Trabalho final 27.4.08 - final version
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Trabalho final 27.4.08 - final version
FILOZOFICKÁ FAKULTA UNIVERZITY PALACKÉHO V OLOMOUCI Katedra romanistiky Bracara Augusta, Época Romana na Cidade de Braga Bracara Augusta, římská éra v Braze Bracara Augusta, Roman Era in the City of Braga Bakalářská diplomová práce Veronika Baudyšová Studentka 3. ročníku Angl. fil. – Port. fil. Studijní rok 2007/2008 Vedoucí práce: Mgr. Petra Svobodová Olomouc 2008 Prohlašuji, že jsem tuto bakalářskou diplomovou práci vypracovala samostatně a uvedla v ní veškerou literaturu a ostatní informační zdroje, které jsem použila. V Olomouci, 30.4.2008 2 Moje poděkování patří Mgr. Petře Svobodové za odborné vedení mé bakalářské diplomové práce. Agradecimento ao Exmo. Dr. Henrique Barreto Nunes pela sua ajuda na criação deste trabalho. 3 Conteúdos Conteúdos ........................................................................................................... 4 Introdução ........................................................................................................... 5 1. Breve história de Bracara Augusta ..................................................................... 7 1.1 Povoação da Península Ibérica ..................................................................... 7 1.2 Estabelecimento de Bracara Augusta ............................................................ 9 1.3 Declínio da cidade romana ......................................................................... 12 2. Vida quotidiana .............................................................................................. 14 2.1 Sociedade ................................................................................................. 14 2.2 Religião .................................................................................................... 14 2.3 Actividade artesanal .................................................................................. 16 3. Vestígios romanos .......................................................................................... 19 3.1 Urbanismo ................................................................................................ 19 3.2 Arquitectura .............................................................................................. 20 3.3 Muralha .................................................................................................... 21 3.4 Vias .......................................................................................................... 22 3.5 Necrópoles................................................................................................ 22 4. Monumentos principais de Bracara Augusta...................................................... 24 4.1 Termas Públicas do Alto da Cividade........................................................... 24 4.2 Zona arqueológica das Carvalheiras............................................................ 27 4.3 Fonte do Ídolo .......................................................................................... 28 4.4 Cloaca Romana e Pórtico ........................................................................... 30 4.5 Domus de Santiago ................................................................................... 30 4.6 Ruínas das Frigideiras do Cantinho ............................................................. 31 4.7 Edifício romano da Rua da Nossa Senhora de Leite...................................... 31 4.8 Casa do Poço ............................................................................................ 31 5. As escavações ................................................................................................ 32 Conclusão .......................................................................................................... 37 RESUMÉ............................................................................................................. 38 Bibliografia......................................................................................................... 39 Glossário básico ................................................................................................. 41 Anexos .............................................................................................................. 42 4 Introdução Hoje em dia, Braga é a terceira maior cidade de Portugal. 1 A região é tradicionalmente agrícola, cultiva-se sobretudo milho, vinho e frutas. O concelho é o centro industrial onde se produz chocolate, calçado, fogo-de-artifício, papel, refrigerantes e sabão e que mantém o comércio activo com os seus vizinhos, sobretudo com o Porto. Além disso é a capital da região do Minho e o centro religioso de todo o país. Mas quanto à importância da cidade na península, é quase imperceptível, ultrapassada pelas grandes e ricas cidades espanholas e a capital portuguesa. No entanto, cerca de dois mil anos atrás Bracara Augusta era a capital da província romana da Galécia. Era sede tanto comercial, jurídica e política como cultural e científica da região. Segundo um cronista árabe, «Braga foi residência real dos Romanos semelhante a Mérida 2 pela solidez dos seus edifícios e ordenação das suas muralhas.» 3 Por ser um cruzamento de vias romanas mais importantes o lucro e o desenvolvimento rápido da cidade era garantido. Na altura da sua maior prosperidade nos séculos II e III era a cidade mais importante de toda a Península Ibérica. Bracara Augusta tinha um valor único que em umas áreas podemos encontrar até hoje em dia, como, por exemplo, a diferenciação étnica e cultural entre o norte e o sul de Portugal manifestada por José Saraiva: «No convento bracarense havia, diz também Plínio, vinte e quatro cividades, habitadas por duzentos e oitenta e cinco mil tribunários. (...) O facto de o distrito bracarense não se incluir na província da Lusitânia traduzia provavelmente a diferenciação étnica dos povos. Ambos estes factores – diferenciação étnica e diferente grau da acção romana – têm sido argumentados para justificar as diferenças culturais que 1 População total é 170 000 habitantes. O concelho tem 172 km² e 62 freguesias. <http://en.wikipedia.org/wiki/Braga> 25.4.08 2 Actual Mérida, fundada como Emerita Augusta em 25 a.C., é a capital da Extremadura, Espanha. 3 Talvez a referência mais antiga sobre Braga. Cronista árabe do século XI. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 147. 5 ainda hoje, sob muito aspectos, se observam entre as populações do Norte e do Sul de Portugal.»4 Por causa de a falta das fontes históricas, supõe-se que a grande parte das riquezas da cidade ainda espera por ser escavada. Um bom conjunto de edifícios romanos foi explorado nos anos 70 do século XX, altura em que a cidade de Braga sofreu um grande desenvolvimento urbano. Como disse o Dr. Henrique Barreto Nunes «cada rua que se abria, cada alicerce que se escavava revelava a existência de restos e estruturas da cidade romana.»5 Com cada nova construção surge um novo vestígio da fama e do esplendor que antigamente a cidade possuía. Tradicionalmente, Conímbriga, Lisboa e Évora são consideradas as maiores cidades romanas em Portugal. Todavia, é, principalmente, porque essas três ficaram bem conservadas, escavadas e são conhecidas pelo público. O propósito deste trabalho é mostrar e certificar o grande prestígio de Bracara Augusta, que fica, injustamente, atrás. Apresentarei a breve história da cidade, desde a chegada dos primeiros povos a essa zona até à rebelião do D. Afonso Henriques. Tomarei em conta as várias remodelações e mudanças essenciais da realidade romana. O trabalho depois falará sobre a sociedade romana, constituição da população, sua vida quotidiana e cultos religiosos. Não me esquecerei de observar as actividades comerciais e artesanais dos cidadãos. Para podermos imaginar a face de Bracara Augusta, escolherei os monumentos mais significativos dessa época, promoverei a sua descrição histórica e arquitectónica e apontarei as suas posições no mapa da actual cidade minhota para a melhor orientação do leitor tanto na cidade romana como na moderna. Além disso, comunicarei o processo das escavações arqueológicas, a problemática das destruições criminosas dos vestígios romanos e a criação de organizações ligadas ao salvamento de Bracara Augusta e a atitude da Câmara Municipal de Braga responsável pela negligência e destruição de grande parte da antiga cidade latina. 4 SARAIVA, J. H. – História Concisa de Portugal, Publicações Europa-América, 1993, p. 27. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 3. 5 6 1. Breve história de Bracara Augusta Neste capítulo vou brevemente apresentar os povos que residiram na Península Ibérica e a chegada dos Romanos. O estabelecimento e desenvolvimento de Bracara Augusta vai ser descrito em detalhes, prosseguido pelo declínio da influência romana, época sueva e árabe e pelas datas básicas da história bracarense. 