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Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida ISSN: 14148846 História da loucura e da Psiquiatria: percepção dos acadêmicos de Enfermagem de uma universidade privada do Rio de Janeiro Luciana Del Serto Machado Brenna 1 Carmelita Almeida Souza 2 Resumo O tema ora proposto visa conhecer a percepção dos acadêmicos de Enfermagem de uma Universidade privada do Rio de Janeiro, sobre como estes entendem a história da loucura e da psiquiatria. A partir dessa reflexão, faz-se necessário compreender os fenômenos que ocorrem com os sujeitos que sofrem de transtornos mentais, sua história de vida, manifestações clínicas, história da doença atual e familiar. Vimos que o contexto social pode ignorar as questões de transtornos mentais. Nesse sentido, a história da loucura passou por muitas contradições. De acordo com o momento histórico, a cultura e as questões apresentadas pela loucura, houve sociedades que tinham o louco como um deus, outras o entendiam como preguiçoso, vagabundo, alguém que não queria trabalhar. Entendemos que o assunto é de extrema importância para a compreensão dos acadêmicos de Enfermagem, profissionais da saúde, família/paciente e sociedade civil. Cremos que, a partir da reflexão, podemos entender como e porque a sociedade civil mantémos mesmos mitos com relação ao louco e à loucura. No nosso país, infelizmente, houve “o holocausto brasileiro”, que vitimou pessoas acometidas por transtornos mentais. Afirma-se que houve sessenta mil mortos, e mais, vendiam-se os cadáveres para várias faculdades no Brasil. Assim sendo, desejamos contribuir com essa temática dirigindo-nos principalmente aos acadêmicos de Enfermagem e profissionais da saúde, para que possibilitem o respeito e fomentem a valorização da dignidade dos pacientes mentais. Palavras-chave:história da loucura, holocausto brasileiro, acadêmicos de Enfermagem, saúde mental. Abstract The theme in question aims to know the perception of nursing students of a private university in Rio de Janeiro, as they understand the history of madness and psychiatry. Based on this discussion, it is necessary to understand the phenomena that occur with the subjects suffering from mental disorders, their life history, clinical manifestations, and family history of the present illness. We have seen that the social, mental disorders can ignore the issues. In this sense, the history of madness, went through many moments of contradictions, according to the historical moment, culture and the question presented by madness, there were societies that had mad as a god, others understood these as lazy bum and that they did not want to work. We understand that the issue of extreme importance for the understanding of 1 Acadêmica do oitavo período no curso de Enfermagem da Universidade Veiga de Almeida [email protected] 2 Doutoranda e Especialista em Saúde Pública pela UCES, Mestre em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis, pós-graduada em Ética Filosófica pela Faculdade São Bentos e graduada em Enfermagem pela UGF. Professora da Universidade Veiga de Almeida - [email protected] Janeiro/Junho de 2016 – pág.37 Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida ISSN: 14148846 nursing students, health professionals, family/patient and civil society. We believe that from the reflection we can understand how and why the civil society continues with the same myths regarding the Fool and the Madness. In our country, unfortunately, there was “The Holocaust Brazilian states”, that there were 60.000 dead, and more, sold the corpses for several schools in Brazil. Therefore, we wish to contribute to this issue primarily for nursing students and health professionals, enable respect and dignity of mental patients. Keywords: Madness, culture, history, Nursery students, mental health. Introdução A loucura, desde os primórdios, foi encarada de diversas formas. Sua interpretação popular mais antiga remete-se a uma característica místico-mágica, uma vez que se acreditava que o louco seria um possuído pelo diabo. Nesse sentido, a loucura não era encarada como doença médica, mas sim como algo mágico. Nos