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1 Página 108 No caso da Europa, a partir da Reforma, a
1 Página 108 No caso da Europa, a partir da Reforma, a fragmentação da autoridade religiosa e política tornou impossível o controle total pelos governos da impressão gráfica, que tinha por trás de si um forte interesse econômico. Esse interesse tornou-se ainda maior e aparentemente irreversível e irresistível nos séculos XIX e XX, quando os impressos se tornaram uma entre tantas tecnologias de mídia verbais e visuais dirigidas por novas formas de poder finalmente convergindo para uma estrutura global. Entretanto essa história não é linear, como sugerimos no início deste capítulo: ela progrediu em ziguezague. Movimentou-se de uma região da Europa para outra, muitas vezes dando um passo atrás depois de dois à frente; deve ser traçada no contexto de uma mudança geográfica global. A palavra "descobrimento" começou a ser usada quando os oceanos do mundo foram abertos. Apesar disso, do ponto de vista da mídia, ainda não víamos "um único mundo". O islã, como observamos, resistiu bastante à impressão gráfica. Somente após 1800 se juntaram a imprensa e os movimentos políticos revolucionários no Oriente Médio. Página 109 - C omé r c i o , i n d ú s t r i a e c o mu n i c a ç ã o A tecnologia nunca pode ser separada da economia, e o conceito de revolução industrial precedeu o de revolução da comunicação — longa, contínua e eterna. O segundo conceito, claramente formulado apenas no fim do século XX, já tinha começado a tomar forma no século XIX. Seguindo o que Charles Knight (1791-1873), pioneiro do livro barato e da imprensa popular, chamou de uma "vitória sobre o tempo e o espaço", o tempo (e distância) foi redefinido sob a influência, primeiro, da ferrovia e do primeiro barco a vapor; e depois, de um conjunto de novos meios de comunicação — telégrafo, rádio, fotografia e cinema. Mesmo antes da ferrovia, as pessoas da época já comparavam os revolucionários franceses Danton e Robespierre com James Watt (1736-1819), Antes que tivesse início a "seqüência industrial", mais tarde chamada de "industrialização", que resultou na tecnologia baseada na ciência, as primeiras invenções tecnológicas eram aclamadas com orgulho, mas poucas vezes sem controvérsia. "Energia", acreditava ele, "é o que o mundo todo quer." Página 111 Antes da década de 1760, o número de patentes pedidas durante um ano na Grã-Bretanha raramente ultrapassava uma dúzia: em 1769, o número foi de 36; e em 1783, quando terminou a Guerra de Independência dos Estados Unidos, chegou a 64. Muitas dessas patentes relacionavam-se à comunicação orientada para o poder. No entanto, foi lá que, em 1848, um escritor famoso, ao considerar o ano de 1789, perguntou: "Que descoberta especulativa da mente tinha exercido tanta influência quanto a da máquina a vapor?" Isso aconteceu em um ano no qual tinham acontecido diversas revoluções políticas na França e em outros países europeus ... página 113 E o "futuro" significou tanto para os inventores britânicos e homens de negócios — apoiados não somente por versificadores, mas também por grandes poetas — quanto para os revolucionários franceses. Na verdade, foi na França que o termo "revolução industrial" foi cunhado, em 1827, por um economista político, Adolphe Blanqui. Página 114 O médico Erasmus Darwin era membro da Sociedade Lunar, um conjunto de amigos do oeste de Midlands, formalmente constituída como sociedade em 1780. Boulton e Watt faziam parte 2 dela. Os integrantes tinham consciência de que estavam distantes de Londres, embora o tempo gasto para chegar lá nas chamadas "carruagens voadoras" houvesse diminuído drasticamente (com tempo bom) depois da construção de auto-estradas. A milhagem dos membros da sociedade aumentou cinco vezes entre 1750 e 1790. Página 115 ... aqueles para quem as portas harmoniosas /Da Ciência têm margens celestiais ilimitadas, /Para quem uma energia vibrante concedeu /Aquele outro olho que dispara pela terra e pelo céu /Sob essa perspectiva, a ciência e a tecnologia eram uma coisa só. (poema de Wordsworth) Na realidade, a relação entre ambas era complicada. Nenhuma das duas palavras — "ciência" e "tecnologia" — havia sido inventada. "Cientista" era um termo novo em 1840, enquanto "tecnologia" foi cunhada somente em francês na Enciclopédia, e ainda não era usada na GrãBretanha. No entanto, a palavra "invenção", precedida por "descobrimento", fazia parte do vocabulário usual do fim do século XVIII, juntamente com "desenvolvimento". Sua ligação freqüentemente era com "jogo", e não com "objetivo" — a palavra "brinquedo", usada antes na França do que na Grã-Bretanha, fazia parte do mesmo vocabulário. O desejo de novidade pode ter fomentado as invenções, assim como o que passou a ser