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Revista Interdisciplinar da Universidade Veiga de Almeida
ISSN: 14148846
O perfil do nível de aptidão cardiorespiratória em praticantes
do surfe recreacional com mais de 30 anos de idade
Laboratório Multidisciplinar de Atividades Físicas, Esportes e Educação Física – UVA.
Erik Salum de Godoy1
Murilo Khede Lamego2
Resumo
O surfe é um esporte de aventura na natureza, muito praticado com a finalidade recreacional. O objetivo
do estudo foi verificar o nível de aptidão cardiorrespiratória de surfistas acima dos 30 anos de idade, que
praticam a atividade visando melhor nível de qualidade de vida. Foram avaliados 19 indivíduos do sexo
masculino (x =46,9 + 11,35 anos; estatura = 173,2 + 4,93 cm; massa corporal = 78,4 + 10,87kg). A
aptidão cardiorrespiratória foi avaliada pelo Polar Ownindex, um índice altamente correlacionado com o
consumo máximo de oxigênio, apresentando um resultado correspondente a 36,0 + 4,77ml/kg/min, que
para a faixa etária representa uma classificação acima da média. Estes valores indicam que neste grupo de
surfistas, a prática do surfe contribuiu para a promoção da qualidade de vida, em função da relação da
aptidão cardiorrespiratória com a incidência da doença arterial coronariana.
Palavras-chave: Surfe. Aptidão cardiorrespiratória. Qualidade de vida.
Abstract
Surf is an adventure sport, and it is a very popular recreational sport. The scope of this study was to
evaluate the cardio respiratory fitness levels of surfers above 30 years old of age and that had chosen this
activity to get better levels of quality of life. 19 male surfers (x =46,9 + 11,35 years age, height = 173,2 +
4,93 cm; body mass = 78,4 + 10,87kg) were submitted to cardiorespiratory fitness test, the Polar
Ownindex, an index highly correlated to maximum oxygen uptake, getting values of 35,18 + 3,84
ml/kg/min., being classified as above the medium. It can be assumed from these values, that to surf helps
to promote better quality of life levels, since cardiorespiratory fitness is related to heart disease.
Keywords: Surf. Cardiorespiratory fitness. Quality of life.
1
Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Castelo Branco (1988) e Mestrado em Ciência da
Motricidade Humana pela Universidade Castelo Branco (2002). pesquisador do Laboratório multidisciplinar de
atividades físicas, esportes e educação física da Universidade Veiga de Almeida, Cabo Frio- RJ Atualmente, é
professor na Universidade Veiga de Almeida e professor de Educação Física na rede pública de ensino da Cidade do
Rio de Janeiro - [email protected]
2
Licenciatura e Bacharelado em Educação Física pela Universidade Veiga de Almeida, Cabo Frio-RJ. Mestre em
Ciências da Atividade Física pela Universidade Salgado de Oliveira-Niterói. Membro pesquisador do Laboratório
multidisciplinar de atividades físicas, esportes e educação física da Universidade Veiga de Almeida, Cabo Frio- RJ.
Pesquisador do Laboratório do Pânico e Respiração (UFRJ). Avaliador Físico-funcional, Personal Trainer e
Coordenador Técnico na Academia Vidativa, São Pedro da Aldeia-RJ. Antropometrista colaborador do quadro de
árbitros profissionais do Estado do Rio de Janeiro-RJ (FERJ) - [email protected]
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ISSN: 14148846
Introdução
Em sua mais pura concepção, o surfe é o ato de deslizar sobre uma onda, numa
prancha ou com o próprio corpo. Sua origem geográfica é incerta. Especula-se sobre sua
ligação com a África Ocidental ou com a costa do Peru, onde os nativos deslizavam
sobre ondas utilizando-se de embarcações denominadas caballos de totora, embora seja
inquestionável a ligação do surfe com a cultura dos povos polinésios (GUTEMBERG,
1989).
Nessa região, em seus primórdios, o surfe apresentava profundas raízes culturais.
Com relação à sua origem, pode ser dito que o surfe era uma atividade elitista, pois
somente os reis e suas famílias podiam deslizar de pé sobre pranchas construídas com
troncos de determinadas árvores, que chegavam a medir de 16 a 20 pés, ou de 488 a 610
centímetros de comprimento. Aos outros componentes da tribo, restava a opção de
descer as ondas deitados nas pranchas desprezadas pelos reis, ou então usando apenas o
corpo.
