universidade federal do rio de janeiro centro ciências da saúde

Transcrição

universidade federal do rio de janeiro centro ciências da saúde
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO CIÊNCIAS DA SAÚDE
FACULDADE DE MEDICINA
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
André Luiz da Silva
TÍTULO: A Política de Atenção Primária à Saúde nos anos noventa no
Brasil: Focalismo ou universalização?
Orientador: Carlos Eduardo Aguillera Campos
Rio Janeiro
2007
ANDRÉ LUIZ DA SILVA
TÍTULO: A Política de Atenção Primária à Saúde nos anos noventa no
Brasil: Focalismo ou universalização?
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva da Universidade do Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva
Orientador: Carlos Eduardo Aguilera Campos
Rio de Janeiro
2007
2
Folha de aprovação
ANDRÉ SILVA
TÍTULO: A Política de Atenção Primária à Saúde nos anos noventa no
Brasil: focalismo ou universalização?
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação do Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva da Universidade do Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Saúde Coletiva.
Aprovada em: 07 de agosto de 2007.
____________________________________________________
Prº Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos – UFRJ (Orientador)
_________________________________________________
Prª Drª Maria Claudia Vater Romero Gonçalves - UFRJ/IESC
_________________________________________________
Prª Drª Tatiana Wargas de Faria Baptista – FIOCRUZ/ENSP
__________________________________________
Prº Dr. Ruben Araújo Mattos – UERJ/IMS
______________________________________________
Prª Drª Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti UFRJ/IESC
3
Silva, André Luiz da
A política de atenção primária à saúde nos anos noventa no Brasil:
focalismo ou universalização? / André Luiz da Silva. – Rio de Janeiro: UFRJ /
IESC, 2007.
ix, 150 f. : il. ; 31 cm.
Orientador: Carlos Eduardo Aguillera Campos
Dissertação (mestrado) – UFRJ/IESC, Programa de Pós-Graduação
em Saúde Coletiva, 2007.
Referências bibliográficas: f. 148-159
1. Programa Saúde da Família. 2. Atenção primária à saúde. 3. Política
de saúde. 4. Política social. 5. Brasil. 6. Saúde Coletiva - Tese. I. Campos,
Carlos Eduardo Aguillera. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
IESC, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.III. Título.
4
“Eles mantêm você drogado, com religião, sexo e TV e você se acha tão esperto, sem
classe social e livre”.
Jonh Lenon
5
“(...) Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar outra vez, isso é difícil.
(...) Fácil é sonhar todas as noites. Difícil é lutar por um sonho”.
Carlos Drumond de Andrade - Reverência ao destino.
Dedico esta dissertação à sociedade brasileira, que com o suor de seu trabalho
e o sofrimento de seu povo, financia instituições públicas de qualidade.
6
Agradecimentos
Tantas foram as pessoas que colaboraram de alguma forma com este trabalho,
seja pelo apoio com palavras de estímulo e apreço, com contribuições intelectuais e com
suporte emocional, que diga-se de passagem, é indispensável para qualquer trabalho,
principalmente os que requerem a superação de limites. A todos vocês, meu muito
obrigado!
Acima de tudo e de todos agradeço a Deus pela saúde, pela família, pelos amigos que
tenho e pela disposição de enfrentar sempre novos desafios.
Ao meu pai Jorge (in memorian) pelos valores morais e respeito ao ser humano que me
ensinou ao longo de minha vida até a sua morte. “Voce conseguiu transmitir o
essencial”.
Agradeço à minha mãe Syrene e minha irmã Nadja pelo apoio incondicional às minhas
empreitadas.
A minha esposa e companheira Aline e nossa filha Maria Julia, pela resistência com
bravura aos momentos de falta de atenção e ao nosso bebê que esperamos ansiosos.
Para a amiga Elaci Barreto pelo apoio e ensinamentos no início de minha vida
profisional.
Aos amigos Flávio Augusto e Adriana pelos momentos de descontração e
companheirismo.
Flávio Henrique (in memórian) pelas grandes conversas, dicas e momentos de
descontração nas incansáveis “viagens”. Meu grande amigo e irmão, você fazia e fará a
diferença em qualquer lugar.
Aos meus amigos de trabalho da Superintendência de Atenção Primária da SES/RJ,
pelo aprendizado constante e pela responsabilidade com o serviço público.
Às amigas que fiz no mestrado Maria Rachel Jasmim, Isabel Mansur e Ana Lúcia pelo
apoio. A amizade é um grande estímulo.
À subgerência de enfermagem do Hospital do Andaraí nas pessoas de Denise Maciel e
Marluce pela compreensão da importância que é a qualificação do servidor público.
A minha equipe de trabalho do setor de Ortopedia do Hospital do Andaraí, Carmem,
Elizete, Alessandra e Vânia, pela responsabilidade com o serviço e por segurar o
“tranco” durante minha ausência.
À Patricia Ribeiro e Marcia Fausto pelas dicas fundamentais neste trabalho.
Ao meu orientador Cadu, pela paciência e consideração com minhas idéias e pelos
momentos de reflexão e principalmente a liberdade para expressar o que penso.
7
8
Sumário
Apresentação.........................................................................................
10
1 – Introdução.......................................................................................
16
2 – Focalismo e seletividade das Políticas Sociais.............................
28
2.1 – Conceitos norteadores........................................................................................
34
3 – A emergência da Atenção Primária à Saúde...............................
38
3.1 – Alma Ata .............................................................................................................
43
3.2 – Os Programas de extensão de cobertura no Brasil..............................................
48
3.3 – As Ações Integrais de Saúde ...............................................................................
63
3.4 – A Reforma e a Constituição de 1988 ..................................................................
72
4 – Atuação do Banco Mundial...........................................................
77
4.1 – Década de 1990: novas estratégias indutoras ...................................................
90
5 - APS: dos programas de extensão de cobertura ao PSF............
98
6- Empréstimos para reforma o projeto REFORSUS ...................
111
6.1 – A pobreza como alvo das políticas sociais ...................................................
114
6.2 – Considerações sobre o Programa Saúde da Família e as principais diretrizes
operacionais ..............................................................................................................
116
6.3 - O caso do Programa Saúde da Família no Brasil............................................
117
6.4 – Expansão induzida pós 1998 .........................................................................
134
6.5 – Comportamento Organizacional...................................................................
139
7 – Considerações finais..................................................................
142
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................
148
9
SILVA, André Luiz. Política de Atenção Primária à Saúde nos anos noventa
no Brasil: focalismo ou universalização? Rio de Janeiro, 2007. Dissertação
(Mestrado em Saúde Coletiva) Instituto de Estudos em Saúde Coletiva,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.
RESUMO
A década de noventa foi um período conflituoso no contexto político de
implementação das conquistas sociais da década anterior. A égide neoliberal
se fazia presente, influenciando a definição macropolítica do modelo
econômico de desenvolvimento a ser adotado pelo Brasil. Este trabalho tenta
elucidar as características assumidas pelo PSF (Programa de Saúde da
Família) na década de noventa e sua relação com a agenda de reforma do
Sistema Nacional de Saúde dos países em desenvolvimento, encaminhados
pelo Banco Mundial no período. O recorte temporal escolhido se inscreve em
um período posterior à criação do SUS (Sistema Único de Saúde), dando
ênfase aos ataques a seus princípios.
Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizou-se como recurso
metodológico a pesquisa documental e a análise de dados obtidos em fontes
primárias e secundárias, fontes oficiais e em órgãos de imprensa e divulgação.
Através da revisão bibliográfica do tema, podemos identificar o
desenvolvimento da APS (Atenção Primária à Saúde) e o contexto que a levou
a ser considerada como proposta adequada para os diferentes Sistemas
Nacionais de Saúde no Mundo. Foi possível também identificar as diferentes
interpretações e interesses que envolvem e envolveram a trajetória de
implantação da APS. Realçamos a participação do Banco Mundial devido a
sua crescente influência na adoção de políticas setoriais, através dos ajustes
estruturais. É identificada, a partir daí, a convergência de interesses com
alguns princípios como a descentralização. A focalização das políticas sociais
foi utilizada como categoria analítica para identificar o nível de relação do PSF
com o modelo de reforma das agências internacionais. A utilização desta
categoria foi devido a sua definição, pelo Banco Mundial, como estratégia
adequada para diminuição da pobreza nos países em desenvolvimento. Os
resultados tenderam a identificar de um lado, o processo de focalização inicial
do PSF, de outro lado, um movimento de resistência à proposta de reforma
setorial, encaminhada pelo Banco Mundial. Este embate, pôde ser identificado
no aprimoramento e na evolução do PSF enquanto política pública
desenvolvida no Brasil na década de noventa.
Palavras chave: Políticas Sociais, Atenção Primária, Focalização e Programa
Saúde da Família.
10
ABSTRACT
The 90’s was a period of conflict in the political context of social
conquests of the previous decade. The Neoliberal speech influenced the
macropolitical definition of the brazilian economic model of development. This
work tries to elucidate the characteristics of FHP (Family Health Program) in the
90’s and its relationship with the agenda of reform of the National Health
System in developing countries headed by the World Bank, at that time. The
chosen period refers to a specific time after the raise of Brazilian Health
System, “SUS”, emphasizing the criticism to its principles.
The methodology used in this research was the documentary research
and the analysis of data from primary, secondary and oficial sources and from
the press. Revising the bibliography of the subject, we can identify the
development of the PHC (Primary Health Care) and the belief that took it to be
considered the ideal proposition for differents health systems in the world. It
was also possible to identify the different interpretations and interests that
envolve and envolved the implantation of PHC. It is important to stress the
participation of the World Bank due its great influence on adopting sectorial
policies through structural adjustment. We can identify then, the convergency
of some interests, like the decentralization.
The focus on social policies was used as an analytical category to
identify the relationship between the FHP and the model of reform of the
international agencies. This category was used due the definition of the World
Bank as the ideal strategy to face the problems with poverty in developing
countries. The results show both sides, the process of initial focus on FHP and
a moviment of resistence to the proposal of sectorial reform headed by the
World Bank. This discussion can be identified in the improvement and
development of the FHP as the brazilian public policy developed in the decade
of ninety.
11
APRESENTAÇÃO
A possibilidade de reflexão acerca dos contextos que emergem as
políticas e programas sociais nos outorga o direito de analisá-las com a
perspectiva de intervenção no seu curso “natural” de desenvolvimento.
No decorrer da história, as sociedades vêm debatendo e tentando dar
conta dos diferentes problemas de saúde que afligem seus indivíduos e o
coletivo.
Tais
debates
caminharam
para
identificações
diversas
dos
determinantes dos problemas de saúde. Diferentes respostas para estes
problemas já foram desenvolvidas, motivadas por interesses divergentes e
influenciadas por atores específicos do contexto de cada país.
Para Rosen (1979), um dos aspectos da vida urbana moderna é “a
relação entre a pobreza e saúde precária como sendo promotores de
decadência e doenças sociais”. Ao longo dos tempos considerou-se que a
doença era uma característica presente predominantemente entre os pobres,
com o fato do cuidado médico inacessível, ser um agravante da condição de
vida.
Com isso, foram elaboradas diferentes formas de intervenção para
melhorar a saúde através de uma oferta mais eficaz de atenção médica.
Com este trabalho faremos um percurso pela trajetória de formulação e
desenvolvimento do Programa Saúde da Família (PSF) no Brasil, na década de
noventa. Consideramos o fato de ser uma proposta em vias de implantação até
os dias de hoje, mesmo que percorrido mais de dez anos de sua criação. Este
fato se dá por seus principais objetivos não estarem ainda plenamente
atingidos, assim como sua incorporação ao sistema de saúde está debilmente
efetivada.
12
Durante este período algumas discussões são apresentadas com o
intuito de fazer uma reflexão visando o redirecionamento da política e a
redefinição de objetivos, para alcance dos princípios constitucionais definidos
para o Sistema Único de Saúde (SUS). Uma das questões mais recorrentes no
discurso em torno do PSF e que nos remete às características das políticas
sociais encaminhadas pelas agências internacionais1, aos países em
desenvolvimento, diz respeito ao processo de focalização promovido.
O contexto macroeconômico de sua emergência as características
adquiridas pelo programa nos forçam a analisar seu percurso e os embates dos
principais atores nesta arena de implantação de políticas públicas, de forma a
considerar a política econômica desenvolvida.
A “agenda de reforma”2 do sistema de saúde posta pelas agências
internacionais como o Banco Mundial, tem como principal diagnóstico para
fundamentação do uso de políticas seletivas a inadequação dos gastos em
saúde que não chegam aos mais pobres. (BANCO MUNDIAL, 1993) Este
debate se torna importante na medida em que traz para o centro das
discussões conceitos como equidade e justiça social. O debate proporcionado
por este trabalho ao discutir os impasses que envolvem esta temática, busca
apontar caminhos para a efetivação do PSF enquanto proposta estruturante do
SUS.
Perceberemos que a Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil se
desenvolve e toma força em meio ao processo de redemocratização do Estado
1
As Agências Internacionais atuam nas atividades de cooperação bilateral e multilateral, amparadas nos
Acordos Básicos de cooperação científica e tecnológica firmados pelo governo brasileiro.
2
O termo agenda de reforma foi introduzido pela primeira vez através do documento Finincing Health
Services in Developing Countries: An Agenda for Reform (World Bank, 1987). Como indica o título,
tratava-se de uma proposta de uma “agenda” para a reforma dos mecanismos de financiamento dos
serviços de saúde.
13
e o esgotamento do modelo de desenvolvimento vigente no país até final dos
anos setenta.
Desenvolveremos uma análise, partindo de um locus de inserção no
sistema de saúde: o nível estadual de gestão. Contudo, não pretenderemos
analisar especificamente este nível, mas nos situar neste lugar de análise, nos
ajuda a identificar as nuances do desenvolvimento do Programa Saúde da
Família de forma privilegiada, devido a sua possibilidade de interlocução tanto
com o Ministério da Saúde, o formulador e normatizador da política, quanto
com os municípios que implantam e implementam a proposta.
No Brasil, os estudos históricos sobre Saúde Pública identificam que no
século XIX a política de saúde foi marcada por ações tipicamente definidas no
âmbito da APS, mesmo não havendo preocupação específica para este tema
(LUZ, 1991 apud FAUSTO, 2005). Já no início do século XX, as ações
desenvolvidas eram organizadas sob a perspectiva da Saúde Pública, onde os
serviços nacionais se dedicavam ao combate de doenças específicas, sendo a
assistência médica de responsabilidade individual e exercida pela medicina
liberal ou por instituições religiosas.
Considerando os centros comunitários de saúde como espaço de
práticas da APS, mesmo que na época não definidos como tal, Rosen (1979)
identificou que estes centros desenvolveram-se para remediar a complexa
situação sanitária dos pobres nos Estados unidos da América (EUA) no início
do século XX. Este trabalho desenvolvido nos centros comunitários era
organizado através de uma
assistência unificada que coloca à disposição virtualmente todos os
serviços ambulatoriais de saúde; uma coordenação íntima com outros
recursos comunitários; uma equipe profissional de alta qualidade; e
uma intensa participação e envolvimento da população a ser servida.
(Rosen, 1979 p. 372)
14
Este marco nos faz identificar um histórico da rede básica de cuidados
de saúde. Toma-se também este contexto de surgimento dos Centros de
Saúde e sua organização, um referencial teórico para futura formulação e
legitimação da APS, a partir de Alma Ata.
Nesta perspectiva a reforma do sistema de saúde encaminhada na
década de noventa tem como característica a adoção de programas sociais
que atendessem a população mais vulnerável, com enfoque na racionalização
dos gastos públicos e ajuste fiscal. Neste processo a equidade e a focalização
foram consideradas muitas vezes como correspondentes, ganhando espaço
estratégias de adoção de “cestas básicas3” a serem financiadas pelo Estado.
A segunda metade dos anos noventa traz consigo a implementação de
políticas de saúde fortemente influenciadas por diretrizes que visavam
aumentar os níveis de equidade e efetividade do SUS. Em que pesem a
importância destes temas na agenda nacional, eles vêm impregnados de
paradigmas economicistas de ordenamento de despesas e busca da eficiência.
As medidas que os acompanham buscam promover a conciliação entre os
objetivos macroeconômicos de estabilização com as metas das reformas
sociais.
Através desta dissertação, tentaremos refletir sobre os principais pontos
que levaram a Atenção Primária a Saúde ao status que hoje apresenta,
resgatando sua historiografia e pontos que a tornaram adequadas ao contexto
brasileiro. Os princípios da APS estão atualmente incorporados ao Sistema
Único de Saúde (SUS), e são, na medida dos interesses dos atores envolvidos,
3
Termo utilizado para descrever um conjunto de ações mínimas de responsabilidade do Estado,
introduzido pelo Relatório de Desenvolvimento mundial, Investindo em Saúde de 1993.
15
valorados e induzidos de forma mais intensa a cada estágio de seu
desenvolvimento ou interpretados segundo paradigmas hegemônicos.
Ao resgatar a história dos Cuidados Primários à Saúde, a Assembléia
Mundial de Saúde, em 1977, decidiu unanimente que a principal meta social
dos governos participantes deveria ser “a obtenção por parte de todos os
cidadãos do mundo de um nível de saúde no ano 2000”. Seus princípios foram
apresentados na Conferência de Alma Ata, em 1978, com o compromisso de
serem aplicados em todos os países signatários (OMS/UNICEF, 1978).
Em que pesem discordâncias quanto a forma de implantação e de
extensão e qual dos seus princípios são aplicáveis em nações industrializadas
(KAPRIO, 1979 apud STARFIELD, 2002), trabalharemos aqui com sua
definição a partir de Alma Ata. Para tanto também identificamos a gênese da
rede básica em período anterior enquanto resposta aos problemas de saúde no
início do século XX e a expansão capitalista.
A APS nos chama atenção enquanto área temática não só por dar conta,
de uma forma mais abrangente, dos problemas de saúde da população, mas
também por estabelecer uma estrutura de sustentação social de forma a
fortalecer o empoderamento da sociedade. Empoderamento entendido como
(...) a conquista plena dos direitos de cidadania, ou seja, da
capacidade de um ator, individual ou coletivo, usar seus recursos
econômicos, sociais, políticos e culturais para atuar com
responsabilidade no espaço público na defesa de seus direitos,
influenciando as ações do Estado na distribuição dos serviços
públicos (ActionAid Brasil, 2002, p.11).
Desde a identificação da APS como política pública a ser estimulada e
fortalecida, por parte dos Organismos Internacionais, vem sendo desenvolvidas
diferentes estratégias para a sua implantação e implementação. Em
contrapartida, alguns países reforçam sua implantação a partir de mecanismos
16
normatizadores e indutores. Pretendemos aqui, estudar as formas de indução
adotadas pelo Brasil na década de noventa, para o estabelecimento e
fortalecimento de uma APS fundamentada nos princípios de universalidade,
integralidade, participação política e equidade. Para tanto, entendemos ser
necessária uma identificação pregressa de sua constituição, antes mesmo da
definição internacional de Alma Ata.
A gênese e o desenvolvimento dos Cuidados “Primários” e/ou “Básicos”
de Saúde podem nos apresentar algumas pistas e/ou subsídios para o
entendimento de sua evolução até os dias de hoje. Não pretendemos esgotar a
temporalidade de suas discussões, e sim levantar algumas informações a partir
da bibliografia, que sirvam de pistas para ligar sua gênese à concepção atual.
Para uma melhor exposição do tema proposto nesta dissertação
dividiremos o trabalho em sete capítulos.
Para o primeiro e o segundo capítulo faremos uma breve introdução do
contexto político e econômico onde se inserem as políticas sociais no Estado
moderno, conseqüentemente as políticas de saúde. São apresentadas também
a justificativa, objetivos e metodologia da pesquisa. Descreveremos o contexto
de emergência das agências internacionais de ajuda ao desenvolvimento. No
terceiro capítulo, Identificaremos as propostas de extensão de cobertura dos
cuidados básicos no Brasil, nos Programas de Extensão de Cobertura (PEC) e
nas Ações Integrais de Saúde (AIS) e a influência de Alma Ata na configuração
do Sistema Nacional de Saúde (SNS) no Brasil, assim como o desenvolvimento
do Movimento de Reforma Sanitária. No quarto capítulo, trataremos da
influência do Banco Mundial e a trajetória do desenvolvimento da política de
saúde no Brasil na década de oitenta e noventa. No quinto capítulo faremos um
resgate histórico de evolução dos PEC até a formulação do Programa Saúde
da Família (PSF), no início da década de noventa. Para só então, no sexto
capítulo, analisarmos o PSF desenvolvido no Brasil após a implantação do
SUS, desde sua concepção, até seu processo de expansão de cobertura, a
partir de mecanismos indutores. Ao final deste capítulo iniciaremos as
17
discussões acerca das estratégias indutoras utilizadas pelo Ministério da Saúde
para o efetivo estabelecimento e ampliação da cobertura do Programa Saúde
da Família no Brasil. E o último capítulo será dedicado às conclusões e/ou
considerações finais.
INTRODUÇÃO
As tendências que apontavam para um direcionamento do
sistema de proteção social brasileiro, rumo a um padrão universalista, com
reforço da presença do Estado e a garantia de seu financiamento, representou,
a partir da Constituição de 1988, um importante avanço no padrão de proteção
social brasileiro, especificamente no que tange a configuração de um sistema
de proteção social mais redistributivo e com maior responsabilidade pública na
sua regulação, produção e operação (ARAGÃO e COUTO, 1997). Todavia, a
política econômica imposta aos países em desenvolvimento, desde o final da II
Guerra Mundial, vem se tornando difíceis obstáculos para a configuração de
tais sistemas. A garantia do financiamento público dos sistemas de proteção
social vem sendo duramente combatida pelos países que detém a hegemonia
econômica e impõe uma lógica de mercado, agravados ainda, pela crise vivida
desde a década de setenta pelos Estados nacionais.
As discussões acerca do financiamento das políticas sociais se
dão em um contexto histórico de uma nova ordem econômica internacional,
caracterizando-se pela ocorrência simultânea de uma hegemonia definida, de
um sistema hierarquizado de relações e de mecanismos de regulação. Nesse
sentido, é identificado duas ordens econômicas mundiais presentes na história:
a que prevaleceu no século XIX até a I Guerra Mundial, sob hegemonia
inglesa, e a que se estabeleceu no segundo pós guerra, sob hegemonia norte
18
americana (TEIXEIRA, 1999). Para o autor, o estabelecimento de uma ordem
econômica
internacional
é
necessário
o
estabelecimento
de
alguns
pressupostos, tais como:
a existência de uma potência economicamente dominante, que seja
ao mesmo tempo pólo hegemônico, cabeça de império e centro
cíclico principal; a formação de um tecido amplo e estruturado de
relações econômicas e financeiras entre países, regiões e empresas,
expresso no conceito de mercado mundial, permitindo a
hierarquização do sistema e a constituição de mecanismos de
regulação. (TEIXEIRA, 1999, p. 08)
Portanto, ao analisar a existência de uma ordem econômica,
consideramos os conceitos de dominação e hegemonia. Para Weber a
dominação é um dos elementos mais importantes da ação social, manifestada
algumas vezes, planejada e deliberada pelo poder econômico. O modo como
os meios econômicos são empregados para conservar a dominação influência,
decisivamente, o caráter da estrutura de dominação.
Um dos traços marcantes da ordem mundial que se instituiu após a II
Guerra Mundial foi a criação de um amplo conjunto de organismos
internacionais, dentre os quais destacam-se as instituições Bretton Woods e
aquelas ligadas às Nações Unidas (ARRIGHI,1996). A Conferência de Bretton
Woods foi realizada durante a II Guerra Mundial, por iniciativa dos EUA. Esta
teve como principal objetivo esboçar a nova ordem econômica. Daí resultou a
proposta de criação de duas agências internacionais, que hoje são as
principais financiadoras e influenciadoras na definição das políticas públicas
nos países em desenvolvimento – O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Internacional para Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), principal
organização do Banco Mundial (MATTOS, 2000).
Em 1943, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), um
conjunto de seis organismos voltados fundamentalmente para a sustentação da
19
segurança e da paz mundial. Em torno da ONU surgiram agências
internacionais especializadas e responsáveis pela ajuda financeira aos países
em desenvolvimento. É neste contexto mundial que foi criada a OMS, uma das
agências da ONU especializada na área da saúde. Concebida para oferecer
cooperação técnica aos países membros, ela atua com base em iniciativas
voltadas ao enfrentamento dos problemas de saúde, bem como de iniciativas
voltadas ao aprimoramento dos sistemas de saúde.
Alguns autores, ao discorrerem acerca do papel dessas agências
internacionais, enfatizam que estas fazem parte de um projeto político do
governo americano de estabelecimento e manutenção de uma hegemonia
mundial. Para Mattos, (2000), a visão de que a atuação dessas agências seja
reflexo, unicamente, dos interesses norte americanos, é de certa forma, uma
interpretação reducionista. Ele ressalta que o Banco Mundial e o FMI tiveram
inicialmente um papel secundário na afirmação da hegemonia norte americana.
Tais agências só adquiriram maior importância internacional na década de
setenta, num momento em que as elites dirigentes norte americanas não
manifestavam grandes interesses pelo governo do mundo (ARRIGHT,1996).
A cooperação técnica, o financiamento de políticas públicas, assim
como, o diálogo político aberto por essas agências são considerados
ferramentas fundamentais para adesão dos governos às propostas dos países
membros, que condicionam os empréstimos à adoção de certas políticas
econômicas, se configurando em mecanismos de indução (Mattos, 2000).
Ainda a respeito do debate sobre hegemonia, que pressupõe a
sobreposição dos mercados dos países centrais em relação aos países
periféricos, a década de setenta assistiu uma nova imagem do Estado,
20
considerado então como um problema (COHN, 2003). Esta visão foi fruto do
esgotamento do modo de intervenção e financiamento do Estado no campo
econômico e social, e sua forma burocrática de administrar. Essa imagem veio
associada ao fato do Estado ter fracassado, em parte, na realização das
tarefas definidas na agenda pós II Guerra. É neste período que emerge o
debate da inserção das economias periféricas na nova ordem econômica
internacional, período no qual as agências internacionais ampliam sua
influência (ARRIGHT,1996). Também na década de setenta, pode-se observar
uma redefinição do padrão histórico de intervenção do Estado na área social,
constituindo-se uma agenda de reformas setoriais. Dentre os principais pontos
da agenda, podemos destacar as características assumidas no que tange a
esfera da política social, como a redução da intervenção do Estado na oferta de
bens e serviços de natureza social. Em segundo lugar, a oferta pública deveria
assumir a qualificação simplificada e de baixo custo, para assegurar maior
abrangência e maior eficácia na relação custo benefício, estímulos à
privatizações através do fomento ao mercado de assistência médica voltados
para empresas e assalariados de média e alta rendas, bem como a
privatização da previdência social.(POSSAS,1993; MENDES,1991). Este
Estado mínimo tornar-se-ia o arcabouço adequado a uma economia de
mercado a ser difundido em larga medida, por organismos multilaterais como o
BM e o FMI.
As características assumidas pela crise dos Estados nacionais, a partir
da crise do petróleo em 1973, seguida de uma onda inflacionária que se abateu
nos Estados de Bem Estar Social, assim como o fim do padrão dólar ouro, são
considerados por alguns autores, como sendo o estímulo necessário ao
21
ressurgimento do liberalismo, agora com a denominação de neoliberalismo.
(BIANCHETTI, 1996)
A crise dos Estados nacionais manifestou-se pela crise fiscal, definida
pela perda em maior ou menor grau de crédito público e pela incapacidade
crescente do Estado de realizar uma poupança que lhe permitisse financiar
políticas
públicas.
A
crise
do
modo
de
intervenção
manifestou-se
diferentemente nos países: a crise do Welfare State no primeiro mundo, o
esgotamento da industrialização por substituição de importações na maioria
dos países em desenvolvimento, e o colapso do estatismo nos países
comunistas. (BRESSER, 1996)
No contexto neoliberal no qual o mercado é o grande regulador das
relações sociais, com prioridade da liberdade econômica, nos deparamos com
políticas sociais que acabam por mascarar as desigualdades geradas pelo
conflito capital-trabalho, além de potencializar as desigualdades (LEHFELD,
2003). Seu modelo político apregoa a não intervenção estatal na economia e
tem ainda como principais características o alto desenvolvimento tecnológico,
um
consumismo
e
individualismo
exacerbado
e
um
processo
de
transnacionalização da economia como conseqüência da rendição do Estado
nacional ao Capital estrangeiro. O Estado modifica sua forma de intervenção
atendendo ainda mais aos interesses do capital, favorecendo a acumulação e
voltando-se para aqueles que estão no setor financeiro e produtivo. Nesta nova
forma de intervenção estatal, é definido um conjunto de políticas estruturantes,
de caráter reformista denominado, de “reformas estruturais” (TAVARES, 1997).
