aceitação da surdez no sujeito surdo

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aceitação da surdez no sujeito surdo
ACEITAÇÃO DA SURDEZ NO SUJEITO SURDO
Márcia Gabriela Lemos1
Clarisse Ismério2
RESUMO: Na infância, o individuo adquire uma forma de se comunicar proveniente
do ambiente em que vive e da língua que é utilizada. Para o surdo a oralização
utilizada nesse meio não o auxilia no desenvolvimento psicossocial necessário para
formação de sua identidade surda. Neste sentido é importante a intervenção escolar
em verificar os aspectos subjetivos dos surdos, analisar sua identidade e variações,
visando contribuir com profissionais que trabalham com essa temática em orientar
tanto a família quanto o sujeito surdo.
A metodologia é um estudo exploratóriodescritivo de abordagem qualitativa e quantitativa onde foram entrevistados oito
estudantes surdos do município de Bagé. Percebe-se pelos dados obtidos que a
maioria dos surdos entrevistados sentem-se bem na cidade de Bagé, assim como em
seu ambiente escolar por abarcar as necessidades dos surdos como ter intérpretes e
profissionais que constantemente atendem suas necessidades. No ambiente familiar,
mesmo havendo pouco uso dos sinais a pesquisa aponta para a presença de apoio e
estímulo familiar. Em relação à identidade surda percebe-se níveis variados de
aceitação da surdez e ainda casos de fantasia em ouvir, geradas pelos modelos
ouvitistas presentes no contexto social e sobre aspectos da cultura surda, como a
escrita em sinais, há um desconhecimento geral. Com isso verifica-se o grau de
satisfação dos surdos, com a inclusão que está sendo realizada em Bagé, com
profissionais envolvidos, e com a estrutura familiar, possibilitando o desenvolvimento
do sujeito surdo.
Palavras chaves: Identidade Surda, Surdo, Inclusão, Self
ABSTRACT: In infancy, the individual acquires a form of if communicating
proceeding from the environment where it lives and of the language that is
used. For the deaf person the oralização used in this way does not assist it in
the necessary psicossocial development for formation of its deaf identity. In this
direction the pertaining to school intervention in verifying the subjective aspects
of the deaf people is important, to analyze its identity and variations, being
aimed at to contribute with professionals who work with this thematic one in
guiding the family in such a way how much the deaf citizen. The methodology
is a study exploratório-description of qualitative and quantitative boarding where
eight deaf students of the city of Bagé had been interviewed. One perceives for
the gotten data that the majority of the interviewed deaf people are felt well in
the city of Bagé, as well as in its pertaining to school environment for
accumulating of stocks the necessities of the deaf people as to have
interpreters and professionals who constantly take care of its necessities. In the
familiar environment, exactly having little use of the signals the research points
1
2
Psicóloga e Especialista em Educação Inclusiva
Doutora em História
with respect to the presence of support and familiar stimulaton. In relation to the
deaf identity one still perceives varied levels of acceptance of the deafness and
cases of fancy in hearing, generated for the ouvitistas models gifts in the social
context and on aspects of the deaf culture, as the writing in signals, has a
general unfamiliarity. With this the degree of satisfaction of the deaf people is
verified, with the inclusion that is being carried through in Bagé, with involved
professionals, and the familiar structure, making possible the development of
the deaf citizen.
Words keys: Deaf identity, Deaf, Inclusion, self
1 INTRODUÇÃO
Na infância, o individuo adquire uma forma de se comunicar proveniente
do ambiente em que vive e da língua que é utilizada. Para o surdo a oralização
utilizada nesse meio não o auxilia no desenvolvimento psicossocial necessário
para formação de sua identidade surda. Inúmeras crianças surdas são
encaminhadas a avaliações neurológicas, muitas vezes perseguindo a
oralização. Esta situação gera um conflito para os surdos porque não
desenvolvem a língua falada, nem usam a língua brasileira de sinais.
Neste sentido é importante a intervenção escolar para verificar os
aspectos subjetivos dos surdos, analisar sua identidade e variações, visando
contribuir com profissionais que trabalham com essa temática.