Com a colonização europeia da região e a imposição do Cristianismo a essas
culturas, o surfe foi proibido, já que os colonizadores consideravam escandalosa a
situação de indivíduos seminus a divertir-se no mar. Os nativos não abandonaram,
porém, a sua prática, passando a exercê-la de forma escondida, o que provavelmente
explique o status de atividade marginal que o surfe manteve por muito tempo.
A divulgação pelo mundo iniciou-se com Duke Paoa Kahanamokuno, havaiano
campeão olímpico de natação na década de 1920. Em suas viagens para competir e fazer
intercâmbios, ele levava sua prancha para demonstrar o surfe, atividade à qual atribuía
parte de seu sucesso na natação.
A popularização do esporte continuou, impulsionada por fatores como a
evolução tecnológica nos materiais de construção e nos modelos de pranchas, a criação
de acessórios que auxiliaram no desenvolvimento da performance e promoveram mais
segurança, além da criação da Associação dos Surfistas Profissionais (ASP), que
organizou a prática esportiva de rendimento, dentre outros fatores que contribuíram para
a popularização do esporte ao redor do mundo (GODOY, 2012).
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A atual busca por excelência na qualidade de vida contribuiu também para
difundir mais o surfe, por tratar-se da prática de um esporte ligado à natureza, que
proporciona a redução do stress, a descontração e os contatos sociais. Considere-se
ainda que o surfe é uma prática corporal que estimula vários segmentos corporais, e
realiza esforço em ambiente aquático e natural, atraindo adeptos de ambos os sexos e
diversas faixas etárias, interessados nos efeitos favoráveis sobre a saúde.
Portanto, a partir do pressuposto do crescimento da prática do surfe, em parte
motivado pelos efeitos promovidos sobre a saúde e em função da associação desta com
os
parâmetros
cardiorrespiratórios,
questiona-se:
qual
o
nível
de
aptidão
o
nível
de
aptidão
cardiorrespiratória dos adeptos da prática recreacional do surf?
Este
estudo
buscou
investigar
especificamente
cardiorrespiratória de praticantes do surfe recreacional, com idade acima de 30 anos.
Essa investigação justifica-se pela crescente adesão de indivíduos nesta faixa etária a
mencionada prática esportiva, além da necessidade de conhecer parâmetros fisiológicos
que proporcionem orientações para tornar esta prática mais prazerosa, proveitosa e
segura.
Metodologia
O estudo foi desenvolvido com o delineamento de pesquisa descritiva
(THOMAS, NELSON e SILVERMAN, 2007), sendo a amostra composta por
indivíduos que praticavam o surfe em uma praia da zona oeste do Rio de Janeiro,
aleatoriamente escolhidos entre os que atendiam aos seguintes critérios de inclusão:
a) Idade acima de 30 anos
b) Praticar o surfe de forma recreacional, ou seja, sem estar envolvida a prática
competitiva.
c) Estarem cientes dos propósitos do estudo após uma exposição oral dos
procedimentos a que seriam submetidos e posterior leitura e assinatura do termo de
participação livre e consentida, seguindo as determinações para pesquisas com seres
humanos conforme explicitado na convenção de Helsinki e respectivas atualizações
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(WMA, 2008), e nas determinações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde – CNS (CNS, 1996).
Os procedimentos para a investigação foram aprovados pelo Comitê de Ética na
Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida, sob o número de registro CAAE
06603912.6.0000.5291. O estudo está incluso na linha de pesquisa dos fatores
intervenientes e efeitos decorrentes associados aos esportes de aventura e na natureza do
Laboratório Multidisciplinar de Atividades Físicas, Esportes e Educação Física da
Universidade Veiga de Almeida – RJ.
A aptidão cardiorrespiratória foi avaliada através do Polar Ownindex, medida
obtida com monitores de frequência cardíaca da marca Polar (Finlândia) modelo S610i
que possuem a função fit test. O processo emprega dados de idade, sexo, nível de
atividade física, estatura, massa corporal e sinais eletrocardíacos, entre eles a
variabilidade cardíaca, processados por algoritmos específicos que determinam o
ownindex, um índice altamente correlacionado com o consumo máximo de oxigênio (r
= 0,97) (HANNULA, 2000; POLAR ELECTRO OY, 2000). Os procedimentos para
efetuar essa avaliação são descritos por Laukkanen (1999) e Laukkanen, Kinnunen e
Kiuru (1999), sendo dita função validada por Crumptom et al. (2003) e Crouter,
Albright e Bassett Junior (2004).
