o caminho das águas nas rotas dos carros-pipa

Transcrição

o caminho das águas nas rotas dos carros-pipa
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
O CAMINHO DAS ÁGUAS NAS
ROTAS DOS CARROS-PIPA
1
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ
Cid Ferreira Gomes
GOVERNADOR
Francisco Pinheiro
VICE - GOVERNADOR
Camilo Sobreira de Santana
SECRETÁRIO
SECRETARIA DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO
Wilson Brandão
SECRETÁRIO EXECUTIVO
SECRETARIA DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO
Marcelo Sousa Pinheiro
DIRETOR PRESIDENTE
INSTITUTO AGROPOLOS DO CEARÁ
2
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
COORDENAÇÃO
Mércia Cristina Mangueira Sales
EQUIPE TÉCNICA
Julien Daniel Pierre Burte
Lauriston Ferreira Gomes Neto
Marcia Neves Véras
Tesoro Hinojosa Hurtado
Veleida Couto
Vinicius Feijó Cordeiro
Vivianny Mary Jucá Bezerra
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Patrícia Verônica Pinheiro Sales Lima
SECRETARIA
Karla Patrício Alves Rezende
EQUIPE DE CAMPO
Edna Auzira Sousa
Francisco Abraão Lincoln Alves Cabral
Emanuel Cesar Chaves Maia
Jânio Pinheiro de Lima
José Wellington Ribeiro
Káritas Souza Lima
SISTEMATIZAÇÃO
Sheila Golabek Sztutman
Colaboração
Geísa Silveira do Nascimento
3
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 11
PARTE I - CENÁRIO ATUAL
1. CONTEXTUALIZAÇÃO ................................................................................................... 15
1.1 A Questão da Água no Ceará ........................................................................................ 15
1.2 Operação Pipa .............................................................................................................. 21
1.3. Políticas Públicas, Programas e Projetos voltados o Abastecimento de Água ............... 23
1.4. O Pacto das Águas e a Origem do Estudo .................................................................... 26
PARTE II - O CAMINHO DAS ÁGUAS NAS ROTAS DOS CARROS-PIPA
2. ESTUDO.......................................................................................................................... 31
2.1. Objetivo Principal........................................................................................................... 31
2.2. Abordagem metodológica .............................................................................................. 31
2.2.1. Análise Estatística ....................................................................................................... 32
2.2.1.1. Amostragem e sua justificativa ............................................................................... 32
2.2.1.2. Plano de Operacionalização das Variáveis ............................................................. 34
2.2.1.3. Justificativa e Descrição dos Métodos de Análise Estatística Selecionados ........... 37
2.2.2. Forma de Execução .................................................................................................... 39
3. CARACTERIZAÇÃO DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS ................................................... 45
4. ANÁLISE ESTATÍSTICA DO BANCO DE DADOS .......................................................... 56
4.1. Caracterização das comunidades - Aspectos sociais .................................................... 56
4.1.1. Características demográficas das comunidades ......................................................... 56
4.1.2. Características da saúde da população nas comunidades .......................................... 58
4.1.3. Nível de organização e apoio recebido pelas comunidades ........................................ 59
4.1.4. Problemas e conflitos nas comunidades ..................................................................... 65
4.2. A questão da água na comunidade ............................................................................... 67
4.2.1. A origem da água nas comunidades das bacias hidrográficas .................................... 67
4.2.2. Uso da água ................................................................................................................ 75
4.2.3. As mudanças na forma de coleta de água na comunidade ......................................... 76
4.2.4. Fatores que comprometem a disponibilidade de água para as famílias da
comunidade .............................................................................................................. 82
4.2.5. O uso da água do carro pipa ....................................................................................... 83
4.3. A qualidade da água nas comunidades ......................................................................... 85
4.4. Alternativas propostas pelas comunidades .................................................................... 86
5. DIAGNÓSTICO TÉCNICO – PARTICIPATIVO ................................................................ 90
5.1. Avaliação Técnica ......................................................................................................... 91
5.2. O olhar das comunidades .............................................................................................. 98
4
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
PARTE III - COSIDERAÇÕES FINAIS
6. Considerações ............................................................................................................... 103
6.1. Sistema de Informação ................................................................................................ 103
6.2. Análise da Pesquisa de Campo ................................................................................... 105
6.3. Gestão Compartilhada de Águas nas Comunidades Difusas....................................... 107
7. RECOMENDAÇÕES ..................................................................................................... 109
7.1. Estudos, Parcerias e Capacitação ............................................................................... 109
7.2. Programas e Projetos Executados .............................................................................. 110
7.3. Educação Ambiental e Comunicação Social................................................................ 112
8. CONCLUSÕES.............................................................................................................. 113
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 114
5
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
LISTA DE SIGLAS E ACRÔNIMOS
ASA - Articulação no Sem-árido Brasileiro
AVADAN - Avaliação de Danos
CAGECE - Companhia de Água e Esgoto do Ceará
CEDEC - Coordenadoria Estadual da Defesa Civil
COGERH - Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos
CONDEC - Conselho Nacional de Defesa Civil
COP - Conferência das Partes
CPRM - Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
CPTEC - Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos
DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
FECOP - Fundo Estadual de Combate a Pobreza
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
FUNCEME - Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos
GPS - Global Positioning System
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICID - Conferência Internacional Sobe Impactos de Variações Climáticas e Desenvolvimento
Sustentável em Regiões Semi-Áridas
IDACE - Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IDM - Índice de Desenvolvimento Municipal
IDS - Índice de Desenvolvimento Social
INMET - Instituto Nacional de Meteorologia
IPECE - Instituto de Pesquisas Econômicas e Estatísticas do Estado do Ceará
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MI - Ministério da Integração Nacional
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONGs - Organizações Não Governamentais
P 1MC - Programa 1 Milhão de Cisternas
P1 + 2 - Programa Uma Terra, Duas Águas
PAPP - Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural
PCPR - Programa de Combate à Pobreza Rural
PLANERH - Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Ceará
PNAD - Programa Nacional de Pesquisas Contínuas por Amostra de Domicílios
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROÁGUA - Subprograma de Desenvolvimento Sustentável de Recursos Hídricos para o
Semiárido Brasileiro
PRODHAM - Programa de Desenvolvimento Hidroambiental
PROGERIRH - Projeto de Gerenciamento e Integração dos Recursos Hídricos do Ceará
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PROURB-RH - Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão de Recursos Hídricos
PSJ - Projeto São José
REP – Reservas Ecológicas Particulares
6
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
SAAE - Serviço Autônomo de Água e Esgoto
SDA - Secretaria de Desenvolvimento Agrário
SISAR - Sistema Integrado de Saneamento Rural
SIG - Sistema de Informações Geográficas
SIGERH – Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos
SINDEC - Secretaria Nacional de Defesa Civil
SRH - Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará
SOEC - Superintendência de Obras do Estado do Ceará
SOHIDRA - Superintendência de Obras Hidráulicas
7
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Lista de Figuras
Figura 1 - Espelhos d’água - Ceará / 2006 ...........................................................................18
Figura 2 - Delimitação dos municípios pesquisados .............................................................42
Figura 3 - Proporção de comunidades em que a desorganização dos moradores é apontada
como um problema ou motivo de conflito, por bacia hidrográfica Ceará. ..............60
Figura 4 - Proporção de comunidades segundo a tipologia da associação, por bacia
hidrográfica do Ceará ...........................................................................................60
Figura 5 - Proporção de comunidades em que a baixa participação da comunidade na
associação é apontada como um problema ou motivo de conflito, por bacia
hidrográfica do Ceará. ..........................................................................................61
Figura 6 - Proporção de comunidades que acreditam que a desorganização da comunidade
agrava os problemas resultantes da disponibilidade de água, por bacia
hidrográfica Ceará ................................................................................................62
Figura 7 - Proporção de comunidades segundo opinião sobre o funcionamento da
associação, por bacia hidrográfica do Ceará ........................................................62
Figura 8 - Proporção de comunidades segundo a existência de articulação com
comunidades próximas, por bacia hidrográfica do Ceará .....................................63
Figura 9 - Proporção de comunidades segundo opinião sobre o principal problema/conflito 66
Figura 10 - Proporção de comunidades segundo a existência
de sistema de abastecimento, por bacia...............................................................73
Figura 11 - Principais instituições e projetos do governo estadual citados como responsáveis
pelo financiamento de projetos hídricos nas comunidades pesquisadas. .............78
Figura 12 - Principais instituições e projetos do governo federal citados como responsáveis
pelo financiamento de projetos hídricos nas comunidades pesquisadas. .............78
Figura 13 - Proporção de comunidades que possuem projetos de natureza individual, por
bacia hidrográfica .................................................................................................79
Figura 14 - Proporção de comunidades que possuem projetos de natureza coletiva,
por bacia hidrográfica ...........................................................................................79
Figura 15 - Proporção de comunidades segundo a satisfação com a qualidade da água na
comunidade, por bacia hidrográfica ......................................................................85
Figura 16 - Propriedade da Terra .........................................................................................91
Figura 17 - Percentual de Famílias Atendidas ......................................................................96
Figura 18 - Alternativas Apresentadas..................................................................................99
8
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Lista de tabelas
Tabela 1 - N° de Municípios Cearenses com Portaria de Reconhecimento por Ano............. 23
Tabela 2 - Principais Reservatórios da Bacia do Acaraú ...................................................... 45
Tabela 3 - Principais reservatórios da Bacia do Alto Jaguaribe ............................................ 46
Tabela 4 - Principal reservatório da Bacia do Baixo Jaguaribe e capacidade de
acumulação........................................................................................................ 48
Tabela 5- Principais reservatórios da Bacia do Banabuiú ..................................................... 48
Tabela 6 - Principais reservatórios da Bacia do Coreaú ....................................................... 49
Tabela 7 - Principais reservatórios da Bacia do Curu ........................................................... 50
Tabela 8 - Principais reservatórios da Bacia do Litoral ......................................................... 51
Tabela 9 - Principais reservatórios da Bacia do Médio Jaguaribe ......................................... 52
Tabela 10 - Principais reservatórios da Bacia Metropolitana ................................................ 53
Tabela 11 - Principais reservatórios da Bacia do Parnaíba .................................................. 54
Tabela 12 - Principais reservatórios da Bacia do Salgado .................................................... 54
Tabela 13 - Estatísticas descritivas da variável tamanho da comunidade (ha) ..................... 56
Tabela 14 - Estatísticas descritivas da variável número de casas ........................................ 57
Tabela 15 - Estatísticas descritivas da variável número de casas dispersas ........................ 57
Tabela 16 - Estatísticas descritivas da variável número de famílias ..................................... 58
Tabela 17 – Doenças mais freqüentes nas comunidades pesquisadas ................................ 59
Tabela 18 - Proporção de comunidades segundo a forma como a comunidade se
articula com o poder público local, por bacia hidrográfica Ceará. ....................... 64
Tabela 19 - Proporção de comunidades segundo o prestador de apoio externo
recebido ............................................................................................................. 64
Tabela 20 - Proporção de comunidades segundo o tipo de apoio externo recebido ............. 65
Tabela 21 - Proporção de comunidades segundo principais problemas e conflitos
existentes, por bacias hidrográficas do Ceará .................................................... 67
Tabela 22 - Proporção de comunidades onde existem fontes naturais de água, por tipo
de fonte e bacia hidrográfica Ceará.................................................................... 68
Tabela 23 - Proporção de comunidades onde existem fontes artificiais de água, por
tipo de fonte e bacia hidrográfica Ceará ............................................................. 69
Tabela 24 – Proporção de comunidades por tipo de problema associado às fontes
hídricas, por bacia hidrográfica do Ceará ........................................................... 70
Tabela 25 - Proporção de comunidades segundo as fontes de c aptação de água, por
tipo de fonte e bacia hidrográfica do Ceará ........................................................ 71
Tabela 26 - Estatísticas descritivas da variável número de cisternas na comunidade .......... 71
Tabela 27 - Estatísticas descritivas de demanda por cisternas............................................. 72
Tabela 28 - Proporção de comunidades segundo o tipo de reservatório de água, por
bacia hidrográfica do Ceará ............................................................................... 74
Tabela 29 - Proporção de comunidades segundo o tipo de uso da água, por bacia
hidrográfica do Ceará ......................................................................................... 75
Tabela 30 - Forma de uso da fonte hídrica nas comunidades pesquisadas.......................... 75
Tabela 31 - Proporção de comunidades segundo o tipo de projeto implantado para a
melhoria da disponibilidade de água, por bacia hidrográfica do Ceará ............... 76
Tabela 32 – Proporção de comunidades segundo a instituição responsável pela
implantação do projeto para a melhoria da disponibilidade de água,
por bacia hidrográfica do Ceará ....................................................................... 77
9
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 33 - Proporção de comunidades segundo o local de coleta de água no período
de seca, antigamente e hoje, por bacia hidrográfica do Ceará ........................... 80
Tabela 34 –Proporção de comunidades segundo os principais fatores que afetam a
disponibilidade de água, por bacia hidrográfica do Ceará .................................. 83
Tabela 35 - Proporção de comunidades segundo o meio utilizado para armazenar a
água coletada do carro pipa, por bacia hidrográfica. Ceará ............................... 84
Tabela 36 - Proporção de comunidades segundo os principais motivos que levam ao
consumo de água do carro pipa, por bacia hidrográfica. Ceará.......................... 84
Tabela 37 - Proporção de comunidades segundo as alternativas propostas para
resolução dos problemas hídricos, por bacia hidrográfica .................................. 86
Tabela 38 - Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM), o IDM - Índice de
Desenvolvimento Municipal e o Índice de Desenvolvimento Social de
Resultado (IDS- R) ............................................................................................. 92
Tabela 39 - Total de infraestrutura hídrica encontrada nas localidades visitadas ................. 97
Lista de Quadros
Quadro 1 - Variáveis selecionadas para caracterização das comunidade em seus
aspectos sociais ................................................................................................................... 34
Quadro 2 - Variáveis selecionadas para analisar a questão da água na comunidade .......... 36
Quadro 3 - Municípios Selecionados por Bacia Hidrográfica ................................................ 41
10
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
APRESENTAÇÃO
O uso do carro pipa está intimamente associado ao problema da distribuição de água a
populações rurais dispersas, carentes, que habitam regiões vulneráveis às secas.
No Ceará, muitas dessas regiões não ofereciam, até o início da década passada,
perspectivas para um desenvolvimento que justificassem, do ponto de vista econômico, a
implantação de sistemas modernos de abastecimento, cenário este que requer ser
reavaliado, em decorrência de ações implementadas de forma isolada por projetos diversos,
como por exemplo Eixão das Águas, Canal do Trabalhador, Cinturão das Águas, Projeto
São José, Projeto um Milhão de Cisternas, entre outros, permitindo sugerir ações de curto,
médio e longo prazos de soluções estruturantes.
Neste contexto, e a partir das discussões realizadas no Pacto das Águas, a Secretaria do
Desenvolvimento Agrário coordena um projeto que visa a substituição dos carros-pipa,
através da proposição de uma metodologia multidisciplinar, elaborada a partir de um
levantamento situacional e elaboração de diagnóstico, com apontamento de soluções
alternativas.
O Projeto em questão foi dividido em 5 etapas. A primeira, consistiu no diagnóstico
preliminar das razões que condicionam a presença dos carros pipa nas localidades,
potencialidades de supressão deste serviço e programas que possam dar sustentabilidade
às alternativas implementadas. Na segunda etapa, foi feito o levantamento dos recursos
naturais, capacidade de oferta e mensuração e qualificação da demanda de recursos
hídricos; A terceira etapa compreendeu as ações de visitas às localidades selecionadas e
levantamentos de dados através de observação e aplicação de questionários. Ainda nesta
etapa foram feitas as sondagens exploratórias para avaliação de potenciais. A amostra
constituiu-se de 3 rotas para cada uma das 11 bacias do Estado; Na quarta etapa concluiuse o diagnóstico, agregando-se às informações dos dados secundários os levantamentos de
dados primários coletados na terceira etapa e foram apresentadas as propostas de ações. A
quinta etapa, objeto deste relatório, apresenta a sistematização das informações e da
análise estatística, evidenciando os aspectos que devem ser observados para a definição de
uma estratégia e proposta de implementação de ações que visem resultados sistêmicos
num horizonte mínimo, para assegurar uma vida digna e sustentável no campo ou na
cidade.
Ao longo do estudo, fica evidente, também, que não há um caminho único a solução do
problema mas aponta para para o Desenvolvimento Local, uma vez que ele surge das
especificidades e das escolhas das comunidades envolvidas em cada situação.
Como conclusão e indicação para a formulação de políticas públicas de universalização de
acesso à água, o estudo sugere que este apoio deve respeitar as especificidades de cada
localidade, abstendo-se de impor modelos como se pode observar na prática recente, mas
por outro lado, deve-se sim estabelecer critérios mais abrangentes para avaliação dessas
experiências.
11
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
12
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Parte I
Cenário Atual
13
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
14
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
1.1. A Questão da Água no Ceará
"Que é uma seca? É um fenômeno de natureza física
com profunda repercussão nos meios econômico e
social. São efeitos seus, o deslocamento das
populações, a dizimação dos rebanhos, o
aniquilamento da lavoura, com o seguinte cortejo:
fome, morte, viuvez e orfandade; em uma palavra: a
miséria” (PINTO, 1938: 17)
Um dos problemas mais graves enfrentados no Estado do Ceará e que tem sido alvo de
vários programas governamentais é a questão da ampliação, distribuição e oferta pontual de
água para o abastecimento das populações.
Esta questão ficou mais evidenciada quando 142 municípios cearenses ficaram na
dependência de abastecimento de água através dos carros-pipa (seca de 1997/1998) e as
ações de precaução e prevenção, antes implantadas, se mostraram pouco efetivas na
mitigação desse problema.
Nesta seca, a questão da água foi uma das mais graves das últimas décadas onde, a
escassez da água afetou inclusive a população residente em algumas sedes municipais.
Assim, a partir de 1999, vários projetos governamentais postos em prática tiveram por
objetivo principal a implantação de sistemas simplificados de abastecimento de água. A
idéia era que esses projetos permitissem a gradual substituição dos carros-pipa e que
levassem até as comunidades mais distantes, água de qualidade e em quantidade
suficiente, garantindo segurança alimentar e hídrica para as famílias da região.
Para fazer frente às questões que envolvem o abastecimento de água, o Estado do Ceará
foi pioneiro na elaboração de um Plano Estadual de Recursos Hídricos - fruto de um rico
processo de aprendizagem e embate político e de um longo processo de luta para superar o
problema da escassez e má distribuição da água. Outros fatores também contribuíram para
que o Estado formulasse estratégias para um enfrentamento dessa questão, podemos
destacar:
As intervenções do governo federal, através do Departamento Nacional de Obras
Contra a Seca – DNOCS foram ponto de partida importante;
A introdução de uma mentalidade científico-tecnológica e o envolvimento mais
efetivo de técnicos qualificados nessa área do governo;
O apoio institucional-financeiro dos organismos internacionais na consolidação do
modelo em construção.
15
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
A criação da Secretaria dos Recursos Hídricos – SRH em 1987 que passa a atuar
de forma ativa no sentido de estabelecer os instrumentos técnicos, jurídicos e
institucionais para uma nova política de água e que contribuiria para diminuir a
vulnerabilidade do Estado às secas1.
Em dezembro de 1987 foi criada a Superintendência de Obras Hidráulicas – SOHIDRA, pela
lei n° 11.380, que veio substituir a Superintendência de Obras do Estado do Ceará - SOEC.
Esse órgão foi criado para neutralizar o “viés irrigação” inicial da SRH. Nesse mesmo ano, e
dentre a mesma reforma, a Fundação Cearense de Meteorologia – FUNCEME passa à
subordinação da SRH e tem como principal desafio trabalhar a questão dos recursos
hídricos do Estado, desempenhando um papel fundamental no fornecimento de dados e
informações sobre as questões técnicas essenciais para o desenvolvimento dessas
políticas.
Outro grande marco foi a criação da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos COGERH, em 1993, com a função de operacionalizar o gerenciamento dos recursos
hídricos no território estadual, que tem permitido ao Estado trabalhar de forma mais
harmoniosa eventuais restrições (desvantagens competitivas) decorrentes das incertezas
associadas às disponibilidades hídricas.
O Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Ceará – PLANERH subsidiou a
elaboração de programas objetivando a ampliação da infraestrutura hídrica e a
implementação do modelo de gerenciamento participativo, bem como forneceu a base para
elaboração de projetos que trabalharam a questão hídrica de forma integrada,tanto nos seus
aspectos hidrológicos (superficial, subterrânea e aéreo), como em relação aos usos e
finalidades múltiplas.
Assim, para garantir a concretização das ações previstas no Plano Estadual dos Recursos
Hídricos foi adotado como unidade de planejamento a bacia hidrográfica, dividindo o Estado
em 11 Bacias, a saber: Metropolitana, Alto Jaguaribe, Médio Jaguaribe, Baixo Jaguaribe,
Litoral, Parnaíba, Coreaú, Acaraú, Salgado, Banabuiú e Curu.
Foram financiados e postos em prática ações concretas através dos seguintes projetos:
Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão de Recursos Hídricos - PROURB-RH (1994),
PROJETO ÁRIDAS (1995), Subprograma de Desenvolvimento Sustentável de Recursos
Hídricos para o Semiárido Brasileiro - PROÁGUA/Semiárido (1998) e Projeto de
Gerenciamento e Integração dos Recursos Hídricos do Ceará - PROGERIRH (2000), todos
eles utilizando como base para o planejamento no Estado as bacias hidrográficas, que
permitiu orientar a execução de obras hídricas, visando um melhor aproveitamento desses
recursos e considerando as especificidades de cada região.
1
Marcos Legais Estaduais:
Capítulo VIII do Título VII da Constituição do Estado, que trata sobre as responsabilidades culturais, sociais e
econômicas relacionadas ao meio ambiente;
As leis 11.411 / 87 e 12.274 / 94, que dispõem sobre Política Estadual do Meio Ambiente e cria o Conselho Estadual
do meio Ambiente;
Lei 12.488/95 e Decretos 24.220/96 e 24.221/96, que dispõe e regulamentam a Política Florestal do Ceará e o
reconhecimento das REP – Reservas Ecológicas Particulares;
Leis 10.148/77 e 14.535/81, que dispõem sobre a preservação e controle dos recursos hídricos existentes no estado.
Plano de Desenvolvimento Sustentável (1995 / 1998).
16
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Nesses projetos, pela primeira vez, o processo de planejamento incorporava a idéia de
sustentabilidade recomendada tanto na ICID como na Conferência do Rio de Janeiro (ECO
92) e ampliava o significado desse conceito, que deixava de ser apenas ambiental, para
transformar-se em conceito global, pois nele as dimensões econômicas, sociais e políticas
assumiam papel fundamental. O conceito também incorporou uma visão de longo prazo,
requerida para a identificação de prioridades imediatas e futuras a serem colocadas em
práticas no esforço de planejamento para a superação definitiva da questão da água no
Estado.
Paralelo a esses trabalhos governamentais, e com a idéia de mudar a visão e a mentalidade
formada sobre a região, intensifica-se a ação da sociedade civil que começam a debater e a
construir estratégias capazes de promover uma convivência sustentável com o Sem-árido
com o apoio da cooperação internacional e, em 1999, juntam-se para criar a Articulação no
Semiárido Brasileiro durante a realização do Fórum Paralelo da Sociedade Civil, a III
Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação
(COP 3). Na ocasião, os participantes do evento discutiram e formataram a Declaração do
Semiárido Brasileiro, documento-base que orienta o trabalho da ASA.
Outro fator importante em busca da resolução dessa questão foi ampliação da capacidade
cumulativa de água ao redor de 17.562.230.000 m³ (Fonte: COGERH - Capacidade de
Armazenamento 2004), entre pequenos, médios e grandes reservatórios e o monitoramento
da quantidade disponível, pois, açudes com baixo volume hídrico obrigam a população do
sertão cearense a consumir água sem saber a procedência, situação agravada no período
de secas prolongadas, quando, em geral esses açudes transformam-se em pequenos
barreiros, que tem suas águas consumidas tanto pela população como pelos animais.
17
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Figura 1 - Espelhos d’água - Ceará / 2006
18
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Porém, é necessário empreender um esforço ainda maior para a superação dessa questão,
já que ainda existe no Estado um grande número de pessoas que são vulneráveis às secas
(cerca de 350.000 são atendidas por carros-pipa no Ceará, segundo o Exército),
principalmente as famílias que residem nas comunidades difusas, localizadas em áreas
distantes e que ainda não dispõem de oferta adequada de água, ficando sua sobrevivência
e permanência no campo dependente do fornecimento de água por carros-pipa ou da
existência de barreiros, pequenos açudes, poços profundos/aluvionais ou cacimbões.
Essa questão vem sendo retratada nos diversos meios de comunicação local2 que alertam
para a dificuldade que passam as famílias residentes nessas regiões.
Sem carros-pipa, situação se agrava nos municípios
A suspensão no abastecimento faz com que os sertanejos percorram de cinco a 10 quilômetros em busca do
recurso. As formas de transporte são as mais variadas. A pé, de bicicleta, de carroça, ou veículo motorizado.
Logo na entrada da localidade de Serragem, vê-se uma fila de tonéis ao redor de um poço profundo. Os
recipientes marcam o lugar de cada morador que vai ao local pegar água
''Às vezes desmantela (o motor que puxa água do poço) e o homem (um vereador da cidade segundo ele) ajeita
no outro dia. Mas é muita gente'', afirma o agricultor Francisco de Assis Pereira, que vai de sua comunidade,
chamada Vila São Francisco, até o poço.
''Lá são dois carros-pipa por semana, mas não é suficiente para as 50 famílias. Cada um pega seu baldezinho,
mas tem cinco ou 10 famílias que não tiram'', detalha ele, que nesses tempos de estiagem troca a enxada pela
pá de pedreiro. Ele reclama do tempo perdido na tarefa de carregar. ''Deixo de trabalhar pra vir aqui''.
Fonte: Jornal O Povo - 06 de fevereiro de 2006
Cidades do Ceará voltam a receber abastecimento dos carros-pipa
Mais de 400 municípios estão em situação de emergência por causa da seca no Nordeste. No Ceará, o estado
mais atingido pela estiagem, famílias sofrem com a falta de água até mesmo para beber. Muitas cidades que
estavam sem abastecimento voltaram a receber carros-pipa.
Só hoje o abastecimento voltou ao normal nas comunidades do sem-árido. Dos oito estados que recebem
recursos do Ministério da Integração Nacional para a Operação Pipa, o Ceará é o que tem mais municípios em
situação de emergência, 141.
Com os reservatórios secos e os açudes vazios este foi um período ainda mais difícil para o sertanejo. Foram
onze dias de espera pela água numa comunidade que tem 150 famílias e precisa ser abastecida diariamente
pelo carro-pipa. Durante a suspensão, quem não tinha condições de buscar água, teve de comprar.
Fonte: TV Verdes Mares - 20 de outubro de 2007
Ceará: 53 municípios pedem Operação Carro-Pipa
53 municípios cearenses entraram com pedido de abastecimento por meio de carro-pipa junto à Coordenadoria
de Defesa Civil do Estado. Deste total, 13 são atendidos pelo Exército Brasileiro e 30 já foram avaliados.
Esperam a elaboração do documento para definir a decretação de emergência.
Já os municípios restantes serão avaliados no decorrer deste ano, à medida que outras cidades também
entrarão com o pedido de abastecimento.
Por mais que o número de municípios atingidos pela estiagem seja menor em relação ao ano passado, a Defesa
Civil prevê que pode aumentar a quantidade de cidades atendidas pelos carros-pipas, à medida que ainda serão
realizadas mais avaliações nos municípios que enviaram decretos. “Ainda faltam dez cidades a serem avaliadas.
Nessa avaliação iremos analisar os prejuízos e se pode haver, ou não, decreto de emergência”, afirmou a
assessora técnica do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil do Estado, Ioneide Araújo.
Fonte: Diário do Nordeste - 21 de outubro de 2008
2
Destacadas em fundo azul: Informações compiladas do site da Secretaria Nacional de Defesa Civil e de entrevistas
realizadas com os responsáveis pela execução dos trabalhos de coordenação da Operação Carro Pipa no Estado do Ceará.
