Artigos - Claretiano - Studium Theologicum Curitiba/PR

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A IGREJA GRECO-CATÓLICAUCRANIANA E O CONCÍLIO
VATICANO II
Prof. Dr. Pe. Teodoro Hanicz *
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RESUMO: Este artigo descreve a participação da Igreja greco-católica-ucraniana no Concílio
Vaticano II. O texto aborda a origem da Igreja greco-católica e fala do signifi
e da recepção
do Concílio. À época do Concílio, a Igreja greco-católica-ucraniana vivia situações distintas e
polarizantes: clandestinidade e liberdade. A Igreja que estava no território ucraniano era perseguida
e reprimida pelo regime comunista soviético e vivia na clandestinidade. Na diáspora ocidental,
adaptada e assimilada à cultura do país onde estava presente, a Igreja gozava de plena liberdade.
De um lado, o Concílio fortaleceu a Igreja greco-católica, e de outro, abriu espaço para desencontros
internos.
PALAVRAS CHAVE: Concílio Vaticano II, ucranianos, Igreja greco-católica, união de Brest, diáspora.
ABSTRACT: This article describes the participation of the Greek Catholic Church-Ukrainian in
Vatican II. The text addresses the origin of the Greek Catholic Church and speaks of the meaning
and reception of the second. At the time of the Second, the Greek-catholic Church-Ukrainian lived
different situations and polarizing: hiding and freedom. The Church that was in Ukrainian territory
was persecuted and suppressed by the communist Soviet regime and lived in hiding. In western
Diaspora, adapted and assimilated the culture of the country where it was present, the Church
enjoyed full freedom. On the one hand, the Council has strengthened the Greek Catholic Church,
and of another, opening a space for internal disagreements.
KEY WORDS: Vatican II, Ukrainian Greek Catholic Church, the Union of Brest, Diaspora.
* Graduação em Filosofia e Teologia; Mestrado em Ciências da Religião e História da Evangelização na América
Latina; doutor em Ciências da Religião. Atualmente coordenador do Curso de Filosofia do Studium São Basílio
- Instituto Basiliano de Filosofia; professor do Studium Theologicum de Teologia em Curitiba e na Faculdade
Vicentina (FAVI). Com experiência na área da Teologia, com ênfase em Teologia, atuando principalmente nos
seguintes temas: igreja, círculo de estudos bandeirantes, intelectuais, pensamento católico e catolicismo.
O clima de celebração dos 50 anos da inauguração do Concílio Vaticano
II que a Igreja católica romana comemora através da promoção de seminários,
simpósios, conferências, publicações e, sobretudo, de estudos que analisam a
participação da Igreja católica do Brasil é oportuno também para falar de outra
Igreja católica que esteve presente no Concílio em condições bem diferentes das
demais Igrejas católicas orientais e latinas. É a Igreja greco-católica-ucraniana.
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Escrever sobre a participação de seu episcopado no Concílio é um grande
desafio por causa das pouquíssimas fontes que temos aqui no Brasil e por que,
dada a realidade de diáspora dessa Igreja, pouco (ou nada no Brasil) escreveuse sobre a atuação de seu episcopado e sobre a recepção do Concílio nos
diversos países onde está presente. Portanto, este texto tem uma característica
mais descritiva e informativa e não investigativa. É um olhar a partir do Brasil e
o objetivo é descrever em que situação encontrava-se a Igreja greco-católica no
período conciliar, como participou do Concílio, qual foi seu significado e como foi
a recepção no período pós-conciliar. Não é nossa preocupação falar das tensões,
discórdias, desavenças, divisões, oposições, conflitos internos entre o episcopado
durante e depois do Concílio. E não foram poucas. As fontes que temos em mãos
são insuficientes e não permitem analisar o embate de ideias e de tendências
entre o episcopado ucraniano.
Devido à perseguição e ao terror instalado pelo regime soviético na
Ucrânia, a Igreja greco-católica que vai ao Concílio é uma Igreja ressentida, sofrida,
muito sensível aos debates em torno daquilo que envolvia questões orientais e
ortodoxia. Ela carregava uma grande ferida. Misturavam-se patriotismo e Igreja,
fé e nacionalismo político, religião e cultura, catolicismo e ortodoxia. Talvez
esse artigo possa ser uma provocação para a Igreja greco-católica do Brasil para
despertar reações e interesse pelo assunto. O texto está dividido em três tópicos:
1. Breve retrospectiva histórica; 2. Presença e participação da Igreja greco- católica
ucraniana no Concílio; 3. Os resultados, o significado e a recepção do Concílio.
Breve retrospectiva histórica
Antes de tratar da presença e da participação da Igreja Greco-católica
ucraniana no Concílio Vaticano II, creio ser útil fazer uma breve retrospectiva
histórica para resgatar sua origem e seu itinerário no leste europeu. A Igreja
greco-católica ucraniana tem sua origem em 1595/96 por meio de um acordo de
união firmado entre uma parcela do episcopado ucraniano e o papa Clemente VIII.
Este acordo é conhecido como União de Brest.1 Esta união envolveu o metropolita
de Kiev, bispos, príncipes, imperadores, monges, nobres e representantes do
papado romano e o papa. A união foi motivada por uma enorme crise na Igreja
da Ucrânia do século XVI, com sede metropolitana em Kiev. As causas podem
ser encontradas no campo político e no campo eclesiástico religioso. As causas
políticas estão relacionadas à situação de dependência da Ucrânia. Por muitos
séculos foi dominada por impérios como Rússia, Polônia, Lituânia e Áustria. Na
segunda metade XVI, uma parte estava sob o domínio do Império Polono Lituano
e outra sob o domínio da Rússia. As causas eclesiástico-religiosas tem a ver com
a falta de referência e de protetorado jurisdicional. De acordo com a tradição das
Igrejas Orientais, a Igreja na Ucrânia (e também da Rússia) estava sob a jurisdição
do patriarcado de Constantinopla. A essa época, a Sé metropolitana de Kiev e
suas dioceses sufragâneas estavam à deriva. O patriarca de Constantinopla, por
causa do domínio turco e também e por interesses políticos dava pouca atenção
à Sé de Kiev. Seus olhos estavam direcionados para Moscou.
