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DOI: 10.4025/4cih.pphuem.203
DO LIMBO AO CÉU – A TRAJETÓRIA DOS IMIGRANTES JAPONESES NO
PARANÁ
Rosangela Kimura
Integrante do grupo de estudos sobre “Movimentos Autoritários no Século XX”, Laboratório do
Tempo Presente, UEM e do Laboratório de Arqueologia da Universidade Estadual de Maringá
(LAEE-UEM) – linha de pesquisa: “Minorias étnicas e Etno-nacionalismos”, coordenadora do
Memorial Kimura.
Introdução:
Durante todo o ano de 2008 o Brasil se imbuiu de “niponicidades”, os meios de
comunicação produziram reportagens, documentários e em quase todas as regiões houve
festas, inauguraram praças, monumentos, placas alusivas ao centenário da imigração japonesa
para o Brasil. Contudo, ainda pouco se sabe sobre as muitas facetas da trajetória dos japoneses
em terras brasileiras, principalmente, porque todas as regiões brasileiras que receberam esses
trabalhadores guardam suas especificidades.
Este artigo é resultante de um balanço de nosso trabalho de mestrado sobre as políticas
restritivas aos japoneses no Paraná, nas décadas de 1930-50 e que procura levar a uma
reflexão sobre as idiossincrasias de cada agrupamento de imigrantes, contrariando uma certa
homogeneização que foi sugerida pelos meios de comunicação, na ocasião dos festejos do
centenário da imigração, sobre a trajetória dos japoneses no Brasil.
A introdução de japoneses no Brasil não ocorreu de forma idêntica. São Paulo, um
estado muito necessitado de braços para as lavouras, principalmente, de café, era favorável a
entrada de imigrantes que pudessem suprir a carência de mão-de-obra, depois que os italianos
foram proibidos por seu governo de virem para o Brasil. No Paraná a questão imigratória
remetia a uma discussão do século XIX que relacionava imigração estrangeira e colonização.
Sua “necessidade” era de trabalhadores morigerados que pudessem promover a colonização
da áreas consideradas vazias, ensinar novas técnicas e, ainda, contribuir, através de
caldeamento, para a melhoria genética dos nativos.
Entretanto, apesar da preferência ao trabalhador europeu e da forte resistência aos
japoneses, explicitada desde as primeiras discussões sobre a possibilidade de se trazer mãode-obra amarela ao Brasil, no final do século XIX, a introdução de japoneses no Paraná teve
início em 1916, no litoral, para onde foram levados para formar colônias e trabalhar na
colheita de bananas. (SETO e UYEDA, 2002, p.96).
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Diferentemente de São Paulo, onde os imigrantes nipônicos foram levados para o
trabalho nas lavouras de café. O Paraná, desde 1920, já começara a ser sondado como local
para abrigar projetos colonizadores. Em 1924, Ryu Mizuno, um dos responsáveis pela
emigração de japoneses para o Brasil, instalou-se em Curitiba, com o intuito de criar uma
colônia no Paraná e, a pedido do interventor Manoel Ribas, deu início a um projeto em terras
pontagrossenses (próximas ao hoje Parque de Vila Velha) que não obteve sucesso, pois, os
japoneses, ali alocados, preferiram partir para terras paulistas (OGUIDO, 1988, p.58).
Também no norte do estado, os imigrantes nipônicos foram assentados como pequenos
proprietários, através das companhias de colonização, onde é registrada sua presença a partir
de 1914, em Cambará, no chamado Norte Velho e, no final dos anos 20, na região de Cornélio
Procópio, bem como, Assaí (“Sol Nascente”) e Uraí (“Sol Poente”) que foram cidades
colonizadas inteiramente por japoneses, por isso são tidas como exemplos da penetração
nipônica no Paraná (1988, p.51-52).