19
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Operação Pipa atende a 19 municípios no Estado
Mais seis municípios cearenses passaram a ser atendidos pela Operação Pipa, coordenada pela 10ª Região
Militar do Exército. Agora, são 19 cidades cujo abastecimento de água é feito por carros-pipa no Estado. A
quantidade deverá crescer ainda mais nas próximas semanas, pois o Corpo de Bombeiros/Coordenadoria
Estadual de Defesa Civil já pediu, ao Ministério da Integração Nacional (MIN), a inclusão de mais 16 unidades
municipais na operação.
A quantidade de municípios que solicitaram o auxílio da operação também aumentou. Já são 71 cidades
cearenses que pedem ajuda para garantir o abastecimento de água à população. Entre essas, as 36 que nem
foram aceitas nem estão em processo de aceitação têm a demanda sob avaliação da Defesa Civil Estadual.
Conforme a assessora técnica do órgão, Maria Ioneide Araújo, em alguns casos, falta apenas que os municípios
providenciem a documentação necessária.
Atualmente, as equipes do Exército estão cadastrando empresas e proprietários de carros-pipa, bem como
verificando as condições de funcionamento dos veículos. Além disso, está sendo conferido o total de famílias que
necessitam do socorro emergencial. Sem contar as seis cidades que ainda não estão sendo abastecidas, o
socorro beneficia cerca de 150 mil pessoas no Estado.
Fonte: Diário do Nordeste - 15 de Novembro de 2009
Sem água de beber no interior
Mais de 90% da população de Capistrano está sendo atendida por carro-pipa. Água é usada para beber e
cozinhar. Já a água para outros usos é salobra, inexistente ou sem regularidade de distribuição
A comunidade tem nome de país de primeiro mundo, mas as semelhanças com desenvolvimento param aí. No
vilarejo Japão, em Capistrano, no Maciço de Baturité, todas as 73 famílias precisam de carro-pipa para ter água
potável. “Não fosse o caminhão a gente morreria de sede”, resume a dona-de-casa Rosimar da Silva Freitas, 53.
Ela é uma das 351.140 pessoas atendidas no Ceará pela operação Pipa, do Exército, presente hoje em
comunidades de 58 municípios.
Fonte: O Povo (30 de novembro de 2009)
Carros pipa abastecem mais de um milhão no NE
O Ceará é, com 93 municípios, o segundo Estado tendo cidades sob situação de emergência, depois da Bahia,
que soma 153. São 1.076 carros-pipa em operação, sob a coordenação do Exército. A previsão é que haverá
chuvas abaixo da média no início de 2010.
Sem água para beber, 1.190.933 pessoas estão sendo atendidas por carros-pipa em 542 municípios em situação
de emergência em sete estados nordestinos e mais a região semi árida de Minas Gerais. São 1.076 carros-pipa
em operação, sob a coordenação do Exército, atuando em um esquema de rodízio com o envolvimento de 810
militares. De janeiro a novembro, foram investidos pelo Ministério da Integração Nacional R$ 144 milhões nessa
operação.
A Bahia é o Estado mais afetado, com 153 municípios sob emergência. Em seguida vêm Ceará, com 93;
Paraíba, com 77; Pernambuco, com 73; Piauí, com 58; Minas, com 43; Rio Grande do Norte, com 41; e Alagoas,
com quatro. Segundo o Comando Militar do Nordeste, a estiagem afeta comunidades em áreas de difícil acesso
até para os caminhões-pipa.
A situação tende a se agravar diante da previsão de chuvas abaixo da média histórica nos três primeiros meses
de 2010. O período chuvoso no sem-árido vai de janeiro a maio. A previsão é do Instituto Nacional de
Meteorologia (INMET), Centro de Pesquisas de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), Fundação Cearense de
Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME) e centros estaduais de meteorologia, que se reuniram durante
três dias, à semana passada, em Campina Grande (PB), para avaliar as condições climáticas do sem-árido.
20
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
”Os elementos são suficientes para se prever que as chuvas vão ser abaixo da média histórica no próximo
trimestre”, afirmou o coordenador do INMET- Recife, Raimundo dos Anjos. Segundo ele, o fenômeno atmosférico
El Niño, que provoca aquecimento nas águas do Pacífico Equatorial, ao largo do litoral do Peru, tem relação com
as chuvas do sem-árido quando apresenta intensidade moderada ou intensa. Desde outubro, El Niño está
moderado. A partir de janeiro, segundo ele, a região pode enfrentar veranicos, períodos de cinco a 15 dias sem
chuvas, em pleno período chuvoso. A temperatura, nos dias de veranico, poderá se elevar em até 4ºC.
Fonte: Jornal O Povo – 26 de dezembro de 2009
1.2. Operação Pipa
Até o ano de 2006, a operação pipa era executada pela Defesa Civil. A partir daí, o
Ministério da Defesa (MD) e o Ministério da Integração Nacional (MI) através da Portaria
Interministerial n º 7, de 10 de agosto de 2005, atribuíram ao Exército a responsabilidade de
fornecer apoio às ações de distribuição emergencial de água no sem-árido brasileiro.
As atividades de cooperação compreendem a distribuição de água potável,
preferencialmente por meio de carros pipa, às populações rurais e urbanas atingidas por
estiagem, com prioridade para os municípios que se encontram em situação ou estado de
calamidade pública, devidamente reconhecida por ato do governo federal.
A demanda por abastecimento através de carros-pipa parte da prefeitura, que juntamente
com o COMDEC (Conselho Municipal de Defesa Civil) realiza a avaliação dos desastres e
danos e solicita a decretação de emergência do município. A partir de então o CEDEC
(Coordenadoria Estadual da Defesa Civil) envia uma equipe ao local para a verificação das
informações e envia para o Ministério da Integração Nacional.
O Manual para a decretação de situação de emergência ou de estado de calamidade
pública estabeleceu uma sistemática de critérios e procedimentos para a decretação das
duas possibilidades legais de exceção em caso de desastre, a serem adotados por todos os
órgãos de defesa civil, válido em todo território brasileiro.
A decretação de situação de emergência ou de estado de calamidade pública não é
e não deve ser feita com o objetivo único de recorrer aos cofres do Estado ou da
União, para solicitar recursos financeiros.
A decretação significa a garantia plena da ocorrência de uma situação anormal, em
uma área do município, que determinou a necessidade de o Prefeito declarar
situação de emergência ou estado de calamidade pública, para ter efeito "na
alteração dos processos de governo e da ordem jurídica, no território considerado,
durante o menor prazo possível, para restabelecer a situação de normalidade".
21
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Com a aprovação pelo Conselho Nacional de Defesa Civil, essas solicitações são
repassadas ao Exército, que executa a operação. Para que os municípios sejam atendidos
por essa sistemática é necessário que estejam, com os mandados de situação de
emergência vigentes pela seca e enviem solicitação à Coordenadoria de Defesa Civil
Estadual, responsável pela articulação junto ao Ministério da Integração Nacional e todos os
documentos necessários a validação da solicitação (Decreto(s) de Declaração do(s)
Prefeito(s) Municipal(ais); Decreto de Homologação do Governador; Cópia da publicação do
Decreto do Governador no Diário Oficial do Estado; Formulário(s) de Avaliação de Danos AVADAN; Mapa(s) ou Croqui(s) da(s) área(s) afetada(s) pelo desastre; Parecer do Órgão de
Coordenação do SINDEC, em nível estadual, sobre a intensidade do desastre e sobre a
coerência dos atos, em relação aos critérios estabelecidos pelo CONDEC; Declaração
Estadual de Atuação Emergencial, conforme Decreto Nº 5.376 (art. 17 parágrafo 3º). Todo o
processo, até iniciar a distribuição, demora em torno de 15 dias.
O Exército é responsável pelo cadastramento das famílias e definição de: periodicidade de
abastecimento das casas, quantidade de litros de água por mês, local de colocação da água
(geralmente cisternas em boas condições, não sendo autorizada a colocação em tanques),
atestador (responsável na comunidade), para, a partir daí, selecionar os proprietários dos
carros-pipa (pipeiros) com suas respectivas rotas e fontes hídricas. Fica também sob sua
responsabilidade a administração e fiscalização da distribuição de água potável.
Para o controle na distribuição da água cada agrupamento de famílias recebe uma senha
que deverá ser entregue aos pipeiros no momento do abastecimento. O valor pago
corresponde às despesas com quilometragem, manutenção do carro e água. No caso de
atendimento espontâneo, a comunidade paga entre R$ 55,00 e R$ 100,00 dependendo da
distância da comunidade até a fonte de abastecimento.
Vale ressaltar que o trabalho de distribuição de água com carros pipa ocorre durante todo o
ano, entretanto, é nos meses de outubro a fevereiro, antes da quadra chuvosa, que este se
intensifica. Antes de ser decretado o estado de emergência, essas comunidades, em geral,
ficam a mercê das águas acumuladas em barreiros, açudes de pequeno porte e cacimbões.
Esses reservatórios, em geral, são utilizados tanto para abastecimento humano como dos
animais, o que representa um enorme risco para a saúde dessa população, já que
verificasse a contaminação pela fauna microbiana existente nas águas dessas fontes principalmente a bacteriana, de microalgas e verminoses - contaminadas pelos dejetos
animais, pela decomposição da matéria orgânica animal e por outras fontes existentes no
campo que, naturalmente, são carreadas pelas águas das chuvas para o interior dos
barreiros e açudes, trazendo riscos à saúde da população usuária.
A 10ª Região Militar é responsável pela Coordenação da Operação Pipa, monitorando as
seguintes Organizações Militares: 23° Batalhão de Caçadores, 25° Batalhão de Caçadores,
10° Depósito de Suprimentos, Parque Regional de Manutenção 10, 40° Batalhão de
Infantaria e 22° Batalhão de Infantaria.
22
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 1 - N° de Municípios Cearenses com Portaria de Reconhecimento por Ano
Ano
Municípios
2003
66
2004
2
2005
121
2006
141
2007
139
2008
93
2009
72 (*)
Fonte: Defesa Civil - Ceará
1.3. Políticas Públicas, Programas e Projetos voltados o Abastecimento de
Água
O fenômeno da seca possui conseqüências sociais graves e duradouras, contribuindo com a
insegurança alimentar da população e outros problemas sociais, incluindo a incidência de
inúmeras doenças. Devido à desnutrição e ao consumo de água de baixa qualidade, por
exemplo, a taxa de mortalidade infantil na região do semi árido é historicamente a maior do
país.
As populações difusas, pouco foram assistidas pelo poder público. Devido ao descaso das
autoridades e governos, as ações implementadas foram essencialmente compensatórias
(assistencialistas) e não-estruturantes. As políticas públicas de convivência com o sem-árido
já implementadas no Estado, ainda não chegam, de forma satisfatória, ao ponto de modificar
substancialmente o cenário existente. Os programas de captação e adução de água para
populações difusas ainda não têm a amplitude necessária diante das carências e
necessidades observadas.
Atualmente, a determinação do Governo do Ceará de não tratar o problema da seca como
um fenômeno emergencial e sim passível de ações estruturantes se reflete nos programas
executados através das Secretarias de Estado e seus programas, notadamente a Secretaria
do Desenvolvimento Agrário, Secretaria das Cidades) e a Secretaria de Recursos Hídricos,
integrados com os programas da esfera federal, municipal, iniciativas municipais e da
sociedade civil, quais sejam:
Iniciativas do Governo Federal:
Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF): tem por finalidade apoiar
as atividades dos agricultores da região, por meio do financiamento de tecnologias
de convivência, como a construção de obras hídricas (cisternas, barragens) para
consumo humano e produção.
23
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Projeto Dom Helder Câmara: desenvolve um conjunto de ações referenciais para o
desenvolvimento sustentável do Sem-árido, buscando garantir a inserção
competitiva, não subordinada, e o empoderamento de agricultores familiares na
formação, implementação e controle social de políticas públicas. O projeto
desenvolve ações de segurança hídrica, segurança alimentar, produção,
comercialização, gestão social e acesso ao crédito.
Subprograma Proágua/Semiárido: vinculado à Agência Nacional das Águas e ao
Ministério da Integração Nacional, visa garantir a ampliação da oferta de água de boa
qualidade para o semi árido brasileiro, com a promoção do uso racional desse
recurso, com ênfase na gestão participativa. A prioridade é o fornecimento de água
potável à população do semi árido por meio da construção de barragens e adutoras.
Projeto Água Doce / Sede Zero no semiárido: lançado pelo Ministério do Meio
Ambiente, para atender à população ainda sem acesso permanente e sustentável a
fornecimento de água potável, especialmente na região do sem-árido do Nordeste.
Apóia a implantação de pequenas usinas de dessalinização, viabilizando
abastecimento de água doce para consumo humano em regiões que têm grande
quantidade de água salobra.
No Ceará, o projeto implantou pequenos sistemas de abastecimento, tendo inovado
na implantação de dessalinizadores com fichas, propiciando à comunidade a
possibilidade de manter o sistema de forma mais autônoma.
Projeto Cisternas - tem como uma das ações prioritárias de segurança alimentar a
construção de cisternas no semi árido que beneficia famílias de baixa renda que não
disponham de fonte de água, ou meio suficientemente adequado para armazená-la,
a fim de suprir suas necessidades básicas, e que estejam enquadradas nos critérios
de elegibilidade do Programa Bolsa Família, do governo federal.
Ações do Governo Estadual
Projeto São José – iniciado em 1999, com recursos do Banco Mundial (75%),
Governo do Estado do Ceará (15%) e contrapartida da comunidade (10%) tem como
objetivo melhorar as condições de vida de milhares de famílias da zona rural e vem
contribuindo para elevar a qualidade de vida para a população de 177 municípios e
está no contexto do PACS – Programa de Ações de Convivência com o Semiárido.
PRODHAM – (Projeto de Desenvolvimento Hidroambiental 2001-2009), concebido
como parte integrante do Programa de Gerenciamento e Integração dos Recursos
Hídricos do Estado do Ceará, PROGERIRH, constitui um dos projetos-piloto
prioritários do Governo do Ceará e busca preencher uma parte dos objetivos, de
promover a sustentabilidade dos recursos hídricos do Ceará, mitigando os efeitos
sociais e econômicos das secas e corrigindo o processo de degradação ambiental
causado pela conjugação dos períodos cíclicos de estiagem e uma forte pressão
antrópica que atua especialmente nas nascentes das bacias hidrográficas.
24
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Elaborado, implementado e coordenado pela Secretaria dos Recursos Hídricos –
SRH, com o apoio financeiro do Banco Mundial (empréstimo 4531-BR), o projeto
visa globalmente desenvolver, em caráter piloto e experimental, ações articuladas e
sustentáveis de recuperação/preservação dos recursos ambientais (hídricos,
florestais,...) e de desenvolvimento socioeconômico no âmbito dos biomas / regiões
de comunidades rurais.
Ações para redução dos processos de erosão, de acumulação natural de umidade
e sedimentos articulados com a experimentação de modelos de produção
adequados à realidade das populações rurais e construção de infraestruturas
hídricas foram efetivados nos municípios de Aratuba, Canindé, Paramoti, Pacoti e
Palmácia.
Programa de Abastecimento de Água de Pequenas Comunidades executado
pela SRH tem por objetivo solucionar problemas de abastecimentos de água através
de ações. A solução idealizada para solucionar o abastecimento d´água está assente
na combinação de poços, construídos no embasamento cristalino, mesmo com as
limitações de vazão e qualidade d´água, em combinação com a utilização de
dessalinizadores ou associados ao uso adequado de cisternas individuais. O
programa, implantado através da SOHIDRA, tem como princípios a busca da autosustentabilidade, a parceria com as prefeituras e empresas de saneamento e a
necessidade de conscientização da própria comunidade.
Poços do Sertão viabilizou a construção de poços aluvionais em todo o Estado do
Ceará. Até junho de 2002, foram implantados 2.771 poços rasos em 87 municípios. A
estimativa era então que, em todo o Estado, fossem implantados 5.000 poços rasos
similares até 2003.
FECOP – Fundo Estadual de Combate à Pobreza tem como orientação principal o
combate à pobreza a partir da criação de meios para o fortalecimento do patrimônio
individual e social das áreas pobres. Assim, sua finalidade maior é promover
transformações estruturantes que possibilitem um efetivo combate à pobreza
incluindo-se aí o financiamento para implantação de sistemas de abastecimento
d'água e esgoto.
As Experiências Municipais
Projeto Pingo d’água, desenvolvido no Vale do Forquilha, município de
Quixeramobim, desde 1998, o projeto busca a solução integrada de abastecimento
da população e irrigação no meio rural através do fornecimento da tecnologia simples
e cessão dos equipamentos para perfuração de poços artesianos em áreas de
aluviões, as margens do rio, que se integrou as ações de eletrificação rural e
construção de kits sanitários, propiciando energia para a ligação de bombas de
irrigação e a melhoria das condições de higiene de mais de 300 famílias já atendidas
no município.
25
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Contribuições da sociedade civil
Programa 1 milhão de cisternas – P1MC, gerenciado pela sociedade civil, com
recursos do governo federal, busca ofertar alternativas tecnológicas para o
aproveitamento das águas de chuva, visando solucionar ou amenizar o problema
de escassez ou falta de água potável nas áreas rurais do sem-árido brasileiro.
1.4. O Pacto das Águas e a Origem do Estudo
Coordenado pelo Conselho de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos da Assembléia
Legislativa do Estado do Ceará, o Pacto das Águas teve por objetivo articular o Poder
Público e a sociedade civil cearense para um planejamento estratégico acerca dos recursos
hídricos do Estado, oferecendo soluções para uma gestão sustentável das águas no Ceará.
O Pacto foi integrado por órgãos dos executivos estadual e federal, pelo poder público
municipal, universidades, sociedade civil e pelos comitês de bacias. Na composição estão
instituições como: Universidade Federal do Ceará, Agência Nacional das Águas (ANA),
Cagece, União dos Vereadores e Câmaras do Ceará (UVC) e Articulação do Sem-árido
Brasileiro (ASA).
Fórum legítimo para a discussão sobre os recursos hídricos do Estado já no seu lançamento
recebeu como sugestão do Governador Cid Gomes a elaboração de proposta de integração
de todas as bacias hidrográficas de nosso território. O governador propôs a interligação das
bacias e a criação do Cinturão de Águas do Ceará3 que, somados com a transposição do
São Francisco, poderão garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos no Estado. O
governador lembrou ainda que Ceará foi o primeiro Estado a elaborar um plano de recursos
hídricos, há 15 anos, e que está na hora de se fazer uma revisão neste plano.
O governador Cid Gomes defendeu também a extinção do uso dos carros pipa no Ceará. De
acordo com o governador, a existência de caminhões para a distribuição de água é uma
“vergonha” que deve ser erradicada de uma vez por todas.
O Pacto teve por objetivo construir, de forma conjunta e participativa, um conhecimento
sobre a realidade dos recursos hídricos do Estado e buscou identificar propostas de como
superar os desafios, a posição de cada município diante destes desafios, visando definir
ações, responsabilidades e compromissos locais no seu enfrentamento, contribuindo assim
para uma melhor política pública voltada para a questão da água e, conseqüentemente, pela
melhoria das condições de vida da população.
No documento “Cenário Atual dos Recursos Hídricos do Ceará” ficaram evidenciados como
“grandes desafios” para o estabelecimento do Plano Estratégico dos Recursos Hídricos:
3
O “Cinturão de Águas”- CAC é um projeto já em execução pelo Governo do Estado como parte do Programa de Garantia
Hídrica para Múltiplos Usos, que é de fundamental importância para o abastecimento das populações rurais, pois quando
estiver totalmente associado aos traçados do projeto de transposição, do Eixo de Integração e do Canal do Trabalhador, o
CAC estabelecerá um verdadeiro cinturão de águas que contornará a grande maioria do território cearense com uma
configuração espacial muito próxima da do próprio Estado. A proposta permitirá a adução das águas transpostas para a
maioria do território cearense, inclusive para as regiões mais secas do Estado, bem como para aquelas de potencial turístico e
econômico.
26
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Estabelecer políticas públicas capazes de induzir o modelo de desenvolvimento que
considere as vocações do Estado, sua estrutura social, cultural e ambiental com
justiça e equidade na gestão das águas;
Estabelecer e implementar uma política estadual de convivência com o sem-árido
continuada e construída de forma descentralizada e participativa;
Desenvolver consciência e a capacidade de convivência com o sem-árido a partir de
programas de comunicação permanente, educação ambiental formal e para a
sociedade em geral, contextualizados para o meio rural e urbano.
Garantir a articulação interinstitucional e adequação legal para efetivação do
SIGERH de acordo com seus princípios, objetivos e diretrizes;
Garantir de forma sustentável, água em quantidade e qualidade para os múltiplos
usos da população difusa;
Estrutura política de saneamento sustentável que contemple todos os portes de
sistemas e as necessidades da população, seja em grandes aglomerados ou
pequenas localidades rurais com controle social, regulação, fiscalização e
monitoramento público, buscando a universalização do acesso com qualidade;
Garantir o aumento da oferta hídrica nos seus diferentes aspectos complementar a
infraestrutura de acumulação, interligar bacias e melhorar a eficiência na demanda.
A partir dos desafios apresentados, as discussões levaram à elaboração do Plano
Estratégico que busca fortalecer o conceito de gestão integrada dos recursos hídricos. O
Plano definiu e deve ser implementado através de Programas Estratégicos Gerais,
Programas por Eixo Temático e Programas Indicativos, como segue:
Programas Estratégicos Gerais
Programa Garantia Hídrica para Múltiplos Usos
Programa Gestão Hidroambiental Integrada
Programa Sistema Integrado de Informações
Programa Estudos, Pesquisas e Difusão
Programa Ensino, Capacitação e Formação
Programa de Comunicação Social
Programa Revisão e Atualização da Legislação Estadual de Recursos Hídricos
Programas Por Eixo Temático
Eixo Água para Beber
Eixo Água e Desenvolvimento
Eixo Convivência com o Semi Árido
Eixo Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos
27
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Programas Indicativos
Programa de Fortalecimento Institucional dos Órgãos Executores do Sigerh
Programa de Fortalecimento do Turismo Sustentável e Participativo
Os programas visam dar ênfase à gestão da demanda, pela eficiência do uso e da
conservação da água, tornando o consumo mais eficiente, reduzindo os desperdícios em
todos os usos pela aplicação de tecnologias inovadoras.
O Plano enfatiza que, “para sua implementação efetiva é fundamental que haja uma
integração das ações e intervenções institucionais - públicas e privadas, considerando a
bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gestão, evitando a setorialização das
inúmeras instituições envolvidas, em seus diferentes níveis – Federal, Estadual e Municipal”.
Também é ressaltada a necessidade do “desenvolvimento de um amplo programa de
educação e de comunicação social, para que toda a sociedade cearense compreenda a
complexidade de sua realidade climática e passe a adotar hábitos de um cidadão que
convive com o semi árido”.
Para a implementação das ações, o Plano Estratégico apresenta um conjunto de demandas
de estudos e pesquisas No que diz respeito ao Eixo Convivência com o Semi Árido, é
consenso que o Estado deverá manter a sua política de gestão da oferta de água,
buscando, incessantemente, aumentar a oferta hídrica, pela construção de mais
infraestrutura de armazenamento, de transferência e de distribuição de água, tendo por base
o conhecimento tanto do potencial de cada bacia, incluindo-se aí as águas subterrâneas e
aluvionais, como também as ações de integração e transposição. No que diz respeito à
qualidade da água, ações voltadas à conscientização e educação são fundamentais.
No Cenário traçado pelo Pacto das Águas, constata-se que “em anos em que ocorre o
fenômeno das secas, o Ceará, de um modo geral, é o Estado que possui maior número de
cidades em situação emergencial. Nestes anos secos – ou mesmo no período seco de anos
chuvosos, como 2009 – o Governo e as Prefeituras dos Municípios envolvidos pela seca,
têm que distribuir água em carro pipa, para minimizar os efeitos da estiagem” sendo que “as
chamadas populações difusas, que vivem em pequenos núcleos, enfrentam problemas para
a viabilização de adutoras ou para a construção de uma rede de distribuição, e continuam
dependendo dos carros pipa e das cisternas, que são soluções complementares”.
Isto posto, este estudo empreendeu esforços para aprofundar os conhecimentos de forma
conjugada entre a literatura e estudos disponíveis vis a vis com os levantamentos técnicos e
de avaliação do capital social realizados in loco, assim como procurou traçar um cenário
possível de envolvimento e comprometimento das instituições e dos atores sociais para a
construção de um conjunto de ações e políticas que proporcionem a erradicação do carro
pipa.
28
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Parte II
O Caminho das Águas nas Rotas do Carro Pipa
29
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
30
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
2. ESTUDO
2.1. Objetivo Principal
O presente estudo tem por objetivo principal construir uma metodologia de atuação no
semi árido para erradicar o uso do carros pipa no abastecimento das populações difusas,
distribuídas nas 11 bacias hidrográficas do Estado do Ceará.
2.2. Abordagem metodológica
Tendo como pano de fundo o painel descrito no documento Cenário Atual dos Recursos
Hídricos do Ceará e objetivando uma melhor compreensão da questão apresentada a
metodologia selecionada repousa sobre três ações/enfoques complementares:
Realizar um levantamento estruturado de todas as informações existentes no Estado
(tomando como base o ano de 1998) das rotas dos carros-pipa e dos programas
governamentais e não governamentais implantados no Estado do Ceará, gerando, a
partir daí, um Banco de Dados que garanta informações adequadas sob a realidade
do Estado, proporcionando um planejamento territorial mais adequado;
Diagnosticar, tendo como referência os aspectos geoambientais do Estado, as
questões físicas, sociais, econômicas e políticas que condicionam o uso dos carrospipa;
Atuar como estimulador de uma reflexão coletiva (nas comunidades e na sociedade
em geral), destinada a identificar/discutir e analisar os diversos aspectos, bem como,
construir cenários futuros, identificando ações e potencialidades.
Para realização dessas atividades adotou-se como princípio metodológico a Participação
Social - ressaltando a importância do envolvimento dos diversos atores sociais na vida
social, econômica e política, mediante mecanismos e canais que permitam entrar e influir na
esfera decisória, na qual se define a direção que vai tomar o processo de desenvolvimento.
A participação social representa uma possibilidade real de influir na tomada de decisões,
em particular no que diz respeito aos assuntos de vital importância para a vida dos atores
envolvidos. E isso significa acesso ao poder, à informação e todo um processo de
“empoderamento” no seio da sociedade civil.
Desta forma, o modelo proposto tem seu foco na ação local buscando o fortalecimento dos
canais de participação comunitária e da sociedade civil em geral e promovendo uma visão
crítica da problemática ambiental e social através da percepção integrada do meio físico,
biótico e antrópico e o entendimento das diversas condições que limitam a fixação do
homem no campo.
31
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Buscou-se, assim, definir através de um estudo regional as formas de intervenção das
políticas públicas para a solução do problema de falta de água em muitas comunidades do
Estado, que, praticamente todos os anos demandam a utilização de carros-pipa.
2.2.1. Análise Estatística
A análise estatística buscou a sistematização e descrição das informações por bacia
pesquisada. Como se trata de uma amostragem, as técnicas de estatística inferencial foram
aplicadas, sempre que possível, e tiveram o propósito de associar às análises descritivas
uma margem de significância que atribua aos resultados obtidos a confiabilidade necessária
a um processo de decisão responsável.
Alguns fatores influenciaram a seleção das variáveis e do método de análise:
a relevância da variável no contexto dos recursos hídricos locais
(disponibilidade e qualidade da água, fontes de água, forma de captação, ...) ;
a relevância da variável no contexto da caracterização das comunidades objeto
do estudo (tamanho da comunidade, número de casas, número de famílias,
principais doenças, nível de organização, ...);
a disponibilidade e confiabilidade das informações contidas no banco de
dados e
a natureza da variável (quantitativa ou qualitativa)
2.2.1.1. Amostragem e sua justificativa
Considerações Preliminares
A adoção de técnicas estatísticas parte do pressuposto que a amostra é probabilística. No
entanto, nem sempre isso é possível, principalmente em pesquisas sociais (Maroco, 2004).
Neste caso, pode-se usar a amostragem não probabilística desde que certos cuidados
sejam adotados.
Segundo Aakar et al (2001) a amostragem não probabilística costuma ser aceita nas
seguintes situações de pesquisa4:
Quando se trata de população homogênea (as comunidades apresentam importantes
características distribuídas uniformemente);
Quando o fator facilidade operacional é requerido (minimização de tempo e custos)
Amostragem não-probabilística pode ocorrer também quando, embora se tenha a possibilidade de atingir
toda a população, retiramos a amostra de uma parte que seja prontamente acessível.