Este conjunto de políticas foram impostos pelas agências financeiras
internacionais (FMI e BM) e pelo governo dos EUA, aliados a grupos
22
tecnocráticos latino americanos, sendo implantado com maior ou menor
intensidade, dependendo do país em questão. (Tavares, 1997)
Na América Latina, a primeira experiência ocorreu no Chile, sob a
ditadura do General Pinochet, no final da década de setenta. Tavares (1997)
aponta o nível de deterioração verificado tanto nos serviços social públicos
como na situação social dos países latinos americanos avaliados, fruto de
políticas de ajuste deliberadas e não apenas resultado da crise econômica.
A autora delineia algumas questões acerca das relações existentes
entre as políticas de ajuste, a situação social de cada país e o caráter das
políticas sociais existentes:
“A forma e o conteúdo das políticas de ajuste não são neutras com
relação à situação social e as políticas sociais implementadas em
determinado país, ou seja, o perfil neoliberal adotado pelas políticas
de ajuste nos países latino americanos é responsável tanto pelo
agravamento da situação social, como pela deterioração dos
programas sociais”. (TAVARES, 1997; pág 28)
A autora ainda enfatiza duas formas diferentes de deterioração das
políticas e programas sociais que podem ser encontradas nos países da
América Latina, dependendo da sua estrutura de desigualdade social, bem
como o padrão e estágio de desenvolvimento das políticas e programas pré
existentes. Uma seria o abandono de políticas públicas já consolidadas, que
são substituídas por políticas opostas, como exemplos têm o processo de
privatização do sistema previdenciário no Chile. Outra forma, no caso do
México, seria o sucateamento dos programas sociais, que já eram precários,
com o conseqüente esgotamento de seu financiamento.
O caso brasileiro seria uma combinação dessas formas de deterioração
das políticas e programas sociais e que as intervenções têm sido feitas na
direção de desestruturar políticas já consolidadas e em vias de consolidação,
23
como
a
reforma
da
previdência
social
e
do
Sistema
de
Saúde,
respectivamente. Assim, estas políticas sociais foram duplamente atingidas,
uma pelo lado da demanda, com o agravamento da situação social causada
pelo ajuste, que aumentou o desemprego e a pobreza e conseqüente
sobrecarga dos serviços sociais já fragilizados, particularmente os de acesso
universal, como os serviços de saúde. Por outro lado, a oferta de serviços e
benefícios de políticas sociais ficaram cada vez mais focalizadas, tanto pelo
corte de recursos, como pela reestruturação do seu perfil de atendimento da
demanda e a privatização de outros serviços. O ideário neoliberal reeditou as
definições de eficiência com uma ênfase maior nos custos que nos benefícios,
submetendo determinados princípios constitucionais como equidade e
universalidade às restrições econômicas.
Para Mattos (2000) as agências internacionais têm se dedicado cada
vez mais à “oferta de idéias” sobre quais seriam as políticas mais adequadas
aos países em desenvolvimento. O autor defende a tese de que a “oferta de
idéias” pode ser mais bem compreendida no contexto da dinâmica de
competição / cooperação entre membros daquela comunidade. Embora muito
antiga, a oferta de idéias por parte das agências internacionais, adquiriu novas
características nos anos noventa, constituindo se um importante mecanismo
influenciador de políticas de saúde para os países em desenvolvimento como o
Brasil.
Este contexto de seletividade das Políticas Sociais poderia ser o gancho
para a análise do surgimento da proposta de Atenção Primária à Saúde, a ser
induzida pelos organismos internacionais?
24
Este trabalho tem por objetivo identificar os processos de indução na
implantação do Programa Saúde da Família desde a sua concepção até a sua
operacionalização no contexto da política de saúde do Estado brasileiro na
década de noventa. Busca-se a partir daí relacionar o processo de implantação
e expansão deste programa com a agenda de organismos internacionais, no
que tange às orientações de políticas de saúde a serem adotadas pelos países
em desenvolvimento.
A identificação de convergências e divergências entre as propostas
colocadas pelas agendas destes organismos e a conformação do programa a
nível nacional é um fator importante para o entendimento do processo de
consolidação da proposta. Não pretendemos, com isso, ir a fundo nas
discussões acerca das políticas indutoras internacionais. Sua identificação,
contudo, nos dá subsídios para o entendimento da política a nível nacional.
Segundo Diniz, (2001), a economia mundial e conseqüente ordem
econômica não se estruturam mecanicamente, independente da complexa
relação de forças políticas, que se estabelecem à nível internacional, onde
também se tecem os vínculos entre economia mundial e economias nacionais.
O autor ainda reforça que,
(...) a pressão das agências internacionais exercem, sim, forte
influência na determinação das agendas dos diferentes países, mas
não o fazem de modo mecânico e determinista. A opção das elites
dirigentes nacionais – suas coalizões de apoio olítico – tiveram e têm
um papel importante na escolha das formas de inserção no sistema
internacional e na definição das políticas a serem implementadas”.
(DINIZ, 2001; p. 14)
Com isso, abrimos ao debate, a questão do processo de implantação e
implementação do Programa Saúde da Família enquanto política social,
construída em meio aos embates de reforma do sistema de saúde no Brasil.
25
Tal desenvolvimento se dará a partir da identificação da relação deste
programa com as agendas internacionais, considerando-se a influência de
agências internacionais na configuração do Programa Saúde da Família no
Brasil. Esta se daria por diferentes maneiras, predominantemente marcantes
no nível macroeconômico, com desdobramentos setoriais. Por outro lado, há
um processo de resistência de alguns atores nacionais, às propostas de
modelos de reformas internacionais, adotados pela política setorial de saúde, o
que interferiria na estruturação das propostas e ao longo de sua implantação e
implementação4.
O recorte temporal a ser estudado compreende o período de formulação
e implantação do Programa Saúde da Família no Brasil, com as conseqüentes
propostas de expansão (1994–2001).
Iremos considerar para fins deste trabalho que o Programa Saúde da
Família, a nível nacional, na década de 1990, encontrava-se em fase de
implantação devido à:
•
Sua inserção no SUS apresentar-se incipiente nos diferentes
sistemas regionais, estaduais e municipais;
•
Sua cobertura assistencial não abranger a maior parte da
população brasileira;
•
Não estar presente em todas as unidades federadas;
•
Sua fragilidade institucional;
•
E, por, considerar somente a formulação da política nacional,
devido as competências deste nível de gestão, não ser
responsável por colocar em prática ou executar o programa,
4
Segundo dicionário Aurélio, implantar significa introduzir, estabelecer; enquanto que implementar
significa pôr em prática, dar execução a um plano, programa ou projeto.
26
condicionando-o ao esforço permanente de implantar e dar
subsídios à implementação do programa nos entes federados.
É importante frisar que a análise deste período de implantação, é
importante, na medida em que desenvolveram diferentes mecanismos de
indução da proposta para sua efetiva estruturação no sistema de saúde
brasileiro.
Utilizou-se como recurso metodológico revisão bibliográfica e a análise
documental de fontes primárias e secundárias, publicações de diretrizes
operacionais e relatórios técnicos de instituições colaboradoras.
No plano analítico utilizamos duas categorias que percorreram o
desenvolvimento do trabalho: a focalização e a descentralização. Tentou-se
estabelecer a relação destes princípios com a configuração do PSF, na medida
em que não apresentaram relação, apresentaram parcial relação ou total
relação com as diretrizes do programa.
Indiretamente
desdobraremos
este
debate
para
o
campo
da
racionalização focada nos custos e a equidade esperada com a proposta.
Identificaremos também fases (ciclos e momentos) do processo de
indução requerido para o alcance dos objetivos propostos.
Parece não haver dúvidas quanto ao fato de que as reformas das
políticas públicas decorrem de uma intencionalidade em estabelecer uma
ordem mundial economicamente definida a partir de um mercado autoregulável.
A internacionalização da economia dos países, assim como, a
globalização dos mercados são componentes essenciais para o entendimento
27
do status quo assumido pelas políticas sociais que, cada vez mais, tendem à
fortalecer o mercado enquanto estrutura macro política, definir uma ordem
econômica mundial a ser seguida, influenciando cada vez mais as políticas
sociais no Estado moderno.
Contudo, a proposta de desenvolvimento levada pelo Brasil, induzida e
apoiada pelos organismos internacionais, vem ao encontro dos ajustes
estruturais e fiscais vivenciados por alguns países latino americanos nas
décadas de oitenta e noventa, com o intuito de reduzir o déficit público e
garantir o pagamento da dívida externa.
Comungamos com autores como
Fleury e Soares, de que o desenvolvimento de uma sociedade sem exclusão
social, fundamentada em princípios que resguardem a seguridade social
enquanto tripé da proteção social é a base de uma sociedade igualitária. O
campo da saúde, enquanto parte integrante e indissociável da política social é
uma área de difícil análise devido a multideterminação e abrangência do
processo saúde-doença da população e a complexidade de interesses em
torno da formulação de suas diretrizes.
O embate posto pela política neoliberal no decorrer dos anos 1980 e
1990, de um Estado mínimo, privilegiou cada vez mais o mercado, na qual a
capacidade de resistência a esta política e a estrutura institucional vão se
diferenciar de país a país.
Não será aprofundada aqui, a discussão da inserção das políticas
sociais na década de noventa, e sim uma análise da condição assumida pela
política de saúde brasileira com a adoção do Programa Saúde da Família e sua
conseqüente expansão e consolidação, como norteador da estruturação do
28
sistema de saúde, em um contexto explícito de indução nacional de políticas
locais sob forte influência de organismos internacionais.
Por outro lado, alguns autores referem certa autonomia técnica e
política, no caso brasileiro, no que se refere a formulação de políticas públicas
que se contrapõe a alguns aspectos da agenda internacional.
Com isso, cabe-nos aqui levantar alguns questionamentos:
Que mecanismos indutores foram utilizados pelo governo federal para
implantar e expandir o Programa Saúde da Família?
Que características adotadas pelo projeto brasileiro têm relação com
agendas, objetivos e interesses de agências internacionais?
Sabemos que as respostas a estas perguntas demandariam um estudo
mais profundo da temática. A identificação dos mecanismos de indução,
utilizada pelo Brasil, contudo, podem nos dar algumas pistas do caminho
escolhido.
29
2 - O FOCALISMO E A SELETIVIDADE DAS POLÍTICAS SOCIAIS
Em cada Estado nação, o sistema de proteção social assumiu
características próprias, não podendo a sua implementação, nos dias atuais, se
resumir unicamente a crua questão de financiamento. Podemos derivar esta
discussão segundo a abordagem conceitual de Richard Timuss (1958) apud
Andersen (1990), a respeito da distinção clássica entre políticas sociais
residuais e institucionais. No primeiro caso, o Estado só assume a
responsabilidade quando a família ou o mercado se mostram insuficientes,
procurando limitar sua prática a grupos sociais marginais e merecedores. O
segundo caso refere-se ao modelo universalista, e personifica um compromisso
institucionalizado com o bem estar social. Esta abordagem nos força a sair da
limitação interpretativa e a refletir entre o focalismo e universalismo das
políticas sociais.
Considerando as características da política social brasileira como um
reflexo das transformações mundiais no padrão de proteção social acrescida
da correlação de forças dos diferentes atores sociais presentes, utilizaremos a
descrição feita por Fleury (1997), que classifica a relação estabelecida entre a
política social brasileira e o indivíduo, como sendo um tipo de cidadania
invertida, no qual este tem que provar que fracassou no mercado, para ser
objeto da proteção social.
O desenvolvimento do debate acerca das características da política
social brasileira tem como “pano de fundo”, a relação estabelecida entre a
proposição
de
políticas
públicas
para
os
países
capitalistas
em
desenvolvimento. Este se caracteriza como políticas de ajuste estrutural e
30
reforma do Estado, condicionadas, e tem como alvo a redução de gastos
públicos, influenciando o arrefecimento dos empréstimos entre nações ricas e
pobres e a escolha de projetos de mais baixo custo e de curto prazo a serem
financiados (VIANA, 2005).
Podemos ainda trazer ao debate o tema da mercadorização ou
desmercadorização. Esping-Andersen (1991), diz que a mercadorização
acontece quando os mercados se tornam universais e hegemônicos e o bem
estar dos indivíduos passa a depender inteiramente das relações monetárias. A
desmercadorização ocorre quando a prestação de um serviço é vista como
uma questão de direito ou quando uma pessoa pode manter-se sem depender
do mercado. A mera presença de uma previdência ou assistência social não
gera
necessariamente
uma
desmercadorização
significativa
se
não
emanciparem substancialmente os indivíduos da dependência do mercado. X
A contextualização de necessidades de encaminhamento de reformas
dos sistemas de saúde latino americanos começou a serem esboçados nas
décadas de cinqüenta e sessenta. A maioria dos conceitos hoje vigentes como
eficiência, eficácia, custo/benefício, descentralização, participação comunitária,
programas locais, seguro saúde, entre outros, foram utilizados para impulsionar
transformações na organização sanitária ao longo das décadas. (MERTHY,
1992; IRIART, 1994)
Estas indicações e recomendações, assim como a capacitação de
profissionais e a descentralização com a perspectiva de que a responsabilidade
sanitária seja assumida localmente são recomendações que estavam
presentes em publicações da OPAS e outras instituições internacionais.
31
A partir da década de oitenta, muitos técnicos das instituições
internacionais e intelectuais sanitários, retomaram estes conceitos, com o
objetivo de dar resposta à crise econômica e dos sistemas de saúde. Contudo,
estas indicações nasceram em um período estruturado em um “modelo de
acumulação capitalista baseado em processos produtivos de plena ocupação,
que necessitava de um Estado produtor de bens e serviços, e provedor mão de
obra sã e qualificada”. (MERHY, 1995, p.5).
O modelo estava inscrito em um contexto onde a concepção de saúde
era considerada como bem público e de responsabilidade do Estado,
diferentemente do processo atual que foi marcadamente influenciado pela crise
de acumulação capitalista iniciado na década de setenta.
Evidenciou-se também, a emergência de outros atores diretamente
ligados ao sistema financeiro internacional, como o Banco Mundial na figura do
Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), nos
debates de reforma dos sistemas de saúde dos países em desenvolvimento.
Ao considerarmos a política de saúde, como parte integrante e
indissociável da proteção social, fazemos isso em uma perspectiva de
entendimento da saúde enquanto condição humana básica. Com isso,
identificamos o trabalho de resistência e o esforço de todo o Movimento de
Reforma Sanitária5 no Brasil na década de oitenta, em meio ao processo de
democratização do Estado brasileiro, na tentativa de assegurar principalmente,
princípios como participação política, universalismo e equidade, indo ao
5
O termo Reforma Sanitária foi usado pela primeira vez no Brasil em função da reforma sanitária
italiana. A expressão ficou esquecida por um tempo até ser recuperada nos debates prévios à 8ª
Conferência Nacional de Saúde, quando foi usado para se referir ao conjunto de idéias que se tinha em
relação às mudanças e transformações necessárias na área da saúde. Estas transformações abarcavam todo
o setor saúde, introduzindo uma nova idéia no qual o resultado final era entendido como a melhoria das
condições de vida da população.
Fonte: Biblioteca virtual em saúde Sérgio Arouca.
32
encontro da luta pela desmercadorização das políticas sociais. Em contra
partida, o processo de mercadorização das políticas sociais na América Latina
encontrou terreno fértil nas proposições das agências de colaboração
multilaterais.
Podemos citar como exemplo marcante para consolidação da política
social brasileira as proposições da 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS),
consubstanciada na frase – Saúde, direito de todos e dever do Estado. A 8ª
Conferência Nacional de Saúde que ocorreu em 1986, sendo um marco na
consolidação destes princípios, tendo sido reafirmados na Constituição de
1988, conhecida também como constituição cidadã. Neste marco, é reforçada a
obrigação do Estado em garantir os recursos necessários para que seja
efetivado o direito à saúde para toda a população.
Em que pesem as críticas e lacunas existentes na Magna Carta, ela
significou um avanço na garantia de direitos universais e no estabelecimento
do princípio de seguridade social, àquela época em discordância com a
evolução do pensamento econômico mundial. Estes princípios constitucionais
são considerados contra hegemônicos, devido às características já descritas
acerca da ordem econômica mundial, e sua política para os países periféricos.
A perpetuação de crise econômica mundial nos anos noventa acirrou a
tensão entre custo e qualidade dos sistemas de saúde, onde a questão da
eficiência e do bom desempenho tornou-se a pedra de toque das reformas
propostas. Mesmo que garantidos em lei, o que foi um enorme avanço e uma
grande conquista da sociedade brasileira organizada e mobilizada vem
sofrendo sucessivos ataques à sua consolidação. (VIANA, 2005)
33
Viana (2005) cita os três enfoques dados por Freeman e Moran (2000)
sobre a saúde, referindo-se ao papel fundamental da política de saúde no
processo de reconstrução dos sistemas de proteção social europeu, guiado
pelos elos existentes entre três dimensões, a saber: a dimensão da saúde
como sistema de proteção social; a dimensão política da política de saúde e a
dimensão industrial da saúde.
Ao fazer uma análise do caso brasileiro Viana o visualiza da seguinte
forma:
•
A proteção social está presente na conquista da saúde como
direito e dever do Estado;
•
Na política de saúde, o processo de integração de novos atores
na arena política e espaços decisórios e de negociação –
conselhos e comissões – Atores provenientes da esfera política
(prefeitos, governadores e Secretários de saúde) passam a tomar
parte das definições da política, tendo em vista o caráter
federativo do processo de descentralização.
•
A
dimensão
econômica,
consubstanciada
no
nível
de
complexidade advindo da presença de inúmeras empresas
(operadoras e provedoras) na oferta de planos e seguros
privados, bem como da poderosa participação da iniciativa
privada lucrativa na provisão de leitos e serviços diagnósticos e
terapêuticos.
A saúde no Brasil conformou-se em “sociomercados”, envolvendo fortes
interesses representados nos fóruns de decisão política, cuja complexa rede de
34
interligações com o sistema público estatal – na forma de provisão e subsídios
– oferece um caráter específico e particular à saúde, como componente do
sistema de proteção social brasileiro. (VIANA, 2005).
Este é parte do contexto de desenvolvimento da política social
brasileira, de um lado a luta pela democratização do Estado e de outro,
interesses
brasileiras,
econômicos
culminando
internacionais
com
certa
cooptando
elites
convergência
de
tecnocráticas
interesses
descentralizadores e a assunção de alguns direitos pela constituição de 1988.
Contudo, o grande embate se dará no campo do financiamento das políticas
públicas e a conseqüente capacidade de execução do Estado de políticas
sociais universais, equânimes, integrais e participativas.
Nesta interseção de conceitos e diretrizes entre a política econômica
hegemônica e os ideais de políticas públicas que assegure a universalidade e a
equidade com justiça social, estão conceitos que assumem distintas definições
e interesses. Destacamos os conceitos de Pobreza, Participação e equidade,
que na ótica liberal assumem características economicistas, causando uma
descaracterização destes conceitos.
O Banco Mundial inaugura na década de noventa um conceito de
pobreza, de acordo com suas pretensões socioeconômicas. Para esta agência
financeira internacional o conceito de pobreza significa “incapacidade de atingir
um padrão de vida mínimo” (BANCO MUNDIAL, 1990, p. 27)
Acompanhando a linha de pensamento liberal, introduzida com o debate
teórico e político do século XX, para a conceituação de “participação”, há um
emprego dos conceitos de participação política e participação social como
sinônimo. Vianna (2006) esclarece que
35
todavia, o uso clássico do conceito de participação como participação
política difere do uso novo do conceito de participação como
participação social porque o primeiro se refere à participação de todos
os membros da polis – condição de direito (ou de dever) universal -,
enquanto que o segundo se aplica a segmentos específicos da
população: os pobres, os excluídos, as minorias.
(VIANNA, 2006,
p.7)
Já para o alcance da equidade são preconizadas políticas sociais
focalizadas e compensatórias, (BANCO MUNDIAL, 1990) em contraposição as
políticas universais.
2.1 - Focalização: conceitos norteadores
A implementação de políticas sociais nos países da América Latina se
deu de maneira a atender historicamente, as demandas do sistema econômico
vigente. Com isso, visualizamos na história destas políticas públicas, tentativas
de adequação estrutural e operativa, com proposições para as políticas sociais
de novos paradigmas coerentes com as mudanças econômicas e com o
movimento de legitimação do novo modelo de acumulação proposto.
(PINHEIRO, 1995; COHN, 1997; IVO, 2003)
Adequadas ao modelo econômico vigente e preservando algumas
características, convenientemente do modelo anterior, o substitutivo, o modelo
de políticas sociais desenvolvido no Brasil se deu sob a égide dos ajustes
econômicos.
36
Em meio aos ajustes impetrados e a restrição financeira do Estado, o
debate sobre o modelo de política social tornou-se cada vez mais importante,
tornando-se polarizado entre dois estilos de política, a focalizada e a universal.
Segundo Cohn (1995, p. 5), o debate da universalização ou focalização
pautado pela escassez de recursos públicos, acaba por perder conteúdo
substantivo uma vez que não é esta a questão central. As profundas
desigualdades presentes na sociedade brasileira de todas as ordens acabam
por forçar o enfrentamento dos diferentes níveis de pobreza, na medida em que
se formulam “programas e políticas sociais que contemplem a distinção entre aqueles
voltados para o alívio da pobreza e para a superação da pobreza”.(GRIFO
NOSSO).
Para o alívio da pobreza “o que se está em jogo são as políticas de caráter mais
imediato, assistencialista, e na sua grande maioria, focalizadas sobre os grupos mais
vulneráveis (...).”
E no que diz respeito a superação da pobreza,
(...)trata-se de políticas, já num primeiro momento, embora com
horizonte a médio e longo prazos, balizadas pela construção de um
novo modelo de desenvolvimento sustentado, que priorize o
crescimento econômico com equidade social e no qual as políticas
econômicas assumam também a dimensão de políticas sociais.
(COHN, 1995, p. 6).
Linhares (2005) descreve que a focalização abarca diferentes
entendimentos, implicando com isso, formatos de intervenção governamental
que se diversificam no tempo e no espaço. Este autor ressalta que no âmbito
da política estatal, a focalização vem sendo associada a diferentes tipos de
seletividade:
Uma seletividade de funções do Estado que pode ou não vir
acompanhada de uma seletividade de grupos alvo;
Uma seletividade dos gastos públicos e a sua destinação para
segmentos populacionais específicos;
37
Uma seletividade de vulnerabilidade que é o reconhecimento de que
certas intervenções são necessariamente seletivas em relação ao grupo alvo,
sob a ótica da discriminação positiva. (BURLANDY, 2003).
Kerstenetzky (2005) nos traz algumas reflexões importantes acerca do
entendimento dos conceitos de focalização e universalização. Para esta autora
a associação automática de focalização com noções residuais de justiça e da
universalização com a garantia de direitos sociais, são associações errôneas.
Para a decisão de escolha sobre qual modelo de política social irá ser
implementada é imprescindível a decisão prévia de qual princípio de justiça
será utilizado: a “justiça mercado” ou a “justiça redistributiva ou social”.
A família de concepções de justiça de mercado atribui ao mercado a
função de distribuição das vantagens econômicas (...), cabendo ao
Estado de Direito zelar pela lei e a ordem necessárias ao seu
funcionamento(...).(KERSTENETZKY, 2005, p.3)
A autora também traz três sentidos que a focalização das políticas
sociais pode assumir, a saber:
•
Focalização como residualismo – nesse contexto a focalização
aparece como um componente (menor) da racionalidade do
sistema, de sua eficiência global. A verdadeira política social
seria, na verdade, a política econômica (que promove as reformas
de orientação mercadológica, que no longo prazo seriam capazes
de incluir todos). Essa concepção de política social focalizada
rejeita a consideração das desigualdades socioeconômicas como
motivadoras da intervenção pública. (op cit, p.6)
•
Focalização como condicionalidade – (...) defende a focalização
no sentido de busca do foco correto para se atingir a solução de
um problema previamente especificado, portanto, como eficiência
38
na solução desse problema específico. Parte da solução do
problema depende de conhecimento mais denso sobre aspectos
demográficos, sociológicos e territoriais da privação que se quer
atender ou do direito que se quer implementar, além dos aspectos
propriamente econômicos. (KERSTENETZKY, 2005, p. 7)
•
Focalização como ação redistribuição – ação reparatória,
necessária para restituir a grupos sociais o acesso efetivo a
direitos universais formalmente iguais – acesso que teria sido
perdido como resultado de injustiças passadas. Em certo sentido,
essas ações complementariam políticas públicas universais
justificadas por uma noção de direitos sociais, como, por exemplo,
educação e saúde universais, afeiçoando-se à sua lógica, na
medida em que diminuiriam as distâncias que normalmente
tornam irrealizável a noção de igualdade de oportunidades
embutida nesses direitos. (op cit, p.8)
Com isso, a autora descreve também que os sentidos da focalização de
condicionalidade e redistribuição indicam que, a focalização e a universalização
podem se combinar sob a égide da concepção de justiça distributiva.
É
ressaltado ainda que “apenas na acepção restrita de política social residual, a
focalização encaixaria comodamente na visão de justiça de mercado, em sua
versão popularizada na onda do chamado neo-liberalismo.” (op cit, 2005, p.12)
Nessa perspectiva neoliberal, de privilegiamento do mercado, a
focalização está ligada à redução de gastos na área social e a implementação
39
de programas residuais e esporádicos, dirigidos a extrema pobreza.
(LINHARES, 2005).
Em se tratando da política de saúde as reformas encaminhadas na
década de noventa foram fortemente influenciadas pela necessidade de
racionalização da atenção médica, tendo em vista os ajustes encaminhados e
dada configuração da “crise da saúde”, descrita por Mendes(1996).
As orientações propostas para a ordem econômica neo-liberal é no
sentido de as políticas sociais passarem a ter um caráter compensatório, pois
desta forma os impactos destrutivos das políticas de ajuste econômico são
atenuados, preservando o tecido social. (PINHEIRO, 1995). Este mesmo autor
conclui que o caráter focalizado da ação social impetrado “coincide com o
assistencialismo eleitoreiro, necessário para manter o poder das elites
conservadoras.”
Outro problema também que envolve as políticas de focalização reside
no fato que seu paradigma vigente, questiona e substitui a idéia de acesso
universal, desfazendo a função redistributiva no âmbito dos direitos sociais.
(IVO, 2003)
Desta forma, cabe-nos indagar que características da política ou
programa o evidenciam enquanto focalização?
3 - A Emergência da Atenção Primária a Saúde
Considerando a Atenção Primária à Saúde (APS) como eixo condutor
das reformas dos Sistemas Nacionais de Saúde (SNS), na década de oitenta,
consideramos importante a contextualização do seu processo de formulação,
40
implantação e a conseqüente reorientação dos serviços de saúde, induzida
pelas reformas propostas pelas agências internacionais.
Para o entendimento do que representa a APS nos dias de hoje é
importante compreender seu contexto histórico e político de emergência,
identificando diferentes atores e seus interesses. Faz–se necessário também
sua compreensão terminológica, visto que, a palavra primária no português
pode trazer outros significados dificultando o seu estabelecimento estratégico.
A questão intrínseca das características da APS tem implicações
importantes na forma como os sistemas de saúde enfrentam e encaminham
suas ações (FAUSTO, 2005). Acrescentam–se ainda que as simplificações
conceituais são condescendentes com as conjunturas econômicas e políticas
específicas. (TEJADA de RIVERO 2003 apud FAUSTO, 2005).
O conceito de Cuidados Primários de Saúde emerge ao final da década
de sessenta e início de setenta, em um período em que os EUA encontram-se
envolvidos em uma crise de hegemonia mundial. Aliada a esta crise, a
recessão econômica no decorrer da década de setenta, de escala mundial,
desencadeada pela alta repentina do barril de petróleo, influenciando ainda
mais a relação das economias com a sustentabilidade dos sistemas de
proteção social (CUETO, 2004).
Para endossar as preocupações americanas com os custos dos
sistemas de saúde, foram realizados nos EUA diferentes estudos ao longo das
décadas anteriores, que comprovaram o crescente dispêndio com a assistência
médica e a imersão do sistema de saúde norte americano no modelo
flexineriano (ALEIXO, 2002).
41
Em meio à crise, ganhava mais força um movimento dentro das escolas
médicas nos EUA denominado Medicina Preventiva, como uma resposta civil e
liberal aos problemas de saúde da população. (AROUCA, 2003)
As primeiras formulações acerca da APS com o movimento de criação
dos departamentos de Medicina Preventiva, desencadeados a partir da reforma
do ensino médico nos EUA na década de quarenta.
“A Medicina Preventiva é uma nova atitude incorporada à prática
médica e essa atitude deve ser desenvolvida durante o processo de
formação do médico, através de meios e pessoal específicos.”
(AROUCA, 2003, p.172 )
Todo o esforço desencadeado na forma de seminários internacionais
com o objetivo de desenvolver esta área dentro das escolas médicas levou a
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), em 1956, a preparar um
seminário de aprofundamento no tema que foi a base para as discussões do
ensino da Medicina Preventiva na América Latina e marco teórico para esse
movimento: o Seminário de Viña del Mar e Tehuacan. (Arouca, 2003)
A partir das orientações curriculares advindas dos seminários que
sucederam é esboçada a abrangência e definição de APS a ser largamente
debatida nas agências internacionais.