chamado de "necessidade econômica". Uma das locomotivas que integraram os protótipos de trens a vapor de 1829 — vencida pela "Foguete", de George Stephenson, palavra com futuro no século XX — foi denominada "Novidade", vocábulo ainda favorito no século XIX. Uma das figuras ilustres daquele século, Karl Marx (1818-83), viu a invenção do motor a vapor como o grande marco da história humana, separando o passado do presente e descortinando um futuro revolucionário. No Manifesto comunista de 1848 ele se alongou de maneira eloqüente sobre as "maravilhas conseguidas pela industrialização", mas previu que a revolução viria não por meio da tecnologia, mas sim da luta de classes entre capitalistas — que possuíam as máquinas a vapor e a maquinaria — e o proletariado — que trabalhava para os industriais e por eles era explorado. Nos seus diários Gründrisse, escritos em meados da década de 1840, listou as principais mudanças industriais desde a Revolução Francesa e explicou que "a natureza não constrói máquinas, nem locomotivas, estradas de ferro, telégrafos elétricos etc. Eles são produtos da indústria humana: matéria natural transformada em instrumentos da vontade humana". A referência de Marx ao "telégrafo elétrico" salientou a primeira invenção elétrica que daria início ao processo de transformação do que veio a ser chamado de "mídia" (Figura 14). No entanto, ainda mantinha seu foco sobre o vapor e a relação entre o vapor e a impressão gráfica quando perguntou: "O que se torna a Fama, o boato, a notoriedade, quando a Printing House Square, sede do jornal londrino The Times, difunde notícias no exterior e em casa?" página 117 Porém, tanto Marx como seu amigo e associado Friedrich Engels (1820-95), que viveu a maior parte de sua vida na cidade industrial de Manchester, consideravam importante o poder da mídia impressa e escreviam para jornais, entre eles o The New York Tribune — uma ironia, se olharmos a história do nosso ponto de vista. Eram ambos fervorosos comunicadores. Além de cartas de um para o outro que preenchem vários volumes, escreveram panfletos e livros, desde o Manifesto comunista até O Capital, um clássico da economia política. Os marxistas fizeram uma distinção entre infra-estrutura econômica e superestrutura cultural, sendo que o marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), que tinha especial interesse na mídia, contribuiu sobremaneira para o debate a respeito do assunto no século XX, introduzindo a palavra "hegemonia", que, no futuro, iria influenciar a maior parte dos comentadores da mídia. Ao lidar com a infra-estrutura, todos eles acentuaram a distância existente entre empregadores e 3 empregados, e não previram um aumento geral da riqueza material ou o surgimento da mídia de massa, particularmente da televisão, que, mais do que qualquer outra, moldaria a superestrutura cultural do futuro. Além de fornecer informação, a mídia estava envolvida em um processo de persuasão. Em sua época, Engels retirava sua renda da infra-estrutura, e Marx, trabalhando na magnífica Sala de Leitura do Museu Britânico, da superestrutura (e de Engels). Página 120 Tecnologia foi uma palavra introduzida nos Estados Unidos em 1828 — ao mesmo tempo que o termo "revolução industrial" estava sendo empregado pela primeira vez na França. Em 1832, o matemático e economista político britânico Charles Babbage (1792-1871) publicou On the Economy of Machinery and Manufactures e saudou o fato de que "o trabalho de uma centena de artífices agora é feito pelas operações de uma única máquina". Babbage, que tinha familiaridade com o que acontecia na Printing House Square, inventou um computador mecânico, que descreveu como uma "máquina". Sinal dos tempos, ele não conseguiu apoio financeiro do governo. Ela foi exposta em uma galeria de instrumentos científicos no King's College, em Strand, em 1843. Enquanto isso surgiram indícios de que os Estados Unidos — que antes de 1848 não possuíam uma academia ou instituição comparável à Sociedade de Artes — iriam sobressair no futuro como "república da tecnologia", não somente satisfazendo necessidades humanas, mas até mesmo inventando algumas. O processo atingiria um impulso contínuo e irreversível, apesar de, após 1848, acontecerem altas e baixas repentinas na economia em escala internacional; tais movimentos, identificados como ciclos comerciais, eram considerados por marxistas e não- marxistas uma característica do capitalismo. Alguns economistas, sobretudo Nikolai Kondratieff, também entraram em "ondas longas", uma associada à eletricidade e outra, um século depois, à Internet (ver p.284). página 120-121 A geopolítica (que é a geografia do poder do Estado), a ciência e a economia sempre influenciaram o modo de desenvolvimento da tecnologia da mídia: era objeto de disputa que