1.1 Povoação da Península Ibérica Os habitantes nativos da Península Ibérica são Iberos que vieram provavelmente da Ásia ou África. A sua civilização desenvolveu um rico comércio de ouro e prata que posteriormente chamou a atenção dos Fenícios que invadiram a península no século XII a.C. e estabeleceram a sua residência em Gades6 e em Zambujeira. Eram espalhados em todo Portugal, de Algarve até ao noroeste. Fundaram cidades como, por exemplo Portimão, Alcácer do Sal e Alis Ubo (Lisboa) e ensinaram aos Iberos como extrair e derreter metais. No século VI vieram os Celtas e instalaram-se na zona do Tejo. Trouxeram a elaboração de ferro que ajudou a produção de armas e de utensílios agrícolas e, consequentemente, o desenvolvimento rápido de agricultura. Com o crescimento da população, as diferenças entre os Iberos e Celtas desapareceram e os dois povos integraram-se em único povo de Celtiberos conhecido por suas fortificações oppida e castros e pelas suas cidades chamadas citânias, cujos restos podemos encontrar no norte do país.7 Os Gregos conseguiram ocupar só poucas partes da península, sobretudo as antigas cidades fenícias, e deixaram a lenda de Lisboa ser fundada por Ulysses. Os Cartaginenses influenciaram principalmente o sul de Portugal e estabeleceram a cidade de Lagos. Todavia a sua presença não durou mais que trinta anos no 6 Actual cidade espanhola de Cádiz. É, por exemplo, Citânia de Briteiros perto de Braga, Santa Luzia perto de Viana do Castelo ou Franquiera perto de Barcelos. 7 7 século III a.C. por ter perdido a Segunda Guerra Púnica8 a favor de os Romanos, que imediatamente iniciaram a sua invasão à península. O progresso até ao oeste demorou mais que um século e meio. A única zona da península que conseguiu manter a sua independência foi a Cantábria. Por ser uma região montanhosa no norte da Espanha, ficou fora do quadro romano e, por isso, até hoje ali sobreviveu uma das raras línguas pré-romanas na Europa, o basco. Na altura da ocupação sistemática romana, os Celtiberos eram diferenciados em dois povos principais: os Calaicos (em actual Galiza) e os Lusitanos (entre Douro e Tejo). A romanização da península foi um processo pacífico. Os povos perceberam as vantagens que lhes podia trazer o alto nível dos romanos. Todavia nem todos gostaram da ideia. Quando os Romanos chegaram à zona do Tejo, o chefe militar lusitano chamado Viriato9 conseguiu parar a invasão latina. Mas a paz não durou muito, os ocupantes sucederam o procedimento até à costa atlântica e a romanização da península começou. Os Lusitanos eram recrutados às milícias romanas, foram construídas as primeiras vias e foram estabelecidas as primeiras povoações romanas que serviam como colónias para os veteranos militares. Essas povoações ganharam logo o direito latino mas a cidadania romana pertencia só aos administradores que vieram da Itália.10 Outras cidades, principalmente aquelas que não capitularam imediatamente, não possuíram direitos nenhuns e eram obrigados a pagar altos impostos. Apesar das constantes rebeliões lusitanas, hábitos, leis e palavras romanas entravam na vida quotidiana dos povos bastante facilmente. O território peninsular foi administrado em duas províncias: Hispânia Ulterior, onde ficava a Lusitânia, e Hispânia Citerior Taraconensis, cuja parte fazia a zona entre Douro e Minho. Por cima, graças ao povo romano, ocorreu uma grande revolução agrícola. As plantas não eram produzidas só para a alimentação básica mas, principalmente, 8 Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.) foi provocada pelos Cartaginenses que ultrapassaram o rio Ebro e atacaram as cidades Romanas. Os romanos ganharam a guerra, destruíram a cidade de Cartago e tornaram-se os maiores ocupantes da Península Ibérica. 9 Viriato foi um dos chefes dos Lusitanos que lutava contra a invasão romana entre 147/6 e 139 a.C. Foi assassinado por três traidores comprados pelos Romanos. 10 A cidadania romana foi um estatuto com grande prestígio dado a indivíduos especiais de acordo com os seus poderes políticos e riquezas. Os povos de zonas ocupadas receberam o direito latino, que era um estatuto intermédio entre a verdadeira cidadania romana e o estatuto de não-cidadão. Na era do Vespasianus (69 – 79 d.C. a cidadania foi divulgada a maior parte da população, mas, somente, em 212 d.C. todos os habitantes do império foram promovidos à cidadãos romanos. 8 para a exportação. Os habitantes saíram dos castros fortificados e estabeleceramse em povoações romanas, o que abriu espaço para um grande crescimento urbano. 1.2 Estabelecimento de Bracara Augusta À zona da actual Braga vieram primeiros romanos entre 138 e 136 a.C. em uma expedição militar ao nordeste da Península Ibérica comandada pelo cônsul Décimo Junio Bruto que primeiro ultrapassou o rio Lima e o Minho e ao descer ao sul, envolveu-se em uma batalha contra um dos povos mais importantes que habituavam essa zona, os Bracari (Brácaros). Este povo era de origem Celta e era conhecido por ser uma tribo de guerreiros. O povo habitava em povoados fortificados e possuía um extenso território que estendia, talvez, entre Douro e Cávado, e cuja capital era a Citânia de Briteiros. Uma das suas fortalezas era o Castro Máximo que podia estar na origem da fundação de Bracara Augusta, a cidade romana que leva o nome do povo indígena. Nos últimos duzentos anos antes do Cristo, a tribo sofreu um grande desenvolvimento agrícola, artesanal e comercial e por isso era de grande interesse aos governadores romanos. Ao imperador Augusto (31 a.C. – 14) impôs-se a reorganização administrativa do noroeste peninsular e a integração das suas populações no mundo romano. O imperador mandou fundar cidades11 e construir grandes vias, que consolidaram o poder de Roma e aproximaram as populações da região dos restantes habitantes do Império. A criação de Bracara Augusta era um dos objectivos do imperador. A cidade foi provavelmente construída no ano de 16 a.C. por cima do Castro já mencionado e de um acampamento romano estabelecido em 27 a.C.12 Como era um cruzamento de vias principais na península, a cidade imediatamente começou a crescer. Apesar disso, o estado da cidade e dos habitantes permanece discutível. Tradicionalmente, considera-se que Bracara 11 Além de Bracara Augusta, construiu Lucus Augusta (actual Lugo) e Astúrica Augusta (Astorga). Segundo o Dr. Nunes a origem da cidade está no Castro Máximo, todavia a M. Martins diz que é pouco provável que a cidade se tenha sucedido a um castro proto-histórico, pois o local não possuiu as condições topográficas adequadas para a fixação desse tipo de povoados. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000. 12 9 Augusta teria sido promovida a município no último quartel do século I, quando os habitantes ganharam o direito latino, que lhes, posteriormente, promovia a cidadania romana. No entanto, é possível que Bracara Augusta tenha sido criada já com o direito latino, como era típico para as outras povoações criadas pelos romanos. De qualquer forma, a cidade tinha possuído estruturas de governo autónomas, com senado e magistrados, que mostra o seu alto nível e prestígio. Um século depois da sua criação, Plínio inscreveu a cidade na lista dos oppida peregrinos que mais uma vez prova o grande prestígio para a cidade.13 Vespasiano (69-79) fez Bracara Augusta a sede de convento jurídico, pois tinha o carácter religioso e económico. Da época do Augusto (27 a.C. – 14 d.C.) e do período júlio/cláudio sabemos pouco. A dinastia júlio-claudiana (14-68) continuou com o povoamento e desenvolvimento da cidade, prosseguiu a rede viária e criou a organização do culto imperial. Além disso mandou construir primeiros edifícios públicos, por exemplo, na zona do Alto da Cividade14, e a rede de saneamento. Na sua época prosperavam, também, as actividades económicas, sobretudo metalurgia, olaria e comércio. No contrário, são abundantes os vestígios de construções da época flávia/antonina. Nessa era (69-96) houve um grande crescimento urbanístico de Bracara Augusta. Foram construídos novos edifícios públicos, como a casa das Carvalheiras ou o Domus de Santiago, e os quarteirões eram sistematicamente ocupados. As vias antigas eram reparadas e a Via Nova (XVIII do Itinerário de Antonino 15 ) foi criada. Houve um notável desenvolvimento das actividades 13 Plínio, o Velho (23-79) foi um naturalista romano que escreveu Naturalis Historia, livro de 37 volumes que descreve a natureza e geografia do mundo romano. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Naturalis_Historia> 10.4.08 14 Alto da Cividade ou Cividade é uma freguesia no concelho de Braga. É conhecida, principalmente, pelas termas romanas. Ao lado dela fica outra freguesia, Maximinos, onde, também, foram encontrados vestígios romanos. Mapa de freguesias bracarenses está nas páginas web da Câmara Municipal de Braga <http://www.cmbraga.pt/wps/portal/publico/kcxml/04_Sj9SPykssy0xPLMnMz0vM0Y_QjzKLt4z3NQfJgFiewfqRaCJBcB Ffj_zcVP0gfW_9AP2C3NCIckdHRQCzyUF5/delta/base64xml/L3dJdyEvd0ZNQUFzQUMvNElVRS82Xzlf TUE!> 25.4.08 15 Itinerário Antonino (Antonini Itinerarium) é um registo de vias e estações do Império Romano. Em vez de nomes, as ruas receberam números. O seu autor é desconhecido mas supõe-se que foi Antonino Augusto. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Itinerarium_Antonini> 25.4.08 10 artesanais. Peregrinos, únicos habitantes que ainda dispunham só do direito latino, eram promovidos à cidadania romana.16 A dinastia Antonina (96-192) mandou remodelar os edifícios e construir novas edificações. A mais importante delas foram as Termas do Alto da Cividade. Com o desenvolvimento da cidade, floresceram as actividades económicas e o poder de compra. Os produtos importados eram sobretudo cerâmicas, vidros e objectos de adorno. Todavia, pouco se sabia das exportações, provavelmente eram representadas por cerâmicas, vidro e metais. No século II e nos meados do III a cidade afastou-se das perturbações que afectaram a Hispânia. Isso garantiu-lhe a sobrevivência e permitiu uma vida regular aos habitantes. Nessa época Bracara começou a ganhar o maior prestígio de toda a sua história e continuou a enriquecer. Uma vasta renovação urbana foi registada nos finais do século III e inícios do IV. Edifícios públicos e privados foram remodelados e uma muralha com torreões foi construída. A cidade foi promovida a capital da Galécia17 e por isso as elites mantiveram a sua residência aí. Melhoraram as suas habitações, construindo banhos privados, pavimentos com mosaicos etc. Da cidade saíam cinco vias por quais entravam os imperadores que naquela altura visitavam a cidade. Foi sobretudo o Galieno (253-268) e Cláudio (268-270). Todo o século IV Bracara Augusta manteve o seu nível económico e político. Quanto à sua importância religiosa, a primeira diocese em Portugal foi criada em Braga já em 216 mas o seu primeiro bispo conhecido foi Paterno, mencionado no Concílio I de Toledo, do ano 400. A diocese tinha um vastíssimo território – de Pontevedra ao Douro e do Atlântico ao rio Esla,18 e era muito bem organizada. As responsabilidades da diocese e da cidade ainda cresceram quando se tornou a sede de bispado, no fim de século IV, o que garantiu à cidade a administração de um importante território. Assim Braga tornou-se um dos centros iniciais da cristianização sistemática da Hispânia. 16 Antes, tinham a cidadania romana só os administradores e os habitantes que vieram da Península Apenina. 17 Manuela Martins diz que Diocleciano promoveu a cidade a capital da Galécia. O Dr. Nunes proclama a promoção da cidade ao Caracala, em 216. 18 Rio Esla fica no noroeste da Espanha. 11 1.3 Declínio da cidade romana Há poucas fontes históricas que falam da época entre os séculos V e IX em que se organizou a cidade medieval em torno da Sé. Não se sabe muito sobre a ocupação suevo-visigótica nem das invasões muçulmanas. A partir de 411 os Suevos instalavam-se na região de Braga. Uns quarenta anos mais tarde criaram o primeiro estado bárbaro cristão na Europa. O Convento Jurídico era o núcleo principal do reino deles. Segundo os dados arqueológicos, durante a ocupação sueva a cidade romana não sofria o imediato declínio. Quando algumas construções foram abandonadas, por exemplo as Termas Públicas do Alto da Cividade, outras foram erguidas, como a zona da actual Sé. Todavia o estado não durou muito tempo. Já em 456 o rei visigodo Teodorico invadiu Braga. A cidade ficou por cem anos sob influência visigoda e sob a religião ariana.19 Havia frequentas destruições e violências. Nos meados do séc. VI, com a volta dos Suevos e o seu rei Teodomiro, o povo reconverteu-se à religião romana, o cristianismo. Assim, S. Martinho de Braga torna-se o novo apóstolo dos Suevos.20 Com a nova formação do Reino Suevo, a província eclesiástica bracarense ultrapassou o Douro e anexou as dioceses de Coimbra, Lamego, Viseu e Idanha. Por ser tão enorme, era dividida em duas circunscrições administrativas, uma com sede em Braga e a outra em Lugo. O Reino Suevo acabou em 585 mas a influência de Braga no sul do Douro continuou até depois de 650. Ainda menos se sabe da cidade durante o século VII. Na igreja de S. Vicente foi encontrada uma inscrição funerária datada de 618. Segundo essa, parece que a estrutura da cidade foi bastante alterada. Algumas áreas da cidade foram abandonadas para surgirem novos núcleos em locais de culto cristão, as necrópoles como S. Vicente, S. Vítor e S. Pedro de Maximinos. É admissível que alguns sectores da cidade romana tenham sido sacrificados. A invasão árabe da Península chegou até ao norte de Portugal. Os muçulmanos invadiram a zona da Galécia no ano de 715 mas as circunstâncias são bastante mal conhecidas. As incursões árabes podiam ter destruído se não a totalidade, pelo menos vastos sectores da cidade. Essa destruição poderia dever19 Ver o capítulo de religião. S. Martinho de Braga ou Martinho de Dume foi um bispo responsável pela conversão dos Suevos ao catolicismo. 20 12 se também à reacção cristã contra o domínio árabe, iniciada com Afonso I das Astúrias, nos anos de 753 e 754. Nessa altura os bispos fugiram a Lugo e começaram a crer que todos os direitos de Braga foram transferidos àquela diocese. Apesar de várias tentativas, por exemplo a do D. Pedro, bispo de Braga, a metrópole bracarense só foi definitivamente restaurada pela bula do Pascoal II Experientiam vestram a 28.5.1100. Uma das primeiras reconquistas da cidade deve-se ao seu bispo Odoário antes de 761. Todavia novas invasões de Árabes arrasaram, por mais de uma vez, a cidade. Não se pode provar se Braga foi completamente despovoada ou se, pelo contrário, todas essas invasões permitiram sempre um núcleo de população residente que teria reconstruído a cidade nos séculos IX e X. O Conde Vimara Peres reabilitou a cidade em 870. Promoveu a realização de uma assembleia de bispos e nobres, que pressupõe que a cidade estava povoada e, pelo menos, parcialmente reconstruída. No séc. XI Braga entra na posse constante dos cristãos. Foi restaurada pelo primeiro bispo restituído a Braga, D. Pedro (1070-1091) a quem se deve a primeira escola-catedral do país. Nessa época a maior parte da cidade romana já jazia em ruínas sendo sacrificada à construção de muitos novos edifícios e habitações medievais, que definiram a cidade bem mais pequena que a anterior, centrada em torno da Sé, sagrada em 1089. A partir deste momento houve uma profunda reconstrução da cidade. Novo centro estabeleceu-se por volta da Sé, isto é no noroeste do antigo centro romano. Foram construídas novas muralhas para o centro medieval ser protegido, deixando as muralhas romanas fora da cidade na terra da cultivação. O lucro começou a voltar a Braga. Todavia a cidade medieval nunca mais atingiu tal riqueza e fama como tinha na era dos romanos. O conde D. Henrique de Borgonha e a infanta D. Teresa tinham os seus paços aqui. Foram senhores da cidade entre 1096 e 1110 quando doaram-na aos arcebispos, instituindo um feudo eclesiástico que durou até o séc. XVIII. Nessa altura a catedral marca o centro do núcleo urbano que se tornou testemunha da rebelião contra D. Teresa preparada pelo arcebispo D. Paio Mendes e D. Afonso Henriques em 1120. 13 2. Vida quotidiana Nesse momento vamos voltar a Bracara Augusta e a vida dos seus habitantes na era dos Romanos. A sociedade era bastante diversificada. Os residentes tinham a sua origem em todo o império. Os hábitos, cultos ou sistema comercial ou artesanal tinha o seu carácter único em toda a região. Para podermos imaginar a face de Bracara Augusta, vou exibir os básicos costumes e traços romanos no norte de Portugal. 2.1 Sociedade Inscrição funerária21 Como Bracara Augusta era uma cidade com importância económica, administrativa, religiosa e viária, atraía uma população diversificada, composta por indígenas, imigrantes e militares. Uma fonte histórica muito útil são as inscrições funerárias, ou seja epigrafias, que nos dão conta de notáveis indígenas e castros regionais. A epigrafia permite identificar, além dos nomes, o estado social e, às vezes, as profissões das pessoas enterradas. Desta maneira conhecemos a constituição da população no período altoimperial: 53% eram peregrinos, 23% cidadãos com o direito romano, 19% libertinos e 7% escravos. O alto número dos libertinos não é estranho porque a cidade era de importância comercial. 