O desenvolvimento da Medicina Preventiva se deu de forma ideológica
“(...) sem, contudo, procurar ser um movimento político que realmente
transformasse a prática.”(Arouca, 2003) Emergia também como movimento
supra-estrutural, desvinculado de sua relação com o Estado, que encontravase em meio à crise econômica.
Posteriormente, a OMS identificou em
diferentes países, boas experiências de assistência médica “primária” a
populações dos países periféricos.
O conjunto de idéias formulado pela Medicina Preventiva influenciou
de maneira importante uma série de medidas e propostas de Atenção
42
Primária em saúde, principalmente a partir dos anos 60. Formou-se, a
partir de então, uma cultura sobre os diferentes momentos da
atenção, em que a Atenção Primária se localiza na fase inicial do
cuidado, antecedendo e definindo uma série de outros cuidados que
deverão ser ofertados por outros níveis de atenção mais complexos.
A Atenção Primária em Saúde surge desta forma, de um movimento
de formação médica e só posteriormente será remetida ao campo de
competências dos serviços de saúde e a organização de suas ações.
(VIANA e FAUSTO, 2005, p. 185-201)
A crise mundial apresentou-se de várias formas, em todos os contextos,
as políticas sociais foram alvos de cortes expressivos de seu financiamento,
somados a isso, um progressivo agravamento das condições de vida nos
países em desenvolvimento, piora do quadro sanitário mundial, ineficiência e
alto custo do modelo de assistência médica flexineriano (ALEIXO,2002).
Dentro das agências como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e
United Nations Children’s Fund (UNICEF), ganharam mais força as propostas
de sistemas públicos de saúde baseadas na prevenção, e não mais sistemas
baseadas na crescente rede hospitalar, que no mundo capitalista ganhava mais
espaço, devido a exploração de seus custos e a alta lucratividade.
O esgotamento do modelo de intervenção vertical largamente difundido
pelos organismos internacionais até meados do século XX, utilizadas no
combate das doenças endêmicas nos países periféricos também estava sendo
cada vez mais criticado.
Corroborando com estes trabalhos e contribuindo ainda mais com o
debate, apareceram publicações como a de John Bryant, intitulada “Helth and
the Developing World” que questionam os sistemas de saúde baseados nos
cuidados hospitalares, a falta de ênfase na prevenção e o baixo acesso aos
cuidados de saúde a mais da metade da população mundial. Outros trabalhos
também vinham chamando a atenção das agências devido à demonstração do
43
alto custo e da baixa efetividade dos cuidados de saúde desenvolvidos até
então. (CUETO, 2004).
Destacam-se a época, os trabalhos de Carl Taylor, fundador presidente
do departamento internacional de saúde da Jhons Hopkins que editou um livro
referente ao modelo de medicina rural para países pobres. Keneth W. Newell,
membro da OMS desde 1967, que avaliou experiências de auxiliares médicos
em países em desenvolvimento no livro “Health by the peoples”. Outro marco
importante foi o documento Lalonde publicado em 1974 que propôs quatro
determinantes de saúde: biológico, serviços de saúde, estilo de vida e meio
ambiente, diminuindo a importância atribuída às instituições médicas. Também
foram identificados alguns trabalhos desenvolvidos fora da comunidade
científica da saúde. O historiador inglês Thomas Meckeon argumentou que o
nível de saúde da população estava menos relacionado com os avanços
médicos do que com o padrão de vida, moradia e nutrição. Ivan Illchis afirmou
também que além de irrelevante a medicina também foi prejudicial porque os
médicos retiraram a “prática de saúde” da população (CUETO, 2004). Uma
outra inspiração importante, na formulação dos cuidados primários em saúde,
foi a popularidade global que a expansão dos serviços de medicina rural
experimentaram na China comunista, os chamados “bare foot doctors”. O autor
relaciona esta experiência com a entrada da China no sistema das Nações
Unidas, dando maior ímpeto e relevância às diferentes experiências no mundo.
No estudo de Cueto acerca do levantamento das influências para formulação
da proposta dos Cuidados Primários também foi citado a parceria da OMS com
a Associação Médica Cristã, que realizava trabalhos de treinamentos de
44
trabalhadores de aldeia com baixo nível educacional, ensinando-lhes métodos
simples de promoção e prevenção e cuidados.
Em 1975, um relatório produzido entre a OMS-UNICEF “Alternative
Approaches to Meeting Basic Helth Needs in Developing Contries”
foi
largamente discutido entre estas agências onde apresentavam-se as principais
causas de morbidade nos países em desenvolvimento, além de examinar
outras bem sucedidas experiências de cuidados primários de saúde em
Bangladesh, China, Cuba, índia, Nigéria, Tanzânia, Venezuela e Yugoslávia,
afim de identificar os fatores chave deste sucesso. Este relatório foi a base
para a formulação, pela OMS, da idéia em Cuidados Primários de Saúde, que
na 28º Assembléia geral, em 1975, foi apresentado como “Programa de
Cuidados Primários, a base para o debate mundial”. (CUETO, 2004).
A década de setenta é considerada como a fase de institucionalização
de programas docente-assistenciais na linha da Medicina Preventiva e
Medicina comunitária que foi entendida como a “Práxis” da “nova medicina”.
Nesta perspectiva a Atenção Primária era interpretada como ações
elementares que todos os serviços de saúde, até os mais simples, deveriam
estar capacitados para provê-los. A partir daí os programas de extensão de
cobertura nascem como principais mecanismos de veiculação da Medicina
Comunitária, com a conseqüente ampliação do acesso aos serviços às
populações carentes (AROUCA, 2003; VIANA e FAUSTO, 2005).
3.1 Alma Ata
É neste contexto de debate acerca da organização, objetivos e
ampliação de acesso aos Cuidados Primários de Saúde que foi realizada a
45
Conferência de Alma Ata em setembro de 1978, organizada pela OMS e
UNICEF. De certa forma, este debate já havia sido iniciado antes mesmo das
décadas de sessenta e setenta, no período em que a Fundação Rockefeller
decidiu financiar a expansão dos Centros de Saúde Pública desenvolvidos nos
EUA no início do século.
Enquanto evento de referência para a definição dos Cuidados Primários
de Saúde, a Conferência de Alma Ata, no Kazaquistão, inscreve-se como
marco conceitual e estratégico, estando presentes representações de Saúde
Pública de diferentes países e correntes políticas, sessenta e sete
organizações internacionais, organizações não governamentais, movimentos
religiosos, entre outros movimentos políticos. A qual teve como objetivo criar
uma declaração universal com três idéias chave (CUETO, 2004):
•
Tecnologias apropriadas, com uma crítica especial ao papel
negativo das “tecnologias orientadas para as doenças” e a
desnecessária criação de hospitais nos centros urbanos dos
países em desenvolvimento.
•
Oposição à medicina elitista com ênfase na especialização da
saúde individual em países em desenvolvimento.
•
O conceito de saúde como ferramenta para o desenvolvimento
sócio-econômico. Saúde e trabalho não deveriam ser percebidos
de
forma
isolada,
e
sim
como
parte
do
processo
de
aperfeiçoamento das condições de vida.
Nas palavras do então diretor geral da OMS e defensor da estratégia de
Cuidados Primários de Saúde, Halfdan T. Mahler of Denmark “a saúde deveria
46
ser um instrumento para o desenvolvimento e não meramente um subproduto
do progresso econômico”. (CUETO, 2004)
A trigésima segunda (32º) Assembléia geral da OMS, em Geneva, em
1979,endossou a Declaração, aprovando a resolução de que os cuidados
primários de saúde seria “a chave para atingir um aceitável nível de saúde para
todos até 2000”, conhecida também como Saúde para todos 2000 (SPT2000)
(CUETO, 2004).
A Atenção Primária a Saúde ficou definida como:
Atenção à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos,
cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados
universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por
meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como
o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um
espírito de auto confiança e auto determinação. É parte integral do
sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque
principal do desenvolvimento social e econômico global da
comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e
da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à
saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e
trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de
atenção continuada à saúde”. (OMS/UNICEF, 1978).
Após um ano de intensos debates internacionais para divulgação da
proposta, dá se início uma diferente interpretação da proposta da OMS de
Cuidados Primários de Saúde, por parte de algumas agências e fundações
internacionais. Esta interpretação diferenciada se dá primeiramente pela crítica
à abrangência e o idealismo presentes na Declaração de Alma Ata, alegando
que o slogan SPT 2000 não era viável e que era necessária a identificação de
estratégias de saúde mais custo-efetivo. Também tinha como pano de fundo a
crise econômica mundial que induzira um esgotamento do financiamento das
políticas sociais, principalmente dos países em desenvolvimento.
Por traz destas críticas, estava a Fundação Rockefeller que patrocinou
em 1979 uma pequena Conferência na Itália intitulada “Helth and population in
47
Development”. Alguns atores e instituições envolvidos nesta discussão já
faziam parte de trabalhos desenvolvidos no processo de implantação de
Centros de Saúde nos EUA nas décadas anteriores, como o médico John H.
Knowles, presidente da Fundação Rockefeller, Robert S. McNamara,
Secretário de defesa dos EUA por duas administrações e atual presidente do
Banco Mundial desde 1968, David Bell, vice-presidente da Fundação FORD,
entre outros.
A presença de McNamara foi fundamental para a participação efetiva do
Banco Mundial nas discussões acerca da pobreza e miséria mundial,
desempenhando um papel estratégico no financiamento de projetos nessa
linha (Cueto, 2004).
Esta Conferência foi baseada em um artigo publicado por Julia Walsh e
Kenneth S. Warren intitulado “Selective Primary Health Care, an Interin
Strategy for Disease Control in Developing Contries”. O artigo buscou identificar
as causas de morte para as doenças mais comuns na infância em países em
desenvolvimento. O nome “Selective Primary Helth Care” (SPHC) foi definido
sob nova perspectiva, o termo significa um pacote de intervenções técnicas de
baixo custo para atacar as doenças de maior incidência nos países pobres.
Após alguns anos o número de intervenções propostas foi reduzido para
quatro,
ficando
conhecidas
como
GOBI6
(Growth,
Oral
rehidration,
Breastfeeding, Immunization). Algumas agências consideraram viável a
proposta e inseriram outras intervenções que como estas são de fácil
mensuração
dos
resultados,
ficando
conhecidas
como
GOBI-FFF
(suplementação alimentar, educação feminina e planejamento familiar).
6
Em 1982 foi lançado pela UNICEF a estratégia GOBI, em meio ao conjunto de esforços em favor da
Revolução da Sobrevivência infantil, com apoio de organizações internacionais e entidades
governamentais nacionais.
48
Os
cuidados
primários
seletivos
atraíram
a
ajuda
de
alguns
patrocinadores e admiradores. Um deles foi James Grant, economista formado
em Harvard, atuando na China pela Fundação Rockefeller, que no início da
década de 1980, assumiu o cargo de diretor executivo da UNICEF, voltando
àquela agência para o incentivo aos Cuidados Primários Seletivos de Saúde,
junto com o Banco Mundial. (Cueto 2004).
Vale citar aqui uma consideração dos trabalhos desenvolvidos pela
Fundação Rockefeller, instituição que incentivou a adoção deste tipo de
política. Estes trabalhos tinham como característica a filantropia, caridade, não
se configuravam como uma política destinada a toda população, e sim, só para
os miseráveis.
Estas estratégias seletivas foram difundidas nos países pobres e em
desenvolvimento, por serem de baixo custo e de fácil mensuração de seu
impacto. No Brasil o impacto da estratégia da Terapia de Rehidratação Oral
(TRO) e incentivo ao aleitamento materno são emblemáticos e expressam os
avanços conseguidos com a redução da mobimortalidade infantil na década de
1980. Estas ações tinham como principal porta voz no Brasil a UNICEF, que
realizou algumas parcerias com o governo brasileiro e instituições não
governamentais para a difusão destas estratégias. Com isso, a década de 80
ficou marcada também pela entrada em cena de políticas sociais focalizadas,
concomitante com a proeminência de instituições financeiras como o Banco
Mundial nos debates do setor saúde.
Ao mesmo tempo a OMS liderou importantes programas verticais em
áreas como imunização, controle da diarréia e das infecções respiratórias
agudas. Aumentos significativos da cobertura destas intervenções foram
49
documentados e a mortalidade infantil declinou enormemente. (Victoria &
Barros, 2005).
3.2 - Os programas de extensão de cobertura
O período que se inicia em 1964 com o regime militar é considerado
como sendo um período que privilegiou o desenvolvimento econômico e o
controle político, como estratégia de desenvolvimento nacional, a racionalidade
das políticas adotadas era resumidamente explicada pelo propósito de “fazer o
bolo crescer para depois dividi-lo”. O estilo de planejamento adotado pelo
Estado (PAEG, Plano Decenal, IPND) subordinava as políticas sociais à
política econômica. As estratégias de desenvolvimento privilegiavam a
centralização e a incorporação do discurso e da prática do planejamento
servindo como instrumentos técnico-burocráticos, no sentido de se alcançar
esta racionalidade junto aos aparelhos do Estado. (SIMÕES, 1986; FAUSTO,
2005).
Já sob esta influência, no âmbito da saúde, ocorrem modificações tanto
no Ministério da Saúde quanto na Previdência Social ocorrendo reorganizações
internas, com a formação de grupos de trabalho. É neste período que também
ocorre a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP’s) no
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) (1967), centralizando os
recursos financeiros e o poder de decisão na área da saúde, fortalecendo mais
a Previdência e fragilizando o Ministério da Saúde, que tem sua participação no
orçamento da saúde cada vez menor. Esta política de saúde adotou um
50
modelo de atenção direcionado para as práticas médicas curativas,
privilegiando o financiamento do setor privado. (SIMÕES, 1986; FAUSTO,
2005).
Em 1974, é criado o Ministério da Previdência e Assistência Social, que
segundo Simões (1986) é a continuidade de um processo de expansão do
setor previdenciário, ficando claro os rumos que o setor saúde vinha tomando.
A autora ilustra da seguinte forma:
(...) capitalização acelerada, expansão do setor empresarial privado
com privilégio da assistência médico-hospitalar e uso intenso de
tecnologias. Ao nível da assistência prestada isso repercutia em altos
custos, baixa eficácia, multiplicidades de modalidades assistenciais
com exclusão de grandes grupos populacionais do acesso ao
consumo de serviços.(SIMÕES, 1986, p. 555)
Após 1974, com o fim do período de expansão econômica ficam cada
vez mais latentes os questionamentos acerca dos rumos da política social e a
sua submissão à política econômica. A abertura política ganha força e com isso
uma maior liberdade para os questionamentos e encaminhamentos da política
social em curso.
Em 1976, foi criado o Sistema Nacional de Saúde (SNS), a partir da Lei
6.229 com base nas diretrizes do II Plano Nacional de desenvolvimento,
elaborado em meio à gradual abertura política. O Sistema Nacional de Saúde
criado definiu as competências da União quanto o setor saúde, através dos
Ministérios, estados e municípios.
Para Simões (1986), essa lei acaba por institucionalizar a dicotomia da
assistência à saúde quando atribui ao Ministério da Previdência e Assistência
Social, os cuidados curativos reabilitadores – individuais e ao Ministério da
Saúde e as secretarias de saúde ações preventivas – coletivas. Outros autores
51
como Rosas, (1981, p. 101) acrescenta que a criação do Sistema Nacional de
Saúde
(...) não definiu claramente as formas de financiamento da cobertura
de saúde, não tocou na produção e circulação de medicamentos nem
na definição de tecnologias apropriadas, e, principalmente, não trata
da participação dos usuários nas decisões e políticas adotadas.
Contudo, o autor descreve que mesmo com todas as falhas, a lei do
SNS ajudou a abrir espaços e a fortalecer programas mais gerais e universais
de extensão de cobertura como o Programa de Interiorização das Ações de
Saúde e Saneamento (PIASS) e, posteriormente, o Programa de Serviços
Básicos de Saúde (PSBS) do Ministério da Saúde.
Outras medidas foram tomadas para dar conta dos problemas na área
da saúde, formulação do Plano de Pronta Ação – PPA, criação do Fundo de
Assistência Social – FAS. Entretanto, com uma interpretação reducionista da
crise, como decorrente de uma irracionalidade administrativa, reforçando a
utilização do planejamento como instrumento de reorganização do setor.
Cabe ressaltar que o modelo de planejamento em voga era o
planejamento
normativo,
entendido
enquanto
método
de
seleção
de
alternativas que otimiza a relação entre objetivos e instrumentos com o
propósito de crescimento, entendendo o crescimento sob uma ótica
desenvolvimentista, ou seja, a solução para o subdesenvolvimento. (MATUS,
1978 apud GIOVANELLA,1991).
Estas medidas implementadas com o intuito de organizar a atenção à
saúde, de certa forma impuseram uma desarticulação maior da política
nacional de saúde, que somadas às precárias condições de saúde da
população, a maioria sem acesso ao sistema previdenciário e a insuficiência de
52
serviços públicos, propiciaram a implementação de experiências de atenção à
saúde definidas como programas de medicina simplificada (TESTA, 1985).
Estas e outras experiências, apoiadas por organismos internacionais,
desenvolvidas pelos recém instituídos Departamentos de Medicina Preventiva,
vinculados às escolas de medicina, dá-se prosseguimento a uma série de
experiências em Medicina Comunitária, em várias localidades do país. Alguns
destes programas faziam parte de iniciativas de interiorização da prática
médica, em meio ao vazio assistencial das populações rurais e de baixa renda,
excluídos do processo e da política de desenvolvimento levada pelo país, que
até então só assegurava benefícios aos economicamente ativos, ou seja,
inseridos no mercado de trabalho formal.
O discurso emergente da medicina preventiva reforçando a idéia de que
apesar do discurso acenar para mudanças na educação e na prática médicas,
esta se mostrava incapaz de realizar tal mudança. A medicina preventiva é
entendida enquanto uma forma liberal e civil de resposta aos problemas de
saúde e do sistema de serviços de saúde da sociedade americana, “transferida
para os países sob sua órbita de influência.” (AROUCA, 2003)
É importante também ressaltar a carta de Punta Del’Este como marco da
introdução do planejamento social e sanitário, ao qual são introduzidos a
programação em saúde. Esta carta foi o resultado de uma reunião de Ministros
do Interior das Américas, promovida pelos EUA, através da Organização dos
Estados Americanos (OEA), com o objetivo de conter o socialismo na América
Latina, onde foi lançado o programa “Aliança para o Progresso”. Este programa
era parte da política norte-americana do período Kennedy que colocava ênfase
nos obstáculos internos ao desenvolvimento, considerando os problemas
53
sociais e políticos como obstáculos. Através do financiamento de projetos
sociais (via agências internacionais) pretendia-se contrapor a expansão das
idéias “socializantes”. (GIOVANELLA, 1991).
No que diz respeito à saúde, a carta estabelece objetivos e metas que
deveriam ser alcançadas pelos países signatários da carta para o decênio,
como diminuição da mortalidade para certas idades e doenças preveníveis;
saneamento e alimentação; organização dos serviços de saúde e planejamento
de saúde. A Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS ficaria
encarregada de avaliar os projetos elaborados, objetivando o alcance das
metas estabelecidas, assessorar os países na elaboração de seus planos e de
ser a fiadora, frente as agências financiadoras. (OPS/OMS, 1971 apud
GIOVANELLA, 1991)
Os Programas de Extensão de Cobertura (PEC’s), no Ministério da
Saúde, emergem neste contexto, com o objetivo de ampliação do acesso aos
serviços de saúde a grupos populacionais até então excluídos, especialmente
de zonas rurais e baixa renda:
Estes programas assumem os princípios da medicina comunitária,
tais como: privilégio da atenção primária, ênfase na forma e utilização
de pessoal de nível médio e elementar, as equipes profissionais, a
integração ensino-serviço, a utilização de tecnologia apropriada e a
participação comunitária (SIMÕES, 1986 p. 112).
A autora considera que esta proposta se configurou na possibilidade de
expandir um modelo médico de baixo custo, complementar ao modelo médicohospitalar hegemônico com o potencial de dar resposta às demandas das
populações marginalizadas.
Com isso, começaram a surgir propostas no Ministério da Saúde com
apoio da OPAS, com desdobramentos no interior das Secretarias Estaduais de
54
Saúde (SES), como o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de
Saúde (PPREPS) em 1975 e o Programa de Interiorização das Ações de
Saúde e Saneamento no Nordeste (PIASS), estendida para todo o território
nacional em 1979.
Nota-se que aqui o apoio das agências internacionais não era ainda
condicionador da adoção de políticas setoriais e nas de transmissão de
tecnologias e influência setorial (saúde).
Em discurso oficial, em 1975, na Escola Superior de Guerra, José Carlos
Seixas, então Secretário Geral do Ministério da Saúde, declara que faz parte
da política oficial do Ministério
o aumento da cobertura, procurando atingir toda população
desassistida, através de ações simplificadas de saúde, com seus
componentes de descentralização e hierarquização de serviços de
acordo com sua complexidade (ROSAS, 1981, p. 556).
À parte da política de saúde oficial, desenvolveram-se também alguns
programas de saúde comunitários, na tentativa de viabilizar modelos
alternativos de extensão de cobertura no Brasil e que contavam também com o
apoio de instituições internacionais, em convênio com os Departamentos de
Medicina Preventiva, a exemplo da Própria OPAS, Fundação Kellogg,
Rockefeller, Ford e outras. (ROSAS, 1981; FAUSTO, 2005).
Algumas dessas fundações, já eram antigas conhecidas nossas, na
medida em que participaram da implantação dos primeiros centros de saúde no
Brasil, com algumas características que se identificavam,como a implantação
de serviços de saúde para populações marginalizadas, nas décadas de 1910 e
1920 (Labra, 1985; Faria, 1995; Castro Santos, 2002). Destas experiências,
identificam-se duas vertentes que culminaram na configuração de Atenção
Primária a Saúde enquanto diretriz política de saúde oficial: Os programas de
55
extensão de cobertura, cujo desenvolvimento manteve estreita relação com os
programas de cooperação internacional e os programas de interiorização da
prática médica, que fundamentaram a formação do desenvolvimento das
propostas de sistemas locais de saúde.
Aliados aos convênios firmados entre as agências e os Departamentos
de Medicina Preventiva, secretarias estaduais e municipais de saúde
experimentaram um processo de articulação institucional, induzindo, de certa
forma, uma resposta do governo federal e configurando-se com isso, na
formação do movimento sanitário brasileiro. (SIMÕES, 1986; AROUCA, 2003;
FAUSTO, 2005).
Entre os diferentes programas de extensão de cobertura, destacam-se
cinco experiências como precursores no Brasil, do modelo de cuidados
primários de Saúde, após o período “sespiano”, da seguinte forma (ROSAS,
1986):
A implantação de “mini-postos” de saúde, criados pela EMATER nos
estados do nordeste, principalmente no Rio Grande do Norte, na década de
1970. Esta experiência chamou a atenção de técnicos do Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) / Secretaria de Planejamento
(SEPLAN) e Ministério da Saúde, que atuavam junto aos processos de
interiorização das ações de saúde. Estas unidades ou mini-postos eram
operados por auxiliares de saúde de nível elementar e contribuíram para o
desenvolvimento das estratégias que geraram posteriormente o Programa de
Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS). Os técnicos destas
autarquias passaram alguns períodos em visitas a estas unidades para
conhecer melhor, in loco o trabalho desenvolvido por estes profissionais.
56
A experiência desenvolvida pela Secretaria de Saúde de Minas Gerais, o
projeto do Vale do Jequitinhonha, que antecedeu o projeto Montes Claros, “não
só na cronologia, como na seqüência da evolução das concepções e
propostas” (ROSAS, 1981.). Também considerado como precursor das
propostas de regionalização da assistência, devido ao estabelecimento de uma
estrutura de serviços regionalizada e integrada já em seu projeto. Esta
estrutura deveria estar garantida já no processo de implantação do projeto,
para que a proposta tivesse êxito.
O projeto foi considerado como uma
proposta de expansão da rede de forma integrada e racionalizadora, voltado
para o desenvolvimento da melhor eficiência dos “programas especiais e
projetos de controle de algumas doenças como chagas, tuberculose, “lepra”,
imunopreviníveis, etc”. (ROSAS,1981) Para seus idealizadores a proposta
procurava “aumentar a penetração dos programas verticais”. Com isso, ela
estaria mais próxima das idéias do modelo CENDES/OPAS de planejamento.
Em 1974, foi firmado um convênio entre a United States Agency for
International Development (USAID) e o governo brasileiro para viabilização do
projeto Montes claro. Com isso, ficaria estabelecido a implantação de três
projetos regionais de integração de serviços de saúde, com o componente de
extensão de cobertura, a serem implantados em Montes Claros(MG), Caruaru
(PE), e Patos (PB). Os recursos seriam recebidos, da USAID, para o Ministério
da Saúde e este repassaria para os estados. Mais tarde a Secretaria de Saúde
da Paraíba, desistiu de implementá-lo, restringindo o projeto apenas nos dois
outros estados. A proposta inicial era a de implantar sistemas regionais de
saúde, com articulação e integração das diferentes instituições que atuam na
região. (ROSAS, 1981).
57
As concepções de Caruaru e Montes Claros surgiram na mesma época,
1974,
e
incluíam
as
idéias
de
“racionalização,
eficiência
gerencial,
regionalização, participação comunitária, utilização ampla de pessoal auxiliar,
ações simplificadas de saúde e integração de ações curativas e preventivas”.
Seus desenvolvimentos tomaram rumos diferentes, na medida em que,
em Montes Claros experimentou-se um grau maior de autonomia, sendo suas
idéias e modelos testados a cada momento, na prática, e adaptados à
realidade e necessidades dos serviços. Já em Caruaru, havia uma maior
rigidez na aplicação das técnicas e métodos de planejamento desenvolvido
pela OPAS e aplicado mecanicamente à realidade. De certa forma, a
experiência de Montes Claros foi mais exitosa de que a de Caruaru, com a
possibilidade de construção de um projeto alternativo desenvolvido de forma a
atender as necessidades loco regionais.
Os
projetos
Caruaru
e
Montes
Claros,
posteriormente,
foram
incorporados ao PIASS, como um programa de extensão de cobertura mais
amplo.
O Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
(PIASS), em consonância com as deliberações da V Conferência Nacional de
Saúde, vinha preocupando-se mais com as questões de expansão da
cobertura, chegando a seguinte conclusão:
É importante a extensão das ações de saúde às áreas rurais e às
periferias urbanas (...), dada as condições de vida e acesso aos
serviços de saúde da população rural brasileira (Anais da V CNS,
1975).
Era consenso também um problema que perduraria até os dias de hoje,
a questão de recursos humanos para atuar nas ações básicas:
58
Seria utópico imaginar que a extensão das ações de saúde ao meio
rural poderia ser obtida nas próximas décadas por intermédio da
atuação permanente e direta de médicos, enfermeiros, veterinários,
engenheiros e dentistas, entre outros. O caminho a seguir será então
recorrer aos auxiliares devidamente capacitados para exercerem uma
série de funções delegadas, com supervisão e apoio periódico da
enfermeira de área e do médico. (...) para isso é indispensável,
entretanto, a participação da comunidade. (Anais da V CNS, 1975).
A Conferência também expressa em suas conclusões e recomendações
algumas características de seus objetivos, muito peculiar aos objetivos
declarados no processo de implantação dos primeiros Centros de Saúde no
Brasil e outros que evidenciamos até os dias de hoje:
(...) há a necessidade de interiorizar as ações básicas de saúde
através de estruturas permanentes e simplificadas, integrando órgãos
e entidades do setor saúde, visando: ações simplificadas de
assistências médico sanitárias voltadas prioritariamente ao grupo
materno infantil; o uso de pessoal auxiliar recrutado e selecionado em
nível local (...) Tal pessoal deverá receber treinamento ajustado as
ações a serem executadas; necessidade de supervisão de pessoal
técnico de acordo com mecanismos pré estabelecidos. (Anais da V
CNS, 1975).
Com a legitimidade conquistada a partir de experiências exitosas e o
apoio institucional reforçado na V Conferência Nacional de Saúde, articulam-se
no interior do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), responsáveis
pela proposta em desenvolvimento do Programa Nacional de Alimentação e
Nutrição (PRONAN), que ganhou notoriedade a partir do êxito alcançado, e
junto a SEPLAN, órgão responsável em última instância pela liberação das
verbas para os programas sociais do governo, uma proposta de trabalho que
abriria caminho para elaboração e aprovação do PIASS (Rosas, 1981).