Outra questão importante que deve ser considerada é a divisão do
território: a parte oriental estava sob o domínio russo com predominância de uma
ortodoxia radical, e a parte ocidental estava loteada entre a Polônia e Lituânia
com forte influência da Igreja romana (rito latino). De maneira que o território
ucraniano estava politicamente loteado entre a Rússia, a Lituânia e a Polônia
e eclesiasticamente entre o patriarcado de Constantinopla, o metropolita de
Moscou e a influência da Igreja latina da Polônia e da Lituânia.
Em 1588, Jeremias II, patriarca de Constantinopla, empreendeu uma
viagem à Ucrânia e à Rússia com interesses de cunho mais político e econômico
do que pastorais. Chegou a Moscou em julho e depois de intensas negociações
com Boris Godunov, regente do czar Fiodor I, e com autoridades políticas e
eclesiásticas, em 26 de janeiro de 1589 elevou a Sé metropolitana de Moscou a
patriarcado e entronizou o metropolita Job como patriarca de Moscou e de toda
a Rússia.
1
Brest é uma cidade situada no oeste da Bielorrússia encravada na fronteira com a Polônia. É
a capital da Província do mesmo nome que faz fronteira com a Ucrânia, ao sul. No século XVI,
pertencia ao império Polono Lituano. Sobre a União de Brest, existe considerável literatura em
ucraniano. Mas podemos encontrar boa bibliografia em inglês e latim. GUDZIAK, Borys A. Crisis
and Reform: the Kyevan Metropolitanate, the Patriarchate of Constantinople, and the Genesis of
the Union of Brest. Cambridge (Mass): Hardvard Ukrainian Research Institute, Hardvard Series in
Ukrainian Studies, 1998. SENYK, Sophia. A History of the Church in Ukraine: 1300 to the Union of
Brest. v. II, Orientalia Christiana Analecta, 289. Roma: Pontificio Istituto Orientale, 2011. WELYKYJ,
Atanasius G. (org) Documenta Unionis Berestensis Eiusque Auctorum 1590-1600. Analecta OSBM,
Series II, Sectio III. Roma: PP. Basiliani, 1970.
A União de Brest deve ser compreendida dentro do amplo movimento de reforma da Igreja do
século XVI.
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A criação do patriarcado de Moscou criou sérios problemas para a Sé
metropolitana de Kiev e para a Igreja do território ucraniano que estava sob o
domínio do Império polono- lituano e russo. Criou-se um clima de desconfiança
em relação ao patriarca de Constantinopla e um clima de medo em relação ao
patriarcado de Moscou. Temia-se uma investida do patriarcado de Moscou sobre
a Sé de Kiev e sobre toda a Igreja do território ucraniano. Uma parte já estava sob
o domínio russo e agora, com a magna superioridade eclesiástica de Moscou na
pessoa do patriarca, a imposição da jurisdição canônica sobre todos os ortodoxos
da Rus’ de Kiev era uma questão de tempo.
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Diante dessa situação e dos fatos dela consequentes como também da
necessidade de reforma da Igreja, sobretudo por causa dos desvios e abusos
morais do clero, dos monges e das irmandades, da situação de fraqueza, incerteza
e falta de rumo, o metropolita de Kiev, Michael Rahoza (1588/9-1599), em 1590,
convoca os bispos para o Sínodo em Brest e expõe suas propostas reformistas
entre as quais a união com Roma. Rahoza via que nas condições em que se
encontrava a Igreja na Ucrânia, naquele difícil momento, não podia contar com
auxílio de Constantinopla e muito menos com Moscou. Apesar da situação
também pouco confortável com o rito romano por causa do domínio polono
lituano e tudo o que isso significava em termos políticos, sociais, econômicos,
culturais e eclesiais, Roma parecia ser a opção mais segura para se dirigir em busca
de auxílio. A proposta de Rahoza teve não poucos opositores da parte de bispos,
clero, monges, nobreza e do povo, sem falar na abertura de um largo caminho
que se tornou palco de graves incidentes e intensas batalhas com Constantinopla
e Moscou. Era o início de uma encruzilhada na Igreja ortodoxa que iria abrir um
novo caminho rumo a uma nova Igreja. As negociações com a Igreja de Roma
tiveram início em 1590 e, depois de longo tempo de preparação, de idas e vindas e
vários sínodos realizados, a União foi declarada (assinada) aos 23 de dezembro de
1595, em Roma, por delegados da Igreja ucraniana e pelo papa Clemente VIII. Foi
promulgada pela Santa Sé em 1º de fevereiro de 1596 e ratificada e promulgada
oficialmente no território ucraniano no Sínodo de Brest, realizado de 6 a 16 de
outubro de 1596.2
Os bispos promotores da união elaboraram um documento com 33
artigos nos quais reconheciam a autoridade do papa como chefe supremo da
Igreja e devotavam a ele fidelidade, mas colocavam condições da parte da Igreja
ucraniana. Eles declaravam o desejo de se subordinarem à jurisdição de Roma;
mas pediam, entre outras coisas, que o rito com suas tradições e costumes fosse
preservado, fossem preservados a liturgia, a língua, o calendário, a comunhão sob
as duas espécies, o clero casado, que os ucranianos não fossem obrigados aderir
2
WELYKYJ, Atanasius G. (org.) Documenta Unionis Berestensis Eiusque Auctorum 1590-1600.
Analecta OSBM, Series II, Sectio III. Roma: PP. Basiliani, 1970, p. XI-XV.
ao culto e fazer procissão de Corpus Christi, que não fossem obrigados a passar
para o rito latino. Enfim, que a estrutura da Igreja permanecesse oriental.
A parcela da Igreja ucraniana ortodoxa que se uniu a Roma, que se“tornou”
católica, passou a ser chamada de Igreja ucraniana uniata. Para a ortodoxia
tradicional, sobretudo de vertente russa, e para os adversários era considerada
uma Igreja cismática. A denominação greco-católica veio mais tarde e tem longa
história. Nos séculos seguintes, a Igreja uniata ou greco-católica passou por
muitas crises, conflitos, acusações, enfrentamentos internos e externos e por
perseguições. Mas ao mesmo tempo se espalhou pelo leste europeu, é claro,
não na proporção do protestantismo ou do calvinismo e exerceu um papel
importante naquela região. Concentrou-se mais na parte ocidental da Ucrânia. A
União com Roma dividiu a Igreja ucraniana em dois grupos: ortodoxos e uniatas
que passariam a degladiar-se no decorrer dos séculos seguintes como também
iria sacramentar-se um clima de intolerância entre os dois grupos cristãos.