2.2 Religião Os cultos indígenas eram bastante diversificados. A adoração dos deuses permaneceu e foi misturada com a religião romana que acreditava-se em vários deuses animistas e em umas entidades abstractas como na Fortuna, na Vitória ou 21 Inscrição funerária encontrada no século XVIII, procedente da necrópole da via XVII. Data-se entre os séculos I e III e está dedicada a Agathopous, escravo de Tito Satrio, por Zethu, seu companheiro de escravidão. MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.34. 14 na Paz. 22 Havia sacrifícios, procissões e festivais em nomes dos deuses. As inscrições encontradas em Braga testemunham esta riqueza religiosa, mas também a tolerância religiosa desse povo. Como as outras cidades da Hispânia, Bracara Augusta conheceu o Culto Imperial. Através deste culto, que se iniciou com Augusto, rendia-se homenagem às qualidades e virtudes dos imperadores, que foram tratados como os próprios deuses. O povo levantava estátuas e fazia sacrifícios em nome do imperador, que desta forma ganhava prestígio e poder. Em Semelhe, nos arredores de Braga, foi encontrado um monumento dedicado a Augusto, que prova a importância deste culto em Bracara Augusta. Há também inscrições dedicadas ao Génio de Augusto, a Caius ou Lucius Caesar, que mostram a imposição do poder de Roma na região. A partir de Tibério existiam templos e colégios sacerdotais 23 do Culto Imperial. Em Braga a existência dos templos não foi verificada, todavia, havia dois monumentos epigráficos que testemunham Deusa Minerva24 um culto já estruturado em colégios, um dedicado à deusa Isis25, outro a Augusto. Em Bracara Augusta estavam bem representados os deuses clássicos do panteão. O deus mais importante era Júpiter. Principalmente os soldados romanos nas suas estadias em Braga dedicaram-lhe vários monumentos, como um altar feito por Gaio Júlio Saturnino, ou uma lápide conservada na parede do Hospital de São Marcos por Aemilius Crescens. Marte, o deus agrícola, protector dos guerreiros, foi adoptado como patrono de uma pequena comunidade de pisoeiros residente nos subúrbios de Braga. Os deuses de saúde, Hígia e Esculápio, o deus Evento e Mercúrio26 foram igualmente honrados na cidade, mas há só poucas dedicatórias e os seus 22 A religião romana vem dos deuses Gregos e foi transformada em cirunstâncias romanas. Com a extensão do território do império a religião absorveu muitas outras formas da fé dos povos submetidos e tornou-se uma mitologia rica. 23 Ver glossário. 24 Estatueta de bronze. MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.39. 25 Deusa da Mitologia Egípcia que foi, entre outras, integrada na mitologia romana. 26 Deus romano que levava mensagens ao seu pai, Jupiter. 15 autores são desconhecidos. Julga-se que o culto do Mercúrio era principalmente doméstico, representado pelas pequenas estatuetas da divindade. A deusa Minerva, protectora das artes, dos ofícios, da guerra e da política, era representada por várias estatuetas de bronze em vários locais da cidade. Entre todos os cultos romanos sobreviveram os cultos indígenas, representados principalmente por Nabia, uma divindade feminina das águas, montanhas e florestas, que era uma das mais honradas pelos Bracari. Único altar conhecido dedicado a ela foi encontrado na zona da Fonte do Ídolo. Nesta fonte é, também, representada outra divindade indígena, Tongoenabiago. 27 Perto do actual Museu D. Diogo de Sousa foram encontradas dois altares dedicados a outros deuses indígenas, Senaico e Ambiorebi. Dos cultos orientais que se imponham no Império, na zona de Braga era mais conhecida a deusa Isis, honrada no século II. Cristianismo foi conhecido no império graças a S. Pedro e S. Paulo que começaram a divulgá-lo logo depois da morte do Jesus. Vários missionários vinham a Península Ibérica e ensinavam os princípios dessa religião. Todavia, Cristianismo foi visto como deslealdade ao imperador e foi perseguido, principalmente por Nero. Uma das formas da região cristã era arianismo. Era divulgado por um teólogo católico chamado Arius e é complicado definir porque bastante controversial e não deixou nenhumas fontes escritas.28 Todas as formas cristãs foram reunidas em 380 e o Cristianismo tornou-se a religião oficial do império. 2.3 Actividade artesanal Grande cidade como Bracara Augusta tinha uma actividade artesanal intensa e bastante diversificada. As ruas animavam desde as primeiras horas da manhã. 27 Divindade indígena ligada à águas. A maior diferença entre o arianismo e cristianismo é que os cristãos acreditavam que o Jesus não foi concebido. Os arianos dizem que foi concebido e, por isso, tem o seu início. Mas o Deus é infinito e não tem nem fim nem início. 28 16 Infelizmente, não há muitas referências sobre a organização dessas actividades. Bem descrita encontra-se a actividade da olaria que tinha um importante papel na vida económica da cidade e que floresceu devido à existência de barreiros de boa argila nas proximidades de Braga. Entre os produtos característicos da olaria romana conta-se a cerâmica doméstica produzida na zona do Prado (cerca de Exemplo de cerâmica de Braga29 6km a noroeste de Braga). A «cerâmica bracarense» era produto da melhor qualidade. Tinha formas delicadas da pasta clara. No entanto, ainda há especulações sobre a origem desta cerâmica, que poderia ter sido tal de Bracara Augusta, tal da zona da Via Nova, que se situa na actual Galiza.30 Foram encontradas umas pequenas lucernas assinadas pelo Lucretius. Esse pode ter sido um oleiro com oficina em Bracara Augusta no fim do século I, tal como L. Munatius Treptus, que era um oleiro do norte da África e que provavelmente tinha aberto uma olaria na cidade. Na encosta sudoeste da Colina do Alto da Cividade 31 havia um bairro artesanal, cujas ruínas foram parcialmente escavadas. Outro equipamento de utilidade indeterminada foi encontrado também na área dos Granjinhos (actual Rua dos Granjinhos perto da Avenida da Liberdade). Além da cerâmica havia também metalurgia o que foi provado com a descoberta de moldes de sítulas com decoração geométrica. Segundo as inscrições romanas, Bracara Augusta era um importante centro do comércio na Península. Importavam-se sobretudo produtos alimentares, como 29 Cerâmica baixo-medieval de Braga encontrada nas escavações da R. da Nossa Senhora do Leite. MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.9. 30 Segundo uma outra fonte (História de Portugal, Volume I, p. 267) a cerâmica bracarense «produziu-se em Bracara Augusta entre a segunda metade do século I e os princípios do seguinte. Alcançou uma razoável difusão em todo o noroeste e chegou até à Cidade de Conímbriga.» 31 Nr. 5 no mapa do roteiro romano entre os anexos. 17 ânforas. Especialmente a presença de ânforas vinárias béticas de proveniência itálica, de origem gálica e oriental, mostram que o comércio do vinho tinha uma grande importância, desde a época de Augusto até o fim do Alto Império. 18 3. Vestígios romanos A face de Bracara Augusta era semelhante a outras cidades romanas da península. Havia um forum, 32 termas, casas nobres, templos, teatro, bairros residenciais e mercados. Os monumentos mais notáveis serão descritos no capítulo 4. Aqui vou mostrar uns vestígios romanos encontrados em Braga que nos trazem umas únicas informações sobre a arquitectura e o plano da cidade. 3.1 Urbanismo Apesar de ter hoje só poucos sinais, Bracara Augusta era rica e monumental. Atingiu a sua máxima extensão nos séculos II e III. Quase todas as ruínas conhecidas foram construídas na época flávia e antonina. Não há dados relativos ao programa de obras augústeo, mas supõe-se que nesta época apareceu o plano ortogonal com a orientação noroeste/sudeste, quando antes tinha um plano irregular. Na zona das Carvalheiras33 e do Alto da Cividade identificaram-se umas modulações quadradas com 150 pés de lado (cerca de 44,33m). As ruas tinham uma dimensão média de 3m, excepto aquela que dava acesso ao forum e que tinha 7,5m de largura. Uma das provas do urbanismo romano é a rede do saneamento da cidade. Revelaram-se cloacas bem conservadas. Outra prova são os numerosos pórticos. Os dados sugerem que o traçado ortogonal manteve-se até à Alta Idade Média, pois as remodelações realizadas entre finais do século III e inícios do IV respeitaram a orientação geral das construções anteriores. Os limites da cidade variaram bastante. Na era do Augusto, Bracara Augusta ainda não tinha limites definidos. Tudo mudou com a construção de uma poderosa muralha nos finais do século III. Alguns bairros artesanais desenvolvidos na periferia do núcleo urbano foram incorporados na área intramuros pela construção da muralha tardia, sendo outros sacrificados e desmontados para obtenção de material de construção. 32 33 Forum era o grande espaço aberto que marcava o centro das cidades romanas. Nr. 14 no mapa do roteiro romano entre os anexos. 