Um livro antológico de quadrinhos
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Um livro antológico de quadrinhos
Um livro antológico de quadrinhos Por Marko Ajdarić A editora Conrad parece decidida a oferecer aos brasileiros algumas pérolas em quadrinhos. Desta vez, com uma obra de um quadrinhista espanhol assumidamente engajado. Esperamos, nesta resenha, conseguir esboçar por que 'Modotti', de Ángel de la Calle, é um dos melhores presentes que se possa dar a um intelectual, a um leitor maduro, ou a um amante das artes neste final de ano, no Brasil. Não apenas pela escolha da biografada. 'Boas escolhas' não bastam. 'Modotti' é - em quadrinhos - tudo o que a minha geração esperava que 'Rosa Luxembourg' de Margarethe von Trotta fosse no cinema e não foi. Ao tomar 'Modotti' nas mãos, o desenho quase cartunesco do salmantino Ángel de la Calle causa uma primeira impressão algo desconfortável. Que rapidamente é desfeita, quase que por encanto. O prefaciador do livro (e um dos personagens centrais da HQ-dentro-da-HQ com a qual de la Calle revela como fez a obra, que ele chama - corretamente - de livro), o grande intelectual Paco Ignacio Taibo II, nos dá a chave deste aparente repto: a honestidade do autor. Em uma obra de 272 páginas em preto e branco, temos um depoimento incrivelmente honesto sobre alguns dos temas mais espinhosos do Século XX, a partir de inúmeras tramas abertas a partir da biografia de Tina Modotti, atriz de Hollywood, uma das melhores fotógrafas de seu tempo, e militante de inúmeras causas das artes de vanguarda e dos movimentos comunistas internacionais. De la Calle desenvolve um maravilhoso uso das possibilidades dos quadrinhos como forma de expressão para atingir um verdadeiro prodígio: ele mesmo se coloca na trama, assume posições, mostra (inclusive como personagem) o monumental trabalho de pesquisa que teve para chegar à obra e consegue o prodígio que só a literatura e os quadrinhos permitem, nesta proporção: não 'dirigir' o leitor. Para os leitores mais jovens, o generoso retrato de De la Calle de muitos personagens como Sandino, o general nicaraguense de homens livres, do muralista mexicano Diego Rivera, do poeta chileno Pablo Neruda e de tantos outros tem o melhor efeito que se possa querer: despertar, de uma forma consistente, o interesse por homens desta envergadura. O elenco de episódios levantados por De la Calle, especialmente das muitas traições da turma de Zhdanov (único personagem que 'faltou' ser abordado no livro), Stalin e Beria aos sonhadores como Tina Modotti é uma aula à parte. Até onde sei, o levante dos operários austríacos de 1934 é um fato praticamente desconhecido ou abordado no Brasil. Minha única dor é perceber que apesar de tudo o que fizemos, é quase impossível sonhar que um dia no Brasil saia uma biografia em quadrinhos desta envergadura de um personagem que me acompanhou ao longo de toda a leitura deste maravilhoso presente da Conrad: Mario Pedrosa, o maior intelectual que o Brasil já deu ao mundo, e que andou pelas mesmas esquinas de Tina Modotti... Sugerimos apenas que - em uma reedição - a Conrad faça uma apresentação mais ampliada de Ángel de la Calle e de Paco Ignacio Taibo II. E que nossos colegas de vários veículos não deixem de resenhar a obra, com olhos diferentes dos meus. Quanto mais luz tivermos sobre este luminoso livro, mais possibilidades teremos de entender e explicar o quanto os quadrinhos dão conta de ser únicos como arte. A obra tem as dimensões de um livro (16 x23), e o número ISBN é 85-7616-128-1.