Maria Teresa (1740-1780), imperatriz da Áustria, tolerante aos uniatas por serem
católicos, em 1774 “batizou-os” de greco-católicos. De 1595 a 1989 a Igreja uniata
ou greco-católica-ucraniana esteve subordinada aos impérios russo, polono
lituano, áustro-húngaro e soviético.3
No final do século XIX e início do século XX, os ucranianos foram
atingidos pela onda migratória europeia. Milhares de greco católicos migraram
para as Américas e Austrália e o clero os acompanhou. Para os novos territórios,
transplantaram também a Igreja, organizaram comunidades, paróquias e
eparquias (dioceses).
A Igreja que permaneceu no território ucraniano passou por grandes
tribulações: a Primeira Grande Guerra, a queda do império austro-húngaro, a
invasão soviética, a implantação do regime socialista, a Segunda Grande Guerra.
No dia 11 abril de 1945, o arcebispo de Lviv, José Slipy, foi preso e levado para
a Sibéria onde passou 18 anos no cativeiro. Nos dias 8 a 10 de março de 1946,
realizou-se o Sínodo de Lviv convocado pelas autoridades soviéticas e ortodoxas.
O sínodo decidiu romper com o Vaticano, liquidar a União de Brest e a Igreja grecocatólica, impondo à força a adesão à Igreja ortodoxa de Moscou. Desencadeia-se
o terror e a perseguição. Os greco-católicos que não aderiram à Igreja ortodoxa
de Moscou passaram a viver na clandestinidade e nas “catacumbas”. Dos oito
bispos greco católicos, Slipy foi o único que sobreviveu à perseguição soviética.
Os demais pereceram nos campos de concentração. A Igreja greco-católica foi
banida oficialmente do território da Ucrânia. Enquanto no território ucraniano
3
KOLODNIJ, Anatolij M. Istória Relihii v Ukraíni: katoletzezm. v. 4. Kiev: Vedavnetzvo Svit Znanh,
2001, p. 189-509.
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permanecia na clandestinidade, no silêncio das catacumbas crescia e florescia
na diáspora ocidental. A Igreja deslocou-se para o Ocidente sem uma autoridade
hierárquica central, mas em torno do representante e visitador apostólico grecocatólico junto ao Vaticano, o bispo Ivan Butcko.
Presença e participação da Igreja greco-católica-ucraniana no Concílio
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Quando o papa João XXIII anunciou o Concílio no dia 25 de janeiro de
1959, a hierarquia da Igreja greco-católica-ucraniana listava 16 bispos e arcebispos,
incluindo Joseph Slipy, arcebispo de Lviv, prisioneiro nos campos de concentração
na Sibéria.4 Estavam presos também os dois bispos de Praga, Paulo Goyditch,
que faleceu aos 17 de julho de 1960 e Vassil Hopko, que foi libertado em maio
de 1964, mas devido à sua frágil saúde não participou das duas últimas sessões
do Concílio. Do início ao encerramento do Concílio, a lista vai alterar-se e oscilar
entre 14 e 20 por causa de falecimentos, libertações e criação de novos exarcados
(bispados).5 Ainda na fase preparatória, faleceram Paulo Goyditch e Constantin
Bohatchevski. Foram nomeados Platon Kornyliak para Munich, Augustine Horniak
para Londres, Volodymyr Malanchuk para Paris, Andrij Sapelak para a Buenos Aires е
Joachim Segedi para Kryzivtsi (Yugoslávia)6. Participaram na condição de auditoras
as religiosas Cláudia Fedach, superiora geral das irmãs basilianas (1964-1965) e
Jeronima Khymij, superiora geral das Irmãs Servas de Maria Imaculada (1965).
Na abertura do Concílio e na primeira sessão, não estava presente o
arcebispo de Lviv, Joseph Slipy. Após cativeiro de 18 anos nas prisões soviéticas,
foi libertado no dia 26 de janeiro de 1963 por meio de uma intervenção do papa
4
1. Ivan Butchko, arcebispo de Roma, Itália (Visitador Apostólico desde 1939. Em 1942,
representante da Igreja greco-católica-ucraniana junto ao Vaticano); 2. Andrei Roborecky, bispo
de Saskatoon, Canadá; 3. Maxim Hermaniuk, arcebispo metropolita de Winnipeg, Canadá;
4. Neil Savaryn, bispo de Edmonton, Canadá; 5. Isidore Borecky, bispo de Toronto, Canadá;
6. Constantin Bohatchevsky, bispo de Filadélphia, USA; 7. Ambrose Senyshyn, arcebispo
metropolita de Philadélfia, USA; 8. Joseph Schmondiuk, bispo de Stamford, USA; 9. Nicola Elko,
bispo de Pittsburg, USA; 10. Stephen Kocisko, bispo de Pittsburg, USA; 11. Gavreil Bukatko,
arcebispo de Belgrado, Yugoslávia; 12. Vassil Hopko, bispo de Praga, Tchecoslovaquia; 13. Paulo
Goyditch, bispo de Praga, Tchecoslovaquia; 14. José Martenetz, bispo de Curitiba, Brasil; 15. Ivan
Prashko, bispo de Melbourne, Austrália.
5 Sobre a lista de bispos Greco-católicos que participaram do Concílio da primeira até a quarta
sessão conferir WELYKYJ, Atanasius. G. e HOLOWACKYJ, Rodion R. (org.). Diánia Vatekánskoho
Sobóru. v. I, Roma: Edizione dei pp. Basiliani, 1966, p. 272-276. (Ukrainska Dukhovna Biblioteca);
DUSHNIK, Walter. The Ukrainian-rite catholic church at the Ecumenical Council, 1962-1965. New
York: Shevtechenko Scientific Society, 1967, p. 121.
6 Platon Korniliak, nomeado bispo aos 7 de julho de 1959; Volodymyr Malanchuk, nomeado
aos 22 de julho de 1960; Augustine Hornyak, nomeado aos 14 de agosto de 1961; Andryj
Sapelak, nomeado aos 15 d outubro de 1961; Joachim Segedi, nomeado em 1963.
João XXIII junto ao governo soviético de Nikita Khrushchev. Chegou a Roma no
dia 9 de fevereiro e no dia seguinte João XXIII recebeu-o em audiência. Impedido
de voltar à Ucrânia, fixa residência em Roma. Nomeado membro da Comissão
para as Igrejas Orientais em setembro de 1963, participa do Concílio da segunda à
quarta sessão. Em dezembro de 1963, a Santa Sé reconhece e reafirma seu status
de arcebispo maior da Igreja greco-católica-ucraniana e metropolita de Lviv,
nomeia-o membro da Congregação Oriental e aos 25 de janeiro de 1965, Paulo
VI nomeia-o cardeal. A libertação de Slipy foi um marco importante para a Igreja
greco-católica da diáspora. Ela resgata seu ponto de referência em torno de seu
chefe, de seu cabeça, de sua autoridade eclesiástica maior que, juntamente com
seu episcopado, dirige seus destinos fora da Ucrânia.
