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ÁREAS INDUSTRIAIS EM OBSOLESCÊNCIA: POTENCIALIDADE
PARA RECONVERSÃO URBANA OU MERA MERCADORIA
IMOBILIÁRIA?
Letizia Vitale
Universidade de São Paulo, USP
[email protected]
Fábio Takayama Garrafoli
Universidade de São Paulo, USP
[email protected]
RESUMO
O trabalho objetiva analisar as formas de reprodução do espaço nas áreas em obsolescência resultantes da
reestruturação produtiva do capital industrial. Identificando a região de investigação nos distritos do Pari, Brás,
Mooca, Ipiranga, Vila Prudente na cidade de São Paulo ao longo da linha férrea da antiga Santos -Jundiaí,
busca-se qualificá-la evidenciando o valor urbano e a oportunidade impar para atuação pública. Mediante um
primeiro resgate da evolução urbana em simbiose com a industrialização, focamos atenção no processo de
obsolescência, enquanto fenômeno produzido pelo capital, visando entender o significado destes lugares na
atual configuração metropolitana. Em um segundo momento, apresentamos dados e peculiaridade da região
objeto de pesquisa, apontando as formas de transformação em andamento questionando os resultados e
evidenciando a ausência do poder público em um contexto de deseconomia urbana. Por fim na tentativa de
apontar experiências brasileiras, identificamos pontos de entraves e oportunidades na perspectiva de
reconversão destas áreas como forma de resistência à produção de mercadoria nos lotes industriais pelo setor
privado.
Palavras-chave:Indústria. Obsolescência. Reconversão urbana.
ABSTRACT
The paper seeks to analyze the urban space reproduction in the obsolescence regions, resulting after the
productive restructuring of the industrial capital. The investigation area comprehend some São Paulo city districts
such as Pari, Brás, Cambuci, Mooca, Ipiranga and Vila Prudente all of them along the old railway line SantosJundiaí. It is intended to show and discuss the urban value of this area and the unique opportunity for urban
public planning. Upon an initial overview on urban development and its relation with industrialization, we focus on
the process of obsolescence produced by the capital, in order to understand the role of this area in the
metropolitan configuration. In a second step, we present data and peculiarities of the region's object of research,
pointing out the ways of ongoing urban transformations, questioning the results and the absence of government in
a context of urban diseconomies. Finally, in an attempt to identify a referential of Brazilian experiences, we
discuss problems and strengths of urban reconversion of these areas, as resistance to private production of
commodity in the industrial lots.
Keywords: Industry. Obsolescence. Urban reconversion.
1 INTRODUÇÃO
O diagnóstico mundial da UN-Habitat (2011) afirma que desde 2007, os processos de
urbanização em andamento, com participação especial dos países em desenvolvimento,
estão concentrando mais de 50% da população mundial nas cidades. Avaliando os déficits
urbanos1 das metrópoles brasileiras e, particularmente de São Paulo, cujas condições de
vida (precárias) de parcela considerável da população, dão-se dentro de um quadro de
contínuo espraiamento e periferização, propõe-se este trabalho com o objetivo de identificar
e refletir sobre as formas de re-produção do espaço urbano nas áreas em obsolescências.
Especificamente as análise se basearam no caso da região industrial na orla ferroviária da
velha linha Santos-Jundiaí.(incluindo os distritos: Pari, Brás, Mooca, Ipiranga, Vila Prudente
na cidade de São Paulo)
Essas áreas - partes de um processo de reestruturação produtiva do capital industrial que
teve início nos anos 1970 - representam atualmente uma deseconomia para o contexto
metropolitano paulistano, considerando que são localizadas em regiões consolidadas e
servidas de infra-estrutura urbana. O trabalho tem por objetivo discutir as potencialidades
destas áreas frente às possíveis alternativas de reconversão, como a reinserção destes
lugares na estrutura da cidade, de forma a resgatar a sua função social e urbana.
As questões ligadas à reconversão industrial urbana, em boa parte dos casos no Brasil,
excluindo aqueles de projeto de reuso isolado no lote industrial, ainda não se efetivaram.
Neste contexto, consideramos relevante contribuir com algumas reflexões sobre o papel
destas regiões obsoletas no sistema urbano a fim de estimular escolhas ponderadas sobre
as possíveis novas funcionalidades na perspectiva de uma transformação mais sustentável
das cidades.
Outra questão colocada é relativa ao significado da reconvenção destas áreas e ao valor da
intervenção como compromisso público relevante para reverter as tendências em curso para
estes lugares. Quais são as possibilidades das áreas em obsolescência serem objeto de
políticas públicas para reconversão urbana, visando agregar valor publico ou social à
cidade? Estas áreas estão necessariamente destinadas ou condenadas a tornarem-se
mercadoria na lógica da especulação ou dos interesses estritos do mercado imobiliário?
Questões como estas acompanham o desenvolvimento deste trabalho.
2 A INDÚSTRIA NA EVOLUÇÃO URBANA DE SÃO PAULO
Consideramos a cidade como um conjunto de “sinais”2 materiais no território, resultantes da
atividade humana, política, cultural, social e econômica, de tomada de decisões de grupos,
de especialistas, compartilhados ou não pelo restante da população. A cidade entendida
como produto humano é também produto do processo de organização do capital e das
superestruturas ideológicas e políticas de dominação. Como tal, pode ser analisada e
podem ser investigadas as formas do seu desenvolvimento, de transformação com uma
chave de leitura atenta às transformações econômicas, aos seus reflexos nas relações
sociais e às conseqüências na configuração espacial. O processo de acumulação de
riquezas ao longo dos tempos, fundamentado na estruturação de circuitos produtivos e
mercantis, tende a gerar uma sociedade dividida em grupos hierárquicos que necessitam de
estratégias direcionadas à produção do espaço urbano (FRANCESCONI, 2004).