O objetivo geral é analisar a aceitação da surdez no aluno surdo e as
barreiras que enfrentam para apropriar-se de seu verdadeiro self, tendo como
objetivo específico: Identificar a aceitação da surdez; Analisar as dificuldades
encontradas no processo de construção da identidade surda; Construir um
estudo que revela a subjetividade do surdo.
O
estudo
apresenta
o
histórico
dos
surdos,
relatando
seu
desenvolvimento social e as diversas barreiras enfrentadas até os dias atuais.
Mostra também a temática do self o qual é enfoque deste trabalho, levando em
consideração seu desenvolvimento psicológico e colocações de Vygotsky
sobre a inclusão. A posteriori decorrem as questões sobre linguagem do surdo,
os tipos de identidade surda para que possamos entender o funcionamento do
surdo e suas reais necessidades.
A metodologia utilizada foi um estudo exploratório-descritivo de
abordagem qualitativa e quantitativa onde foram entrevistados oito estudantes
surdos do município de Bagé.
O primeiro capítulo abrange a parte inicial e o referencial teórico, onde
autores como Perlin e Skliar são citados mostrando as características do surdo,
sua identidade e subjetividade, constando também a história da cultura surda,
seu desenvolvimento escolar, até a oficialização da língua de sinais como sua
língua materna. No segundo capitulo está a metodologia utilizada e a discussão
dos resultados a cerca da pesquisa com os alunos surdos do município de
Bagé. Em seguida aparecem a conclusão, o referencial teórico e a entrevista
utilizada.
2 O SUJEITO SURDO E SUA HISTÓRIA
A Inquisição, ocorrida na Idade Média, praticava apedrejamentos e
mortes em fogueiras de indivíduos com alguma necessidade especial, pois os
considerava possuídos por demônios (GIL, 2003).
Ao verificar o
desenvolvimento educacional do surdo, constataremos que suas dificuldades
iniciais não são tão afastadas da realidade atual. Na Grécia e posteriormente
em Roma, existia uma verdadeira contemplação da beleza e da oralidade, a
qual o surdo ficou submetido a todo tipo de preconceitos, pois não possuía a
fala oral (LARA, 1997).
A educação das pessoas com surdez nos séculos XVII e XVIII era
privilégio de nobres, que pagavam professores para ensiná-los a ler, escrever
e falar, para a justiça considerá-los instruídos (LARA,1997).
O primeiro professor de surdos de quem se tem notícia foi Pedro
Ponce de Léon (1520-1584), monge beneditino que instruía os filhos
de nobres, ensinando-os a ler, escrever, fazer cálculos e expressarse oralmente, tendo alguns de seus alunos avançado em campos
como a filosofia, astrologia e história. Entretanto não se tem relação
do método utilizado para a instrução formal desses surdos
(VALENTINI, apud LARA, 1997, p. 99-100).
Em 1755, o abade Charles M. de L'Eppé recolheu da rua surdos pobres
de Paris e aprendeu os sinais que usavam entre si, com isso aprimorou a
linguagem dos sinais, com a qual também ensinou a cultura e a língua
francesa, tornando geral a língua de sinais. L'Eppé fundou no século XVIII a
primeira escola pública para surdos em Paris (VALENTINI, 1995 apud LARA,
1997). Para Marchesi (1987), L'Eppé foi a figura mais importante para este
século. Já Vargas (1996) argumenta que o método do Ábade foi criticado por
Heinicke, na Alemanha, que defendia um enfoque didático para os surdos,
voltado totalmente para a oralidade. Começou então, a rivalidade entre a
língua dos sinais e a língua falada (LARA, 1997).
O nazismo do séc. XIX e início do séc. XX esterilizava as pessoas com
necessidades
especiais
para
evitar
a
procriação
desses
indivíduos
considerados imperfeitos e "impuros". Foram utilizados outros métodos de
aniquilamento
de
deficientes,
como
seu
isolamento
em
asilos,
comportamentos de rejeição, preconceito e tortura, etc. (GIL, 2003).