A partir do consenso do Ministério da Saúde e do IPEA, sobre a idéia
geral da proposta, forma-se um grupo de trabalho entre os técnicos das duas
instituições. Os técnicos indicados do Ministério da Saúde eram da Fundação
Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP), que no decorrer das discussões
59
apresentavam divergências com os técnicos do IPEA, na medida em que eram
postas na mesa as experiências anteriores: a da FSESP, as propostas de
municipalização dos serviços de saúde da II CNS, os “mini-postos” da
EMATER no nordeste, os quais o IPEA conheceu “in loco” e os Programas de
Caruaru (PE) e Montes Claros (MG). (ROSAS, 1981).
Em meio às divergências de opiniões, de um lado os técnicos do MS
valorizando a experiência da FSESP, do outro, os técnicos do IPEA,
defendendo a idéia central da “municipalização dos serviços de saúde”, deuse continuidade às discussões, contudo, com um grupo reduzido aos técnicos
do IPEA. Para estes o que se queria não era uma ampliação do modelo
“sespiano” sem a reprodução de um modelo vertical e centralizador para
estados e municípios. (ROSAS, 1981)
Foram definidas áreas de atuação do PIASS, com base nas
necessidades regionais e populacionais onde não houvesse conflitos de
interesses privados da assistência médica e previdência social. A região
nordeste foi escolhida como área prioritária (polígono das secas) por vários
motivos incluindo, menor renda per capta, alta mortalidade geral e falta de
abastecimento de água (ROSAS,1981).
Cabe ressaltar também outro embate durante a elaboração do PIASS,
que diz respeito às relações com agências internacionais, no caso o Banco
Mundial. Os técnicos do IPEA relataram que à época houve pressões no
sentido de incluir o controle da natalidade, com a proposta de financiamento de
parte dos gastos na implantação do Programa pelo BIRD, fato que foi recusado
pelo grupo do IPEA. Esta foi adiada para a década de oitenta.
60
Quanto a elaboração da proposta do PIASS, Rosas, (1981) identifica
duas divergências principais: Quanto ao modelo a ser adotado “ sespiano”
versos municipalização, regionalização e divergências políticas quanto ao
financiamento entre o Ministério da Saúde e IPEA com a Previdência
Social/INAMPS.
Em 18 de agosto de 1976 é lançado o PIASS pelo Grupo Executivo
Interministerial (Ministério da Saúde, do Interior, da Previdência e Assistência
Social e Secretaria de Planejamento) com seu objetivo definido no 1º artigo:
Fica aprovado o Programa de Interiorização das ações de
saúde e saneamento no nordeste, para o período 1976/1979, com a
finalidade de implantar estrutura básica de saúde pública nas
comunidades de até 20.000 habitantes e de contribuir para a melhoria
do nível de saúde da população da região.
A duração prevista para o Programa inicialmente era de quatro anos, e
teve como meta, implantar sua infra-estrutura até 31 de dezembro de 1979. A
partir de 1980, as unidades implantadas passariam à responsabilidade dos
sistemas estaduais de saúde, posteriormente o Programa foi expandido para
todo território nacional. (ROSAS, 1981).
No início da década de oitenta, procurou-se consolidar o processo de
expansão da cobertura
assistencial, em
atendimento
às proposições
formuladas pelos organismos internacionais, mais precisamente pela OMS.
Sob o título de “Extensão das Ações de Saúde dos Serviços Básicos” é
realizada em 1980 a VII Conferência Nacional de Saúde no Brasil. Em discurso
oficial o então, Ministro de Estado da Saúde, Waldyr Mendes Arcoverde
declarou que “Diante do panorama inquietante, o conceito de Atenção Primária
61
da Saúde é a resposta mais promissora até hoje apresentada...” (Anais da VII
CNS,1980; SIMÕES,1986).
Ressalta-se com isso a Conferência Internacional de Alma-Ata,
realizada em 1978 pela UNICEF e OMS, como exemplo internacional que
representou um marco nos debates e nos rumos das políticas de saúde no
mundo,
reafirmando
a
saúde
como
direito
humano
fundamental.
(UNICEF/OMS, 1979)
O principal tema da CNS foi o de proporcionar um debate amplo acerca
dos temas relacionados à implantação e ao desenvolvimento do Programa
Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE), sob a égide dos
Ministérios da Saúde e da Previdência Social. Ficou explícito nos sub-temas da
Conferência as diretrizes que seriam debatidas para o aperfeiçoamento da
proposta e o rumo que estava sendo dado para a política de saúde brasileira,
sob forte influência de experiências nacionais e internacionais:
1-
Regionalização e Organização dos serviços de saúde nas
Unidades Federadas;
2-
Saneamento e habitação nos serviços básicos de saúde – O
PLANASA e o saneamento simplificado;
3-
Desenvolvimento de Recursos Humanos para os Serviços
Básicos;
4-
Supervisão e educação continuada para os serviços básicos;
5-
Responsabilidade
e
articulação
Interinstitucional
(níveis
Federal, estadual e municipal). Desenvolvimento Institucional e
da infra-estrutura de apoio aos estados;
6-
Alimentação e nutrição nos Serviços Básicos de Saúde (SBS);
62
7-
Odontologia e os Serviços Básicos de Saúde;
8-
Saúde mental e doenças crônicas e os SBS;
9-
Informação e vigilância epidemiológica nos SBS;
10-
Participação comunitária e os Serviços Básicos de Saúde;
11-
Articulação
dos
Serviços
Básicos
com
os
serviços
especializados no sistema de saúde;
Com isso, o Ministério da Saúde definiu no documento Proposições de
diretrizes que sua
ação estará voltada, fundamentalmente, para implantação e
desenvolvimento de Serviços Básicos de Saúde, com cobertura
universal, e sob a responsabilidade direta do setor público, sem
prejuízo de um setor independente. (ANAIS da VII CNS, 1980)
A proposta do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
(PREV-SAÚDE) foi estruturada e debatida na conferência, tendo como principal
objetivo a
extensão dos serviços de saúde a toda a população brasileira, o mais
rapidamente possível, implicando em uma implantação acelerada de
uma rede básica de unidades de saúde de cobertura universal com
prioridade para as populações rurais, de pequenos centros e de
periferia das grandes cidades.(ANAIS da VII CNS,1980).
A proposta também previa um “(...) núcleo mínimo de ações e da
máxima simplificação recomendável de tecnologias e de recursos utilizados”.
Para tanto, serviram de modelo de infra-estrutura o PIASS e algumas unidades
de saúde do Nordeste, para as Zonas rurais, servindo de modelos ajustáveis as
condições distintas do restante do País. Aplicando-se também nos médios e
grandes centros, um atendimento diferenciado, adequado ao perfil e
características sócios demográfica e epidemiologicamente definidos. A
responsabilidade do PREV-SAÚDE seria unicamente do setor público, com
uma integração entre os Ministérios da Saúde e da Previdência Social, em um
63
esforço coordenado. A descentralização decisória e operacional e a provisão
de apoio necessário aos níveis estadual e municipal também seria fator
essencial, sem com isso, haja um prejuízo das funções normativas, de
condução política e planejamento da União.
Os estados eram induzidos a assumirem responsabilidades pouco
desenvolvidas em seu contexto operacional, político e institucional. Esperavase com o apoio da União, que os estados desenvolvessem seu papel nos
campos da regionalização e descentralização, capacitando operacional e
gerencialmente os municípios no desempenho de suas funções.
Na realidade a proposta do PREV-SAÚDE não se efetivou, sendo logo
seguido pelo Plano do Conselho Nacional de Administração da Saúde
Previdenciária (CONASP), em 1982, a partir do qual foi implementada a política
de Ações Integradas de Saúde (AIS), em 1983.
Nesta Conferência, cabe ressaltar também as discussões e proposições
referentes ao sub-tema “Educação e saúde: por uma participação solidária na
promoção social”. Sua ligação com os Serviços Básicos de Saúde é
apresentada pela Conferência por dois elos tidos como fundamentais, a
quantidade de profissionais suficientes e a qualificação adequada: a formação
de recursos humanos necessários ao processo de expansão dos serviços e a
conseqüente extensão do cuidado em saúde à população mais carente,
proporcionará um impacto positivo sobre os programas educacionais, culturais
e desportivos?
De acordo com as deliberações da Conferência, ao nível educacional, o
PREV-SAÚDE tinha seu correspondente no setor educacional, para a
promoção da extensão dos Serviços Básicos de Saúde, através do PRO-
64
SAÚDE. Este programa tratava do desenvolvimento de duas linhas
programáticas básicas - educação no meio rural e educação nas periferias
urbanas.
Segundo suas linhas programáticas estas estratégias visavam à
universalização do acesso ao processo educativo-cultural e desportivo das
populações mais carentes. Buscar se ia a integração com outros programas
como o PRONAN.
A formação de recursos humanos para os Serviços Básicos de Saúde
constituiu-se outro ponto de convergência entre os programas educacionais e
de saúde, na medida em que formam profissionais e leigos nas diversas
modalidades de agentes de saúde em nível de 2º grau.
Outro aspecto importante é a integração da política em curso com as
universidades. Cabe aqui ressaltar, que as proposições dizem respeito ao
processo de formação de RH e a importante participação das Universidades
neste processo formativo, visto que a Universidade é uma importante parceira
no estabelecimento da articulação dos diferentes níveis (primário, secundário e
terciário), com o conseqüente estabelecimento de “redes” de cuidados
integrados e regionalizados.
3.3 Ações Integrais de Saúde
A partir de 1981, com a crise instalada no país, manifestada
principalmente pelo déficit na Previdência Social e recursos financeiros mal
administrados, levou o governo Figueiredo a criar o Conselho Consultivo da
Administração de Saúde Pública (CONASP). Este foi criado através do decreto
65
86.329 de 2 de setembro de 1981 e teve como objetivo definir, em caráter
emergencial e sob uma ótica racionalizadora dos gastos da Previdência Social,
o fortalecimento e a unificação do setor público.
O CONASP elaborou um plano de reorientação da assistência a saúde
no âmbito da previdência social, que englobava os programas de extensão de
cobertura, a nível primário, em uma perspectiva de descentralização e
unificação das ações.
O documento intitulado “Plano de Reorientação da
Assistência à Saúde”, foi promulgado pela portaria 3062, de 23 de agosto de
1982, e tinha como pontos principais: a priorização das ações primárias de
saúde, a integração das instituições de saúde mantidas pelos governos federal,
estadual e municipal, inclusão da população rural, utilização plena da
capacidade de produção de serviços.
Em 1983, os Ministérios da Previdência e Assistência Social
(MPAS), o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Educação e
Cultura
(MEC)
desenvolveram
uma
estratégia
de
integração
programática com vistas ao desenvolvimento dos sistemas estaduais.
Foi criado o Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS), como uma
proposta não hegemônica, no conjunto de medidas racionalizadoras até
então desenvolvidas, para repasse de recursos à rede pública. A
proposta apontava para princípios descentralizadores, ao transferir a
gestão
destes
recursos
para
o
nível
estadual
e
municipal,
democratizantes, ao propor a universalização do atendimento e a
participação social. Com base nas propostas do Plano CONASP, o
Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS) foi desenvolvido e em
66
1983 e o estado do Rio de Janeiro foi o primeiro a assinar o convênio
com a União. (ESCOREL, 1990)
Posteriormente, em 1985, uma portaria interministerial determina que as
Ações Integradas de Saúde (AIS) “passem a ser a estratégia governamental
para reorientação do Sistema de Saúde”. O objetivo do convênio foi o de
reorganizar o sistema estadual de saúde, a partir da integração. Segundo o
relatório técnico de desenvolvimento das AIS, esta proposta representou na
prática uma mudança radical nas atividades da Previdência Social, modificando
sua atuação de mero agente financiador e comprador de serviços de saúde,
para um indutor organizacional do processo de integração, racionalização,
regionalização e hierarquização do
Sistema.
Este relatório, além de
reconhecer que o CONASP coloca em prática princípios das propostas de
reorientação à saúde previdenciária legitimados na CNS, “inaugura uma fase
de reconhecimento formal de uma proposta veiculada pela OPS e defendida
pelo movimento sanitário.” (ESCOREL, 1990).
As Ações Integradas de Saúde (AIS) deram grande impulso político aos
níveis sub-nacionais de governo, reforçaram o processo de descentralização
do sistema e foram responsáveis por expandir a infra-estrutura da rede física
de cuidados básicos de saúde, “(...) essencial ao posterior desenvolvimento da
universalização.” (LEVCOVITZ, 1997)
Ao se avaliar o desempenho das AIS, identifica-se que essa estratégia
foi responsável pelo fortalecimento dos órgãos públicos, devido ao aporte de
recursos do INAMPS para as unidades estaduais e municipais, pela introdução
do conceito de rede integrada e hierarquizada de serviços no conjunto de
preocupações das SES e SMS e grande indutor da entrada, no cenário político,
67
de atores com representatividade social e extra setorial como prefeitos e
governadores. Alguns entraves também foram percebidos como incapazes de
serem resolvidos pela estratégia das AIS, como o paralelismo das ações, a
superposição de funções de comando e a centralização do poder decisório no
âmbito federal, tornando as AIS limitada enquanto estratégia descentralizadora.
No meio da década de 1980, o movimento municipalista ganha um
reforço nas suas deliberações e proposições com a divulgação da “Carta de
Montes Claros”, também conhecida como Muda Saúde. Este documento foi
divulgado em fevereiro de 1985, como marco referencial de um novo
movimento municipalista, no IV Encontro Municipal do Setor Saúde e III
Encontro Nacional de Secretários Municipais de Saúde em Montes Claros. A
Carta apresentava como pressuposto básico de todas as propostas referidas a
“participação popular em todos os canais decisórios e em todos os níveis,
visando a formulação, a execução e o controle das medidas governamentais”.
Quanto
à
questão
da
municipalização,
que
nos
remete
ao
desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde, enquanto parte da política de
saúde vigente, recomenda-se, além de outras: a prioridade para rede própria
municipal de unidades de APS. O hospital e o pronto socorro municipais,
quando existirem, devem ter a participação majoritária da união e estado no
seu custeio. O que se entendeu por APS, neste encontro, foi o elenco de
atividades exercidas por profissionais não especializados, apontadas em
técnicas de manejo simples, sólido embasamento técnico científico e custos
compatíveis com grande cobertura populacional, com finalidade de: a)
promover e proteger a saúde através de educação para saúde, vacinação
saneamento e prestar primeiro atendimento;
b)
prestar atendimento de
68
segmento para os casos mais simples; c) encaminhar os casos mais
complexos para ambulatório especializado ou hospital; d) facilitar aos auxiliares
de saúde e à população o acesso, os conhecimentos e a prática de APS;
Em relação aos demais órgãos de saúde a “Carta de Montes Claros”
descreve que deve ser observada, principalmente a integração e racionalização
dentro das metas de hierarquização e regionalização onde a rede de APS
passe a ser a porta privilegiada de entrada, dentre outros requisitos essenciais
ao processo de municipalização.
Estes e outros princípios e diretrizes seriam apresentados ao presidente
Tancredo Neves, através da Carta, como pontos imprescindíveis para as
mudanças necessárias ao setor saúde. (Montes Claros, 1985)
A universalização também foi debatida e deliberada neste e em outros
fóruns de discussão, como condição sine qua non do novo sistema. Em termos
práticos, no período, foram suprimidas algumas Portarias Ministeriais que
restringiam o acesso aos serviços, em especial os de maior complexidade e
custo. As unidades públicas universitárias e filantrópicas foram as primeiras a
serem contempladas. (RADIS, 1988; LEVCOVITZ, 1997)
Com isso, o “Movimento de Reforma Sanitária” ganha força, apoio e
expressão nacional, mas ainda com algumas tensões entre os atores técnicospolíticos dos órgãos governamentais federais. A estratégia desenvolvida foi a
de expandir as discussões para toda a sociedade, aprofundando as discussões
político-ideológicas das propostas reformistas, através da organização da 8º
Conferência Nacional de Saúde – CNS, efetivada pelo decreto 91.466 de 23 de
julho de 1985.
A realização da 8º CNS buscava, finalmente, consolida o longo
processo político-ideológico de afirmação do corpo doutrinário de
69
proposições para reforma do sistema e legitimá-lo frente à
Assembléia Nacional Constituinte – ANC (LEVCOVITZ, 1997, p.84)
A 8º CNS inscreveu-se como um marco da década de oitenta, tendo seu
relatório final sido utilizado como base do texto constitucional em 1988, seguido
da aprovação da Lei Orgânica da Saúde – LOS (Lei nº 8080 e 8142 de 1990).
Segundo Arouca, (1988)
(...) ao entendermos a Reforma Sanitária como um processo de
transformação que busca elevar através de vários elementos o nível
de vida da população, podemos considerar que o ciclo iniciado pela
8º CNS e encerrado com a aprovação do texto constitucional
representou a base fundamental para o desenvolvimento deste
processo no Brasil. (RADIS, 1998, p. 16)
De acordo com o relatório final da 8º CNS os principais temas debatidos
foram as proposições de todo o “Movimento de Reforma Sanitária”,
intensamente articulado durante a década, como:
1) Conceito de saúde relacionado com seus determinantes e
condicionantes sociais;
2) Saúde como direito inerente à cidadania;
3) Saúde como direito de todos e dever do Estado;
4) Natureza pública das ações e serviços de saúde;
5) Reformulação do Sistema Nacional de Saúde;
6) Sistema Unificado de Saúde como instrumento de garantia da
universalização e equidade;
7) Unificação institucional dos serviços de saúde;
8) Hierarquia dos atos e serviços de cuidados médicos, em rede
regionalizada de serviços;
9) Financiamento do setor saúde;
10) Participação social e popular em saúde;
70
11) Descentralização e democratização do sistema de saúde.
Esta Conferência também foi caracterizada pela intensa participação dos
usuários e de segmentos representativos das mais diversas organizações da
sociedade. Seu significado expressou a “plena maturidade político-ideológica
do projeto de reforma setorial”, habilitando as agências públicas responsáveis
pela condução da política nacional de saúde a empreender os esforços
necessários na esfera político-institucional. (LEVCOVITZ, 1997).
Considerando-se tais elementos, é possível concluir que a Reforma
Sanitária, tal como concebida pela 8º CNS, possibilitaria intervenções
específicas no âmbito do sistema de serviços de saúde (setoriais),
além de exigirem medidas mais amplas de ordem política, econômica
e sócio-cultural (extra-setoriais. (PAIM, 1987, p. 237)
Por isso, o entendimento da Reforma Sanitária ultrapassa sua
identificação enquanto proposta setorial, e sim como um processo social e
político, no qual os diferentes grupos da sociedade se manifestam através de
apoio, omissão ou rejeição. Esta identificação torna possível compreender o
status quo de seus embates, os avanços, estagnações e retrocessos em
distintas conjunturas. (PAIM, 1987)
No final da 8º CNS foi criada a Comissão Nacional de Reforma Sanitária
(CNRS), composta por representantes de diferentes segmentos e com o intuito
de detalhar os principais problemas apontados para o sistema de saúde
brasileiro com a conseqüente busca de estratégias para enfrentá-los.
A CNRS buscou viabilidade para as intervenções propostas pela
Reforma Sanitária através de três estratégias. A primeira, legislativoparlamentar, para a criação de uma base jurídica para a Reforma Sanitária, o
71
segundo sócio-político, através da mobilização da opinião pública e setores
organizados da sociedade civil para a democratização da saúde, a terceira,
institucional com a implantação dos Sistemas Unificados e Descentralizados de
Saúde (SUDS).
Desta forma estavam postas as bases para a organização da
Assembléia Nacional Constituinte, com uma ampla disseminação das
propostas da “frente sanitária”, também eram constantes as discussões nas
plataformas dos candidatos e nos debates eleitorais aos governos dos estados
e municípios.
Em meio aos debates é instituído o Sistema Unificado e Descentralizado
de Saúde (SUDS), pelo Decreto 94.657, de 20 de julho de 1987. Seu objetivo
original foi o de “contribuir para a consolidação e o desenvolvimento qualitativo
das AIS”. Adotou como diretrizes: a universalização e a equidade no acesso,
integralidade dos cuidados, regionalização e integração dos serviços e a
descentralização do comando. O SUDS foi o responsável pelo processo de
estadualização de muitas unidades.
Para o estabelecimento da Atenção Primária o período que se inicia com
o SUDS foi conturbado, visto que, dentro do Ministério da Saúde evidenciavamse diversas disputas de poder entre grupos conservadores representados pela
burocracia da SUCAN, Fundação SESP e dos programas verticais de controle
de agravos específicos e os grupos reformistas situados nos principais cargos
de direção da Secretaria Geral, SNPES, da SNVS e da FSESP. As ações
básicas se operavam de forma desarticulada e descoordenadas. De outro lado
estava o MPAS/INAMPS, que caminhava em direção a redefinição das
72
atribuições dos níveis de governo, com ênfase na estadualização e
municipalização (LEVCOVITZ, 1997).
O vazio com relação à uma política de Atenção Primária à Saúde e
ocorreu desde o processo de discussão da 8º CNS, contudo, o movimento de
reforma intencionava a estruturação de uma APS de forma mais ampla, com
vistas a mudança do modelo assistencial.
Segundo Levcovitz havia um esforço em não restringir o processo de
implementação do SUDS somente à esfera administrativa, de transferência de
atribuições e ações, mas sim uma integração a partir de mecanismos
participativos previstos, tais como a Programação e Orçamentação Integrada –
POI, instrumento de planejamento que procurava integrar os orçamentos e
ações dos órgãos federais, estaduais e municipais e instâncias colegiadas
interinstitucionais.
José Saraiva Felipe também apontou o que ele chamou de “focos de
resistência ao SUDS” como a resistência política com diversas críticas ao
esvaziamento das superintendências regionais do INAMPS, o aumento do
poder federativo que também gerou crises pela divisão do poder e pela
distribuição de verbas. A diluição do poder central contrariou os prestadores
privados que mantinham privilégios junto a política central, somados a isto, os
interesses corporativos que são descritos como um dos mais influentes e os
que mais atrapalharam a evolução do SUDS. (RADIS, 1988)
Havia ainda uma capacidade limitada institucional de promover
mudanças que impactassem expressivamente na qualidade de vida da
população, mesmo com toda reestruturação setorial. Era necessário estruturar
uma reforma com indicação a mudanças que deveriam induzir a transformação
73
do próprio modelo assistencial do sistema, esta era a principal preocupação de
todo o “movimento de reforma”.
(...) o objetivo fundamental da Reforma Sanitária é a prestação de
serviços de saúde que influenciem, positivamente, os níveis sanitários
de nossa população. (...) buscar-se-ia uma reforma assistencial que
modifique a natureza e a qualidade dos serviços de saúde, tornandoos mais eficazes, eficientes e igualitários. O que remete,
necessariamente, à questão essencial da reformulação e implantação
de modelos assistenciais. (LEVCOVITZ, 1997 p. 95).
3.4 - A reforma e a Constituição de 1988
A constituição de 1988 inaugurou a primeira fase de reformas no sistema
de saúde brasileiro, sendo descrita por alguns autores como reforma do tipo
“big-bang” por converter o sistema de saúde em um sistema público, financiado
com recursos federal, estaduais e municipais, com base em impostos diretos,
indiretos e contribuições sociais. (VIANA, 1998).
Todo o processo de reforma dos Sistemas Nacionais de Saúde, ocorrido
neste período, além de serem impulsionadas, no Brasil, pelo movimento de
“Reforma Sanitária”, foi motivado, em sua grande maioria no mundo, pelo
crescente custo destes sistemas, acrescida da crise econômica vivenciada
pelos Estados nacionais e em meio ao debate mundial dos limites da
intervenção estatal.
Mendes (1998, s/d) descreve o processo de reforma da seguinte forma:
orientado a introduzir mudanças substantivas em diferentes
instâncias do setor saúde, em suas relações e funções, com o
propósito de aumentar a equidade de suas prestações, a eficiência de
sua gestão e a eficácia de seus serviços, para satisfazer às
necessidades de saúde da população:
Para Viana, (1998) apud France (1997) é necessária a distinção dos
tipos de reformas dos sistemas de saúde, na medida em que aparecem
74
distintamente. No Brasil, identificamos os dois tipos de reformas propostos por
France, a do tipo big-bang e a incremental.
A autora identifica estes processos de reforma no sistema de saúde
brasileiro, considerando a promulgação da constituição de 1988, com a
conseqüente criação do SUS em 1990, como sendo do tipo big bang, na
medida em que definiu os princípios de universalismo para as ações de saúde,
descentralização municipalizante e o novo formato organizativo para os
serviços, sob a lógica da integralidade, da regionalização, da hierarquização e
assumir a responsabilidade das ações preventivas e curativas pelos gestores
públicos.
Durante o processo de implementação do SUS na década de 1990, com
a criação da Lei Orgânica da Saúde, e de várias normas e portarias emitidas
pelo Ministério da saúde, como instrumentos de regulamentação do sistema,
podemos identificar alguns processos indutores do modelo assistencial
proposto.
Utilizaremos a definição de Modelos Assistenciais descrita por Paim para
analisar o papel que a APS assume na década de noventa. O status
estratégico que assume a APS na década de noventa se diferencia da
condição assumida na década de oitenta por não mais ser entendida como um
programa de extensão de cobertura assistencial a populações rurais e da
periferia urbana.
Segundo Paim,
Modelos Assistenciais são combinações tecnológicas utilizadas pela
organização dos serviços de saúde em determinados espaçospopulações, incluindo ações sobre o ambiente, grupos populacionais,
equipamentos comunitários e usuários de diferentes unidades
prestadoras de serviços de saúde com distinta complexidade (postos,
centros de saúde hospitais).
75
A década de noventa é marcada pela estruturação do sistema com base
nos seus princípios e diretrizes legalmente constituídos, rompendo com os
modelos
assistências
sanitarista
campanhista
e
médico-privatista,
historicamente constituídos no sistema de saúde brasileiro de modo a defender
a política de saúde de seletivização e de mercadorização crescente das
políticas sociais no Estado moderno.
Desta forma, a década de 1990, aprofunda um importante embate dentro
da política de APS, agora legitimado de um lado pela constituição de 1988 e a
LOS de 1990, o caráter universal, equânime, integral do sistema de saúde
brasileiro como direito de todos os cidadãos, de outro a restrição financeira e a
intensificação da seletividade das políticas sociais.
Devido às características e conjuntura mundial, as políticas de proteção
social e conseqüentemente as políticas de saúde assumem características que
resguardam todo o processo de reforma encaminhado, nacionalmente e
internacionalmente.
Com isso, alguns embates são identificados no processo de
implantação do SUS que dificultam sua operacionalização, destacando-se os
ligados a sustentabilidade do sistema proposto. Tornando-se cada vez mais
imperativo o estabelecimento de processos indutores do novo sistema. As
características desta indução vão dar a tônica da correlação de forças e vão
expressar a organização da APS que se quer implantar.
A definição clara das funções para os três entes governamentais
(federal, estadual e municipal) é uma das principais características que permite
ao Estado o encaminhamento da política a nível nacional, mesmo que para os
entes federados estas funções não estejam bem claras, sendo necessários
76
instrumentos normativos, regulatórios e financiadores específicos, que também
tem a função de induzir a configuração do Sistema de Saúde.
O financiamento público e as formas de articulação público/privado são
alguns dos problemas que colocam em jogo a operacionalização do sistema de
saúde proposto, por se tratar de questões que remetem ao processo de ajuste
fiscal encaminhado pelas agências Internacionais, que na década de 90
aumentam suas influências com a “oferta de idéias” de políticas públicas a
serem adotadas pelos países em desenvolvimento. (SOARES, 1997; MERHY,
1995; VIANA, 1998; MATTOS, 2000)
Para Viana (1998) a proposta de ajuste fiscal adotada no Brasil, pelo
governo Collor (1990–1992), repercutiu negativamente no financiamento
destinado à saúde, tendo em vista o decréscimo de recursos para saúde
evidenciada no início da década de 1990. Do ponto de vista demográfico e
epidemiológico, na América Latina, como no Brasil, há uma ocorrência de
fenômenos que se entrecruzam, ocorrendo uma combinação paradoxal de
declínio da mortalidade com aumento da morbidade por doenças crônicas em
uma população em processo de diminuição da fecundidade, aumento da
expectativa de vida e alta prevalência de mortalidade por doenças infecciosas.
(PATARRA, 1995 apud VIANA,1998). Com isso, há uma alteração significativa
na demanda e oferta por serviços de saúde, incidindo de forma bastante aguda
no novo sistema, sendo denominado pelos autores de “crise da saúde”.
Para Mendes, (1998; p 18) a crise dos serviços de saúde na década de
noventa manifesta-se em quatro dimensões principais: a ineficiência, a
ineficácia, a iniqüidade e a insatisfação dos usuários.
77
O cunho e características das reformas demandaram esforços dos
diferentes atores na arena política para a configuração do novo sistema e a
garantia de recursos financeiros sustentáveis. Nesse sentido, um importante
tema é colocado na “mesa” para o debate, com mais intensidade que em
outros momentos, o custo deste sistema e os resultados por ele alcançados.