4
32
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
No caso específico das amostragens intencional, por cotas e a esmo a literatura científica
argumenta sobre a sua validade:
1. Amostragem a esmo é aquela em que o amostrador, para simplificar o processo,
procura ser aleatório sem, no entanto, realizar propriamente um sorteio usando
algum dispositivo aleatório confiável. Os resultados da amostragem a esmo são, em
geral, equivalentes aos da amostragem probabilística se a população é homogênea
e se não existe a possibilidade de o amostrador ser inconscientemente influenciado
por alguma característica dos elementos da população. SILVA (2009).
2. Amostragem por cotas é aquela que apresenta maior rigor uma vez que confere
certa estratificação à amostra. Deve-se atentar para classificar a população em
função de características relevantes na pesquisa. (LAKATOS e MARCONI, 2003).
3. Amostragem intencional é aquela em que de acordo com um determinado critério, é
escolhido intencionalmente um grupo de elementos que comporão a amostra. Curvin
e Slater (1990) afirmam que uma amostragem intencional bem conduzida pode
produzir resultados satisfatórios de forma rápida e com menor custos.
Esta pesquisa atende aos dois pressupostos citados por Aakar de modo que foi empregada
a amostragem do tipo não probabilística, mais especificamente amostragem intencional,
amostragem por cotas e amostragem a esmo.
Pela argumentação acima conclui-se, que embora não sendo probabilístico o processo de
amostragem adotado, pode ser, para efeitos práticos, considerado como tal. Isso amplia
consideravelmente as possibilidades de utilização do método estatístico em geral.
Definição das unidades de amostragem
Inicialmente foram selecionados os municípios que fariam parte da pesquisa. Essa seleção
adotou como critério a questão geoambiental, onde se buscou definir municípios que
caracterizassem os diferentes ambientes existentes no Estado. Caracteriza-se assim uma
amostragem não probabilística intencional. A partir do critério de distribuição proporcional
dos municípios nas 11 bacias hidrográficas foram selecionados 3 municípios em cada bacia,
de acordo com o número de comunidades com maior atendimento de por carro pipa
(amostragem não probabilística por cota), totalizando 33 municípios.
Em seguida, foram selecionadas as unidades de amostragem, no caso as comunidades a
serem pesquisados em cada município. Foram selecionadas 10 comunidades por município,
num total de 325 comunidades, visto que no município de Tamboril só foram visitadas 5
comunidades. A escolha das comunidades em cada município foi feita por amostragem não
probabilística a esmo.
33
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Definição do tamanho da amostra
É conveniente planejar o tamanho da amostra para que seja grande o suficiente para
detectar diferenças importantes. O tamanho da amostra pesquisada, 325 informações, é
aceitável, principalmente pelo fato das comunidades rurais, fonte dos dados, guardarem
entre si muitas semelhanças, ou seja, serem homogêneas.
2.2.1.2. Plano de Operacionalização das Variáveis
Inicialmente é necessário ressaltar que os critérios adotados na seleção das variáveis
estudadas foram os seguintes:
Importância na caracterização das comunidades e do problema da pesquisa;
Qualidade das informações coletadas;
Número suficiente de informações de modo a tornar factível e confiável a análise
estatística.
As variáveis foram organizadas em dois grupos temáticos: Caracterização das comunidades
- Aspectos sociais e A questão da água na comunidade.
Quadro 1 - Variáveis selecionadas para caracterização das comunidades
em seus aspectos sociais5
Variável
5
Classificação
Valores/códigos
Tamanho da comunidade (ha)
Quantitativa discreta
Em hectares
Número de casas
Quantitativa discreta
Em unidades
Número de casas dispersas
Quantitativa discreta
Em unidades
Número de famílias
Quantitativa discreta
Em unidades
Número de crianças
Quantitativa discreta
Em unidades
Número de homens
Quantitativa discreta
Em unidades
Número de mulheres
Quantitativa discreta
Em unidades
Doenças nas comunidades
Qualitativa nominal
1 – existência da doença
0 – ausência da doença
Nível de organização dos moradores
como um problema ou motivo de
conflito na comunidade
Qualitativa nominal
1 – Sim
0 – Não
Qualidade do funcionamento da
associação
Qualitativa nominal
Participação da comunidade na
associação como um problema ou
motivo de conflito
Qualitativa nominal
1 – Sim, tem qualidade
0 – Não tem qualidade
1 – Sim, participação da
comunidade é motivo de
conflito
0 – Não é motivo de conflito
A variável bacia hidrográfica foi utilizada nos dois grupos temáticos.
34
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Variável
Classificação
Valores/códigos
Desorganização da comunidade como
agravante dos problemas resultantes
da disponibilidade de água
Qualitativa nominal
1 – Sim, é agravante
0 – Não é agravante
Existência de articulação com
comunidades próximas
Qualitativa nominal
1 – Sim
0 – Não
Forma como a comunidade se articula
com o poder público local
Principais instituições e projetos do
governo estadual responsáveis pelo
financiamento de projetos hídricos
nas comunidades pesquisada
Principais instituições e projetos do
governo federal responsáveis pelo
financiamento de projetos hídricos
nas comunidades pesquisadas
Qualitativa nominal
Qualitativa nominal
Qualitativa nominal
Prestador de apoio externo recebido
Qualitativa nominal
Tipo de apoio externo recebido
Qualitativa nominal
Principais problemas/conflitos da
comunidade
Qualitativa nominal
1 – Sim, a comunidade adota a
forma de articulação
considerada
0 – Não adota
1 – Sim a instituição atua na
comunidade
0 – A instituição não atua na
comunidade
1 – Sim a instituição atua na
comunidade
0 – A instituição não atua na
comunidade
1 – Sim o prestador atua na
comunidade
0 – O prestador não atua na
comunidade
1 – Sim o problema existe na
comunidade
0 – O problema não existe na
comunidade
35
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Quadro 2 - Variáveis selecionadas para analisar a questão da água na comunidade
Variável
Classificação
Valores/códigos
Existência de sistema de abastecimento
Qualitativa nominal
1 – Sim
0 – Não
Projetos de natureza individual
Qualitativa nominal
1 – Sim, existem
0 – Não existem
Projetos de natureza coletiva
Qualitativa nominal
1 – Existem
0 – Não existem
Satisfação com a qualidade da água na
comunidade
Quantitativa discreta
Principais problemas e conflitos
existentes
Quantitativa discreta
Fontes naturais de água
Qualitativa nominal
1 – Sim, o tipo de fonte
existe na comunidade
0 – O tipo de fonte não
existe na comunidade
Qualitativa nominal
1 – Sim, o tipo de fonte
existe na comunidade
0 – O tipo de fonte não
existe na comunidade
Qualitativa nominal
1 – Sim, a fonte apresenta o
problema
0 – Não há o problema na
fonte
Fontes de captação de água
Qualitativa nominal
1 – Sim a fonte de captação
existe na comunidade
0 – A fonte de captação não
existe na comunidade
Número de cisternas na comunidade
Quantitativa discreta
unidade
Demanda por cisternas
Quantitativa discreta
unidade
Tipo de reservatório de água
Qualitativa nominal
1 – Sim o tipo de reservatório
existe na comunidade
0 – O tipo de reservatório
não existe na comunidade
Fontes artificiais de água
Problema associado às fontes hídricas
Tipo de uso da água
Qualitativa nominal
Forma como a água é dividida
Qualitativa nominal
Tipo de projeto implantado para a
melhoria da disponibilidade de água
Qualitativa nominal
1 – Sim
0 – Não
1 – Sim o problema está
presente na comunidade
0 – Não há o problema na
comunidade
1 – Sim o tipo de uso da
água existe na
comunidade
0 – o tipo de uso da água
não existe na comunidade
0 – a água não é dividida
1 – toda água é dividida
2 – a água é dividida no
período chuvoso
3 – só a água do açude do
açude é dividida
1 – Sim o tipo de projeto
existe na comunidade
0 – o tipo projeto não existe
na comunidade
36
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Variável
Classificação
Valores/códigos
Instituição responsável pela implantação
do projeto para a melhoria da
disponibilidade de água
Qualitativa nominal
1 – Sim instituição atua na
comunidade
0 – a instituição não atua na
comunidade
Local de coleta de água no período de
seca, antigamente e hoje
Qualitativa nominal
1 – Sim a água é coletada
neste local
0 – a água não é coletada
neste local
Qualitativa nominal
1 – Sim este fator afeta a
qualidade da água
0 – o fator não afeta a
qualidade da água
Qualitativa nominal
1 – Sim a água é
armazenada neste
reservatório
0 – a água não é
armazenada neste
reservatório
Principais motivos que levam ao consumo
de água do carro pipa
Qualitativa nominal
1 – Sim o motivo leva ao
consumo de água do
carro pipa
0 – O motivo não leva ao
consumo de água
do
carro pipa
Alternativas propostas para resolução
dos problemas hídricos
Qualitativa nominal
Não houve codificação para
esta variável
Os principais fatores que afetam a
disponibilidade de água
Meio utilizado para armazenar a água
coletada do carro pipa
2.2.1.3. Justificativa e Descrição dos Métodos de Análise Estatística Selecionados
A análise estatística dos dados teve inicio com o tratamento dos dados brutos
disponibilizados pela equipe responsável pela pesquisa de campo. Esse tratamento
envolveu a codificação das variáveis, a análise de consistência e identificação dos missing
values (valores omissos).
Nessa etapa percebeu-se que a grande maioria das variáveis analisadas apresenta
natureza qualitativa, mais especificamente, são qualitativas nominais ou categóricas (menos
precisas e menos dóceis a transformações segundo Pereira (2004).
De acordo com Miles e Huberman (1994) a análise de dados qualitativos se ampara em
representações visuais como gráficos, tabelas de distribuição de freqüência ou esquemas,
em lugar de modos narrativos, simplesmente.
Assim, prevaleceu na análise dos dados o uso de tabelas de distribuição de freqüências e
gráficos. No caso das variáveis quantitativas foram empregadas medidas descritivas (média,
mediana, desvio padrão). Apesar dos procedimentos serem básicos ressalta-se que a
sistematização das observações proporciona, de modo indiscutível, uma tomada de decisão
mais segura.
37
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
A seguir, a descrição dos métodos de análise empregados no estudo.
Tabelas de distribuição de freqüências
A construção de tabelas de distribuição de freqüências, que tem por principal objetivo de
resumir as informações em classes foram construídas para cruzamento entre duas
variáveis, ou tabelas de contingência. Nessa análise as tabelas de contingência foram
usadas para cruzar a variável bacia hidrográfica com as demais variáveis estudadas, com o
intuito de identificar as necessidades e fragilidades específicas de cada bacia, o que permite
um melhor direcionamento de propostas.
As tabelas de distribuição de freqüências são um importante instrumento de validação e
organização dos dados. Ao mostrar informação contida em qualquer variável, é facilmente
detectada qualquer informação estranha devido a um erro de introdução de dados.
Estatísticas descritivas
As estatísticas descritivas foram empregadas na caracterização das variáveis quantitativas.
Optou-se pela média, mediana e desvio padrão. A mediana foi preferida quando se detectou
uma grande amplitude entre os valores inferior e superior do banco de dados.
Testes de hipóteses
Quando se trabalha com dados amostrais busca-se fazer inferências sobre uma população.
Isto é possível por meio de técnicas de estatística inferencial, mais comumente, os testes de
hipóteses. O uso de testes de hipóteses, no entanto, assumem que determinados
pressupostos sejam cumpridos.
No caso de análises envolvendo variáveis quantitativas os testes paramétricos são os mais
indicados. Seu principal pressuposto é que os dados tenham distribuição normal, atendam
ao teorema do limite, o que requer no mínimo 30 observações.6 Quando esse pressuposto
não é obedecido pode-se empregar um teste não paramétrico também usado para variáveis
qualitativas.
Foi utilizado o teste de Scheffé para comparação de várias médias.
6
Segundo o teorema do limite central amostras relativamente grandes tendem a apresentar uma distribuição aproximadamente
normal.
38
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
2.2.2. Forma de Execução
A orientação global deste estudo inspirou-se no seguinte esquema geral simplificado:
Informações Qualificadas
Dados Secundários
Projetos Gov. e Não Governamentais
Banco de Dando – Defesa Civil e Exército
1ª. Fase
Versão Preliminar - Banco de Dados
Alinhamento Conceitual e
Metodológico (Equipe)
Visita de
Reconhecimento
Definição dos Núcleos
de Pesquisa
Seleção dos Municípios Piloto
2ª. Fase
Elaboração de
Material de
Divulgação
Capacitação da Equipe
Levantamento Informações - Campo
Oficinas Participativas
Refinamento dos Dados
3ª. Fase
Banco de dados consolidado
Apresentação e análise dos dados
Recomendações Gerais
39
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
1ª FASE
Ter um diagnóstico da situação existente é uma necessidade para permitir um planejamento
de novas políticas de substituição dos carros-pipa por alternativas estruturantes, e de forma
mais específica, no caso deste estudo, é necessário também para selecionar uma amostra
representativa de áreas piloto, ao nível do Estado, da diversidade geoambiental existente.
Alguns dos principais fatores que influenciam a questão do abastecimento por carro-pipa ao
nível local são:
A quantidade de água disponível que vai depender da pluviometria do ano, da
pluviometria dos anos anteriores versus a capacidade de armazenamento da água
de forma superficial (açudes, barragens) e subterrânea (existência de aqüíferos e
infraestrutura de captação (fontes, poços...);
A organização sócio-política local que vai dar à população uma determinada
capacidade de resiliência à seca e
A organização sócio-política estadual/federal que vai dar à população uma
determinada resposta à situação enfrentada e vai se materializar através de
programas de abastecimento por carro pipa.
Neste raciocínio, para poder retratar uma realidade local e compará-la com outras
realidades, teria que se considerar o conjunto destes fatores, que são variáveis no tempo
(heterogeneidade temporal do clima; mudanças de orientações políticas locais ou estaduais
com programas variáveis e descontínuos de luta contra o carro pipa). Já que a maioria
destes dados não existe ou não é sistematizado na forma adequada, é necessário um
trabalho prévio de elaboração de um diagnóstico a partir das informações disponíveis.
Portanto, na 1ª. Fase foram realizadas consultas aos Bancos de Dados existentes nas
diversas instituições do Estado (Defesa Civil, Exército, Secretaria de Desenvolvimento
Agrário, Secretaria dos Recursos Hídricos, Secretaria de Planejamento e Gestão,
FUNCEME) e nas organizações não governamentais buscando coletar dados concretos que
permitissem a construção do Banco de Dados. Foram realizadas também algumas
entrevistas com os gestores de projetos voltados para o abastecimento de água no Estado.
Após levantamento desses municípios os dados foram consolidados em tabelas (analisando
os municípios com maior incidência nos últimos anos, tendo como referencia os dados da
Defesa Civil e em mapa, para, então ser realizado um análise da distribuição nas unidades
geoambientais do Estado. Essa averiguação é fundamental pois, as características físicoambientais do sem-árido, de modo geral, não são homogênea e apresentam diferenças: do
ponto de vista geofísico que limita suas potencialidades de disponibilidade hídrica para a
população, sendo a quantidade e qualidade da água definida pelas condições de clima, da
geologia e da geomorfologia.
Após avaliação da questão geoambiental, onde se buscou definir municípios que
caracterizassem os diferentes ambientes existentes no Estado, foi utilizado o critério de
distribuição proporcional dos municípios nas 11 bacias hidrográficas, para, só assim, realizar
a seleção dos 33 municípios.
40
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Assim, com base nessas informações, definiram-se os seguintes municípios piloto
distribuídos por Bacias Hidrográficas (Quadro 3 e Figura 2)
Quadro 3 - Municípios Selecionados por Bacia Hidrográfica
Bacia Hidrográfica
Metropolitana
Curu
Municípios Piloto Selecionados
Barreira, Ocara e São Gonçalo do Amarante
Canindé, Caridade e Umirim
Litoral
Amontada, Itapipoca e Irauçuba
Coreaú
Bela Cruz, Uruoca e Viçosa do Ceará
Acaraú
Catunda, Forquilha, Santa Quitéria
Parnaíba
Alto Jaguaribe
Tamboril, Quiterianópolis e Independência
Tauá, Aiuaba e Araripe
Médio Jaguaribe
Jaguaribe, Jaguaretama e Potiretama
Baixo Jaguaribe
Aracati, Limoeiro do Norte e Palhano
Salgado
Banabuiú
Jardim, Barro e Icó
Mombaça, Itatira e Banabuiú
41
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Figura 2 - Delimitação dos municípios pesquisados
42
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Em seguida, foram selecionados os núcleos a serem pesquisados em cada município, num
total de 325 comunidades, visto que no município de Tamboril só foram visitadas 5
comunidades. Para efeito desse estudo consideram-se núcleos: agrupamentos de 10
comunidades abastecidas por carros-pipas por grau de proximidade.
Devido à dificuldade de localização das comunidades nos mapas oficiais foi realizado a
partir das informações das rotas realizadas pelo Exército (23° Batalhão de Caçadores, 40°
Batalhão de Infantaria, Parque Regional de Manutenção/10 e 10° Depósito de Suprimentos),
um levantamento de campo e, em seguida, georeferenciamento pelos técnicos,
possibilitando a definição dos núcleos (conjunto de comunidades)
2ª FASE
Foi realizada a capacitação de toda a equipe técnica, buscando assim, uma padronização
na coleta de informações e na utilização dos instrumentos de pesquisa social que foram
utilizados, dando ênfase às características físicas, sociais e econômicas de cada
comunidade. Estas aconteceram durante 18 dias nos municípios de Quixeramobim,
Canindé, São Gonçalo do Amarante e Irauçuba, em um total de 130 horas/aula (15 a 26 de
junho e 15 a 17 de julho de 2009). A equipe capacitada foi composta por técnicos agrícolas,
que, embora possuíssem experiência com comunidades rurais, possuíam experiências
profissionais voltadas para a agricultura e pecuária.
Assim, foram trabalhados os seguintes conceitos:
Geoambientes aplicado, hidrologia e hidrogeologia básica aplicadas ao Ceará
Reservas hídricas superficiais e subterrâneas exploráveis para população difusa,
com foco especial nos pequenos depósitos sedimentares (aluviões, uso de
barragem subterrânea etc.)
Abastecimento em água da população rural em áreas semiáridos pobres (uso
múltiplo, percepção, estratégias de uso e gestão, sistemas de abastecimento)
Poluição das fontes hídricas no meio rural, preservação da qualidade da água e
formas e sistemas de tratamento
Fontes e sistemas de abastecimento para a população difusa
Cartografia básica aplicada
Utilização dos equipamentos de campo (GPS e Condutivímetro)
Metodologias participativas de trabalho (abordagem, metodologia, questionários,
relatórios).
O uso de técnicas de pesquisa combinadas, alternando o coletivo da comunidade e o
específico das famílias produziu informações qualitativas e quantitativas que permitiram
distinguir o particular do geral, porque as bases de comparação eram relativamente amplas;
famílias comparadas às famílias, famílias comparadas às comunidades e comunidades
comparadas a outras comunidades diferentes.
43
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
O levantamento de campo ocorreu no período de julho a agosto de 2009. E para realização
das atividades foram utilizadas as seguintes ferramentas metodológicas, oriundas do
Diagnóstico Rápido Participativo7:
a)
b)
c)
d)
e)
f)
Discussão informal: apresentação do trabalho, panorama global da situação de
abastecimento, identificação dos principais problemas citados pela comunidade,
identificação de pessoas chaves, caracterização da comunidade;
Levantamento de campo (observação direta e travessia): fontes hídricas
apontadas pela comunidade, outras fontes possíveis, equipamentos, sistema de
gestão, condições físico-ambientais (preservação das fontes, degradação ambiental,
usos múltiplos eventualmente conflitantes...), georreferenciamento das fontes e
avaliação da condutividade elétrica;
Entrevistas para confirmar e afinar as informações: caracterização da comunidade,
percepção da problemática da água, estratégias de uso, participação de agentes
externos (prefeitura, saúde, ONGs, Estado, ...), gestão dos sistemas, avaliação e
percepção da qualidade da água, avaliação da água do carro-pipa;
Aplicação de Questionários: que serviram para quantificar/padronizar as
informações de campo.
Mapa falado (problemas e soluções): Visão da comunidade em localização de
infraestruturas, condições ambientais, mudanças ao longo do tempo, uso da terra,
soluções para a questão. É também um elemento importante para entender os
conflitos e os problemas de cada localidade.
Painel: A partir do mapa falado foi definida com as comunidades uma proposta para
a solução do problema.
3ª. FASE
Foi consolidado o Banco de Dados com todas as informações quantitativas coletadas em
campo das populações difusas – alvo do nosso estudo.
Para a sistematização final procurou-se debruçar-se, sobretudo, sobre o que parece ter
constituído um dos pontos fortes da metodologia empregada na formulação desse
documento: a sua capacidade de mobilização e envolvimento direto das populações e
lideranças locais na análise das necessidades e do potencial de desenvolvimento das suas
áreas e comunidades, bem como no debate e escolha das opções e prioridades para
canalizar, de forma tão transparente e racional, quanto possível, os esforços coletivos e os
recursos públicos para o fomento desse desenvolvimento.
7
Diagnóstico Rápido Participativo: Incentiva a atuação ativa dos atores sociais rurais, sendo um momento de levantamento
de informações, análises e formulação de propostas. Utiliza métodos e técnicas que possibilitam conhecer as vidas das
próprias comunidades que dispõem de conhecimentos técnicos e sociais locais.
44
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
3. CARACTERIZAÇÃO DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS
A caracterização do meio físico da bacia hidrográfica, com o intuito de levantar todas as
áreas críticas do ponto de vista da manutenção da água, é condição básica para um
planejamento bem sucedido da conservação e produção de água. A conservação da água
não pode ser conseguida independentemente da conservação dos outros recursos naturais.
Neste caso, é fundamental o conhecimento da dinâmica natural dos recursos hídricos e seu
potencial de utilização.
Os dados aqui apresentados referem-se apenas aos recursos hídricos das bacias e são
parte da caracterização completa apresentada nos Cadernos Regionais das Bacias
Hidrográficas, produzidos pelo Conselho de Altos Estudos da Assembléia Legislativa do
Estado do Ceará no âmbito do Pacto das Águas, 2009.
Bacia do Acaraú
Características: situada na porção norte-ocidental do estado, tem uma área de drenagem de
14.416 km², correspondente a 9,73% do território Cearense.O rio Acaraú, rio principal da
bacia, nasce na Serra das Matas, e os principais afluentes encontram-se na margem direita,
são os rios dos Macacos, Groaíras, Jacurutu e Sabonete, na margem esquerda, o afluente
de maior destaque é o rio Jaibaras.
Águas superficiais: possui um total de 1.902 reservatórios, onde 556 apresentam área
superior a cinco ha. Os 12 principais reservatórios estão listados abaixo (Tabela 2).
Tabela 2 - Principais Reservatórios da Bacia do Acaraú
Nome do Açude
Acaraú Mirim
Araras
Arrebita
Ayres de Souza
Bonito
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Massapê
52.000.000
Varjota
891.000.000
Forquilha
19.600.00
Sobral
104.430.000
Ipu
6.000.000
Tamboril
26.230.000
Edson Queiroz
Santa Quitéria
254.000.000
Farias de Souza
Nova Russas
12.230.000
Carão
Forquilha
São Vicente
Sobral
Carmina
TOTAL
Forquilha
50.130.000
Santana do Acaraú
9.840.000
Sobral
4.675.000
Catunda
13.628.000
12 açudes
1.443.763.000
45
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Águas subterrâneas: apresenta dois sistemas aqüíferos: o das rochas sedimentares
(porosos e aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A quantificação e caracterização
das captações de água subterrânea na bacia, até 2006, mostram a existência de 2.242
pontos d’água, sendo: 2.134 poços tubulares; 104 poços amazonas e quatro fontes naturais
captando água tanto em rochas sedimentares como cristalinas. Os 2.134 poços tubulares
estão distribuídos por toda bacia e captam água dos aquíferos porosos (12,46%), aluviais
(6,94%) e fissurais (80,60%).
Bacia do Alto Jaguaribe
Características: Localiza-se na porção sudoeste do Estado do Ceará, limita-se a oeste com
o Estado do Piauí e ao sul com o Estado de Pernambuco. Das cinco sub-bacias que
compõem a bacia do rio Jaguaribe (Alto, Médio e Baixo Jaguaribe, Banabuiú e Salgado) é a
que possui maior região hidrográfica, sendo, também, a maior do Estado.Os principais
afluentes do Rio Jaguaribe, neste trecho, são os rios Carrapateiras, Trici, Puiú, Jucás,
Condado, Cariús, Trussu e o riacho Conceição.
Águas superficiais: apresenta grande capacidade de acumulação com um total de 4.604
reservatórios, destes, 537 possuem área superior a 5 ha. São destaques: o açude Orós,
responsável por 70% do total armazenado nesta Sub-Bacia, além dos açudes Trussu,
Arneiroz II, Canoas, Poço a Pedra e Várzea do Boi. A água de lagoas assume importância
apenas em algumas áreas, destacando a lagoa do Baú e do Barro Alto, em Iguatu.
Apesar de ser o Orós o maior reservatório localizado no Alto Jaguaribe, sua contribuição
como fonte hídrica nesta bacia é insignificante, por se encontrar no trecho final. Mas, este
reservatório é uma importante fonte hídrica para o Médio e Baixo Jaguaribe, garantindo a
perenização do rio Jaguaribe até atingir o açude do Castanhão, além de abastecer o açude
Lima Campos, na bacia do Salgado.
Tabela 3 - Principais reservatórios da Bacia do Alto Jaguaribe
Município
Capacidade de
Acumulação (m³)
Arneiroz II
Arneiroz
197.060.000
Benguê
Aiuaba
19.560.000
Canoas
Assaré
69.250.000
Antonina do Norte
1.770.000
Parambu
3.390.000
Tauá
30.100.000
Quixelô
23.400.000
Tauá
3.400.000
Cariús
47.643.000
Orós
1.940.000.000
Nome do Açude
Do Coronel
Espírito Santo
Favelas
Faé
Forquilha II
Muquém
Orós
46
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Município
Capacidade de
Acumulação (m³)
Parambu
Parambu
8.530.000
Pau Preto
Potengi
1.770.000
Campos Sales
52.000.000
Quincoé
Acopiara
7.130.000
Rivaldo de Carvalho
Catarina
19.520.000
Trici
Tauá
16.500.000
Trussu
Iguatu
301.000.000
Valério
Altaneira
2.020.000
Tauá
51.910.000
19 açudes
2.795.953.000
Nome do Açude
Poço da Pedra
Várzea do Boi
TOTAL
Águas subterrâneas: os dois sistemas aqüíferos encontrados nesta sub-bacia são: os das
rochas sedimentares (porosos; cársticos e aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A
quantificação e caracterização das captações de água subterrânea na Sub-Bacia, até 2006,
mostram a existência de 2.662 pontos d’água, sendo: 2.304 poços tubulares; 306 poços
amazonas e 52 fontes naturais, captando água tanto em rochas sedimentares como
cristalinas.
Bacia do Baixo Jaguaribe
Características: localiza-se na porção oriental do estado do Ceará limitando-se com o
estado do Rio Grande do Norte a leste, o Oceano Atlântico ao norte, as bacias
Metropolitanas à oeste e ao sul e sudoeste com as Sub-bacias do Médio Jaguaribe e
Banabuiú, respectivamente. Das cinco sub-bacias que compõem a Bacia do Jaguaribe é a
de menor área.
Águas Superficiais: o rio Jaguaribe, neste trecho, apresenta extensa planície aluvial,
resultante do alargamento do vale a jusante, com declividade média de 0,029% tendo como
principal afluente pela margem esquerda o rio Palhano, já a margem direita é mal definida,
não se destacando nenhum curso d’água.
Caracteriza-se, também, pelos largos trechos de aluvião que margeiam o baixo curso do rio
Jaguaribe. Possui um total de 660 reservatórios, destes, 260 apresentam área superior a 5
ha. Na tabela 4 pode-se observar a capacidade de acumulação do principal reservatório
localizado nesta Sub-Bacia.
