômitos e diarréias ocasionais. O exame físico mostrou emagrecimento acentuado,
febre de 380 C, candidose oral, diminuição dos sons respiratórios no terço
superior do hemitórax esquerdo. 2) Paciente de 22 anos, brasileira, HIV negativo,
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As principais
manifestações
clínicas da
rodococose têm
início insidioso
e são: pneumonia
cavitária crônica com
derrame pleural;
abscessos renal,
hepático,
cerebral,
retroperitoneal;
artrite séptica,
osteomielite;
bacteremia,
meningite.
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portadora de doença de Goodpasture
e insuficiência renal crônica apresentava febre de 38,60 C, tosse com escassa
expectoração, episódios de escarro hemoptóico, mialgia, fadiga e sudorese
noturna. Ao exame, encontrava-se taquipnéica, taquicárdica, febril e com
candidose oral (6).
Em estudo retrospectivo, com duração de nove anos, realizado em hospitais da Espanha até 1998, dos 19.374
casos de pacientes HIV positivos diagnosticados, 67 tinham infecção causada por Rhodococcus equi. A
contagem de linfócitos CD4 era sempre muito baixa, indicando que a rodococose acomete pacientes com
avançada imunossupressão.
A Tabela 1 mostra a relação dos
sintomas nesses 67 pacientes e a Tabela 2 ilustra o acometimento das estruturas pelo Rhodococcus equi (4).
TABELA 1 — Sintomas atribuídos à infecção pelo Rhodococcus equi
Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA J. et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by
Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123 (6). 2003
TABELA 2 — Localização da infecção pelo Rhodococcus equi
Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA J. et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by
Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123 (6). 2003
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Diagnóstico
O diagnóstico clínico é imprescindível. O paciente deve ser interrogado sobre o contato prévio com animais
em fazendas (principalmente cavalos),
adubos ou solos contaminados. O comprometimento da imunidade celular deve
ser investigado por meio de doenças
com: síndrome da imunodeficiência adquirida, uso de terapia imunossupressora, doenças malignas, alcoolismo
crônico, transplante, dentre outras.
Exames de imagem
A radiografia de tórax evidencia
infiltrado pulmonar unilateral, de progressão lenta por dois a três meses, podendo envolver vários lobos e formar
cavidades. As anormalidades radiográficas típicas nos estágios iniciais são: infiltrados pulmonares com lesões opacas
comumente localizadas nos lobos pulmonares superiores. As lesões variam em
tamanho, desde nódulos de apenas 2
cm até lesões grandes, envolvendo um
lobo pulmonar. Se não for providenciado tratamento ou se feito de forma inapropriada, as lesões persistem,
aumentando de tamanho e, em 2 a 4
semanas, desenvolvem, tipicamente, em
seu interior cavidades com nível hidroaéreo. E complicam-se, freqüentemente,
com derrame pleural e empiema (1,3,5).
No estudo retrospectivo referido
anteriormente, realizado em hospitais
da Espanha, dos 67 pacientes com rodococose analisados, 65 (97%) mostravam anormalidades radiológicas.
Infiltrados pulmonares foram observados em todos eles e cavitações, observadas em 45 pacientes. Havia
envolvimento multilobar em 13 pacientes, derrame pleural em 11, linfadenopatia mediastinal em dois pacientes.
O lobo superior direito estava acometido em 20 pacientes, o lobo médio
em cinco, o lobo inferior em 19, o
lobo superior esquerdo em 21 e o lobo
inferior em 18 pacientes (4).
Determinação
do agente etiológico
A investigação diagnóstica de lesão cavitária no paciente HIV positivo
consiste na pesquisa de bactérias, fungos
e micobactérias, mediante exame direto,
cultura de escarro, e hemocultura (5).
A realização de exames invasivos, como a broncoscopia com lavado
broncoalveolar, a biópsia transbrônquica ou a aspiração transparietal, pode
tornar-se necessária (5).
A punção transcutânea aspirativa é o principal exame diagnóstico,
pois é um método barato, bem tolerado pelos pacientes e de rápida execução e recuperação (6).
A Tabela 3 do estudo retrospectivo espanhol de 1998 relaciona a eficácia dos exames solicitados com a
presença de R. equi (4).
O material clínico utilizado deve
ser colhido por profissional experiente. As secreções purulentas e os fragmentos de tecido são especialmente
fidedignos para o isolamento das colônias (11).
O aspecto micromorfológico e
tintorial do Rhodococcus equi é de cocobacilos gram-positivos agrupados,
levemente ácido-resistentes no interior
de vários histiócitos (6). Quando há
formação de grãos, os elementos bacterianos podem ser vistos na hematoxilina e na eosina (11).
O paciente deve
ser interrogado
sobre o contato
prévio com animais
em fazendas
(principalmente
cavalos),
adubos ou solos
contaminados.
O comprometimento
da imunidade
celular deve
ser investigado...
Isolamento
e mor fologia das colônias
O R. equi cresce em meios de rotina não seletivos e de ágar sangue em
tripsecaseína de soja, preferencialmente, com infuso de cérebro e coração
(1,11). Não há crescimento na maioria
das classes de ágar MacConkey. Os meios
devem ser incubados em meio aeróbico,
na temperatura de 37o C. Com 24 horas de incubação, surgem colônias de
1 a 2 mm de diâmetro. Com 48 horas,
as colônias apresentam as seguintes
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TABELA 3 – Presença de Rhodococcus equi em material clínico examinado
Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by Rhodococcus
equi in HIV-infected patients. Chest; 123 (6), 2003
O número total de amostras positivas foi > 67, porque, em alguns pacientes, o R. equi foi isolado em várias
oportunidades.
características: ovais, lisas, semitransparentes, brilhantes, coalescentes, mucóides, semelhantes em aparência à
lágrimas. As colônias variam em tamanho de 2 a 4 mm, entretanto, colônias
coalescentes podem se mostrar maiores
(1). A clássica colônia coalescente viscoso-mucóide é o tipo predominante,
mas formas menos mucóides podem
também ser vistas. Pequena proporção
de colônias, de 1 mm ou menos, não
mucóides, podem estar presentes. As culturas de R. equi apresentam um cheiro
característico.
A produção de pigmentos é raramente documentada em culturas com
menos de quatro dias. Não se deve esperar que as clássicas colônias pigmentadas de rosa ou vermelho (pigmento
vermelho cocci) surjam imediatamente
no isolado. Depois de quatro a sete dias
de cultivo, as colônias podem desenvolver delicada sombra rosa-salmão, entretanto, podem estar sem pigmentação
ou aparecer levemente amareladas. A
melhor descrição de pigmentação das
colônias no ágar sangue seria a cor castanho-amarelada clara (1).