Segundo GIL (2003), a educação para as pessoas com necessidades
especiais surgiu somente após a 2ª Guerra Mundial, quando valorizou-se os
direitos humanos com questões como igualdade de oportunidades e direito a
diferença, tendo como consequência a reorganização filosófica, jurídica e
social em entidades como a ONU, OMS, UNESCO entre outras. Considerando
então os portadores cidadãos com direitos e deveres como qualquer outro
cidadão, tendo então direito à educação, trabalho e participação social, ou
seja, sua integração social.
Conforme a autora citada anteriormente, somente com a Revolução
Francesa é que as pessoas com necessidades especiais receberam algum
tipo de assistência por entidades religiosas e locais de caridade, mas a
educação não lhes foi assegurada pela visão fraterna da Revolução.
Durante todo o percurso da educação dos surdos na sociedade
industrial, sempre houveram desacordos de opiniões entre os defensores do
oralismo e os que defendem a comunicação dos sinais como língua própria do
surdo.
"E o que se viu durante praticamente todo nosso século?
Contraditoriamente, foi a imposição de um método que visava uma
"pretensa integração", através de sistemas segregados de ensino,
consubstanciados pela manutenção de escolas e, mais tarde, classes
especiais. Isto é, pregava-se a socialização do surdo através do
acesso à língua majoritária, ao mesmo tempo em que se mantinha a
maior parte deles em regime segregado, o que permitiu o surgimento
de comunidade de indivíduos surdos e o advento de uma língua
própria, a língua dos sinais (BUENO, 2001, p. 4).
Assim, mesmo com as práticas oralistas defendidas e exigidas
por estudiosos e educadores, ocorreu, consequentemente, a formação de
comunidades surdas, decorrentes da segregação que lhes foi imposta
(BUENO, 2001).
Para GIL, a UNESCO divide a história do tratamento dado as pessoas
com necessidades especiais em cinco fases, sendo que essas concepções
também são evidenciadas atualmente: Filantrópica; Assistência Pública;
Direitos fundamentais; Igualdade de oportunidade; Direito a integração.
No Congresso Internacional de Surdos de 1880 em Milão, o
oralismo foi definido como método para a educação, sendo que a língua de
sinais nas escolas foi proibida. Em 1889, no Congresso Internacional dos
Surdos, estes acusaram os ouvintes de pensarem somente em seus
benefícios, pois escolheram e decidiram uma língua e uma educação que
servisse a si próprios, o oralismo. (LARA, 1997).
LARA aponta outro enfoque para a educação do surdo, o bilinguísmo. O
bilinguísmo defende a idéia de que tanto a língua dos sinais como a oral
(portuguesa) sejam ensinadas juntas, sem que uma prejudique a outra.
Em 1978, publicou-se um relatório britânico, Warnock Report, realizada
pela comissão dirigida por Mary Warnock, a qual foi incumbida de formular
propostas para uma melhor educação aos deficientes. Warnock Report, que
introduz pela primeira vez, o conceito de "aluno portador de necessidades
educativas especiais (GIL, 2003).
Afirma que a utilização do ensino separado para surdos no Brasil, se deu
basicamente por volta da década de 60, como na maioria dos países. Já nos
anos 80, seguindo a tendência mundial, o Brasil passou a adotar em seu
sistema educacional, uma didática integradora, que foi fortalecida com a
Constituição Brasileira de 1988 no artigo 208, inciso III: "o atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente
na rede regular de ensino"; também em 1989, na Convenção sobre os direitos
da criança e na Declaração de Salamanca, entre outros.
Entre 7 e 10 de junho de 1984, os delegados da Conferência Mundial de
Educação
Especial,
representaram
88
governos
e
25
organizações
internacionais em Salamanca, Espanha. Onde garantiu-se o compromisso da
Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência de educação
para crianças, jovens e adultos com necessidade educacionais especiais
dentro do sistema regular de ensino. Assim, reestruturou-se as ações em
Educação Especial, fazendo com que governos e organizações sigam o
modelo de Educação para Todos (Declaração de Salamanca, 1994).