Na complexa configuração do espaço metropolitano 3 de São Paulo com 11.253.503
habitantes e 1.523 km2 (dados censo IBGE 2010) de extensão do território é necessário,
mesmo que de forma resumida, entender o processo de obsolescência industrial no
desenvolvimento da cidade. Neste contexto considera-se como referencial que “cada fase
atravessada pelo capitalismo - percebida pelo desenvolvimento das suas relações de
produção e forças produtivas- apresenta uma solução urbana distinta associada a certas
necessidades quanto à organização do trabalho e do espaço” (SMOLKA, 1986). No sistema
urbano objeto de análise a obsolescência é aqui entendida enquanto produzida pelo
capitalismo: “fenômeno necessário para garantir as alterações ou modificações no cíclico
processo de acumulação capitalista (HARVEY 2001). Assim como “as crises (do
capitalismo) são endêmicas ao processo capitalista de acumulação” (IDEM)
Neste sentido na paisagem urbana da cidade de São Paulo na metade do século XIX,
caracterizada por uma extensão reduzida ao “triangulo central”4com presença de comercio e
residências, o capital industrial vai impor novas forma de produção do espaço. A estratégia
de ocupação do espaço evidenciará uma urbanização que manterá a natureza inicialmente
fragmentada da cidade de São Paulo, onde se reconhecia nas linhas férreas um fator
engendrador para a implantação das primeiras indústrias e a conseqüente localização,
muitas vezes em áreas insalubres (remanescentes), das moradias operárias. As residências
das elites eram subordinadas às escolhas e à lógicas de ocupação especificas, com
loteamentos que marcavam uma outra forma de morar e de vivenciar a cidade.
Mercê do grande surto industrial – intimamente relacionado com o grande
desenvolvimento da cidade – já encerravam em 1890 vários estabelecimentos fabris
de certo porte. A maioria deles se implantara nos bairros novos em formação, e
mesmo além, em áreas compreendidas no cinturão das chácaras, porém, ainda não
atingidas por uma urbanização mais ampla. A ferrovia já mostrava a tendência de
atrair as indústrias as suas margens, tendência essa que se consolidaria e que se
revelaria da máxima importância para a posterior estruturação do grande organismo
urbano (LANGEBOUCH 1971).
Seguindo esta lógica no final do século XX, identifica-se a hierarquização do espaço urbano
por diversidade de funções: industrial, comercial, residencial e bairros operários. Ao mesmo
tempo em que a cidade se produzia e as indústrias se instalavam, a obsolescência fabril
estava já evidente como produto da lógica imobiliária daquele período estritamente ligada às
exigências do capital. O processo de realocação das primeiras fábricas para regiões ainda
não densamente urbanizadas existia desde 1890 e continuou depois dos anos 1930,
direcionando ao longo das linhas férreas, como a Santos-Jundiaí sentido Santo André, a
busca de áreas maiores para instalação de indústrias como aquela automobilística.
A cidade de São Paulo continuou crescendo e muitas das regiões produtivas, ou sedes das
primeiras indústrias paulistanas, com o tempo, perderam as próprias funções gerando áreas
remanescentes ou construções em desuso inclusive em regiões centrais da cidade de São
Paulo. Como resultado da primeira industrialização, a cidade estava então marcada por
áreas em desuso – cicatriz no território urbano - que agravavam o isolamento de partes de
cidade cortadas pela linha férrea. Bairros como Brás, Mooca e Belém caracterizados por o
quotidiano da vida fabril e das moradias dos trabalhadores, assistiram aos poucos, a
transformação do tecido urbano.
Na passagem do século XIX para o XX estas modalidades de ocupação do espaço
definiram novos lugares para os trabalhadores assalariados, que não habitavam mais na
casa do senhor (condição de escravo), mas alugavam a própria moradia (cortiços, pensões)
em lugares distintos dos bairros da elite da cidade. Estava dada uma nova forma de
“hierarquia do espaço social” (ROLNIK, 1994) no processo de urbanização que mantinha a
natureza já fragmentada da cidade de São Paulo. Partindo do triangulo central podiam se
perceber claramente a abertura dos loteamentos sem planejamento, submetidos a uma
lógica de especulação imobiliária estruturada pelas elites, em uma cidade onde em 1920 só
19% dos prédios eram habitados pelos seus proprietários (BONDUKI, 1994). Esta lógica
embasava as intervenções públicas cristalizando a estruturação de uma “ordem urbana”
(ROLNIK, 1994), reforçando as formas de habitação, não incluídas no aparato legal, dos
mais pobres. Cortiços, barracos, ocupação de várzeas e lugares insalubres eram as áreas
que sobravam para os grupos marginais, que configuravam conseqüentemente uma nova
“ordem social” (IDEM). As estratégias de acumulação do capital industrial desenhavam-se
de acordo a nova ordem urbana, fundamentadas na instalação estratégica das próprias
fábricas ao longo das linhas férreas5e na necessária presença da força de trabalho.