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Características
bioquímicas de identificação
Características que podem ser
usadas na rotina nos laboratórios de clínica microbiológica para identificar o
R. equi são mostradas na tabela 4 (1).
Histopatologia
As lesões pulmonares causadas por
R. equi são granulomatosas e contêm
material caseoso espesso em seu interior.
Numerosos neutrófilos e macrófagos estão presentes por toda área necrótica. Essas células são freqüentemente observadas
com bactérias intactas em seu interior (8).
O exame histopatológico revela múltiplos abscessos, fibrose intersticial marcada e exsudato fibrinoso (11).
Análise genética
Muitas vezes, as características das
colônias, a morfologia celular e a reação à coloração com ácido diferem entre isolados de R. equi. Embora o API
(Sistema de identificação multisubstrato de Coryne – bio Meneux), um kit
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TABELA 4 – Características bioquímicas para identificação do Rhodococcus equi
Fonte: PRESCOTT. Rhodococcus equi: na animal and human pathogen. Clin. Microbiol. Rev., 4:20-34, Jan.
1991.
Fatores equi: exoenzimas produzidas pelo Rhodococcus equi: colesterol oxidase e fosfolipase
C (4) H2S – Ácido sulfídrico.
comercial largamente usado em laboratórios de microbiologia clínica, inclua o
R. equi em seus dados, sua confiabilidade é limitada. Esses resultados inconsistentes para a bactéria resultam,
freqüentemente, em identificação errônea, quando o R. equi é confundido com
outras espécies de Rhodococcus ou mesmo corinebacterias ou outros actinomicetos. A identificação apurada dos
isolados de Rhodococcus em nível de
espécie é possível com base em propriedades quimiotaxonômicas. Entretanto,
essas técnicas são excessivamente trabalhosas, demoradas e caras para uso rotineiro em laboratórios de clínicas
microbiológicas para identificação bioquímica dos isolados (14). Com a recente identificação do gene choE, um locus
cromossômico ligado ao colesterol oxidase, foram feitas diversas análises mutacionais que indicaram que o choE é o
fator de lesão da membrana responsável
pela reação de hemólise (tipo AMPc)
sinérgica, causada pelo R. equi na presença de bactérias produtoras de esfingomielinase C, tais como Listeria ivanovii,
Bacillus cereus e S. aureus. Esta reação
tipo AMPc pode ser vista como um marcador fenotípico para a identificação
presuntiva rápida do R. equi. Existe agora
um novo método PCR para a identificação rápida e específica, baseada na detecção de seqüências de choE. Esse teste
diferencia com acuracia o patógeno de
outros actinomicetos fortemente relacionados e reclassifica corretamente as cepas identificadas no início como R. equi
para outras espécies (14). Classifica também como R. equi uma bem conhecida
cepa produtora de colesterol oxidase, a
Brevibacterium sterolicum ATCC 21387.
O gene choE preenche todas as características quanto à alta especificidade e à
conservação em todas as cepas estudadas, permitindo seu uso rotineiramente.
Poucos métodos moleculares rápidos têm sido desenvolvidos para a
identificação do R. equi. Isolados de
potros podem ser identificados pela
detecção do antígeno vapA, com anticorpos monoclonais ou, alternativamente, pela detecção por meio de PCR de
seu gene, que está presente em um
plasmídio de 85 KDa. Entretanto, esse
plasmídio não está presente em todas
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as cepas de humanos e potros, limitando a utilidade da identificação vapA-baseada. Outro método molecular baseado
em PCR tem sido usado para amplificar
um segmento cromossômico de função
não conhecida, mas sua validade foi avaliada só com pequeno número de cepas. Um método que utiliza PCR-RFLP,
objetivando proteína de 65 KDa e, primariamente, planejado para a identificação de micobactéria, discrimina cepas
de R. equi. Entretanto, essa identificação
é demorada e trabalhosa (14).
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da lesão cavitária no paciente imunossuprimido é de difícil realização, quando
consideramos apenas seu quadro clínico e a imagem radiológica. A grande variedade de etiologias e a
complexidade terapêutica, que implicam em algumas dessas causas, contra-indicam o tratamento empírico. As
informações a respeito do nível de imunidade do paciente orientam a investigação de acordo com a freqüência das
patologias em cada fase (5). Na presença
de imunodepressão leve, a tuberculose
pulmonar é a patologia mais comum,
seguida por pneumonia bacteriana,
abscesso pulmonar e, raramente, carcinoma broncogênico. Na imunodepressão moderada a grave, as etiologias
prováveis tornam-se numerosas, sendo as principais a pneumonia por
Pneumocystis carinii, pneumonia bacteriana, pneumonia por Rhodococcus
equi, MM. Kansasili e aspergilose pulmonar invasiva (5).
A alta prevalência de tuberculose
em nosso meio faz com que infecções
crônicas causadas por actinomicetos aeróbios (nocardiose, rodococose) não sejam reconhecidas clinicamente ou sejam
diagnosticadas equivocadamente no laboratório, em decorrência da ácido-resistência em comum com as
micobactérias (6). A rodococose, a tuberculose e a nocardiose se assemelham
também clinica e radiologicamente. A
actinomyces israelli, agente causador da
actinomicetose, produz quadro clínico
semelhante, mas, no entanto, não se
mostra ácido-resistente pela técnica de
Ziehl-Neelsen (11).
Os Nocardia asteróides e os Rhodococcus equi possuem tendência de
TABELA 5 – Diferenças micromorfológicas e tintoriais entre tuberculose e actinomicetoses
Fonte: SEVERO; LONDERO; Actinomicetoses. In: VERONESI; FOCACCIA (Ed.). Tratado de Infec-tologia. Editora
Atheneu. 2. ed. 2002, v. 2.
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disseminar-se para outros órgãos com
formação de abscessos. Raramente há
disseminação do Actinomyces israelli
por via hematogênica (11).
A Tabela 5 mostra as diferenças
micromorfológicas e tintoriais entre rodococose, tuberculose, nocardiose e
actinomicetose (11). Como o Rhodococcus equi é cocobacilo gram-positivo, fracamente ácido-resistente, pode
ser confundido com difteróides. Por
isso, é comum ser considerado uma
contaminação e não valorizado em
cultivo como agente infeccioso (6).