19 3.2 Arquitectura Os conhecimentos disponíveis sobre a arquitectura romana em Bracara Augusta são bastante reduzidos. Ou por causa de grande número de intervenções, ou porque as estruturas encontram-se saqueadas até à rocha, faltam evidências fundamentais para definir a arquitectura dos edifícios. Conhecem-se só dois edifícios públicos: um são as termas do Alto da Cividade, do outro, identificado sob a Sé, ficaram só os limites. Quanto às construções privadas, conhece-se só uma planta completa de uma casa, nas Carvalheiras. Os inúmeros vestígios doutras construções mostram, que no primeiro momento construtivo (entre a segunda metade do século I e meados do II) usavam-se colunas e blocos. O aparelho utilizado nos edifícios era de excelente qualidade. As construções implantavam-se solidamente na rocha, possuindo, por vezes, imponentes valas de fundação. Às vezes era necessário nivelar a rocha para a preparação dos pavimentos, que resultou na destruição de eventuais estruturas da Idade de Ferro. A partir de finais do século II a qualidade da construção diminuiu bastante. Em vez de blocos bem quadrados que se juntavam facilmente e que tinham uma grande estabilidade, começaram-se usar os blocos irregulares e tijoleiras, que colmatavam os interstícios. Os muros não eram estáveis e a estática das construções ficou fraca. Nos séculos IV e V, a situação ainda piorou. Os novos edifícios eram débeis por causa da falta de alicerces e da má qualidade da maçonaria. Todos os edifícios conhecidos em Bracara Augusta utilizaram o granito. A utilização de mármores e dos mosaicos está documentada mas mal conservada devido à elevada acidez do solo. 20 3.3 Muralha Desde o século XII atesta-se que Bracara Augusta tinha uma muralha. Uma das descrições mais importantes, feita por Jerónimo Contador de Argote34, vem de 1721. Outra foi feita por José Teixeira35 em 1910. Várias escavações realizadas desde 1976 testemunham a existência desta muralha. As intervenções na zona do Fujacal (Rua do Fujacal perto da Avenida da Liberdade) descobriram um pano de uma fortificação, cuja fundação data de finais do século III e inícios do IV. A fortificação era definida por dois muros opostos de 4,20m de altura. A estrutura era bastante larga e irregular por causa das reparações, algumas das quais já feitas na época medieval, que prova que a muralha ainda existia na Idade Média. O próprio circuito da muralha era usado como caminho, até épocas recentes. A muralha era parecida às suas Restituição 3D de um troço da muralha36 congéneres de Lugo e Astorga. Revelaram se traços de dois torreões semi-circulares integrados na estrutura da muralha. Numa intervenção no cruzamento da R. dos Bombeiros Voluntários com a Rodovia (Avenida da Imaculada Conceição, Avenida João XXI, Avenida João Paulo II) em 1997 foi descoberto o alicerce de um possível torreão circular. Supõe-se, então, que existiam mais alguns torreões em vários locais da cidade. O traçado norte é mais difícil identificar. Segundo a investigação do José Teixeira a fortificação corria sob o edifício da Sé, mas as escavações de 1984 na R. de Nossa Senhora de Leite 37 não provaram esta afirmação. 38 Só as escavações feitas na Sé em 1997 identificaram uns vestígios de uma estrutura poderosa. 34 D. Jerónimo Contador de Argote (1676-1749) foi um escritor português. As obras dele falam de escolástica, filosofia mas, também, da cidade de Braga em Memórias Históricas do Arcebispado de Braga. <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/argote.htm> 25.4.08 35 José Teixeira (1859-1928) foi um investigador bracarense, autor de Os apontamentos arqueológicos de Braga. 36 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.43. Nr. 20 no mapa do roteiro romano entre os anexos. 38 Apesar de não revelar os traços da muralha, esta escavação teve bastante sucesso. Pois foram descobertos vestígios de um edifício do século I. Ver a página 31. 37 21 Vias que uniam Bracara Augusta ao exterior39 3.4 Vias Pelo menos seis grandes vias confluíam Bracara Augusta. Cinco delas numeradas são no citadas Itinerário e de Antonino. A via XVI ia de Olisipo (Lisboa) e passava por zona de actual Santarém, Conímbriga, Coimbra Tomar, e Porto, para terminar a sul de Braga. A XIX vinha de Lugo até Lima e Tui. A Via Nova (ou XVIII) saía de Braga na zona da actual R. dos Chãos fazia a ligação mais direita com Asturica Augusta. Passava por território montanhoso e pouco povoado, atravessava os rios Cávado e Homem. O seu traçado está identificado por várias dezenas de miliários. Muitos ainda situam-se no seu local origem, como ruínas de três pontes situadas no Parque Nacional da Peneda-Gerês. A única via que não está no Itinerário ligava Bracara Augusta com Emérita. 3.5 Necrópoles Segundo as regras romanas, os cemitérios situavam-se sempre fora da cidade, normalmente junto ou ao longo das vias que saíam dela. As necrópoles ajudam assim definir os limites da cidade e os enterramentos bem conservados facilitam a sua datação. As lápides funerárias dão preciosas indicações sobre a condição social e origem dos mortos. Até hoje detectaram-se seis necrópoles em Braga associadas às vias: 39 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.53. 22 A de Maximinos, datada dos séculos I, II e III, foi melhor estudada. Situava-se a sudoeste da cidade romana. As investigações revelaram umas sepulturas de incineração em cova, com o espólio relativamente pobre, constituído por cerâmica local. Necrópole da via XVII situada na actual Avenida da Liberdade foi confirmada pela descoberta de dois túmulos, no Largo Carlos Amarante. Uma, intacta, foi escavada e removida. Era coberta por três pequenas lajes graníticas e formada por uma caixa rectangular de tijolos. Dentro foi encontrada uma herança valiosa: um anel, uma aro, um brinco, duas contas de colar, todos em ouro, quatro alfinetes de cabelo de Sepultura medieval encontrada na Sé40 osso revestidos a folha de ouro, oito vasos de cerâmica local, quatro unguentários, uma taça de vidro e uma moeda. Isso pode afirmar que nesta sepultura foi incinerada uma ilustre dama bracarense do século II, e que esta necrópole era destinada aos cidadãos ricos. Vários túmulos em forma de caixas, revestidos de tijolos e tégulas encontraram-se na chamada Rodovia. Enquanto a necrópole do Campo da Vinha (Praça Conde de Agrolongo) corresponde à saída por Ponte de Lima, a da Via Nova (Avenida António Macedo) assinala a via XVIII do Itinerário Antonino. A necrópole de S. Lázaro na zona da Rua da Misericórdia não se enquadra em qualquer das necrópoles conhecidas. As sepulturas são da primeira metade do século I. Assim, é provável, que esta necrópole foi associada a uma via que ligava Bracara Augusta a Emerita e não pertencia ao Itinerário Antonino. Na necrópole da Rua do Caires foram encontrados enterramentos em forma de covas, muitas vezes sem qualquer cobertura, que indica que era uma necrópole dos pobres. 40 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.11. 23 4. Monumentos principais de Bracara Augusta Durante várias obras urbanas no século XX foram descobertos vestígios de alguns edifícios romanos. Uns ficaram bem conservados, outros, menos, mas todos nos trazem um rico testemunho do funcionamento e do quotidiano da cidade romana. Já sabemos que Bracara Augusta tinha um alto poder e prestígio no mundo romano, agora vamos ver a cidade com os seus monumentos principais que conseguiram sobreviver dois milénios, considerando o ponto de vista histórico e arquitectónico. 4.1 Termas Públicas do Alto da Cividade O único vasto edifício público romano conhecido em Braga situa-se no ponto mais alto da cidade, na área protegida da Colina do Alto da Cividade. 41 Encontra-se a sudoeste da cidade romana. O edifício foi construído nos inícios do século II e funcionava como balneário até aos inícios do século V,42 quando foi, muito possivelmente, convertido em uma área habitacional. É um interessante exemplo de funcionamento desses edifícios que pautavam o quotidiano dos romanos. A prática diária de banhos foi herdada dos Gregos e vulgarizada no século I. No império inteiro havia edifícios especializados nessa função, chamados termas. Estas eram ou privadas, integradas às habitações, ou públicas, como neste caso, construídas a expensas municipais. As termas tinham várias utilizações. Além do cuidado do corpo, eram usadas como o espaço social, cultural e do pequeno comércio. As termas funcionavam à tarde, abrindo ao meio-dia e fechando ao anoitecer. Os espaços fechados eram utilizados para banhos, tal frios como 41 A Colina do Alto da Cividade é, também, erradamente chamada a Colina de Maximinos. A confusão surge da proximidade das duas freguesias. 