47
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 4 - Principal reservatório da Bacia do Baixo Jaguaribe
e capacidade de acumulação
Nome do Açude
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Santo Antônio de Russas
Russas
24.000.000
24.000.000
TOTAL
Águas subterrâneas: existem dois sistemas aqüíferos: os das rochas sedimentares
(porosos; cársticos e aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A quantificação e
caracterização das captações de água subterrânea na bacia, até 2006, mostram a
existência de 1.361 pontos d’água, sendo: 1.327 poços tubulares; 33 poços amazonas e 1
fonte natural, captando água tanto em rochas sedimentares como cristalinas.
Bacia do Banabuiú
Características: Localizada na porção central do estado do Ceará limitando-se com todas as
outras bacias, excetuando as bacias do Coreaú e Litoral. O principal rio desta sub-bacia tem
como principais afluentes pela margem esquerda os rios Patu, Quixeramobim e Sitiá e pela
margem direita destaca-se apenas o riacho Livramento.
Águas Superficiais: caracteriza-se pelos largos trechos de aluvião que margeiam o baixo
curso do rio Jaguaribe. Possui um total de 660 reservatórios, destes, 260 apresentam área
superior a 5 ha. Na Tabela 5 pode-se observar a capacidade de acumulação dos principais
reservatórios localizados nesta sub-bacia.
Tabela 5- Principais reservatórios da Bacia do Banabuiú
Nome do Açude
Banabuiú
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Banabuiú
1.601.000.000
Pedra Branca
6.000.000
Quixadá
126.000.000
Cipoada
Morada Nova
86.090.000
Curral Velho
Morada Nova
12.165.745
Fogareiro
Quixeramobim
118.820.000
Milhã
1.070.000
Monsenhor Tabosa
12.100.000
Senador Pompeu
71.829.000
Capitão Mor
Cedro
Jatobá
Monsenhor Tabosa
Patu
Quixadá
434.040.000
Pirabibu
Quixeramobim
74.000.000
Poço Do Barro
Morada Nova
52.000.000
Quixeramobim
Quixeramobim
54.000.000
Pedras Brancas
São José I
Boa Viagem
7.670.000
São José II
Piquet Carneiro
29.140.000
Mombaça
43.000.000
Pedra Branca
18.190.000
Serafim Dias
Trapiá II
48
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Nome do Açude
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Vieirão
Boa Viagem
20.960.000
TOTAL
18 açudes
2.768.074.745
Águas subterrâneas: também apresenta dois sistemas aqüíferos: os das rochas
sedimentares (aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A quantificação e
caracterização das captações de água subterrânea na Sub-bacia, até 2006, mostram a
existência de 2.446 pontos d’água, sendo: 2.143 poços tubulares; 272 poços amazonas e 4
fontes naturais, captando água tanto em rochas sedimentares como cristalinas.
Bacia do Coreaú
Característica: está situada na porção norte-ocidental do Estado, limitando-se ao sul as
bacias do Parnaíba e Acaraú, a oeste o Estado do Piauí, a leste a bacia do rio Acaraú e ao
norte o Oceano Atlântico. A linha de costa possui uma extensão de aproximadamente 130
km.
Águas Superficiais: Caracteriza-se por possuir poucas intervenções hídricas, possui um total
de 631 reservatórios, destes, 170 apresentam área superior a 5 ha. Na tabela 6 pode-se
observar a capacidade de acumulação dos principais reservatórios localizados nesta Bacia.
Tabela 6 - Principais reservatórios da Bacia do Coreaú
Nome do Açude
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Angicos
Coreaú
56.050.000
Diamante
Coreaú
13.200.000
Gangorra
Granja
62.500.00
Itaúna
Chaval
77.500.000
Martinópole
23.200.000
Premuoca
Uruoca
5.200.000
Trapiá III
Coreaú
5.510.000
Senador Sá
41.430.000
Moraújo
12.500.000
12 açudes
297.090.000
Martinópole
Tucunduba
Várzea da Volta
TOTAL
Águas subterrâneas: nesta bacia também são encontrados dois sistemas aqüíferos: os das
rochas sedimentares (porosos, cársticos e aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A
quantificação e caracterização das captações de água subterrânea na bacia, até 2006,
mostram a existência de 1.096 pontos d’água, sendo: 1.043 poços tubulares; 45 poços
amazonas e 8 fontes naturais, captando água tanto em rochas sedimentares como
cristalinas.
49
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Bacia do Curu
Característica: localiza-se no centro-norte do Estado. Limita-se, a leste, com as bacias
Metropolitanas, a oeste com as bacias do Acaraú e do Litoral e ao sul com a sub-bacia do
rio Banabuiú, integrante do Sistema do Jaguaribe. Possui o rio Curu como coletor principal,
este rio nasce na região montanhosa formada pelas Serras do Céu, da Imburana e do
Lucas.
Águas Superficiais: caracteriza-se pelo alto nível de açudagem, possui um total de 818
reservatórios, destes, 229 apresentam área superior a 5 ha. Destacam-se os açudes Gal.
Sampaio e Pentecoste, responsáveis por quase de 70% do volume de acumulação da bacia.
Na Tabela 7 pode-se observar a capacidade de acumulação dos principais reservatórios
localizados nesta Bacia.
Tabela 7 - Principais reservatórios da Bacia do Curu
Nome do Açude
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Caracas
Canindé
9.630.000
Caxitoré
Umirim
202.000.000
Desterro
Caridade
5.010.000
Frios
General Sampaio
Jerimum
Pentecoste
Umirim
33.020.000
General Sampaio
322.200.000
Irauçuba
20.500.000
Pentecoste
395.630.000
Salão
Canindé
6.040.000
São Domingos
Caridade
3.035.000
São Mateus
Canindé
10.330.000
Souza
Canindé
30.840.000
Tejuçuoca
Tejuçuoca
28.110.000
Trapiá I
Caridade
2.010.000
TOTAL
13 açudes
1.068.355.000
Águas subterrâneas: os sistemas aqüíferos existentes são: os das rochas sedimentares
(porosos e aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A quantificação e caracterização
das captações de água subterrânea na bacia, até 2006, mostram a existência de 1.418
pontos d’água, sendo: 1.389 poços tubulares; 28 poços amazonas e 1 fonte natural,
captando água tanto em rochas sedimentares como cristalinas.
50
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Bacia do Litoral
Característica: situa-se na porção nordeste do Estado, limitada ao sul e a oeste pela bacia
do Rio Acaraú, a leste pela bacia do Rio Curu, e ao norte, pelo Oceano Atlântico. Tem como
principal coletor de drenagem o rio Aracatiaçu, com 181 km de extensão. Outros cursos
d’água de menores dimensões se dispõem paralelamente a ele. Tratam-se dos rios Aracatimirim, a oeste e do Cruxati, Mundaú e Trairi a leste.
Águas Superficiais: alto nível de açudagem, possuindo um total de 1.019 reservatórios,
destes, 290 apresentam área superior a 5 ha. Na Tabela 8 pode-se observar a capacidade
de acumulação dos principais reservatórios localizados nesta bacia.
Tabela 8 - Principais reservatórios da Bacia do Litoral
Nome do Açude
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Uruburetama
21.300.000
Sobral
7.550.000
Poço Verde
Itapipoca
13.650.000
Quandú
Itapipoca
4.000.000
Santo Antônio de Aracatiaçu
Sobral
24.340.000
Santa Maria do Aracatiaçu
Sobral
8.200.000
São Pedro Timbaúba
Miraíma
19.250.000
TOTAL
7 açudes
98.290.000
Mundaú
Patos
Águas subterrâneas: estão representadas em dois sistemas aqüíferos: rochas sedimentares
(porosos e aluviais) e rochas cristalinas (fissurais). A quantificação e caracterização das
captações de água subterrânea na Sub-bacia, até 2006, mostram a existência de 1.262
pontos d’água, sendo: 1.253 poços tubulares e 9 poços amazonas, captando água tanto em
rochas sedimentares como cristalinas.
Bacia do Médio Jaguaribe
Característica: é uma das cinco sub-bacias que compõem a Bacia do Jaguaribe, fazendo,
inclusive, fronteira com todas as demais. Localiza-se na porção leste do estado do Ceará e
limita-se, em sua porção oriental, com o estado do Rio Grande do Norte. Neste trecho, o rio
Jaguaribe possui como principais afluentes pela margem esquerda o rio Figueiredo e pela
margem direita os riachos Manuel Dias Lopes e do Sangue, e declividades que variam de
0,02% a 0,83%, sendo a média 0,06%.
Águas Superficiais: caracteriza-se pela perenização do rio Jaguaribe através da vazão
liberada pelo açude Orós a montante da bacia, é também que está localizado o açude
Castanhão, o maior do Estado. Possui um total de 4.592 reservatórios, destes, 997
apresentam área superior a 5 ha. Destaca-se o açude Castanhão é responsável por mais de
97% do total armazenado nesta Sub-bacia. Na Tabela 9 pode-se observar a capacidade de
acumulação dos principais reservatórios localizados nesta bacia.
51
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 9 - Principais reservatórios da Bacia do Médio Jaguaribe
Nome do Açude
Adauto Bezerra
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Pereiro
5.250.000
Canafístula
Iracema
13.110.000
Castanhão
Alto Santo
6.700.000.000
Iracema
10.390.000
Dep. Irapuan Pinheiro
17.000.000
Jaguaribe
26.772.800
Pereiro
2.810.000
Jaguaribe
7.610.000
Ema
Jenipapeiro
Joaquim Távora
Madeiro
Nova Floresta
Potiretama
Potiretama
6.330.000
Riacho do Sangue
Solonópole
61.424.000
Ererê
5.866.800
Iracema
832.000
Santa Maria
Santo Antônio
Tigre
Solonópole
3.510.000
Total
13 açudes
6.860.905.600
Águas subterrâneas: também possui dois sistemas aqüíferos: os das rochas sedimentares
(porosos e aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A quantificação e caracterização
das captações de água subterrânea na Sub-bacia, até 2006, mostram a existência de 929
pontos d’água, sendo: 876 poços tubulares; 52 poços amazonas e 1 fonte natural, captando
água tanto em rochas sedimentares como cristalinas.
Bacia Metropolitana
Característica: localiza-se na porção nordeste do Estado, limitada ao sul pela bacia do Rio
Banabuiú, a leste pela bacia do Rio Jaguaribe, a oeste pela bacia do Rio Curu, e ao norte,
pelo Oceano Atlântico. A Região Hidrográfica é constituída por uma série de bacias
independentes onde se destacam as que têm os rios Choró, Pacoti, São Gonçalo, Pirangi,
Ceará e Cocó como coletores principais de drenagem e os sistemas Ceará/Maranguape e
Cocó/Coaçu.
Águas superficiais: são dezesseis as sub-bacias hidrográficas, dentre elas aquelas que
possuem rio principal com maior extensão são o Choró, com 200 km; o Pirangi, com 177,5
km; e o Pacoti, com 112,5 km, todos em sentido sudoeste-nordeste. Caracterizam-se por
apresentarem um volume hidrográfico de pequeno porte e de pouca representatividade, no
entanto, importantes por banharem áreas urbanas. Possuem um total de 693 reservatórios,
destes, 512 apresentam área superior a 5 ha. Na Tabela 10 pode-se observar a capacidade
de acumulação dos principais reservatórios localizados nesta Bacia.
52
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 10 - Principais reservatórios da Bacia Metropolitana
Nome do Açude
Acarape do Meio
Amanary
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Redenção
31.500.000
Maranguape
11.010.000
Aracoiaba
170.700.000
Batente
Morada Nova
28.900.000
Castro
Itapiúna
63.900.000
Catucinzenta
Aquiraz
27.130.000
Cauhipe
Caucaia
12.000.000
Gavião
Pacatuba
32.900.000
Maranguape
8.800.000
Macacos
Ibaretama
10.320.337
Malcozinhado
Cascavel
37.840.000
Pacajus
Pacajus
240.000.000
Pacoti
Horizonte
380.000.000
Penedo
Maranguape
2.414.000
Capistrano
9.030.688
Choró
143.000.000
Riachão
Itaitinga
46.950.000
Sitios Novos
Caucaia
126.000.000
Tijuquinha
Baturité
881.235
19 açudes
1.354.376.260
Aracoiaba
Itapebussu
Pesqueiro
Pompeu Sobrinho
Total
Águas subterrâneas: sistemas aqüíferos encontrados são: os das rochas sedimentares
(porosos e aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A quantificação e caracterização
das captações de água subterrânea na Sub-bacia, até 2006, mostram a existência de
17.969 pontos d’água, sendo: 16.019 poços tubulares; 1.945 poços amazonas e 5 fontes
naturais, captando água tanto em rochas sedimentares como cristalinas.
Bacia do Parnaíba
Característica: situa-se na porção ocidental e limita-se a leste com as bacias do Acaraú,
Banabuiú e Coreaú e ao sul com a sub-bacia do Alto Jaguaribe. É parte integrante da bacia
do Parnaíba, localizada no estado do Piauí.
Águas superficiais: caracteriza-se pelo alto nível de açudagem, possui um total de 1.657
reservatório, destes, 378 apresentam área superior a 5 ha. Na tabela 11 pode-se observar a
capacidade de acumulação dos principais reservatórios localizados nesta Bacia.
53
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 11 - Principais reservatórios da Bacia do Parnaíba
Nome do Açude
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Independência
99.500.000
Crateús
87.690.000
Colina
Quiterianópolis
3.250.000
Cupim
Independência
4.550.000
Barra Velha
Carnaubal
Novo Oriente
111.300.000
Jaburu I
Ubajara
210.000.000
Jaburu Ii
Independência
116.000.000
Crateús
31.550.000
Flor do Campo
Realejo
Sucesso
Tamboril
10.000.000
Total
9 açudes
673.840.000
Águas subterrâneas: apresentam dois sistemas aqüíferos: o das rochas sedimentares
(porosos e aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A quantificação e caracterização
das captações de água subterrânea na bacia, até 2006, mostram a existência de 2.173
pontos d’água, sendo: 1.945 poços tubulares; 204 poços amazonas e 24 fontes naturais,
captando água tanto em rochas sedimentares como cristalinas.
Bacia do Salgado
Característica: posiciona-se na porção meridional do Estado, limita-se a oeste com a subbacia do Alto Jaguaribe, ao sul com o Estado de Pernambuco, ao leste com o Estado da
Paraíba e a nordeste com a Sub-bacia do Médio Jaguaribe.
Águas superficiais: o rio Salgado, formado pela confluência dos riachos dos Porcos e Rio
das Batateiras, é o principal afluente da margem direita do Jaguaribe. Ela apresenta baixa
capacidade de acumulação em termos de águas superficiais, possuindo um total de 1.695
reservatórios, destes, 254 apresentam área superior a 5 ha. Destacam-se os açudes Atalho
e Lima Campos, que juntos respondem por 39% da capacidade de acumulação. Na tabela
12 pode-se observar a capacidade de acumulação dos principais reservatórios localizados
nesta Bacia.
Tabela 12 - Principais reservatórios da Bacia do Salgado
Nome do Açude
Atalho
Município
Capacidade de Acumulação (m³)
Brejo Santo
108.250.000
Aurora
34.330.000
Estrema
Lavras da Mangabeira
2.900.000
Gomes
Mauriti
2.390.000
Cachoeira
Lima Campos
Manoel Balbino
Olho d Água
Icó
66.380.000
Juazeiro do Norte
37.180.000
Várzea Alegre
21.000.000
54
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Prazeres
Barro
32.500.000
Quixabinha
Mauriti
31.780.000
Rosário
Lavras da Mangabeira
47.200.000
Tatajuba
Icó
2.720.000
Thomas Osterne
Crato
28.780.000
Ubaldinho
Cedro
31.800.000
13 açudes
447.210.000
Total
Águas subterrâneas: a sub-bacia do Salgado, localizada no sul do estado do Ceará na
região do Cariri, tem nas águas subterrâneas da bacia sedimentar do Araripe a principal
fonte de recursos hídricos necessário para seu desenvolvimento sócio-econômico. O
abastecimento da população ocorre, fundamentalmente, por exutórios (fontes) e poços
tubulares profundos. Apresenta dois sistemas aqüíferos: os das rochas sedimentares
(porosos; cársticos e aluviais) e os das rochas cristalinas (fissurais). A quantificação e
caracterização das captações de água subterrânea na sub-bacia, até 2006, mostram a
existência de 3.645 pontos d’água, sendo: 3.370 poços tubulares; 23 poços amazonas e 252
fontes naturais, captando água tanto em rochas sedimentares como cristalinas.
55
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
4. ANÁLISE ESTATÍSTICA DO BANCO DE DADOS
A análise estatística dos dados primários obtidos por meio de aplicação de questionários
junto aos membros das comunidades pesquisadas no estudo encontra-se dividida em duas
sessões: Caracterização das Comunidades – Aspectos sociais e A Questão da Água na
Comunidade.
Apesar das limitações típicas de estudos desta natureza, os resultados apresentados a
seguir, certamente contribuirão para balizar as recomendações e ajustes necessários que
devem ser considerados na elaboração, execução, implantação e gestão de projetos
vindouros.
4.1. Caracterização das comunidades - Aspectos sociais
4.1.1. Características demográficas das comunidades
Entender os fatores que condicionam o uso dos carros-pipa nas comunidades localizadas na
zona rural do Ceará requer, inicialmente, o conhecimento das características demográficas
locais. Como apresentado na Tabela 1, existe uma elevada variação no tamanho das
comunidades dentro de cada bacia. No entanto, pode-se notar que as comunidades são
pequenas, a maioria não ultrapassando 10 ha. A exceção se verifica na Bacia do Baixo
Jaguaribe onde existe comunidade com até 320 ha. O tamanho médio das comunidades
dessa bacia deve ser visto com cautela haja vista a diferença entre a menor e a maior bacia
aí localizadas.
Em termos gerais, excluindo a Bacia do Baixo Jaguaribe, não existem diferenças
significativas entre as bacias analisadas quanto à variável tamanho da comunidade, o que
foi confirmado pelo teste de Scheffé8.
Tabela 13 - Estatísticas descritivas da variável tamanho da comunidade (ha)
Bacia Hidrográfica
Média
Desvio Padrão
Mínimo
Máximo
Alto Jaguaribe
3,48
1,85
1,00
7,00
Litoral
3,32
1,19
2,00
6,00
Baixo Jaguaribe
48,35
96,11
6,00
320,00
Banabuiú
7,12
4,87
1,50
18,00
Metropolitana
1,74
1,07
1,00
4,50
Salgado
1,83
0,76
1,00
4,00
Coreaú
2,88
1,50
1,00
7,00
Curu
3,38
2,09
1,00
8,00
Acaraú
4,00
3,00
1,00
7,00
Parnaíba
2,09
0,63
1,50
3,00
8
Resultados dos testes de hipóteses encontram-se no Apêndice B.
56
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Bacia Hidrográfica
Média
Desvio Padrão
Mínimo
Máximo
Médio Jaguaribe
7,44
5,25
1,50
18,00
Total
5,65
22,80
1,00
320,00
Fonte: Dados da pesquisa de campo
As comunidades localizadas nas bacias do Curu, Médio Jaguaribe e Litoral, embora com
tamanho médio abaixo da média geral das onze bacias analisadas (5,65 ha) dispõem de um
maior número de casas (Tabela 14). Este aspecto pode ser um potencial conflito uma vez
que se associa a uma maior demanda por água. O teste para comparação de médias não
apontou, no entanto, diferença significativa entre as bacias, considerando o número médio
de casas nas suas comunidades.
Tabela 14 - Estatísticas descritivas da variável número de casas
Bacia Hidrográfica
Média
Desvio Padrão
Mínimo
Máximo
Alto Jaguaribe
30
26
6
96
Litoral
52
45
6
200
Baixo Jaguaribe
29
21
6
95
Banabuiú
22
20
2
70
Metropolitana
38
42
8
209
Salgado
33
34
3
130
Coreaú
40
32
7
110
Curu
62
75
3
268
Acaraú
26
35
4
190
Parnaíba
30
31
5
135
Médio Jaguaribe
52
48
4
195
Total
38
42
2
268
Fonte: Dados da pesquisa de campo
Na Tabela 15 encontram-se as estatísticas descritivas da variável número de casas
dispersas. Como pode ser observado existe uma alta proporção de casas dispersas em
todas as comunidades pesquisadas. A dispersão das casas é um fator limitante na
implementação de uma estrutura hídrica capaz de atender às necessidades da população.
Tabela 15 - Estatísticas descritivas da variável número de casas dispersas
Bacia Hidrográfica
Média
Desvio Padrão
Mínimo
Máximo
Alto Jaguaribe
15
13
0
46
Litoral
44
33
6
150
Baixo Jaguaribe
25
20
4
95
Banabuiú
13
13
0
40
Metropolitana
30
49
0
209
Salgado
23
24
0
98
Coreaú
32
37
0
110
Curu
13
12
0
40
57
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Bacia Hidrográfica
Média
Desvio Padrão
Mínimo
Máximo
Acaraú
15
16
0
60
Parnaíba
19
26
0
123
Médio Jaguaribe
29
32
0
135
TOTAL
24
28
0
209
Fonte: Dados da pesquisa de campo
O número de famílias residentes nas comunidades inseridas nas bacias hidrográficas é, em
média, 36. O teste de Sheffé apontou que na bacia Metropolitana o número médio de
famílias na comunidade é significativamente diferente e maior em relação às bacias Alto
Jaguaribe, Banabuiú, Curu, Acaraú e Médio Jaguaribe. É natural intuir que quanto mais
populosa a bacia, maior a demanda por água.
Tabela 16 - Estatísticas descritivas da variável número de famílias
Bacia Hidrográfica
Alto Jaguaribe
Média
Desvio Padrão
Mínimo
Máximo
28
21
5
82
Litoral
34
33
5
130
Baixo Jaguaribe
35
46
3
200
Banabuiú
24
18
4
73
Metropolitana
73
65
6
268
Salgado
48
47
6
209
Coreaú
46
46
3
188
Curu
28
20
5
97
Acaraú
18
17
2
70
Parnaíba
34
37
5
183
Médio Jaguaribe
23
22
2
114
Total
36
39
2
268
Fonte: Dados da pesquisa de campo
4.1.2. Características da saúde da população nas comunidades
O abastecimento de água para consumo humano é um dos graves problemas sociais
vividos pela população rural do Ceará. A escassez de água por longos períodos durante o
ano força a população a utilizar água de baixa qualidade, captada em mananciais
contaminados por bactérias, com alto teor de sais e elevada turbidez. Os fatores de risco
decorrentes dessa prática envolvem a proliferação de doenças, em especial aquelas de
veiculação hídrica: diarréias, verminoses, micoses.
Dados da Organização Mundial de Saúde estimam que anualmente 3,4 milhões de pessoas
morrem devido a problemas decorrentes do consumo de água de má qualidade. Ainda
segundo a organização 80% de todas as doenças que se alastram nos países em
desenvolvimento são provenientes da água de má qualidade.
58
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
A enumeração das doenças mais freqüentes nas comunidades pesquisadas transparece a
vulnerabilidade da saúde da população em relação à água consumida. Como observado na
Tabela 17, doenças transmitidas por agentes presentes na água contaminada, diarréia e
verminoses principalmente, estão entre as mais comuns nas bacias estudadas. As bacias
com maior incidência de comunidades com casos de diarréia foram Coreaú, Paranaíba e
Curu com respectivamente 96,7% , 68,0% e 62,1% de freqüência. A doença se manifesta
com menor abrangência nas bacias de Alto Jaguaribe, Médio Jaguaribe e Salgado.
Em relação às verminoses as bacias de Banabuiú, Baixo Jaguaribe e Parnaíba são aquelas
com maior número de comunidades afetadas pela doença. Na bacia de Salgado,
aparentemente, ocorre uma menor manifestação das doenças de veiculação hídrica. Nessa
bacia apenas 20,7% das comunidades relataram casos de diarréia e em nenhuma delas
houve casos de verminoses.
Tabela 17 – Doenças mais freqüentes nas comunidades pesquisadas
Anemia
Diarréia
Gripe
Dor de
cabeça
Doenças
respiratórias
Micoses
Virose
Verminoses
Alto Jaguaribe
Litoral
Baixo Jaguaribe
Banabuiú
Metropolitana
Salgado
Coreaú
Curu
Acaraú
Parnaíba
Médio Jaguaribe
Amostra Total
Diabetes
Bacia
Hidrográfica
Insuficiência
respiratória
alta
Doença
20,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
24,0
0,0
3,9
33,3
16,7
7,1
11,5
24,1
55,2
6,7
27,6
7,7
40,0
24,1
23,2
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
3,3
0,0
0,0
0,0
0,0
0,3
20,0
53,3
53,6
38,5
55,2
20,7
96,7
62,1
26,9
68,0
20,7
46,9
0,0
0,0
3,6
0,0
0,0
10,3
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
1,3
0,0
33,3
28,6
26,9
65,5
0,0
0,0
48,3
76,9
0,0
17,2
26,7
56,7
3,3
0,0
7,7
0,0
27,6
0,0
0,0
7,7
0,0
13,8
10,9
0,0
0,0
3,6
15,4
0,0
17,2
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
3,2
0,0
0,0
25,0
34,6
0,0
6,9
0,0
34,5
0,0
12,0
55,2
15,1
6,7
3,3
53,6
57,7
24,1
0,0
6,7
37,9
0,0
52,0
24,1
23,5
4.1.3. Nível de organização e apoio recebido pelas comunidades
A organização das comunidades confere à população aí residente uma maior resiliência aos
problemas decorrentes da escassez dos recursos hídricos. Como observado na Figura 3 em
9% das comunidades coloca a desorganização como um problema na comunidade. O
problema é mais freqüente nas bacias do Baixo Jaguaribe e Acaraú.
59
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Figura 3 - Proporção de comunidades em que a desorganização dos moradores é apontada
como um problema ou motivo de conflito, por bacia hidrográfica Ceará.
A tipologia da associação varia de comunidade para comunidade. Conforme Figura 4, de um
modo geral, a associação de produtores é a mais comum nas comunidades, com exceção
da bacia de Parnaíba onde essa tipologia está presente em apenas 6,2% das comunidades.
Figura 4 - Proporção de comunidades segundo a tipologia da associação, por bacia
hidrográfica do Ceará
60
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
De um modo geral a população tem boa participação na associação, no entanto, 11,5% das
comunidades na amostra total apontaram que a baixa participação dos moradores é causa
de problemas ou conflitos. Dentre essas bacias, Banabuiú apresentou a maior freqüência
relativa 9( Figura 5).
Figura 5 - Proporção de comunidades em que a baixa participação da comunidade na
associação é apontada como um problema ou motivo de conflito, por
bacia hidrográfica do Ceará
Embora não seja um consenso entre todas as bacias, a desorganização da população foi
apontada como um fator que contribui para agravar os problemas decorrentes da falta de
água em 9% das comunidades entrevistadas. A desorganização das comunidades é, na
prática, um fator que contribui para a manutenção do cenário de carência de um sistema de
abastecimento d’água eficiente nas comunidades. No entanto, como mostra a Figura 6,
apenas uma minoria das comunidades acredita que a desorganização traz essa
conseqüência.
A percepção da gravidade de uma comunidade com baixo nível de organização mostrou-se
mais clara na bacia de Acaraú, onde 53,8% das comunidades entrevistadas demonstraram
que já tiveram ou podem ter dificuldades de resolver questões referentes à gestão da água
devido ao nível de desorganização em que se encontram. No entanto, essa percepção não
existe em boa parte das comunidades entrevistadas.
9
Não foi possível fazer a análise do número de famílias associadas devido à inconsistência dos dados ( em algumas
comunidades observou-se que o número de famílias associadas era maior que o número total de famílias)
61
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Figura 6 - Proporção de comunidades que acreditam que a desorganização da comunidade
agrava os problemas resultantes da disponibilidade de água, por bacia hidrográfica Ceará
Quanto à aceitação da associação quando presente na comunidade, Figura 7, a maioria das
comunidades concorda que a mesma é funcional. Pontos críticos na aceitação da
associação foram verificados nas comunidades inseridas nas bacias do Litoral e Baixo
Jaguaribe.
Figura 7 - Proporção de comunidades segundo opinião sobre o funcionamento da associação,
por bacia hidrográfica do Ceará
62
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
O processo de mobilização dos indivíduos, seja ou não por meio da associação e de
reuniões periódicas, eleva as chances de concretização de um objetivo comum. Assim, a
articulação entre comunidades pode contribuir favoravelmente para a melhoria no
abastecimento de água. Neste aspecto, como observado na Figura 8, nota-se a existência
de algum tipo de interação na quase totalidade das comunidades entrevistadas, apesar do
elevado nível de dispersão das mesmas.