“A cidade expandiu-se radialmente num surto de indisciplinada energia. Residências e
indústrias espalham-se num uso pródigo do espaço, que deixa inesperadamente áreas
inaproveitadas.“ (MORSE, 1970)
Um dado certo é que no inicio do século XX a cidade apresentava avanços modernos
devidos a instalação de redes de infra-estruturas: transporte ferroviário, iluminação pública
(San Paulo Gás Company), instalação de rede de água (Companhia Cantareira) e
distribuição de energia elétrica (Ligth Power & Cia). Apesar de que esta estrutura de
serviços urbanos se consolidou em um contexto ainda arcaico – sem indicação de ruptura
com o mundo anterior predominantemente agrário – representou um fator de atração
concreto para a instalação das indústrias em São Paulo. Em 1907, o valor de produção da
indústria em São Paulo concentrava cerca de 52 % do valor da indústria de transformação
do Estado (NEGRI 1996). Muitos autores6 já interpretaram a cidade, como lócus natural e
necessário à indústria. Oliveira (1982) destaca no contexto brasileiro - país periférico do
mundo capitalista – que:
Quando a indústria começa ser o motor da expansão capitalista no Brasil, ela tem
que ser simultaneamente urbana e tem que ser fundamentalmente urbana porque
não pode apoiar-se em nenhuma pretérita divisão social do trabalho no interior das
unidades agrícolas. O nosso camponês, ou semi-camponês – eu preferia chamar,
porque nunca teve a propriedade da terra, senão a posse – só em raros casos a
unidade camponesa continha dentro de si uma divisão social do trabalho
diversificada, o que fez com, no momento em que se inicia a industrialização, as
relações cidade-campo de novo se manifestassem estanques desse ponto de vista,
caracterizando uma industrialização que forçou um processo de urbanização numa
escala realmente sem precedentes.
Este aspecto é associado à apuração de que “a industrialização vai impor um padrão de
urbanização que aparentemente é superior ao próprio ritmo da industrialização” (IDEM), o
processo de acumulação do capital industrial, em relação ao urbano, impôs então taxas de
urbanização maiores ao “do crescimento da força de trabalho empregada nas atividades
industriais” (IDEM). Os números do crescimento demográfico7na cidade de São Paulo na
fase de surto industrial são os reflexos daquilo que autor chama de formação do “exército
industrial de reserva”(IDEM) elemento de continuidade com a experiência socioeconômica
vivida no Brasil deste o período colonial. Atração de uma grande massa de pessoas em
busca de um sonho urbano e industrial é registrado na década de 1940 com intensos fluxos
migratórios nacionais (CAMARGO, 1981).
Nos anos 1930 se inicia o processo de aceleração industrial, e até 1955, registra-se a
concentração das sedes industriais na região do sudeste e especificamente em São
Paulo.Houve investimentos nas infra-estruturas de comunicação viária que impulsionaram o
mercado consumidor dos produtos para outras regiões, e facilitaram os processos
migratórios de trabalhadores em busca de mudança de vida na cidade. As necessidades de
acumulação do capital industrial impõem outras localizações e outras plantas industriais
assim a região definida como ABC (Santo André, São Bernardo do campo e São Caetano
do Sul) consolida-se como sede industrial neste período.“Entre 1936 e 1956 a indústria na
Grande São Paulo eleva, de 5478 para 8151, o número de seus estabelecimentos e, de
201,3 mil para 489,4 mil, o número de pessoal ocupado.” (NEGRI 1996). No interior do
Estado de São Paulo a indústria sempre foi significativa, mas é após 1930 que houve um
processo real de expansão. Algumas empresas deslocaram a própria atividade em cidade
como Sorocaba e Marilia, atraídos pelas vantagens da localização em relação à presença
de recursos naturais – como Votorantim, Matarazzo, Anderson Claytonetc (NEGRI, 1996).
As décadas posteriores a 1930 marcaram uma inversão no papel do Estado na economia e
na reprodução da força do trabalho. As atividades urbano-industriais assumiram um caráter
de predominância, em concomitância com a formação de novos grupos sociais, “as massas
populares urbanas” com “formas de organização e de manifestação que passam a
reconhecer no Estado o responsável pelo atendimento dos mais diversos aspectos das suas
condições de vida”. (BONDUKI, 1994).
A dinâmica migratória crescente na cidade nestas décadas, como anteriormente
destacamos, desencadeou uma procura desesperada por moradia (sendo insuficiente a
produção pública). Diante deste quadro, após os anos 1940, apareceram na cidade “novas
soluções habitacionais que até então eram inexistentes ou ainda não eram muito difundidas
em São Paulo: a favela e a casa própria autoconstruída em loteamentos periféricos
desprovidos de qualquer melhoria urbana” (BONDUKI, 1994).Esta crise representou, para
São Paulo, o desenvolvimento do trinômio “loteamento periférico - casa própria –
autoconstrução” (IDEM) em um contexto de carência de infra-estrutura básica associada à
expansão urbana.
O Plano de Metas no governo de Juscelino Kubistchek (1956) teve um rebatimento neste
cenário
urbano,
com
a
consolidação
da instalação
da
indústria
automobilística
(industrialização pesada) no ABC paulista. Impacto disso no território foi registrado com
investimentos em rodovias que superaram, na década de 1950, o das linhas férreas. No
estado de São Paulo, entre os anos 1956-1960, foram pavimentadas 5 mil quilômetros de
estradas em São Paulo (NEGRI 1996).
A periferia é o destino residencial dos trabalhadores, ainda que haja áreas vagas em
locais mais próximos do centro, ou melhor, providos de recursos básicos. E não é
somente os recém-chegados que se devem dirigir aos bairros longínquos. As
populações mais pobres que vivem nas áreas de povoamento antigo da cidade são
dali expulsas pela valorização dos terrenos (CAMARGO ET ALI, 1976).
Ao movimento de especulação imobiliária, relativo à ocupação do espaço urbano, iniciado
no final do século XX, correspondeu desde então, um movimento complementar de
populações sem direito a habitar nos lugares adequados ao desenvolvimento de um padrão
de vida digna urbana. Este movimento relatado acima é a expressão de um acirramento dos
conflitos sócios espaciais identificáveis nos anos 1970.
