O Brasil nos planos da MDA

Transcrição

O Brasil nos planos da MDA
MDA
| TECNOLOGIA |
O Brasil nos planos
da
MDA
André M. Mileski
ma das principais características do Canadá, facilmente
notada por qualquer visitante, é seu forte caráter multinacional.
Dos países desenvolvidos, é o que
mais recebe imigrantes, oriundos
de praticamente todas as regiões do
mundo. No final de janeiro, a reportagem de T&D esteve na Califórnia,
nos Estados Unidos, e em Vancouver,
no Canadá, para conhecer um pouco
mais sobre a MacDonald, Dettwiler
and Associates (MDA), que, a exemplo de seu país de origem, também
está muito alinhado ao conceito de
multinacionalidades. E isso se percebe
de diferentes maneiras, inclusive entre
os altos executivos. O presidente do
grupo, Daniel Friedmann, nasceu em
Santiago do Chile. John Celli, presidente da Space Systems/Loral (SSL),
adquirida pela MDA, é italiano. E não
são casos isolados, havendo outros
exemplos de executivos e funcionários
de origem estrangeira ocupando posições importantes.
Como parte de sua missão, a MDA,
com clientes em todos os continentes,
está buscando se tornar mais multinacional, tendo a intenção de ampliar
suas bases industriais para além do
Canadá e Estados Unidos, em mercados emergentes, como o Brasil, a
Rússia e a Índia.
CAPACIDADES E
TECNOLOGIAS
A MDA foi fundada em 1969 por
dois empreendedores, John MacDonald
e Werner Dettwiler, que deram origem
ao seu nome. Ao longo de sua história,
98 Tecnologia & Defesa
defesa_136.indd 28
13/03/2014 15:44:49
ta forma definiu padrões de operação
de radares baseados no espaço. Em
dezembro de 2007, o segundo satélite
da série foi colocado em órbita e se encontra em operação, fornecendo dados
para aplicações civis, comerciais e em
defesa. Uma nova constelação, conhecida como RCM (RADARSAT Constellation
Mission) teve sua fase de construção
contratada pelo governo canadense no
início de 2013 e envolverá, inicialmente,
três unidades com lançamento previsto
para 2018. Quando em órbita, os novos satélites proporcionarão cobertura
diária das zonas costeiras da América
do Norte, com modos otimizados para a
detecção de navios, além de integração
simultânea com dados AIS (Automatic
Identification System) para operações
de interdição. O Canadá já planeja uma
extensão da constelação com outras
três unidades, e está ativamente buscando por parceiros internacionais para
ampliar ainda mais a constelação e a
frequência de revisitas.
Em matéria de radares embarcados,
a MDA desenvolve e projeta radares
específicos e complexos para imageamento em alta resolução por meio de
tecnologia radar (SAR - Synthetic Aperture Radar), e tecnologias de identificação de movimentação de alvos e outras
ferramentas de detecção e identificação.
Junto ao fato de ter construído os
satélites RADARSAT, a MDA é operadora, respondendo ainda pela distribuição
global de suas imagens. Ao mesmo
tempo, a companhia oferece serviços
derivados das imagens para clientes
em diferentes setores, como defesa,
meteorologia, transportes, energia,
mineração, petróleo e gás, etc.
Em estações terrestres para a recepção de dados de imagens, a MDA
já ultrapassou 40 anos de experiência
e entregou mais de 70 unidades desde 1980. Suas estações hoje recebem
dados de diversos satélites, como os
World View 1 e 2, Pleiades 1A e 1B,
SPOT 6 e 7, a constelação RapidEye,
RADARSAT-2, entre outros.
É dentro da divisão Surveillance
and Intelligence que são desenvolvidas as soluções em vigilância e monitoramento marítimos, como o Polar
Epsilon, em operação pelas Forças
Armadas canadenses. Por meio desse
sistema, o país é capaz de detectar,
identificar e rastrear ameaças em
potencial nos mais de 20 milhões de
km2 da área marítima de sua responsabilidade. Toda esta área é imageada
diariamente pelo RADARSAT-2 e, por
meio de estações localizadas nas
costas leste e oeste, as imagens são
baixadas, processadas e analisadas, e
as informações resultantes são transmitidas aos centros de operações
marítimas num tempo inferior a 15
minutos. Como parte desse processo, o sistema, com intervenção dos
operadores, realiza as detecções das
embarcações presentes nas imagens
e faz um cruzamento dessas detec-
SSL
a empresa realizou aquisições e consolidações, tornando-se um dos principais
grupos em suas áreas e atuação no
mundo. Contando com cerca de 4.500
funcionários, se identifica como uma
companhia global de comunicações e
informação, fornecendo soluções operacionais para organizações comerciais
e governamentais. Em 2012, seu faturamento superou US$ 1,835 bilhão.