78
4 - A ATUAÇÃO DO BANCO MUNDIAL NO COMBATE À POBREZA E
A
AMPLIAÇÃO
DOS
EMPRÉSTIMOS
AOS
PAÍSES
EM
DESENVOLVIMENTO
Nos anos oitenta, período agudo da crise da dívida externa, que incidia
de forma mais intensa nos países periféricos, o foco do Banco Mundial estava
dirigido principalmente para os programas de ajuste estrutural e setorial.
Considerava-se, diante de um processo recessivo mundial e dos baixos
orçamentos dos países pobres, a melhor forma de melhorar as condições de
saúde seria através da priorização de grupos de alto risco com intervenções de
custo reduzido. Nesta linha, o UNICEF, parceiro do B.M nas estratégias de
divulgação de ações focais nos países periféricos, direcionava seus esforços
na priorização do conjunto de ações básicas chamadas de Revolução da
Sobrevivência Infantil conhecidas também como GOBI. (REA, 2003; RIZZOTO,
2000; ALEIXO, 1995).
O objetivo declarado de melhorar unicamente os indicadores de
morbimortalidade infantil, através de soluções tecnológicas de baixo custo, é
útil, mas tem efeito apenas paliativo no combate aos problemas de saúde,
cujas causas determinantes são sociais e políticas. Desta forma, ignoravam-se
convenientemente as injustiças sociais e econômicas, que eram a raiz do
problema (WERNER, 1995).
No Brasil, começa-se a desenvolver estudos que legitimam as propostas
de organização de programas nacionais nessa linha de trabalho. O Instituto
Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN) desempenha um papel importante
no estabelecimento de parcerias com UNICEF e OPAS para lançamento do
79
Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (REA, 1990 apud
REA, 2003).
De acordo com uma avaliação feita cinco anos depois da implementação
do programa, este foi responsável por um aumento na duração média do
aleitamento exclusivo na Grande São Paulo de 2,9 meses para 4,2 meses e na
Grande Recife, de 2,2 para 4,2 meses, incidindo diretamente na melhora da
morbimortalidade infantil da região. (REA, 2003)
Em dezembro de 1983, o Ministério da Saúde publica uma portaria onde
as ações de incentivo ao aleitamento deveriam fazer parte das Ações
Integradas de Saúde (REA, 2003). Isto demonstra o interesse em que as
políticas de saúde desenvolvam-se de forma integrada, um esforço presente no
processo de Reforma Sanitária brasileira.
Em contra partida, aumentam as pressões por parte das agências
internacionais para que os países periféricos dêem conta das precárias
condições de vida da maioria da população e se alinhem à nova ordem
econômica.
Ainda na década de setenta, sob a condução de Robert S. McNamara o
Banco Mundial, principal agente financiador dos países periféricos, assume
destaque no financiamento de projetos na área social.
O tratamento de problemas sociais, como educação, a pobreza e a
desnutrição, relacionando-os ao processo de desenvolvimento
econômico, temática medular do Banco, teve ascensão na “era
McNamara”.” (RIZZOTO,2000 p. 82)
É neste período também que o setor saúde começa a aparecer como
área de interesse para o B.M, vinculando-se ao combate à pobreza e à
satisfação das necessidades humanas básicas. Inicialmente ligadas ao controle
demográfico, logo depois na década de oitenta iria entrar como setor específico
80
para o financiamento, devido à clareza de que se poderia interferir de forma
mais sistemática e direta no setor, com a crise do Estado de Bem Estar Social
(RIZZOTO, 2000).
A temática do “combate à pobreza” foi incorporada ao marco teórico e
ideológico do Banco Mundial, ficando, esta, subordinada a promoção do
crescimento econômico. De um lado, pelas diferenças de acesso aos bens de
produção entre pobres e ricos, e de outro, em função da estratégia adotada, na
qual o “combate à pobreza” exigiria grandes investimentos em infra-estrutura
produtiva e social, em educação, saúde, moradia, controle demográfico,
nutrição, criação de empregos. Estes recursos só poderiam ser providos com
aumentos da produtividade e, por conseguinte, sem crescimento era impossível
alcançar os níveis mínimos de bem-estar ( RIZZOTO, 2000).
Ainda sob impacto da crise do petróleo (1973-1979) e com mudanças no
ambiente político norte americano, que tentava recuperar sua hegemonia
abalada pela crise, o Banco Mundial, imprime mais dinamismo sob sua “esfera
de influência”. A partir de 1980, o B.M criou uma série de modalidades de
empréstimos os chamados “empréstimos para ajustamento estrutural e setorial”
de rápido desembolso, não vinculados a projetos, mas com amplas e severas
condicionalidades,
com
o
objetivo
de
modificar,
nos
países
em
desenvolvimento algumas características de sua estrutura econômica, julgadas
“indesejáveis e inconvenientes” pela diretoria do Banco (ARAÚJO, 1991, p. 37
apud RIZZOTO, 2000; MATTOS, 2000). Aliadas à política de combate à
pobreza nos países periféricos, estava preparado o terreno para a ampliação
do endividamento massivo dos países da América Latina.
81
No Brasil, o governo brasileiro, com a política de captação de recursos
externos do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD),
também conhecido como Banco Mundial, identifica-se um caminho promissor
para implantação dos projetos por parte dos agentes do governo. (SOARES,
2000)
De acordo com o economista do IPEA Ricardo Pereira Soares, que
analisou as transferências líquidas de recursos do Banco Mundial para o Brasil
de 1980 a 1997(anexos), o custo efetivo da dívida foi elevado devido a atrasos
na execução de projetos e desvalorização do dólar. Os empréstimos na
primeira metade da década de oitenta concentravam-se nas áreas de infraestrutura, por meio de empresas públicas, que posteriormente foram
privatizadas, indo ao encontro das proposições das Agências internacionais
(ferrovias, rodovias e projetos de produção e distribuição de energia). De
acordo com este mesmo estudo, a partir de 1988, os empréstimos do BIRD
passaram
a
contemplar
de
maneira
prioritária
projetos
ambientais,
educacionais e um especial crescimento de projetos financiados na área de
saúde. (FONSECA, 1991; MENDIZABAL, 1994 apud SOARES, 2000).
De acordo com Soares, (2000) uma análise mais detalhada dos
empréstimos do BIRD ao Brasil, a partir de 1980, demonstra que no período de
1980 a 1997, o país realizou pagamentos no valor de US$ 17,1 bilhões e
recebeu US$ 14,3 bilhões, sendo que, nos primeiros seis anos o desembolso
do BIRD ao Brasil foi de US$ 4,7 bilhões, o país realizou o pagamento de US$
1,6 bilhão. A partir de 1987, a transferência líquida anual passou a ser
negativa, pois os pagamentos anuais realizados pelo país superavam os
82
desembolsos do BIRD, nessa década (1987 a 1997). Estes somaram US$ 9,6
bilhões, enquanto os pagamentos atingiram US$ 15,5 bilhões (Soares, 2000).
Quando se analisa o custo efetivo dos empréstimos para a área da
saúde, este apresenta um custo efetivo muito pequeno, contudo, o que
podemos acrescentar a esta discussão são os acordos e as condicionalidades
impostos para a tomada de empréstimos, configurando-se como potentes
instrumentos de indução via-financiamento.
A influência do Banco Mundial na macroeconomia brasileira pôde ser
percebida em vários setores. Antevendo este importante papel do Banco,
McNamara realizara, na década de setenta, o patrocínio de estudos acerca das
condições econômicas e sociais dos países da América Latina denominados
“estudos setoriais”. Também dispunha de um aparato técnico-operacional
importante, por meio de consultores devidamente treinados e instruídos à
persuasão
dos
países
em
desenvolvimento
para
adquirirem
novos
empréstimos com ótimas condições de pagamento. (RIZZOTO, 2000;
MATTOS, 2000).
Ainda com relação à interlocução do Banco Mundial com as políticas
sociais na área da saúde, o Banco começa a emitir pareceres, recomendações
com mais “propriedade” após a elaboração de documentos específicos na área.
Um estudo denominado “Salud: documento de política sectorial”, para Rizzoto,
“revelaria uma possível intenção de mudança na prática do Banco com o
setor”. (RIZZOTO, 2000, pág. 116).
Segundo Misoczky (2002) o ano de 1987 marca o ingresso formal do
Banco nos debates acerca das políticas de saúde a serem implementadas
pelos países em desenvolvimento.
83
Mattos (2000) descreve que a publicação do documento Financing
Health Services in Developing Countries: an Agenda for Reform pode ser
considerado como a atuação mais expressiva do Banco na área da saúde. O
autor defende a tese da “oferta de idéias”, por parte desta agência, no que
concerne à proposição de políticas de saúde a serem adotadas pelos países
em desenvolvimento e que tomam dinheiro emprestado do Banco.
Contudo, chamamos a atenção para dois pontos importantes, referentes
a capacidade limitada de indução de políticas através dos “ajustes estruturais”.
Segundo Mattos (2000) ao criar os ajustes estruturais, os dirigentes do Banco
Mundial contornaram alguns entraves que poderiam prejudicar o cumprimento
dos compromissos assumidos pelos países através da nova modalidade de
empréstimo, evitando ou postergando a ameaça de não pagamento dos
compromissos assumidos. Para êxito da proposta era indispensável a
realização de muitos
empréstimos de ajustes estruturais, reforçando uma
estratégia denominada de “cultura de aprovação7”. O autor ainda reforça que:
(...) se a modalidade de ajustes estruturais foi capaz de
garantir o volume de operações de empréstimo do Banco, a
capacidade de induzir governos a adotar certas políticas
parece ter sido bem menor. (MATTOS, 2000 p.200).
Este autor ainda demonstra através de estudos realizados por Moosley
que a magnitude das dívidas assumidas pelos países enfraqueceu a
capacidade de seus representantes de barganhar a troca de mais recursos
financeiros pela adoção de políticas. Em contra partida os técnicos do Banco
também ficam enfraquecidos devido a “cultura de aprovação” de empréstimos
7
Termo utilizado por Mattos (2000) para definir a estratégia de aprovação de empréstimos do Banco
Mundial fundamentados na manutenção da dívida dos países tomadores.
84
adotadas no processo de negociação para a manutenção do volume de
empréstimos.
Outro ponto importante a ser destacado em torno do grau de influência
das agências internacionais na política de saúde brasileira versa sobre o
processo de Reforma Sanitária, chamado por Paulo Eduardo Elias de
“movimento de luta pela transformação da sociedade brasileira”. Para o autor,
parte deste “movimento” apoiou-se na vertente de modelo marxista, a partir de
categorias desenvolvidas por Antônio Gramsci, como hegemonia e guerra de
posições (FAORO, 1977 apud ELIAS, 1993).
Pode-se analisar a Reforma Sanitária brasileira, tomando-se como
referência a política institucional, em termos essencialmente “reformistas”, com
vistas a responder às situações de crise do Estado na área da saúde. Assinalase também que alguns estudos acerca dos sentidos da Reforma Sanitária têm
como limites a ênfase institucional e a transformação radical da sociedade
através da revolução socialista. (ELIAS, 1993)
Com isso, identificamos um ponto chave que nos remete a interseção
entre processo interno vivido no país e as macro políticas internacionais
levadas à cabo pelas Instituições financeiras e de colaboração técnica, como o
Banco Mundial, Fundo das Nações Unidas e outros .
Sabemos que estas instituições eram consideradas por parte dos atores
envolvidos no processo de Reforma Sanitária, como agentes do capital
transnacional. Em contra partida, estas instituições souberam moldar seus
interesses em meio às necessidades e aspirações da sociedade brasileira na
época, tornando atrativas suas propostas para a classe dominante em um
período conturbado de redemocratização do Estado brasileiro.
85
Fleury descreve o período em questão da seguinte forma:
A crise que nós estávamos vivendo naquele momento era profunda,
não era uma crise conjuntural simples, é a expressão de uma
estrutura, de modelo econômico extremamente perverso, que
consegue ser a oitava economia do mundo e ao mesmo tempo uma
Bangladesh na área da saúde, na social; de uma classe dominante
incompetente, que nunca correu riscos, que, quando tinha uma crise
política, chamava o exército para resolver, e quando tinha uma crise
econômica chamava o Estado para pagar a conta, tão incompetente
que não conseguiu nem formar partidos políticos para exercer a
hegemonia neste país. O modelo econômico que se esgotou, que é
excludente, concentrador, produtor de miséria, associou-se a esse
Estado privado incompetente. (FLEURY,1995, p.16)
A transcrição acima apresenta uma clara expressão da divergência de
posições com o sistema hegemônico constituído.
O movimento de Reforma Sanitária emergiu dentro dos núcleos
acadêmicos, com os profissionais das universidades que questionavam o
modelo existente e buscavam um novo parâmetro teórico para o entendimento
do processo saúde/doença, através de categorias como a de determinação
social deste processo e a organização social da prática médica. Tinham como
proposta três vertentes de atuação: a constituição de um campo de saber, que
hoje chamamos de Saúde coletiva; a criação de espaços para uma prática
política alternativa, que foi desenvolvida através de um conjunto de projetos
experimentais de Atenção Primária à Saúde e Medicina Comunitária; e um
trabalho de difusão ideológica, de criação de uma nova consciência sanitária
(FLEURY, 1995; AROUCA, 2003). Acrescentamos a isto as proposições das
Conferências de Saúde, cujas deliberações eram incorporadas à política de
saúde, um importante espaço democrático de discussão e difusão do
“Movimento de Reforma”.
Através da reconstituição dos passos do processo de estabelecimento
da Atenção Primária à Saúde podemos inferir que esta vertente é uma das que
86
mais se aproxima de uma interseção entre o processo de Reforma Sanitária
brasileira e a aceitação, através de negociação, de algumas políticas
encaminhadas pelas agências internacionais, em especial o Banco Mundial.
Desde Alma Ata, a comunidade científica mundial consensuou que os
níveis de saúde dos países só melhorariam se os sistemas de saúde fossem
organizados em função da APS.
A divergência entre os atores envolvidos
neste processo estaria na forma de estruturação e operação.
Para Costa (2002), dentre as políticas encaminhadas pelo Banco na
década de oitenta “a descentralização ganha destaque em virtude de sua
convergência de interesses e orientações entre o tripé formado pelas
instituições estrangeiras, os órgãos governamentais e o movimento sanitarista”.
Médici, (1995, p.105-106) aponta algumas razões que justificam a opção
dos programas de saúde pelas políticas de descentralização:
1. A redução dos gastos com saúde, que haviam crescido de maneira
acentuada no Welfare State, com a progressiva ampliação dos beneficiários;
2. a tentativa dos executivos centrais em deixar de se responsabilizar,
numa conjuntura de crise econômica, pelos cortes ou aumentos dos gastos
com saúde, buscando maior legitimidade para as decisões de governo relativas
ao ajuste fiscal dos países;
3. os anseios dos movimentos sociais e poderes locais em responder
pelas necessidades específicas das políticas de saúde de cada região;
4. a busca por novos arranjos na gestão dos sistemas de saúde que
reduzissem o poder e o corporativismo dos sindicatos mais organizados;
5. a possibilidade de flexibilização da “relação entre níveis de hierarquia
dos serviços, consumo de tecnologia médica, gestão da saúde e prestadores
87
públicos e privados”, adequando o modelo às necessidades e condições de
cada local.
Sem entrar ainda no mérito da discussão do modelo de APS que estava
sendo debatido, podemos também listar algumas das razões que levaram a
APS ser considerada pelo “tripé” instituições estrangeiras, órgãos do governo e
o movimento sanitarista, economicamente viável, politicamente correto e
tecnicamente adequado. São elas: participação social, um item importante,
tendo em vista o processo de redemocratização vivido pelo Estado brasileiro;
identificação de determinantes do processo de saúde/doença mais amplos;
acessibilidade e cobertura universais com base nas necessidades; organização
do sistema de saúde; apropriação de tecnologias adequadas e efetividade de
custos em relação aos recursos disponíveis; maior e melhor racionalidade no
uso dos serviços.
Para Starfield (2002), os sistemas de saúde baseados na Atenção
Primária, com recursos adequados para sua organização, produzem cuidados
de saúde mais efetivos tanto em relação aos custos quanto aos aspectos
clínicos.
Segundo Fausto (2005), a institucionalização das práticas de Atenção
Primária à Saúde desde seus primórdios, está associada à resposta
governamental para enfrentamento do custo da assistência médica, focada na
aplicação de maior racionalidade no uso dos serviços de saúde de forma a
torná-lo mais, produtivos, menos custosos e mais abrangentes.
Estas definições aproximam todos os atores em prol do estabelecimento
da APS como estratégia e não só como primeiro nível de atenção,
88
entendimento evidenciado antes da Conferência de Cuidados Primários de
Saúde, realizada em Alma Ata.
O processo de Reforma Sanitária tornou-se inevitável, por vários
motivos, um em especial, nos remete novamente à interlocução entre os
“agentes” da Reforma Sanitária brasileira, o Estado e os técnicos das
instituições financeiras internacionais. Os protagonistas da reforma sanitária,
utilizaram como estratégia a participação na burocracia estatal, passando a
atuação dentro do aparelho do Estado um eixo importante do “projeto
reformador”. “Os intelectuais da área de saúde foram chamados a assumir papéis
significativos na burocracia estatal”.
(FLEURY,1995)
Para Lucchese,
O fato do “Movimento Sanitário” (...) ter se dirigido à ocupação do
aparato de Estado, como estratégia preferencial (...) pode denotar a
importância que o aparelho estatal tem na definição das políticas
públicas no Brasil e a menor significação da clássica participação
política” (...) a burocracia, enquanto aparato estatal, assume
importância devido a própria importância do Estado (capitalista
dependente), no processo de democratização/desenvolvimento da
sociedade. (LUCCHESE, 1989,p.174 e 179).
Outras estratégias adotadas tiveram efeitos profundos sobre a base
social: a politização da saúde; a alteração da norma legal e a mudança no
arcabouço e nas práticas institucionais, começando pelas ações integradas de
saúde (AIS). (FLEURY, 1995)
Em todas estas estratégias a APS desenvolvia-se de forma a responder
as necessidades da população a partir do conceito ampliado do processo
saúde/doença, uma integração adequada entre a rede assistencial de forma
racionalizadora, a importância da identificação dos determinantes sociais e a
participação ativa da população no desenvolvimento dos serviços de saúde.
89
Traremos a Atenção Primária à Saúde, como foco das políticas sociais
desenvolvidas na década de oitenta, por situá-la como parte dos diagnósticos
adversos das precárias condições de vida do período. Entretanto, apesar do
contexto favorável ao seu desenvolvimento, houve certa estagnação com
relação a definição da política institucional de APS, ficando parte dos
encaminhamentos no campo do debate e algumas ações desenvolvidas pela
estratégia das AIS.
Ao identificarmos os diferentes determinantes sociais, econômicos e
políticos das condições de vida nos países em desenvolvimento, podemos
visualizar a magnitude e abrangência que os cuidados primários de saúde têm
que ser estruturados e operados, demandando um esforço integrado dos
diferentes
setores
e
a
consonância
necessária
com
o
modelo
de
desenvolvimento adotado.
A partir da segunda metade da década de oitenta, os diagnósticos
acerca das condições de vida dos países em desenvolvimento pioram a cada
relatório, ganham destaque as críticas ao modelo de desenvolvimento.
A UNICEF exercia grande influência neste período, especialmente na
área da saúde da criança, com um papel fundamental na redução da
mortalidade infantil nos países pobres com a difusão de tecnologias seletivas.
Ao longo da década de noventa, o ajuste estrutural demonstrou-se
incapaz de melhorar a condição de vida nos países em desenvolvimento, em
muitos países a sua lógica de operação que submete o desenvolvimento social
ao desenvolvimento econômico, foi desastrosa, piorando ainda mais as
condições de vida dos pobres. Aliados a isto alguns estudos demonstraram que
as propostas de projetos seletivos nas áreas de população, saúde, nutrição e
90
educação, sem, contudo, contemplar propostas redistributivas, não foi eficaz
em reduzir as desigualdades sociais. (CONDE, 1996)
De acordo com relatório regional da OPS “el reflejo del aumento del
desempleo, menor oferta social del gobierno y menor disponibilidad para el
consumo interno, se aprecia cuando se analiza la magnitud de la pobreza em
América Latina em la década de 1980”.(OPS,1993, p.28)
Em 1987, a UNICEF foi a primeira a criticar os programas de ajuste num
estudo intitulado “Adjustment with a Human Face”. Esta série de estudos fez
uma revisão de experiências de ajustes nos países em desenvolvimento e suas
implicações na área social (saúde, educação e nutrição). (CONDE, 1996;
MISOCZKY, 2002)
Segundo Conde,
(...) a conclusão foi de que a implementação dos programas de ajuste
levou, no curto prazo, a uma redução da oferta de empregos e de
renda salarial das famílias mais pobres, ao aumento de preço de
gêneros de primeira necessidade, incluindo os alimentícios, e a uma
redução dos gastos públicos nas áreas de saúde, educação e
saneamento.(CONDE,1996, p.96)
Os estudos acerca do papel desta instituição reforçam ainda que a
UNICEF abriu um importante precedente para a realização de outros estudos
ao revelar os efeitos adversos do ajuste sobre a distribuição de renda das
populações marginalizadas. Apesar de terem sido poucos os estudos que
demonstraram os efeitos do ajuste no setor saúde, alguns autores
demonstraram que economicamente os gastos sociais foram reduzidos em
todos os países da América Latina. A pobreza e a distribuição de renda,
segundo estudo de Bustelo, pioraram na década de 80, sendo que no Brasil foi
verificado um aumento da pobreza de 44%, o pior índice analisado.
(BUSTELO, 1995; MISOCZKY, 2002)
91
Ao considerarmos a importância do impacto dos determinantes sociais e
econômicos para a APS vislumbramos sua estruturação com vistas a atender
as demandas neste nível de atenção de forma universal e equânime, não da
forma como vem sendo encaminhada. Sabemos que o impacto dos ajustes na
década de oitenta pode ser percebido na piora das condições de vida da
população, requerendo uma atenção mais integrada das políticas sociais. Por
parte dos sistemas de saúde, a APS será o ponto chave de identificação e
operação junto aos determinantes sociais nos diferentes países, tendo a
década de noventa como um marco no desenvolvimento das políticas sociais
influenciadas pela recessão fiscal e sua orientação maior para o focalismo e
baixo custo das intervenções.
4.1 - Década de 1990: novas estratégias indutoras
Os países da América Latina iniciaram a década de noventa imersos em
uma recessão que se agravou com a dívida externa adquirida na década
anterior, em decorrência dos ajustes estruturais. De acordo com um relatório
de avaliação da aplicação da Estratégia Mundial de Saúde para Todos no Ano
2000, este retrocesso econômico teve fortes implicações na área social,
inscrevendo a década de oitenta em um período chamado pelos pesquisadores
de “década perdida”, uma forma de ilustrar a magnitude da crise na região
neste período. (OPS, 1993)
As principais características da crise nos anos oitenta, para os países da
América Latina, foram descrito pela CEPAL, como a perda do dinamismo das
economias nacionais, desequilíbrios macroeconômicos, o caráter regressivo
92
dos ajustes, deterioração social e o profundo endividamento do setor público.
(OPS,1993)
Este mesmo relatório descreve que, em termos de cooperação
internacional o BIRD e o BM, não só assumiram a liderança, entre as agências,
no que diz respeito ao financiamento, mas também realizaram importantes
projetos de assistência técnica aos setores sociais. Outra demonstração, de
que mesmo com o fracasso de suas medidas condicionadoras da década de
oitenta, esta instituição irá influenciar fortemente as políticas sociais na década
de noventa.
Segundo Costa,
a década de noventa foi marcada pelo debate em torno da reforma do
Estado no Brasil, tendo como pano de fundo o contexto da
globalização financeira da economia e o aprofundamento da crise
fiscal”. (COSTA, 2002, p.58)
No Brasil, o movimento de Reforma Sanitária conseguiu estabelecer na
constituição de 1988, a criação do Sistema Único de Saúde de recorte
universalista, configurando assim uma ruptura no padrão de intervenção estatal
no campo social que perdurava desde a década de trinta. O direito à saúde
para todos os cidadãos e a obrigação do Estado em provê-lo representa
também uma vitória considerando o contexto de ajuste estrutural em que
encontravam-se as economias latino americanas. Acrescentamos também o
fato da integração da Saúde Pública à Seguridade Social, compondo seus
pilares básicos juntamente com a Previdência Social e a Assistência Social e a
adoção do conceito ampliado do processo saúde/doença que possibilitou a
configuração de intervenções dos serviços de saúde mais próximas da
realidade.
A Lei 8080 e a 8142 de 1990, podem ser consideradas como
marcos legal do movimento de Reforma Sanitária. Todavia, o grande embate
93
ainda estaria por vir, e envolveria a principal condição de sustentabilidade do
sistema, o financiamento adequado, com a política econômica levada a cabo
pela Nova República.
O financiamento público federal da saúde tem sido caracterizado por
acompanhar a situação econômica do país e as mudanças operadas
internacionalmente, no que tange a configuração das políticas sociais. A
década de noventa inaugura uma nova etapa deste processo.
De acordo com a Constituição, o Orçamento Geral da União (OGU) é
formado por três orçamentos distintos, a saber: O orçamento fiscal, o da
seguridade social e o de investimento das estatais. Com isso foram
estabelecidos novos critérios para as transferências públicas de recursos para
estados e municípios. O Ministério da Saúde passou a ser financiado
principalmente pelos recursos do Orçamento da Seguridade Social.
A década de noventa, como já descrito, tem seus primeiros anos
imersos em altos índices de inflação e instabilidade política, como
conseqüência há deterioração do orçamento público, afetando diretamente as
políticas públicas.
Cada vez mais as medidas adotadas vêm de indicações da política
econômica internacional levada pelas instituições financeiras como o Banco
Mundial e FMI que impõem medidas de ajuste da economia para equilíbrio das
contas públicas.
O consenso de Washington é tido como a principal cartilha neoliberal
levada a cabo por estas instituições financeiras internacionais na década de
noventa. A partir de uma reunião em Washington entre o BID, Banco Mundial, o
FMI e funcionários do governo dos EUA em 1989, o encontro teve como
94
objetivo analisar as reformas econômicas empreendidas e em curso na
América Latina. Embora tivessem primeiramente o objetivo de ser um encontro
acadêmico, as conclusões do encontro acabaram tornando-se o receituário
imposto para a concessão de créditos adequando suas economias às novas
regras. (TAVARES, 1997; NEGRÃO, 1998).
Outra importante influência na década para a configuração das políticas
sociais em conseguinte de saúde foram os Relatórios de Desenvolvimento
Mundial do Banco Mundial. Suas principais proposições remetem aos esforços
do governo em conter despesas através de medidas necessárias para
assegurar o crescimento econômico, mantendo a política de ajustes. Esses
documentos também defendem a necessidade de se assegurar um pacote
básico de procedimento focalizado nas populações mais pobres, com a
conseqüente proteção do gasto público que tenha estes objetivos. (Banco
Mundial, 1990; 1993)
Estes argumentos antecipam uma tese central do banco que se tornou o
mote das propostas na década de noventa: “há que se proteger ativamente os
pobres dos efeitos perversos das crises econômicas e das suas terapias”.
(MATTOS, 2000, p.380)
Também foi identificada uma característica mais “branda” acerca da
posição contra o universalismo presente neste documento, com relação ao
documento “Finincing health services in developing countries: an agenda for
reform” de 1987. Esta discussão é trazida pela tônica do custo efetividade e
racionalização dos procedimentos subsidiados pelo governo para os pobres.
Mattos resume o documento da seguinte forma:
(...) as posições apresentadas e defendidas no documento Investindo
em Saúde pautaram o debate internacional acerca das políticas de
saúde para os países em desenvolvimento, sobretudo as políticas
95
relativas
à
configuração
dos
sistemas
de
saúde:
o
redimensionamento da atuação governamental, a divisão entre
financiamento e provisão de serviços, a discussão acerca da
abrangência acerca do que deveria ser oferecido gratuitamente a
todos, a seleção de intervenções baseadas em critérios de eficácia
em termos de custo, os dispositivos de regulação da prestação de
serviços médicos. (MATTOS, 2000; p.387)
Todos estes documentos, deliberações e diagnósticos feitos por estas
instituições levavam a um objetivo comum que deveria ser seguido pelos
países em desenvolvimento, a austeridade fiscal com restrição do gasto social
aos pobres, alcance de metas fiscais e a redução do tamanho do Estado.
Esta política foi adotada na década de noventa, a partir do governo
Collor, com as primeiras medidas de redução do Estado, passando para o
período de Fernando Henrique Cardoso, que deu continuidade ao “esforço
reformista”. Segundo Diniz, (2001), tinha ao objetivo de romper com o passado
intervencionista do período Vargas, somavam-se outras questões:
Através da prioridade atribuída às reformas constitucionais, iniciou-se
um processo de desconstrução legal e institucional, que abriu o
caminho para a reestruturação da ordem econômica e, sobretudo,
para a refundação do Estado e da sociedade de acordo com os novos
parâmetros consagrados internacionalmente. A instauração de um
novo modelo econômico centrado no mercado foi acompanhado de
um projeto ambicioso de dar início a uma nova era. (...) limitada por
uma visão restritiva de teor administrativo, a reforma do Estado do
governo Cardoso foi capturada pela meta de ajuste fiscal, revelandose incapaz de realizar a ruptura anunciada. (DINIZ, 2001, p. 13).