De um ponto de vista da reprodução do capital industrial, a fase até a década 70 é
assinalada como um período de concentração industrial brasileira. Com o primeiro Plano
Nacional de Desenvolvimento (PND 1972-1974) e a instituição das regiões metropolitanas8como nova forma de organizar a mancha urbana contínua - se oficializa uma realidade
econômica já constituída de liderança da RMSP que se destaca como líder na economia do
país. Em contraposição, o período entre 1970 e 1985 é analisado como um momento de
desconcentração das instalações industriais no interior impulsionado por um processo de
reestruturação produtiva a ser entendida como “uma nova lógica histórica de reprodução do
capital”, que
ao alterar as determinações das estratégias e práticas territoriais da indústria o fez
reafirmando a tradicional área industrial do interior paulista que, neste processo, se
dilui enquanto tal se metamorfoseando como território metropolitano (LENCIONI,
2003).
A valorização da terra urbana, a densidade de aglomeração, o congestionamento dos
transportes, a necessidade de maiores áreas para a instalação industrial, assim como,
novas legislações ambientais restritivas,
constituíram
alguns dos elementos das
“deseconomias de aglomeração” (TINOCO 2001) detectadas na metrópole de São Paulo. A
esses elementos políticos, urbanos e conjunturais - também indutores do processo de
dispersão espacial da indústria - se contrapuseram as “economias de aglomeração”
(TINOCO 2001) em outras regiões. A configuração da metrópole resultante
se traduz em um fenômeno sócio espacial novo, criação e reiteração de uma região
metropolitana mais complexa, fragmentada e hierarquizada, em que a conurbação
de cidades, o crescimento relativamente menor de algumas, (...) são manifestações
constitutivas da expansão do espaço metropolitano paulista que, que se configura
uma macro-metrópole que é reforçada e não negada” (LENCIONI, 1995)
O fato de destacar estes processos de obsolescência das áreas industriais não levaria a
interpretação de abandono industrial da metrópole, pelo contrário como Tinoco (2001), entre
outros apontam, existe uma dupla dinâmica: aquela que destaca uma desconcentração
industrial devido às dês-economias de aglomeração da metrópole de São Paulo e outra que
registra a crescente concentração de empresas de alta tecnologia de inovação (indústria
moderna) localizadas na RMSP. Isso indica, para o autor, uma coexistência de reflexos de
um modelo industrial ainda fordista, juntamente com o avanço da acumulação flexível do
capital, com novas exigências espaciais.
Na mesma forma em que estes dois modelos e seus impactos no território coexistem,
observamos as marcas do processo de obsolescência industrial, testemunhas do contexto
arcaico urbano e político, no âmbito da mesma configuração espacial onde se manifestam
também os efeitos do processo de globalização econômica. Evidencia-se claramente um
fenômeno contraditório marcante na atual metrópole:
uma metrópole espraiada e dispersa significa maior tempo de deslocamento de seus
habitantes, maior trafego de veículos e maior movimento pendular entre o local de
moradia e o local de trabalho. Produz-se nessa metrópole uma irracionalidade que
cobra do capital maior dispêndio de tempo com a locomoção pela cidade, com a
possibilidade de se multiplicarem os acidentes de transito e de se aumentarem o
ambiente carregado de poluentes.” (LENCIONI, 2008)
Outro elemento de irracionalidade que se soma ao anterior é a condição de precariedade
desta população que mora as margens físicas e sociais desta metrópole, que ao mesmo
tempo registra nas regiões centrais áreas subutilizadas. Além destes elementos de
irracionalidade territorial e social, sempre crescentes, temos que apontar os necessários
investimentos públicos em políticas urbanas para compensar estas discrepâncias.
3 AS MARCAS NO TECIDO URBANO: ORLA FERROVIÁRIA DA ANTIGA
SANTOS-JUNDIAÍ
Na análise geográfica das transformações urbanas Santos identifica as marcas da
obsolescência como rugosidade
As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em
paisagem incorporado ao espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem
tradução imediata restos de uma divisão de trabalho internacional, manifestada
localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho
utilizados (SANTOS 2005 ).
Neste sentido, devem ser interpretadas as áreas industriais em obsolescência como
testemunhas de uma divisão de trabalho que não é mais efetiva e que deixaram como
preexistências
as
manifestações
arquitetônicas,
expressões
físico-territoriais
e
socioeconômicas do capital industrial na paisagem urbana. A perda das atividades
produtivas esvaziou as áreas do valor de uso originário, mas ao esmo tempo as caracterizou
como reservas de território e de valor a ser novamente atribuído. A obsolescência das
áreas, na óptica deste trabalho, não conota meramente “vazios urbanos”, pelo contrário, se
identificam fatos urbanos, documentos temporais de um processo de produção do capital, a
serem analisados sem romantismo.
A região da pesquisa na cidade de São Paulo é delimitada pelos seguintes distritos:
Cambuci, Pari, Brás, Mooca Ipiranga e Vila Prudente, lindeiros à orla ferroviária da linha 10
da CPTM (Companhia Paulistana de Transporte Metropolitano), com extensão de 8,8 Km²,
que liga os municípios de São Paulo, São Caetano e Santo André. Esta porção da cidade
define uma área de 38,4 Km² que representa cerca de 2,6% do território municipal conforme
Tabela 01.Tipológica e morfologicamente, a ocupação destes distritos foi resultante de
processos e dinâmicas peculiares a cada um deles, apesar de reconhecer um denominador
comum em termos da localização ao longo de linha férrea e da presença da marca
transformadora da industrialização, que afetou todos estes distritos em épocas e com
intensidades variadas. Pode-se definir que os seis distritos representam uma região urbana
consolidada em termos de infra-estrutura e de presença de serviços públicos como
educação, saúde e lazer além do transporte público.