A cidade de Assaí é um caso típico de colonização empreendida por companhias. Era a
principal vila do núcleo de Três Barras, área de 18.340 alqueires que foi loteada e vendida
pela BRATAC que era a Cooperativa de Colonização do Brasil (Takushoku Kumiai),
representante no Brasil da Confederação das Cooperativas de Emigração (Kaigai Iju-Kumiai
Rengokai). A singularidade do projeto paranaense reside no fato de ter recebido somente
imigrantes antigos e não aqueles trazidos diretamente do Japão como nas experiências de
Bastos e Tietê.
Restrições aos imigrantes japoneses no mundo:
Nossa pesquisa de mestrado trata da situação enfrentada pela comunidade nipônica,
especialmente, do Paraná, durante o conflito mundial e no pós-guerra. Como fontes,
utilizamos a documentação do Departamento de Ordem Pública e Social e das Delegacias
Regionais disponível nos arquivos públicos dos estados, como: o Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro (“Arquivos da Polícia Política”; setor: Japonês), o Arquivo Público do
Estado de São Paulo e, principalmente, o Arquivo Público do Estado do Paraná.
No Arquivo Público do Paraná, o material sobre as ações repressivas aos estrangeiros,
chamados “eixistas”, consta, basicamente, de correspondência entre o Departamento de
Polícia Política e as Delegacias Regionais, além de fichas sobre imigrantes detidos e material
apreendido sob alegação de espionagem. Consultamos as pastas temáticas da Delegacia de
Ordem Política e Social (DOPS), “Consulado do Japão”, “Diligências” e “Documentos
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Antigos”. No entanto, são as pastas das delegacias de polícia regionais, que concentram o
material referente à execução das ações, é que evidenciam a ação do aparato montado para
vigiar e reprimir imigrantes, além da maneira como se estabeleciam as relações entre a
população brasileira e tais estrangeiros.
O material produzido pelas delegacias regionais delineia a situação vivida pelos
japoneses do litoral durante a Segunda Guerra Mundial. Vigiados, acuados, expulsos de suas
propriedades, os imigrantes nipônicos se tornaram prisioneiros de uma guerra não declarada,
afinal, o Brasil só declarou guerra ao Japão no final do conflito e, segundo depoimentos
presentes no livro “AYUMI – Caminhos Percorridos”, um importante estudo sobre os
japoneses do sul do Paraná, muitos dos imigrantes expulsos da orla marítima foram internados
em campos de trabalho, como a Granja do Canguiri (SETO e UYEDA, 2002).
Assim, no primeiro capítulo, tentamos traçar um panorama da situação dos japoneses
em vários países e demonstrar que as restrições a esses imigrantes provinham de variados
medos devido à emergência do Japão como potência econômica. Entre os temores que o Japão
despertava nos países que abrigavam seus emigrantes estavam: a dificuldade de assimilação
desses estrangeiros e a dominação que poderia sobrevir com a multiplicação de seus
descendentes. Todavia, para se entender o problema japonês nos anos 1930 é preciso pensá-lo
em meio ao contexto fascistizante, fortemente influenciado pelas teorias eugenistas do final
do século XIX.
No Brasil, desse período, pretendia-se consolidar o Estado Nacional e, desde 1933, já
havia se iniciado um processo de “nacionalização”, movimento que pretendia “abrasileirar”
política, cultural e economicamente vários aspectos da vida nacional.
Para Tomoo Handa, no entanto, o problema do nacionalismo é bastante complexo,
uma vez que envolve tanto o nacionalismo brasileiro, em discussão naquele momento, devido
a preocupação estadonovista de criar uma identidade nacional, como também, diz respeito ao
nacionalismo japonês que era, por assim dizer, o sustentáculo dos imigrantes.