Tratamento
Por ser o Rhodococcus equi um
parasita intracelular, seu tratamento requer, geramente, o uso de drogas com
bom nível de difusão tecidual (1). O
Rhodococcus equi costuma responder
a vários antimicrobianos, especialmente os lipofílicos, por penetrar nos macrófagos e neutrófilos nos quais se
encontra o microorganismo (4).
O sucesso do tratamento depende do diagnóstico precoce preciso e
do uso de drogas antimicrobianas que
correspondam à sensibilidade in vitro
do R. equi. Nesse mister, o Rhodococcus tem se revelado susceptível a
amplo número de antimicrobianos,
como: imipenem, eritromicina, rifampicina, vancomicina, aminoglicosídeos e quinolonas de última geração (3).
Durante o tratamento da rodococose,
tem sido observada resistência aos âlactâmicos. Esses antibióticos, portanto, devem ser evitados ou utilizados
apenas em combinação com outros
antibióticos (1).
A peculiar patogenicidade da infecção pelo Rhodococcus equi determina seu tratamento. Dada a alta
freqüência de bacteremia e a alta concentração de bactérias, é mais apropriado indicar uma combinação de
antibióticos com efeitos bactericidas,
tais como, imipenem plus, vancomicina ou imipenem plus teicoplamina. Antibióticos lipofílicos com boa penetração
TABELA 6 – Suscetibilidade antimicrobiana do Rhodococcus equi em estudo com 67 pacientes
Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by
Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123 (6), 2003.
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intracelular devem ser administrados e
combinações levando em base macrolídios e a rifampicina têm sido comprovadas como ótimas. A azitromicina
mostrou ser uma droga apropriada
para o tratamento dessa infecção, em
combinação com outras drogas, pelo
fato de alcançar altos níveis teciduais.
A drenagem de abscessos deve
ser realizada quando possível. Entretanto, a ressecção cirúrgica deve ser
limitada àqueles pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso (4).
A resposta à terapia deve ser
monitorada com radiografias de tórax,
e, após o tratamento, deve ser realizada ausculta pulmonar por sete dias,
com acompanhamento da temperatura corpórea e, se possível, com avaliação bacteriológica do aspirado
traqueal. Além da antibioticoterapia,
está indicada a ressecção cirúrgica do
tecido necrótico, a drenagem de lesões supurativas e o controle dos fatores predisponentes (6). A duração da
terapia varia de quatro a nove semanas e, usualmente, culmina em completa resolução das lesões.
TABELA 7 – Suscetibilidade do Rhodococcus equi aos antimicrobianos
Fonte: PRESCOTT. Rhodococcus equi: na animal and human pathogen. Clin. Microbiol. Rev.,
4:20-34, Jan.1991.
MIC: concentração inibitória mínima
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A tabela 6 pertence ao estudo
retrospectivo já citado, realizado em
hospitais espanhóis. Ela mostra a suscetibilidade in vitro do Rhodococcus
equi aos antimicrobianos. Os dados
foram obtidos a partir da amostra de
67 pacientes diagnosticados com rodococose (4). A Tabela 7 mostra os
antimicrobianos com os quais o Rhodococcus equi se apresenta mais susceptível. A análise da Tabela 7 mostra
que o microorganismo é particularmente susceptível à eritromicina, clindamicina, aminoglicosídeos amicacina,
gentamicina, neomicina, trobamicina,
rifampicina e vancomicina. É moderadamente susceptível à penicilina G, ampicilina e tetraciclinas. Mostra-se
resistente à primeira e à segunda geração de cefalosporinas: cefalotina, cefazolina, cefalexina, cefadroxil, cefaclor,
cefuroxima (1).
Conclusão
Muito tem se aprendido nas últimas décadas sobre infecções por R.
equi em potros, que podem se aplicar
a infecções em humanos. Entretanto,
algumas questões importantes sobre a
doença em potros permanecem e, por
isso, necessitam ser esclarecidas para
melhorar o controle da doença, tanto
em eqüinos, como em humanos. A
grande incidência e a prevalência da
Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, os alcoólatras crônicos e o aumento do número de transplantes com
necessidade de imunossupressão
prolongada vêm tornando a doença
cada vez mais freqüente e relevante na
clínica pneumológica. Os dados existentes hoje a respeito da prevalência e
incidência da doença, mostram-se, com
certeza, equivocados. Acredita-se que
a doença seja bastante subnotificada e
confundida com outras patologias granulomatosas. O desenvolvimento de
modelo em ratos para infecção, por
exemplo, com defeitos imunológicos
geneticamente definidos, deve reduzir
o gasto e outras dificuldades em usar
potros como animais experimentais.
Tais modelos também poderiam ser
usados para definir importantes antígenos na imunidade humoral e o valor
de anticorpos na prevenção e no tratamento da infecção, além de os antígenos de importância e a base da
imunidade celular à infecção, o valor
mais claro do interferon gama, o fator
de necrose tumoral alfa e outras linfocinas no tratamento da infecção e a
otimização do uso de antimicrobianos.
Também, semelhantes modelos podem
ser usados para comparar a virulência
de diferentes cepas e relatar as diferenças de virulência dos componentes
da parede celular, podendo ser útil no
desenvolvimento de vacinas. O grande avanço nos testes genéticos e sorológicos vem revolucionando o
diagnóstico, e, dessa forma, o conhecimento precoce da presença da enfermidade possibilita tratamento mais
preciso, com melhores resultados, reduzindo significativamente a morbimortalidade da doença.
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Aleijadinho: o gênio do barroco
mineiro e sua enfermidade
José Lucas Magalhães Aleixo1
Resumo
Este artigo apresenta uma síntese
sobre as mais importantes hipóteses
acerca da(s) enfermidade(s) do grande
escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa. Mostra também algumas informações sobre a vida e a obra artística do
mestre do barroco brasileiro, também
conhecido como Aleijadinho.
Palavras-chave
Aleijadinho, arte barroca, enfermidade(s) do Aleijadinho, mineiridade.
Aleijadinho: the baroque genius
and his infirmity.
Abstract
This article represents a shynthesis
about the most importants hypothesis
respect to diseases of the great mineiro (born in Minas Gerais) sculptor, Antônio Francisco Lisboa. Represents too
some informations about the life and
artistic work of this master of brasilian
baroque art as knowed as Aleijadinho.
(Little Crippled)
1
Professor da Escola
de Saúde Pública de
Minas Gerais; Técnico
da Coordenadoria da
Assistência à Saúde
da Mulher, da Criança
e do Adolescente da
SES/MG.