Tabela 1- Áreas de pesquisa
SUB PREFEITURAS
Área Km²
DISTRITOS
Área Km²
Sub Sé
26,2
Cambuci
3,9
35,2
Brás
3,5
Mooca
7,7
Pari
2,9
Ipiranga
10,5
Vila
Prudente
9,9
Sub Mooca
Sub Ipiranga
37,5
Sub
V.
Sapopemba
Prudente 33,3
TOT
132,2
MSP
1523
38,4
(Instituto Geográfico e Cartográfico - IGC; IBGE; Fundação Seade).
Uma leitura urbana mais ampla reúne estes distritos vinculando-os à barreira dos trilhos que
travou, e ainda compromete a comunicação entre eles, restringindo as possibilidades de
reestruturação destas “partes” de cidade isoladas. Os trilhos, as indústrias e as residências
dos operários juntamente com as velhas e as atuais relações social e de trabalho agregam e
qualificam uma paisagem urbana comum aos distritos. Esta paisagem urbana ainda
fisicamente identificável é, ao mesmo tempo, de difícil reconhecimento em um sentido mais
amplo, em termos de memória coletiva urbana (DANSERO 1993). A difícil legitimação
compartilhada pela sociedade e pelo agente público do valor coletivo destas áreas enquanto memória material e imaterial- representa um descaso significante na identificação
destas partes de cidade enquanto reservas urbanas.
No esforço de qualificar estas áreas que nomeamos reservas, foi realizada pelos autores
uma análise do parcelamento do território que levou em conta a possibilidade de classificar
as quadras por tipos de lotes (glebas sem parcelamento; lote grande – com mais de 2000
m²; misto - presença de lote grande com lote com menos de 2000 m²; lote pequeno – menor
do que 500 m²). Apontamos de forma resumida algumas conclusões relevante para o
trabalho. Revelou-se uma fotografia dos distritos e da morfologia do território em 2010,
claramente marcada por grandes glebas sem parcelamento, lócus de uma indústria que não
existe mais, mas gravada indelevelmente na estrutura fundiária. Se por um lado ficou
evidente, para todos os distritos, a predominância comum de quadras com lotes menores do
que 500m² caracterizando a estrutura fundiária - resultado de um parcelamento tradicional
residencial ou misto. Por outro lado se identificou uma área total de 4,19 Km² de quadras
identificada como “glebas sem parcelamento”, concentrada ao logo da linha férrea, de uso
predominantemente industrial, mas sem informação sobre o efetivo estado de atividade. De
todo modo estas áreas representam 15% da área total dos distritos, localizadas
predominantemente nos distritos do Cambuci (1,15 Km²), Ipiranga (1,55 Km²) e Vila
Prudente (1 km²). Em um contexto econômico onde os impactos no território do processo de
desconcentração industrial se efetivaram já a partir dos anos 1980, e as evidencias da
obsolescência industrial são registradas desde o final do século XIX, a presença destas
glebas aponta para uma reserva de terras quantitativamente interessante.
Especificamente a porção urbana escolhida para este tipo de reflexão aqui corresponde à
Macroárea de Reestruturação e Requalificação definida pelo Plano Diretor Estratégico
(PDE) do Município de São Paulo (Lei Municipal 13.430/02). O PDE (2002) aprovado, em
vigor há cerca de 10 anos, reconhece plenamente os fenômenos anteriormente descritos, e
instituiu a Macrozona de estruturação e qualificação urbana abrangendo regiões com infraestrutura já existente e onde deve ser incentivado um maior aproveitamento das áreas ali
localizadas, mediante a aplicação de instrumentos urbanísticos como aqueles previstos no
Estatuto da cidade. A configuração da Macroárea, objeto da nossa reflexão, é caracterizada
pela presença de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS),Zonas Especiais de
Preservação Cultural (ZEPEC), áreas industriais obsoletas, vazios urbanos, e regiões de
futura valorização, que definem um tecido heterogêneo e fragmentado, ao mesmo tempo
potencializado pelo eixo ferroviário e pela sua localização.
A delimitação do perímetro da Operação Urbana Diagonal Sul (OUDS) nas áreas lindeiras a
orla ferroviária em questão auxiliou um maior aprofundamento no conhecimento espacial da
região. No entanto o instrumento urbanístico ainda não se efetivou legalmente, não
representando neste contexto uma ferramenta adequada para a atuação planejada do poder
público.
Vale destacar que parte das áreas indicadas como predominantemente industriais – ZPI
com o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado/PDDI (L.M nº 7.688/71) foram alteradas
com a Lei de zoneamento Lei Municipal Nº 13.885, 2004. As áreas tornaram-se zonas mista
(zm3 /zm2) com coeficiente de aproveitamento máximo igual a 2, suficiente para garantir ao
setor privado a realização de produtos residenciais altamente lucrativos.
Esta alteração alimentou a necessidade de realizar um levantamento de campo nestas
áreas especificas, que atualmente está em via de sistematização. Achamos relevante extrair
alguns dados para esta reflexão: as zonas industriais em 1972 eram em cerca de 1000 há,
em contraposição aos 513 ha das atuais. As restantes ainda se concentram ao longo da
linha férrea e se localizam nos distritos da Mooca, Ipiranga e de Vila Prudente. Avaliou-se
que para as áreas que tiveram o zoneamento alterado em zona mista a realização do
levantamento do uso e ocupação atual alimentaria, com dados primários, o entendimento
das dinâmicas de transformação e da reprodução urbanas. Pode-se antecipar que esta
alteração estimulou a atuação do setor privado que realizou nos lotes de ex indústrias a
substituição rápida das edificações, propondo um produto residencial de médio alto padrão
que não dialoga com o entorno, sendo a ocupação do lote condomínio fechado vertical. A
perda de instalações industriais nestes distritos somada à alteração do zoneamento e a
ausência de uma proposta pública para a região favoreceu atuação do setor privado que
promove rápidas e drásticas formas de reprodução do espaço urbano. Especificamente
estas formas de renovação (destruição e produção do novo) ocorreram em lotes de
dimensões maiores de 2000 m², categoria de parcelamento que deveria ser objeto de
alteração em função de aproveitamentos urbanos mais adequados pelo poder público.