"Declaração de Salamanca - 1994: As escolas devem ajustar-se a todas as
crianças, 0independentemente das suas condições físicas, sociais,
lingüísticas ou outras. Neste conceito devem incluir-se crianças com
deficiência ou superdotadas, crianças da rua ou crianças que trabalham,
crianças de populações imigradas ou nômades, crianças de minorias
lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos
desfavorecidos ou marginais”.
Através da Lei n° 10.436 de 24 de abril de 2002 e a Lei n° 10.098 de 19
de dezembro de 2000, a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, foi
reconhecida como a língua oficial da pessoa surda, graças à luta do
movimento surdo e das pessoas engajadas ao direito dos surdos.
3 LÍNGUA E IDENTIDADE SURDA
Segundo ROSA (2004), quando falamos do verdadeiro self pensamos
imediatamente que se caracteriza pelo que tem de mais autêntico em cada
sujeito. Winnicott nos aponta que o verdadeiro self é a nossa parte própria e a
mais próxima do pulsional. Enquanto isso o falso self é aquela parte nossa
desenvolvida pelo contato com a sociedade e educação.
Para WINNICOTT (apud ROSA, 2004) a mãe suficientemente boa
consegue suprir as necessidades do lactente e assim atendendo ao seu
verdadeiro self que começa a brotar. Quando há falhas por parte do cuidador,
ou seja, ele não atende as necessidades do lactente, tendo em vista a não
realização empática, o falso self no bebê começa a se desenvolver, a partir da
submissão do lactente ao cuidador.
Quando a mãe é suficientemente boa, ou seja, atende as
necessidades da criança, a criança consegue renunciar a sua onipotência,
acreditando mais no ambiente externo e assim conhecendo o ilusório, o
imaginário e o brincar. No segundo caso, quando a mãe não é suficientemente
boa, o lactente não realiza o processo ilusório e imaginário, esperando-se a
morte física do mesmo, pois não ocorreu a adaptação materna nessa fase
inicial da maternagem. Aparece na criança irritabilidade, distúrbios de
alimentação, entre outros. A criança vive, mas falsamente, aceitando as
exigências do meio e assim construindo relações a posteriori falsas, tendo a
convicção, por meio de introjeções, de ser real, podendo a tornar-se como a
mãe ou com quem quer que domine.
Contestar com respeito, afirmar-se sem se impor, saber receber e
dar, negociar e trocar são outras tantas formas de manifestação do
verdadeiro self suficientemente adaptado por um certo condimento de
contenção a que poderíamos chamar “falsidade” (Rosa, 2004, p. 52).
Neste contexto, nos traz o significado do jogo, que seria o espaço
transicional, onde há negociação, flexibilidade, sem espaço para rigidez. Esse
espaço esta entre o que é falso e verdadeiro é o que nos faz sobreviver e
conviver, onde procuramos ser verdadeiros, mas aceitando o falso que existe
em toda verdade. “A vida humana parece, pois, só pode ser autenticamente
vivida nesse espaço de jogo, recheado de humor e de ironia em que o
“verdadeiro” e o “falso” coexistem” (ROSA, 2004, p. 52).
Notamos que WINNICOTT (apud FILHO, 2003) não condena o
falso self, mas sim o não saber de seu verdadeiro self, tornando assim uma
identidade mascarada. O falso self nos faz conviver em sociedade, ou seja,
comportamentos como mentir, esconder determinadas informações, isso tudo
nos faz ser aceitos em sociedade, mas só estaremos integrados com nós
mesmos quando soubermos que esse não é o nosso real e sim nossa
máscara. E no momento, por exemplo, em que um aluno surdo não se
identifica com questões próprias da sua cultura e identidade surda, isso nos
aponta a fatores importantes de ruptura com seu verdadeiro self.