42 Segundo a outra fonte (DELGADO, M., MARTINS, M., LEMOS, F. S. – Dossier - Salvamento de Bracara Augusta, FORUM, 6, Braga, 1989, p.26) as termas foram construídas na segunda metade do século I e utilizadas até finais do século III. 24 quentes, e para massagens. Nos abertos, chamados palestras, praticavam-se exercícios físicos. Não há duas termas iguais no mundo romano, todavia, existe um esquema básico da sua organização. A tecnologia de aquecimento, usando o sistema de hipocausto,43 desenvolveu-se no século I a.C. O ar quente era produzido em uma fornalha, situada em áreas de serviço fora do edifício, e circulava pelas câmaras subterrâneas. Os hipocaustos eram construídos por colunas de tijolos, colocados a intervalos regulares, ou por arcos, sustentando o chão dos compartimentos. O ar quente circulava entre as colunas ou entrava nas paredes por tijolos ocos. A água para as piscinas aquecia-se em caldeiras, colocadas sobre as fornalhas, e circulava em canos de chumbo.44 Restituição 3D da fase I das termas45 As escavações das Termas da Cividade começaram em 1977 e demoraram, com uns intervalos, até 1999. Uma rápida compreensão do espaço tornou-se difícil. O calor e as águas quentes, que circulavam pelo edifício, causaram uma vasta degradação da construção, que tinha sido frequentemente reparada e alterada. Umas destas remodelações foram realizadas ao nível do subsolo e é então problemático datá-las. Os sucessivos saques de pedra eliminaram importantes testemunhos da construção. Por cima, as intervenções nos anos 70, principalmente a abertura de valas para implantação do saneamento, fizeram a leitura do edifício ainda mais complicada. No entanto, os hipocaustos das salas quentes, os frigidários46 e as fornalhas, onde os escravos queimavam a lenha, para aquecer as salas, são facilmente reconhecíveis, tal como as condutas que recolhiam a água das piscinas. 43 Os hipocaustos eram câmaras ocas, sob os pavimentos das salas, por onde circulava o ar quente produzido em fornalhas. 44 A planta e o funcionamento das termas está descrito em detalhes entre os anexos deste trabalho. 45 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.18. 46 Os frigidários eram as salas de termas onde se tomavam banhos frios. 25 Desde o início das escavações eram encontrados vários hipocaustos de épocas diferentes, todavia, só em 1980 surgiu a possibilidade das termas terem sido construídas sobre um edifício anterior, que foi confirmado nos anos 90. Descobriu-se que as termas encontravam-se no sítio de uma insula, que ocupava a área no século I, e cujo funcionamento é difícil de definir. Desta construção conservou-se um conjunto de pilares, usados, mais tarde, como contrafortes dos compartimentos das termas. O edifício era rectangular, com 150 pés (43,5m) de comprimento e 40 pés de largura (cerca 12m). Das ruas limítrofes só se conservou aquela que ladeava o edifício ao sul. A relação entre as termas e o centro da cidade fica desconhecida, pois os vestígios foram perdidos, por causa das construções modernas. Como área a norte e sul do edifício ainda não foi escavada, sabe-se muito pouco dela. Do século II datam-se, também, os alicerces de um edifício semi-circular, situados nos limites da insula. Segundo as suas características e dimensões, poderiam corresponder a um teatro. É indiscutível que era um edifício público, cuja implantação foi pensada em articulação com as termas. Julga-se que na cidade existiam mais algumas termas com as mesmas funções. Os banhos eram uma prática fundamental na vida quotidiana dos romanos, por razões tanto higiénicas quanto sociais, pois funcionavam como ponto de encontro das elites urbanas. O edifício das termas estava situado no ponto mais alto da cidade, por isso a palestra permitia uma vista magnífica durante os exercícios físicos. Apesar de todo o calor, circulação de água e a utilização intensa, as termas eram quase sempre mantidas graças ao cuidado do município e às frequentes remodelações. Uma delas, nos finais do século III e inícios do IV, alterou profundamente a organização dos seus espaços. A área das termas foi bastante reduzida. Umas salas quentes foram transformadas em frias, como acontecia em outros edifícios termais da mesma época. Quando os Suevos instalaram-se em Braga, no século V, as termas deixaram de ser utilizadas, pois este povo, com os hábitos cristãos, não era muito favorável à prática dos banhos públicos. 26 4.2 Zona arqueológica das Carvalheiras Um bairro residencial romano foi descoberto em 1983 a oeste do Campo das Carvalheiras 47 , onde se previa construir uma escola e infra-estruturas desportivas. Escavou-se uma insula inteira limitada por quatro ruas e traços de mais duas insulas menores. Os limites, muros, desta zona foram Casa das Carvalheiras, modelo 3D48 bastante destruídos. A oeste conservou-se apenas um traço de um pórtico. Mas a conservação deste quarteirão intacto permitiu a compreensão da malha urbana de Bracara Augusta. Primeiro, definiu um módulo segundo, de construção possibilitou e, a recuperação completa da planta de uma casa. Foi possível esclarecer várias fazes de construção, recolher elementos da arquitectura e fornecer uma sequência de materiais para os quatro séculos da sua ocupação. O problema com o terreno foi resolvido, de um modo inteligente, pois a casa romana das Carvalheiras tinha duas plataformas. Foi construída na época flávia, posteriormente ao ano 70 do século I e era um modelo clássico de casa de átrio e peristilo. Os pórticos que rodeavam a casa davam acesso a lojas. A casa era usada até aos finais do século IV e inícios do V. Os terrenos não foram posteriormente construídos, pois a área ficou fora da cidade medieval, que favoreceu a boa conservação. Todavia, tal como aconteceu nas outras estruturas romanas, alguns muros foram saqueados ate à rocha. Os muros tardios, do Baixo Império, são melhor conservados e mostram os elementos arquitectónicos das entradas dos compartimentos, principalmente as soleiras e ombreiras. Foram encontrados materiais da primeira metade do século I, que surge a teoria que a casa foi construída sobre algumas construções mais antigas. 47 A zona das Carvalheiras situa-se no noroeste da Bracara Augusta, perto do antigo centro romano, o forum. 48 MARTINS, M. – A Casa Romana das Carvalheiras, Universidade do Minho, 2000, p.19. 27 Apesar da casa, foi também descoberto um cruzamento de duas ruas lajeadas. Uma delas era ladeada por muros, correspondendo a fachadas de edifícios por quais era ladeada. Posteriormente, os edifícios foram remodelados e foram postas novas fachadas, conservando o mesmo alinhamento da rua.49 Em 1995 foi descoberta a inteira habitação. Até ao momento foi única casa romana completamente escavada. É então um interessante exemplo da arquitectura privada. Como as outras casas descobertas em Braga, esta casa era ladeada por pórticos e tinha muitas lojas ao longo das fachadas no piso térreo da casa. Após o seu abandono como zona residencial da cidade romana, passou a ser usada como espaço agrícola, o que justifica a boa conservação das ruínas. 4.3 Fonte do Ídolo Fonte do Ídolo segundo Rebelo Barbosa50 Fora a muralha romana há um monumento que sobreviveu perfeitamente intacto até a nossa era, a Fonte do Ídolo. santuário rupestre, Tongoenabiago, 52 51 É um dedicado a uma divindade fluvial indígena. A fonte era talhada em um afloramento rochoso, especialmente cortado para o efeito. Era formada de uma superfície vertical com cerca de três metros de largura. A estátua tem cerca de 1.10m, encontra-se em um grande estado de degradação então é impossível dizer se é feminina ou masculina. Consegue-se dizer que é vestida em uma toga e na mão segura algum objecto, provavelmente uma cornucópia. 53 À esquerda da cabeça é visível uma inscrição: [CEL]ICVS FRONTO ARCOBRIGENSIS 49 As plantas e o funcionamento da casa está descrito em detalhes entre os anexos deste trabalho. MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.70. 51 Nr. 26 no mapa do roteiro romano entre os anexos. 52 Segundo outra fonte, a divindade chama-se Tongoenabiegoi. (LEMOS, F. L. – Fonte do Ídolo: História e contexto arqueológico do monumento, ASPA 2002, p. 12). 53 Ver glossário. 