Figura 8 - Proporção de comunidades segundo a existência de articulação com comunidades
próximas, por bacia hidrográfica do Ceará
Apesar de se considerarem articuladas percebe-se uma inconsistência na análise da forma
como se dá a pretensa articulação com o poder público, Tabela 9. Na amostra total 15,3%
das comunidades entrevistadas afirmaram que não possuem articulação. O mesmo
percentual coube aquelas em que articulação se dá individualmente. A associação apareceu
como principal elo entre a comunidade e poder público local sendo que nas bacias do
Litoral,
Baixo Jaguaribe, Acaraú e Parnaíba esse papel cabe aos vereadores e lideranças
políticas.
Observa-se, ainda, que algumas bacias demonstram maior capacidade de articulação que
outras. Nesse contexto menciona-se a bacia Médio Jaguaribe onde 72,7% das comunidades
afirmaram não possuir capacidade de articulação e apenas 18,2 delas alegaram existir
articulação, no caso somente por meio da associação.
Na bacia de Banabuiú identificou-se outra situação frágil, haja vista que em 58,30% das
comunidades a articulação se dá por meio do interessado (individualmente) e em 50,0% por
meio da associação. Outras formas de articulação não foram relatadas na bacia.
Por fim, é importante ressaltar o papel dos agentes de saúde que, pela própria natureza do
trabalho que exercem, assumem um papel de mediadores entre os membros da
comunidade e os tomadores de decisão.
63
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 18 - Proporção de comunidades segundo a forma como a comunidade se articula com o
poder público local, por bacia hidrográfica Ceará.
Professores
Sindicato
EMATERCE
Associação
Vereador/
Lideranças
Políticas
Agente de
saúde
Individualmente
Bacia Hidrográfica
Não há
articulação
Forma de Articulação
23,8
23,8
38,1
42,9
47,6
9,5
0,0
0,0
Litoral
0,0
0,0
50,0
75,0
75,0
33,3
25,0
8,3
Baixo Jaguaribe
9,5
0,0
42,9
61,9
23,8
0,0
9,5
14,3
Banabuiú
0,0
58,3
0,0
0,0
50,0
0,0
0,0
0,0
Alto Jaguaribe
0,0
0,0
23,5
0,0
88,2
0,0
17,6
11,8
Salgado
57,1
0,0
0,0
0,0
42,9
0,0
0,0
0,0
Coreaú
0,0
25,0
25,0
12,5
62,5
0,0
0,0
0,0
Curu
5,0
20,0
0,0
5,0
65,0
0,0
0,0
0,0
Metropolitana
0,0
33,3
28,6
57,1
38,1
0,0
0,0
0,0
Parnaíba
37,5
0,0
4,2
58,3
41,7
0,0
0,0
0,0
Médio Jaguaribe
72,7
0,0
0,0
0,0
18,2
0,0
0,0
0,0
Amostra Total
15,3
15,3
21,1
32,1
50,5
3,2
4,2
3,2
Acaraú
Fonte: Dados da pesquisa de campo
A articulação torna-se mais relevante à medida que em algumas bacias o apoio externo não
atinge todas as comunidades, caso da bacia de Banabuiú, onde apenas 39,3% das
comunidades recebem algum auxílio de ONGs. Embora não atuando em todas as
comunidades as ONGs são a forma mais freqüente de apoio presente nas comunidades,
77,7% do total de comunidades visitadas. Os agentes de saúde forma citados em apenas
19,1% das comunidades (Tabela 19).
Tabela 19 - Proporção de comunidades segundo o prestador de apoio externo recebido
Bacia Hidrográfica
Alto Jaguaribe
Litoral
Baixo Jaguaribe
Banabuiú
Metropolitana
Salgado
Coreaú
Curu
Acaraú
Parnaíba
Médio Jaguaribe
Amostra Total
ONG
Agente de saúde
FUNASA
Outro
41,4
58,6
51,7
20,7
96,7
3,3
0,0
23,3
88,5
7,7
7,7
0,0
39,3
42,9
57,1
3,6
60,0
33,3
33,3
6,7
96,7
6,7
0,0
13,3
96,7
0,0
0,0
43,3
54,5
45,5
36,4
4,5
96,7
3,3
3,3
0,0
100,0
0,0
4,0
20,0
79,3
13,8
3,4
3,4
77,7
19,1
17,5
12,9
Fonte: Dados da pesquisa de campo
64
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
O tipo de apoio mais freqüente nas comunidades é o de monitoramento, embora existam
bacias em que prevalece o apoio financeiro, caso das bacias do Litoral e Coreaú. (Tabela
20).
Tabela 20 - Proporção de comunidades segundo o tipo de apoio externo recebido
Bacia Hidrográfica
Alto Jaguaribe
Litoral
Baixo Jaguaribe
Banabuiú
Metropolitana
Salgado
Coreaú
Curu
Acaraú
Parnaíba
Médio Jaguaribe
Amostra Total
Monitoramento
Financeiro
Outro
62.1
3.4
37.9
48.3
86.2
6.9
96.2
61.5
0.0
100.0
65.4
0.0
65.5
65.5
0.0
100.0
0.0
0.0
3.6
78.6
0.0
66.7
63.3
3.3
100.0
87.0
0.0
100.0
4.0
0.0
96.7
70.0
0.0
75,3
53,0
4,6
Fonte: Dados da pesquisa de campo
A análise das variáveis apresentadas permitiu identificar que as comunidades encontram-se
articuladas, mas não foi detectado um maior apoio de instituições governamentais cabendo
às ONGs uma maior parcela de atuação local. Percebeu-se que a associação é bem aceita
na comunidade e que o nível de desorganização não é visto como um dos principais
problemas a serem enfrentados na melhoria do sistema de abastecimento de água.
4.1.4. Problemas e conflitos nas comunidades
Na percepção dos moradores das comunidades selecionadas na amostra o problema mais
freqüente é a disponibilidade e qualidade da água. Esse problema foi citado como o mais
grave em 56,9% das comunidades, como observado na Figura 9. Outros pontos críticos
foram a qualidade das estradas e a pouca participação da comunidade na associação de
moradores. A disponibilidade de água de qualidade é um problema que adquire ramificações
à medida que gera conflitos entre os usuários moradores da comunidade, fragiliza a saúde e
auto estima da população.
65
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Estudos apontam que uma sociedade organizada apresenta melhor capacidade de resolver
conflitos e de lutar por seus interesses. No caso do acesso água, o nível de organização de
seus usuários é determinante para uma gestão racional do recurso. No entanto, observa-se
que a baixa participação dos moradores e o seu nível de organização só são apresentados
como problemas relevantes em 11,5% e 9,0% das comunidades, respectivamente. A
realidade sugere que estes valores baixos não sejam interpretados como a inexistência de
tais problemas na comunidade e sim, o que é preocupante, como de pouca importância para
a população, o que contribui para a continuidade de problemas maiores. Como discutido na
seção anterior foram poucas as comunidades que se manifestaram insatisfeitas com seu
nível de organização e funcionamento da associação.
Figura 9 - Proporção de comunidades segundo opinião sobre o principal problema/conflito
As particularidades concernentes às bacias hidrográficas são visualizadas na Tabela 21.
Considerando os dois problemas mais freqüentes é possível identificar dois grupos: o
primeiro formado pelas bacias onde o problema principal para o maior número de
comunidades é a disponibilidade de água (Alto Jaguaribe, Litoral, Baixo Jaguaribe,
Metropolitana, Salgado, Coreaú, Curu, Acaraú e Parnaíba) e o segundo onde prevalecem os
problemas ligados a participação e organização dos moradores (Banabuiú e Médio
Jaguaribe).
66
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 21 - Proporção de comunidades segundo principais problemas e conflitos existentes,
por bacias hidrográficas do Ceará
Desemprego
Pouca participação
da comunidade na
associação
Carência de
cisternas
Desorganização da
comunidade
Posto de Saúde
Serviços de
Educação
Alto Jaguaribe
Litoral
Baixo Jaguaribe
Banabuiú
Metropolitana
Salgado
Coreaú
Curu
Acaraú
Parnaíba
Médio Jaguaribe
Amostra Total
Qualidade das
estradas
Bacia Hidrográfica
Disponibilidade e
qualidade da água
Problemas e Conflitos nas comunidades
72,4
72,0
50,0
32,0
88,5
34,5
85,7
60,7
81,8
48,0
16,7
56,9
0,0
0,0
10,7
4,0
19,2
13,8
61,9
39,3
0,0
0,0
0,0
12,8
0,0
4,0
3,6
0,0
11,5
0,0
4,8
0,0
0,0
8,0
0,0
2,8
13,8
0,0
10,7
36,0
3,8
13,8
0,0
10,7
4,5
8,0
20,0
11,5
6,9
4,0
0,0
4,0
3,8
0,0
0,0
0,0
4,5
0,0
23,3
4,5
10,3
4,0
28,6
4,0
3,8
3,4
0,0
3,6
27,3
4,0
10,0
9,0
3,4
4,0
7,1
8,0
15,4
13,8
4,8
0,0
0,0
0,0
13,3
6,6
0,0
4,0
3,6
0,0
0,0
3,4
4,8
3,6
0,0
0,0
0,0
1,7
Fonte: Dados da pesquisa de campo
4.2. A questão da água na comunidade
É importante ressaltar que existe uma confusão conceitual entre os moradores das
comunidades quanto à definição de fontes hídricas, tipo de nascente, forma de captação de
água e tipo de reservatório. A análise estatística constatou inconsistências decorrentes
desse fato como, por exemplo, quatro proporções diferentes, em uma mesma bacia, para
comunidades que possuem açude. Essas inconsistências ocorrem porque em algumas
comunidades o açude é visto como uma fonte de água, em outras como nascente, em
outras como forma de captação de água ou ainda como um reservatório. A análise a seguir
não assumiu o ônus da frágil base conceitual verificada e seguiu o procedimento não
tendencioso de analisar os dados conforme apresentados.
4.2.1. A origem da água nas comunidades das bacias hidrográficas
Fontes de água nas comunidades
A água é incontestavelmente o bem mais precioso do meio rural cearense. A sobrevivência
de comunidades inteiras de sertanejos depende da existência de alguma fonte hídrica
próxima, seja ela natural ou construída pelo próprio homem.
67
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
As fontes hídricas naturais , no entanto, encontram-se rarefeitas. A escassez do recurso é
sentida em todo o território e deve-se a uma interação peculiar entre fatores geológicos,
geográficos, econômicos, sociais e climáticos. Como pode ser observado na Tabela 22
apenas 28,1% das comunidades são cortadas por rio. Os córregos estão presentes em 54%
delas. A análise individual de cada bacia aponta que as bacias de Alto Jaguaribe e Parnaíba
apresentam o maior número de comunidades banhadas por rio. Por outro lado, a maior
escassez de fontes naturais de água encontra-se na bacia Metropolitana. Os dados
confirmam a precariedade das comunidades quanto à existência de recursos hídricos
naturais.
Tabela 22 - Proporção de comunidades onde existem fontes naturais de água, por tipo de fonte
e bacia hidrográfica Ceará
Bacia Hidrográfica
Fontes Naturais
Rio
Fonte
Riacho
Córrego
Alto Jaguaribe
63,0
0,0
0,0
70,4
Litoral
40,9
0,0
0,0
40,9
Baixo Jaguaribe
28,6
0,0
0,0
21,4
Banabuiú
29,6
0,0
0,0
63,0
Metropolitana
Salgado
Coreaú
Curu
Acaraú
Parnaíba
Médio Jaguaribe
Amostra Total
0,0
21,4
9,5
14,3
8,0
0,0
0,0
76,0
6,9
0,0
0,0
62,1
26,9
0,0
0,0
26,9
25,0
0,0
20,8
20,8
64,0
0,0
0,0
100,0
12,5
2,2
12,5
91,7
28,1
2,2
3,6
54,0
Fonte: Dados da pesquisa de campo
O cenário adquire um caráter de maior gravidade quando se verifica que as fontes artificiais
de água também são escassas. Como apresentado na Tabela 23 as principais fontes
artificiais de água nas comunidades são os açudes, poços e cisternas. O menor número de
comunidades com açudes encontra-se nas Bacias Metropolitana e Coreaú. Quanto à
existência de poços nota-se uma maior demanda nas bacias de Salgado e Médio Jaguaribe.
Apesar das ações como aquelas desenvolvidas pelo Programa de Mobilização Social para
Construção de 1 Milhão de Cisternas (P1MC), nas bacias Banabuiú e Metropolitana apenas
24,0% e 24,1% das comunidades, respectivamente, são beneficiadas por este por cisternas.
68
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 23 - Proporção de comunidades onde existem fontes artificiais de água, por tipo de
fonte e bacia hidrográfica Ceará
Poço
Cacimbão
Sistema de
Abastecimento
Chafariz
Cisterna
Dessalinizador
Alto Jaguaribe
Litoral
Baixo Jaguaribe
Banabuiú
Metropolitana
Salgado
Coreaú
Curu
Acaraú
Parnaíba
Médio Jaguaribe
Amostra Total
Barragem
Bacia
Hidrográfica
Açude
Fontes Artificiais
96,3
81,8
71,4
81,5
33,3
64,0
37,9
42,3
41,7
88,0
87,5
66,2
0,0
9,1
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
4,5
0,0
3,3
1,5
66,7
68,2
50,0
66,7
52,4
32,0
75,9
46,2
54,2
80,0
33,3
57,2
4,2
3,7
21,4
0,0
24,1
20,7
43,3
6,7
70,0
12,0
6,9
18,6
0,0
0,0
3,6
4,0
0,0
0,0
0,0
0,0
5,0
0,0
13,8
2,40
0,0
0,0
4,0
0,0
0,0
0,0
20,0
0,0
9,1
0,0
0,0
3,3
66,7
63,0
75,0
24,0
24,1
44,8
50,0
30,0
80,0
32,0
41,4
47,60
0,0
0,0
4,0
0,0
10,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
1,1
Fonte: Dados da pesquisa de campo
Além de existirem em quantidade deficiente, as fontes hídricas das comunidades
apresentam uma série de problemas, conforme apresentados na Tabela 24. Tais problemas
vão desde o domínio e posse que impedem o uso democrático da água até ao elevado grau
de salinidade da água que impede o seu consumo.
A falta de regularidade, ou seja, a ausência de água durante alguns períodos ao longo do
ano apresenta a maior freqüência entre as comunidades da bacia de Alto Jaguaribe. No
entanto, o maior problema dessa bacia é apontado como sendo a poluição da água.
Na bacia do Baixo Jaguaribe o problema mais mencionado pelas comunidades refere-se às
condições dos equipamentos e tratamento dado à água, citado por 34,5% das comunidades.
No Médio Jaguaribe 47,6% citaram a distância entre o local de coleta e o local de consumo.
Na bacia de Salgado o problema mais colocado foi o acesso livre às fontes hídricas e em
Salgado o mau uso da água, reclamação de 73,3% das comunidades.
Como apontado as bacias guardam especificidades que demandam ações locais. Políticas
universais em uma realidade como a descrita além de onerosas correm o risco de não
serem efetivas.
69
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 24 - Proporção de comunidades por tipo de problema associado às fontes hídricas, por
bacia hidrográfica do Ceará
4,2
0,0
12,5
4,2
29,2
12,5
4,2
41,7
8,3
4,0
0,0
16,7
0,0
41,7
0,0
0,0
37,5
Poluição
20,8
Litoral
Mau uso
Acesso livre
Alto Jaguaribe
Bacia Hidrográfica
Distância
Salinidade
Disponibilidade
Más condições de
equipamentos e
tratamento da água
Limite de uso/Domínio
e posse
Irregularidade
Principais problemas relacionados às fontes hídricas
Baixo Jaguaribe
3,4
3,4
34,5
3,4
13,8
24,1
0,0
3,4
10,3
Banabuiú
7,1
0,0
14,3
7,1
21,4
57,1
7,1
0,0
7,1
Metropolitana
8,7
8,7
13,0
13,0
4,3
21,7
0,0
8,7
30,4
Salgado
4,8
0,0
14,3
9,5
9,5
0,0
38,1
9,5
19,0
Coreaú
14,3
0,0
14,3
10,7
21,4
17,9
14,3
3,6
21,4
Curu
8,3
0,0
20,8
4,2
4,2
20,8
8,3
16,7
25,0
Acaraú
17,2
6,9
24,1
31,0
10,3
10,3
3,4
0,0
13,8
Parnaíba
0,0
0,0
0,0
6,7
0,0
13,3
0,0
73,3
6,7
Médio Jaguaribe
9,5
9,5
0,0
14,3
47,6
28,6
0,0
0,0
0,0
Amostra total
9,9
3,6
13,4
12,3
12,3
23,0
7,5
8,7
20,2
Fonte: Dados da pesquisa de campo
Forma de captação e armazenamento de água
Como já mencionado as formas de captação e armazenamento de água se confundem entre
os moradores das comunidades rurais. No entanto, considera-se nesta análise que captação
de água consiste na retirada de água de um corpo hídrico para destiná-la a um determinado
uso seja ele doméstico ou não. Assim, a Tabela 25 busca descrever as principais fontes de
captação de água, ou seja, de onde vem a água usada na comunidade.
Na amostra total verifica-se que é principalmente da cisterna que o maior número de
comunidades retira a água para uso próprio. Em seguida observam-se, em 30,7% das
comunidades, os açudes. As caixas d’água praticamente inexistem nas comunidades
estudadas e os carros pipas foram apontados como principal fonte de captação de água em
12,2% destas, atrás apenas das cisternas (47,6%), açudes (30,7%) e cacimba/cacimbões
(18,6%).
A análise individual ressaltou mais uma vez a heterogeneidade entre as bacias. A bacia de
Banabuiú apresentou o maior número de comunidades que captam a água principalmente
de carros pipa. Nessa bacia verificou-se o menor número de comunidades que utilizam as
cisternas. A captação a partir de carros pipa não foi mencionada nas comunidades
localizadas nas bacias Alto Jaguaribe, Salgado, Coreaú e Parnaíba.
70
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Ainda segundo dados da tabela, percebe-se o reflexo de ações implementadas pelo governo
com o objetivo de criar fontes de captação e armazenamento de água. Em algumas bacias
foram verificadas diferentes opções de fontes, caso das bacias de Salgado e Baixo
Jaguaribe que registraram, respectivamente, 8 e 7, das 10 fontes de capitação analisadas.
Tabela 25 - Proporção de comunidades segundo as fontes de captação de água, por tipo de
fonte e bacia hidrográfica do Ceará
Cisternas
Poço
Caixa
d’água
Açude
Cacimba/ca
cimbão
Carro pipa
Lagoa
Tanque
Barreiros
Telhado
Fontes onde ocorre a captação de água pelos moradores da comunidade
Alto Jaguaribe
66,7
8,3
0,0
29,2
4,2
0,0
0,0
0,0
25,0
0,0
Litoral
63,0
18,5
0,0
25,9
3,7
11,1
0,0
18,5
0,0
0,0
Baixo Jaguaribe
75,0
0,0
0,0
25,0
21,4
35,7
39,3
10,7
0,0
7,1
Banabuiú
24,0
16,0
0,0
40,0
0,0
52,0
0,0
0,0
8,0
20,0
Metropolitana
24,1
27,6
0,0
13,8
24,1
13,8
0,0
13,8
0,0
0,0
Salgado
44,8
3,4
6,9
34,5
20,7
0,0
0,0
6,9
3,4
3,4
Coreaú
50,0
20,0
0,0
20,0
43,3
0,0
0,0
3,3
0,0
0,0
Curu
30,0
16,7
0,0
26,7
6,7
3,3
0,0
3,3
0,0
0,0
Acaraú
80,0
20,0
0,0
35,0
70,0
15,0
0,0
0,0
0,0
0,0
Parnaíba
32,0
0,0
0,0
36,0
12,0
0,0
0,0
0,0
0,0
48,0
Médio Jaguaribe
41,4
0,0
0,0
55,2
6,9
6,9
0,0
10,3
0,0
20,7
Amostra Total
47,6
11,8
0,7
30,7
18,6
12,2
3,7
6,4
3,0
8,8
Bacia Hidrográfica
Fonte: Dados da pesquisa de campo
As cisternas vêm sendo construídas nas comunidades rurais do semiárido com o propósito
de captar água (da chuva preferencialmente) e armazená-la durante todo o ano a fim de
usá-la para beber e cozinhar. Em relação à existência de cisternas os dados coletados
apontam uma média de 13 por comunidade. No entanto, verifica-se uma grande
heterogeneidade nos dados com comunidades sem nenhuma cisterna e outras com até 162,
conforme apresentado na Tabela 26.
Tabela 26 - Estatísticas descritivas da variável número de cisternas na comunidade10
Bacia Hidrográfica
Média
Mediana
Desvio Padrão
Mínimo
Máximo
Alto Jaguaribe
8
5
9
0
34
Litoral
10
8
12
0
45
Baixo Jaguaribe
20
11
22
1
100
Banabuiú
8
5
7
0
26
Metropolitana
17
10
20
0
98
10
O resultado do teste de Scheffé, para comparação de múltiplos médias, não apontou diferença significativa entre as bacias
quanto ao número médio de cisternas. No entanto, como já ressaltado várias vezes nesta análise, não será dada maior
atenção a esse resultado devido ao grande número de “missing values” nessa variável.
71
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
19
Salgado
10
33
0
162
Coreaú
6
1
8
0
31
Curu
20
16
20
0
90
Acaraú
13
7
15
0
67
Parnaíba
18
11
19
0
66
Médio Jaguaribe
6
4
6
0
29
Total
13
7
18
0
162
Fonte: Dados da pesquisa de campo
A análise do número de cisternas possui pouca funcionalidade, pois dependendo do
tamanho da comunidade deve ser menor ou maior. Além disso, a elevada dispersão das
informações, representada pelo desvio padrão, não confere grande confiabilidade aos
resultados. Nestes casos a mediana é mais adequada que a média. A análise da mediana
mostra que em 50% das comunidades estudadas há, no máximo 7 cisternas. No caso da
Bacia de Coreaú metade das comunidades têm no máximo 1(uma) cisterna e metade acima
de 1 podendo alcançar até 31 cisternas por comunidade. Na bacia de Curu 50% das
comunidades apresentam acima de 16 cisternas.
Mais informativa seria a análise da demanda por cisterna, Tabela 27. Apesar dos esforços
na construção de cisternas ainda existe uma demanda de 22 cisternas, em média, para
cada comunidade da amostra.
A bacia Metropolitana é a mais carente. Aí as comunidades necessitam, em média, de 52
cisternas sendo que há comunidade com demanda de até 258. Ainda entre as bacias com
maior demanda por cisternas destaca-se Coreaú, Salgado e Litoral, com demanda média de
40, 31 e 25 cisternas, respectivamente.
É importante ressaltar, mais uma vez que a análise da média deve ser vista com ressalvas
quando existe uma amplitude tão grande nos dados (0 a 258). Assim, considerando a
mediana, percebe-se que na bacia Metropolitana existe uma demanda por cisterna acima de
28 em 50% das comunidades estudadas. Esse número cai para 4 na bacia de Acaraú.
O teste de Scheffé apontou diferenças significativas na demanda por cisterna apenas entre
a bacia Metropolitana e as bacias Baixo Jaguaribe, Curu e Acaraú, a um nível de
significância de 5%.
Tabela 27 - Estatísticas descritivas de demanda por cisternas
Bacia Hidrográfica
Média
Mediana
Desvio Padrão
Mínimo
Máximo
Alto Jaguaribe
19
15
17
2
68
Litoral
25
0
120
Baixo Jaguaribe
12
30
16
2
37
0
160
Banabuiú
16
2
59
Metropolitana
12
15
52
28
56
3
258
Salgado
31
0
149
Coreaú
40
20
20
36
49
0
188
72
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Curu
8
5
Acaraú
9
0
6
Parnaíba
15
Médio Jaguaribe
Total
41
4
6
0
26
8
27
0
137
17
8
22
0
106
22
9
34
0
258
Fonte: Dados da pesquisa de campo
É sabido que a construção de cisternas tem contribuído para aliviar o problema de escassez
de água nos períodos de estiagem. No entanto, não se trata da opção mais confortável e
segura e nem confere uma maior transformação na zona rural no que diz respeito à garantia
de água durante o ano inteiro, uma vez que em cada novo período de estiagem é comum
ver cisternas sendo abastecidas por carros pipas.
Neste cenário, investimentos na implantação de sistemas de abastecimento surgem como a
alternativa mais adequada para possibilitar o fornecimento contínuo de água. Como
observado na Figura 10 os sistemas de abastecimento só existem em 28% das
comunidades considerando a amostra total. Na bacia de Salgado este percentual cai para
10%. Pela própria localização, a bacia Metropolitana surge com o maior percentual de
comunidades com sistema de abastecimento.
Figura 10 - Proporção de comunidades segundo a existência
de sistema de abastecimento, por bacia
73
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tipos de reservatórios de água existentes na comunidade
Reservatórios são unidades que acumulam a água para uso posterior. Dada esta definição
os principais tipos de reservatórios existentes nas bacias hidrográficas são os açudes,
presentes em 36,7% das comunidades, conforme Tabela 28. Em seguida, são utilizadas as
cisternas e em uma proporção bem inferior surgem as cacimbas/cacimbões e poços,
identificados em 9,7% e 8,7% das comunidades, respectivamente. Verifica-se, ainda, que
em 13% das comunidades não existem reservatórios de nenhum tipo. Essa situação é mais
grave na bacia Litoral, onde a presença de reservatórios foi constatada em apenas 50% das
comunidades.
Os tipos de reservatórios menos freqüentes nas bacias são as caixas d’gua, barragens,
tanques e barreiros.
Nota-se que as cisternas usadas na captação da água são também um tipo de reservatório
em algumas comunidades. No entanto, enquanto em 47% das comunidades as cisternas
são usadas como forma de captação de água, o seu uso como reservatório se dá em
apenas 31% das comunidades. A análise estatística não encontrou subsídios para explicar
essa diferença, a qual pode representar uma subutilização das cisternas, pouco provável, ou
a falta de entendimento ou distinção entre os termos captação e reservatório.
Tabela 28 - Proporção de comunidades segundo o tipo de reservatório de água, por bacia
hidrográfica do Ceará
34,5
50,0
15,4
15,4
0,0
15,4
7,4
22,2
3,7
0,0
40,7
Banabuiú
0,0
61,5
23,1
0,0
Metropolitana
24,1
0,0
20,7
0,0
Salgado
10,3
10,3
0,0
3,4
Coreaú
23,3
50,0
3,3
Curu
13,3
26,7
0,0
Acaraú
10,5
0,0
31,6
5,3
26,3
36,8
0,0
5,3
0,0
0,0
Parnaíba
0,0
48,0
0,0
4,0
44,0
16,0
0,0
0,0
0,0
0,0
Médio Jaguaribe
0,0
63,3
6,7
0,0
60,0
20,0
0,0
0,0
0,0
0,0
Amostra Total
13,0
31,0
8,7
2,0
36,7
9,7
2,7
1,3
2,3
2,0
Litoral
Baixo Jaguaribe
Barreiros
Açude
3,4
Tanque
Caixa d’água
0,0
Barragem
Poço
34,5
Alto Jaguaribe
Lagoa
Cisternas
3,4
Bacia Hidrográfica
Cacimba/
cacimbão
Não há
reservatório
Tipos de reservatório de água
3,4
0,0
3,4
0,0
17,2
3,8
0,0
0,0
3,8
0,0
7,4
29,6
7,4
3,7
0,0
69,2
3,8
0,0
0,0
0,0
0,0
13,8
6,9
0,0
0,0
10,3
0,0
51,7
6,9
0,0
0,0
0,0
3,4
6,7
10,0
10,0
0,0
0,0
3,3
0,0
0,0
36,7
0,0
0,0
0,0
3,3
0,0
Fonte: Dados da pesquisa de campo
74
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
4.2.2. Uso da água
O uso adequado da água é uma condição essencial para minimizar os riscos de doença,
desperdícios, escassez do recurso e conflitos no interior da comunidade. Como um
elemento dinâmico a água se presta a diferentes fins. Como observado na Tabela 29 o
principal uso da água nas comunidades é para fins domésticos, embora existam ainda
aquelas que destinam a água principalmente para trato de animais.