O grito do nascimento, a 1.ª mostra de poder que afirma sua
existência, só não é ouvido pelo surdo, sendo que não o registrará na
memória, segundo FONSECA (2001). Para a autora, é incerto afirma que o
recém-nascido com deficiência auditiva congênita, sente falta do que ele
nunca teve e nem experimentou. Podemos apenas dizer que ele não passará
pela experiência que a maioria das pessoas passa, o registro de seu grito de
nascimento.
"Como será a escuridão quente do útero sem sons?...Quando
finalmente essa casa começa a expulsar o feto..., no ápice da saída está a
luz, o ar entrando pela árvore respiratória e...um grande silêncio" (FONSECA,
2001).
Segundo estudiosos como BEEBE (apud FONSECA, 2001), ouvir e
reconhecer o seu próprio choro é um de uma série de experiências para
apoderar-se cognitivamente de sua existência. A voz de sua mãe também não
é ouvida, assim não estará envolvido por um colchão sonoro, o que tem
importância no desenvolvimento. DIDIER ANZIEU (apud FONSECA, 2001),
coloca que o envelope sonoro do self, está relacionado com a “delimitação
somato-psíquica do indivíduo”.
A autora ainda salienta que mesmo não sentindo a falta do que nunca
teve, a ausência da audição, leva ao uso de outros mecanismos
compensadores que exercem a função dos que agiriam no desenvolvimento
normal.
A mesma autora comenta que a fala da mãe está envolvida em sons que
acompanham suas ações, os cuidados dessa são envolvidos de sons. Essa
comunicação primitiva vai sendo prejudicada, pois não há recepção da
mensagem transmitida pela mãe por parte do bebê e pela mãe não ter o
retorno (feed-back) de sua mensagem. Dessa comunicação o bebê surdo, só
captará a parte não-verbal da mensagem.
A autora apresenta uma situação onde a mãe de um surdo percebeu a
diferença entre seus filhos. Seu primeiro filho, no momento em que ela
caminhava com a mamadeira, em direção a ele, esse ouvia seus passos e já
parava de chorar, e o segundo não. Outra situação é a de um bebê de quatro
meses no seu berço, chorando sozinho, a mãe está na cozinha e começa a
falar alto e ao mesmo tempo o bebê para de chorar, arregalando os olhos com
expectativa. Escutar a mãe falar faz com que seja desnecessária sua
presença física e imediata, ou seja é uma substituição temporária de sua
presença.
Dispensar a presença física do objeto a ser representado é uma
condição necessária para a atividade simbólica. Será que a
necessidade de contar com presença física do objeto materno, já que
a distancia e fora do campo visual ele não pode ser registrado,
também não está envolvida na dificuldade simbólica que alguns
estudos sugerem estar presente nas crianças surdas? Esta é uma
questão que só poderia ser respondida por meio de pesquisas
extremamente complexas (FONSECA, 2001, p.44).
Constatamos que para VYGOTSKY (apud TONINI & COSTAS, 2008)
reduzir o sujeito a sua própria deficiência é levá-lo ao fracasso, e limitar
quaisquer possibilidade e vontade de se desenvolver e buscar a autonomia
pessoal.
A compensação só será desenvolvida se houver ambiente favorável e
acolhedor, o qual valorize as condições do próprio sujeito, fazendo com que os
métodos a serem utilizados possam auxiliar a compensação oriunda da própria
surdez, como um processo psicológico de superar as áreas afetadas
desenvolvendo outras.
Outro fator importante do autor é a importância e influência do social
para a educação e desenvolvimento psicológico do sujeito, pois acredita que a
apropriação do conhecimento se da de fora para dentro, inicialmente
interpessoal e a posteriori intrapessoal. O fracasso desse sujeito se da pelo
desenvolvimento social incompleto, onde ele foi isolado da sociedade, tendo
recebido uma ação pedagógica tardia.
As relações sócio-afetivas existentes no ambiente onde a criança nasce
influenciam o seu desenvolvimento, afirmando que a cegueira é um estado
normal e não patológico, pois o patológico é percebido indiretamente na sua
experiência com o social. Então a ação do defeito é secundária, pois a criança
não a sente diretamente, percebendo-a somente indiretamente através da
experiência social.