Endereço para
correspondência
Av. Augusto de Lima,
nº 2061, 30.190-002,
Belo Horizonte, MG
Key-words
Aleijadinho (Little Crippled); baroque art, Aleijadinho’s diseases, mineiridade (singular civilization of Minas
Gerais and your people)
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61
Introdução
Antônio Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho, representa
a expressão máxima do barroco em
nosso país, com obra significativa, de
reconhecimento mundial, concentrada
em Minas Gerais, especialmente em
Ouro Preto, Congonhas do Campo e
São João del-Rei.
Sua vida e obra sempre despertaram interesse, não só pelo mérito intrínseco de sua produção artística sem
par em nosso meio, mas também por
outros aspectos que o envolveram
como ser humano: as questões sociais
oriundas do fato de ser um mulato bastardo, vivendo e trabalhando com relativo sucesso numa sociedade de
dominação colonial européia, sofrendo dupla discriminação de cor e de
nascença local.
Porém, é outro aspecto marcante de sua vid que motiva esse artigo,
qual seja, a enfermidade ou enfermidades que o acometeram durante os
últimos quarenta anos de sua existência e que, apesar das dolorosas limitações a ele impostas, não impediram
uma produção volumosa e de valor
artístico inestimável.
São várias as teorias voltadas ao
diagnóstico retrospectivo de sua enfermidade. Não trago aqui nenhuma
nova teoria, pois na realidade pretendo
falar do Aleijadinho, do barroco mineiro, das Minas Gerais e desse sentimento difuso e ao mesmo tempo incisivo
que percorre a alma de muitos mineiros, que se convencionou chamar de
mineiridade.
A mineiridade
Que mineiridade é essa? Muitos
questionam haver algum traço cultural,
sentimento ou atitude coletiva que possa ser convencionada como mineiridade, entendida esta como uma entidade
sociológica ímpar e própria, natural62
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mente gestada, desenvolvida e contida
entre as montanhas e lentamente espraiada pelos sertões de Minas Gerais.
O certo é que alguns traços culturais regionais de Minas foram generalizados indiscriminadamente. Mas isso
não impede de se falar em uma cultura
mineira própria e ímpar, fechada em si
mesma, fermentando, no período setecentista sob forte controle emigratório
da metrópole portuguesa, zelosa em
controlar a exploração do ouro. E a
seguir desenvolvendo-se assentada na
diversidade de um Estado com fronteiras em intercâmbio com estados vizinhos, conforme relata Mata-Machado
(1991) — relacionando o sertão noroeste mineiro com o sul da Bahia —, além
dos casos similares do sul de Minas
com São Paulo e da Zona da Mata com
Rio de Janeiro. Mesmo assim, por outro lado, esse viés da diversidade conviveu simultaneamente com outro,
regional, muito próprio, assentado na
singularidade de regiões, cidades e lugarejos relativamente isolados, onde o
tempo literalmente tem passado muito
lentamente, ou, então, permanece parado em nossa memória afetiva..
Arruda (1988), ao trabalhar o
tema do memorialismo mineiro e das
razões ou emoções que motivam os
escritores e memorialistas mineiros
como Pedro Nava, Manoel Bandeira,
Carlos Drumond de Andrade, Murilo
Mendes dentre muitos, também aborda o tema da mineiridade.
A realidade social de Minas no século 19, ao encaminhar-se para certa
autonomia, criou uma subcultura
singular, fruto do amálgama entre o
passado e o presente, que se poderia
denominar por mineirismo. O mineirismo constitui-se, portanto, na
expressão de uma subcultura regional. A manifestação cotidiana do mineirismo é a mineirice, enquanto
um modo de aparecimento das práticas sociais inerentes aos mineiros
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e que servem para distingui-los de
outros tipos regionais. A mineiridade exprime, em contrapartida, uma
visão que se construiu a partir da
realidade de Minas e das práticas cotidianas dos mineiros. Por fundar a
figura abstrata dos mineiros e conectá-los a sua origem – o passado ilustre setecentista – a mineiridade tem
as características do mito. E os mineiros, ao identificarem-se com essa
construção, absorvem o pensamento
mítico e colaboram para a sua permanência. (ARRUDA, 1988, p. 220-221)
Entidade abstrata ou real, ela se
manifesta em coisas muito simples,
como a percepção do cheiro tão característico de Ouro Preto, proveniente dos
musgos que se escondem entre suas
pedras seculares e que reacendem sutilmente com o calor do dia, evocando
momentos de déjà vu em nossa memória afetiva. O fato é que aqueles que
cultuam ou cultivam essa tal mineiridade têm enorme prazer em ver, visitar,
estudar, pesquisar, ler, ouvir, falar, escrever e respirar sobre tudo o que se
relaciona com Minas Gerais, na qual
certamente se destacam o nosso Aleijadinho e a arte barroca mineira.
Um pouco sobre o Barroco
Em breves linhas, tracemos o
que venha a ser o estilo barroco, no
qual se insere a obra de Aleijadinho.
Com origem em Roma, pode ser entendido como um estilo definido, uma
tendência comum, um gosto aplicado
à arquitetura, escultura e pintura, que
se estendeu por todo século XVII e
pela primeira metade do século XVIII,
tanto na Europa, bem como, a seguir,
na América Latina (CONTI, 1978).
O barroco atende estrategicamente aos anseios da Igreja Católica numa
época em que pretendia recuperar parte de seus crentes perdidos para o protestantismo, impressionando-os com
uma arquitetura e uma arte apelativa
em termos de grandiosidade, fascínio e
majestade, que, desse modo, evocassem as excelsitudes celestiais, aflorando sentimento e emoção devocionais.
Ele surge logo depois do período
renascentista, com suas características artísticas (apelo à razão, sobriedade, definição clássica de planos, linearidade,
estabilidade e equilíbrio) contrapondose às de apelo emocional, eloquência
visual, jogos de luz e sombra, disposições em curvatura, sentido de infinitude
ao olhar (trompe l’oeil), dentre outras.
O barroco se propaga por toda
Europa com maior ou menor intensidade em cada país, inclusive na Espanha e Portugal, que se apropriam de
suas características gerais (TAPIÉ, 1983;
CONTI, 1978) e acrescentam peculiaridades, transmitindo-as para suas colônias nas Américas, nas quais, por sua
vez, adquire tonalidades locais, variando do vulgar ao nível de excelência,
como no caso do Brasil — exemplificados em Olinda, Salvador, Rio de Janeiro e Minas Gerais que, por sua vez,
teve Ouro Preto e Congonhas do Campo — Santuário de Bom Jesus de Matozinhos e entorno —, reconhecidas
como patrimônio artístico da humanidade, graças, em grande parte, às obras
do mestre Aleijadinho.