50 28 AMBIMOGIDVS FECIT = Celico Fronto, de Arcóbriga, Ambimógido fez (este monumento). À direita há um busto. Do lado de esquerda do busto está escrito o nome do Celico Fronto. À esquerda, já fora da pequena edícula54, pode-se ler o nome da divindade Tongoenabiago. Segundo uma teoria, a estátua é a deusa Nabia adorada pelos Bracari e a figurinha na edícula é Tongoenabiago. Os vestígios de colunas, tégulas, ímbrices55 e aras epigrafadas, descobertos nas investigações nos anos 50, levam à hipótese que havia ali um templo, ou outra construção associada ao santuário. A Fonte foi, provavelmente, descoberta entre a segunda metade do século XVII e os inícios do XVIII, durante o desenvolvimento da nova cidade barroca. Nesta época foi construído o Palácio do Raio, que se encontra cerca de 50 metros da Fonte. Mesmo assim, a Fonte ficou escondida em um quintal em uma das casas da rua do Raio, só citada pelos estudiosos de epigrafia à partir de 1732. Em 1910 a Fonte foi classificada como Monumento Nacional. Só em 1936 a Câmara Municipal decidiu adquirir o quintal, e no ano seguinte começou com as investigações da área. Foi encontrada muita tégula e tijolo. Em 1995 uma equipa de geólogos publicou um relatório sobre o estado da conservação da Fonte, recomendando umas obras de conservação que nunca foram realizadas. Em 2002 a arquitecta Paula Silva da Universidade do Minho preparou um projecto da musealização. O objectivo dela foi cobrir a Fonte e protegê-la contra as intempéries e desenvolvimento urbano e oferecer condições de visita. Hoje em dia a Fonte secou. Provavelmente devido à construção de uma grande cisterna subterrânea durante as obras de restauro do Teatro Circo na Avenida da Liberdade em 2002. Durante a construção da Torre dos Granjinhos, de um centro comercial e de um parque de estacionamento situados atrás da Fonte, foram encontrados tanques romanos, alimentados pelo manancial da Fonte. 54 55 Ver glossário. Ver glossário. 29 4.4 Cloaca Romana e Pórtico Na zona da actual Biblioteca Pública 56 encontrou-se um troço bem conservado de uma grande cloaca. Era ligada com uma rua de 7,5m de largura, que estava ladeada por pórticos. Estas ruínas interessantes foram bem conservadas, que nos ajuda a compreender o urbanismo de Bracara Augusta. A cloaca está definida por dois muros de granito e coberta por grandes lajes, por cima dos quais corria uma rua, usada ainda na Idade Média. Em alguns locais as a estrutura atinge a altura de 1,60m. A intervalos regulares são visíveis as bocas de outros esgotos que nela vinham desembocar. 4.5 Domus de Santiago Planta de estruturas do Domus57 As investigações realizadas durante de obras de restauro no Inverno de 1966, no claustro do Seminário de Santiago (Largo de S. Paulo), revelaram um peristilo de um domus do século I, rodeado de um pórtico. Graças ao Reitor do Seminário, o Cónego Luciano dos Santos, as ruínas foram poupadas e escavadas, por uma equipa do Museu Monográfico de Conímbriga. No centro da área porticada foi descoberto um tanque revestido de mosaico, com decorações de golfinhos, construído durante as remodelações entre finais do século III e inícios do IV. O domus foi bastante mal conservado. No claustro podem-se ver pedaços do mosaico, as restantes partes da casa, inclusivamente um hipocausto de uma área privada de banhos, situa-se sob o actual edifício do Seminário. 56 57 Nr. 19 no mapa do roteiro romano entre os anexos. MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.68. 30 4.6 Ruínas das Frigideiras do Cantinho Em 1996 foi descoberta uma casa romana datada do Baixo Império no subsolo do Café Frigideiras do Cantinho, no Largo S. João do Souto.58 Esta casa tinha um corredor de circulação, que se abria a ocidente através de uma porta, a um largo compartimento. Outro quarto era aquecido por sistema de hipocausto Perspectiva das ruínas 59 com colunelos, que prova que a casa tinha banhos privados, como muitas outras em Bracara Augusta. Os muros foram bem conservados, que levou à sua musealização.60 4.7 Edifício romano da Rua da Nossa Senhora de Leite61 Durante as escavações na Sé em 1984 foi descoberto um edifício romano datado do século I. Revelou-se um muro romano de 13m, que suportava uma coluna. A função da casa ainda não está definida, todavia supõe-se que era ou templo ou mercado. Além dos traços romanos, foram escavadas estruturas medievais, como uns restos de uma necrópole e cerâmica. 4.8 Casa do Poço Durante umas obras na freguesia de Maximinos em 1969, foi descoberta uma casa romana, do século I, constituída por um poço de 9,70m de profundidade. Esse ocupava o centro de um átrio com compartimentos adjacentes que ficaram para definir. O conjunto, depois de ser posto à vista, foi criminosamente arrasado por causa da construção urbana em Braga. 58 Nr. 22 no mapa do roteiro romano entre os anexos. MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.69. 60 Em colaboração com o Museu D. Diogo de Sousa, as ruínas foram tratadas e iluminadas. Hoje em dia é possível a sua visualização por cima, através um vidro. 61 Rua Nossa Senhora de Leite fica atrás da Sé. 59 31 5. As escavações Bracara Augusta desapareceu durante os séculos. Ficaram apenas umas raras descrições em vários textos históricos e geográficos. O nosso conhecimento da cidade vem das longas e complicadas escavações. A problemática dos estudos da cidade romana desde o seu início até aos nossos dias será representada neste momento. Primeiras referências escritas sobre as investigações da cidade romana conhecem-se desde Renascimento. O Arcebispo de D. Diogo de Sousa abriu novos horizontes no desenvolvimento urbano de Braga e reuniu no Campo de Santa Ana62 uma colecção de marcos miliários romanos. Outras referências vêm do século XVII, quando D. Rodrigo da Cunha falou sobre a fundação romana, as ruínas de edifícios da época e a fama da cidade de Braga na «História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga»: «Sua primeira fundação e assento não foi no lugar onde hoje se vê. Teve seu princípio junto à Igreja de São Pedro de Maximinos onde se mostram hoje ruínas de grandes edifícios, que dão testemunho da sua antiga majestade, e ainda aparece um como meio círculo, lugar onde estava o anfiteatro em que os Bracarenses, ao modo romano, celebravam suas festas. E correndo de S. Pedro até o hospital de São Marcos se vêm ruínas que mostram que até ali se estendia a cidade antiga. Também há rastos de haver aquedutos...» 63 e «As memórias antiguas, que ha em Braga mostrão que foi sempre cidade grandiosa.»64 No século seguinte, D. Jerónimo Contador de Argote nas «Memórias de Arcebispado de Braga» lamentou a negligência dos seus contemporâneos que abandonavam os vestígios e os monumentos da antiga cidade romana e decidiu começar a descrever as ruínas. Tentou interpretar as inscrições, traçar os limites da antiga muralha e dedicou-se principalmente à investigação da Fonte do Ídolo. 62 A Capela de Santa Ana ficava na zona da actual Avenida Central. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 2. 64 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 24. 63 32 Primeiro interesse aprofundado pela história da cidade houve só no século XIX. Três intelectuais: José Teixeira, Pereria Caldas e Albano Belino, coleccionavam materiais, recolhiam informações e assim criavam documentos que hoje em dia servem como fontes preciosas a quem quiser estudar a história da cidade romana. No século XX, Braga começou a crescer rapidamente. As construções urbanas concentraram-se, principalmente, na zona do Alto da Cividade e da Colina de Maximinos, destruindo preciosos monumentos romanos, como a Casa do Poço, residência com mosaicos e panos de muros. Se a construção tivesse continuado, as Termas do Alto da Cividade teriam sido completamente destruídas. Apesar do aparecimento de muitos vestígios romanos durante as construções novas, ninguém pensou em investigar o subsolo bracarense nem de criar um museu do passado romano. «A arqueologia fazia-se em Braga correndo atrás dos bulldozers.» 65 Não existia nenhum sistema de regras da protecção arqueológica. As companhias seguiam a demanda da construção e do dinheiro e iam contra todos os protestos culturais e históricos. Não havia nenhuma força governamental que se preocupava com essa problemática nem que os ia parar. Mesmo assim os poucos alarmados conseguiram escavar três necrópoles e algumas construções na zona de Maximinos. Depois de uns anos de protestos contra toda essa destruição, só em 1974 foi criada a zona histórico-arqueológica da protecção ao património cultural de Braga, bem definida 66 e comunicada à Câmara Municipal. A criação deve-se à Junta Nacional de Educação e ao seu delegado José João Rigaud de Sousa. Todas as obras nessa zona começaram a ser acompanhadas para evitar a destruição de vestígios «pois que não será de esperar que os empreiteiros tomem a iniciativa de denunciar, conforme a legislação, tudo aquilo que possa surgir nas obras.» 67 65 Dr. Nunes. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 3. 66 Limites da zona arqueológica: Campo da Vinha, Rodovia, Avenida da Liberdade, Rotunda de Maximinos e Rua da Cruz de Pedra. 67 José Rigaud de Sousa. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 32. 