O memorialista relembra que a lógica do governo brasileiro à época era promover a
unidade nacional, uma vez que, levar o país à modernização, havia introduzido um grande
número de imigrantes estrangeiros e diante da conjuntura internacional da época, de
enaltecimento à consciência racial, temia-se que os descendentes de imigrantes, mesmo com
nacionalidade brasileira, não assumissem o Brasil como pátria. (HANDA, 1987, p.596-597)
As medidas de nacionalização do governo Vargas se iniciaram em princípios da
década de 1930, com o decreto estadual sobre educação de abril de 1933, segundo este, era
proibido o ensino de línguas estrangeiras aos analfabetos em língua portuguesa, menores de
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10 anos. No entanto, somente entre 1938 e 1939 é que o governo resolveu acirrar o controle
sobre as organizações estrangeiras e limitar as atividades educativo-culturais dos imigrantes.
A imputação de medidas drásticas aos imigrantes considerados inimigos da pátria, no
período da Segunda Guerra Mundial, foi parte da consecução desse projeto de nação
homogênea e coesa, o “Estado Novo”, que via a assimilação dos estrangeiros como uma
questão de segurança nacional. Essas medidas causaram a exclusão e policiamento de
diversos grupos de imigrantes, potencialmente subversivos, que poderiam corroborar para a
fragmentação da unidade nacional. Adriano Duarte adverte, no entanto, para a especificidade
do caso japonês:
A singularidade da comunidade nipo-brasileira está na ambigüidade com que foi
vista pelo poder público: como estrangeiros deveriam ser assimilados e desaparecer
em meio à comunidade nacional, mas como diferentes por excelência deveriam ser
mantidos à margem dessa comunidade e, portanto, destinados a uma espécie de
limbo social (1997, p.134).
Contudo, a história da imigração japonesa no Brasil seguiu cercada de ambigüidades,
sempre. Considerados inadequados, por vários setores da sociedade brasileira, como os
intelectuais e a Academia Nacional de Medicina, os trabalhadores nipônicos foram defendidos
por outros, principalmente, os representantes das lavouras cafeeiras paulistas, carentes de
braços, devido ao decréscimo das levas de imigrantes europeus.
A Constituinte de 1934, onde se tentava a aprovação de um regime de cotas de
imigrantes, explicitou a luta entre o projeto de branqueamento, de melhoria da raça nacional,
que se avolumava no Brasil e a necessidade de braços da agricultura cafeeira paulista. O
Paraná também ansiava pela vinda de imigrantes, porém, sua “necessidade” era a escolha do
tipo racial perfeito para ocupar suas chamadas “áreas vazias”. Contudo, assim como São
Paulo, também manteve ambíguas relações com os imigrantes japoneses.
Um dos fatos que nos chamou a atenção desde o período de arrolamento das fontes foi
o teor dos discursos antijaponeses presentes na imprensa curitibana nos primeiros anos do
século XX e que eram extremamente semelhantes aos que, posteriormente, foram propalados
pelos intelectuais Arthur Neiva, Miguel Couto e Félix Pacheco, chamados de “os três heróis
da Campanha Anti-nipônica” que protagonizaram grande parte das discussões sobre
imigração e assimilação dos anos 1930 e que ressoaram na década seguinte.
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Segunda Guerra Mundial: repressão e confinamento:
O segundo capítulo é dedicado à comunidade japonesa no período da Segunda Guerra
Mundial, onde demonstramos que diversos países que abrigavam imigrantes japoneses os
retiraram de áreas consideradas de segurança nacional e os internaram em campos de
confinamento e trabalho. Para mostrar como se configuraram a vigilância aos imigrantes do
Paraná durante o conflito, a expulsão de suas propriedades e o suposto internamento em
campos de trabalho, utilizamos a documentação produzida pelas delegacias regionais do
litoral. Dentre esses documentos constam: mapa de “enquistamento de súditos do Eixo”, autos
de apreensão de objetos pertencentes aos estrangeiros suspeitos de espionagem e sabotagem,
bem como, relatórios sobre bens e atividades profissionais desses imigrantes.
Um fato muito curioso e que nos instigou a prosseguir na hipótese de que a imigração
japonesa do Paraná guardava muitas diferenças foi a referência sobre a expulsão de
estrangeiros das cidades de Antonina e Paranaguá encontrada no livro de Homero Oguido
(1988, p.80).