Dessa forma a perda do valor de uso vai ser preenchida necessariamente pelo valor de
troca determinado pelo setor privado sem nenhum controle ou contenção do agente público.
Figura 01 – Demolição de edificações industriais para a construção de empreendimentos residenciais.
(Fonte: GoogleEarth)
As possibilidades de reconversão urbana devem ser concebidas nesta peculiaridade, onde
se concretizam os conflitos de interesse dos diversos setores particularmente do privado.
Diante dos evidentes déficits da metrópole poder-se-ia questionar se este não seria o
“lugar”, onde se manifestam as potencialidades de uma reestruturação urbana. Este é o
lugar de mediação, regulamentação, planejamento, atuação do poder público.
4 O SIGNIFICADO DAS ÁREAS EM DESUSO NA PERSPECTIVA DE
RECONVERSÃO URBANA
No contexto atual de financeirização do capital e globalização econômica vivemos
bombardeados por uma infinidade de informações e estímulos, dominados por uma
comunicação de massa uniformizadora baseada na difusão de inúmeras tecnologias em
uma lógica de rápido e contínuo consumo. Todos estão subordinados à “hegemonia do valor
midiático que substitui qualquer valor cultural ou sentido relativo à civilização” (GUERRA ET
ALLI 1996). Neste sentido, qualquer objeto – incluindo a esfera urbana – está condenado ao
processo de obsolescência prematura, ainda mais rápida daquela vivenciada em épocas
anteriores, um “envelhecimento precoce” que não suscita alarme nem preocupação, pois no
seu lugar haverá de surgir outro novo. Os processos de obsolescência acelerada da cidade
industrial fordista eram já eram evidentes e integravam um movimento urbano contínuo
reconhecível na própria formação da metrópole de São Paulo. Um denominador comum na
construção da cidade industrial até a sua evolução em metrópole é identificável em um
processo de destruição do preexistente (cidade colonial, patrimônio banal, edificações
ecléticas) e construção do “novo” sob a bandeira de ideal moderno. Esta lógica permeou a
formação de profissionais, as modalidades de intervenção do mercado imobiliário, que
deslumbram a construção da cidade a partir de um lote ou uma área vazia, na lógica da
tabula rasa.
Por esse motivo, de um lado, pode-se refletir sobre estas áreas como produtos do processo
de obsolescência na perspectiva de uma renovação 9 para regiões de São Paulo, que a
cidade já vivenciou no passado, substituindo o preexistente e visando perseguir o sonho de
uma “modernização arcaica”, que hoje poderia constituir-se no imaginário de uma metrópole
globalizada. Por outro lado, estas mesmas áreas podem se apresentar como recursos reais,
a serem analisadas numa perspectiva conceitual mais abrangente e profunda do significado
de reconversão, numa ótica de produção de conhecimento. Nesse sentido, as questões
relativas às intervenções em áreas industriais obsoletas aqui colocadas superariam a
dicotomia entre “renovação” e “recuperação” e concentrariam a reflexão sobre novas formas
de interpretação do “preexistente” com diversos parâmetros de investigação, planejamento e
de gestão urbana na esfera pública.
Poderia se reconhecer nos bairros afetados pelo primeiro ciclo de industrialização uma
gradual renovação de áreas industriais através da substituição, pelo setor privado, das
construções originais com novos imóveis associados a outras funções: residencial para
segmentos de renda média, shoppings, entre outro. Exemplos de reconversão mediante a
recuperação das instalações originárias, como a recuperação da fabrica de tambores de
geladeira Mauserou SESC Pompéia - realizado com projeto da arquiteta Lina Bo Bardi - ou
como o projeto da Casa das Retortas de Paulo Mendes da Rocha, ou ainda as tentativas de
recuperação do Moinho Santo Antonio representam experiências importantes, porém
pontuais. Estas respostas isoladas são produtos de negociações particulares com os
proprietários das áreas em desuso, e somente em alguns casos participaram órgãos de
preservação municipais ou estaduais. Estas intervenções em áreas residuais podem ser
valorizadas como exercícios de recuperação de imóveis subutilizados, mas estão ainda
longe de representar uma releitura urbana destes fragmentos.
Reconversão é uma palavra que deriva do latim convercio e aponta claramente para um
movimento de mutação, transformação de atributos ou de efeitos, nesta linha torna-se
necessária uma nova lógica de abordar este fenômeno no tecido urbano. Uma lógica de
transformação que reconheça a cidade como acumulação, agregação e coexistência de
fatos e que possa interpretá-los como materiais de trabalho. O reaproveitamento urbano
destas “partes de cidade” passa pelo reconhecimento como “materiais de um sistema
aberto”, disponíveis para novas conexões ou composições mediante a proposta de estudos
e experimentação enquanto “materiais urbanos” (SECCHI, 2000). Enquanto materiais
urbanos não deveriam ser trabalhados mediante lógicas dependentes de interesses
particulares ou reflexos de setores específicos. A estruturação da lógica da transformação
passa por um reconhecimento do fenômeno urbano cujo âmbito de atuação é voltado à
devolução democrática das partes acompanhada de um processo de apropriação coletiva
mediado necessariamente pela cosa pública.