A participação dos prelados greco-católicos seguiu o ritmo normal da
organização do Concílio desde sua fase de consulta e preparatória. Como todos
os bispos da Igreja católica, também os Greco-católicos receberam o convite
para apresentar propostas e sugestões para o Concílio. Dos 17 membros que
tinham direito de apresentar propostas (16 bispos e o protoarquimandrita da
Ordem Basiliana de São Josafat), 11 enviaram propostas e sugestões, os demais
silenciaram.7
A participação dos ucranianos foi notória já nas comissões preparatórias
em torno das dez Comissões e dos dois Secretariados desde 1960 até 1962. Na
Comissão de Teologia, estava Maxim Hermaniuk, arcebispo de Winnipeg e Platon
Korniliak, bispode Munchen. Na Comissão Apostolado dos Leigos, Gavreil Bukatko,
arcebispo de Belgrado. Da Comissão para as Igrejas Orientais, participavam dois
membros, um secretário e um conselheiro: Constantin Bohatchevski, bispo
de Filadélphia, que faleceu aos 6 de janeiro de 1961 e Ivan Butchko, arcebispo
de Roma; padre Atanásio Welykyj, osbm, Secretário e Conselheiro com direito
a voto como membro da Comissão e padre Meletyj Vojnar, osbm, Conselheiro.
Através de seu trabalho, estudo e dedicação estas pessoas contribuíram para
a preparação dos projetos das Comissões. Papel importante exerceu o padre
Atanásio Welykyj, osbm, como Secretário da Comissão para as Igrejas Orientais.
Entre os participantes ucranianos no Concílio, ele foi o único que exerceu tal
função desde 7 de julho de 1960, como Secretário da Comissão preparatória
nomeado pelo papa João XXIII, até 31 de janeiro de 1966, data do encerramento
dos trabalhos da Comissão e entrega dos documentos para o Arquivo do Concílio,
ao todo 135 tomos. A função de Secretário rendeu-lhe mérito e reconhecimento
do papa Paulo VI pelos trabalhos exercidos no Concílio em documento datado de
2 de maio de 1966, a essa época já protoarquimandrita da Ordem Basiliana.8
7
8
WELYKYJ, Atanasius. G. e HOLOWACKYJ, Rodion R. (org.). Diánia Vatekánskoho Sobóru. v. I, Roma:
Edizione dei pp. Basiliani, 1966, p. 273-274. (Ukrainska Dukhovna Biblioteca);
PATRYLO, Isidore. Jetiá i tvotchist otza Atanasia Velykoho (1918-1982) In: ANALECTA ORDINIS
SANCTI BASILII MAGNI. V. XII (XVIII, fasc. 1-4. Romae: Sumptibus PP. Basilianorum, p. 21-24.
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Membros da Igreja greco-católica-ucraniana participaram também de
Comissões e Secretariados durante o Concílio criadas em outubro de 1962 e
renovadas em 1963. Os ucranianos, nomeados por votação ou por indicação,
trabalharam basicamente em duas comissões conciliares: na Comissão para as
Igrejas Orientais e no Secretariado para a Unidade dos Cristãos. A Comissão para as
Igrejas Orientais, cujo trabalho foi exercido de 1962 a 1964, reunia maior número.
A primeira nomeação foi a do padre Atanásio Welykyj para Secretário da Comissão
preparatória, ainda em 1960, e renovada em setembro de 1962. Participava,
também, o padre Meletyj Vojnar como conselheiro e observador. Em setembro de
1963, foi nomeado membro da Comissão para as Igrejas Orientais o metropolita
de Lviv, Joseph Slipy. Em novembro de 1963, foi indicado para o Secretariado para
a Unidade dos Cristãos, por votação, com 1641 votos, o metropolita de Winnipeg,
Maxim Hermaniuk. De maneira que durante o Concílio trabalharam na Comissão
para as Igrejas Orientais, indicados por votação ou por nomeação, os seguintes
membros da Igreja ucraniana: 1. Ambrose Senyshyn, arcebispo metropolita de
Philadelfia, 1432 votos; 2. Gavreil Bukatko, arcebispo de Belgrado, 1101 votos; 3.
Ivan Butchko, arcebispo de Roma, 896 votos; 4. Andryj Sapeliak, bispo de Buenos
Aires, 837 votos; 5. Joseph Slipy, nomeado pelo papa Paulo VI; 6. padre Atanásio
Welykyj, Secretário, por nomeação; 7. padre Meletyj Voynar, consultor, nomeado
pela Comissão е 8. M. Hrynshyshyn, consultor, nomeado.9
Os ucranianos participaram também como relatores de projetos das
Comissões nas sessões conciliares plenárias. No dia 25 de novembro, o padre
Atanásio Welykyj apresentou o relatório do projeto ecumênico oriental “Sobre a
Unidade da Igreja: todos sejam um”. Maxim Hermaniuk, metropolita de Winnipeg,
dia 7 de outubro de 1964 relatou sobre a terceira parte do projeto “Sobre o
Ecumenismo” relacionado com as Igrejas Orientais. Gavreil Bukatko, arcebispo de
Belgrado, apresentou dois relatórios: dia 19 de novembro de 1963 sobre a terceira
parte do projeto “Sobre o Ecumenismo” e dia 15 de outubro de 1964 sobre o
projeto “Igrejas Católicas Orientais”. Esse tema fez com que dia 20 de outubro,
Bukatko voltasse ao plenário para responder questões e dúvidas dos padres
conciliares.10
Os ucranianos participaram no Concílio através de intervenções
públicas nas sessões plenárias como também através de intervenções escritas
que, dependendo das circunstâncias, ou foram votadas ou foram arquivadas.
Foram nada menos que 35 intervenções nas quatro sessões do Concílio sobre
temas como: liturgia (1), revelação (1), união das Igrejas (6), Igreja (4), bispos (2),
9
WELYKYJ, Atanasius G. e HOLOWACKYJ, Rodion R. (org.). Diánia Vatekánskoho Sobóru. v. I, Roma:
Edizione dei PP. Basiliani, 1966, p. 276-279. (Ukrainska Dukhovna Biblioteca).