O fato é que aqueles
que cultuam ou
cultivam essa tal de
mineiridade têm
enorme prazer em
ver, visitar, estudar,
pesquisar, ler, ouvir,
falar, escrever
e respirar sobre tudo
o que se relaciona
com Minas Gerais...
Afinal quem foi esse mineiro de
quem tanto se fala?
Aleijadinho:
um breve relato biográfico
Relembremos alguns aspectos interessantes de sua biografia, relacionando, ainda, algumas de suas obras
mais importantes.
Antônio Francisco Lisboa nasceu
nos arredores de Ouro Preto, em 29 de
agosto de 1730. Filho do arquiteto português Manoel Francisco da Costa Lisboa e de sua escrava Isabel, foi
alforriado logo no nascimento.
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Aprendeu a ler e escrever e, certamente, a profissão do pai influenciou-o, que seguiu a mesma carreira,
distinguindo-se também na escultura
em pedra e no entalhe em madeira.
Viveu, durante a maior parte de
sua vida, em Ouro Preto, numa casa
simples em rua lateral à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de
Antônio Dias, dentro da qual foi sepultado, quando morreu, em 1814. Aliás, no subsolo dessa Igreja, funciona
atualmente o Museu do Aleijadinho,
onde, ao lado de pratarias e obras sacras diversas, podemos ver algumas
esculturas e entalhes em madeira de
sua autoria.
Segundo o Guia de Ouro Preto,
de Manuel Bandeira, além de sua cidade natal, podem ser encontradas
obras de Aleijadinho em São João delRei, especialmente na monumental
Igreja de São Francisco de Assis; em
Sabará, na Igreja do Carmo; em Catas
Altas, na Igreja Matriz de Caeté; em
Santa Rita Durão, na localidade de
Morro Grande; e em Congonhas do
Campo, no monumental Santuário do
Nosso Senhor Bom Jesus de Matozinhos, com os profetas esculpidos em
pedra-sabão no adro frontal, e as capelas dispostas na praça em frente,
representando os passos da paixão de
Cristo. O conjunto de Congonhas é
considerado pela UNESCO Patrimônio
Histórico da Humanidade, entretanto,
nem sempre foi assim.
Jorge (1971) nos traz um impressionante relato sobre sérios riscos assestados contra o conjunto de
Congonhas do Campo, ameaçando sua
sobrevivência na primeira metade do
século XX. Consta que um dos administradores do Conjunto de Matozinhos,
o padre Júlio Engrácia, pediu simplesmente a eliminação sumária das figuras dos Passos.
“Seria de muita honra para a instituição do Sr. Bom Jesus, que a ad-
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ministração trata-se de substituir
esses monstros extra-humanos....”
“Oxalá mande o administrador, com
o mesmo espírito, substituir essas
horrendas figuras dos passos e consumi-las para sempre, a modo de que
não fique das mesmas o menor sinal,
para honra de Deus e da arte mineira”
(Jorge, 1971, p. 186).
Deus, em sua infinita sabedoria,
não permitiu fosse consumada essa barbárie, para Sua própria honra e também
da arte mineira, legando-nos mais um
inestimável patrimônio artístico e histórico, enraizado nas Minas Gerais, atualmente de reconhecimento mundial.
Prosseguindo a relação de obras,
Falcão (1955) acrescenta o frontispício
da Igreja de Santo Antônio, em Tiradentes, como de autoria do mestre. Mas,
é em Ouro Preto, que se concentra a
maior parte das obras de arquitetura e
estatuária de Aleijadinho, marcantemente
presentes nas igrejas de Nossa Senhora
do Carmo, das Mercês e Perdões, da
Conceição, de São José e de Bom Jesus
de Matozinhos, todas elas com imagens
e alguma atuação do mestre nos riscos
arquitetônicos ou da construção de seus
altares. Outras importantes imagens estão no Museu da Inconfidência e nas
igrejas de São Francisco de Paula (imagem do padroeiro) e do Rosário (imagem de Santa Helena).
Em Ouro Preto, o destaque de
sua obra é a Igreja de São Francisco
de Assis, na qual, trabalhando em parceria com o mestre mineiro da pintura
colonial Manoel Francisco Ataíde, concebeu uma verdadeira jóia do barroco
mineiro, talvez sua maior expressão.
A enfermidade de Aleijadinho
A enfermidade que acometeu Aleijadinho aos 47 anos de idade contribuiu
sobremaneira para o desenvolvimento de
uma aura mítica em torno do homem e
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do artista histórico Antônio Francisco.
Seus males físicos teriam produzido grosseiras deformidades físicas, transformando-o numa figura soturna que preferia
as sombras e a escuridão da noite, esquivando-se do convívio social.
Do ponto de vista artístico, sua
enfermidade foi usada pelos detratores de sua obra — estrangeiros e patrícios —, para justificar suas
impressões, muitas vezes preconceituosas, afirmando não poder se esperar
artisticamente muito de um escultor
aleijado. Por outro lado alguns de seus
admiradores procuraram enaltecer ainda mais sua obra, considerando-a maior
justamente pelas dificuldades impostas pela enfermidade.
Sem negar o impacto espiritual,
psicológico e físico que representa uma
enfermidade restringindo um homem plenamente produtivo aos 47 anos de idade,
acredito pessoalmente que a genialidade
do mestre Aleijadinho paira eqüidistante
de ambas as visões apresentadas anteriormente. Tal qual a surdez progressiva
que acometeu Beethoven, a genialidade
do mestre alemão foi também preservada, apesar de toda angústia que a enfermidade lhe causava.
Do ponto de vista médico, a enfermidade de Antônio Francisco tem
sido discutida por especialistas a partir dos relatos de seu primeiro biógrafo, Rodrigo José Ferreira Bretas,
descrita em obra intitulada Traços biográficos relativos ao finado Antônio
Francisco Lisboa, esculptor mineiro,
mais conhecido pelo apellido de Aleijadinho, publicada em 1858 (44 anos
depois da morte do artista), que teve
sua primeira reprodução gráfica em
1896 na Revista do Archivo Público Mineiro, v. 1, p. 163-174.