idos do ano 1484, apresentou-se como algo de caráter sagrado. O “Martelo das Bruxas” ou o “Martelo das Feiticeiras”, editado como Malleus Maleficarum, era uma espécie de manual ou tratado dedicado à identificação de bruxas e casos de possessão demoníaca, inquisidores também auxiliavam nos procedimentos. Na metade do século XV, o tema da morte fora frequente, tendo dominado a existência do homem e seus pensamentos, através de interrogações sobre o fim do homem e o fim dos tempos, aos quais se uniam as devastadoras ações das pestes e das guerras. Ressalta-se que, com o passar do tempo, o tema da morte viria a ser substituído pelo tema da loucura, o que não marcou uma ruptura, mas um novo questionamento. As manifestações dessa nova mentalidade podem-se ver em Copérnico, Kepler e Galileu. A partir disso, despontam novas relações do homem com o universo, ao deixaro homemde ser o centro universal para assumir o papel de mero pó na máquina cósmica infinita. A história da humanidade esteve rodeada de crenças, hábitos eestereótipos, contudo, deveriamconsiderar-se as necessidades de um cuidadodigno, qualificado e humanizado da pessoa humana.Fazem-se assim necessárias, qual condição sine qua non, a compreensão e a precisa visualizaçãoda doença mental, que levariam a uma atitude de compaixão no tratar o ser humano doente mental, com respeito e ética, fatores importantíssimos tanto para os pacientes, quanto para familiares e toda a sociedade. Janeiro/Junho de 2016 – pág.38 Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida ISSN: 14148846 2. Mudanças acerca da loucura e da Psiquiatria Hipócrates (400-377 a.C.) já reconhecera processos orgânicos na gênese da loucura, o que levaria a mesma a desvincular-se do caráter sagrado, divino, inaugurando-se com ele a teoria organicista. O médico grego Asclepíades de Bitínia (124-40 a.C.) e o aristocrata romano Aulus Celsus (25 a.C.-50 d.C.) ratificariam a posição e o pensamento hipocrático. No início, a hospitalização de indivíduos considerados loucos pela sociedade não possuía um caráter nem função médica, mas sim o intuito de retirar do convívio social os “loucos”, excluídos, com o objetivo de manter e preservar a ordem social. Os hospícios tiveram sua origem pouco antes da Renascença, por parte da Igreja Católica, que durante a Idade Média os perseguia e agora os abrigava. “Hospício” vem de hospitium, que significa local de hospitalidade, hospedagem, hotel, pensão de alienados mentais. A primeira dessas instituições seria criada em Valência, na atual Espanha, em 1409, pelo frei Juan Gilbert Jofré, com a aprovação do rei Martín. Somente quando as doenças passaram a ser reconhecidas e diagnosticadas com mais precisão, houve mudanças no panorama apresentado. Surgiu, então, Philippe Pinel, conhecido como o primeiro membro na área de medicina psiquiátrica a praticar um cuidado humanizado no tratamento dos doentes mentais, enquanto era superintendente do asilo Bicêtre em Paris. Para ele,os seres humanos que sofriam de perturbações mentais eram doentes e, ao contrário do que acontecia na época, deveriam ser tratados como doentes e não de forma violenta. Pinel promoveu uma revolução em Bicêtre, hospital usado como asilo, prisão e orfanato para doentes mentais, desacorrentando os loucos que lá se encontravam e os transferindo para manicômios. É de suma importância, a propósito,esclarecer as questões que tiveram lugar em Barbacena – MG, no que ficou conhecido como o holocausto brasileiro.Tratou-se de um verdadeiro campo de concentração em pleno Brasil. Daniela Arbex traz à luz, no livro “O Holocausto Brasileiro”, as histórias macabras, a barbárie e a Janeiro/Junho de 2016 – pág.39 Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida ISSN: 14148846 desumanidadepraticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido como Colônia, na cidade mineira de Barbacena, em que teriam sido mortos sessenta mil pacientes. O holocausto foi um momento da história do Brasil. Havia, por um lado, os “loucos” e, por outro, pessoas que os podiam raptar, levando-os para o grande hospício, e mais,era possível lucrar com os “loucos”. Como eram mantidos presos, sem alimentação adequada, sem