A MDA está organizada em duas
divisões principais: Comunicações, e
Vigilância e Inteligência (Surveillance
and Intelligence), que tem sob seu
guarda-chuva as atividades de vigilância baseadas em satélites e em aeronaves, estações terrestres e serviços de
informação geoespacial.
As soluções envolvendo satélites,
por exemplo, incluem missões radar,
tecnologia em que a MDA é reconhecida
como líder, como a família RADARSAT,
e a expertise para o desenvolvimento e
construção de satélites e constelações
para necessidades em observações
terrestre, como a RapidEye, e espacial.
Também inclui toda a capacitação em
robótica espacial, outra área em que
tem grande reputação internacional - o
enorme “braço” robótico que equipa a
Estação Espacial Internacional, chamado de Canadarm, foi desenvolvido
e fabricado pela empresa.
A série de satélites RADARSAT teve
início em 1995, com a colocação em
órbita de sua primeira unidade, que
esteve ativa por 18 anos, e que de cer-
As instalações da SSL contam com completa infraestrutura para integração e testes. Na foto, o satélite NSS12
na câmara anecóica. Na abertura, a família RADARSAT será substituída por uma nova geração, da série RCM
Tecnologia & Defesa 99
defesa_136.indd 29
13/03/2014 15:44:50
ções com os sinais emitidos por transpônderes AIS das embarcações, que
são transmitidos por satélite. Desta
forma, potenciais ameaças podem ser
identificadas.
Outro produto são os centros de
comando marítimo, criados para estabelecer uma Consciência Situacional Marítima, por meio da integração de diferentes sensores e fusão
de dados. Ferramentas analíticas
são utilizadas nesses centros para
apoiar na identificação automática de
ameaças e envio de alertas, permitindo ações rápidas. Elas proporcionam
a detecção de ameaças quando características específicas de determinadas
embarcações, obtidas de diferentes
fontes, são consistentes com padrões
indicativos de comportamento ilegal ou suspeito. Ainda, possibilitam
buscas complexas de embarcações
com base em localizações, períodos
e contextos, além de preverem suas
posições, rotas e destinos.
MDA
LIDERANÇAS EM
COMUNICAÇÕES
POR SATÉLITES
Em junho de 2012, a MDA deu
um grande salto ao adquirir da holding Loral Space & Communications,
por US$ 875 milhões, a SSL. Com
a aquisição, a MDA consolidou sua
presença no setor espacial, em particular, em comunicações, segmento
em que já atuava quanto a cargas
úteis e subsistemas, principalmente,
e passou a ter uma notada presença
industrial nos Estados Unidos, um
mercado considerado estratégico. A
origem da SSL, no entanto, remonta
a 1957, quando foi fundada com o
nome Western Development Laboratories, do tradicional grupo Philco.
Em 1976, a SSL passou a integrar a
divisão de sistemas espaciais da Ford
Motors, que a vendeu para a Loral
Space & Communications no início da
década de 1990.
Seu primeiro satélite foi o Courier
1B, colocado em órbita em outubro de
1960, e o primeiro artefato da história a
realizar uma transmissão de dados entre diferentes pontos da Terra. Por meio
do Courier 1B, um globo com cerca de
230 kg, o presidente norte-americano
SSL
A reportagem de T&D pôde conhecer o processo de montagem
e integração de satélites geoestacionários, em Palo Alto
à época, Dwight Eisenhower transmitiu
uma mensagem às Nações Unidas.
Hoje, a SSL responde por cerca
de metade do faturamento da MDA,
ocupando a liderança no segmento de
satélites comerciais de comunicações.