Tabela 29 - Proporção de comunidades segundo o tipo de uso da água,
por bacia hidrográfica do Ceará
Tipo de uso da fonte hídrica
Bacia Hidrográfica
Alto Jaguaribe
Beber e
cozinhar
48,0
84,0
Trato de
animais
44,0
50,0
50,0
Doméstico
Diversos
4,0
Litoral
66,7
20,8
Baixo Jaguaribe
48,3
37,9
13,8
44,8
Banabuiú
11,8
52,9
11,8
35,3
Metropolitana
23,1
92,3
50,0
11,5
Salgado
21,1
57,9
26,3
36,8
Coreaú
35,7
71,4
42,9
17,9
Curu
33,3
66,7
37,5
12,5
Acaraú
53,6
64,3
21,4
7,1
Parnaíba
12,5
100,0
75,0
0,0
Médio Jaguaribe
0,0
47,6
9,5
52,4
Amostra Total
34,6
65,4
34,2
21,8
Fonte: Dados da pesquisa de campo
O uso da água é dividido na maior parte das comunidades pesquisadas. Essa divisão é
decidida por meio de conversas ou em menor proporção a partir de reuniões e pode ocorrer,
na maioria das bacias estudadas (60,6%), de acordo com a necessidade do beneficiado
(Tabela 30). Em algumas comunidades a água dividida é a da cisterna.
Tabela 30 - Forma de uso da fonte hídrica nas comunidades pesquisadas
Tipo de uso da fonte hídrica
Dividem a água
da cisterna
Dividem a água a
partir de conversas
com os moradores
A divisão é
resolvida em
reuniões
Alto Jaguaribe
34,5
17,2
13,8
A água é dividida
de acordo com a
necessidade dos
usuários
27,6
Litoral
20,8
12,5
0,0
62,5
Baixo Jaguaribe
17,6
23,5
0,0
58,8
Banabuiú
0,0
0,0
0,0
100,0
Metropolitana
29,6
3,7
0,0
65,4
Salgado
5,9
11,8
0,0
76,5
Coreaú
11,8
25,0
0,0
58,8
Curu
14,3
9,5
0,0
76,2
Bacia Hidrográfica
75
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Acaraú
36,4
0,0
0,0
63,6
Parnaíba
0,0
Médio Jaguaribe
0,0
40,0
0,0
60,0
81,8
0,0
18,2
Amostra Total
17,7
17,8
1,8
60,6
Fonte: Dados da pesquisa de campo
4.2.3. As mudanças na forma de coleta de água na comunidade
As comunidades rurais do Ceará convivem com a escassez de água desde a época do
Brasil colônia. Já nessa época, segundo relatos, buscou-se a resolução do problema. As
intervenções e o “combate à seca” se manifestaram por meio de diferentes instrumentos.
No entanto, parece que só nos últimos anos o homem convenceu-se que não se pode
combater um fenômeno natural e cíclico como a seca.
As intervenções no sentido de melhorar a qualidade de vida nas comunidades por meio de
uma oferta de água mais regular e de melhor qualidade se dá atualmente de diferentes
formas. Como consta na Tabela 31, a construção de cisternas e de poços são as principais
alternativas implantadas considerando o total de bacias.
O percentual de comunidades beneficiados pelos tipos projetos analisados é muito baixo em
algumas bacias o que demonstra que ainda há muito a ser feito. Enquanto na Bacia do
Acaraú 88% das comunidades foram beneficiadas por projetos de implantação de cisternas
esse percentual é de apenas 6,3% no alto Jaguaribe.
Tabela 31 - Proporção de comunidades segundo o tipo de projeto implantado para a melhoria
da disponibilidade de água, por bacia hidrográfica do Ceará
0,0
10,5
0,0
21,1
0,0
0,0
33,3
Banabuiú
Metropolitana
Sistema de
abastecimento
22,2
44,4
Construção de
açude
0,0
11,1
22,2
Construção de
cacimba
22,2
27,8
Baixo Jaguaribe
Construção de
barragem
6,3
Construção de
adutoras
6,3
Litoral
Alto Jaguaribe
Construção de
cisternas
18,8
18,8
Bacia Hidrográfica
Construção de
dessalinizador
Construção de
Poços
25,0
Chafariz
Projeto São
José
Projeto Implantado
18,8
6,3
0,0
0,0
6,3
27,8
5,6
0,0
0,0
0,0
11,1
0,0
11,1
0,0
0,0
0,0
11,1
0,0
57,9
26,3
0,0
0,0
5,3
5,3
9,5
71,4
9,5
0,0
0,0
4,8
19,0
Salgado
10,5
0,0
31,6
0,0
42,1
0,0
0,0
0,0
10,5
5,3
Coreaú
5,3
0,0
15,8
0,0
36,8
15,8
5,3
10,5
0,0
42,1
Curu
0,0
0,0
31,8
9,1
72,7
4,5
0,0
4,5
13,6
18,2
Acaraú
0,0
0,0
11,8
0,0
88,2
0,0
5,9
0,0
5,9
5,9
14,3
0,0
71,4
0,0
42,9
14,3
0,0
0,0
0,0
0,0
Parnaíba
Médio Jaguaribe
Amostra Total
31,6
11,8
0,0
4,8
68,4
29,0
0,0
4,8
47,4
48,4
0,0
9,1
0,0
1,6
0,0
1,6
0,0
4,3
5,3
12,9
Fonte: Dados da pesquisa de campo
76
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Do mesmo modo, se 71,4% das comunidades da bacia de Parnaíba foram beneficiadas pela
construção de poços, nenhuma comunidade recebeu tal vantagem na bacia do Litoral.
Outros tipos de projetos implantados de forma desigual entre as bacias são, principalmente,
a construção de dessalinizadores, o Projeto São José, a construção de barragens e
cacimbas. A observação dessa desigualdade pode auxiliar as instituições responsáveis no
direcionamento de projetos para aquelas bacias mais carentes de benefícios hídricos.
Como apresentado na Tabela 32, as principais instituições responsáveis pela implantação
de projetos de natureza hídrica nas comunidades são o governo estadual, a ASA –
Articulação do Semiárido (principalmente devido ao Programa 1 Milhão de Cisternas) e as
prefeituras. Essa importância, no entanto, pode variar de bacia para bacia. O governo
Federal é citado como de maior importância por 52,6% das comunidades da bacia de
Banabuiú enquanto o governo estadual é citado por 47,4%.
Percebe-se uma fraca atuação da ASA nas bacias de Alto e Baixo Jaguaribe. Em relação
ao governo estadual, nas bacias de Acaraú e Médio Jaguaribe a sua atuação é tida como de
maior relevância em apenas 18,8% e 15,8% das comunidades, respectivamente.
Tabela 32 - Proporção de comunidades segundo a instituição responsável pela implantação
do projeto para a melhoria da disponibilidade de água, por bacia hidrográfica do Ceará
Instituição Responsável
Bacia Hidrográfica
Alto Jaguaribe
Governo
Estadual
78,6
0,0
Governo
Federal
7,1
Comunidade
Cáritas
Prefeitura
7,1
0,0
ASA- Articulação
do Semiárido
0,0
Litoral
37,5
12,5
0,0
0,0
37,5
12,5
Baixo Jaguaribe
40,0
0,0
0,0
0,0
20,0
0,0
Banabuiú
47,4
0,0
52,6
0,0
5,3
42,1
Metropolitana
63,2
5,3
36,8
0,0
15,8
26,3
Salgado
52,6
0,0
0,0
0,0
15,8
31,6
Coreaú
44,4
16,7
0,0
11,1
33,3
5,6
Curu
50,0
5,0
0,0
10,0
25,0
50,0
Acaraú
18,8
12,5
12,5
31,3
0,0
25,0
Parnaíba
63,6
0,0
9,1
9,1
18,2
27,3
Médio Jaguaribe
15,8
0,0
10,5
0,0
31,6
57,9
Amostra total
46,0
5,1
13,1
6,3
18,8
28,4
Fonte: Dados da pesquisa de campo
A atuação do governo estadual nos projetos de natureza hídrica se dá, na opinião das
comunidades, por meio do Projeto São José, da SOHIDRA e da CAGECE. (Figura 11). No
caso do Projeto São José os benefícios para as comunidades surgem por meio dos
subprojetos de abastecimento de água.
77
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Figura 11 - Principais instituições e projetos do governo estadual citados como responsáveis
pelo financiamento de projetos hídricos nas comunidades pesquisadas.
No caso do Governo Federal, Figura 12, o INCRA foi citado por 8,5% das comunidades. O
projeto Dom Hélder Câmara foi citado por 2,3%, mais especificamente na bacia por 25% das
comunidades localizadas na bacia de Acaraú.
Figura 12 - Principais instituições e projetos do governo federal citados como responsáveis
pelo financiamento de projetos hídricos nas comunidades pesquisadas.
As Figuras 13 e 14 mostram o percentual de comunidades que possuem projetos de
natureza individual e coletiva, respectivamente, por bacia hidrográfica.
78
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Figura 13 - Proporção de comunidades que possuem projetos de natureza individual, por bacia
hidrográfica
Figura 14 - Proporção de comunidades que possuem projetos de natureza coletiva,
bacia hidrográfica
por
Pelos resultados apresentados nota-se que existe um grande número de comunidades em
que os projetos advindos de fora da comunidade ainda são escassos ou inexistem. No
entanto, já podem ser observadas mudanças nos hábitos dos moradores quanto à coleta de
água nos períodos de seca.
79
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Como se observa na Tabela 33, a principal mudança quanto à coleta de água em períodos
de seca refere-se às cisternas. É importante ressaltar que isso ocorreu, no entanto, em
algumas bacias e na amostra total. Na bacia de Alto Jaguaribe, como relatado na Tabela 22
as cisternas não têm papel relevante e existem em um número pequeno de comunidades.
Uma inconsistência entre as tabelas 31 e 33 pode ser identificada na análise dos resultados
referentes à bacia Baixo Jaguaribe. Apesar de não existirem comunidades em que foram
implantados projetos de construção de cisternas nota-se um aumento de 3,6% para 50,0%
na proporção de comunidades que usam a água das cisternas em períodos de seca.
De um modo geral percebe-se um aumento no uso da água das cisternas e do carro-pipa,
em menor proporção dos açudes e poços. Houve uma diminuição na proporção de
comunidades que utilizam fontes naturais de água como riacho, lagoa, rio, nascentes, o que
pode ser o reflexo da escassez dos recursos naturais.
O aumento no uso de dessalinizadores, sistema de abastecimento e adutora é quase
imperceptível.
Tabela 33 - Proporção de comunidades segundo o local de coleta de água no período de seca,
antigamente e hoje, por bacia hidrográfica do Ceará
Bacia Hidrográfica
Alto Jaguaribe
Litoral
Baixo Jaguaribe
Banabuiú
Fonte
Cacimbão
Açude
Poço
Barragem
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Rio
Poço
Cisterna
Fonte/Nascente/Olho d'gua
Chafariz
Sistema de abastecimento
Riacho
Lagoa
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Rio
Poço
Cisterna
chafariz
Tanque
Adutora
Dessalinizador
Sistema de abastecimento
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Rio
Poço
Cisterna
Comunidades próximas
Fonte/Nascente/olhod'gua
Barragem
Chafariz
Adutora
Antigamente
Hoje
34,5
65,5
3,4
6,9
37,9
10,3
24,1
6,9
3,4
0,0
6,9
0,0
0
3,6
0
50,0
3,6
25,0
21,4
10,7
3,6
0,0
7,1
0,0
0,0
0,0
65,4
3,8
15,4
19,2
0
0
3,8
0
3,8
0
0
35,0
45,0
10,0
0
10,3
65,5
13,8
0,0
10,3
37,9
0,0
6,9
6,9
0
7,1
14,3
75,0
17,9
0,0
0,0
50,0
7,1
3,3
7,1
3,6
3,6
11,1
22,2
70,4
0,0
7,4
59,3
0,0
11,1
0,0
3,7
3,7
80
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Bacia Hidrográfica
Metropolitana
Salgado
Coreaú
Curu
Acaraú
Parnaíba
Médio Jaguaribe
Antigamente
Hoje
Sistema de abastecimento
Riacho
Lagoa
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Rio
Poço
Cisterna
Comunidades próximas
Fonte
0
3,6
10,7
28,6
0
10,7
14,3
3,6
0,0
0,0
11,1
0
0,0
21,4
53,6
17,9
0,0
25,0
17,9
7,1
Fonte/Nascente/Olho d'água
0,0
0,0
Barragem
0,0
0,0
Chafariz
Tanque
Dessalinizador
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Poço
Cisterna
Comunidades próximas
fonte/Nascente/olho d'água
Barragem
Riacho
Lagoa
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Rio
Poço
Cisterna
Comunidades próximas
Fonte/Nascente/Olho d'água
Barragem
Chafariz
Tanque
Sede do município
Sistema de abastecimento
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Cisterna
Comunidades próximas
Riacho
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Rio
Poço
Cisterna
Comunidades próximas
Tanque
Adutora
Sistema de abastecimento
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Rio
Poço
Cisterna
Riacho
Cacimbão
Carro pipa
0,0
0,0
0,0
10,3
0,0
6,9
0,0
0,0
0,0
34,5
3,4
0,0
0,0
51,7
3,4
0,0
0,0
3,4
0,0
10,3
44,8
3,4
0,0
3,4
0,0
0,0
23,3
0,0
30,0
0,0
6,7
12,5
66,7
4,2
4,2
25,0
4,2
0,0
8,3
4,2
0,0
0,0
56,0
0,0
4,0
32,0
0,0
0,0
3,4
51,7
0,0
0,0
6,7
10,7
24,1
13,8
0,0
6,9
13,8
27,6
20,7
0,0
0,0
0,0
16,7
36,7
0,0
0,0
6,7
0,0
3,3
13,3
0,0
13,3
0,0
30,0
6,7
0,0
30,0
26,7
26,7
0,0
0,0
56,5
30,4
13,0
0,0
26,1
65,2
0,0
0,0
8,7
4,3
72,0
12,0
48,0
0,0
4,0
32,0
0,0
10,0
23,3
81
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Bacia Hidrográfica
Amostra Total
Fonte
Açude
Rio
Cisterna
Tanque
Adutora
Sistema de abastecimento
Riacho
Lagoa
Cacimbão
Carro pipa
Açude
Rio
Poço
Cisterna
Comunidades próximas
Fonte/Nascente/Olho d'água
Barragem
Chafariz
Tanque
Sede do Município
Adutora
Sistema de abastecimento
Canal
Dessalinizador
Antigamente
Hoje
48,3
13,8
0,0
0,0
0,0
0,0
2,0
1,0
42,5
2,3
21,9
11,4
2,6
0,3
2,6
8,2
1,6
0,0
1,3
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
56,7
0,00
63,3
6,7
6,7
13,3
0,00
0,7
23,1
34,1
27,4
0,0
8,4
33,4
3,7
4,3
0,0
3,0
1,5
2,8
2,3
4,3
0,3
1,3
Fonte: Dados da pesquisa de campo
4.2.4. Fatores que comprometem a disponibilidade de água para as famílias da
comunidade
A disponibilidade de água na quantidade e qualidade desejada em todos os meses do ano é
o anseio de toda a população residente no semiárido. As comunidades pesquisadas
apontam diferentes motivos para que isso não seja possível.
Na amostra total, a insuficiência de recursos hídricos na comunidade é apontada como o
principal motivo da irregularidade da oferta de água por 35,7% das comunidades. Esse
problema também foi detectado pela maioria das comunidades localizadas nas bacias de
Alto Jaguaribe e Salgado.
Em Acaraú os fatores de vulnerabilidade mais citados foram a desorganização da
comunidade e a economia. Nas bacias de Banabuiú e Coreaú o problema é atribuído às
comunidades difusas.
De acordo com os resultados observados ressalta-se mais uma vez que as bacias
hidrográficas apresentam especificidades que demandam intervenções locais.
82
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Tabela 34 - Proporção de comunidades segundo os principais fatores que afetam a
disponibilidade de água, por bacia hidrográfica do Ceará
Domínio
particular das
fontes hídricas
Insuficiência de
recursos
hídricos
Características
geográficas da
comunidade
Fator
econômico
Falta de
estrutura para
armazenar água
Divisão do uso
da água com
outra
comunidade
Desinteresse
político/ Falta de
investimento
3,6
0,0
85,7
0,0
3,6
0,0
7,1
14,3
3,6
7,1
39,3
3,6
25,0
0,0
0,0
0,0
0,0
8,0
36,0
0,0
8,0
4,0
12,0
33,3
0,0
0,0
8,3
0,0
25,0
0,0
16,7
0,0
4,0
0,0
40,0
0,0
12,0
0,0
0,0
0
3,6
17,9
0,0
71,4
0,0
3,6
0,0
0,0
0,0
0,0
62,1
3,4
17,2
3,4
20,7
0,0
0,0
3,4
Curu
0,0
0,0
27,6
27,6
0,0
31,0
0,0
0,0
0,0
0,0
Acaraú
53,8
0,0
0,0
7,7
0,0
0,0
0,0
46,2
0,0
7,7
Parnaíba
13,0
0,0
0,0
8,7
21,7
13,0
0,0
0,0
8,7
0,0
Médio Jaguaribe
8,0
8,0
0,0
0,0
36,0
40,0
0,0
4,0
0,0
4,0
Amostra total
9,0
1,1
14,1
7,2
8,3
35,7
2,5
9,7
1,1
4,3
Comunidade
difusa
0,0
Desorganização
da comunidade
Distância de
fontes perenes
Fatores que afetam a disponibilidade de água
Alto Jaguaribe
0,0
0,0
Litoral
10,7
0,0
Baixo Jaguaribe
24,0
4,0
Banabuiú
12,5
0,0
Metropolitana
4,0
0,0
Salgado
0,0
Coreaú
Bacia
Hidrográfica
4.2.5. O uso da água do carro pipa
Apesar das mudanças demonstradas a população das comunidades ainda se encontra
vulnerável à disponibilidade de água. Mesmo com a construção de cisternas, durante
períodos mais longos de estiagem ocorre falta d’água já que as cisternas não acumulam
água suficiente devido à ausência de calhas na maioria dos telhados. Sem muitos recursos
alternativos para evitar a escassez de água as comunidades recorrem aos carros pipa.
A água do carro pipa não é garantia de uma água potável. Além disso, o reservatório onde
essa água será armazenada pode conter impurezas que contaminam ou alteram o sabor da
água. Embora a maioria das comunidades afirmem que armazenam a água do carro pipa
em cisternas (63,3) em muitas delas esse armazenamento é feito em pequenos depósitos,
33,7%.11(Tabela 35).
Dentre os principais motivos para o uso recorrente de carros pipa, Tabela 36, as
comunidades destacam, com maior freqüência, a ausência de sistema de abastecimento e
de reservatórios para armazenar água, a própria escassez de recursos hídricos em alguns
meses do ano e a qualidade da água.
11
Na análise dessa variável foi observada outra inconsistência do banco de dados. Nas tabelas anteriores a bacia de Alto
Jaguaribe apareceu com um percentual baixo de comunidades com cisternas. Nessa variável (local onde armazena a água do
carro pipa), as respostas dadas apontam que em 96% das bacias a água é armazenada em cisternas. Diante disso sugiro não
considerar essa variável.
83
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Assim, a substituição dos carros pipa pode se dá de forma diferente em cada bacia, mas
deve priorizar a construção de reservatórios maiores ou introdução de um sistema de
abastecimento que garanta água na quantidade e qualidade desejada pela população.
Tabela 35 - Proporção de comunidades segundo o meio utilizado para armazenar a água
coletada do carro pipa, por bacia hidrográfica. Ceará
Caixa
d’água
Tanque
Anéis
Cacimba/c
acimbões
Sistema
domiciliar
Barreiros
0,0
0,0
0,0
0,0
20,7
85,7
0,0
42,9
0,0
3,6
0,0
0,0
70,4
25,9
7,4
3,7
0,0
0,0
0,0
42,3
80,8
23,1
30,8
0,0
0,0
0,0
0,0
27,6
24,1
0,0
27,6
0,0
3,4
0,0
0,0
20,7
37,9
62,1
13,8
10,3
0,0
6,9
0,0
0,0
6,7
0,0
26,7
50,0
23,3
16,7
0,0
10,0
0,0
0,0
Curu
30,0
0,0
36,7
10,0
0,0
20,0
0,0
13,3
0,0
0,0
Acaraú
71,4
0,0
66,7
76,2
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
Parnaíba
39,1
13,0
39,1
91,3
17,4
0,0
0,0
4,3
0,0
0,0
Médio Jaguaribe
21,4
0,0
53,6
64,3
7,1
0,0
0,0
0,0
7,1
0,0
Amostra Total
33,7
5,3
42,3
63,3
10,0
14,7
0,3
4,0
0,7
2,0
Tambores
0,0
Açude
96,6
Pequenos
depósitos
Cisternas
Meio utilizado para armazenar a água coletada do carro pipa
34,5
17,2
37,9
42,9
0,0
46,4
51,9
0,0
59,3
38,5
7,7
13,8
0,0
Salgado
34,5
Coreaú
Bacias hidrográficas
Alto Jaguaribe
Litoral
Baixo Jaguaribe
Banabuiú
Metropolitana
Fonte: Dados da pesquisa de campo
Tabela 36 - Proporção de comunidades segundo os principais motivos que levam ao consumo
de água do carro pipa, por bacia hidrográfica. Ceará
Localização da
comunidade dificulta o
armazenamento de água
0,0
0,0
0,0
33,3
10,7
28,6
10,7
0,0
0,0
Baixo Jaguaribe
42,9
14,3
7,1
25,0
3,6
7,1
0,0
Banabuiú
23,1
15,4
38,5
3,8
15,4
0,0
3,8
Metropolitana
10,3
6,9
3,4
37,9
0,0
0,0
0,0
Salgado
10,3
0,0
0,0
13,8
0,0
6,9
44,8
Coreaú
0,0
86,7
0,0
86,7
0,0
0,0
0,0
Questões políticas
14,8
10,7
Quantidade de água
insuficiente para
abastecer a comunidade
durante o ano inteiro
37,0
35,7
Inexistência de água
para consumo humano
29,6
Litoral
Baixa qualidade da água
Alto Jaguaribe
Bacias hidrográficas
Ausência de
reservatórios para
armazenar água/
sistema de
abastecimento
Estruturas inadequadas
Motivos que levam ao consumo de água de carro pipa
84
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Curu
10,0
10,0
3,3
16,7
3,3
0,0
20,0
Acaraú
80,0
0,0
0,0
0,0
15,0
5,0
0,0
Parnaíba
62,5
4,2
12,5
0,0
4,2
16,7
0,0
Médio Jaguaribe
53,3
23,3
23,3
6,7
0,0
0,0
0,0
Amostra Total
30,6
19,9
10,3
21,3
4,3
3,0
9,6
Fonte: Dados da pesquisa de campo
4.3. A qualidade da água nas comunidades
Como observado na Figura 15, a qualidade da água nas comunidades só é considerada
boa por 42,7% das comunidades na amostra total. Na bacia Metropolitana percebe-se
um maior percentual de comunidades insatisfeitas, seguida das bacias de Curu e
Parnaíba.
Figura 15 - Proporção de comunidades segundo a satisfação com a qualidade da água na
comunidade, por bacia hidrográfica
O menor percentual de comunidades insatisfeitas com a qualidade da água ocorre na Bacia
de Banabuiú.
85
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
4.4. Alternativas propostas pelas comunidades
Finalizando a análise estatística dos dados referentes à ficha social preenchida nas
comunidades segue na Tabela 37 as alternativas propostas pela população para minimizar
os problemas decorrentes da escassez de água.
Tabela 37 - Proporção de comunidades segundo as alternativas propostas para resolução dos
problemas hídricos, por bacia hidrográfica
Bacia Hidrográfica
Alternativas Propostas
Barragem subterrânea + poço raso + cisterna
Expansão da adutora + cisternas
Alto Jaguaribe
Litoral
Percentual de
Comunidades
26,7
3,3
Instalação de poço existente da comunidade + cisternas
33,2
Poço tubular profundo e cisternas
30,0
Sistema de abastecimento a partir de açude da comunidade + cisternas
6,7
Açude + cisternas
36,5
Adutora com fonte de captação no açude Cemoaba + cisternas
3,3
Ampliação da rede de abastecimento da comunidade de são José +
cisternas
3,3
Ampliação do sistema de abastecimento existente e trabalho de
sensibilização quanto a gestão, existem 2 associações com freqüentes
conflitos + cisternas
3,3
Cisterna de placa
16,6
Construção de cacimbão e alteração da fonte de captação do sistema
de abastecimento existente + cisternas
3,3
Perfuração de poço profundo + cisterna
3,3
Recuperação do açude da comunidade + cisternas
3,3
Sistema de abastecimento a partir de açude existente + cisterna
23,3
Sondagens para a perfuração de poços rasos
Adutora a partir do sistema de abastecimento da comunidade de
Teodosio
3,3
Ampliação da adutora da comunidade lagoa do cercado + cisternas
13,4
Construção de adutora
Construção de adutora + cisternas
3,3
6,7
Finalização do sistema de abastecimento a partir do canal do
trabalhador, falta o sistema de distribuição + cisternas
10,0
Gestão do sistema existente pelo sisar + cisternas
3,3
Ligação domiciliar a partir do chafariz existente
Perfuração de poço profundo + cisternas
3,3
3,3
Perfuração de poço profundo + dessalinizador + cisternas
3,3
Ramificação da adutora (limoeiro - bixopá) ou sistema de
abastecimento a partir do canal da integração
16,6
3,3
Baixo Jaguaribe
86
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Bacia Hidrográfica
Banabuiú
Metropolitana
Salgado
Alternativas Propostas
Percentual de
Comunidades
Sistema de abastecimento a partir da comunidade de Carnaúbas +
cisternas
13,2
Sistema de abastecimento a partir da ampliação da adutora existente
em Lagoa Cercada
9,9
Sistema de abastecimento a partir de poço existente
3,3
Sondagens para perfuração de poços rasos + cisternas
6,6
Adutora + cisternas
19,8
Cisterna de placa
Complementação das cisternas necessárias e instalação de um
dessalinizador
16,7
Conclusão do sistema de abastecimento + cisternas de placas
6,6
Perfuração de poço profundo + cisternas
Restauração do poço profundo e recuperação do dessalinizador +
cisternas
6,6
10,0
3,3
Sistema abastecimento a partir de caixa d’água na comunidade de
Galiza (a concluir) + cisternas
6,7
Sistema de abastecimento a partir do açude flores + cisternas
9,9
Sistema de abastecimento a partir de adutora + cisternas
6,7
Sistema de abastecimento a partir de poço existente + cisternas
3,3
Sistema de abastecimento a partir de olho d’água + cisternas
3,3
Sistema de abastecimento a partir do açude tabuleiro + cisternas
3,3
Sondagens para a perfuração de poços rasos + cisternas
3,3
Cisterna de placa
Construção de cacimbões + cisternas
Dimensionamento do sistema + cisternas
Expansão da rede da Cagece da sede + cisternas
20,0
3,3
3,3
6,7
Expansão do sistema de abastecimento da comunidade + cisternas
3,3
Instalação de dessalinizador ou expansão do sistema de abastecimento
da Cagece sede + cisternas
13,3
Perfuração de poço e instalação de dessalinizador ou expansão do
sistema de abastecimento da Cagece sede + cisternas
20,0
Sistema de abastecimento + cisternas
Ampliação do açude saco triste + cisternas
26,7
6,6
Ampliação do sistema do SAAE da sede municipal + cisternas
39,9
Barragem subterrânea + poço raso + cisternas
26,7
Construção de adutora a partir de poço aluvionar a ser perfurado no
vale de Cuncas + cisternas
3,3
Poços rasos + cisternas
3,3
Sistema de abastecimento com ligação domiciliar + cisternas
20,0
87
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Bacia Hidrográfica
Alternativas Propostas
Adutora
Adutora + cisternas
Adutora ou Dessalinizador + cisternas
Coreaú
Curu
Ligação domiciliar do poço existente + cisternas
3,3
Olho d'água + cisternas
3,3
Perfuração de novo poço + construção de cisternas de placas
16,5
Sistema de abastecimento + cisternas
Adutora a partir de açude + cisternas
54,3
33,3
Ampliação do sistema de abastecimento 19 de abril + cisternas
3,3
Conserto da parede do açude da comunidade
3,3
Conserto do dessalinizador existente + ligação dessalinizador
3,3
Instalação de poço profundo da comunidade de boa vista + cisternas
10,0
Ligação domiciliar do sistema de abastecimento existente
6,7
Perfuração de poço profundo + cisternas
23,3
Sistema de abastecimento a partir de açude da comunidade
16,5
Ampliação do cacimbão e sondagens nos riachos do peixe e carnaúba
+ cisternas
Construção de cisterna de placas
Acaraú
Parnaíba
Percentual de
Comunidades
6,7
10,0
6,7
6,7
6,7
Conclusão do sistema de abastecimento + cisternas
32,2
Construção de adutora a partir do açude + cisternas
23,3
Poços + cisternas
Ativação dos poços profundos existentes
30,1
8,0
Barragem subterrânea + poços rasos + cisternas
40,0
Conscientização quanto ao uso correto das cisternas
4,0
Construção de cisternas de placas
Construção de cisternas de placas + sistema de abastecimento a partir
do cacimbão existente
32,0
4,0
Construção de cisternas de placas construção de cacimbões ou poços
aluvionais
4,0
Construção de cisternas de placas e perfuração de poço profundo
4,0
Sistema de abastecimento a partir do cacimbão existente
4,0
Abaixar parede do açude para evitar a inundação do cacimbão +
cisternas
Adutora a partir do açude Castanhão
3,3
3,3
Adutora a partir do açude Castanhão + cisternas
30,0
Conclusão do sistema de abastecimento + cisternas
6,7
Construção de cisternas de placas e mudança da fonte de captação do
sistema para o açude da comunidade
6,7
Médio Jaguaribe
88
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Bacia Hidrográfica
Alternativas Propostas
Percentual de
Comunidades
Construção de cisternas e sistema de abastecimento
46,7
Sondagens para construção de poços rasos e cisternas
3,3
Fonte: Dados da pesquisa de campo
89
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
5. DIAGNÓSTICO TÉCNICO – PARTICIPATIVO
As consolidação do “olhar participativo” sobre a realidade na qual os moradores das regiões
– alvo do estudo – se inserem, foi desenvolvida tendo como base os resultados das oficinas
de trabalho nas comunidades visitadas e permitiu identificar as principais soluções
discutidas/definidas como prioritárias para o desenvolvimento das regiões estudadas.