condições sanitáriasnem assistência de saúde, o destino de todos seria a morte, que viria mais rapidamente com a disseminação de doenças venéreas e outras.Quando finalmente morriam, os donos do hospício ainda ganhavam dinheiro com seus cadáveres. Eramvendidos às faculdades de Medicina do país, que chegavam a pagar cerca de 50 cruzeiros (600 mil reais) pelas peças, como eram chamados os corpos.Só entre 1969 e 1980, 1853 corpos de pacientes foram vendidos para dezessete faculdades de Medicina do país, sem que ninguém o questionasse. Com o passar do tempo, o mercado foi deixando de consumir tantas “peças”, mas o lucro deveria continuar. Para “resolver” essa questão,funcionários começaram a decompor os corpos dos mortos e a comercializar as ossadas. A partir de 1979, esses fatos horripilantes começaram a perder a intensidade com a reforma psiquiátrica ganhando fôlego no Brasil e em Barbacena, no estado de Minas Gerais. Hoje, a Psiquiatria é uma especialidade médica que lida com a prevenção, atendimento, diagnóstico, tratamento e reabilitação das diferentes formas de sofrimentos mentais, sejam eles de cunho orgânico ou funcional, com manifestações psicológicas severas; semprecom o objetivo de ajudar o doente mental, estudandoas causas biológicas, genéticas, sociais e psicológicas do seu adoecer, e entendendo que cada um possui sua individualidade. 3. Metodologia Esta é uma pesquisa qualitativa, que propõe análise de dados oriundos da história da loucura e psiquiatria desde o início da humanidade, de acordo com a Janeiro/Junho de 2016 – pág.40 Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida ISSN: 14148846 abordagem de determinados autores (pertinentes ao tema), sem impedir que o pesquisador empregue a lógica do Empirismo. Foram analisadas bibliografias de diferentes épocas, desde 1999 até 2014. Dessa forma, foi possível acompanhar também a evolução do tema com o passar dos anos. Esta evolução, na discussão acerca da loucura, fica igualmente evidenciada no modo em que o tema foi apresentado e tratado, em cada literatura abordada para o presente projeto. Com o apoio da autora Minayo, faremos algumas considerações sobre as características de pesquisas afins àquela que nos propomos realizar, a saber, a de modalidade qualitativa, que responde a questões muito particulares. Tal investigação se debruça, na área das Ciências Sociais, sobre um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, um universo de significados,motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (MINAYO, 2002, p. 21-22). O processo começa com o que denominamos fase exploratória da pesquisa, ou seja, o tempo dedicado a interrogarmos preliminarmente sobre o objeto, sobre seus pressupostos, as teorias pertinentes ao caso, a metodologia mais apropriada e as questões operacionais para levar a cabo o trabalho de campo. Seu foco fundamental é a construção do projeto de investigação (MINAYO,2002, p.26). Em seguida, tem-se a pesquisa descritiva. Seria muita ingenuidade pensar que, em uma época de tão aceleradas mudanças, o mundo universitário e das instituições de pesquisa pudesse permanecer intocado. O que vem acontecendo, porém, é mais paradoxal: a mudança fundamental aceleradora do desenvolvimento em nossos dias dá-se exatamente no campo da ciência tecnológica, cuja dinâmica movimenta as inovações nos mercados de capital, trabalho, bens e serviço (MINAYO,2002,p.21). Iniciou-se a pesquisa em dezembro de 2013 e terminou-se em 2014. Foi apresentado o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aos acadêmicos de Enfermagem que participaram da pesquisa,tendo-se utilizado pseudônimos para preservar o sigilo e o anonimato dos participantes. Aqueles que o desejarem, por alguma razão, poderão retirar-se da pesquisa e terão assegurados seus direitos, tais como o de conhecer o resultado final do estudo, conforme as regras contidas na Resolução 446/12 do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa ora empreendida necessita da Janeiro/Junho de 2016 – pág.41 Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida ISSN: 14148846 autorização do Comitê de Ética da Instituição, será apresentada carta de apresentação do estudo. Durante a pesquisa, cumprir-se-ão todas as regras exigidas em pesquisas com seres humanos. Pretende-se apresentar os resultados no tempo agendado pelos pesquisadores. 