Neste mercado, desde 2005, a companhia fechou mais de 50 contratos,
representando cerca de 40% do total
de encomendas para satélites geoestacionários comerciais com potência
superior a 8 kW. Seus números, em geral, impressionam. Os clientes incluem
as principais operadoras, e mais de 70
satélites geoestacionários que saíram
de suas instalações em Palo Alto estão
em operação em órbita. Desde o seu
surgimento, a SSL construiu mais de
250 satélites, contando com uma carteira de pedidos superior a 20 artefatos.
Estreando no mercado de observação terrestre, no início de fevereiro,
a SSL anunciou sua contratação pela
Skybox Imaging, dos Estados Unidos,
para a construção de uma avançada
constelação de pequenos satélites de
observação de órbita baixa, formada
por treze satélites, cada um com dimensões de 60 x 60 x 95 centímetros e
massa aproximada de 120 kg, a serem
lançados em 2015 e 2016. Os satélites
serão capazes de gerar imagens coloridas submétricas e vídeos em alta definição com até 90 segundos e 30 frames
por segundo. Uma vez completada, a
constelação proporcionará três revisitas
diárias de um mesmo ponto na Terra.
“O contrato da Skybox é uma evidência
100 Tecnologia & Defesa
defesa_136.indd 30
13/03/2014 15:44:50
Renato Leite
O sofisticado radar SAR que equipa o R-99 foi desenvolvido pela MDA
concreta de nosso sucesso em trabalhar
com a MDA para nos expandirmos em
novos mercados”, declarou John Celli.
“Baseado nas capacidades únicas da
SSL como fabricante de satélites e na
história da MDA, nós estamos desenvolvendo novas capacidades que nos
permitir buscar outras oportunidades
em observação terrestre e satélites
de órbita baixa nos Estados Unidos e
no exterior.” Como parte do acordo, a
SSL terá uma licença exclusiva do de-
sign do satélite projetado pela Skybox
Imaging, abrindo um novo leque global
de oportunidades.
BRASIL: NEGÓCIOS
E OPORTUNIDADES
A MDA atua no mercado brasileiro
desde a década de 1980, quando a
Spar Aerospace forneceu para a então
estatal Embratel seus primeiros dois
satélites de comunicações, os Brasilsat
Identificando ameaças
e práticas ilegais
MDA
A1 e A2. Nos anos de 1990, o grupo
canadense participou do projeto do
Sistema de Vigilância da Amazônia
(SIVAM), fornecendo uma estação
terrestre capaz de receber e processar dados de cinco diferentes satélites de sensoriamento, integrada às
instalações do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE), e radares
de imageamento em bandas L e X que
equipam as aeronaves Embraer R-99,
da Força Aérea Brasileira (FAB). Há
a visita da reportagem de T&D à MDA
no Canadá, houve a oportunidade de
acompanhar uma apresentação sobre o sistema BlueHawk, para a Consciência Situacional
Marítima, disponível por meio de assinaturas
mensais. Basicamente, trata-se de um serviço
de informações da MDA que envolve a fusão de
dados comerciais e não confidenciais, oriundos
de satélites, sinais AIS e LRIT, dados de registro
de navios e outros dados contextuais.
Dois exemplos reais do BlueHawk demonstram a importância de se dispor de meios eficazes de vigilância. Em janeiro de 2013, numa
área de 500 km por 500 km na costa de São
Paulo, imagens do satélite RADARSAT-2 identificaram 233 embarcações, enquanto que apenas
179 estavam transmitindo sinais AIS. Por regras
internacionais, qualquer embarcação civil com
tonelagem igual ou superior a 300 toneladas
deve obrigatoriamente dispor de um transponder AIS, permitindo o seu monitoramento por
meio de sinais transmitidos a satélites.
Outra demonstração apontou uma prática
ilegal, mas que é comum: navios-tanque que
“lavam” seus tanques em alto mar, antes de
chegarem aos portos. Com a “lavagem”, uma
quantidade significativa de óleo e/ou outros
produtos químicos são despejados no mar,
causando poluição e deixando rastros que podem ser identificados por satélites. O BlueHawk
imageou a prática e identificou o navio.