As oficinas foram precedidas de visitas técnicas para verificação e avaliação in loco das
condições de infraestrutura hídrica existente, entrevistas com gestores e instituições
públicas e atores sociais. Parte das informações quantitativas e das que foram obtidas pela
aplicação dos questionários estão explicitadas na análise estatística. As informações cujo
volume de dados não oferecia consistência numérica foram checadas e estão a seguir
detalhadas.
Nas oficinas buscou-se, sempre, estimular as comunidades a olhar de forma coletiva e para
os interesses coletivos, incorporando a sabedoria e o conhecimento popular na formulação
das respostas e abrindo espaços para as discussões, debates e construção de alternativas
que considerem os recortes territoriais, criando uma base mais sólida para o
estabelecimento de propostas concretas.
O processo de realização de oficinas contou com a presença de um número expressivo de
representantes das comunidades nas, cerca de 4.600 pessoas, e os técnicos tiveram o
cuidado de não interferir nas alternativas hídricas de abastecimento sugeridas pela
comunidade.
Algumas propostas e sugestões das comunidades têm algumas limitações, do ponto de
vista de viabilidade técnica, mas representa os anseios das comunidades visitadas que
pensam em garantir as condições de reprodução de vida e as formas de trabalho dos
moradores dessas regiões e suas famílias.
Portanto, as oficinas de trabalho realizadas para o estudo devem ser vistas como um
instrumento importante para fortalecer a coesão da comunidade para melhorar a qualidade
das decisões e viabilizar o alcance dos objetivos propostos, oportuniza, também, uma
análise mais territorial por parte da comunidade que, utilizando-se do mapa construído, de
forma participativa, é capaz de avaliar as possibilidades existentes.
90
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
5.1. Avaliação Técnica
Aspectos socioeconômicos
A comunidades trabalhadas são, em geral, formadas por antigos moradores de grandes
fazendas ou herdeiros (221 no total). Importante observar que os dados coletados
demonstraram que os assentamentos, apesar dos esforços de garantir assistência técnica
por parte do poder público e de organizações não governamentais e de terem acesso aos
programas de crédito (PRONAF A) para implantação de infraestrutura nas terras adquiridas,
ainda demandam abastecimento de água com carros pipa, sendo observada essa
problemática nos municípios de Caridade, Potiretama e Viçosa do Ceará.
Figura 16 - Propriedade da Terra
A distância média dessas comunidades até as sedes dos municípios varia bastante não
existindo uma relação direta com o abastecimento por carros-pipa.
No conjunto das comunidades pesquisadas, diagnosticou-se que a escassez de água vai
desde a escassez quantitativa, onde os riachos e córregos que cortam ou ficam próximos
dessas comunidades secam durante 6 - 8 meses por ano até a escassez qualitativa, como
encontrada, por exemplo, nas comunidades de Escondido (Umirim), Oliveiras (Tamboril),
Açude dos Vieiras (Jaguaribe), Ematuba (Independência), São Gonçalo II (Bela Cruz) e em
Aroeiras e Lagoa da Cruz I e II (Aracati) onde a água dos açudes e riachos próximos estão
contaminados por animais, lavagem de roupas, agrotóxicos ou por ter um alto teor de sais,
não oferecendo condições para o consumo humano e produção.
Esses aspectos são extremamente importantes para compreender que a necessidade
familiar de água não se restringe somente ao abastecimento doméstico – esse é o mais vital
– mas, igualmente é fundamental dispor de água para a produção, pois sem isso estaremos
apenas atenuando a escassez.
91
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Quando questionados sobre os problemas ambientais que afetam diretamente a
disponibilidade de água na comunidade as pessoas afirmam que a criação de animais (gado
e porcos) e os plantios existentes nas margens dos rios e riachos das comunidades
trouxeram como conseqüências: o desmatamento das matas ciliares; o assoreamento dos
açudes; a erosão e a poluição dos mananciais.
Chamam atenção no estudo as formas de socialização da água encontrada em todas as
áreas rurais, pois em praticamente 100% das comunidades visitadas a água para o
consumo humano é partilhada por várias famílias, havendo comunidades onde 40 casas são
abastecidas por apenas duas cisternas.
Em relação aos problemas e anseios das comunidades foram citados: o preço abusivo
cobrado pelos carros pipa que varia de R$ 50,00 – R$ 100,00; pouca quantidade e a
qualidade (salobra e poluída) das águas disponíveis para o consumo humano; recursos
financeiros liberados de forma parcelada (ou muitas vezes nem liberados) que não permitem
a conclusão dos projetos; os equipamentos instalados não são mantidos pelos órgãos
competentes e a comunidade não tem conhecimento suficiente e nem recursos financeiros
para realizar revisões periódicas; o chafariz fica muito distante das casas; os interesses
políticos partidários se sobrepõem às necessidades da população e dificuldades em prestar
contas de projetos implantados deixando as associações em situação de inadimplência.
Além disso, foi apontada a pouca participação dos sócios nas reuniões das associações e o
não pagamento das mensalidades e a descrença no movimento associativo.
As fontes de renda das populações que residem nessas comunidades difusas são:
agricultura de subsistência, criação de pequenos rebanhos, aposentadoria, bolsa família e
pequenos comércios locais.
Para melhor entendimento da dinâmica social e econômica dos municípios destacamos
abaixo os indicadores de qualidade de vida medidos através dos seguintes índices: IDH Índice de Desenvolvimento Humano, calculado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD); o IDM - Índice de Desenvolvimento Municipal e o Índice de
Desenvolvimento Social de Resultado (IDS- R), calculados pelo IPECE.
Tabela 38 - Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM), o IDM - Índice de Desenvolvimento
Municipal e o Índice de Desenvolvimento Social de Resultado (IDS- R)
Índices
Bacia hidrográfica
Baixo Jaguaribe
Médio Jaguaribe
Alto Jaguaribe
IDM
(2006)
IDS-R
(2006)
IDH
(2000)
Aracati
47,96
0,502
0,672
Palhano
30,4
0,2901
0,649
Limoeiro do Norte
40,98
0,5311
0,711
Potiretama
18,49
0,3276
0,617
Jaguaretama
25,67
0,4677
0,645
Jaguaribe
26,06
0,4844
0,672
Aiuaba
6,87
0,4246
0,566
Araripe
16,03
0,3793
0,584
Município
92
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Índices
IDM
(2006)
IDS-R
(2006)
IDH
(2000)
Tauá
30,65
0,4662
0,665
Barro
27,63
0,4324
0,658
Icó
21,71
0,4824
0,607
Jardim
16,64
0,4977
0,642
Independência
22,79
0,4119
0,657
Quiterianópolis
15,95
0,402
0,625
Tamboril
16,92
0,3031
0,62
Banabuiú
22,7
0,4379
0,629
Itatira
40,69
0,639
0,5275
Mombaça
19,84
0,4435
0,604
Viçosa do Ceará
20,8
0,4073
0,593
Bela Cruz
23,93
0,4533
0,595
Uruoca
23,36
0,3988
0,587
Catunda
28,05
0,4417
0,628
Forquilha
36,83
0,5303
0,643
Município
Bacia hidrográfica
Salgado
Parnaíba
Banabuiú
Coreaú
Acaraú
Litoral
Curu
Metropolitana
Santa Quitéria
28,33
0,4747
0,642
Irauçuba
22,68
0,4447
0,618
Itapipoca
34,33
0,4574
0,659
Amontada
24,88
0,483
0,616
Canindé
30,72
0,5469
0,634
Caridade
17,83
0,3487
0,618
Umirim
22,75
0,4586
0,578
Barreira
29,44
0,4691
0,619
Ocara
21,25
0,3957
0,594
São Gonçalo
40,69
0,.639
0,5275
Fonte: www.ipece.ce.gov.br
O processo organizativo da quase totalidade das comunidades trabalhadas iniciou-se na
década de 80, como forma de auto-organização das comunidades e de diversos segmentos
de produtores (associações de moradores, de pescadores, de pequenos agricultores, de
assentados) seja para a defesa dos seus interesses e direitos, seja para ter acesso aos
recursos dos programas governamentais de combate a pobreza rural, através do Programa
de Apoio ao Pequeno Produtor Rural – PAPP e do Programa de Combate à Pobreza Rural –
PCPR, que no Ceará recebe o nome de Projeto São José.
Segundo dados oficiais, o Projeto São José (no período 2002 – 2009) implantou 449
projetos de abastecimento de água nas comunidades dos municípios estudados. Desses, 35
nas comunidades visitadas, segundo informações dos moradores. A integração no âmbito
do “Pacto das Águas” e “Plano de Ações para a Convivência com a Seca”, com órgãos dos
governos Estadual (SOHIDRA) e Federal (MDS e FUNASA) contribui para a efetivação de
mais ações para solucionar a questão do acesso à água das populações, gerando impactos
bem maiores.
93
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Foram identificadas 221 associações comunitárias na área de estudo, a grande maioria
formada na década de 80 e 90, em geral fruto de reassentamentos, No entanto, quando
analisamos a estrutura dessas organizações verificamos que, grande parte delas não
mantém qualquer registro, além do livro de ata com relato da criação da associação e
eleição dos membros da primeira diretoria e definição do projeto a ser financiado (motivo da
criação da associação).
Essas associações, em grande parte, demonstraram nas reuniões sérias dificuldades em se
manter funcionando depois de alguns anos, principalmente, quando os recursos financeiros
dos projetos encaminhados não foram liberados, criando desconfiança entre os sócios e
desinteresse da maioria em participar de outras atividades propostas pelas diretorias. Fora
isso, as associações relataram ter apoio externo de organismos não governamentais, dos
agentes de saúde no monitoramento das águas das cisternas e de políticos, principalmente
vereadores locais. A situação das entidades junto aos órgãos das esferas estadual e federal
é de regularidade quando são apoiadas pelos sindicatos dos trabalhadores rurais e
prefeituras.
As associações comunitárias têm dificuldade para estabelecer uma administração
comunitária eficiente e independente, devido a uma série de fatores: deficiência de instrução
dos operadores, pouco conhecimento sobre contabilidade, administração e vendas de
produtos realizados de forma ineficaz e financiamento a fundo perdido sem controle da
diretoria. Somado a isso verificou-se que a falta de informação e conscientização sobre os
projetos contribui para gerar falsas expectativas e inibir que os beneficiários não se
identifiquem e se comprometam na sua manutenção.
Infraestrutura Hídrica Encontrada nas Comunidades
Dentre as infraestruturas hídricas diagnosticadas nas 325 comunidades dos 33 municípios
pesquisados, as principais encontradas foram: açudes/lagoas, poços profundos, poços nos
aluviões (rasos), cacimbões, canais, cisternas e sistemas de abastecimento (chafarizes e
ligações domiciliares).
Açudes/Lagoas - Foram preenchidas fichas de campo referentes a 211 corpos d’água
(açudes e lagoas). Destes, 95 são de propriedade particular, 112 são de domínio público e
04 sem informação.
Quanto ao uso, observou-se que 102 corpos hídricos são utilizados para o consumo
humano e secundário, os 109 restantes para o uso doméstico, animal e irrigação.
Com relação à condutividade elétrica da água dos corpos hídricos verificou-se que 165
possuem valores de até 500µS/cm, indicando que a água armazenada nesses corpos
hídricos é adequada para o consumo humano. Em relação à regularidade, verificou-se a
existência de 164 corpos d’água com regime anual e 47 plurianual.
94
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
É importante salientar que no ano de 2009, o período chuvoso foi acima da média histórica
para todo o Estado do Ceará, conseqüentemente, os reservatórios encontravam-se na data
da coleta com boa reserva hídrica. As principais restrições encontradas nesses corpos
hídricos para o uso humano foram: poluição causada pelo acesso livre de animais, lavagens
de roupas em locais inadequados, lavagens de veículos e exploração agrícola com uso
indiscriminado de agrotóxicos, causando processo de eutrofização, deixando a água
imprópria para o consumo humano.
Poços e Cacimbões - De acordo com os dados levantados em campo foram identificados
307 poços profundos, poços rasos e cacimbões nas comunidades visitadas. Com relação
aos poços profundos, as maiores limitações encontradas foram os altos valores de
condutividade, variando entre 3.000 a 14.000 µS/cm. Em contrapartida, os valores de
condutividade encontrados nos cacimbões e poços rasos apresentaram valores dentro dos
padrões máximos permitidos (MS Portaria no. 518/2004), mas apresentam, em alguns
casos, grandes variações de vazão nos períodos sazonais.
Apesar dessas limitações, os poços profundos têm sido amplamente utilizados como
excelente alternativa hídrica para suprir a demanda das comunidades difusas, não só para o
consumo humano, mas também para o uso doméstico, animal e pequenas irrigações, sendo
a principal fonte de captação da maior parte dos projetos de abastecimento (chafarizes e
ligações domiciliares).
Sistemas de Abastecimentos - Foram identificados 104 sistemas de abastecimento entre
chafarizes e ligações domiciliares, sendo 66 sistemas através de chafarizes (52 em
funcionamento e 14 desativados) e 32 sistemas com ligações domiciliares (25 em
funcionamento e 07 parados). Importante salientar que 06 sistemas são utilizados por mais
de uma comunidade.
Foi observado que o principal problema na utilização desses sistemas de abastecimento são
os altos valores de condutividade elétrica, fazendo-se necessário o uso combinado com
cisternas de placas e/ou dessalinizadores. Com relação aos chafarizes, a grande distância
dos pontos de captação para as residências foi o fator limitante mais citado pela
comunidade.
Eixão, Canal do Trabalhador e Canal do Tabuleiro de Russas - A Secretaria de Recursos
Hídricos - SRH já vem realizando uma série de estudos para viabilizar a oferta de água para
pequenas comunidades ao longo do Eixão. Destacamos aqui, a pesquisa sobre as
alternativas viáveis de abastecimento de água para as populações que residem até 5km do
Eixão e o trabalho que vem sendo realizado pela SOHIDRA, implantando adutoras que
utilizam a água disponível no Canal do Trabalhador.
Dessalinizadores - Foi constatado na área de estudo a presença de 11 dessalinizadores,
07 em funcionamento e 04 quebrados, com valores de investimento que variaram de R$
30.000,00 – 80.000,00. A manutenção é feita em alguns casos pela Prefeitura e outros pela
comunidade, bem como o pagamento da energia.
95
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Atualmente, a SOHIDRA mantém uma equipe permanente de manutenção desses sistemas,
evitando roubos e paralisações por longos períodos, pois grande parte das comunidades
depende desses sistemas implantados. Quanto à disponibilidade d’água nessas
comunidades, foi diagnosticado que, muitas famílias se abastecem em pequenos açudes,
barreiros ou outras fontes hídricas extremamente vulneráveis, que secam rapidamente no
verão e, mesmo durante o período chuvoso apresentam sérios problemas em relação à
qualidade.
Uma preocupação da SOHIDRA e detectada durante as visitas de campo é o
desaparecimento dos aparelhos instalados nas comunidades (todo ou peças de suas
engrenagens) que são levados para conserto, sem nenhum controle da comunidade.
Os poucos dessalinizadores com fichas, instalados pelo Projeto Água Doce, ainda são
mantidos em algumas comunidades, porém o preço cobrado pela ficha (R$ 0,25 a R$ 0,50
centavos por cerca de 20L de água) não cobre os custos de manutenção e pagamento da
pessoa responsável pelo funcionamento do aparelho, ficando, novamente a comunidade a
mercê dos órgãos públicos.
Cisternas - Foram identificadas 4178 cisternas no total e cadastradas 639, sendo a maior
parte de placas, construídas através de ONGs e Órgãos Estaduais. Este tipo de obra é
amplamente aceito na comunidade, devido aos seguintes aspectos: boa qualidade da água,
baixo custo de construção e manutenção.
Analisando a abrangência de cisternas nas comunidades estudadas e sistematizadas por
bacia, percebe-se que a porcentagem de famílias atendidas varia entre 13,04% e 71,94%. A
cobertura de famílias beneficiadas por comunidade portanto não é universal, resultando na
utilização compartilhada por várias famílias e, conseqüentemente o esvaziamento antes da
quadra chuvosa.
Figura 17 - Percentual de Famílias Atendidas
96
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Em relação à qualidade da água das cisternas vale ressaltar que os principais problemas
detectados e que comprometem os objetivos do projeto de construção de cisternas de
placas podendo, inclusive ser agente de algumas doenças são: uso de baldes, panelas e
outros utensílios na retirada da água; não limpeza das calhas das casas que comprometem
a qualidade de água captada; uso das águas das primeiras chuvas que pode conter fezes
de pequenos animais (principalmente ratos e morcegos), poeira, folhas secas, entre outras
sujeiras; a não vedação das cisternas devido à quebra das tampas, falta da tela na calha e
no ladrão ou mesmo descuido da família, expondo a água aos raios solares (que cria uma
capa de lodo), entrada de pequenos animais, ou mesmo, colocação de papéis, brinquedos
etc. por crianças; animais (jumentos) presos próximos as cisternas que pode comprometer a
qualidade da água e/ou a estrutura da cisterna e a não lavagem da cisterna, pelo menos
uma vez por ano.
Porém, alguns pontos merecem destaque e demandam um estudo mais aprofundado:
vazamento das cisternas devido a falhas na construção e uso da água das cisternas para
fins diversos inviabilizando o uso para uma família durante o período seco.
As famílias pesquisadas que possuem cisternas afirmam utilizar regularmente hipoclorito de
sódio, distribuído pelos agentes de saúde municipais. Em relação ao tratamento da água
dentro de casa todos afirmam realizar o tratamento de fervura e filtragem, sendo o
armazenamento feito em potes, filtros, tambores e baldes.
Outra questão observada foi a má qualidade no aspecto de bombeamento manual da água:
as bombas instaladas no momento da construção quebram com facilidade, fazendo com que
a retirada de água, em muitos casos, seja realizada através de baldes ou latas, facilitando a
contaminação.
Síntese da Infraestrutura Hídrica Encontrada por Bacia
Tabela 39 - Total de infraestrutura hídrica encontrada nas localidades visitadas
Poço profundo
69,36
30,34
55,22
31,56
13,04
71,94
28,23
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
8
5
5
9
12
2
4
Médio Jaguaribe
25,15
Sim
Outros
Açudes e
reservatórios
Acaraú
Alto Jaguaribe
Baixo Jaguaribe
Banabuiú
Coreaú
Curu
Litoral
Bacia Hidrográfica
Poço +
dessalinisador
% de famílias
com cisternas
Sistema de Abastecimento
3
3 adutoras
2 adutoras
4
3
1 cacimbão
1 açude
6 cacimbão
1 açude
1
Observações
5 em funcionamento e 3 desativados
3 em funcionamento e 2 desativados
7 em funcionamento e 2 não utilizados
9 em funcionamento e 2 desativados
12 em funcionamento e 2 desativados
6 em funcionamento e 1 desativado
3 em funcionamento e 5 desativados
7 em funcionamento e 1 desativado
97
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Metropolitana
28,23
Sim
13
6
Parnaíba
54,43
Sim
5
1
Salgado
37,10
Sim
3
18 em funcionamento e 1 não
funcionando
2 cacimbão
1 açude
1 açude
8 em funcionamento e 1 desativado
4 em funcionamento
Fonte: Dados da pesquisa de campo
Muitas das comunidades visitadas têm como fonte principal de abastecimento pequenos
açudes, porém esses pequenos reservatórios secam rapidamente no verão. Um dos
grandes problemas registrados nesses açudes é a qualidade da água, pois eles são
utilizados para fins diversos (banho, lavar roupa, pescar etc.) e as comunidades, em geral,
não têm o hábito de proteger esses mananciais de forma adequada.
Muitos poços são utilizados apenas para uso doméstico devido à alta salinidade e portanto
impróprios para consumo humano. O mesmo acontece com os açudes, pois não é feito
tratamento da água.
Na região metropolitana foram encontrados 6 sistemas que atendem mais de uma
comunidade.
5.2. O olhar das comunidades
As propostas apresentadas estão nos contextos e relações entre os agentes políticos e
sociais, suas articulações e a capacidade de iniciativa e de elaboração de projetos das
comunidades, considerando que existem limites próprios, que dependem do grau de
capacitação de cada uma delas e de seus representantes além do grau de autonomia
econômica e política na sua implementação.
Foi ressaltada pelas comunidades a importância da continuidade de construção e
aproveitamento de obras hídricas estruturantes, tais como:
Canal do Trabalhador;
Açudes estratégicos;
Construção e instalação de poços profundos. Em muitos casos, foi citada a
necessidade de combinar o uso dos poços para o uso doméstico e animal, aliado às
cisternas para o consumo humano.
Poços Rasos: Constituem alternativa hídrica de baixo custo, frente às outras opções,
porém, são necessários estudos mais aprofundados para verificar a viabilidade
desses aluviões;
Cacimba / Cacimbão: Constituem uma alternativa hídrica de baixo custo, mas sendo
pouca utilizada para a implantação de sistema de abastecimento de água devido a
sua precariedade e facilidade de contaminação.
Cisternas: definida por 100% dos entrevistados como um dos projetos mais exitosos
que vem sendo executado por diversas instituições governamentais e não
governamentais. Em alguns casos as comunidades inclusive afirmam que mesmo
com a chegada da água encanada, continuariam a beber água das cisternas, devido
à qualidade e ao controle exercido pela própria família.
98
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Sistematizando as fontes hídricas potencias, por bacia hidrográfica, observamos que as
soluções apresentadas são genéricas e pontuais, e por diversas vezes independem do
contexto hidrográfico da bacia.
Figura 18 – Alternativas Apresentadas
Ao comparar as propostas elaboradas pelas diversas comunidades e os números de
sistemas implantados em todo o Estado, é possível afirmar que é necessário um amplo
trabalho de gestão dessas obras, com um maior suporte por parte dos órgãos públicos, pois,
preocupante não é só a questão da falta de água, mas a grande quantidade de obras já
implantadas que estão abandonadas, desativadas ou sub-utilizadas, obrigando o retorno ao
abastecimento pelos carros pipa.
As principais distorções ocasionadas por todo esse processo podem ser resumidas nos
seguintes aspectos que caracterizam a maior parte desses projetos e que foi alvo de
discussões nas oficinas realizadas:
Pouca participação das comunidades na definição do tipo de sistema a ser
implantado. Na sua grande maioria a decisão fica a cargo dos projetistas que
terminam por definir sistemas, que, não raramente, escapam totalmente ao
controle dos beneficiários e interferem negativamente nos resultados obtidos.
Quando questionados sobre quem elaborou o projeto, a comunidade não tinha
nenhum conhecimento, deixando claro que é necessário alterar a metodologia de
elaboração/fiscalização dessas demandas;
Não realização de um estudo sobre as tecnologias mais adequadas para a
comunidade
Pouca capacidade da associação em gerir projetos comunitários, como também,
nenhuma avaliação/estudo de exeqüibilidade/viabilidade de suporte de
manutenção do sistema pela comunidade, fazem com que muitos sistemas
funcionem precariamente e por pouco tempo;
99
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Os projetos não levam em consideração os planejamentos regionais e
municipais, existindo, apenas a preocupação de abastecer a comunidade
solicitante. Em alguns municípios tivemos a oportunidade de verificar que um
pequeno acréscimo no projeto de construção de uma adutora, por exemplo,
poderia solucionar o problema de um conjunto de comunidades que ficam ao
longo de adutoras já construídas e são abastecidas sistematicamente pelos
carros-pipas;
Não acompanhamento, por parte das instituições, das comunidades após a
implantação do sistema, com exceção do SISAR que é citado como uma das
poucas formas de manter o sistema funcionando de forma adequada, inclusive
quando questionados sob pagamento para manutenção dos sistemas instalados
as comunidades afirmaram que teriam condições de pagar mensalmente em
torno de R$ 8,00 – 10,00 para sua manutenção, se a água fosse de qualidade e
regular;
Pouco envolvimento e comprometimento das Prefeituras Municipais no
acompanhamento e manutenção dos sistemas, principalmente no caso dos
dessalinizadores;
Poços profundos perfurados e não instalados são encontrados em vários locais
visitados (alguns inclusive se encontram destampados e desativados) sem
condições mais de uso. Quando questionados sobre a salinidade desses poços
as comunidades afirmam que, embora, alguns deles, sejam muito salobros,
poderiam ser utilizados para usos múltiplos (uso animal e doméstico e pequenas
irrigações – dependendo da salinidade apresentada), deixando a água das
cisternas apenas para consumo humano;
Em várias comunidades foram citados pequenos açudes (que resistem por mais
de dois anos, em caso de uma seca) que poderiam ser utilizados para
abastecimento da população, sendo, porém necessário fazer um trabalho de
recuperação da área de preservação permanente desses açudes garantindo a
qualidade da água (já que muitos deles são contaminados por currais e pocilgas
instalados próximos a esses mananciais, ou mesmo pela própria comunidade que
usa para fins diversos;
As comunidades residentes próximas ao Canal do Trabalhador cobraram a
implantação de uma rede de abastecimento de água tratada a partir dessa fonte
hídrica
A partir das falas e debates das oficinas constata-se que existe muita vontade social/política
nas comunidades e associações e um grande potencial para construir projetos sólidos,
corrigindo erros do passado, principalmente aqueles que podem interferir na conquista de
um futuro melhor, quais sejam: “divisões políticas – ideológicas”, “uso das associações para
fins eleitoreiros ou para a legitimação social de decisões tomadas sem a participação de
todos”, “interferências exteriores”.
100
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Parte III
Considerações Finais
101
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
102
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
6. Considerações
A realização do estudo para sondagem de soluções alternativas para erradicação do carropipa pôde identificar formas para potencializar e fortalecer as ações que promovam novas
dinâmicas para convivência com o semiárido de forma digna e sustentável. A pesquisa
detectou pontos de fragilidade que contribuem para que a situação das comunidades seja
com muita constância considerada emergencial, sendo as soluções paliativas consideradas
imprescindíveis. Como estes aspectos estão em várias instâncias, vamos discorrer sobre
cada uma delas.
6.1. Sistema de Informação
Neste quesito, de uma forma geral, é fundamental salientar a quase ausência da “memória
institucional”, isto é, a não manutenção sistemática e segura dos arquivos de dados/
resultados / relatórios gerados ao longo dos anos.