Podemos levantar a hipótese de que as intervenções de reconvenção destas áreas
representam um compromisso público potencialmente capaz de contribuir para reverter as
tendências em curso para estes lugares, na perspectiva de contribuir para melhorar a
qualidade de vida de parcelas consideráveis da população da cidade. Mas como se traduz
este arcabouço teórico em atuação, ou como poder implementar e deixar concreta uma
postura democrática de reconversão entendida como devolução de um valor coletivo no
contexto sócio econômico da metrópole paulistana?
As experiências que viram o poder público no papel de promotor de reconversões urbanas,
que saíram de uma visão pontual de solução projetual, foram muito poucas no Brasil. No
caso de São Paulo podemos apontar a delimitação dos perímetros de operação urbana
como Água Branca, ou mais recentemente da Diagonal Sul como uma tentativa no âmbito
do PDE 2002 de enfrentar a questão das áreas industriais em desuso de uma forma mais
estrutural e urbana em diferentes escalas. Ao mesmo tempo podemos também questionar a
escolha de utilizar um instrumento urbanístico como a operação urbana, identificado e
avaliado como um instrumento que potencializa os interesses imobiliários apesar de prever
mecanismos de participação.
Estudos de casos empíricos têm demonstrado que os interesses imobiliários e de
valorização tem sido hegemônicos na relação entre os atores. As transformações urbanas
previstas no âmbito deste instrumento ficam dependentes de recursos captados a partir de
exceções à lei de zoneamento, objetivando a melhoria da infra-estrutura urbana, meio
ambiente, dos espaços públicos etc. Pressupõe-se então, uma parceria entre o setor público
e privado, cuja modalidade de funcionamento encontra-se muitas vezes aberta e não
necessariamente regulamentada:
(...) pela própria natureza do instrumento operação urbana, a consecução de tal
propósito seja em grande medida proporcionalmente dependente do efetivo
interesse dos agentes econômicos: a contrapartida paga pela utilização dos
benefícios de exceção (potencial construtivo adicional) é o que pode garantir o fluxo
de recursos necessários à realização das obras e ações de estruturação e
qualificação urbana. Mas, por isto mesmo, a correspondência e o rebatimento entre
as duas séries – interesse privado / objetivos públicos – requerem ordem de
precedência e inferência: a última determinaria ou regularia a primeira (que, por sua
vez, a possibilita). Daí a tarefa pública de elaborar e formular diretrizes urbanísticas,
coordenar e/ou realizar estudos e projetos urbanos, definindo prioridades e fases de
implantação e promover sua divulgação e debate (SALLES, 2005).
No caso da Operação Água Branca, já vigente há mais de 10 anos, a avaliação não é
promissora em relação à aplicação do instrumento. Desde a sua regulamentação, não se
atingiu os resultados esperados pelo poder público e pelos interesses do setor privado.
Foram aprovados noves pedidos de realização de empreendimentos e observou-se que
galpões estão sendo ainda destruídos para alocar estacionamentos. (LABHAB, Lincoln
Institute of Land Policy, 2006)
Valeria um detalhamento sobre a adequação da aplicação do instrumento como a operação
urbana para a reconversão das áreas industriais em desuso, já que este não prevê
parâmetros específicos para isso, além da necessidade de avaliar as modalidades de
gestão pública visando transformações estruturais em regiões estratégicas de concentração
dos interesses do setor privado.
Outra experiência que vale destacar é a elaboração do Projeto Eixo Tamanduatehy (PET),
que ocupou a municipalidade de Santo André, definindo uma proposta de política urbana
que concentrou estudos e avaliações sobre o caso. Ao longo de quase dez anos a
administração municipal se debruçou e trabalhou sobre a possibilidade de elaborar uma
política urbana compreendida de instrumentos urbanísticos ad hoc, modalidade de gestão e
de captação de recursos visando enfrentar as transformações espaciais de Santo André,
resultantes da reestruturação produtiva com a conseqüente saída de indústria para outras
localidades. A relevância do projeto com a diretriz de uma nova centralidade catalisou a
participação de arquitetos e urbanistas estrangeiros que elaboraram várias propostas
(projetos, planos urbanos) para área objeto de intervenção. Diversas críticas foram surgindo
em função da pertinência de implementar modelos de fora – desenvolvidos em experiências
européias já realizadas - sem vinculo com a realidade local. Também no caso de Santo
André o poder público regulamentou operações urbanas para viabilizar, mediante a
realização de empreendimentos de interesse privado, obras de infra-estruturas necessárias
ao porte da intervenção proposta. Registrou-se interesses de vários empreendedores com
Pirelli SA, Cyrela, UNIABC e ao longo do eixo foram realizados hipermercados, shoppings e
universidades.Após aprovação do Plano Diretor Participativo da cidade o PET caracterizouse como:
um projeto de requalificação urbana de um eixo com vocação metropolitana que
sofre impacto do processo de desconcentração industrial” e tem sua estruturação
pautada em quatro temas:




a requalificação urbana com inclusão social, desenvolvimento
econômico e participação popular;
a construção de habitações de interesse social;
a geração de parques e áreas verdes, com potencialização da rede local
de transportes que permita rápido fluxo local, regional e nacional, bem
como a garantia de acessibilidade em todas as intervenções;
um aparato normativo urbanístico, tributário e de desenvolvimento
econômico que garanta incentivos à transformação urbana.(Lei
Municipal 8696 de Dezembro de 2004).