4. Discussão e Resultados Preliminares Com a apresentação do tema, fica evidente a importância do conhecimento do acadêmico de enfermagem, acerca da história da loucura e psiquiatria, pois dessa forma é possível entender como e porque surgiram os esteriótipos que hoje são tão isolados, numa família e até mesmo na sociedade. O estudo tem grande e importante relevância para o meio acadêmico, principalmente para os acadêmicos de enfermagem, uma vez que compreender o surgimento e perpetuação da história da loucura e psiquiatria, desde os primórdios até os días atuais, interferem no cuidado prestado ao paciente e sua família e também nos conduzem a uma assistência de enfermagem humanizada, digna e de qualidade. A busca pelo conhecimento, saber e descoberta devem ser initerruptos, para qualquer indivíduo, independente de sua profissão. Para o acadêmico em formação esses fatores são fundamentais, pois são a base para a execução de suas tarefas e funções, sempre baseados em evidências que norteiam a assistência de enfermagem. É possível observar que os acadêmicos de enfermagem compreendem que o cuidado para com o doente mental, deve ter como objetivo a melhora ou controle psiquiátrico e que o caminho para isso não são torturas ou exclusão desses indivíduos da sociedade e convívio,e sim um tratamento adequado com acompanhamento psiquiátrico e medicamentoso. A grande barreira encontrada é desvincular o estereótipo de “maluco ou louco” do doente mental, uma vez que isso está enraizado nas questões culturais da sociedade, da cultura, da religiosidade e da espiritualidade, por assim dizer. Janeiro/Junho de 2016 – pág.42 Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida ISSN: 14148846 5. Considerações finais A partir da análise de bibliografias, é possível entender que a história da loucura está presente desde os primórdios da humanidade, pois era a própria sociedade que estipulava padrões a serem seguidos e aqueles que fugissem a esse contexto sofriam de alguma forma. A loucura passou por diversas definições, teve diferentes caracterizações de acordo com a época, mas o que chama a atenção é o fato de os doentes mentais terem sido tratados de forma bruta, desumana e indigna por muitos séculos. Hoje, podemos observar que a repulsa de parte da sociedade ainda vive escondida, porém já se reconhece o processo orgânico na gênese da loucura, completamente desvinculada da visão medieval místico-sagrada. A Psiquiatria é reconhecida como uma especialidade médica capaz de auxiliar o doente e sua família, atuando de forma incisiva na descoberta de causas e tratamentos. A Enfermagem tem papel fundamental, tanto com o acometido quanto com sua família, pois é função do enfermeiro, além de realizar ações assistenciais, como o cuidado, procurar a educação da família acerca de como agir com o doente mental para proporcionar-lhe o melhor ambiente possível, auxiliando também o entendimento dos parentes sobre a doença e as limitações do seu familiar. O enfermeiro tem acesso ao doente e à família, portanto sua ação deve ser voltada para o bem-estar de ambas as partes. Tal cuidado não se restringe, porém, somente àfamília, deve, antes, ser uma ação integrativa, de cuidado multidisciplinar, visando à humanização e à qualidade da assistência. Janeiro/Junho de 2016 – pág.43 Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida ISSN: 14148846 Referências AMARANTE, P.; TORRE, E. H. G. Michel Foucault e a "História da Loucura": 50 anos transformando a história da psiquiatria. In: Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, 2012, V. 3, n. 6, pp. 41-64. ARBEX, D.Holocausto brasileiro: genocídio: 60 mil mortos no Maior Hospício do Brasil. 9ª ed.São Paulo: Geração Editorial, 2014. BRASIL. Resolução nº 466/12, de 12 de dezembro de 2012. Brasília –DF. CHENIAUX, E. Manual de Psicopatologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2005. BRASIL. EDUCA SAÚDE. A história da loucura e os movimentos sociais. 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