Desde então, a polêmica sobre
sua enfermidade ganhou espaço na
mídia e em diversas publicações. Furtado (1970) relaciona extensa bibliografia sobre Aleijadinho com enfoque
principal em sua(s) enfermidade(s),
como se segue:
Djalma Andrade (De que morreu
o Aleijadinho?, 1924), Renë Laclette (A
doença de Aleijadinho, 1929) Agripa de
Vasconcelos (De que morreu o Aleijadinho, 1930), Phocion Sepa (As moléstias do Aleijadinho, 1930), Américo
Valério (Causa Mortis do Mestre Aleijadinho — Lepra ou Seryingomyelia,
1933), Nicolau Ciancio (De que morreu
o Aleijadinho, 1933), José Mariano Filho (Depoimentos levianos sobre a moléstia de Antônio Francisco Lisboa,
1942), Martins de Andrade (Sofria o Aleijadinho de transformação congênita,
1942), Antônio Alves Passig (Ainda a
moléstia de Aleijadinho, 1943-1944),
Floriano Lemos (Ruínas vivas, A doença de Aleijadinho, 1944), José Mariano
Filho (Contribuição para o diagnóstico
póstumo da enfermidade ou enfermidades de Antônio Francisco Lisboa,
1944), Jamil Almansur Haddad (Arte e
doença de Aleijadinho, 1945), J. B. de
Paula Fonseca Jr. (Por que deformava
o Aleijadinho, 1957), Alípio Corrêa Netto
e Eugênio Luiz Mauro (Médicos diagnosticam a doença do Aleijadinho,
1963), Paulo Augusto Galvão (Hipertelorismo e estrabismo divergente na obra
do Aleijadinho, 1964)
Durante o período de 1924 a
1964, várias hipóteses diagnósticas foram levantadas por diversos médicos e
professores. Então, quando da comemoração do sesquicentenário de morte
de Aleijadinho (1814-1964), a Associação Médica de Minas Gerais promoveu
um debate sobre o tema reunindo os
médicos que advogavam as hipóteses
mais prováveis e consistentes sobre a(s)
enfermidade(s) do Aleijadinho.
Assim sendo, compareceram à
mesa-redonda o professor René Laclette, o professor Tancredo Alves Furtado, o médico e historiador Pedro
Salles, o professor Alípio Corrêa Netto e o professor Geraldo Guimarães
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A própria
existência do
Mestre Aleijadinho
foi posta em
dúvida como se fosse
impossível que nestas
longínquas paragens
vivesse um artista
tão genial e profícuo.
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da Gama, cada um defendendo as seguintes hipóteses diagnósticas: lepra
nervosa, para-amiloidose e porfiria (Laclette), lepra nervosa (Furtado), tromboangeíte obliterante (Netto) artrite
reumatóide juvenil e acidente vascular
cerebral (Gama).
As versões foram devidamente
expostas, mas a polêmica permaneceu viva no meio médico e, logo depois, em 1967, o professor Carlos da
Silva Lacaz reforçava a defesa da hipótese de porfiria cutânea tardia, baseado em uma exumação (sem
cuidados técnicos) feita no túmulo do
Aleijadinho no princípio do século XX,
quando, então, teria sido verificada uma
cor avermelhada nos ossos do mestre,
invocando a suspeita de porfiria. O
professor Lacaz propos-se a fazer nova
e cuidadosa exumação para estudo científico dos ossos do Aleijadinho, a
qual ocorreu efetivamente em 1971. Entretanto, segundo Carvalho (1998), o
professor Lacaz faleceu sem completar aqueles estudos, o que o motivou a
um novo pedido de exumação, realizada em 16 de março de 1998, quando, novamente, foram encontrados
ossos de cor avermelhada sugerindo o
diagnóstico de porfiria, mas sem a possibilidade de confirmação de que fossem do artista, uma vez que foram
encontrados misturados à outra ossada. Permaneceu viva tanto a hipótese
como a polêmica diagnóstica.
O último estudo consistente sobre o tema vem do professor Geraldo
Gama, que, recentemente, em 2004, defendeu a tese de que o artista teria
sofrido um acidente de trabalho aos
47 anos de idade, provavelmente, a queda de um andaime, provocando problemas de locomoção com recuperação
muita lenta, ao longo de 12 anos. Já
na velhice, Gama sustenta que Aleijadinho possa ter sofrido as conseqüências de um acidente vascular cerebral,
ou de sífilis tardia, ou de escorbuto,
até mesmo, concomitantemente.
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Apesar da consistência desse último estudo, parece-nos que o assunto
não está esgotado, até porque o próprio mito parece realimentá-lo num
quadro que mescla o afã da investigação diagnóstica inerente à formação
médica, o fascínio por uma obra maior em termos de vida e arte e o desafio de refazer a história encontrando
a(s) verdade(s), leitmotiv muito próprio dos historiadores profissionais ou
bissextos.
Considerações finais:
o barroco mineiro e seu
significado a nível mundial
A própria existência do Aleijadinho foi posta em dúvida, como se fosse
impossível que, nestas longínquas paragens, vivesse um artista tão genial e
profícuo. A esse respeito, Rezende
(1965) reproduz parte do incisivo depoimento do professor Tabajara Pedroso sobre a inexistência do artista.
“Assim como chegaram a duvidar da
existência de um Shakespeare, em
face do gigantesco de sua produção
literária, houve também quem cismasse a respeito do Aleijadinho,
achando demasiada a sua obra para
ser de um só artista. Mas isso tanto
aqui como lá, não passou de uma
ardilosa e intempestiva cisma.” (Rezende, 1965, p. 49).
Hoje em dia, a obra do Mestre
Aleijadinho tem reconhecimento mundial, atraindo milhares de visitantes de
todas as partes do mundo para essas
distantes paragens montanhosas, onde
se situam as principais cidades históricas mineiras.
Por que motivo turistas europeus,
tão acostumados a conviver com grandiosas obras históricas praticamente a
cada esquina das cidades de seus países, viriam aportar aqui nesses sertões
e montanhas para reverenciar as artes
barrocas mineiras e seus mestres?