Assim, não há uma política clara de garantia da preservação da memória institucional nem
ao nível das instituições que são ou foram encarregadas de avaliar e remediar as situações
emergenciais (defesa civil, exército), nem daquelas que são ou foram encarregadas de
estudar e propiciar soluções ao problema da descontinuidade de abastecimento (SRH,
SOHIDRA, SDA e instituições federais DNOCS, FUNASA, CPRM entre outras). Salvo
exceção, não foi possível conseguir relatórios sistemáticos sobre programas passados de
caracterização das fontes hídricas ou construção de obras. Os dados parciais conseguidos
(SRH, SDA, FUNASA entre outras instituições) foram, entretanto, sistematizados num banco
de dados.
Portanto, muitos dos dados disponíveis sobre a situação atual e passada das comunidades
abastecidas por carro-pipa são oriundos dos bancos de dados da Defesa Civil Estadual (que
monitora as necessidades das comunidades em termos de abastecimento emergencial) e do
Exército (responsável pela distribuição de água por carros pipa).
Os dados da Defesa Civil estão constituídos em um banco de dados históricos não
georeferecenciados. Foi possível obter dados com relação aos anos 1998, 2002, 2003,
2004, 2005, 2006, 2007 e 2008. Portanto, apesar da falta de informações em alguns anos e
da ausência de dados anteriores a 1998, este banco de dados é muito interessante porque
permite um resgate histórico que se estende num período significativo e inclui dados da
última grande seca (1998). Isto é fundamental, porque diante da alta variabilidade temporal
e espacial das precipitações, é absolutamente ilusório tentar construir um retrato realista a
partir de um ou dois anos de dados. É necessário contemplar o maior número de anos
possíveis para poder retratar uma realidade “média” e não a situação específica ligada ao
regime pluviométrico de um determinado ano.
103
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Os dados do Exército estão constituídos em um banco de dados parcialmente
georeferecenciados (no momento da coleta, as Organizações Militares estavam realizando o
levantamento das coordenadas), mas sem registro histórico. Dessa forma, não é possível
individualizar os abastecimentos através de carros-pipa por ano.
Em resumo, do ponto de vista da análise rigorosa dos dados disponíveis, é fundamental
salientar as seguintes dificuldades:
Os dois bancos de dados não retratam a mesma realidade (o da Defesa Civil representa
a necessidade de abastecimento e a do Exército o abastecimento realizado);
Somente o banco de dados da Defesa Civil tem registros históricos, mas é incompleto.
Existe uma descontinuidade temporal na série de dados, pois até 2005 a Defesa Civil
tanto diagnosticava quanto operava os carros-pipa. Posteriormente, o Exército, novo
encarregado desta função, definiu seus próprios critérios de distribuição;
O banco de dados da Defesa Civil apresenta certas incoerências quanto aos dados de
alguns municípios: certos municípios aparecem em determinados anos sem
abastecimento de carro-pipa enquanto sabe-se (após contato com responsáveis locais)
que este abastecimento, de fato, aconteceu;
Os dados são estruturados em “rotas” que não são uma variável fixa (as rotas variam
anualmente, de acordo com a necessidade ou a fonte de abastecimento disponível);
Os nomes de algumas comunidades não são “estáveis” no banco de dados: eles variam
ao longo dos anos o que dificultou a sistematização dos dados e a ausência de
georeferenciamento impossibilitou, muitas vezes, a retificação dos erros. Assim, é muito
difícil avaliar o impacto das obras/ações realizadas sobre o abastecimento por carro-pipa
já que não foi possível relacionar de forma sistemática as comunidades dos dois bancos
de dados;
Não foi possível verificar, em nenhum banco de dados ou relatório, a existência de
trabalhos integrando de forma clara e sistemática informações técnicas (sobre fonte de
água, tamanho da comunidade...) e informações sócio-políticas (sobre os tipos de usos e
usuários, as percepções atuais e históricas locais sobre a questão da água que
determinam as práticas locais e as suas estratégias para conseguir o seu abastecimento
em água). Assim, quando se tem informações sobre uma comunidade, elas permitem,
no melhor dos casos, retratar de forma grosseira a realidade, tornando difícil avaliar qual
poderia ser uma boa solução para resolver o problema de abastecimento que tem que
ser tecnicamente viável, mas também adaptada à realidade local;
Em conclusão, podemos afirmar que os dados não permitem a construção de um retrato
fiel da realidade existente por causa de inconsistência, imprecisão dos dados (muitas
vezes sem possibilidade de melhoramento) e de descontinuidade na série histórica e
Por fim, é importante salientar que, nestes dois bancos de dados, não aparecem os
“carros-pipa municipais” (isto é, aqueles mantidos pela Prefeitura Municipal sem
solicitação formal da mesma para a que o Exército assuma sua operação). Foi
observado que algumas comunidades, abastecidas de forma quase permanente por
104
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
carros-pipa durante a estação seca, somente aparecem nos registros estaduais quando
o município promulgou o Estado de Emergência. Assim, olhando somente o banco de
dados da Defesa Civil, poderia se concluir que aquelas comunidades têm problemas
descontínuos de abastecimento, conforme a estação chuvosa, o que não é realidade, já
que a Prefeitura mantém este abastecimento sem que o Estado tenha conhecimento.
6.2. Análise da Pesquisa de Campo
Na pesquisa quantitativa realizada com as comunidades atendidas pelos carros-pipa
pudemos obter algumas informações importantes para a formulação de políticas públicas
que visem a erradicação da necessidade desse tipo de atendimento:
A dispersão das casas é um fator limitante na implementação de uma estrutura hídrica
capaz de atender às necessidades da população.
De um modo geral a população tem boa participação na associação, no entanto, 11,5% das
comunidades na amostra total apontaram que a baixa participação dos moradores é causa
de problemas ou conflitos.
Embora não seja um consenso entre todas as bacias, a desorganização da população foi
apontada como um fator que contribui para agravar os problemas decorrentes da falta de
água em 9% das comunidades entrevistadas. A desorganização das comunidades é, na
prática, um fator que contribui para a manutenção do cenário de carência de um sistema de
abastecimento d’água eficiente nas comunidades. No entanto, como mostra a Figura 6,
apenas uma minoria das comunidades acredita que a desorganização traz essa
conseqüência.
O processo de mobilização dos indivíduos, seja ou não por meio da associação e de
reuniões periódicas, eleva as chances de concretização de um objetivo comum. Assim, a
articulação entre comunidades pode contribuir favoravelmente para a melhoria no
abastecimento de água.
Apesar de se considerarem articuladas percebe-se uma inconsistência na análise da forma
como se dá a pretensa articulação com o poder público (Tabela 18). Na amostra total 15,3%
das comunidades entrevistadas afirmaram que não possuem articulação. O mesmo
percentual coube aquelas em que articulação se dá individualmente.
O processo de mobilização dos indivíduos, seja ou não por meio da associação e de
reuniões periódicas, eleva as chances de concretização de um objetivo comum. Assim, a
articulação entre comunidades pode contribuir favoravelmente para a melhoria no
abastecimento de água.
É importante também ressaltar o papel dos agentes de saúde que, pela própria natureza do
trabalho que exercem, assumem um papel de mediadores entre os membros da
comunidade e os tomadores de decisão.
105
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Na percepção dos moradores das comunidades selecionadas na amostra o problema mais
freqüente é a disponibilidade e qualidade da água. Esse problema foi citado como o mais
grave em 56,9% das comunidades
O cenário adquire um caráter de maior gravidade quando verifica-se que as fontes artificiais
de água também são escassas. Como apresentado na Tabela 14 as principais fontes
artificiais de água nas comunidades são os açudes, poços e cisternas. O menor número de
comunidades com açudes encontra-se nas Bacias Metropolitana e Coreaú. Quanto à
existência de poços nota-se uma maior demanda nas bacias de Salgado e Médio Jaguaribe.
Apesar das ações como aquelas desenvolvidas pelo Programa de Mobilização Social para
Construção de 1 Milhão de Cisternas (P1MC), nas bacias Banabuiú e Metropolitana apenas
24,0% e 24,1% das comunidades, respectivamente, são beneficiadas por cisternas.
Além de existirem em quantidade deficiente, as fontes hídricas das comunidades
apresentam uma série de problemas, conforme apresentados na Tabela 24. Tais problemas
vão desde o domínio e posse que impedem o uso democrático da água até ao elevado grau
de salinidade da água que impede o seu consumo.
As principais conclusões obtidas a partir da análise estatística dos dados foram:
As comunidades estudadas são pequenas e difusas
As doenças de veiculação hídrica estão presentes em um número maior de comunidades
Não há uma percepção das comunidades sobre a necessidade de uma boa organização na
resolução dos problemas hídricos da comunidade
Dentre os problemas que afligem um maior número de comunidades destacam-se a
escassez, salinidade e poluição de água, devendo ser a resolução destes uma prioridade
para os gestores
As fontes naturais de água são escassas nas comunidades e dentre as artificiais as
cisternas são apontadas como a mais utilizada por um maior número de comunidades.
Apesar de existirem cisternas em boa parte das comunidades, há uma demanda por
cisternas a ser atendida. Outra carência identificada diz respeito aos sistemas de
abastecimento e dessalinizadores.
Embora se verifique mudanças na forma de aquisição de água durante os períodos de
estiagem muitas comunidades não estão sendo beneficiadas por nenhum tipo de projeto
hídrico.
Estes projetos ao serem elaborados deverão contemplar as especificidades identificadas em
cada bacia.
106
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
6.3. Gestão Compartilhada de Águas nas Comunidades Difusas
O fortalecimento de uma gestão democrática e compartilhada das fontes hídricas existentes
nas comunidades difusas do Estado do Ceará é urgente e necessária e deve buscar garantir
água em quantidade e qualidade para uma população que sofre anualmente com a
escassez desse recurso.
Essa ação remete, necessariamente, à participação, democracia e cidadania e reconhece
que a coordenação de ações integradas do Governo e da sociedade seria um arrojado
programa, uma prodigiosa atitude que requer mais responsabilidade e organização local,
mais conhecimento, maior capacidade por parte dos usuários, mais uso da tecnologia da
informação, dos instrumentos financeiros, mais reforço na educação ambiental e
fornecimento de valores corretos para o gerenciamento das águas.
Os novos paradigmas de democratização da gestão dos recursos hídricos ainda estão em
seu estágio de aprendizagem, mas surgem como promessa de modernização e
racionalização não somente das relações entre sociedade e natureza, mas da sociedade
consigo própria.
Ao tratar dessa temática, Paulo César Arns12 afirma que gestão social significa gerir,
administrar, cuidar do interesse social e considera o cidadão, conjuntamente com o Estado,
responsável pela administração e gestão dos recursos disponíveis, devendo buscar, em sua
administração, a integração institucional, a descentralização gerencial, o diálogo
democrático e a participação da sociedade, adotando a negociação transparente e
responsável de conflitos como forma privilegiada de superar as diferenças de uso dos
recursos, a qual sugere um processo de descentralização do processo decisório e a
capacidade de implementação e acompanhamento de políticas de desenvolvimento por
parte da sociedade.
Para tanto, a governança democrática e a gestão participativa devem incorporar a sabedoria
e o conhecimento popular na formulação das respostas e nos mecanismos de
implementação de ações que buscam a resolução de problemas e a satisfação das
demandas sociais, assim a governabilidade pretendida depende não só da capacidade de
governo, mas, igualmente da existência de capital humano (informação, conhecimento e
capacidade de processar dados) e uma boa capacidade associativa do tecido social capaz
de gerar sinergias em torno de projetos voltados para o desenvolvimento das comunidades.
Portanto, os grandes desafios dos recursos hídricos são de caráter institucional e não
apenas tecnológico, devendo ser enfrentados pelo conjunto dos atores sociais, e passam
pelo desenvolvimento e a aplicação de medidas não-estruturais:
Potencializar a participação das comunidades como variável estratégica na
busca da sustentabilidade das ações, garantindo o atendimento ao conjunto de suas
necessidades, mas levando em consideração as especificidades locais (sociais,
culturais e econômicas);
12
Texto do autor em: Zapata, Tânia. Desenvolvimento Territorial à Distância. Tânia Zapata, Mônica Amorim, Paulo César Arns.
Florianópolis: SEaD/UFSC, 2007.
107
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Os governantes precisam estar mais abertos, disponíveis e atentos para ouvir as
necessidades/reivindicações das populações adequando e ajustando os projetos, e
não apenas, estabelecendo critérios técnicos rígidos para sua execução, pois é no
embate e na negociação entre os diferentes que se chega ao amadurecimento e se
encontra a solução para o bem comum. Uma tentativa sempre válida é a prévia
informação e sensibilização popular sobre o "estado" do meio local, repartindo
conhecimentos e envolvendo a comunidade desde o início no processo de gestão
local/regional, incentivando uma cultura de cooperação que facilite a negociação e o
suporte popular na liberação dos projetos, instalação de equipamentos e ao
estabelecimento de iniciativas comportamentais relativas ao combate, ao desperdício
e à poluição;
Descentralização vertical progressiva das funções executivas no campo da prestação
de serviços sociais e de infraestrutura, com a definição dos Planos Municipais de
Água (infraestrutura hídrica, fontes hídricas, demandas e ofertas) e Planos
Territoriais de Águas visando à orientação do Estado para atender a demanda das
comunidades rurais de forma conjunta e com uma visão territorial, utilizando a bacia
hidrográfica como unidade de planejamento e gestão, evitando a setorialização e
facilitando a gestão, bem como, otimizando os custos para o Governo e para os
beneficiários e
Integração entre as políticas públicas voltadas para questões de abastecimento
d’água das comunidades rurais com o estabelecimento de critérios mais
rigorosos para distribuição de carros-pipa em comunidades que já possuem
sistemas de abastecimento, inclusive, envolvendo os Comitês de Bacia no
acompanhamento desses processos e a Criação de um Comitê Gestor Estadual para
integração das ações de abastecimento de água para a população rural, objetivando
integrar as ações das esferas municipais, estaduais e federais.
Para tanto, é necessário dispor de instrumentos para a melhoria do processo de
decisão dos Comitês de Bacia e dos projetos (cartografia, redes de monitoramento
de quantidade e qualidade da água, sistemas de informação, capacitação de
recursos humanos etc.).
Reforçamos a importância da implantação imediata do Programa de Gestão dos Pequenos
Sistemas de Abastecimento de Água para as Populações Rurais - Projeto detalhado no
Plano Estratégico dos Recursos Hídricos do Ceará, apresentado pelo Pacto das Águas.
108
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
7. RECOMENDAÇÕES
Tendo em vista a diversidade das comunidades visitadas e levando em conta os resultados
quantitativos assim como os dos representantes de todas essas comunidades se verificou a
importância da troca de experiências como forma de potencializar as dinâmicas de cada
uma delas e fica patente que a informação é um elemento poderoso para o fortalecimento
do desenvolvimento de cada comunidade.
Como forma de dar continuidade ao estudo realizado, sugerimos algumas vertentes:
7.1. Estudos, Parcerias e Capacitação
Esta recomendação visa, igualmente, responder as inúmeras críticas e reivindicações dos
participantes das oficinas: a urgência de se criar mais capacidade de trabalho
prático/concreto. Em particular, através de projetos e programas de atividades direcionados
para satisfazer as demandas e prioridades da comunidade e capazes de favorecer o
aproveitamento dos recursos hídricos de forma integral.
Assim, apontam-se como aspectos importantes a serem considerados:
Dotar o Estado de um banco de dados atualizado e unificado, verticalmente
(Município - Estado - União) e transversalmente (entre as instituições ao nível
federal, estadual e municipal);
Elaboração dos projetos de abastecimento de água levando em conta todos os
estudos técnico-científicos necessários (geologia, hidrogeologia, hidrologia,
engenharia, etc.) diminuindo os gastos com projetos mal formulados e a descrença
da comunidade, bem como, aumentando a qualidade dos serviços;
Realização de estudos de viabilidade técnica dos açudes e canais estratégicos para
o abastecimento de comunidades rurais difusas;
Construção de mais infraestrutura de armazenamento, de transferência e de
distribuição de água, bem como, a integração dessas infraestruturas hídricas
permitindo que a água das cisternas e dos dessalinizadores seja utilizada apenas
para o consumo humano e que a água proveniente de poços profundos (muita vezes
com alto teor de sais) seja utilizada para os outros fins.
Portanto, é fundamental que, mesmo nos casos em que as comunidades tenham tido
acesso aos programas de construção de cisternas de placas ou tenham um sistema
de
abastecimento
funcionando,
se
avaliem
a
necessidade
de
complementação/integração desses sistemas.
109
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Capacitação e acompanhamento da comunidade não só na manutenção do
equipamento e máquinas, de aplicação de metodologias e tecnologias, interagindo
com estas e gerando seu próprio conhecimento;
Contratação de equipes multidisciplinares para o estabelecimento de processos de
gestão comunitária da água, com o uso de metodologias participativas de gestão.
Fica evidente que o trabalho de implantação de sistemas mais complexos, como é o
caso dos dessalinizadores, não pode ser realizado sem um maior acompanhamento
social e
Ademais, é imprescindível capacitar/qualificar o corpo diretivo das associações, que
irão gerir de forma compartilhada esses equipamentos e serviços ofertados,
melhorando, de imediato, sua capacidade de organização e funcionamento interno
das entidades comunitárias (mais transparência na gestão dos recursos financeiros,
mais prestações de contas, mais informações dos associados e menos dependência
das empresas no monitoramento dos trabalhos e prestação de contas junto aos
projetos). Chama-se, atenção que as capacitações somente serão eficientes se
forem progressivas, articularem teoria e prática, se forem profundamente enraizadas
na realidade local e se forem o mais abrangente possível, agregando homens,
mulheres e jovens.
7.2. Programas e Projetos Executados
Recomendam-se, a seguir, alguns ajustes em projetos e programas, hoje executados e
que são avaliados como exitosos por quase todas as comunidades visitadas, mas que,
ainda não garantem o fim do abastecimento dessas populações pelos carros-pipa.
Programa 1 Milhão de Cisternas
O P1MC é considerado em todos os municípios/comunidades visitadas como o mais
exitosos de todos os programas governamentais que são atualmente implementados,
tanto que 100% das pessoas que participaram das oficinas afirmaram que mesmo com a
construção de um sistema de abastecimento de água continuariam a utilizar a água das
cisternas para o consumo humano.
Porém, para que esse programa seja efetivo na erradicação dos carros-pipa é
necessário:
Universalizar a construção das cisternas na comunidade, ou seja, é necessário
construir uma cisterna em cada casa.
Acompanhar e fiscalizar a construção da cisterna evitando erros que possam
comprometer seriamente a sua estrutura;
Envolver as Prefeituras Municipais, através de suas Secretarias de Saúde,
reforçando o acompanhamento e a orientação das famílias pelos agentes de
saúde.
110
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Além disso, é fundamental incrementar o Programa 1 Terra, 2 Águas (P1 +2) ofertando a
essas populações difusas oportunidade de permanecer na sua terra, promovendo a
segurança alimentar pela manutenção da produção.
Programa São José – Implantação de Sistemas de Abastecimento
Quando questionados sobre a instituição responsável pela implantação dos sistemas de
abastecimento de água, raras são as pessoas que não associam essa ação ao Projeto São
José demonstrando a atuação e o reconhecimento do trabalho realizado no decorrer desses
anos.
No entanto, são necessários alguns ajustes para que esse projeto alcance seu objetivo de
democratizar o acesso à água a população cearense residentes nas áreas rurais difusas,
tais como:
Estabelecer um rigoroso sistema de acompanhamento, dimensionamento e
fiscalização das obras, realizando visitas permanentes para averiguar, junto com a
comunidade, o correto cumprimento do contrato. Essa questão é fundamental, pois
as associações comunitárias, na sua grande maioria, não dispõem de pessoal
qualificado para realizar essa tarefa, ficando, constantemente a mercê das
informações do construtor;
O projeto deverá ser analisado e aprovado integralmente, levando em consideração
não o valor limite para cada ação, mas sim a necessidade do conjunto da
comunidade, sem que haja divisão em etapas, pois se verifica que a demora na
liberação de cada etapa da obra ou a não conclusão leva a um colapso no sistema;
Priorização das comunidades abastecidas por carros-pipa para liberação de projetos
de implantação de sistemas de abastecimento de água, observando o número de
famílias e a dinâmica territorial;
Estabelecer sistemática de editais (demanda induzida), estimulando as comunidades
a se organizarem e buscarem soluções para a questão do abastecimento de água;
Realizar um trabalho de recuperação e adequação dos sistemas existentes, bem
como a implantação de ligações domiciliares e estações de tratamento, garantindo
água com qualidade dentro das residências e
Estabelecer cobrança da água tratada nos sistemas de abastecimento, promovendo
um comportamento mais responsável dos usuários com relação ao consumo de
água, induzindo-o à redução do volume.
111
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
Projeto de Construção de Poços
Avaliação dos poços perfurados e não instalados com vazões adequadas que
possam servir para complementar a demanda de água dessas comunidades (usos
múltiplos) e
Buscar equipamentos e tecnologias mais modernas e de menor custo para
dessalinizar a água salobra dos poços, ampliando a oferta de água potável para a
população difusa.
7.3. Educação Ambiental e Comunicação Social
Preservação e fiscalização das fontes hídricas no que se refere às APPs (Áreas de
Preservação Permanente);
Realizar uma ampla campanha para uso correto da água disponível no Estado do
Ceará, estimulando a preservação dos mananciais (tanto na questão da qualidade,
como quantidade disponível), recuperação dos ecossistemas e o manejo sustentável
dos agrossistemas e
Utilizar diversos meios de comunicação (rádios comunitárias, jornais, etc.) para
estimular posturas adequadas de preservação ambiental nessas regiões e uso
racional da água.
112
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
8. CONCLUSÕES
Como apontado ao longo do estudo, as bacias guardam especificidades que demandam
ações locais. Políticas universais em uma realidade como a descrita além de onerosas
correm o risco de não serem efetivas. Como a institucionalidade que mais se aproxima do
conceito de local é o município, o plano de gestão dos recursos hídricos deve ser municipal
e contemplar as demandas e alternativas de cada localidade procurando o aproveitamento
das sinergias e das várias alternativas de políticas públicas que podem incidir sobre a
mesma localidade.
Os projetos devem levar em consideração os planejamentos territoriais mais abrangentes,
não tendo apenas a preocupação de abastecer as comunidades solicitantes. Em alguns
municípios pode-se verificar que um pequeno acréscimo no projeto de construção de uma
adutora, por exemplo, poderia solucionar o problema de um conjunto de comunidades que
ficam ao longo dela e são abastecidas sistematicamente pelos carros-pipa.
Os sistemas de abastecimento devem ser projetados e construídos abrangendo todas as
comunidades de cada localidade evitando a duplicação de investimentos. Por outro lado
várias alternativas podem conviver numa mesma comunidade, ou seja, mesmo com um
sistema de abastecimento e com distribuição domiciliar no núcleo de uma comunidade,
moradias afastadas devem ser contempladas com outras alternativas para não onerar ou
inviabilizar o sistema. Em resumo, as políticas públicas devem garantir a universalização do
atendimento em cada localidade, evitando soluções parciais e paliativas.
Todas estas iniciativas, além dos projetos das organizações da sociedade civil, apontam
num primeiro momento para uma sobreposição de ações que poderiam ser articuladas com
o intuito de permitir o fortalecimento de cada uma individualmente, proporcionar trocas de
experiências, promover a sua integração e inter-relação e subsidiar a formulação de
políticas públicas.
Como conclusão e indicação para a formulação de políticas públicas de apoio ao acesso à
água na perspectiva da erradicação do carro-pipa e do desenvolvimento local, o estudo
sugere que este apoio deve respeitar as especificidades estruturais e culturais de cada
localidade, abstendo-se de impor modelos prontos.
113
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Campos, Roberto Telmo. Avaliação Benefício-Custo de Sistemas de Dessalinização de
Água em Comunidades Rurais Cearenses, Revista de Economia e Sociologia Rural, vol.
45 Nº 4, Brasília Out./Dec. 2007.
Brasil. Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação – PAN Brasil, Ministério
do meio Ambiente, Secretaria dos Recursos Hídricos, Agosto 2004.
Brasil. Nova delimitação do Sem-árido brasileiro. Brasília, DF, 2005.
Ceará. Governo do Estado do. Projeto Água Doce - Construção de pequenos sistemas
de abastecimento d'água em comunidades rurais do interior do Estado. 2001.
Ceará. Assembléia Legislativa do Estado do. Cenário Atual dos recursos hídricos do
Ceará /Conselho de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos, Assembléia Legislativa do
Estado do Ceará; Eudoro Walter de Santana (Coordenador). – Fortaleza: INESP, 2008.
174p. : il. – (Coleção Pacto das Águas)
Ceará, Assembléia Legislativa. Plano estratégico dos recursos hídricos do Ceará /
Conselho de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos, Assembléia Legislativa do Estado
do Ceará; Eudoro Walter de Santana (Coordenador). – Fortaleza: INESP, 2009. 408 p : Il.
Cirilo, José Almir. Estudos Avançados. av. vol.22 Nº. 63 São Paulo, 2008, DOSSIÊ ÁGUA Políticas públicas de Recursos Hídricos para o sem-árido.
Gonçalves, Rui Manuel de Azevedo. Sistema de Monitoramento Projeto PRODHAM.
Secretaria dos Recursos Hídricos, 2000.
IBG. Estudos e Pesquisas - Informação Demográfica e socioeconômica, Volume 2 –
Evolução e Perspectiva da Mortalidade Infantil no Brasil, Rio de Janeiro, 1999.
Exército Brasileiro. Cartilha Operação Pipa.2008
IPECE – Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará. Índice de
Desenvolvimento Municipal. 2006.
Rebouças, Aldo da C., Manejo Integrado das Águas. Nova Delimitação do Sem-árido,
Novembro 2007. Consultoria Legislativa.
Silva, Roberto Marinho Alves. Entre o combate à seca e a convivência com o semiárido,
transições, paradigmas e sustentabilidade do desenvolvimento. Brasília, 2006.
Souza, Marcos José Nogueira de, Panorama da Desertificação no Estado do Ceará,
Fortaleza, Ceará – Novembro,2005.
Zapata, Tânia. Desenvolvimento Territorial à Distância. Tânia Zapata, Mônica Amorim,
Paulo César Arns. Florianópolis: SEAD/UFSC, 2007
Sites
http://www.creditofundiario.org.br
http://www.defesacivil.gov.br/situacao/index.asp
114
O Caminho das Águas nas Rotas dos Carros-Pipa
http://www.fundaj.gov.br/docs/tropico/desat/potavel.html
http://diariodonordeste.globo.com
http://www.verdesmares.com.br
http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/hidrogeo
http://www.ipece.ce.gov.br
http://www.mds.gov.br/programas/seguranca-alimentar-e-nutricional-san/cisternas
http://www.mi.gov.br/comunicacao/
http://www2.camara.gov.br/publicacoes/estnottec/tema14/2007
http://www2.ipece.ce.gov.br/publicacoes/
http://www.saude.gov.br
http://www.opovo.com.br
Referências Bibliográficas – Análise Estatística
AAKAR, D.A., KUMAR, V. e DAY, G.S.. Pesquisa de Marketing. Trad.: Marcondes, R.C.
São Paulo: Atlas, 2001.
CURVIN, J.; SLATER, R. Quantitative Methods for Business Decisions. – Englewood
Cliffs, N.J.: Chapman&Hall, 1990.
FREITAS (H.). Análise de dados qualitativos: aplicações e as tendências mundiais em
Sistemas de Informação. São Paulo/SP: Revista de Administração da USP, RAUSP, v. 35,
nr. 4, Out-Dez. 2000, p.84-102.
GIL, A.C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa - Editora Atlas. 1991. São Paulo.
LAKATOS, E. M. e MARCONI, M. A. Fundamentos da Metodologia Científica. 5a. ed. São
Paulo: Atlas, 2003.
MAROCO, J. Análise Estatística: com a utilização do SPSS. 2ª Ed. Lisboa: Silabo, 2003.
MILES, M. B., HUBERMAN, A. M. Qualitative Data Analysis: An Expanded Sourcebook.
2 ed. Thousand Oaks: Sage, 1994.
PEREIRA, J. C. R. Análise de dados qualitativos: estratégias metodológicas para as
ciências da saúde, humanas e sociais. 2. ed. São Paulo: USP, 2004.
SILVA, A. L. C. Introdução à Análise de Dados. Rio de Janeiro. Ed. E-papers. 2009.
TAVARES, M. Estatística Aplicada à Administração. Sistema Universidade Aberta do
Brasil.2007
115

Documentos relacionados