As medidas de estatura e massa corporal, necessárias para mensuração do
ownindex e para caracterização da amostra, foram efetuadas conforme os procedimentos
descritos por Marfell-Jones, Olds, Stewart e Carter (2006) e Pinto (1977), utilizando-se,
respectivamente, um estadiômetro portátil Sanny (BRASIL) e uma balança
antropométrica digital portátil Oregon modelo Scientific (EUA). Os demais dados,
como idade e nível de atividade física, frequência semanal da prática do surfe, foram
levantados numa anamnese e registrados em um anedotário.
Apresentação e discussão dos resultados
Foram avaliados 19 indivíduos, todos do sexo masculino, que se enquadraram
nos critérios de inclusão. A idade variou entre 33 e 74 anos (x =46,9 + 11,35 anos), a
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estatura entre 161 e 183 cm (x = 173,2 + 4,93 cm) e a massa corporal entre 63,3 e 107
kg (78,4 + 10,87kg).
Através da anamnese, verificou-se que, em geral, a prática esportiva só ocorria
aos finais de semana (sexta, sábado e domingo), coincidindo com a folga laboral dos
entrevistados. Não foram controlados os seguintes itens: por quanto tempo os
participantes já praticavam a atividade, o período de cada prática, ou seja, por quanto
tempo ficavam surfando a cada prática e o nível de habilidade técnica.
Semelhantemente a outros estudos realizados com surfistas, tanto profissionais
quanto recreacionais, a predominância dos praticantes é de gênero masculino, apesar da
crescente participação feminina na prática do surfe (CARLET et al., 2007; GARCIA,
VAGHETI e TARTARUGA, 2008; MINAHAM & LOVELESS, 2010).
No gráfico 1, é possível observar a distribuição percentual para a classificação
da aptidão física proposta por Morrow et al. (2005) e apresentada na tabela I.
Tabela I: Valores normativos de VO2 máximo (ml/kg/min.) proposto por Morrow et al. (2005)
Gênero\Classificação
Idade (anos)
Masculino
18-25
26-35
36-45
46-55
56-65
> 66
Excelente
63-80
58-70
53-77
47-60
43-58
38-50
Bom
53-59
50-54
44-49
40-43
37-39
33-36
Acima da Média
47-51
44-47
40-42
35-38
33-35
32-39
Média
43-46
40-42
35-39
32-35
30-31
25-28
Abaixo da Média
38-41
35-39
32-34
29-31
26-29
22-25
Ruim
31-35
31-34
27-30
26-28
22-25
20-21
Muito Ruim
20-29
20-28
19-25
18-23
16-21
15-18
Feminino
18-25
26-35
36-45
46-55
56-65
> 66
Excelente
58-71
54-69
46-66
42-54
38-57
33-51
Bom
48-54
46-51
39-44
25-39
36-62
28-31
Acima da Média
42-46
40-43
34-37
31-33
28-31
25-27
Média
39-41
35-38
31-33
28-30
25-27
22-24
Abaixo da Média
34-37
31-34
28-30
25-27
22-24
20-22
Ruim
32-39
26-30
23-26
21-24
19-21
17-18
Muito Ruim
18-26
20-25
18-21
16-19
14-17
14-16
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Gráfico 1: distribuição percentual pela classificação do nível de aptidão cardiorrespiratória
Em relação à utilização do método indireto de determinação da aptidão
cardiorrespiratória, utilizando o Polar ownindex, Cortés-Reyes et al. (2009) realizou
uma investigação com 46 desportistas da Universidade Nacional da Colômbia,
especialistas em esportes de endurance, não encontrando uma relação significativa entre
este método e a avaliação ao empregar teste de esforço em ergômetro com o protocolo
de Balke (r=0,31) (p<0, 003). Uma crítica em relação a esse estudo é que a classificação
do nível de atividade física, um dos fatores a serem inseridos no processamento do
Polar ownindex, foi efetuada pelos próprios os indivíduos investigados. Tal fato pode
ter resultado numa falta de padronização e influído nos resultados. Teria sido mais
adequado que a classificação dos níveis de atividade física fosse estabelecida pelos
pesquisadores, atentando assim para uma equalização dos critérios.
Já em outro estudo, realizado por Kruel e colaboradores (2003), foi verificada a
validade deste método indireto e a fidedignidade do mesmo através do teste-reteste.