“ A identidade do surdo é um tema que vem sendo debatido de nova
forma, em termos, principalmente, de sua inserção no campo dos
estudos culturais, ao qual melhor se adapta sob perspectiva da
representação da diferença (...) No caso dos surdos, vale dizer que a
identidade é construída numa forma de representação naturalmente
edificada na comunidade ou nas comunidades surdas. (...)” (PERLIN,
apud PINTO, 2000, p.3).
PERLIN (2001), afirma que as identidades surdas ocorrem nos grupos
onde os surdos se inserem e praticam e utilizam as práticas visuais. Essa
comunicação
leva
o
surdo
ao
seu
centro,
ao
reconhecimento
e
desenvolvimento das aptidões visuais características.
A mesma autora coloca que o adulto surdo ao estar em contato
com outros surdos, ou movimentos de surdos começa a encaminhar-se para a
construção
de
sua
identidade
centrada
diretamente
no
ser
“surdo”.
“Praticamente essa identidade surda recria a cultura visual, reclamando à
história a alteridade surda (PERLIN, 2001)”.
4 CAMINHANDO PARA A INCLUSÃO
A educação de crianças e jovens com necessidades especiais, as quais
são caracterizadas segundo suas deficiências físicas, sensoriais e mentais,
teve início com a integração, na finalidade apenas de inserir as pessoas com
necessidades especiais (GIL, 2003).
Primeiro a exclusão social, após veio o atendimento especializado e em
seguida a integração, sendo que agora luta-se pela inclusão social. A inclusão
social é o processo em que a sociedade e a pessoa com alguma necessidade
especial busca a equiparação de oportunidades, adaptando-se mutualmente
uns aos outros, cada um com suas características respeitadas e aceitas o que
nos levará a uma sociedade para todos. A inclusão em qualquer esfera social
(na escola, no trabalho, no lazer, nos serviços de saúde e etc.) é essencial e
necessária
para
que
os
sujeitos
possam
desenvolver
todas
suas
potencialidades e todos os aspectos relacionados a sua vida e ao seu modo
de agir nela (SASSAKI, 1997).
Em 1981, a ONU - Organização das Nações Unidas, designou como o
Ano Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência (PPD), e contribuiu
para a mudança em relação aos portadores no mundo, na sua luta por seus
direitos. Enfocou-se além da integração, conceitos como autonomia,
independência e equiparação de oportunidades, os quais se enquadram no
que conhecemos como "inclusão social". Consequentemente, por movimentos
relacionados aos direitos de todos, chegou-se ao conceito de inclusão, numa
procura pela garantia de equiparação de oportunidades, a remoção de
barreiras que impedem a participação dos portadores na sociedade, e de
direitos, buscando a qualidade de vida (GIL, 2003).
Para ter-se um sociedade inclusiva, necessita-se de oportunidade de
construção das relações sociais, entre a comunidade surda e a dos ouvintes,
numa busca de rompimento de atitudes discriminatórias, ou seja, de aceitação
das diferenças, de ver o outro como ele é. Possibilitando então, uma
sociedade acolhedora e consciente, fazendo com que sejam estimuladas as
diferenças e não o enquadramento das pessoas, o que leva a separação e a
conseqüente exclusão (BUENO, 2001).
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Figura 1. Dados do questionamento feito aos surdos, referente a
aceitação e estimulo recebido dos pais e do ambiente escolar.
Em relação ao ambiente familiar, apoio e estímulo as respostas são positivas,
bem como no ambiente escolar onde a maioria das respostas demonstram sinais de
compreensão e coleguismo entre ouvintes e surdos. Deve ser considerado,
também, a situação da comunidade surda, ainda em construção, em busca de
sua identidade, fortalecendo-a com seus encontros na escola e em atividades
esportivas.