10 WELYKYJ, Atanasius. G. e HOLOWACKYJ, Rodion R. (org.). Diánia Vatekánskoho Sobóru. v. I, Roma:
Edizione dei PP. Basiliani, 1966, p. 278-279. (Ukrainska Dukhovna Biblioteca).
ecumenismo (5), Igrejas orientais (4), Igreja no mundo (6), liberdade religiosa (3)
e missões (2). A primeira intervenção foi de dom Maxim Hermaniuk durante a
primeira sessão, dia 21 de novembro de 1962. Trata-se de uma carta declaração dos
bispos ucranianos aos padres conciliares, cujo título é significativo: “Nossa alegria
abraçou-se com a tristeza”. Nesta declaração, os bispos lamentam a ausência de
Slipy e reagem negativamente à presença de representante do patriarcado de
Moscou no Concílio.11 Entre os bispos interventores, aparecem Hermaniuk (11),
Slipy (5), Sapeliak (4), Bukatko (3), Elko e Malanchuk (2), Senyshyn, Roborecki,
Rusnak e Kosicko (1) e o padre Atanásio Welykyj (4).12
Além da participação nas comissões e nas sessões conciliares através
de seu episcopado, a Igreja ucraniana marcou presença no Concílio também
através de celebrações litúrgicas e outras manifestações de caráter religioso. Dia
13 de novembro de 1960, na abertura dos trabalhos preparatórios do Concílio,
foi celebrada a liturgia bizantina presidida pelo arcebispo Ivan Butchko com a
presença e participação do papa João XXIII. Foi um momento forte e marcante
não só para a Igreja greco-católica-ucraniana, mas para todas as Igrejas católicas
orientais. A respeito dessa data, o bispo Sapeliak faz a seguinte observação:
A abertura dos trabalhos da Comissão Preparatória teve início
oficialmente no dia 13 de novembro de 1960. O papa João
XXIII ordenou que todos os membros da Comissão Preparatória
participassem da divina liturgia pontifical em honra a dois grandes
santos do Oriente: o Padre da Igreja, são João Crisóstomo e o mártir
pela união das Igrejas, são Josafat, cuja festa era naqueles dias.
A divina liturgia foi presidida pelo arcebispo Ivan Butchko e cocelebrada pelos bispos dom Gavreil Bukatko e dom Platon Korneliak
e demais bispos e padres do rito bizantino. Estava presente o papa
e na língua cirílica, com pronúncia ucraniana, cantava partes da
divina liturgia como “a paz esteja convosco” e todas as bênçãos. A
divina liturgia foi cantada pelo coral dos seminaristas e estudantes
de teologia ucranianos de Roma. Foi a primeira vez na história que
na basílica de São Pedro ouviu-se a língua eslava antiga dos lábios do
Romano Pontífice.13
No decorrer das quatro sessões conciliares, aconteceram mais de uma
dezena de celebrações, liturgias, orações, manifestações de fé e cultos no rito
bizantino envolvendo a hierarquia Greco-católica ucraniana.14
11 SAPELIAK, Andrij, Ukrainska Tzerkva na II Vatykanskomu Sobori. Roma-Buenos Aires: Editora
Salesiana, 1967, p. 72.
12 WELYKYJ, Atanasius. G. e HOLOWACKYJ, Rodion R. (org.). Diánia Vatekánskoho Sobóru. v. I, Roma:
Edizione dei PP. Basiliani, 1966, p. 279-281. (Ukrainska Dukhovna Biblioteca).
13 SAPELIAK, Andrij, Ukrainska Tzerkva na II Vatykanskomu Sobori. Roma-Buenos Aires: Editora
Salesiana, 1967, p. 60. Dia 12 de novembro, São Josafat. Dia 13 de novembro, São João
Crisóstomo, segundo o calendário litúrgico oriental católico.
14 WELYKYJ, A. G. e HOLOWACKYJ, Rodion R. (org.). Diánia Vatekánskoho Sobóru. v. I, Roma: Edizione
dei PP. Basiliani, 1966, p. 283-284. (Ukrainska Dukhovna Biblioteca).
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Durante o Concílio, a hierarquia Greco-católica ucraniana se reunia, a cada
duas semanas, no Colégio São Josafat (Gianicolo-Roma) para discutir assuntos
relacionados ao Concílio, sobretudo para tratar e discutir questões relacionadas
à Igreja ucraniana. Entre os assuntos tratados pelo episcopado destacam-se
alguns de suma importância como: a libertação de Joseph Slipy (primeira sessão),
a questão do patriarcado ucraniano (terceira sessão), língua litúrgica e reformas
pós conciliares (quarta sessão). Além desses encontros, cada bispo também
participava das conferências episcopais de seu país de origem. Durante o Concílio
(1963, 1964, 1965), o episcopado greco-católico-ucraniano publicou três cartas
pastorais conjuntas.15
110
Para informar os fiéis da Igreja ucraniana sobre o andamento do Concílio e
principalmente sobre a atuação dos bispos, foi criado um centro de informações
responsável pela edição de notícias para a grande imprensa e para a comunidade
ucraniana, sob a coordenação de Andrij Sapeliak, bispo de Buenos Aires. Durante
a primeira sessão, era editado o boletim “Noticiario Ucraino”, em italiano, tendo
em vista a grande imprensa internacional. A partir da segunda sessão, os bispos
mudam de estratégia direcionando as notícias do Concílio para a comunidade
ucraniana da diáspora e também, até onde era possível, para os greco-católicos
das catacumbas na Ucrânia. Desde o início da segunda sessão era editado o
boletim “Vistei z Rêmu” (Notícias de Roma), em ucraniano. Em média, cada
edição do boletim tinha 13 páginas. No período das três sessões, o boletim era
editado semanalmente e trazia informações sobre os principais acontecimentos
do Concílio como encontros do episcopado, conferências, participação nos
debates, propostas e intervenções nas sessões plenárias. No intervalo das
sessões, era editado duas vezes ao mês, trazendo informações sobre os trabalhos
das Comissões das quais faziam parte sete padres da Igreja ucraniana. De 23 de
setembro de 1963 a 30 de dezembro de 1965, foram editados 67 boletins com
a colaboração de bispos, padres e leigos, entre teólogos, liturgistas, sociólogos,
canonistas e peritos em diversas áreas. O centro de informações não encerrou os
seus trabalhos com o término do Concílio. No período pós-conciliar, continuou
produzindo material informativo sobre o desenvolvimento da Igreja grecocatólica comandada pelo cardeal e arcebispo Joseph Slipy e foi substituído por
outros órgãos informativos. É necessário lembrar ainda que as notícias sobre o
Concílio eram divulgadas pela rádio Vaticano, sessão ucraniana, para o mundo
inteiro. E era através do rádio que os greco-católicos da Igreja do silêncio ficavam
informados sobre as decisões do Concílio. 16
15 WELYKYJ, Atanasius G. e HOLOWACKYJ, Rodion R. (org.). Diánia Vatekánskoho Sobóru. v. I, Roma:
Edizione dei PP. Basiliani, 1966, p. 285-286. (Ukrainska Dukhovna Biblioteca). SAPELIAK, Andrij,
Ukrainska Tzerkva na II Vatykanskomu Sobori. Roma-Buenos Aires: Editora Salesiana, 1967, p. 115117.