Na avaliação do Moro (2007), a proposta de uma política urbana alternativa foi um equívoco
que afastou o debate político necessário a uma real ruptura dos modelos de
desenvolvimento. A implementação do projeto se confrontou com problemas de legislação
urbana, aparato institucional e captação e gestão de recursos. Além disso, a discussão do
PET mantinha um âmbito regional, sem articulação com municípios lindeiros, como São
Paulo, que se somava com os obstáculos institucionais legais nas esferas municipais,
estadual ou federal que não previam linhas especificas de atuação de financiamento. De um
ponto de vista financeiro “os recursos privados investidos nos novos empreendimentos são
muitos superiores aos valores das contrapartidas investida na coisa publica” (MORO, 2007).
A indicação rápida destas duas modalidades de atuação pública deve ser complementada
levando em conta a atuação rápida do setor imobiliário, do mercado e conseqüentemente
dos investimentos privados na produção do espaço urbano das cidades no Brasil. Neste
sentido se insere a nossa questão, considerando que “o patrimonialismo impediu o
surgimento de uma esfera pública, alimentando (...) o privilegio” (MARICATO 2001), como o
poder público pode estruturar a sua atuação no território urbano de forma a constituir-se um
agente regulador e articulador visando contribuir, mediante uma política de reconversão
urbana, com a redução dos déficits urbanos existentes na metrópole?
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos aqui sistematizar uma primeira reflexão a partir das questões colocadas na
introdução do trabalho. A observação empírica evidencia na mídia dos últimos anos, quais
as tendências de destino de várias áreas ex-industriais, objeto de mercadoria do setor
imobiliário. As vantagens de operações imobiliárias deste tipo são claras: em uma única
operação de aquisição o setor privado interessado pode obter um conjunto de áreas
relevantes que permite construir “ilhas privativas” residenciais, contribuindo para a
constituição e consolidação de uma “cidade de muros”(PIRES 2000).
Enquanto pesquisadores e planejadores, temos como perspectiva observar e debater as
tendências em curso, referentes à ocupação real destes espaços urbanos. Inevitável que
surja a indagação: estas áreas serão ocupadas, indiscriminadamente e inevitavelmente
segundo os interesses e a lógica (de valor de troca) do mercado imobiliário ou existem
outras possibilidades efetivas (endógenas) de destinos para estas áreas, segundo a
priorização do interesse público (e do seu valor de uso) para a sociedade? Neste último
caso, qual seria o papel que o poder público pode ou deve desenvolver?
Neste sentido, buscamos resgatar uma discussão sobre a importância destas áreas, como
resultantes de um processo de evolução econômica e urbana, como recursos a serem, com
mais profundidade analisados. Sem dúvida, estas áreas constituem documentos do
fenômeno urbano a serem pesquisados, valorizados e repensados como uma oportunidade
para reverter ou ao menos compensar as dinâmicas socioeconômicas e urbanas irracionais
em curso na metrópole paulista.
Destacamos duas experiências mais conhecidas de intervenção urbana voltada à
reconversão como reestruturação espacial mediante implementação de instrumentos
urbanísticos por meio da operação urbana. Avaliamos que, apesar de ser necessária uma
análise mais detalhada sobre os casos, podemos considerar que os agentes públicos ainda
não possuem ferramentas adequadas para limitar e regulamentar o setor privado que
transforma de forma acelerada o espaço urbano.
As parcerias entre o setor público e os setores privados podem ser planejadas e
estruturadas somente quando baseadas em um compromisso público anteriormente
discutido. A ruptura de práticas seculares de privilégio e de políticas públicas que favorecem
interesses de minorias e elites constitui uma árdua tarefa na estrutura da sociedade
brasileira. Ainda assim, consideramos importante este debate sobre a necessidade de uma
postura democratizante na implementação daquele princípio do Estatuto da Cidade
chamado de “função social da propriedade urbana” e que remete à ideia de um valor comum
de áreas subutilizadas. Apesar deste conceito estar inserido no quadro legislativo e
urbanístico brasileiro, o processo de sua apropriação cultural e institucional é complexo e
não interessa a setores como o imobiliário, acostumado a agir no urbano sob condições
muito favoráveis, com baixo ou nenhum grau de restrição.
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Notas
1 Segundo o Ministério das Cidades (Brasil, 2004) as áreas urbanas do país convivem com 18 milhões de
pessoas sem acesso ao abastecimento público de água, 93 milhões sem coleta adequada de esgotos, 14
milhões sem coleta de lixo, com uma carência de moradia para cerca de 5,5 milhões de famílias nas áreas
urbanas.
2 “Segni” conceito desenvolvido pelo SECCHI 2005
3 Estamos considerando o espaço metropolitano aquele que refere se a ao município de São Paulo. Este
configura uma das maiores metrópoles mundial. Os dados foram extraídos no site do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, IBGE 2010 Cidades.
4“com exceção das chácaras periféricas, quase não havia diferenças funcionais de um ponto a outro da cidade.
As residências dos mais abastados e das classes médias muitas vezes localizavam-se no próprio triângulo
central junto ao comércio e às oficinas.” (MATOS, 1955)
5São Paulo Railway: (1867); Estrada de Ferro Sorocabana (1870); Companhia Ituana de Estradas de Ferro
(1870); Companhia Paulista de Estradas de Ferro (1872); Companhia Mogiana.
6Citamos só alguns autores como Oliveira F. ; Schiffer S.; Tinoco , etc..
7 No ano 1836 a capital registra 21.933 habitantes, em 1900foram 244.972 habitantes e em 1920 alcançaram
600.000 habitante (CAMARGO 1981).
8 Lei Complementar nº 14.1973 ,Região Metropolitana de São Paulo, RMSP.
9Entendemos aqui por renovação a construção do “novo” na substituição do preexistente.

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