As principais medidas deste período são apresentadas também por
Merhy em um estudo referente ao impacto do processo de transnacionalização
da economia em alguns países da América Latina como, a abertura da
economia ao capital e as produções internacionais, a reestruturação do Estado
através da privatização e a diminuição do gasto social. (IDEP,1992, 1993, apud
MERHY et al, 1995).
Este autor descreve que no âmbito da política de saúde deveriam ser
definidas algumas idéias como fundamento do sistema trazidas pela política
96
econômica, tais como: a) a crise na saúde é decorrente de causas financeiras;
b) o gerenciamento introduz uma “nova” racionalidade administrativa
indispensável para sair da crise; c) é imprescindível subordinar as decisões
clínicas a esta nova racionalidade para que haja diminuição dos custos; d) a
eficiência aumenta se forem separados o financiamento da prestação e se
generalizar a competência de todos os setores (estatal, seguridade social e
privado); e)
deve-se desenvolver o mercado de saúde porque é o melhor
regulador da qualidade e dos custos; f) não se deve subsidiar a oferta e sim a
demanda; g) a flexibilização das relações de trabalho é o melhor mecanismo
para alcançar a eficiência, produtividade e qualidade; h)a administração privada
é mais eficiente e menos corrupta que a pública; i) o pagamento da seguridade
social é responsabilidade de cada trabalhador; j) a desregulação da seguridade
social permitirá ao usuário a liberdade de escolha, para poder optar pelo
melhor administrador de seus fundos; k) a passagem da condição de
usuário/paciente/beneficiário a de cliente ou consumidor é a garantia que exige
seus direitos sejam respeitados; l) a garantia da qualidade está dada pela
satisfação do cliente.
Nestas
“trocas
contextuais
e
ideológicas”
entre
Organismos
Internacionais e países da América Latina, o Brasil, diferentemente dos demais
ofereceu uma resistência maior a estas propostas neoliberais. Nos países da
América
Latina
analisados
foram
identificados
diferentes
níveis
de
transnacionalização do setor, reforçando a nossa idéia de que o processo
interno da “Reforma Sanitária” vivido pelo Brasil foi fundamental em todo o
movimento de resistência à ordem instituída, tendo como marco legal os artigos
constitucionais referentes a saúde e a Seguridade Social. (MERHY,1995)
97
Para Arretche (2002) a descentralização da gestão do sistema de saúde
no Brasil é tida como uma das experiências mais bem sucedidas de
descentralização no campo da gestão pública, devido as características e o
tempo em que foi operada, num contexto federativo marcado pela conflitividade
das relações entre as esferas de governo.
Podemos
considerar
também
que
nos
contextos
nacional
e
internacional, a descentralização é um dos pontos de convergência das
políticas públicas induzidas pelos interesses hegemônicos e o impulso
municipalizante. No Brasil conjugou-se a luta pela descentralização com a luta
pela democratização do país.
A descentralização do sistema de saúde é um
dos princípios responsáveis pela assunção de responsabilidades da gestão da
Atenção Primária à Saúde pelos municípios, sendo que este processo se deu
através de induções financeiras estimuladas pelas diferentes NOBs (91,93, 96
e a NOAS).
As sucessivas normas visaram imprimir uma racionalidade ao sistema
por meio da regulação do processo de descentralização, complementando as
insuficiências da legislação e definindo aspectos relacionados à divisão de
responsabilidades de gestão, às relações entre gestores e a critérios de
transferência de recursos federais para estados e municípios. (LEVCOVITZ,
2001)
O BM menciona a importância da descentralização como condição para
estruturação do sistema, daí podemos inferir que seu êxito esteja atrelado às
convergências de atores. Outro ponto presente na agenda da reforma é o
caráter focal que as políticas sociais têm que assumir para “aliviar a pobreza”
nos países em desenvolvimento,
98
(...) os países em desenvolvimento não deveriam gastar tanto em
intervenções menos eficazes em termos de custo e sim duplicar ou
triplicar os gastos com programas de saúde pública básica (...). Um
pacote mínimo de serviços clínicos essenciais incluiria a assistência
médica infantil, planejamento familiar, atendimento pré natal e à
gestante e tratamento da tuberculose e de DST. (Banco Mundial,
1993).
Outros pontos chaves de convergência de propostas também podem ser
identificados nas propostas de reforma dos sistemas de saúde encaminhados
no Brasil. Deteremo-nos nestes dois pontos: focalização e descentralização,
por estes remeterem também aos aspectos da equidade e justiça social,
basilares a toda política social.
Neste contexto surge, no Brasil, o Programa Saúde da Família, como
resultado de experiências internacionais neste nível de intervenção do sistema,
experiências nacionais de integração da comunidade com os serviços de saúde
básicos, priorização de atendimento à população com alto risco social e a
proposta de mudança dos Modelos Assistenciais até então vigentes no SUS.
.
99
5 - Atenção Primária à Saúde: dos programas de extensão de cobertura
ao PSF
Com os incentivos dados pelo Ministério da Saúde aos Programas de
Extensão de Cobertura (PEC) nas décadas de setenta e oitenta, alguns
municípios brasileiros desenvolveram experiências embasadas nas propostas
de trabalho em Medicina Preventiva, Medicina comunitária e Sistemas Locais
de Saúde. Estas experiências tinham como princípios norteadores a
participação social, descentralização, integralidade, territorialização entre
outros.
O desenvolvimento de estratégias de atenção à saúde centradas na
família, com uma estreita relação de parceria com a comunidade assistida,
através do trabalho de Agentes Comunitários foi experimentado no Brasil a
partir de projetos municipais com recursos do extinto Programa de
Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento. Um destes projetos, com
grande êxito e examinado a fundo pelo ministério da Saúde, foi o Projeto do
Vale do Ribeira em São Paulo no início da década de oitenta.
Grande parte
da
literatura
científica
descreve
que
o
trabalho
desenvolvido com Agentes Comunitários iniciou nos estados do nordeste,
contudo, há uma publicação do Ministério da Saúde intitulada “Atenção
Primária de Saúde: a experiência do Vale do Ribeira”. Esta experiência,
sistematizada e planejada regionalmente que lançou mão do trabalho dos
Agentes Comunitários como estratégia de integração com a comunidade e
planejamento local regionalizado.
100
Pontuar estas referências torna-se importante na medida em que
identificamos nestes projetos locais, além de propostas de atenção à
populações específicas, espaços de articulação do nível local com grande
reforço à tese municipalista, configurando-se como experiências estruturantes
que deram um ímpeto diferenciado ao processo de organização do sistema de
saúde nacionalmente. Permite-nos também ampliar campo de análise para
além das propostas encaminhadas centralmente, voltando a organização do
sistema segundo às necessidades de saúde da população (MENDES, 1988).
A avaliação feita pelo Ministério da Saúde acerca da experiência do Vale
do Ribeira descreveu todo o processo de trabalho, desde a seleção dos
Agentes Comunitários até a sistematização do atendimento da população nas
unidades de referência. Esta avaliação serviu de base para reflexões do
Modelo de Atenção Primária à Saúde que se queria implementar. Entretanto,
em meio ao processo conturbado de Reforma Sanitária e abertura política que
se encontrava o Brasil a APS ainda não ganhara a força suficiente para sua
difusão.
Na década de oitenta, o Brasil encontrava-se em meio a altas taxas de
mortalidade infantil, principalmente nos estados do Norte e Nordeste, dadas as
condições de exclusão social de grande parte da população. Algumas novas
tecnologias de intervenção simples foram desenvolvidas como a terapia de
reidratação oral (TRO), largamente difundidas pelo Ministério da Saúde em
parceria instituições internacionais como a UNICEF com o objetivo de reduzir a
mortalidade infantil.
Somadas a isso, experiências de trabalho de Agentes
Comunitários eram desenvolvidas na região como forma de ampliação do
acesso aos serviços de saúde, encontrando na difusão destas estratégias de
101
intervenção simples o meio propício para uma atenção voltada às orientações
educacionais. (MINAYO, 1990).
Em 1987, foi implantado o Programa de Agentes Comunitários de
Saúde (PAS) no Ceará, vinculado a Secretaria de Saúde daquele estado, com
uma coordenação centralizada. O Ceará foi o primeiro estado a desenvolver a
experiência de trabalho dos Agentes de Saúde de forma mais abrangente,
como uma proposta estadual, ganhando visibilidade nacional na medida em
que foram reduzidas drasticamente as altas taxas de óbitos infantis (SILVA &
RODRIGUES, 2000).
A proposta ganhou grande respaldo e legitimidade social pelo grande
êxito e devido ao Ceará ter assumido o programa como política estadual,
difundida para 118 municípios do sertão cearense, integrando duas estratégias
centrais – criar frentes de trabalho para mulheres na área da seca e contribuir
para a redução da mortalidade infantil (TOMAZ, 2002; BORNSTEIN & STOTZ,
2007). O trabalho desenvolvido pelos Agentes Comunitários de Saúde foi
reconhecido internacionalmente pelo UNICEF que patrocinou algumas
pesquisas na área, servindo também de referência para a formulação de uma
proposta a nível nacional: o Programa Nacional de Agentes Comunitários de
Saúde (PNACS), com o objetivo de reduzir os óbitos infantis nas regiões mais
pobres principalmente do Nordeste e expandir a cobertura as Ações Básicas de
Saúde. Consolidava-se uma proposta, ainda incipiente de expansão dos
cuidados básicos de saúde, que vinha sendo gestada desde a implantação dos
primeiros programas de extensão de cobertura no meio da década de setenta
até a assunção dos preceitos e diretrizes de Alma Ata e da 7º Conferência
Nacional de Saúde em 1982.
102
O Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde foi criado pelo
Ministério da Saúde em 1991, tomando-se como modelo a experiência do
Ceará e outros estados com trabalhos desenvolvidos em APS. (SILVA, 1997;
SILVA & DALMASO, 2000).
Logo após a criação do PNACS pelo M.S o Conselho Nacional de Saúde
(CNS) em reunião plenária, elaborou um parecer contido na resolução Nº 025
de 12 de dezembro de 1991 aprovando o Programa, com algumas restrições
acerca da configuração da proposta, e seu caráter seletivo. Segundo a
comissão criada pelo CNS para análise do PNACS descreve que:
Configura o Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde
um clássico programa vertical idealizado e planejado a nível federal
que formou uma COMISSÃO NACIONAL DO P.N.A.C.S., composta
por Organismos com experiência nessa área. Em alguns momentos
promoveu encontros regionais e estaduais para a exposição e
debates sobre a proposta, dos conteúdos o instrumentos, ficha de
inscrição, critérios de seleção, provas de seleção a serem aplicadas
de forma igual em todas as partes do País, Programas com tais
características vem sendo condenados já há várias décadas e
historicamente não tem sido eficientes.
A Comissão criada pelo Conselho também ressaltou que o PNACS era
uma proposta de assistência simplificada sem garantia da integralidade das
ações de saúde, não apresentando em nenhum momento a intenção de
recuperação da rede de serviços básicos de saúde para a garantia da
resolubilidade.
Este mesmo parecer acabou por reforçar o caráter focalista do programa
ao restringi-lo ao Norte e Nordeste, “ o PNACS não se expanda além do que foi
previsto para novembro de 1991, para as regiões Norte e Nordeste”. O
documento propõe também um processo avaliativo periódico dentro dos
critérios de eficiência, ou seja, custo benefício, e integração ao SUS a nível
estadual e municipal. Tal parecer colocou também na mesa questões como o
103
pagamento por procedimentos, a descentralização para os municípios da
gestão, capacitação de recursos humanos e o sistema de referência e contra
referência.
Mesmo com o parecer favorável a criação do Programa, as ressalvas
feitas pela comissão do CNS foram importantes para todo o processo de
estruturação, incidindo os tópicos abordados, diretamente na reformulação
posterior do programa e na elaboração da Norma de Operação Básica de
1993.
Em 1992 o programa passa a ser denominado Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS). Ainda centrado na redução da mortalidade
infantil e materna, contudo mais flexível em termos de operacionalização pelo
município.
Todo processo de institucionalização do PACS se deu de maneira a
atender uma prioridade objetiva, centrada e específica – a redução dos óbitos
infantis e maternos em áreas carentes, com a disponibilização de acesso a
ações básicas de saúde. Alguns autores destacam de maneira positiva os
resultados do Programa.
Resende avaliou que
as políticas de vacinação, reidratação oral, visitas domiciliares dos
agentes de saúde e programas de educação materna tiveram um
impacto bastante positivo nos indicadores brasileiros de saúde (...) o
país conseguiu bons resultados em segmentos como o de
mortalidade infantil.(RESENDE, 2007 ).
Dal Poz (1998) destaca que o PACS foi formulado com o objetivo
central de contribuir para a redução da mortalidade infantil e materna,
principalmente nas regiões Norte e Nordeste, através da extensão de cobertura
dos serviços de saúde para as áreas mais pobres. O programa contribuiu
104
consideravelmente para a implantação do SUS, na medida em que reúnia
alguns outros requisitos que o direcionam a assumirem uma característica
reorganizadora do sistema local, mesmo que ainda sim de forma incipiente:
funcionamento dos Conselhos de Saúde, a existência de uma unidade de
referência e a disponibilidade de um profissional de nível superior para
supervisão e auxílio às ações de saúde.
Diferentes experiências foram desenvolvidas no Brasil, anteriormente ao
PACS para expandir os cuidados básicos de saúde de forma a atender aos
princípios do SUS, deslocando o foco de atuação do indivíduo para a família e
se apropriando de forma mais sistematizada do conceito de responsabilidade
sanitária de forma mais resolutiva. Dentro destas experiências destacam-se as
relacionadas com os trabalhos de Medicina Comunitária em diferentes pontos
do Brasil na década de oitenta e noventa com vistas à integralidade do sistema.
O Programa Médico de Família de Niterói, o projeto Murialdo em Porto Alegre e
o de Vitória de Santo Antão desenvolvido pela Universidade Federal de
Pernambuco, são exemplos de trabalhos nessa linha.
Em 1993, o Ministério da Saúde, reúne um grupo de profissionais com
experiência em Saúde Comunitária do Ministério da Saúde e de alguns estados
e municípios, consultores internacionais e especialistas em APS, com o
objetivo de atender a uma demanda de secretários municipais de saúde que
queriam apoio financeiro para “efetuar mudanças na formação e operação da
rede básica de saúde (expansão do programa de agentes para outros tipos de
profissionais)”. Esta incorporação de novos profissionais se dava pela
necessidade de maior resolubilidade do PACS, evidenciada pelos gestores
municipais que aderiram a proposta. (DAL POZ & VIANA, 1998).
105
Em 1994, o Ministério da Saúde cria o Programa Saúde da Família, ao
incorporar o PACS a uma equipe de profissionais de saúde composta por um
médico, um enfermeiro e um auxiliar de enfermagem. Outro referencial
importante foi o Programa Médico de Família de Niterói, uma experiência
exitosa em APS que incorporava princípios e diretrizes como a descrição de
clientela, participação social, integralidade das ações e equidade no
atendimento de forma mais resolutiva e por contar com uma equipe de saúde
mais ampliada com a perspectiva de mudança do modelo assistencial e o
resgate da cidadania da população residente nas áreas assistidas pelo
programa (SENNA, 1995; TERRA & MALIK, 1997; DAL POZ & VIANA, 1998).
A origem do PSF configura-se como parte do processo de reforma do
sistema de saúde no Brasil, iniciado com a Constituição de 1988. Segundo
suas bases programáticas, tem como propósito “colaborar decisivamente na
organização do Sistema Único de Saúde e na municipalização da saúde,
implementando
os
princípios
fundamentais
de
universalização,
descentralização, integralidade e participação da comunidade.” (BRASIL, 1994,
p.5; DAL POZ& VIANA, 1998).
A proposta do PSF apresentava-se limitada na medida em que inscrevia
e direcionava seu atendimento principalmente aos 32 milhões de brasileiros
incluídos no Mapa da Fome do IPEA, expostos a maior risco de adoecer e
morrer e na sua maioria sem acesso permanente aos serviços de
saúde”(Brasil, 1994;p.5). Daí um contraponto que serve de divergência entre
alguns autores, o PSF configurou-se como uma proposta de focalização ou
estratégia de promoção da equidade?
106
Segundo Dal Poz e Viana o UNICEF foi um dos maiores apoiadores e
incentivadores da proposta, visto que já realizara estudos acerca do impacto do
PAS no Nordeste e participara de reuniões com gestores daquela região,
absorvendo
as
demandas
identificando
os
pontos
chave
para
o
desenvolvimento da proposta.
O UNICEF tem uma longa experiência na difusão de estratégias focais e
seletivas, de impacto na redução dos óbitos materno-infantis e estratégias de
co-pagamento pela comunidade, vide iniciativas como GOBBI e BAMAKO8, por
isso a sua atuação como um dos protagonistas da elaboração do PSF no
Brasil.
A economia brasileira encontrava-se também em um período de adoção
dos ditames neoliberais, identificados na política econômica dos governos do
período, Collor 1991/92, Itamar Franco com Fernando Henrique Cardoso (FHC)
como Ministro da Fazenda 1993/1994, FHC 1995/98 (primeiro mandato). Tendo
o Banco Mundial e o FMI como as agências internacionais protagonistas do
debate de restrição financeira do Estado.
O período aberto com a posse de FHC caracterizar-se–à pela
promoção de alterações substantivas no processo de formulação do
sistema de saúde. Radicalizam-se algumas diretrizes e são
introduzidas novas concepções, estas mais claramente identificadas
com as prescrições das agências multilaterais para os países em
desenvolvimento. (ELIAS, 1999, p. 128)
Com relação à implementação da política de saúde, identificavam-se
duas correntes distintas, com paradigmas conceituais diferentes: o da Saúde
Pública e o da Economia da Saúde. O paradigma da Saúde Pública adota o
princípio da equidade e o marco conceitual da epidemiologia. No paradigma da
8
A iniciativa Bamako foi um acordo feito em 1987 entre os Ministros da Saúde da África, com apoio da
OMS e UNICEF. Essa iniciativa procurou incentivar a participação da comunidade no financiamento e
administração de medicamentos essenciais.
107
Economia da Saúde, os princípios da competitividade, da focalização e
seletividade da ação pública e o método das ciências econômicas e
administrativas. As principais agências formuladoras desses paradigmas eram
a Organização Mundial da Saúde (OMS), com suas agências regionais e o
Banco Mundial. (MELO & COSTA, 1994)
Desta maneira a política de saúde toma contornos que se expressavam
pela formulação de programas e propostas influenciados por estas macropolíticas.
Dentro do Ministério da Saúde o PSF se localizou no Departamento de
Operações, Coordenação de Saúde da Comunidade (COSAC), da Fundação
Nacional de Saúde (FUNASA), gerência exclusiva para o PSF, com mais dois
programas, o PACS e o de interiorização do SUS.
O PSF foi criado através da portaria nº 692 com o objetivo maior de
melhorar o estado de saúde da população, mediante a construção de
um modelo assistencial de atenção baseado na promoção, proteção,
diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da saúde, em
conformidade com os princípios e diretrizes do SUS e dirigido aos
indivíduos, à família e a comunidade. (Brasil, 1994; p.9).
Segundo Dal Poz & Viana(1998) o PSF trata-se de parte de uma reforma
incremental do SUS por operar pequenos ajustamentos sucessivos no decorrer
de todo o processo de implementação do Sistema.
No
processo
de
estabelecimento
do
Programa
impôs-se
uma
racionalidade, decorrente das políticas neoliberais quanto à racionalização da
atenção médica. (MENDES,1996)
Algumas estratégias desenvolvidas dentro do próprio Ministério da
Saúde direcionaram a estruturação do PSF para o rompimento da idéia de
108
“programa vertical”, a transferência do Programa da Fundação Nacional de
Saúde (FNS) para a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS).
Essa transferência significou um rompimento com a idéia de programa
vertical, operado através de convênio, tradição dos programas verticais
da FNS, sinalizando sua maior importância dentro do ministério e um
outro tipo de institucionalização do PSF. (DAL POZ & VIANA, 1998, p.
22)
Outras mudanças também foram implementadas por meio de portarias,
resoluções e normas que tentaram dar conta das características do
financiamento para a Atenção Básica, desvinculando-o da remuneração
limitada, operada por procedimentos para a combinação de outros tipos de
remuneração, como do tipo per capta. (DAL POZ & VIANA, 1998).
Com o decorrer do processo de implementação do PSF fizeram-se
necessários a reafirmação de alguns princípios e pressupostos básicos do SUS
para consolidação do PSF enquanto estratégia e sua desvinculação do caráter
programático, contudo, não surtindo muito efeito, tendo em vista a análise da
macro-política adotada à época.
O processo de indução da descentralização na área da saúde, operada
pelas Normas Operacionais Básicas, fez com que os municípios aos poucos
assumissem de forma progressiva a responsabilização das ações de saúde
nos diferentes níveis de complexidade do sistema.
O processo de descentralização também é um ponto importante para
análise, visto que o entendimento deste processo se diferencia interna e
externamente. Segundo Elias, (1997, apud Elias, 1999), no plano discursivo
esta diretriz encontra-se de acordo com os preceitos prescritos pelo Banco
Mundial. Contudo, a sua importância para esta instituição reside mais no seu
109
caráter racionalizador e na possibilidade de subsídio da oferta privada a nível
municipal do que propriamente em suas potencialidades como incremento da
democratização da instância municipal. Daí a sua apropriação pelas duas
vertentes, a municipalista e a neoliberal.
Para Levcovitz et al (2001), a principal diferença da NOB 96 e as outras
que antecederam foi “a tentativa de indução de mudança do modelo
assistencial, através do estabelecimento de incentivos à estruturação do PACS
e do PSF”.
Com relação a Atenção Básica, a NOB 96 foi um divisor de águas por
estabelecer mecanismos de financiamento que fortalecem a Atenção Básica e
de promover a reorganização do modelo de atenção à saúde através do PSF.
Vários objetivos da NOB 96 podem ser descritos, destacamos os que
influem e se referem diretamente ao PSF:
- reorganizar o modelo assistencial, passando aos municípios a
responsabilidade pela gestão e execução direta da Atenção Básica de Saúde;
- a promoção e reorganização do modelo de atenção à saúde, adotandose a estratégia principal a ampliação de cobertura do Programa Saúde da
Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) através
da criação de um incentivo financeiro de acordo com a população efetivamente
coberta pelos programas e da incorporação dos procedimentos relacionados
aos programas no custeio federal da atenção básica. (LEVCOVITZ, 2001 et al).
Segundo os autores citados há também uma importante inovação para o
modelo de financiamento federal na saúde com a adoção do Piso de Atenção
Básica. Este rompe definitivamente com a modalidade de “pós pagamento”
110
vinculada a produção, tornando-se uma modalidade de “pré pagamento” para a
remuneração dos serviços de Atenção Básica.
Há também aqueles autores que discordam que a NOB 96 foi um
avanço,
descrevendo
que
ela
não
passou
de
parte
dos
projetos
“neoliberalizantes” do governo.
A NOB 96 fragmenta a integralidade da ação criando uma cesta
básica para os cidadãos mínimos e dá liberdade para o setor privado
crescer(...). A NOB 96 fere a autonomia de gestão dos municípios
(...). Dois equívocos estão impedindo um maior avanço na
consolidação do SUS: indução (pelo financiamento) ao modelo
epidemiológico penalizando o município que não adotar o programa e
o risco do cartão SUS como forma de barrar o acesso dos cidadãos
aos serviços de sua escolha. (BUENO & MERHY,1997 s/d).
Esta tensão acabara por refletir o maior embate que se processava a
nível macro-político, as proposições das Agências e a reafirmação dos
princípios constitucionais.
Aos poucos, o Ministério da Saúde tenta dar contornos de “Estratégia”
ao PSF. Em 1997, o Ministério da Saúde lança a publicação Brasil (1998),
“Saúde da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial”.
Esta publicação apresenta de forma sistematizada as bases do PSF, numa
tentativa de reforçar seu caráter estratégico de reorientação do sistema,
segundo suas diretrizes operacionais.
Para Levcovitz & Garrido, (1996) Secretário de Assistência à Saúde e
Diretora
do
Departamento
de
Assistência
e
Promoção
à
Saúde,
respectivamente, do MS na época, o PSF incorpora e reafirmam os princípios
do SUS, os autores descrevem também que o PSF “não é mais um programa,
na tradição corrente do Ministério da Saúde. Ou seja, Saúde da Família não é
uma estratégia paralela na organização de serviços, mas uma proposta
substitutiva de reestruturação do modelo.”
111
O caráter substitutivo deve ser entendido em sua dimensão técnica,
política e administrativa. Na dimensão técnica “a USF passa a ser a porta de
entrada do sistema, com a oferta de uma atuação sanitária que incorpore a
atenção médica tradicional à uma lógica efetivamente de promoção da saúde.
(...) a unidade se insere no sistema de saúde de forma orgânica e não isolada.”
(LEVCOVITZ & GARRIDO, 1996).
O PSF não significou a criação de, na visão do MS, novas estruturas de
serviço, exceto em áreas desprovidas de qualquer tipo de serviço. Implantá-lo
significa substituir as práticas tradicionais de assistência, com foco nas
doenças, por um novo processo de trabalho comprometido com a solução dos
problemas de saúde, a prevenção de doenças e a promoção da qualidade de
vida da população. (Brasil, 2000ª)
A unidade de saúde da família (USF), nesta visão, está inserida no
primeiro nível de ação e serviços do sistema local de assistência, denominado
atenção básica. Deve estar vinculada à rede de serviços, de forma a garantir
atenção integral aos indivíduos e famílias, de modo que fosse assegurada a
referência e contra referência para clínicas e serviços de maior complexidade.
A USF trabalharia com território de abrangência definido sendo
responsável pelo cadastramento e acompanhamento da população vinculada
(adstrita) a esta área.
Cada equipe do PSF seria composta, no mínimo, por um médico, um
enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes
comunitários, outros profissionais poderiam ser incorporados às equipes ou
formar equipes de apoio, de acordo com as necessidades e possibilidades
locais.
112
As bases do programa estavam postas, em um contexto conturbado e
de grande tensão entre políticas econômicas liberalizantes, restrição fiscal e
resistência democrática. Dado o contexto em que se inserem as políticas
públicas nos governos da década de noventa, as características assumidas
pelo PSF foram questionadas por diferentes autores que fundamentam a
configuração do programa na perspectiva de que sua estruturação se deu com
vistas a cobertura assistencial direcionada à população pobre, configurando-se
em uma política social focalista.
Para evitarmos uma análise residual, sabendo que também não há
possibilidades de esgotamento do debate, deveremos retornar a discussão da
conceituação de focalismo realizada no capítulo 2, para embasarmos nossa
discussão acerca de que características da política encaminhada pode ser
considerada focal ou não.
6 – Empréstimos para reforma: o projeto REFORSUS
O projeto de Reforço à Reorganização do Sistema Único de Saúde
(REFORSUS) foi um dos primeiros programas de empréstimos do BM ao
Brasil, responsável por induzir o programa de reforma do sistema de saúde,
orientado para o aumento da eficiência do SUS. Também foi um importante
mecanismo de veiculação de recursos para a estruturação do PSF nos
municípios e estados, em uma fase de priorização da Atenção Básica pelo
Governo Brasileiro e conseqüente crescimento do número de equipes.
Seu objetivo maior era de “auxiliar o Governo a implementar reformas no
setor que possam promover a sustentabilidade financeira do SUS e aumentar
sua eficiência”. (Site:http://reforsus.saude.gov.br/pag_reforsus.asp, 20/06/2007)
113
O interesse do Banco Mundial, no setor de saúde brasileiro, com a
conseqüente ampliação significativa de empréstimos, levando o Brasil a ser um
dos maiores países mutuários da América Latina na década de noventa,
acompanhou a retomada do discurso de combate à pobreza no final da década
de oitenta e a emergência deste setor como importante mercado para
investimento privado. (RIZZOTO, 2000)
Instituído em 1996, por meio de um acordo de empréstimo número 4047Br, teve seu fechamento em dezembro de 2003. O projeto foi dividido em dois
componentes principais: “Investimentos” com atividades distribuídas em quatro
áreas; (I) readequação física e tecnológica da rede assistencial; (II) Programa
Saúde da Família; (III) ampliação da rede hematológica e hemoterápica; (IV)
ampliação da rede de laboratório de saúde pública. O segundo componente foi
o
desenvolvimento
institucional.