país ou indivíduo seria responsável por uma invenção; no século XX, o fato de o Sputnik soviético (1957) — "co-viajante" — preceder o norte-americano Telstar (1962) teve importante significado. A cooperação espacial só aconteceu depois do colapso da União Soviética. O esquecimento histórico fica reservado para determinadas invenções, rejeitadas por não levarem a resultados econômicos — não importando sua origem ou a de seus inventores. Porém, quando ocorria o oposto e uma invenção produzia efeito, havia uma mudança de perspectivas históricas. Somente hoje, no estágio atual da história da mídia, nas primeiras fases da "idade da Rede", que não é uma metáfora nova, pode-se ver claramente como seqüências diferentes de desenvolvimentos na comunicação têm se relacionado entre si em culturas diversas. Por prever o futuro — e sonhar com ele —, mito e ciência freqüentemente são invocados: Ícaro, que tentou voar, aparece tanto quanto Prometeu, que roubou o fogo. Marx falava de Vulcano, o alimentador de fornalhas. Página 121-122 Haveria uma seqüência de exposições nos séculos XIX e XX, sempre alardeando os novos dispositivos de comunicação amplamente divulgados na imprensa. Muitas exposições tinham caráter internacional, assim como as idéias por trás delas. A influência de Spencer nos Estados Unidos, onde ocorreu a grande Exposição do Centenário, em 1876, foi maior do que na GrãBretanha. No entanto Spencer não tratou em detalhes do mundo da mídia ou do trabalho, o qual se modificou tanto quanto o mundo das coisas no século XIX, por meio da urbanização e da industrialização. Quando grandes números de rabalhadores passaram a ficar concentrados sob o teto de uma fábrica, desenvolveram-se novas formas de comunicação coletiva, semelhante ao que aconteceu quando muitas pessoas que não se conheciam antes foram 4 habitar em novos e imensos centros industriais — sendo Manchester, uma cidade assustadora, o primeiro exemplo desses centros. Pela massa de gente, pode-se dizer que inteligência e energia estavam se comunicando aos socialmente carentes. Para um conhecido observador inglês escrevendo em 1823, antes que a palavra "socialismo" houvesse sido cunhada, "os trabalhadores, colocados juntos em grande número, tiveram suas habilidades refinadas e melhoradas pela comunicação constante". Os líderes que surgiram em suas fileiras, falando mais de "sindicato" do que de competição, conduziam um "movimento", metáfora derivada do transporte. Outra metáfora, "via expressa", seria recriada na década de 1990 e aplicada à "revolução eletrônica" (ver p.267). Página 122 A despeito da língua e das grandes diferenças entre Le Bon e Tarde, pois o segundo tinha plena consciência da importância da mídia, e a despeito do espaço de tempo curto ou longo, para a tradução, a idéia de uma "sociedade de massa" já se tornava comum na linguagem de 1914, sobretudo nos países da Europa continental. Essa idéia foi complementada em um contexto cultural no século XX pelas expressões "elites" e "sociedade de massa". James Bryce escreveu sobre política (e sobre o que veio a ser chamado de "meios de comunicação de massa"). Afirmou ele em 1900 que "a ação e reação mútua dos formadores de opinião sobre a massa e da massa sobre eles" foram "a parte mais curiosa de todo o processo pelo qual é produzida a formação de opinião". Página 124 Na época em que Veblen escreveu, depois de duas ou três gerações de industrialização, o ritmo da vida se intensificara ainda mais do que o previsto por Knight. Antes da eletricidade havia se imposto um sentido de rotina à atividade econômica. Os sistemas de fábricas e de transporte ferroviário haviam trazido novo significado à disciplina, bem como ao tempo. As estações valiam menos nas cidades e metrópoles, pois o dia de trabalho era anunciado por mil apitos, e não por sinos de igrejas: E na hora determinada ouve-se uma campainha De importância mais estridente que o dobrar de sinos Chamadas locais para a incessante labuta. Página 125 Shockley nada mencionou sobre eletricidade, nem qualquer coisa que se relacionasse à mídia, embora em 1925 tivesse construído um aparelho de cristal para ouvir rádio. Em 1956, porém, depois que foi para o Instituto de Tecnologia da Califórnia, onde estudou mecânica quântica, ele dividiria um prêmio Nobel de Física. Quando a miniaturização de circuitos elétricos estava começando a transformar todos os aspectos tecnológicos, ele não estava sozinho ao prever um novo avanço social e técnico radical. Todavia, a demanda por transistores ainda engatinhava e só aumentou acentuadamente após o advento do circuito integrado (ver p.275). Os primeiros consumidores estavam interessados em pequenos rádios portáteis, e foram estes, e não os dispositivos eletrônicos que continham, que receberam o nome de transistores.