Todos os sujeitos realizaram 03 testes de medição do VO2máx: a primeira indireta em
repouso, utilizando o Polar ownindex; a segunda direta, durante o esforço máximo em
esteira e a terceira, indireta em repouso. Não foram encontradas diferenças
estatisticamente significantes entre os valores de VO2máx mensurados nos testes
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indiretos (45,4 ± 12,6 ml/kg/min. e 45,8 ± 10,9 ml/kg/min.) (p<0,05). Portanto, o teste
de fidedignidade apresentou um coeficiente de correlação aceitável (r=0,71). Por outro
lado, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os valores de
VO2máx mensurados com o teste direto (36,5 ± 6,1ml/kg/min.) e o indireto (p<0,05).
Com um coeficiente de correlação considerado baixo, tanto para o teste (r=0,27), como
para o reteste (r=0,34), a validação do método, segundo estes autores ficou
comprometida. Vale a mesma crítica feita ao estudo anterior, pois a classificação dos
níveis de atividade física foi realizada pelos próprios investigados, podendo ter afetado
os resultados pela falta de padronização dos critérios nesta classificação.
Outros estudos realizados, porém, com amostras maiores e controle mais efetivo
sobre os fatores intervenientes nesse tipo de avaliação, principalmente a classificação
dos níveis de atividade física, conseguiram demonstrar a validade do emprego do Polar
ownindex (HANNULA, 1999; LAUKKANEN, KINNUNEN E KIURU, 1999;
CRUMPTOM et al 2003; CROUTER, ALBRIGHT e BASSETT JUNIOR, 2004).
Em relação à aptidão cardiorrespiratória, os valores encontrados 36,0 + 4,77
ml/kg/min., são inferiores aos encontrados na literatura. Danucalov et al. (2003) relatam
valores de 47,1 ± 7,0 ml/kg/min., Correa e colaboradores em um estudo não publicado
encontraram valores de 68,94 ± 5,97 ml/kg/min., dados semelhantes aos relatados por
Mendez-Villanueva & Bishop (2005).
Estes dois últimos autores citam os surfistas como atletas de elevada aptidão
cardiorrespiratória, e que a prática do surfe exige uma boa aptidão tanto aeróbica,
quanto anaeróbica, devido à característica dos estímulos intermitentes, com variações de
intensidade nos diversos padrões de movimento inerentes a esta prática. Relatam
também que durante uma sessão de surfe, a frequência cardíaca varia entre 75% e 85%
da FCmáx., o que, indiretamente, também demonstra o nível de exigência da aptidão
cardiorrespiratória.
Ressalva-se, no entanto, que as amostras destes estudos eram constituídas por
populações mais jovens que visavam à participação competitiva, ou seja, por atletas
amadores e/ou profissionais. Consequentemente, tais surfistas eram submetidos a uma
intensidade maior de esforço, bem como a uma maior frequência de prática do surfe.
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Brasil et al. (2001), investigando as demandas da prática do surfe, verificou que,
na maior parte do tempo, o surfista realiza atividades de intensidade moderada a leve.
Corroborando esses dados, Mendez-Villanueva, Bishop e Hamer (2006) constataram
que apenas 4% do tempo da prática relaciona-se efetivamente ao surfe, ou seja, ao
deslizamento sobre a onda estando em pé sobre a prancha, enquanto 51% do tempo
relaciona-se ao remar ou permanecer deitado sobre a prancha, 42% ao estar parado
sentado na prancha e 2% são gastos na transição.
Garcia, Vaghetti e Peyré-Tartaruga (2008), em estudo realizado com jovens
surfistas do sexo masculino, obtiveram dados semelhantes. Utilizando a FC como
indicador do nível de exigência da aptidão cardiorrespiratória, verificaram que numa
sessão de surfe, a média da FC correspondeu a 78,91% da FCmáx individual, apontando
assim a necessidade de um nível adequado de aptidão cardiorrespiratória em praticantes
do surf. Também chamaram a atenção para as variações do indicador adotado, a FC, em
função das fases e/ou padrões de movimento inerentes à prática do surfe, classificados
pelos autores como:
a) surfando a onda,
b) parado esperando a ondulação,
c) remando e
d) outros movimentos.
Carlet e colaboradores (2007) investigaram indicadores fisiológicos relacionados
com o condicionamento e os sistemas energéticos em jovens surfistas de sexo
masculino (n = 10), participantes de duas etapas do campeonato brasileiro de surfe
amador. Para tal mensuraram a FC e a lactacidemia, efetuando também gravações em
vídeo das performances para melhores interpretações dos dados. As médias de FC
foram 155,3 ± 10,6 bpm e 149,5 ± 13,8 bpm e das concentrações de lactato sanguíneo
6,5 ± 1,3 mmol/l e 5,7 ± 1,6 mmol/l. As análises de vídeo constataram que a remada é a
movimentação que promove esforços de maior intensidade e corresponderam a 53 e
57% do tempo total da performance. Sendo assim, os autores ressaltam a relação da
prática do surfe com um nível adequado e específico de condicionamento físico.