Figura 2. Dados do questionamento feito aos surdos sobre a aceitação da sua
surdez
Pela fig 2., pode-se observar que a maioria dos surdos, 62% dos entrevistados
manifestaram vontade de ouvir. Isto demonstra que o sinal e o significado da
identidade surda não é reconhecida pela maioria dos surdos. Os dados indicam a
fantasia que os surdos tem em querer ouvir, mesmo que não seja uma vontade
constante, ela encontra-se latente. Podemos entender esse resultado como
proveniente da dominação ouvitista, onde os surdos estão inseridos. A escola
é um espaço que deve fortalecer a cultura e identidade surda proporcionando um
ambiente adequado ao aluno surdo.
A identidade de transição ocorre na passagem do mundo ouvinte para o
mundo surdo, essa é a passagem geralmente feita por todos os surdos. São
surdos de pais ouvintes que inicialmente foram mantidos nas experiências
ouvintes tradicionais e em seguida direcionam-se para a comunidade surda, o
que geralmente acontece. Nesse contato com a comunidade surda, estes desouvitizam sua representação de identidade, mas carregam ainda seqüelas
dessas representações que ainda estarão reconstruindo no decorrer de sua
vida (PERLIN, 2001).
Evidencia-se momentos da história dos surdos que buscavam-se
"tratamentos", práticas voltadas fortemente para que eles falassem, numa
"monopolização" da oralidade, enfocando esta como principal fator na sua
educação. Houve a proibição da língua de sinais, o isolamento do aluno surdo,
a manipulação de seus sentimentos e ações e também a exploração de sua
condição de surdo pela ciência em experiências biônicas de implantes
cocleares.
Figura 3. Respostas dos surdos quando questionados sobre eventos promovidos
pela associação de surdos, com a finalidade de estimular a cultura surda e sobre o
conhecimento a escrita em sinais.
Os dados da Fig 3., demonstram um número expressivo de
surdos participando de eventos sociais, fator considerado positivo pelos
entrevistados. No entanto, verifica-se pouco incentivo a eventos culturais. A
relação do surdo com o meio ouvinte ocorre naturalmente desde a nascença,
em muitos casos, criando uma linguagem característica do lugar e da família.
Este fator muitas vezes dificulta o acesso do surdo a outros meios sociais.
O reconhecimento da escrita em sinais “signwriting” não é reconhecida
pela maioria dos entrevistados. Justifica-se, o pouco conhecimento dessa
escrita, a não apresentação dessa na maioria das escolas.
PERLIN (2001), afirma que as identidades surdas ocorrem nos grupos
onde os surdos se inserem e praticam e utilizam as práticas visuais. Essa
comunicação
leva
o
surdo
ao
seu
centro,
ao
reconhecimento
e
desenvolvimento das aptidões visuais características.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se pelos dados obtidos que existe uma diferença significativa
de opiniões entre os entrevistados surdos do sexo feminino e os do sexo
masculino.
As mulheres surdas sentem-se mais a vontade na sociedade dividindose, quanto ao relacionamento, com surdos e ouvintes enquanto que os homens
surdos preferem se comunicar com os amigos também surdos.
O ambiente escolar está se moldando as necessidades dos surdos com
intérpretes e profissionais que estão se qualificando para atender as suas
necessidades.
No ambiente familiar, mesmo havendo pouco uso dos sinais a pesquisa
aponta para a presença de apoio e estímulo familiar. Em relação à identidade
surda percebe-se níveis variados de aceitação da surdez e ainda casos de
fantasia em ouvir, geradas pelos modelos ouvitistas presentes no contexto
social.
Quanto a aspectos culturais, os surdos não estão sendo assistidos com
eventos, principalmente, pela associação dos surdos que deve ser articuladora
entre o surdo e a sociedade, fortalecendo uma educação previa com acesso a
informações de todos os tipos. A associação dos surdos deve ser uma
articuladora entre o sujeito surdo e a sociedade, fortalecendo uma educação
previa com acesso a informações de todos os tipos.
É preciso, entretanto, reconhecer que muito ainda há por ser feito, uma
vez que se não houver a união de forças entre família, escola e sociedade,
será muito difícil a garantia de oportunidades iguais para todos.
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