(site:
http://reforsus.saude.gov.br/pag_reforsus.asp)
Para o Banco Mundial o REFORSUS destina-se efetivamente como um
empréstimo para promover a Reforma no Sistema Único de Saúde brasileiro,
recebendo o nome de “Projeto de Reforma do Setor de Saúde” (RIZZOTO,
2000)
No que compete ao nosso objeto de análise, o PSF, este acordo
significou um reforço à indução do Ministério da Saúde à ampliação da Atenção
Básica através do PSF. Por meio do projeto REFORSUS, o Ministério da
Saúde passou a alocar recursos para a formação e treinamento de recursos
humanos do PSF, com a criação de 31 Pólos de Capacitação para as equipes
de PSF. Posteriormente, começaram a serem oferecidos cursos de
especialização e residência em saúde da família. Além disso, foram adquiridos
114
pelo projeto equipamentos para aumentar a resolubilidade do programa, TVs,
vídeos, computadores, impressoras e mobiliário de informática para as
unidades que dispões de equipes de PSF.
A viabilização dos recursos do projeto demonstra a convergência de
idéias entre a instituição mutuaria (Governo brasileiro) e a financiadora, Banco
Mundial, acerca das proposições de Reforma.
A liberação dos recursos de empréstimos do Banco Mundial é regida por
um conjunto de deliberações denominadas Estratégia de Assistência ao País
(EAP). Cada EAP é o veículo central de análise dos países mutuários, pelo
Banco Mundial, para liberação de empréstimos.
Este documento descreve
quais serão as estratégias de assistência do Grupo do Banco, para aprovação
de empréstimos, com base nos seguintes parâmetros:
- Desempenho econômico e social mais recente;
- os objetivos do Governo e os desafios por ele enfrentados;
- diagnóstico das questões chave e o modelo de políticas públicas;
- perspectivas, avaliação dos riscos, problemas de implementação e
indicadores de referência;
- a matriz do programa do país, com a combinação proposta de projetos
(de
empréstimos).
(site:
http://www.bancomundial.org.br/index.php/content/view_projeto/509.html).
Tais parâmetros, já são previamente definidos pelo documento para a
avaliação, por parte do Banco, do cumprimento do receituário condicionante.
Por si só, estes pré-requisitos configuram-se como condicionantes do país, a
adoção da política econômica e social sugerida por essa agência.
115
Identificamos com isso que a participação do Banco traduz-se mais na
apresentação de diretrizes e orientações nacionais, com o objetivo de reformar,
do que no financiamento de projetos ou programas. Percebemos também que
as diferentes interpretações mascaram as reais intenções e objetivos destes
acordos.
6.1 – A pobreza como alvo das políticas sociais
Para a caracterização do PSF e levantamento dos principais aspectos
operacionais, principalmente aqueles relacionados à focalização, seleção de
beneficiários
e
condicionalidades,
assim
como
o
contexto
de
seu
desenvolvimento, utilizamos análise da legislação e documentação oficial e
publicações de instituições internacionais acerca das diretrizes a serem
observadas.
Inicialmente, reportamo-nos ao Relatório sobre o desenvolvimento
mundial de 1990, em que o Banco Mundial recomenda aos países em
desenvolvimento, estratégias para o enfrentamento dos elevados custos
sociais decorrentes das políticas de ajuste, trazendo consigo, uma diretriz que
determinará as características da política social na década, “o combate à
pobreza”.(Banco Mundial, 1990)
Para o Banco Mundial 1990, o “combate à pobreza” deve ser
desenvolvido a partir de políticas sociais focalizadas e compensatórias.
Este relatório inaugura a utilização do conceito de pobreza, pelo Banco,
segundo parâmetros de incapacidade, um fracasso individual daquele que não
consegue ser competitivo.
(UGÁ, 2004, p. 60)
116
Com isso, a política social – saúde e educação – assume um caráter
assistencialista, focalizando e restringindo seus serviços àqueles denominados
“incapazes”.
Neste sentido, as políticas sociais nos países em desenvolvimento,
estariam vinculadas a esta perspectiva de entendimento da pobreza, a partir de
uma ordem social fundamentada na visão neoliberal que tem o mercado como
o principal organizador da sociedade, percebendo a sociedade composta por
indivíduos obrigados a competir uns com os outros. (UGA, 2004)
117
6.2 - Considerações sobre as diretrizes do Programa Saúde da
Família e principais características operacionais
Para iniciarmos esta análise, apresentamos algumas informações que
demonstrarão a opção pela Atenção Básica e o PSF no período entre 1995 e
2001. Aqui utilizamos como marcador desta tendência a disponibilização de
recursos financeiros, não em quantidade, mas na proporção de seu
crescimento.
No quadro abaixo é apresentado a evolução dos gastos de custeio em
saúde por ano e sua destinação final.
Quadro: 1 Gastos de custeio Ministério da Saúde (1995/2001)
R$ bilhões
FONTE
ANO
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2.681
2.321
3.217
3.591
3.932
3.854
4.207
PAB fixo
1.905
1.760
2.010
2.371
2.194
1.877
1.790
PACS/PSF
134
171
230
311
401
713
968
11.417 11.304
12.673
11.390
12.005
11.772
12.064
16.137 15.556
18.130
17.663
18.532
18.216
19.029
Atenção
Básica
Média e Alta
complexidade
TOTAL
*Até 1997 a forma de repasse de recursos era através da remuneração por procedimentos realizados na
Atenção Básica. A partir de 1998 entra em vigor o PAB.
Fonte: Brasil, Ministério da Saúde, Subsecretaria de Planejamento e Orçamento; Dissertação mestrado
Santos, 2002. Financiamento e investimento na Saúde Pública do Brasil no período 1995/2002.
Ao analisarmos o quadro 1 podemos observar que apesar da grande
diferença entre os montantes de recursos para Atenção Básica e para a Média
e Alta Complexidade, o crescimento vertiginoso dos recursos para a Atenção
118
Básica, na ordem de aproximadamente 57%, e para a média e alta
complexidade ser de aproximadamente 6%, configura-se em uma explícita
priorização por parte do Ministério da Saúde pela Atenção Básica no período.
Os gastos com Atenção Básica passaram de R$ 2,7 bilhões, em 1995, para R$
4,2 bilhões em 2001. Enquanto que a Média e Alta Complexidades saíram de
R$ 11,4bilhões, em 1995, para R$ 12 bilhões em 2001, um crescimento
pequeno para o período.
6.3 – O caso do Programa Saúde da Família no Brasil
O PSF foi criado pela portaria Nº692 em dezembro de 1993, no governo
de Itamar Franco, com Henrique Santilo no Ministro da Saúde, em meio a
propalada calamidade pública da saúde e anúncios no corte do orçamento pelo
então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.
O processo de
discussão em torno da criação do PSF se deu, a nível internacional, no
contexto de deliberações de uma agenda global para saúde. Os principais
pontos desta agenda podem ser encontrados no Relatório de desenvolvimento
mundia: Investindo em Saúde do Banco Mundial publicado em 1993.
Este documento marca um passo importante na assunção da liderança
internacional acerca das proposições de políticas no campo da saúde do Banco
Mundial (MATTOS, 2000; MISOCZKY, 2002).
A principal mensagem deste documento que nos interessa, para
correlação e análise do processo de formulação e implantação do PSF, é a
proposta de um pacote de cuidados essenciais básicos de responsabilidade do
Estado. “É de prioridade máxima que os governos financiem um pacote restrito
119
de medidas de saúde pública e intervenções clínicas essenciais (...)”. (Banco
Mundial, 1993, p. 9)
Esta proposta do Banco está fundamentada na boa relação custoefetividade, ou melhor, custo-benefício, na medida em que o Banco propõe o
uso de um indicador anos de vida ajustados em função da incapacidade (DALY
– disability adjusted life year), que combina anos de vida saudáveis perdidos
por mortalidade prematura com aqueles perdidos como resultado de
incapacidade. Com isso, é definida uma “cesta básica” a ser financiada pelo
Estado, que pode ser distribuída em dois grandes grupos ou apresentarem-se
combinadas (Banco Mundial, 1993)
•
Pacote de Saúde Pública – que envolve as atividades de imunização,
serviços de saúde na escola, transmissão de informações e serviços
especiais de planejamento familiar e nutrição, programas de redução do
consumo de álcool e tabaco, ação reguladora, informações e
investimentos públicos criteriosos para melhorar o ambiente doméstico,
prevenção da AIDS; (BM, 1993)
• Pacote de Serviços clínicos essenciais – devem constar deste pacote no
mínimo cinco grupos de intervenção: serviços de assistência a gestante;
planejamento familiar; controle da tuberculose; controle das DSTs;
doenças graves comuns da infância (IRAs, doenças diarreicas, sarampo,
malária e desnutrição). (B.M, 1993)
Para Misoczky (2002), a lógica econômica foi utilizada para a elaboração
desta metodologia. Esta defesa central de valores econômicos, embutida na
elaboração destes indicadores, para obtenção do máximo de aproveitamento
de dinheiro investido e efetividade em termos de custo, evidencia argumentos
120
de natureza essencialmente economicistas aplicados ao sistema público de
saúde, lógica esta presente desde o modelo CENDES/OPAS de planejamento.
Sabemos que o aumento da eficiência do sistema público de saúde também
é uma preocupação dos que defendem os princípios da Reforma Sanitária,
contudo, os argumentos são com bases numa justiça social, não em uma
justiça de mercado, economicamente definida. Esta sutil diferença na verdade
esconde todo um embate entre as duas correntes de concepção de políticas de
saúde.
De acordo com estudos da carga de doenças, realizado pelo Banco Mundial
(1993) se 80% da população dos países em desenvolvimento tivessem acesso
a um destes “pacotes essenciais” e/ou combinação dos pacotes de saúde
pública e serviços clínicos essenciais poder-se-iam evitar 24% do impacto atual
das doenças, diminuindo os custos, para o reinvestimento na saúde dos pobres
a partir de uma seletividade de procedimentos. O Relatório de desenvolvimento
mundial Investindo em saúde deixa claro esta opção, por propor que parte da
prestação de serviços clínicos ficaria sob responsabilidade do setor privado,
assim como incentiva o financiamento e a adoção de seguro privado, no caso
dos serviços clínicos discricionários. (Banco Mundial, 1993)
Retornando ao debate nacional, o processo interno de formulação do PSF
foi impulsionado pelos êxitos conseguidos com Programa de Agentes
Comunitários de Saúde que tinha o “objetivo central de contribuir para a
redução da mortalidade infantil e materna, principalmente das regiões norte e
nordeste, através da extensão de cobertura dos serviços de saúde para áreas
mais pobres e desvalidas”. Aliados também a reinvidicação de alguns
secretários municipais de saúde que desejavam a ampliação do programa para
121
outros profissionais, de forma a dar mais resolubilidade ao programa (Viana &
Dal
Poz,
1998)
e
algumas
experiências
nacionais
de
Medicina
Comunitária/Familiar, como a do entorno do Grupo Hospitalar Conceição de
Porto Alegre, descrito por Misoczky (1994) como uma mescla confusa da
Medicina Comunitária e a Medicina de Família que “apontava para o
isolamento do pobre como objeto de uma prática médica diferenciada, passível
de coexistir com outras formas de práticas destinadas a outras categorias
sociais (...)”. Esta afirmação se deu devido principalmente as características da
experiência que enfatizou a redução de custos, em um modelo voltado para as
populações daquela área que não podiam pagar pelos cuidados de saúde.
Propostas estas intensamente apoiadas pelas agências internacionais como
UNICEF e Banco Mundial que financiavam projetos e formulavam propostas na
área da saúde com foco na Atenção Básica e modelos de atenção orientados
para as famílias pobres, como foi o caso do Programa de Agentes
Comunitários do Ceará. (MINAYO, 1990; MATTOS, 2000)
A contextualização do processo nacional e internacional, de reforma e
reordenamento do modelo assistencial, em função das idéias contidas no
“Investindo em Saúde” do Banco Mundial, que Segundo Misoczky (2002) nada
mais é que o “refinamento técnico” das propostas do Finincing Health Services
in Developing Countries: an agenda for reform, de 1987, da mesma instituição,
faz se necessário para o entendimento dos caminhos percorridos pelo PSF no
período estudado.
Para a melhor caracterização dividiremos o período
estudado em três fases: 1993/94 – Institucionalização – 1995/98 – transição
programática e construção de viabilidade – 1999/01 – consolidação indução
financeira, expansão homogênea (municípios de pequeno e médio porte),
122
análise de viabilidade em região metropolitana (início da expansão metrópole),
reconhecimento das limitações em regiões metropolitanas.
E o que temos com a implantação do PSF? A adoção combinada do pacote
básico proposto pelo Banco, adequada a realidade brasileira ou uma estratégia
estruturante da Atenção Básica no Brasil focalizada nas populações pobres?
Ou uma estratégia estruturante para a organização da oferta por meio da
constituição de uma porta de entrada do sistema de saúde?
Ao analisarmos os documentos de criação do programa, assim como os
documentos que dão suas diretrizes operacionais identificamos alguns marcos
que trataremos aqui como sendo parte do processo de implantação. Por ser
definido como uma fase processual, analisaremos seus documentos à luz da
intencionalidade de suas proposições ao longo do período 1994-2001.
Durante a primeira metade da década de noventa identificamos dois
períodos como marco analítico do processo de implantação do programa. O
primeiro marco é o período que culmina com a formulação da portaria Nº692 de
dezembro de 1993 que institucionaliza o PSF, fruto de discussões com técnicos
e especialistas em APS dentro do Ministério da Saúde e a análise de algumas
experiências nacionais. O segundo marco é a publicação das diretrizes
operacionais do programa, seus objetivos e metas, “Saúde dentro de casa”, de
março de 1994. Esta publicação define como público alvo 32 milhões de
brasileiros, circunscritos ao Mapa da Fome do IPEA. População esta, exposta a
um maior risco de adoecer e morrer devido as péssimas condições de vida, e a
ausência de acesso aos serviços de saúde. As bases do programa já o
definiam como proposta de atenção integral e contínua a todos os membros da
família, com a definição de área de abrangência e adstrição de clientela, uma
123
composição mínima da equipe de saúde e o importante estabelecimento de
uma rede de referência e contra referência. Para o reforço ao estabelecimento
de vínculo o programa propunha que a equipe deveria residir na área de
atuação, trabalhando em regime de dedicação exclusiva, um equívoco que
posteriormente será descrito como apenas o Agente de Saúde deveria cumprir
este requisito. Outras diretrizes foram encaminhadas como: privilegiamento da
demanda programada com vistas à reorganização da demanda espontânea,
possibilidade de redirecionamento da formação de recursos humanos
adequados ao SUS, remuneração e formas de contratação diferenciadas e
reforço a participação social.
A proposta também trouxe como idéia marcante a Promoção da Saúde,
exercida de forma efetiva na medida em que o processo de trabalho estaria
direcionado para estas ações (educativas no núcleo familiar e grupos de risco),
a importância do trabalho interdisciplinar entre outros. Viana & Dal Poz
acrescentam que as condicionalidades de adesão ao PSF o configuram como
importante instrumento reordenador do sistema de saúde municipal com
reforço a participação comunitária ao exigir que o Conselho Municipal de
Saúde esteja funcionando, assim como o Fundo Municipal de Saúde.
Ao analisarmos estas diretrizes operacionais à luz dos conceitos de
focalização e seletividade, identificamos que estas primeiras diretrizes
operacionais, mesmo com grande viés racionalizador e seletivo de sua clientela
não são suficientes para enquadrá-lo no roll de ações focais contrárias a
universalização. Na medida em que há uma identificação de clientela exposta a
um maior risco social e privadas do acesso aos serviços de saúde, de forma
sistematizada. Contudo, esta ação estaria longe de ser considerada de
124
promotora de equidade, mas com justificativa para tal discriminação positiva,
ao tempo em que privilegia o acesso a quem tem maior necessidade.
Identificamos também uma possível semelhança na oferta de serviços
de saúde pelo PSF, centrada na simplificação e racionalização de tecnologias e
a proposta de “cesta básica” do Banco Mundial.
Seria interessante destacar também alguns pontos para análise: o fato
do mecanismo utilizado como critério de seleção da população a ser atendida,
dentre toda a população, ser capaz de responder apenas parte dos fatores
envolvidos na questão da equidade, por não estar explícita que a definição do
conceito de justiça utilizado se correlacionaria melhor com o conceito de justiça
de mercado ou de justiça social. Fato este evidenciado pelas características da
política econômica e da política social encaminhada no período. Cabe ainda
pontuar que o período em questão tem suas bases sendo definidas a partir da
política econômica que seria o fio condutor da política de governo conduzida na
década de noventa.
A política econômica, que FHC patrocinou ao longo de seu primeiro
mandato, foi definida e formulada ao tempo em que foi Ministro da
Fazenda de Itamar Franco, em 1993/94](...).
(SINGER, 1999, p.25)
Esta política está fortemente ancorada no ajuste fiscal, fundamentada na
tese de que altos índices de inflação sempre são causados por gasto público
excessivo. Com isso, ganha força também os relatórios internacionais de
ineficiência e má alocação do gasto público, principalmente o da saúde. Outro
argumento que permeavam as discussões de redução dos gastos públicos foi a
redução do tamanho do Estado com uma participação crescente da iniciativa
125
privada na prestação de serviços de saúde e a adoção de políticas sociais
focais (Banco Mundial, 1993).
Com toda esta conjuntura, entende-se porque há uma tendência
crescente do interesse na Medicina de Família, por parte da equipe do governo
Itamar Franco, descrita por alguns autores como modelo de atenção
racionalizador voltado para populações pobres. (MISOCZKY, 1994; MERHY,
1997)
Entretanto, há um desenvolvimento crescente da Medicina de Família
nos países ricos, que tem sistemas universais de saúde, aonde este trabalho
vem sendo responsável por impor um processo crescente de reestruturação do
sistema.
Outra análise que podemos fazer, diz respeito a adoção destas políticas
focais em meio à universalização que segundo Kerstenetzky, 2005 pode ser
enquadrada de acordo com o conceito de Focalização como ação de
redistribuição –
(...) ação reparatória, necessária para restituir a grupos sociais
o acesso efetivo a direitos universais formalmente iguais.
Entretanto, esta estratégia de focalização não estaria em sintonia com a
política econômica neoliberal propalada no período. Cada vez mais
observamos um processo de restrição e circunscrição das ações e
procedimentos definidos pelo Governo brasileiro como “básicos”. Observemos
também que mesmo concebido como porta de entrada, o PSF vem com um
discurso inicial de garantir o acesso as ações básicas, sem a garantia do
acesso aos outros níveis de complexidade.
Em 1995, inicia-se o primeiro mandato do presidente FHC com uma
proposta de ordenamento das políticas sociais já encaminhadas. As diretrizes
126
da política social tinham como foco as ações e programas denominados de
“combate à pobreza”. É com esta perspectiva que foi criado o Programa
Comunidade Solidária, concebido como uma estratégia de governo voltado
para o combate da pobreza e exclusão social. Esta estratégia foi responsável
por articular programas sociais nas áreas de educação, saúde, alimentação,
saneamento habitação e geração de renda. Seus objetivos eram: reduzir a
mortalidade infantil; melhorar as condições de alimentação dos escolares e das
famílias carentes; melhorar as condições de moradia e saneamento básico;
gerar emprego e renda; melhorar as condições de vida do meio rural; apoiar o
desenvolvimento do ensino básico; defender os direitos e promover
socialmente crianças e adolescentes ( PRATES & NOGUEIRA, 2004)
Para Dal Poz & Viana (1998) o Comunidade Solidária foi um importante
canal de articulação da saúde com outras áreas e instrumento de legitimação e
expansão do PSF, segundo as diretrizes de combate à pobreza.
Com isso, aprofunda-se, nesse período, a dimensão do focalismo,
buscando na seletividade das ações um caminho para ampliação do acesso às
condições “mínimas ou básicas” para o desenvolvimento.
Estrutura-se também uma política de alívio a pobreza, fundamentadas
em políticas imediatistas e assistencialistas, em contraposição à políticas de
superação da pobreza, descrita por COHN (1995).
Em
termos
de
política
de
saúde,
estas
“condições
para
o
desenvolvimento” tomam contornos mais delimitados com a formulação e
implantação da Norma Operacional Básica de 1996 (NOB 96). De certo, a NOB
96 é concebida em um cenário conflituoso, tendo de um lado a tentativa de
implementação dos princípios e diretrizes da Lei Orgânica da Saúde, de outro,
127
um projeto de reforma do sistema de saúde sujerido pelo Banco Mundial e
elites tecnocráticas brasileiras que conduziam a política econômica.
Os impactos resultantes do desenvolvimento do PSF nas regiões norte e
nordeste suscitaram discussões que influenciaram diretamente a elaboração da
NOB 96. Neste período são introduzidos algumas discussões que dizem
respeito as formas de pagamento operadas no SUS até então, há um
aprofundamento do debate da limitação do pagamento por procedimentos.
Segundo Dal Poz e Viana (1998), a partir do PSF é que houve uma indicação
de mudanças no critério de alocação de recursos no SUS, esta discussão
caminhou para a configuração de uma norma indutora da estruturação da
Atenção Básica, através do PSF, com um caráter estratégico e uma
necessidade imperativa do rompimento do caráter programático da proposta.
Com a NOB 96 há um rompimento com a exclusividade do pagamento por
procedimento, criando-se o Piso de Atenção Básica (PAB), que previu
remuneração per capta para que os municípios pudessem desenvolver ações
básicas de saúde (parte fixa), além de recursos adicionais para aqueles que
desejarem implantar ações previstas em programas e incentivos do Ministério
da Saúde (parte variável). Esta fase se configura em um processo de indução
financeira, operada pelo Ministério da Saúde, visto que, prevê um aporte de
recursos fundo a fundo para a implantação de ações consideradas pela norma
como básicas e necessárias, dado o perfil de morbimortalidade da população
brasileira.
De certa forma, esta indução para alguns autores, feriu a autonomia dos
municípios, não dando condições técnicas e financeiras para que eles adotem
128
uma configuração de rede básica de acordo com sua realidade local e
pactuada em seus fóruns gestores locais. (MERHY & BUENO, 1997)
A NOB 96 foi instituída através da portaria GM / MS 2.203 de 06 de
novembro de 1996 e alterada antes mesmo de sua implementação pela
Portaria Nº1882/GM que regulamentou o Piso de Atenção Básica e sua
composição e pela portaria Nº1886/GM que definiu as normas e diretrizes do
Programa de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde com as
atribuições de cada nível de gestão do sistema, ambas publicadas em 18 de
dezembro de 1997, reforçando ainda mais o caráter normativo e restritivo desta
NOB.
A NOB 96 também condicionou o recebimento do Piso de Atenção
Básica, aos municípios que cumprissem alguns requisitos como: comprovação
de funcionamento do Conselho Municipal de Saúde, abertura de uma conta no
Fundo Municipal de Saúde destinado a Atenção Básica, existência de uma
equipe técnica mínima no município, assinatura de termos de compromisso.
Por conta do PAB (fixo e variável) ficou circunscrito um conjunto de ações
programáticas a serem induzidas, dentre elas: Incentivo as Ações de Combate
as Carências Nutricionais; Incentivo as Ações Básicas de Vigilância Sanitária; o
Incentivo às Ações de Controle da Tuberculose, hanseníase, Saúde da mulher
e da criança, controle diabetes, hipertensão e Incentivo ao PACS/PSF. (Brasil,
1999).
Com a NOB o PSF tenta reforçar seu caráter estratégico de reorientação
do modelo assistencial, agora de forma mais sistematizada, com financiamento
garantido fundo a fundo (por parte do Ministério da Saúde) e com as diretrizes
e competências definidas para cada nível do sistema. Contraditoriamente, a
129
presente norma também deixa explícita a opção do incentivo à adoção do
modelo programático, de forma verticalizada, ao financiar através de rubricas
determinadas no PAB variável, o PSF/PACS.
Cada vez mais o caráter substitutivo e estratégico do PSF era trazido
para o discurso dos dirigentes do programa a nível nacional. Levcovitz (1996)
propunha entender o caráter substitutivo em duas dimensões: a técnica, que
pressupõe a identificação do PSF como porta de entrada do sistema de forma
orgânica e não isolada; o aspecto político-administrativo que deveria ser
impulsionado pela NOB 96 ao valorizar o empenho político de investimento do
gestor municipal
(...) vamos apoiar quem queira entrar de fato na reorganização de sua Atenção
Básica. A NOB 96 valoriza o incremento de cobertura, quanto mais áreas
atendidas, maior o incentivo financeiro.
(Levcovitz, 1996, p. 4).
Apesar de declararem que esta forma de indução não significa o
extermínio das outras modalidades de atenção ambulatorial, o fato da restrição
do financiamento de experiências municipais já consolidadas, sem respeito à
opção municipal de formulação de sua própria proposta ou a ausência de
estímulo à absorção dos princípios de qualidade da Atenção Primária, pela
rede de serviços de saúde “tradicional” do município, acaba com isso,
sucumbindo esta rede, historicamente constituída, à inanição, criando uma
falsa dicotomia entre “redes”.
Em meio aos esforços do Ministério da Saúde em difundir o PSF e as
discussões para da implementação da NOB 96, que só irá começar a ser
implementada em 1998, com as primeiras habilitações de municípios, é
publicado a cartilha, Saúde da Família: Uma estratégia para reorganização do
modelo assistencial, com informações referentes aos objetivos, diretrizes
130
operacionais, processo de trabalho das equipes, atribuição de cada profissional
que compõe a equipe mínima, formas de planejamento da implantação das
equipes, seleção e capacitação dos profissionais, entre outras normatizações
federais. (Brasil, 1998).
Este material foi um grande reforço para o condicionamento dos
municípios que aderiam a proposta e logo conquistavam as condições de
gestão previstas na NOB 96.
Pela primeira vez o Ministério da Saúde lança um material com
informações acerca do PSF que tentam descaracterizá-lo como programa
vertical, focalista e seletivo, com o objetivo explícito de consolidá-lo como
estratégia.
embora rotulado como programa o PSF foge à concepção usual dos
demais programas concebidos no Ministério da Saúde, já que não é
uma intervenção vertical e paralela às atividades dos serviços de
saúde. Pelo contrário, caracteriza-se como uma estratégia que
possibilita a integração e promove a organização das atividades em
um território definido(...). (Brasil, 1998 p.9)
Em primeira análise este material descreve o objetivo do PSF de forma a
tentar esclarecer e consolidar seu caráter estratégico, incluindo as unidades
básicas de saúde no processo de reformulação da prática assistencial com
novas bases.
Contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da
atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema
Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas
unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades entre
serviços de saúde e a população. (Brasil, 1998, p. 11)
Também há uma tentativa de romper com a concepção e compromisso
inicial do PSF, focalizado nas populações circunscritas ao Mapa da Fome do
IPEA e ao grupo materno-infantil. Aos poucos as estratégias de focalização e
seletividade, concepções de acesso ao “mínimo” e/ou “básico”, que antes eram
131
restritas as populações abaixo da linha da pobreza, em condição de indigência,
saem deste contexto e reaparecem como estratégias universalizantes.
Outro equívoco - que merece negativa – é a identificação do
PSF como um sistema de saúde pobre para os pobres, com utilização
de baixa tecnologia. Tal assertiva não procede, pois o programa deve
ser entendido como modelo substitutivo da rede tradicional – de
cobertura universal (...). (Brasil, 1998, p. 9).
Contudo, ao seu inicial processo de implantação Levcovitz já
caracterizava o PSF enquanto proposta de substituição parcial do modelo, visto
que atenderia uma “parcela do mercado de atenção ambulatorial, identificados
como co-naturais ao PSF”. “Esse caráter seletivo do processo de substituição
do modelo (...) se dá em função das próprias diferenças entre as realidades
locais do país”.
Concebia-se, com isso, que o PSF seria uma “alternativa
integral para alguns contextos e apenas como elemento de constituição
parcelar em outros”. (LEVCOVITZ, 1996, p.6)
Estas afirmações nos trazem algumas pistas referentes a adequação
natural do PSF à populações específicas.
A partir da publicação de 1998 há uma reflexão maior do que seria este
caráter substitutivo, entendido enquanto “práxis” de um novo processo de
trabalho, incorporando as unidades “tradicionais” a todo o processo de
mudança de modelo assistencial e não apenas como processo de trabalho
paralelo as mudança trazidas pelo PSF.
A unidade de Saúde da Família nada mais é que uma unidade
pública de saúde destinada a realizar atenção contínua nas
especialidades básicas, com uma equipe multiprofissional habilitada
para desenvolver as atividades de promoção, proteção e
recuperação, característicos do nível primário de atenção. (Brasil,
1998, p.11)
A unidade de Saúde da Família caracteriza-se como porta de entrada
do sistema local de saúde. Não significa a criação de novas
132
estruturas assistenciais, exceto em áreas desprovidas, mas substitui
as práticas convencionais pela oferta de uma atuação centrada nos
princípios da vigilância à saúde. (Brasil, 1998, p.11)
Com isso, a proposta do PSF entra em um novo estágio de expansão,
assumindo novas características, atribuições e mecanismos financeiros
específicos. Entretanto, esta nova etapa ainda mantém estreita relação com
suas
concepções
iniciais,
influenciadas
sobremaneira
pelo
contexto
internacional de reformas.