Minahan e Loveless (2010) compararam o pico de consumo de oxigênio (VO2p)
à eficiência durante a remada e à lactacidemia entre dois grupos de surfistas, com 18
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anos de idade, com finalidades distintas na prática. Um grupo dedicado à prática
recreacional e outro grupo dedicado à prática de rendimento. Não foram observadas
diferenças significativas no VO2p (p<0,05) entre os grupos recreacional e competitivo
(2,52 litros/min-1, s = 0,5; 2,66 litros/min, s = 0,35, respectivamente). Quanto à
eficiência, também não foram detectadas diferenças significativas, registrando-se para o
grupo recreacional 24%, s = 3, e para o grupo competitivo: 21%, s = 4. A concentração
de lactato sanguíneo foi, contudo, significativamente maior no grupo de surfistas
recreacionais (2,4 mmol/l, s = 0,9 contra 1,6 mmol/l, s = 0,5). Sugere-se então que o
VO2p e a eficiência não são fatores sensíveis a diferenças na prática do surfe entre
grupos com finalidades distintas de participação. Já a diferença estatisticamente
significativa na concentração de lactato indica adaptações específicas no grupo de
surfistas competitivos, pressupondo assim que este grupo apresenta um nível mais
elevado de condicionamento, menor suscetibilidade à fadiga e menor demanda
energética durante os esforços realizados na investigação.
Na prática do surfe, os fatores climáticos e ambientais podem influenciar na
demanda, determinando as cargas externas do estímulo e intensificando-as, se as
condições estiverem mais adversas. Sendo assim, é possível supor que os surfistas com
menor nível de aptidão física usufruirão menos quando as condições estiverem menos
favoráveis, visto que investigações sobre as demandas da prática do surfe (BRASIL et
al, 2001; LAURO et al, 2003, MENDEZ-VILLANUEVA & BISHOP, 2005)
relacionam a maior parte do esforço de moderado a intenso aos movimentos de remada
realizados para o posicionamento do surfista para o outside – local de formação das
ondas, para manutenção do posicionamento nos locais propícios para a entrada na onda
e para realizar a entrada na onda, iniciando a descida em pé sobre a prancha (drop).
Apesar de Ainsworth et al. (2000) relacionar o surfe como uma atividade esportiva de
intensidade leve a moderada, Everline (2007) alerta que um nível excelente de aptidão
física é desejável para a prática do surfe, de forma que se possam enfrentar as condições
ambientais imprevisíveis dessa atividade, com menor probabilidade de ocorrências
desagradáveis e da incidência de lesões por esforços repetitivos.
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Conclusão e recomendações
Com base nos dados coletados é possível concluir que, na amostra investigada,
1) apesar da periodicidade semanal e o volume desta prática também não atenderem
plenamente às recomendações da literatura em relação à promoção da aptidão
física (DANTAS, 2003, ACMS, 2009), os participantes da amostra foram
classificados neste aspecto como acima da média, levantando considerações de
que outros fatores interferem na aptidão cardiorrespiratória dos surfistas
recreacionais investigados;
2) conforme relato dos participantes do estudo, os objetivos dessas participações
esportivas também incidem sobre os aspectos psicossociais tais como redução do
stress, contato com os amigos, satisfação pessoal, além do que sobre os aspectos
relacionados à promoção da aptidão física;
3) de qualquer forma, a finalidade apenas recreacional da prática do surfe, por parte
dos indivíduos integrantes da amostra investigada, parece contribuir para um nível
satisfatório de aptidão cardiorrespiratória.
Em função da pouca disponibilidade de referencial sobre o surfe na literatura
científica, principalmente com participantes pertencentes à faixa etária escolhida, uma
análise mais pormenorizada fica dificultada. Pressupõe-se, porém, que estudos de perfil
de aptidão física, especificamente da aptidão cardiorrespiratória, proporcionem
fundamentos para a prescrição do treinamento e de orientações quanto ao
selecionamento para a prática do surfe, levando-se em conta também as condições
climáticas e ambientais que interferem na prática do esporte, de modo que assim seja
possível promover um maior nível de segurança na mesma.
Além disto, a prescrição de atividades físicas, no Brasil, é uma prerrogativa do
profissional de Educação Física (BRASIL, 1998) e para que seja feita com segurança e
eficiência, faz-se necessário um constante aprimoramento do conhecimento científico de
seus conteúdos.
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