Através da ordem de evacuação do Departamento de Polícia Política executada pelas
delegacias regionais de Antonina e Paranaguá em 25 de setembro de 1942, todos os
imigrantes “do Eixo”, teriam que deixar, em menos de 24 horas, toda área até 60 km da costa
marítima paranaense.
Ora, remoções de japoneses da faixa litorânea foram muito comuns na época da
Segunda Guerra Mundial, porém, o que mais chamava a atenção foi a anterioridade de uma
ação dessa envergadura promovida pelo Paraná que havia evacuado seus imigrantes do litoral,
antes que São Paulo que abrigava muito mais estrangeiros, potencialmente inimigos, porém,
só os retirou da cidade de Santos em 8 de julho de 1943.
Dentre as variadas hipóteses que poderiam explicar essa antecipação do Paraná nesse
tipo de ação, encontramos a que afirma que o interventor do Paraná simplesmente tentou
imitar as evacuações de japoneses que ocorriam em outras partes do mundo, depois Japão
atacou a base de Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Depois desse ataque, os Estados Unidos
iniciaram, através da “Ordem Executiva n.0 9066” de 19 de fevereiro de 1942, a evacuação e
internamento dos nipo-americanos da costa oeste e do Havaí. O Canadá, a Austrália também
removeram japoneses de suas costas e até países da América Latina expulsaram imigrantes
nipônicos, confiscaram seus bens e os internaram em campos estadunidenses.
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Contudo, o Paraná era um emaranhado de relações, onde se tinha um estado
completamente retalhado por uma política de concessão de terras onde imperavam empresas
nacionais e estrangeiras, que até aquele momento não havia conseguido desempenhar seu
papel de agentes colonizadores. E um interventor, escolhido a dedo por Getúlio Vargas e que,
portanto, sentia-se desobrigado de estabelecer alianças com os ervateiros, que eram a elite
local. Pensamos que Manoel Ribas é a chave para se entender muito do que aconteceu no
Paraná, nesse período.
Ele permaneceu durante treze anos à frente do governo paranaense, ora como
interventor de 1932 a 1934, ora como governador de 1935 a 1937, e outra vez como
interventor de 1937 a 1945 e era extremamente personalista. Estabeleceu relações de
compadrio com muitos imigrantes e com os japoneses tentou criar colônias para a produção
de hortifrutigranjeiros. Acreditamos que tais projetos visavam cumprir o que, segundo Alcir
Lenharo, era uma das metas do Estado Novo, a criação de colônias em áreas consideradas
vazias, para a produção de alimentos para as cidades que começavam a crescer. (1986, p.14)
Nesse emaranhado, Também não se pode esquecer a existência de um projeto de nação
do Estado Novo que tentava definir o tipo de cidadão nacional que se queria e tentava definir
quem eram os imigrantes indesejáveis para o Brasil. Esse projeto excluía os não brancos e
aqueles estrangeiros que teriam, segundo as preocupações da época, tendências ao
enquistamento, ou seja, imigrantes que se aglomeravam e não se misturavam aos nacionais.
Bem, o Paraná, no período da Segunda Guerra, estava coalhado de imigrantes que
representavam perigo, principalmente, alemães.
Enquanto realizávamos a pesquisa, não
tínhamos clareza sobre o motivo que teria levado o Paraná se adiantado em quase todas as
medidas repressoras aos estrangeiros, principalmente, aquela que retirou todos os imigrantes
“do Eixo” de sua costa. No entanto, hoje, acreditamos que a antecipação em tomar medidas
contra os estrangeiros, esteja relacionada ao temor aos “perigos”, principalmente, o “perigo
alemão”.
O alemão é um caso mais ambíguo do que o japonês. Pois, considerado, desde as
primeiras discussões sobre o tipo de imigrante ideal para o Paraná, como aquele capaz de
promover a colonização e ensinar técnicas de cultivo ao trabalhador nacional, poderia, ainda,
realizar o melhoramento genético da raça brasileira, através do caldeamento. Contudo, por
diversos motivos, representavam o perigo, seja pelo expansionismo germânico, seja pela
tendência dos alemães de se enquistarem.