16 SAPELIAK, Andrij, Ukrainska Tzerkva na II Vatykanskomu Sobori. Roma-Buenos Aires: Editora
Salesiana, 1967, p. 145-149.
Os resultados, o significado e a recepção do Concílio
O Concílio Vaticano II foi para a Igreja greco-católica-ucraniana um divisor
de águas. Teve um significado ambivalente. Para muitos, foi renovação, novo
impulso para a vida da Igreja, vetor de orientação e segurança, injeção de ânimo
nas veias de uma Igreja dispersa por vários continentes. Para outros, o Concílio
foi mais um evento entre tantos promovido pela Igreja romana e teve pouco
significado para a Igreja ucraniana, pois sua expectativa não era aquela da Igreja
romana. Para outros, ainda, foi impulso para fomentar novas intrigas e divisões no
interior da própria Igreja Greco-católica.
Antes de mais nada e acima de todas as tendências, expectativas, opiniões,
resultados e frustrações, o Concílio marcou uma época para a Igreja Greco-católica
da diáspora e pelo menos dois fatos foram marcantes: o primeiro, a colegialidade
episcopal e o segundo, o resgate do símbolo da autoridade hierárquica superior
na pessoa do cardeal e arcebispo José Slipy. Era a primeira vez que o episcopado
se reunia para tratar dos problemas da Igreja da diáspora e agir em defesa da
Igreja “do cativeiro” em conjunto. Durante o Concílio, os bispos escreveram cartas
pastorais, declarações e documentos em conjunto. A voz dos padres conciliares
era a voz da Igreja ucraniana da diáspora e do cativeiro. Através de encontros
semanais, estudos, debates e do convívio durante o período das sessões, o
Concílio possibilitou que os bispos se conhecessem melhor, conhecessem os
problemas de cada Igreja particular dispersa pela Europa, Américas e Oceania.
O Concílio foi um marco importante para a unidade e colegialidade episcopal
que teve continuidade no Sínodo dos bispos. A libertação do arcebispo de Lviv,
Joseph Slipy, resgatou para a Igreja greco-católica-ucraniana a referência central
da unidade episcopal e da autoridade hierárquica. Por quase 20 anos, a Igreja
ficou acéfala, sem autoridade hierárquica central. Ele era o símbolo da unidade
eclesial, da autoridade hierárquica superior e do pastor que havia retornado para
apascentar e guiar o rebanho. Foi um dos grandes ganhos que a Igreja grecocatólica teve. Ela saiu do Concílio hierarquicamente fortalecida, com a identidade
renovada e mais consciente de seu papel na diáspora.
O Concílio fortaleceu a compreensão de Igreja e contribuiu para superar
e ampliar a visão de ecumenismo e unidade dos cristãos, arcaica e avessa, dois
problemas delicados e caros para os greco-católicos da diáspora e da Igreja das
catacumbas na pátria mãe. Essa questão não foi bem aceita e digerida pelos bispos
ucranianos, basta lembrar os protestos contra a presença de representantes do
patriarcado de Moscou no Concílio. Na diáspora, a convivência com a diversidade
religiosa e com o pluralismo religioso se constituía em desafio constante para
111
uma Igreja que pretendia ser diferente e manter-se fechada nos limites do rito, da
tradição e da cultura de seus fiéis. As diversas realidades onde ela estava presente
forçava olhar para além de suas fronteiras. Na Ucrânia, existindo numa situação
de clandestinidade e sob forte pressão ortodoxa, era impossível pensar em
ecumenismo e diálogo religioso durante o regime comunista. Isso só foi possível
depois da queda do regime a partir de 1989. Apesar do progresso que se tem feito
à luz dos ensinamentos do Concílio, ecumenismo e diálogo religioso continuam
sendo questões delicadas e tensas no território ucraniano atual.
Nos anos de 1965 e 1966, sob a coordenação dos padres Atanásio Welykyj
e Rodion Holowackyj, em cinco tomos, foram publicados, em ucraniano, todos os
documentos do Concílio. Em 1965, foram traduzidos e publicados os documentos
sobre Liturgia, Meios de Comunicação, Igreja, Igrejas Orientais e Ecumenismo. Os
demais foram publicados no ano seguinte, de maneira que a Igreja da diáspora
teve acesso aos documentos na língua materna e também na língua do país onde
estava presente.
112
Como foi a recepção do Concílio na Igreja da diáspora? Tratar da recepção
do Concílio Vaticano II na Igreja greco-católica é uma questão extremamente
complexa. De modo geral, a recepção foi lenta e temerosa e aconteceu de maneira
diferente em cada país onde a Igreja greco-católica está presente. Não chegou
ser uma revolução e não teve o mesmo impulso como na Igreja romana por dois
motivos. O primeiro motivo está relacionado à expectativa que essa Igreja tinha
do Concílio e o que ela esperava do Concílio. Os greco- católicos esperavam que
o Concílio tomasse uma atitude enérgica em relação ao comunismo, condenasse
o ateísmo, fizesse esforços para acabar com a perseguição comunista aos grecocatólicos nos territórios de domínio comunista e criasse um patriarcado para os
greco- católicos. Nessas questões, o Concílio foi cauteloso e os greco-católicos
não ficaram satisfeitos com os resultados. Há quem diga que o Concílio foi uma
derrota para a Igreja greco-católica, já que estava preocupado em dar uma
resposta pastoral aos problemas da Igreja no mundo, ao passo que os grecocatólicos estavam mais preocupados com a organização e recomposição das
estruturas internas da sua Igreja. Num primeiro momento, a Igreja greco-católica
não estava tão preocupada em fazer reformas pastorais mas em preservar a
tradição e o rito, uma vez que isso foi fortemente endossado pelo decreto sobre
as Igrejas Orientais.