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Parte da resposta deixo para Mário de Andrade:
“As igrejas de Aleijadinho não se acomodam com o apelativo belo, próprio à São Pedro de Roma, à catedral
de Reims, à Batalha, ou à horrível
São Marcos de Veneza. Mas são
muito lindas, são bonitas como o
quê. São dum sublime pequenino,
dum equilíbrio, duma opureza tão
bem arranjadinha e sossegada, que
são feitas pra querer bem ou acarinhar, que nem na cantiga nordestina. São barrocas, não tem dúvida,
mas sua lógica e equilíbrio de solução é tão perfeito que o jesuitismo
enfeitador desaparece, o enfeite se
aplica com uma naturalidade tamanha, que, se o estilo é barroco, o sentimento é renascente.” (JORGE,
1971, p. 63).
Em outras palavras, há uma beleza muito própria na obra de Aleijadinho, que carece de comparações
lineares e simplistas, e que certamente
impressiona até mesmo aqueles acostumados a obras grandiosas.
Acrescento outro aspecto que
considero também muito próprio. Em
Roma existe uma grande obra histórica em quase toda parte. Respira-se história e beleza a todo momento. Afinal,
Roma foi o centro do mundo durante
muitos séculos. Toda riqueza, arte, beleza, cultura e até uma religião inteira
(a grega) para lá foram levadas, acumulando um acervo inigualável. Todos os caminhos levavam à Roma.
Do outro lado, quase no fim do
mundo, situavam-se as Minas Gerais,
para onde não havia quase nenhum
caminho, distante centenas de quilômetros do litoral, perdidas no interior
de um país colonizado sob a égide do
extrativismo.
Pois foi nesse “fim de mundo”
que se construiu e se conservou um
patrimônio artístico-cultural lindo em
si próprio — mesmo se posto em qualquer lugar do mundo — e absolutamente surpreendente, justamente por
se situar em tão longínquas e inóspitas paragens.
Do afamado construtor alemão de
órgãos Arp Schenitger existem hoje cinco exemplares no mundo, um deles trazido no século XVIII para o Barsil, a
seguir transportado em lombo de burro
para a cidade de Mariana, que encanta
e surpreende visitantes de todas as partes do mundo. É lindo por si próprio e
surpreendente por estar logo aqui.
A Igrejinha Nossa Senhora do Ó,
de Sabará, retrata uma beleza singular
do barroco mineiro, pequena e preciosa como uma pérola. O pequeno altar central traz uma obra-prima de
criatividade, pois, ao se posicionar frente a ele, o visitante com os olhos semicerrados, vê nitidamente a imagem
de Jesus Cristo, criativa e pacientemente
elaborada para ser vislumbrada apenas dessa forma. Linda, criativa e surpreendente, estando logo ali.
Entre grandes serras, com destaque para a do Caraça, ergueu-se em
1774 uma pequena ermida dedicada a
Nossa Senhora, logo transformada em
casa de romaria e, depois, num centro
educacional, conhecido como o Colégio do Caraça, com proposta educacional ímpar para tão longínqua paragem.
(Zico, 1982 e 1990) Centro de educação
e de cultura, lindo, imponente em sua
conjunção homem e religiosidade/arquitetura e natureza, e surpreendente
por estar logo aqui, escondido dentre
elevadas e inóspitas montanhas, como
se fosse a própria porta do céu.
Há muito de saga, força espiritual, criatividade, genialidade, além de sede,
desejo e receptividade ao belo na construção paciente e paulatina desse incrível acervo histórico e cultural encravado
entre as montanhas de Minas Gerais.
Há muito de saga,
força espiritual,
criatividade,
genialidade, além de
sede, desejo e
receptividade ao belo
na construção
paciente e paulatina
desse incrível acervo
histórico e cultural
encravado entre as
montanhas
de Minas Gerais.
Para terminar, faço um alerta a
todos aqueles mineiros e brasileiros
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sensíveis ao apelo da mineiridade. Um
jornal mineiro (O Tempo) publicou preocupante reportagem constando que a
maioria dos belo-horizontinos desconhece Ouro Preto e seu patrimônio cultural.
Daqui a nove anos, em 2014,
estaremos vivenciando o bicentenário
de morte de Aleijadinho. Faz-se necessário que essa fonte perene de beleza e cultura esteja cada vez mais
disponível para todos. Uma nova retomada de valorização do que é nosso deve fazer parte do dia-a-dia,
permeando, se possível, até mesmo
nossas atividades e ambientes cotidianos, divulgando e enaltecendo nossa herança cultural, sempre em alto e
bom som, pois esse é um dos poucos
casos em que a vocação para o silêncio tão típica dos mineiros, não é recomendável.
Referências
ARRUDA, M. A. N. Minas: tempo e memória. Ciências Sociais Hoje, 1988, p. 219-237. São
Paulo: Vértice/ Editora Revista dos Tribunais/ ANPOCS, 1988.
BANDEIRA, M. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Tecnoprint., 1939.
CARVALHO, G. B. Qual era a doença de Aleijadinho? Belo Horizonte: Jornal da AMMG, 1998.
CONTI, F. Como reconhecer a arte Barroca. Lisboa: Edições 70, 1986.
FALCÃO, E. C. Nas paragens do Aleijadinho (Guia das Minas Gerais). São Paulo, 1955.
FURTADO, T. A. O Aleijadinho e a medicina. Belo Horizonte: Cento de Estudos Mineiros da
UFMG, 1970.
GAMA, G. G. Os mistérios na vida de Aleijadinho. Belo Horizonte: Edições C. L. A., 2004.
JORGE, F. O Aleijadinho. 5. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
MATA-MACHADO, B. N. História do sertão noroeste de Minas Gerais (1690-1930). Belo
Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1991.
REZENDE, A. Lembrando Ouro Preto e Aleijadinho. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas
Gerais, 1965.
TAPIÉ, V. L. O barroco. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1983.
ZICO, J. T. Caraça: parque natural e arquivo do colégio. Belo Horizonte: O Lutador, 1990.
ZICO, J. T. Caraça: sua igreja e outras construções. Belo Horizonte: FUMARC/UCMG, 1983
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Instruções para colaboradores e
normas para publicação
1. Objetivos
A Revista Mineira de Saúde Pública é uma publicação semestral de
caráter técnico-científico, destinada,
prioritariamente, aos profissionais de
saúde pública.
rais, da Fundação Ezequiel Dias, da
Secretaria de Estado da Saúde de
Minas Gerais, Agenda de Congressos
e Cursos, Normas de Publicação.
Editada pela Escola de Saúde
Pública de Minas Gerais, da Fundação
Ezequiel Dias, tem como objetivo a difusão do conhecimento em Saúde Pública e Coletiva. Visa, ainda, ao
aprimoramento dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), serve como
veículo de discussão e educação continuada, numa abordagem interdisciplinar, além de estimular e divulgar temas
e pesquisas na área. Presta-se, também, como veículo de divulgação de
portarias, regimentos, resoluções da
Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e do Ministério da Saúde,
bem como de normas técnicas relativas aos programas de saúde desenvolvidos no Estado.