É importante refletirmos acerca de toda esta política indutora do
Ministério da Saúde do período, que se apresenta fortemente submissa a
política econômica vigente que reforça a seletividade das ações e
procedimentos, a precarização dos vínculos trabalhistas, considera a
descentralização como estratégia de eficiência administrativa e redução de
custos, diferente da concepção das propostas de democratização do sistema e
é permissiva ao setor privado para crescer na ausência do poder público como
prestador de assistência (MERHY, 1997; BIANCHETTI, 1996; CARVALHO,
2001).
Para Bueno & Merhy (1997) a NOB 96 estaria “em sintonia com projetos
neoliberalizantes”. Esta constatação por si só já nos abririam os olhos para as
correntes divergentes que operam no processo de implantação do SUS.
A partir de 1998 o Ministério da Saúde vem insistentemente
considerando o PSF como estratégia estruturante, em parte impulsionado pela
expansão massiva reforçada pela indução financeira da NOB 96 e pelas
publicações do Ministério da Saúde que o descrevem como uma “estratégia
que possibilita a integração e promove a organização das atividades em um
território definido (...)”. Entretanto este caráter estratégico auto reinvindicado
133
esbarra no seu caráter focalista, seletivo e na sua forma de financiamento
“programático”, impondo uma falsa contraposição entre a Atenção Básica
operada nas unidades tradicionais e as equipes do programa. Esbarra também
na sua utilização pelos gestores municipais de forma utilitarista.
Para Merhy & Franco (2000) o problema apresentado na organização do
PSF diz respeito ao alto grau de normatividade na sua implementação.
Ressaltam ainda que o formato da equipe, as funções de cada profissional, a
estrutura, o cadastramento das famílias, o levantamento dos problemas de
saúde existentes no território e os diversos modos de fazer o programa são
regulamentados centralmente pelo Ministério da Saúde, o que pode levar ao
aborto da construção de modelos alternativos, mesmo que similares à proposta
do PSF, engessando–o diante das realidades distintas vividas em diferentes
comunidades em todo o território nacional. Os autores são ainda mais críticos
ao descreverem que o caráter prescritivo do programa não é muito diferente do
modelo atual que infere que consultas e exames são equivalentes a soluções
para os problemas de saúde. Concluem desta forma, que o PSF não tenha
poder para reverter a configuração do modelo médico hegemônico.
Alguns problemas relacionados também ao processo de trabalho,
inadequação do modelo à determinadas realidades, resistências corporativas,
falta de profissionais capacitados e financiamento insuficiente vão se
agudizando e a expansão do PSF vai encontrando resistências maiores nas
regiões periféricas dos grandes centros urbanos densamente populosas, onde
há uma incipiente rede assistencial básica e uma diversificação maior de
determinantes sociais do processo saúde doença.
134
Cabe ressaltar ainda que um dos resultados da descentralização
induzida pela NOB 96, diz respeito ao aumento da contratação de prestadores
privados no nível local, através de modalidades de gestão do sistema que
repassam ao setor privado a assistência médica da população. Isto nos remete
a identificação da falsa compatibilidade da descentralização entre as propostas
neoliberalizantes e os princípios da Reforma Sanitária.
Cabe ressaltar ainda uma importante constatação de Lobato (2001) de
que um dos resultados da descentralização induzida pela NOB 96 foi o
surgimento de modalidades de gestão do sistema que repassam ao setor
privado a assistência médica. Fato este, já esperado pelas diretrizes
descentralizantes neoliberal.
Abaixo segue um quadro de análise e comparação da evolução dos
objetivos, metas e ações do PSF em relação as proposições do Relatório de
desenvolvimento Mundial: Investindo em Saúde, 1993.
Quadro: 2 Caracterização periódica do PSF
Caracterist.
Banco Mundial
Objetivos
- Racionalização do gasto
público
- facilitar a participação setor
privado
Adoção de cesta básica 80%
pop
países
em
desenvolvimento atendida.
Metas
Ações
propostas
Assistência
gestante;
planejamento
familiar
e
nutrição; transmissão de
informação;
controle
tuberculose; DST; doenças
da
infância;
imunização;
saúde na escola; prog.
Redução tabaco e álcool;
prevenção DST
PSF 1994
PSF 1998
Melhorar o estado de
saúde da população
atendida
Contribuir para reorientação
do modelo assistencial a partir
da atenção básica
Atender os brasileiros
inscritos no Mapa da
Fome IPEA, garantindo
o acesso as ações
básicas.
Informação em saúde e
qualidade
de
vida;
atenção integral nas
especialidades básicas;
prevenção de doenças;
apoio
diagnóstico
(laboratório, radiologia
e
outros;
encaminhamento para
consultas
especializadas;
viabilização
de
internação hospitalar e
remoção de pacientes
Estabelecer o PSF como
porta de entrada do SUS,
garantindo o acesso as ações
básicas.
Ações Básicas NOB 96:
ações
educativas;
ações
preventivas focalizadas sobre
grupos de risco para causas
evitáveis;incentivo
aleitamento;
combate
doenças diarréicas e IRA
crianças;
imunização;
acompanhamento
crescimento desenvolvimento
infância; pré natal e controle
câncer
mama
e
colo;
planejamento
familiar;
acidentes
e
doenças
ocupacionais;
tuberculose;
hipertensão e diabettes leves
e
moderadas;
prevenção
acidentes por queda, grupos
de auto ajuda para e
acompanhamento idosos
135
Formas de
Acordos econômicos
Convênios
Institucionalização
variável; REFORSUS
PAB
indução
Fonte: Elaboração própria a partir de: Brasil, 1994; 1998;1999; Relatório de desenvolvimento
Mundial: Investindo em saúde,1993.
6.4 Expansão induzida pós 1998
Em março de 1998, assumiu o cargo de ministro da saúde o economista
José Serra. Existiam neste momento 1.843 Equipes de Saúde da Família
implantadas em 649 municípios, cobrindo 6,4 milhões de pessoas. Em
fevereiro de 2000, o número de equipes já tinha atingido 5.463 em 4.136
municípios. (Brasil, 2002). O período também contou com o aumento das
habilitações dos municípios em uma das condições de gestão descritas na
NOB 96, representando um acréscimo expressivo no número de equipes de
PSF e conseqüente população coberta. O programa pôde contar com um
sistema de informação específico, o Sistema de Informação da Atenção Básica,
(SIAB) que propiciou o registro oficial dos dados referentes ao número de
equipes de PSF, com a possibilidade de calcular a proporção da população
coberta
pelo
programa
e
uma
gama
de
indicadores
básicos
de
acompanhamento.
O ano de 1998 foi o primeiro em que o PSF teve definido pelo Ministério
da Saúde um orçamento específico para o cumprimento das metas de
implantação. (Brasil, 2002)
Outra indução importante é a revisão do mecanismo de financiamento
do PSF, através da edição da Portaria GM/MS Nº 1.329 de 12 de novembro de
1999. Esta portaria estabeleceu faixas de incentivo ao PSF por cobertura
populacional, beneficiando os municípios que ampliassem sua cobertura com
vistas a 100% da população atendida pelo programa. Desta forma, esta
indução beneficiou os municípios menores, pois ampliou os recursos
financeiros aos municípios de pequeno e médio porte que, com um número
136
reduzido de equipes, conseguiam coberturas expressivas da população com o
PSF.
A forma de cálculo de cobertura colocada em prática nesta portaria
funcionava da seguinte forma: 1(uma) equipe de PSF seria responsável por,
em média 3450 pessoas, sendo que uma equipe poderia atender até 4500
pessoas. Para um município de 10.000 habitantes, considerando a população
média para fins de cálculo, 3(três) equipes cobririam 100% da população, tendo
com isso, o município direito a faixa mais alta de incentivo financeiro.
Considerando um município com mais de 100 mil habitantes, 3 equipes não
aumentaria os recursos deste município por faixa de cobertura. Esta forma de
incentivo penalizou os municípios mais populosos, das regiões metropolitanas,
com problemas diferentes dos apresentados pelos municípios do interior, com
uma carência maior de apoio a implantação do programa e conversão de
modelo. Em que pesem as diferenças de problemas apresentados por estes
grupos de municípios, esta indução tentou dar conta da garantia maior de
recursos para contratação e fixação de profissionais nos municípios do interior.
Entretanto, percebemos que somente o aumento de recursos não é
capaz de resolver problemas mais complexos, que giram em torno da
crescente precarização do trabalho operado no sistema de saúde, as
determinações de mercado induzidas internacionalmente no sistema e a
restrição fiscal vivida por estados e municípios, encaminhada nesta nova fase
da reforma fiscal, através da Lei de responsabilidade fiscal.
Dando continuidade ao papel das NOBs nos anos 90, em janeiro de
2001 foi publicada a Norma Operacional da Assistência (NOAS), fruto de um
intenso debate no decorrer do ano 2000, entre Secretarias do Ministério da
Saúde, representantes dos secretários estaduais e municipais de saúde, no
âmbito da Comissão Intergestora Tripartite e do Conselho Nacional de Saúde.
(Brasil, 2002)
No que diz respeito à organização da assistência, a norma enfatiza a
importância de qualificar e melhorar a resolubilidade da Atenção Básica, amplia
o rol de ações básicas, com relação a NOB/96, e dá maior liberdade aos
gestores estaduais e municipais na definição de outras áreas estratégicas, de
acordo com suas especificidades locais. (Brasil, 2002). De certa forma isto
pode ser considerado um avanço no que diz respeito às limitações impostas
137
pelas normas anteriores, de estreita relação com o processo de reforma do
sistema de saúde induzido pelo Banco Mundial na década de noventa.
A identificação da crescente resistência à ampliação do PSF nos
grandes centros urbanos levou o Ministério da Saúde a procurar mecanismos
de indução que dessem conta das principais causas desta resistência. A partir
desta constatação foi desenvolvido um conjunto de análises e pesquisas para
conhecer as características e determinantes da limitação da expansão do PSF
nas regiões metropolitanas.
Através de uma pesquisa realizada por Costa & Pinto avaliou-se a
descentralização dos serviços de saúde pelo PAB ( ENSP/REFORSUS,2002)
no período de 1997 e 1999, comparativamente. Este processo de
descentralização teve como característica básica a redistribuição dos recursos
para Atenção Básica, favorecendo os municípios de pequeno porte e reduzindo
expressivamente as diferenças regionais em relação ao financiamento federal
para essa função da atenção à saúde. No Brasil como um todo, os municípios
que mais se beneficiaram com a redistribuição de recursos através do PAB
foram os municípios com menos de 50.000 habitantes. Em contrapartida, cerca
de 30% das cidades com mais de 50.000 hab tiveram o montante de recursos
reduzidos. O estudo ainda faz uma conclusão importante acerca da questão de
recursos humanos, a variação no emprego na atenção básica e ambulatorial é
inversamente associada ao porte populacional do município quando analisados
os dados para o total do país: quanto menor o município, maior foi,
proporcionalmente, o número de empregos criados na função de atenção à
saúde. Todas as regiões do país demonstram essa tendência.
As mudanças na regra de financiamento, no entanto, não foram capazes
de favorecer a ampliação do PSF nos grandes centros urbanos. Problemas de
ordem financeira e estrutural, além da qualificação profissional inviabilizaram
sua expansão no ritmo de crescimento dos municípios de pequeno e médio
porte.
Algumas pesquisas encomendadas pelo Ministério da Saúde como:
Avaliação da implantação e funcionamento do Programa Saúde da Família;
Avaliação da implementação do Programa Saúde da Família em dez grandes
centros urbanos; Determinação e avaliação do custo do Programa Saúde da
Família; O Programa de Saúde da Família: evolução de sua implantação, foram
138
desenvolvidas com o objetivo de conhecer melhor os determinantes da
expansão do PSF no Brasil e suas limitações, assim como, os custos de
implantação nas diferentes realidades de sistemas municipais de saúde.
Cabe-nos aqui descrever alguns resultados destas pesquisas, que tem
estreita relação com o processo de indução desenvolvido pelo Ministério da
Saúde, a partir de então, devido as suas características de busca soluções
para a viabilidade da expansão do Saúde da Família nestes municípios.
Os resultados da pesquisa, O programa saúde da família: evolução da
sua implantação no Brasil, desenvolvida pelo Instituto de Saúde Coletiva da
UFBa, trouxe alguns pontos importantes para entender também o processo de
descentralização de recursos PAB:
•
A partir de 1998, os municípios que implantavam PSF com altas
taxas de coberturas, de uma só vez (acima de 70%), tiveram um
acréscimo significativo após 1999 até 2001. Perfazendo, 24% em
1998, 29,6% em 1999, 49,4% em 2000, chegando a 60% em
2001.
•
O programa neste período apresentou um processo de
implantação caracterizado, primeiramente, pela precocidade de
implantação nos grandes municípios, localizados nas regiões
metropolitanas sem, contudo, alcançar coberturas expressivas.
Somadas a isso, houve uma grande ampliação da cobertura do
programa em municípios pequenos.
A pesquisa sugere que, para explicar a resistência à expansão do
programa em grandes centros urbanos, a estreita relação com a portaria 1329
de novembro de 1999 que versa sobre o incentivo sobre faixa de cobertura,
que penalizaria estes municípios.
Sugere também que um dos principais
empecilhos a implantação do PSF seria a resistência a conversão de modelo
pela estrutura de serviços de saúde pré existentes.
Resultados da pesquisa Avaliação da implementação do Programa
Saúde da Família em dez grandes centros urbanos:
139
Um ponto importante para destacar nesta pesquisa foi a identificação de
que em municípios que possuíam Sistemas Locais de Saúde, o PSF encontrou
maior resistência à sua implantação.
Em geral, a análise sugeriu que em municípios com SILOS melhor
estruturados e com oferta de Atenção Básica, as resistências a
implantação do programa foram maiores do que nos casos em que
significou, predominantemente, extensão de cobertura às áreas
desassistidas.
Fato este indicativo de que pode haver uma incompatibilidade na forma
de indução operada pelo Ministério da Saúde e/ou com o modelo de Saúde da
Família induzido.
Outro trabalho importante foi pesquisa Determinação e Avaliação do
custo do Programa Saúde da Família, desenvolvida pelo consorcio Fundação
Getúlio Vargas. Esta pesquisa teve o objetivo de apurar o custo atual e
potencial do conjunto de ações contempladas pelo PSF. Problema este que
insidia diretamente na estruturação de novas equipes nos municípios, que
reivindicavam um maior aporte de recursos e a participação dos estados neste
custeio.
Os resultados deste trabalho indicaram o custo mensal de uma equipe
de PSF, por pessoa assistida e porte populacional do município. Constatou-se
também que as disparidades regionais entre equipes são tão acentuadas
quanto as diferenças entre equipes de um mesmo município e de municípios
da mesma região. Evidenciou-se também custos variados entre regiões, entre
equipes da mesma região e entre equipes de um mesmo município.
Esses e outros levantamentos feitos pelo Ministério da Saúde em
parceria com instituições de ensino evidenciaram a necessidade de formulação
de estratégias que dessem um apoio maior a esses municípios, levando em
consideração os principais problemas para implantar o programa, de forma
mais homogênea no território e respeitando suas realidades locais,
principalmente, os municípios de grande porte.
Nessa perspectiva, é que foi concebido o Programa de Expansão e
Consolidação da Saúde da Família (PROESF). Um acordo de empréstimo
número 7105-Br entre a República Federativa do Brasil e o Banco Mundial
(BIRD), voltada para a organização e o fortalecimento da Atenção Básica no
país. Datado de 26 de setembro de 2002, este acordo foi uma iniciativa do
140
Ministério da Saúde com vistas a contribuir para a implantação e consolidação
da Estratégia Saúde da Família no Brasil. Não iremos considerar os termos
deste acordo para continuidade deste trabalho devido ao seu processo ainda
estar em andamento. Contudo, ele demarca um período de continuidade de
esforços para a ampliação da cobertura do PSF no Brasil, de forma impositiva
de um modelo que tem suas restrições de funcionamento em determinadas
realidades locais. A proposta do PROESF sinaliza também um continuísmo
insistente de que o êxito para implantação do Saúde da Família, depende
apenas de recursos financeiros para sua sustentabilidade.
6.5 - Comportamento Organizacional do Ministério da Saúde
Outro critério importante para analisar as características do processo de
indução da Atenção Básica no Brasil, no período de 1994-2001, é a partir da
verificação de que forma se organizou a estrutura do Ministério da Saúde para
dar subsídios ao processo de implantação do PSF no país. Esta análise não é
objetivo deste trabalho, contudo, pontuar os caminhos percorridos pelo setor
responsável por este processo de implantação, pode nos indicar opções
escolhidas.
De certa forma, a Atenção Básica era operada de maneira muito
fragmentada, sem uma especificação de que estrutura seria responsável pela
sua integração e interlocução política. Sabemos que a opção de política de
saúde, por parte do governo, não era muito clara, tendo uma maior definição
política a partir de 1995, com o governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso. Entretanto, o modelo de atenção básica desenvolvida e que estava
sendo estimulado, a partir de então, era restrita à população em condições de
indigência.
A opção pelo PSF acabou por descartar as outras formas de
organizar a Atenção Básica no País, impondo-se um modelo que originalmente
nasceu focalista e seletivo.
No período em questão, a estrutura do Ministério da Saúde se
desenvolveu da forma apresentada no quadro abaixo:
141
Quadro:3 Caracterização do desenvolvimento organizacional do PSF (1994-2000)
Características
1994
1995
1999
2000
Cobertura %
1,1
2,5
14,7
45,4
Porte
Pequenos e médios
Pequenos e médios
Médios e grandes
Médios e grandes
FUNASA/
SAS/
SAS/
Secretaria
do PSF
município
Vinculação
administrativa
no M.S
Coordenação
de
Saúde
da
Coordenação
de Atenção Básica
ao
_
de
Políticas de Saúde/
Departamento
Comunidade
Estratégias
acopladas
Coordenação
de PSF
de
Atenção Básica
Pólos
de
Pólos
Capacitação
em
Capacitação em S.F;
Capacitação;
SIAB e Pacto da
PACTO;
Atenção Básica
fornecimento
PSF
PSF
de
Pólos
de
SIAB;
de
medicamentos para
equipes;
Saúde
bucal.
Regras
de
Convênios
repasses
referenciada
FNS a FMS após
remuneração
habilitação NOB 96
por
serviços produzidos
financeiros
estratégia
Convênio até 95 e
FNS-FMS via PAB
em 98 via PAB
a partir 96
Programa focal
Estratégia focal
Estratégia
Estratégia
estruturante
estruturante
Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios de pesquisa; Saúde da Família evolução da
implantação; Indicadores de monitoramento da implementação do PSF em Grandes Centros Urbanos e
quadro apresentado conduzidos pelo DAB/SPS/MS. Tese doutoramento Machado, 2005. Relatório de
Gestão MS (1994-2002); Relatório de Gestão (1998-2001) MS/SAS.
A primeira vinculação administrativa do PSF foi na Fundação Nacional
de Saúde(FUNASA), órgão responsável pela coordenação das ações
programáticas. Funcionava dentro do departamento de Operações, uma
gerência específica para o programa, Coordenação de Saúde da Comunidade
(COSAC), que agregava mais dois programas além do PSF, o PACS e o
Programa de Interiorização do SUS. (DAL’POZ & VIANA, 1998)
Em 1995, quando Fernando Henrique Cardoso assumia a presidência da
república, com Adib Jatene no Ministério da Saúde, a política social, em
conseqüência, a política de saúde, já havia sido encaminhada, desde sua
participação como Ministro da Fazenda. Com isso, houve um maior empenho
do Ministério da Saúde em romper com as características de programa vertical,
operada através de convênios do PSF, apontando para um novo tipo de
142
institucionalização do programa. (VIANA & DAL’POZ, 1998; SINGER, 1999).
Neste contexto, o PSF é transferido da Fundação Nacional de Saúde para a
Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), com o objetivo do rompimento da
idéia de programa, contudo, ainda operacionalizado como tal.
Em 1999, a Coordenação Nacional de PSF foi transformada em
Coordenação de Atenção Básica, que logo depois seria transformada em
departamento com estrutura de 3 (três) Coordenações.(Brasil, 2002). Com o
claro objetivo de ampliar conceitualmente sua abrangência.
Outra mudança na vinculação administrativa importante foi a mudança
de status da Atenção Básica, que saiu da Secretaria de Assistência à Saúde,
passando para a Secretaria de Políticas de Saúde e mudando de Coordenação
de Atenção Básica para Departamento de Atenção Básica em 2000, com o
objetivo de reforçar ainda mais a consolidação do Saúde da Família como
estratégia estruturante e política do SUS. (Portaria GM/MS nº 124 de 16 de
fevereiro de 2000).
Estes marcos organizativos caminharam juntos dos esforços e
proposições de estabelecimento da Atenção Básica no Brasil, tendo como eixo
central de estruturação o Saúde da Família que, ao longo da década de 1990,
vem tentando se estabelecer enquanto estratégia estruturante do Sistema
Único de Saúde.
143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um olhar sobre a evolução do sistema de saúde no Brasil nos remete ao
seu complexo embate de construção de viabilidade. Remete também aos modelos
de políticas sociais construídos ao longo dos tempos, com objetivos de atender a
interesses das elites econômicas, deixando em segundo plano o atendimento das
necessidades da população.
Um olhar sobre as necessidades de saúde da população evidencia
diferentes determinantes, na sua grande maioria, fruto da grande desigualdade de
distribuição das riquezas no país, com a conseqüente desigualdade social.
Durante o período estudado evidenciamos um processo de construção do
Sistema Nacional de Saúde brasileiro de forma a atender a população
indiscriminadamente, com o objetivo de garantir um sistema público, universal,
integral e capaz de minimizar as iniqüidades presentes na sociedade.
Algumas estratégias se destacaram na tentativa de garantir tais objetivos,
contudo, encontraram pela frente, políticas que indicavam profundos e sucessivos
ajustamentos estruturais das instituições e do funcionamento do Estado. Estas
políticas, na década de noventa, envolveram reformas mais profundas do que as
reformas evidenciadas na década anterior, e não tão somente mudanças de ordem
econômica, no conjunto, foram operadas reformas setoriais, condicionadas.
O que percebemos, ao analisar os documentos de referência para este novo
padrão de reforma, é que se mantém um padrão de não inclusão de objetivos
distributivos nos programas de ajuste. A estratégia utilizada para o resgate da dívida
social foi através da formulação de programas e projetos focalizados e seletivos,
destinados à proteção dos pobres e das populações em condição de indigência,
144
fundamentada no conceito de justiça de mercado. Este conceito de justiça vem
demonstrando-se ineficaz para o enfrentamento da pobreza ao longo dos tempos.
Desta forma, a política de saúde foi incorporada pela agenda econômica,
assumindo um lugar de destaque nesta agenda, com o principal objetivo de
racionalização dos custos para a sua plena utilização pelo mercado. Com isso, os
sistemas nacionais de saúde dos países em desenvolvimento, foram alvos de um
conjunto de proposições elaboradas em meio ao contexto macroeconômico de
ajuste.
Todavia, o processo de construção nacional de uma agenda de reformas
demonstrou-se resistente as imposições destas agências, configurando-se em
potentes nichos de resistência dentro do sistema público de saúde no Brasil.
Impulsionados pelo processo de democratização do Estado brasileiro, puderam
asseguraram alguns princípios basilares do sistema de saúde, consagrados pela
Constituição brasileira e Leis complementares.
É dentro deste contexto que foi formulado o Programa Saúde da Família, em
um período de adoção de uma política macroeconômica de intensos ajustes fiscais
e estruturais, consensuada entre o Governo brasileiro e os organismos financeiros
internacionais. De outro lado um movimento de Reforma Sanitária, reforçado pelo
processo de democratização do Estado brasileiro, capaz de se consolidar como um
movimento contra hegemônico do período.
Inicialmente a proposta foi concebida enquanto programa focal e seletivo, mas
com um suporte conceitual de quebra de paradigmas, conquistado ao longo das
experiências locais dos SILOS e distritos sanitários, construídos e experimentados
durante o processo de Reforma Sanitária.
145
Ao longo da década de noventa o programa veio adquirindo um maior suporte
conceitual e legitimidade, assumindo características estratégicas reestruturadoras
do sistema, inspirado nos princípios constitucionais. Estimulou e amadureceu
discussões referentes as formas de financiamento do sistema público de saúde,
integração da rede assistencial, adequação do processo de trabalho, qualificação e
formação de recursos humanos. Uma das principais conquistas do PSF foi a
ampliação da discussão da mudança de modelo assistencial e o conseqüente
reforço para quebra deste paradigma.
A cada norma operacional editada, após a institucionalização do PSF, tinham
claramente expressas suas influências, configurando-se em um processo de
maturação da estratégia, na medida em que eram preenchidas lacunas
organizativas da Atenção Básica de estreita relação com o programa. A NOB de
1996, resguardados suas alterações e a NOB 01, configuraram-se em potentes
ferramentas para a organização e gestão da Atenção Básica, contudo, com grande
influência das diretrizes políticas da época. O espaço de formulação das NOBs
constituiu-se em uma arena de defesa pactuação dos diferentes interesses.
A relação estabelecida entre o PSF, no período de formulação e
institucionalização, e o contexto político em que se encontrava o Brasil, submisso
aos ditames das instituições financeiras internacionais, acabou por imprimir um nível
de influência que pode ser descrito como uma relação parcial de adoção do modelo
de reforma de sistemas de saúde induzido pelas agências internacionais.
Essa relação parcial apresentou-se da seguinte forma:
1. Na medida em que se apresentou focalizado em populações
específicas, e seletivo na relação estabelecida entre seus procedimentos
146
e o nível de racionalização requerido, controle da oferta em função dos
custos;
2. Nas suas características essencialmente normativas e verticalizadas;
3. Na indução financeira perversa que estimula sua implantação pelos
gestores e políticos de maneira utilitarista, desconsiderando modelos
alternativos constituídos localmente;
4. Estreita relação do pacote essencial básico do Banco Mundial com as
ações do programa normatizadas nacionalmente;
5. A precarização do vínculo empregatício dos profissionais envolvidos
com a estratégia, e o fomento por parte do Ministério da Saúde de
utilização de contratações via terceiro setor em contraposição ao
estabelecimento de concurso público, vide a regulamentação da
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP9)
Na análise desenvolvida por este trabalho, percebemos que inicialmente as
propostas precursoras da sistematização e organização do PSF, como o PACS,
nasceram de propostas seletivas e focais, transferindo parte de suas características
9
A OSCIP foi criada pela Lei nº 9.790 de 23 de março de 1999 e regulamentada pelo decreto 3.100, de 30
de junho de 1999. A OCIP é um título fornecido pelo Ministério da Justiça do Brasil cuja finalidade é
facilitar o aparecimento de parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos
(federal, estadual e municipal). Outras formas de contratação também foram estimuladas pelo Ministério
da Saúde, como contratações temporárias e cargos comissionados, contudo, recebendo pareceres
negativos do Tribunal de Contas da União devido a sua não conformidade com o princípio constitucional
de seleção do servidor público.
147
referenciais. O processo de implantação inicial do PSF não foi identificada como
estratégia estruturante do sistema de saúde. Fato este, evidenciado a partir de suas
próprias definições institucionais ao longo de sua trajetória na década de noventa.
Sua identificação enquanto estratégia para reestruturação do modelo assistencial só
ocorreu a partir de 1998, após discussões e encaminhamentos da NOB 96 e a
assunção do seu caráter estratégico, oficialmente pelo Ministério da Saúde. Seu
processo de maturação foi se dando na medida em que se encontravam pela frente
diferentes sistemas locais de saúde, requerendo a incorporação de estratégias
diferenciadas e tecnologias apropriadas. Assim como, a defesa incondicional dos
princípios constitucionais do SUS pelos de atores que participaram do movimento
sanitário. Na retórica neoliberal evidencia-se a defesa do SUS, contudo os princípios
são reinterpretados, permitindo um novo processo de reimplantação desses,
segundo a lógica do sistema econômico, descaracterizando a proposta inicial,
elaborada pelo Projeto de Reforma Sanitária brasileiro.
Estudar os aspectos políticos e institucionais que envolveram a criação do PSF
e sua implementação na década de noventa, possibilitou a identificação de questões
políticas, ideológicas e econômicas embutidas, bem como sua relação com o projeto
de desenvolvimento econômico que norteia o crescimento do país.
De certo, o SUS no período em questão, sofreu sucessivos ataques a sua
proposta de construção de um sistema universal, equânime e integral, em um país
marcado por enormes desigualdades sociais e extremamente populoso. Entretanto,
seu êxito reside na perspectiva de construção de um Estado forte e capaz de
formular políticas públicas voltadas para o enfrentamento da exclusão social,
causada pelo modelo econômico de desenvolvimento. Isso implicaria na
148
reformulação dos compromissos assumidos com a ordem econômica instituída,
vislumbrando uma integração de simbiose entre política econômica e política social.
149
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