Quanto ao japonês, acreditamos que a decisão de retirá-los do litoral, tenha muitos
componentes. Os nipônicos foram, desde o início do século XX, alvos de uma intensa
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campanha em Curitiba, contra a sua entrada no Paraná, porém, entraram em projetos de
colonização, no litoral.
Com a declaração de guerra à Alemanha, Manoel Ribas, retirou todos os imigrantes
“eixistas” da faixa litorânea e internou muitos japoneses em campos de trabalho. Acreditamos
que Manoel Ribas tenha vislumbrado com essa internação, tanto o cumprimento de uma ação
em voga naquele momento, que era o confinamento de japoneses, como inimigos de guerra,
em vários países, como, também, a possibilidade de conseguir mão-de-obra especializada e de
graça, para as colônias que ele vinha tentando formar.
Por isso, olhar para a questão japonesa no Paraná, no período da guerra, implica em
olhar para uma constelação de forças, em jogo. Existia um projeto nacional que se desenhava
e que elegia e excluía certas etnias, havia uma teia de relações já estabelecidas entre o
governo e os imigrantes e se precisava conviver com a atuação das companhias colonizadoras
que agiam livremente e introduziam, no estado, muitos daqueles estrangeiros que
representavam “perigo” para a nação.
Assim, a expulsão dos japoneses do litoral do Paraná não pode ser vista apenas como
uma operação militar que pretendia retirar inimigos de guerra. Ela precisa ser considerada
tanto diante do antiniponismo do início do século XX, quando houve uma intensa campanha
em Curitiba contra a entrada de trabalhadores dessa etnia no Brasil, quanto no contexto
antiniponismo vigente no regime do Estado Novo (1937-1945) e nos dois períodos, a
preocupação era a definição de um tipo de imigrante ideal para promover o povoamento, que
pudesse contribuir, geneticamente, para a melhoria da raça brasileira e, ainda, promover a
produção em grande escala. E não se pode esquecer que, simultaneamente, à retirada dos
nipônicos do litoral paranaense, a despeito de toda a preocupação estadonovista, milhares de
outros japoneses, provenientes de São Paulo, entravam no norte do estado, através da atuação
de companhias colonizadoras, como proprietários, para ocupar as chamadas “áreas vazias”.
Pós-guerra: direitos aos japoneses do Brasil
A entrada de japoneses, em profusão, no norte do Paraná, ao mesmo tempo em que
ocorria a expulsão de imigrantes nipônicos estabelecidos, desde o início do século XX, no
litoral, era um fato que merecia atenção e foi o mote para as investigações que levaram ao
nosso terceiro capítulo.
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Quando iniciamos a pesquisa nas pastas das delegacias regionais do norte do Paraná, a
presença de muitos documentos sobre a organização Shindô Renmei nos levou a uma
investigação mais acurada sobre esta organização no Paraná.
A Shindô Renmei foi uma sociedade japonesa criada em meados da década de 1940 e
que ficou conhecida através da mídia, nos últimos anos, como a protagonista de uma “guerra
fratricida” que cindiu a colônia entre os imigrantes que acreditavam que o Japão havia
vencido a Segunda Guerra Mundial (“kachigumi” ou vitoristas) e aqueles que aceitavam a
derrota (“makegumi” ou derrotistas).
No entanto, um balanço da literatura produzida sobre o movimento e um olhar mais
cuidadoso sobre o fenômeno revelam que a Shindô Renmei foi, ao longo do tempo,
transmutando-se, criada como associação que tinha como finalidade cultivar o espírito
nipônico (Yamato Damashii) e manter a cultura japonesa, ela sofreu, durante a guerra, um
processo de radicalização. Seus membros, se não em sua totalidade, ao menos uma parte,
envolveram-se em atos de sabotagem e foram presos por destruírem plantações de hortelã e
criações de bicho-da-seda. Essas ações eram promovidas por Organizações Clandestinas que
acreditavam que produtos como o mentol e o fio de seda eram exportados para os Estados
Unidos e seriam, portanto, utilizados pelos “Aliados” no “esforço de guerra” contra o Japão.