3. Modalidades dos trabalhos
2. Estruturação básica
A revista obedece à seguinte
estrutura: Editorial; Artigos Originais;
Educação Continuada (atualização/revisão); Relato de Experiência; Relato
de Caso; História da Saúde Pública;
Livros e Revistas; Resumos de Teses
e Dissertações; Comunicações da Escola de Saúde Pública de Minas Ge-
Os trabalhos serão aceitos de
acordo com as seguintes modalidades: 1. Artigos originais, que desenvolvam criação e crítica sobre ciência,
tecnologia e arte da saúde, saúde pública, disciplinas e matérias afins (máximo 20 páginas); 2. Artigos de
educação continuada (atualização/
revisão), que apresentem síntese atualizada do conhecimento disponível
sobre ciência, tecnologia e arte da
saúde, saúde pública, disciplinas e
matérias afins e/ou revisão crítica
sobre tema relevante para a saúde
pública ou de atualização em tema
controverso ou emergente (máximo 30
páginas); 3. Relatos de experiência/
caso, que apresentem experiência em
saúde pública, ressaltando aspectos
éticos, estratégicos, metodológicos
e alertas de problemas usuais ou
não, enfocando sua importância na
atuação prática e apontando caminhos e comportamentos para sua condução (máximo 30 páginas); 4.
Artigos sobre educação de profissionais da área de Saúde Pública, que
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apresentem análise, estudo, relato,
avaliação, inferência sobre a experiência didático-pedagógica em processos de educação de profissionais da
área de saúde pública e disciplinas
afins (máximo 30 páginas); 5. História da Saúde Pública, revelando o
estudo crítico, filosófico, jornalístico,
descritivo, comparativo ou não sobre
fatos e personalidades que contribuíram para a história da saúde pública e de disciplinas afins (máximo 20
páginas); 6. Relatórios de reuniões
ou oficinas de trabalho, realizadas
para a discussão de temas relevantes para a saúde pública, com recomendações e conclusões (máximo 15
páginas); 7. Comentários, na forma
de artigos de opinião, curtos, sobre
temas específicos (máximo 15 páginas); 8. Relatórios de pesquisa (máximo 10 páginas); 9. Resenha de
livros, artigos, dissertações e teses
(máximo 10 páginas); 10. Notas de
instituições mantenedoras.
4. Instruções gerais para colaboradores
Os trabalhos devem ser preparados de acordo com os requisitos
expostos no próximo item e apresentados por meio de carta ao Conselho
Editorial da Revista Mineira de Saúde Pública. O endereço é Escola de
Saúde Pública de Minas Gerais/Conselho Editorial da Revista Mineira de
Saúde Pública; Avenida Augusto de
Lima, 2.061, Barro Preto; 301.90002, Belo Horizonte/MG. O eletrônico, [email protected].
A carta ao Conselho Editorial
deve explicitar que o manuscrito não
foi publicado, parcial ou integralmente, nem submetido à publicação em
outros periódicos, sendo assinada
por todos os autores. Os autores de
artigos originais, artigos de revisão
e comentários devem responsabilizarse pela veracidade e ineditismo do
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Os textos serão submetidos à
revisão de, pelo menos, dois relatores e serão aceitos para publicação,
desde que aprovados pelo Conselho
Editorial, que se reserva o direito de
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Estipula-se prazo de 60 dias
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5. Apresentação dos artigos
A redação obedece às Normas
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redigidos em português, espanhol e
inglês, digitados, página folha A4, com
margens superior de 3 cm e inferior
e laterais de 2 cm, respeitando-se o
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modalidade de trabalho, incluindo
anexos e referências bibliográficas.
Medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser expressas em unidades do Sistema Métrico
Decimal (metro, quilo, litro), seus múltiplos e submúltiplos. Temperaturas
em graus Celsius. Valores de pressão arterial em milímetros de mercúrio. Abreviaturas e símbolos devem
obedecer aos padrões internacionais.
Ao empregar pela primeira vez uma
abreviatura, esta deve ser precedida
do termo completo, salvo tratandose de unidade de medida comum.
Os artigos enviados devem ser
apresentados na seqüência a seguir:
Página de rosto
Título do artigo: em português
e inglês e/ou espanhol, em letras
maiúsculas e sem abreviaturas.
Nome(s) do(s) autor(es): por
extenso com indicação da formação
profissional, título(s) acadêmico(s),
função que exerce(m) atualmente,
nome da instituição a que
pertence(m), telefone ou endereço
eletrônico, em nota de rodapé.
Resumos: em português e inglês e/ou espanhol, com no máximo
100 palavras.
Palavras-chave: três ou quatro palavras-chave para identificação
de conteúdo do trabalho.
Resumo de dissertação ou
tese, devem indicar, no rodapé da página de rosto, o ano e a instituição
da argüição ou defesa ou o evento
em que foi apresentado, se for o caso.
Corpo do trabalho
Resumo e Abstract: corresponde à versão ao inglês do resumo,
seguida pelos unitermos (key-words).
Introdução: exposição geral do
tema, apresentação do problema, justificativa e objetivos, podendo incluir
a revisão de literatura (exposição da
informação sobre o tema, geralmente, em ordem cronológica).
Desenvolvimento: núcleo do
trabalho, com exposição, explicação
e demonstração do assunto, incluindo metodologia (com descrição precisa e, quando indicado, também os
procedimentos analíticos), resultados
alcançados (podendo constar no máximo cinco tabelas e cinco figuras
auto-explicativas) e discussão (podendo ser agregada à exposição dos resultados).
Conclusão: parte final do trabalho, baseada nas evidências disponíveis e pertinentes ao objeto de
estudo.
Considerações finais, quando
necessário.
Agradecimentos (opcional): parágrafo à parte, depois do abstract e
antes das referências, devendo-se limitar ao mínimo.
Referências: listadas e numeradas em ordem alfabética ao final do trabalho, redigidas em
espaço duplo. Os títulos dos periódicos, livros e editoras deverão ser
apresentados por extenso, constando os nomes de todos os autores.
As referências devem obedecer ao
estilo e à pontuação das normas
da ABNT.
Considerações éticas: Parecer da Comissão Ética que aprovou o
projeto original, quando pertinente.
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