Todavia, devemos considerar que a Igreja greco-católica da diáspora
considerava-se herdeira e baluarte responsável pela sobrevivência e continuidade
do rito e das tradições bizantinas, pois a Igreja na Ucrânia estava passando por
uma terrível perseguição e se lá fosse liquidada, sobreviveria na diáspora. O
episcopado da diáspora estava mais preocupado com a preservação do que com
a reforma da Igreja. Naquele momento histórico crucial, era mais importante
manter as tradições do que fazer grandes reformas no campo pastoral. Reformar
era um trabalho que exigia cautela, prudência e consciência de que seria um
empreendimento espinhoso e doloroso.
O segundo motivo faz-nos pensar numa diáspora intercontinental,
ou seja, na Igreja da Europa ocidental, das Américas e da Austrália. É uma
diáspora culturalmente heterogênea, social, política e economicamente
diferente. Na América do Norte e na Europa, predominava um forte senso
patriótico, nacionalista e partidário que se verificava em menor intensidade na
Argentina e era praticamente nulo no Brasil. A Igreja de cada continente e país,
embora portadora do mesmo rito, à época do Concílio, já havia desenvolvido
características específicas e, em boa medida, se adaptado e assimilado à cultura
do país de adoção. Cada Igreja já tinha uma história, uma caminhada e um ritmo
diferente. Em alguns países, como era o caso do Brasil, uma das imigrações mais
antigas, os fiéis herdeiros da tradição bizantina ucraniana já estavam entrando
na terceira geração e por mais de 70 anos estiveram sob a jurisdição da Igreja
romana. No Brasil, a Igreja greco-católica, dentro dos seus limites e condições,
absorveu o espírito reformista da Igreja romana.
Ainda durante o Concílio, foi criada uma comissão para traduzir os textos
litúrgicos. Nos anos seguintes, veio à luz a tradução da divina liturgia do eslavo
antigo para a língua ucraniana. O uso da língua ucraniana na liturgia, de um lado,
teve aceitação e apoio nos setores mais sensíveis às necessidades da Igreja e, de
outro, provocou enorme resistência de grupos conservadores e tradicionalistas do
clero, dos religiosos e também dos leigos. A Igreja da diáspora, principalmente na
Europa e na América do norte, já nessa época passava por uma fase de transição
e de crise. Os templos estavam se esvaziando porque as gerações mais jovens
já haviam absorvido a cultura local dominante e não falavam mais a língua de
seus pais nem tampouco compreendiam o eslavo antigo. Era um problema sério
e os setores mais sensíveis viam que a divina liturgia traduzida para o ucraniano
poderia trazê-los de volta para a Igreja. Esses setores iam um pouco mais adiante
sugerindo que nos países de cultura inglesa a liturgia fosse traduzida também
para o inglês. Estavam vendo que bom número de fiéis, a geração mais jovem,
frequentava as Igrejas romanas por causa das celebrações em inglês. No entanto,
os setores conservadores do clero, dos religiosos e também dos leigos viam na
tradução da liturgia para uma língua que não fosse a ucraniana um grande perigo
para a Igreja. Temia-se o esvaziamento da liturgia, do rito e até mesmo a perda
completa da tradição oriental bizantina ucraniana. A língua era considerada um
113
fator importante para manter e preservar as tradições como também um fator de
identificação e de pertença das pessoas à Igreja greco-católica-ucraniana.17
114
A tradução da divina liturgia para a língua ucraniana não foi a única
causa de tensão na Igreja. A Comissão Litúrgica fez algumas mudanças no
texto e introduziu/manteve palavras com significado ambíguo que foram
motivo para desentendimentos, conflitos e até divisões internas. A introdução/
manutenção da fórmula por exemplo “e por todos vós, cristãos ortodoxos” foi
interpretada (e continua sendo) a partir de uma perspectiva confessional. Por
“cristãos ortodoxos” entendeu-se “os fiéis das Igrejas ortodoxas”. Embora tenha-se
tentado dar explicações teológicas que não se trata de grupos religiosos, todo
trabalho foi em vão. O problema permanece até hoje. Em algumas comunidades
greco-católicas (não aqui no Brasil) mencionar “cristãos ortodoxos” durante a
divina liturgia é motivo para desencadear atitudes aguerridas, descontroladas e
agressivas por parte daqueles que tem os ortodoxos como rivais. Foi e continua
sendo uma perda enorme para a Igreja greco-católica em termos de ecumenismo
e de diálogo inter religioso. É um problema que mistura radicalismo nacionalista,
patriotismo fanático, fé irresponsável e obstrui a construção de caminhos para
paz e convivência pacífica entre os cristãos. É uma herança negativa para a Igreja
greco-católica.
Talvez um dos maiores problemas para a Igreja greco-católica pósconciliar foi a sua divisão em dois grupos: os patriarcais e os não patriarcais,
envolvendo bispos, clero, religiosos e fiéis. Os patriarcais exigiam a instituição
do patriarcado greco-católico o quanto antes e a todo custo. Os não patriarcais
também defendiam a criação do patriarcado, porém eram mais moderados,
cautelosos e seguiam de perto as orientações do Concílio. Eram a favor de uma
declaração oficial do Vaticano. Por isso, eram considerados contrários e inimigos
do patriarca, razão pela qual eram chamados de não patriarcais pelo grupo oposto.
O decreto sobre as “Igrejas Orientais” prevê: “onde for necessário, se erijam novos
Patriarcados, cuja constituição é reservada ao Sínodo Ecumênico ou ao Romano
Pontífice.18
Como já foi mencionado acima, a criação do patriarcado greco-católico foi
uma expectativa dos bispos ucranianos durante o Concílio e que não aconteceu.
No entanto, a ideia de uma Igreja patriarcal se transformou num movimento pelo
17 KUPRANETZ, Orest. Ukrainska móva liturhíjnoiú. SVITLO (The light), Toronto, ano XXVII, n. 11 (503),
p. 438-440, novembro 1964. É um artigo interessante onde o autor fala da realidade da Igreja
greco-católica no Canadá e da resistência em relação à tradução da divina liturgia para a língua
ucraniana. “[…] Geralmente nós não queremos ou temos medo de olhar com os olhos abertos
para a viva realidade e ver a nossa real situação e a ela adaptar-se principalmente quando ela
não é assim como gostaríamos que fosse […] Os problemas e as dificuldades de hoje não devem
nos assustar e ser razão para não introduzir a língua ucraniana nas celebrações litúrgicas.