Isso faria dos japoneses que se dedicavam a essas culturas, segundo essas organizações:
“traidores da pátria”. (DEZEM, 2000. p.48-50)
No pós-guerra, a entidade protagonizou o conflito que teria cindido a colônia em duas
facções opostas. E, diante da proporção que tomou o combate intragrupal e da violência e
arbitrariedades com que foi conduzido o processo judicial contra os imigrantes indiciados, a
Shindô Renmei teria se transformado numa espécie de movimento pelos direitos dos
“japoneses do Brasil”.
E é nesse sentido que tentamos perscrutar, em nosso terceiro capítulo, contrapondo as
variadas explicações sobre a emergência do movimento com a hipótese que Claudio Seto nos
apresentou, como seria a organização Shindô Renmei do Paraná.
Seto era neto de um dos líderes da organização em Guaiçara (interior de São Paulo), e
em dois longos depoimentos que nos concedeu nos dias 10 e 12 de janeiro de 2006, ele falou
da ligação de seu avô com a organização, das reuniões que aconteciam na fábrica de saquê
pertencente a sua família e relembrou uma série de fatos referentes à Shindô Renmei, numa
inusitada análise do movimento como a eclosão de variadas tensões provenientes, sobretudo,
dos conflitos de classes entre os japoneses que foram transplantados do Japão.
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Por intermédio da análise dos documentos produzidos ou apreendidos pela polícia e
dos depoimentos de filiados da entidade, procuramos elucidar as possíveis especificidades da
Shindô Renmei “paranaense” e acreditamos que a organização tenha se transmutado em uma
entidade, se não totalmente pacífica, como se defendiam os indiciados no processo, no Paraná,
ao menos, numa organização que tentava lutar pelos direitos daqueles que se nomeavam: “os
japoneses do Brasil”.
Apesar de nosso estudo tratar de um tema regional, referente a um pequeno grupo, de
uma determinada etnia, nossa intenção foi visualizá-lo num contexto político mais amplo,
uma vez que, restrições à entrada de japoneses foram comuns nos países que recebiam
imigrantes. E a retirada de nipônicos de áreas consideradas de segurança nacional, foram uma
prática, no período da Segunda Guerra Mundial.
Esperamos que nosso estudo contribua para chamar a atenção para as peculiaridades
de cada agrupamento de imigrantes, bem como, a maneira como cada qual recebeu e
processou toda a situação vivenciada durante a Segunda Guerra Mundial, para que possamos
elucidar as múltiplas trajetórias dos “japoneses do Brasil” que, apesar de seus dias no limbo,
ao chegarem em seu centenário de imigração, foram brindados com uma festa que, como se
orgulham os nipo-descendentes, nenhum outro agrupamento de outra etnia, ganhou no Brasil.
Nota
*KIMURA, Rosangela. “Políticas Restritivas aos Japoneses no Estado do Paraná: 1930-1950 (de cores
proibidas ao perigo amarelo)”. Dissertação de Mestrado em História defendida em 21 de agosto de 2006, junto
ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá.
BIBLIOGRAFIA:
DEZEM, Rogério. Shindô-Renmei: Terrorismo e Repressão – Módulo III – Japoneses. São
Paulo. Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2000.
DUARTE, Adriano Luiz. A Criação do Estranhamento e a Construção do Espaço Público
– os japoneses no Estado Novo. Rio de Janeiro: Acervo, v.10, n° 2, jul/dez 1997. pp.129146.
HANDA, Tomoo. O imigrante japonês: história de sua vida no Brasil. São Paulo: Centro
de Estudos Nipo-brasileiros, 1987.
LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas: Papirus, 1986.
OGUIDO, Homero. De imigrantes a pioneiros – A saga dos japoneses no Paraná. Curitiba:
1988.

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