Tecnologia & Defesa 101
defesa_136.indd 31
13/03/2014 15:44:51
SSL
mais de 15 anos, fornece imagens
radar geradas por sua família RADARSAT para a Petrobras e outras empresas brasileiras, permitindo cobertura
diária de suas plataformas offshore.
Em comunicações, a SSL firmou
nos últimos anos contratos com a
Star One, principal operadora de
comunicações por satélite do Brasil e
uma das maiores da América Latina,
para o fornecimento de dois satélites
geoestacionários, o Star One C4,
previsto para ser lançado no final de
2014, e o Star One D1, que deve voar
em 2016, ambos a bordo do lançador
Ariane 5, da Arianespace. Os dois novos sistemas fornecerão capacidade
para novas demandas decorrentes
dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio
de Janeiro (RJ). Em entrevistas concedidas à T&D, executivos do grupo
também mencionaram o crescente
interesse de países na região em desenvolver suas próprias capacidades
espaciais, como em comunicações e
observação terrestre.
A SSL foi uma das finalistas da
concorrência do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações
Estratégicas (SGDC), que proverá
capacidade nas bandas Ka e X para
o Plano Nacional de Banda Larga
(PNBL) e o Sistema de Comunicações
Militares por Satélite (SISCOMIS),
respectivamente. Embora não tenha
sido selecionada, a empresa, que
construiu mais satélites de banda larga do que qualquer outro fabricante,
está atenta a futuras oportunidades
para atender ao governo brasileiro.
No continente latino-americano,
a MDA também fornece sistemas e
serviços para governos e clientes
comerciais há mais de 30 anos, possuindo contratos ativos no México,
Colômbia, Venezuela e Argentina. A
companhia construiu outros satélites
de operadores internacionais que oferecem serviços de transmissão para
o Brasil e América Latina, contando
ainda com outros satélites em sua
carteira de pedidos.
Na visita ao Canadá, executivos
destacaram que para atenderem as
necessidades oficiais, o grupo busca
estabelecer uma presença local de
longo prazo, de forma a desenvolver
soluções locais não apenas para o
Brasil, mas também para mercados
em que o País tenha forte influência
geopolítica, diretrizes em linha com
os preceitos da Estratégia Nacional
de Defesa.
Falando em perspectivas, e em
busca do ímpeto inicial para tais
objetivos, a MDA está atenta a oportunidades relacionadas a programas
estratégicos das Forças Armadas
O Star One C4 em fase de montagem nas instalações da SSL, em Palo Alto
brasileiras, como o Sistema Integrado
de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), em implantação, o Sistema
de Gerenciamento da Amazônia Azul
(SisGAAz) e o Programa Estratégico
de Sistemas Espaciais (PESE), estes
últimos prestes a serem licitados.
Como parte desse esforço, a empresa
tem interagido com o governo e órgãos
militares para entender as demandas,
e considerado vários modelos de parcerias com indústrias brasileiras dos
setores aeroespacial e de defesa.
Por razões lógicas, o SisGAAz, assunto do momento para a defesa brasileira, é uma iniciativa à qual a MDA
tem muito o que contribuir, segundo
foi destacado à T&D. Ao longo de sua
trajetória, o grupo desenvolveu várias
soluções de vigilância e monitoramento
de extensas áreas marítimas para o
governo canadense e outros clientes
internacionais que envolvem assuntos complexos, como fusão de dados,
integração de sistemas e sofisticados
algoritmos, apenas para citar alguns.
Segundo representantes da MDA, tais
conhecimentos, adquiridos e desenvolvidos em projetos em operação, são
fundamentais para o efetivo funcionamento de redes complexas como a
planejada para o SisGAAz.
Numa fase menos madura, embora
bastante avançada, também já começam a ocorrer movimentações industriais direcionadas ao PESE (ver matéria nesta edição), programa de grande
interesse da MDA e que deve envolver
um forte elemento de transferência
tecnológica e indústrias locais. Além
desses grandes projetos de sistemas,
os canadenses também estão atentos
a outras oportunidades no País, como a
ampliação de serviços de imagens por
satélite – algo inerente ao Brasil por
sua extensão territorial, e uma futura
modernização do sofisticado radar de
abertura sintética que equipa o R-99,
um projeto que está em consideração
pela FAB.
102 Tecnologia & Defesa
defesa_136.indd 32
13/03/2014 15:44:52