18 COMPÊNDIO VATICANO II. Decreto Orientalium Ecclesiarum”. n. 11, 16. ed.. Petrópolis: Vozes,
1983.
patriarcado encabeçado pelo cardeal Joseph Slipy e sustentado pelos patriarcais
que ganhou força nos anos pós-conciliares. Esse movimento adquiriu contornos
políticos, patrióticos e nacionalistas. Muitas vezes foram radicais, violentos e
intolerantes nas suas ações em relação a quem não compartilhava de suas ideias.
No dia 12 de julho de 1975, durante a celebração da divina liturgia junto ao
túmulo de São Pedro, o cardeal Joseph Slipy foi proclamado patriarca da Igreja
greco-católica pelos patriarcais, fato não reconhecido pelo Vaticano. Aliás, esse
fato causou graves problemas nas relações com o Vaticano, como também abriu
espaço para agressões, violência e intolerância entre os dois grupos. É uma ferida
que permanece até os dias atuais.
E no Brasil? Como foi a recepção do Concílio pela Igreja greco-católica
ucraniana do Brasil? O que mudou e como foi sua caminhada pós-conciliar?
- Parece que as preocupações, tensões e o espírito patriótico nacionalista
da Igreja greco-católica-ucraniana da diáspora do hemisfério norte não afetaram
com tanta intensidade a Igreja ucraniana do Brasil. A situação da diáspora
ucraniana brasileira era diferente da dos países do hemisfério norte. O grosso da
população de imigrantes e seus descendentes vivia nas colônias e era anterior à
Segunda Guerra Mundial. A imigração do pós-guerra era menor que as anteriores
e, embora mais“politizada e patriota”, espalhou-se pelas cidades preocupando-se
mais com a sua sobrevivência do que com os problemas da Igreja ucraniana em
geral. O impacto dos grupos do norte não foi tão grande a ponto de mobilizálos e agrupá-los em torno de um movimento forte a favor do patriarcado, do
fim do comunismo ou da libertação da Igreja do silêncio. Patriotismo e espírito
nacionalista extremados parecia não ser uma característica da Igreja grecocatólica do Brasil. Aqui irá prevalecer a preocupação com a preservação do rito e
da tradição inclinada para uma perspectiva pastoral encampada pelo clero, mas
em grande parte pelas congregações e institutos religiosos femininos. O perfil
pastoral da Igreja greco-católica ucraniana brasileira deve-se, obviamente, ao
Concílio, mas principalmente à Igreja romana do Brasil e tudo o que significou a
reforma pós-conciliar por ela empreendida. A Igreja ucraniana serviu-se e continua
servindo-se dos planos, das diretrizes e dos projetos de evangelização da Igreja
romana do Brasil. Sua atividade pastoral tinha como finalidade evangelizar para
preservar a identidade do grupo, preservar e manter as tradições e o rito.
Mesmo assim, a Igreja greco-católica ucraniana não ficou isolada nem
indiferente e sofreu também o impacto das mudanças trazidas pelos ventos pós
conciliares como a mudança do hábito religioso, a “queda” da batina, o abandono
da vida religiosa e do sacerdócio. Ela também sentiu a diminuição de suas fileiras,
mas em proporção não tão dramática. Havia setores mais conservadores que
não aceitaram o Concílio nem as mudanças por ele trazidas. Não chegavam a
anatemizá-lo ou considerá-lo heresia, mas culpavam-no como responsável pela
crise, instabilidade e tempos incertos instaurados na Igreja. Padres conservadores
115
não aceitaram a tradução da divina liturgia para a língua ucraniana e até o fim
da vida continuaram celebrando em eslavo antigo. Para eles, o Concílio
havia desestabilizado a Igreja, acabado com a ordem e com a disciplina. Eles
não aceitavam a nova ordem que o Concílio havia trazido para a Igreja.
Apesar da resistência às mudanças pelos setores conservadores do clero
e dos religiosos, o Concílio deixa um saldo positivo para a Igreja greco-católicaucraniana do Brasil. Se, de um lado, o impulso pastoral não foi tão
formidável porque não encontrou respaldo na hierarquia, de outro, deve-se
reconhecer o trabalho das congregações e institutos religiosos femininos
que, bebendo dos planos pastorais da Igreja romana, formaram uma linha de
frente e desenvolveram uma pastoral de base nas colônias ucranianas. Todavia
era uma pastoral voltada para a preservação e manutenção das tradições e do
rito bizantino ucraniano.
REFERÊNCIAS
116
COMPÊNDIO VATICANO
Petrópolis: Vozes, 1983.
II.
Decreto
Orientalium
Ecclesiarum”.16.
ed..
DUSHNIK, Walter. The Ukrainian-rite catholic church at the Ecumenical Council,
1962-1965. New York: Shevtechenko Scientific Society, 1967.
GUDZIAK, Borys A. Crisis and Reform: the Kyevan Metropolitanate, the
Patriarchate of Constantinople, and the Genesis of the Union of Brest.
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Ukrainian Studies, 1998.
KOLODNIJ, Anatolij M. Istória Relihii v Ukraíni: katoletzezm. v. 4. Kiev:
Vedavnetzvo Svit Znanh, 2001.
KUPRANETZ, Orest. Ukrainska móva liturhíjnoiú. SVITLO (The light), Toronto, ano
XXVII, n. 11 (503), p. 438-440, novembro 1964.
PATRYLO, Isidore. Jetiá i tvotchist otza Atanasia Velykoho (1918-1982) In:
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SENYK, Sophia. A History of the Church in Ukraine: 1300 to the Union of Brest. v.
II, Orientalia Christiana Analecta, 289. Roma: Pontificio Istituto Orientale, 2011.
WELYKYJ, Atanasius G. (org) Documenta Unionis Berestensis Eiusque Auctorum
1590-1600. Analecta OSBM, Series II, Sectio III. Roma: PP. Basiliani, 1970.
WELYKYJ, Atanasius G. e HOLOWACKYJ, Rodion R. (org.). Diánia Vatekánskoho
Sobóru. v. I, Roma: Edizione dei pp. Basiliani, 1966. Ukrainska Dukhovna
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