33 Todavia, a Comissão Administrativa, que na altura tratava daquela autarquia, ignorou a protecção e continuou as obras. As maiores iniciativas concentraram-se na Universidade do Minho por volta do arquitecto Álvaro Cameira. Assim, em 1976, foi elaborado o relatório sobre a «Situação da Arqueologia Bracarense» acompanhado por plantas e fotografias. Simultaneamente aos passos académicos, os cidadãos, que ficaram cada vez mais alarmados com as destruições sucessivas, constituíram, em Fevereiro de 1976, uma Comissão, a C.O.D.E.P,68 que era o embrião da futura A.S.P.A.69 Estes, sobretudos funcionários da Universidade do Minho, pretendiam «chamar a si a tarefa de Braga» e começaram então a pressionar o Governo e as instituições locais para que se inicie o Salvamento de Bracara Augusta. O grupo inicia imediatamente «uma violenta campanha de denúncia e de sensibilização sobre a importância dos vestígios arqueológicos da Colina de Maximinos e alertando quanto ao perigo da sua eminente destruição.» 70 A C.O.D.E.P. orientada pelo Jorge de Alarcão promove reuniões públicas e junto com o Campo Arqueológico criado pela Universidade do Minho contrata o arqueólogo Francisco J. S. Alves para dirigir as escavações.71 Em Maio desse ano, começaram os trabalhos arqueológicos72 na Colina de Maximinos, com a colaboração de cinco estudantes do Serviço Cívico. Em Outubro foram descobertas estruturas romanas cinco metros abaixo da Rua de S. Sebastião. Uma taça de vidro quase intacta foi revelada na Rua dos Bombeiros Voluntários. Nesta zona revelaram-se várias habitações e lajeadas. A 19 de Novembro 1976, o Ministro de Administração Interna, Coronel Costa Brás, afirmou: «Os valores arqueológicos serão defendidos e preservados. Se for preciso recorrer a demolições, haverá demolições; se for necessário expropriar, haverá expropriações.» 73 Esta exclamação foi prosseguida por a do 68 C.O.D.E.P. = Comissão de Defesa e Estudo do Património. ASPA = Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural. 70 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 3. 71 Henrique M. Barreto Nunes, director da Biblioteca Pública de Braga, entre outros, passou a fazer parte do Campo Arqueológico só em 1977, apesar de a sua contratação ter sido proposta desde o início do seu funcionamento. 72 A sede dos trabalhos arqueológicos era o Palácio dos Biscaínhos. 73 DELGADO, M., MARTINS, M., LEMOS, F. S. – Dossier - Salvamento de Bracara Augusta, FORUM, 6, Braga, 1989, p. 7. 69 34 Primeiro Ministro Dr. Mário Soares de 20 de Novembro: «Não se construirá mais em Braga sobre ruínas romanas.»74 A C.O.D.E.P. termina a 30 de Janeiro de 1977 dando origem a Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural (ASPA). A partir do fim dos anos 70, efectuam-se salvamentos de emergência, motivados por questões pontuais, como abertura de valas para saneamento, cabos telefónicos ou electricidade. Na primeira metade dos anos 80, as escavações continuaram. As ruínas das Termas foram abertas ao público, principalmente aos alunos das escolas da cidade e da região. Foram feitos os planeamentos para a construção do Museu D. Diogo de Sousa, na Rua dos Bombeiros Voluntários.75 Em 1987, o município, sem prévio aviso, começou a construção de um parque subterrâneo de estacionamento, na Cangosta da Palha (perto da Avenida Central). Assim destruiu dezenas sepulturas romanas. O salvamento imediato conseguiu ainda escavar oitenta túmulos. O processo de Salvamento de Bracara Augusta permitiu a criação de uma Escola de Arqueologia, que hoje investiga a pré-história e a proto-história da região do Minho. Todos os materiais recolhidos foram registados, acondicionados e restaurados, pelo Laboratório de Tratamento e Restauro de Cerâmica, que compete ao actual Museu Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa. A conservação dos traços romanos tem uma grande dificuldade: o clima húmido do noroeste de Portugal. A matéria elementar para as construções romanas era granito, qual, quando descoberto à pluviosidade, é rapidamente destruído. Isto implica a política cuidadosa de escavações. É absolutamente necessária a cobertura de muros antigos antes da sua revelação. Assim foi construída uma cobertura metálica sobre as Termas do Alto da Cividade, que permite a observação das ruínas tal como o prosseguimento dos trabalhos, e o edifício sobre a Fonte do Ídolo. 74 DELGADO, M., MARTINS, M., LEMOS, F. S. – Dossier - Salvamento de Bracara Augusta, FORUM, 6, Braga, 1989, p. 8. 75 Nr. 7 no mapa do roteiro romano entre os anexos. 35 Ideias de coleccionar as peças arqueológicas surgiram já no século XIX. Todavia, limitaram-se só às colecções de miliários. As peças reunidas pelo Albano Bellino76, após a sua morte, foram para Guimarães e Lisboa. Só em 1918 a cidade, finalmente, conseguiu fundar um Museu, onde se iam juntar as peças arqueológicas encontradas na cidade. Com a criação do Museu Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa, em 198077, resolveu-se o problema aonde pôr as dezenas de fragmentos de cerâmica e de outros objectos, recolhidos diariamente nas escavações. A Câmara Municipal foi obrigada a tratar da herança histórica e, por isso, implementou normas de construção: «Tendo em vista a salvaguarda e revitalização do grande conjunto urbano que constitui o Centro Histórico da cidade de Braga são definidos objectivos gerais a atingir para garantir a conservação e preservação da imagem do Centro Histórico. Todas as obras de restauro, remodelação, construção, ampliação, e construção de raiz, a levar a efeito no Centro Histórico carecem de licenciamento municipal e têm de obedecer às normas e princípios estabelecidos em regulamento.»78 76 Albano Bellino (1863-1906) foi um investigador e arqueólogo bracarense que defendeu o património hitórico de Bracara Augusta e coleccionou os vestígios romanos. <http://www.csarmento.uminho.pt/ftp/docs/CatalogoBelinoWeb.pdf> 25.4.08 77 O Museu foi criado em 1980 em condições limitadas sem dar acesso ao público. Só em 2007 foi aberto o edifício na Rua dos Bombeiros Voluntários que promove os serviços de museu moderno. 78 <http://www.cmbraga.pt/wps/portal/publico/kcxml/04_Sj9SPykssy0xPLMnMz0vM0Y_QjzKLt4w3tDAHSYGYnsH6keh CQRhCxt7uEDFjbx-4WIgrVMzFFSZmaGGM0OvrkZ-bqh-k760foFQGwoEEeWOjoqKAMB9sww!/delta/base64xml/L3dJdyEvd0ZNQUFzQUMvNElVRS82XzlfMTg1> 10.4.08 36 Conclusão Bracara Augusta nos séculos II e III era uma das cidades mais desenvolvidas no Império Romano. Tinha tanta influência na Península Ibérica que até se podia comparar a Roma na Península Apenina. O cruzamento das vias garantia o constante movimento das pessoas e produtos e das fontes culturais romanas que se rapidamente integravam no quotidiano dos habitantes da cidade. Por meio das fontes usadas, esse trabalho expôs a origem e a fundação de Bracara Augusta, as remodelações que a cidade sofreu e a sua transformação na cidade medieval. Deu conta da vida quotidiana dos cidadãos, da sua religião e dos costumes quanto ao enterramento. Descreveu o sistema das vias que passavam pela cidade e as necrópoles que lhes acompanhavam. Pôs uma ênfase considerável nos vestígios romanos encontrados em Braga tal do ponto de vista histórico, como do arquitectónico. Última secção do trabalho falou da problemática das escavações e dos seus maiores obstáculos: grande pluviosidade na zona do norte de Portugal, que causa uma rápida destruição dos traços romanos, e a indiferença dos construtores e das instituições responsáveis pelo património histórico do país. Além disso, supõe-se que vários vestígios romanos ainda esperam por serem escavados. Todos os factores mencionados causaram que o esplendor de Bracara Augusta desapareceu mais depressa do que o de outras cidades e que, por isso, a cidade ficou injustamente esquecida. Se a cidade tivesse melhor condições do tratamento dos vestígios, podia mostrar que, pelo menos, equivalia a, se não ultrapassava, todas as cidades romanas em Portugal. 37 RESUMÉ Tématem této práce je římské město Bracara Augusta, které sehrálo důležitou roli v dobách římské přítomnosti na Pyrenejském poloostrově. Stručně popisuji původní kmeny na poloostrově a příchod, rozkvět a konec římského působení ve městě. Dále se věnuji vykreslení života a každodennosti obyvatelstva a skutečnému obrazu městského panoramatu. Nejznámějším pozůstatkům je věnována zvláštní pozornost a jejich fungování je detailně popsáno. V závěrečné části práce osvětluji problematiku vykopávek od jejích počátků až do dnešní doby. Zmiňuji organizace zabývající se ochranou a správou vykopávek a rozšiřováním povědomí o tomto římském městě mezi veřejností. The topic of this thesis is the Roman city of Bracara Augusta that played an important role in the era of Roman presence on the Iberian Peninsula. I describe briefly the native tribes of the peninsula, the prosperity and the declination of the Roman influence in the city. I also concentrate on the everyday life of its inhabitants and the real panorama of the city. The most known monuments are given a special attention and their function is covered in detail. In the last part of the thesis I explain the problems of excavations since their beginning until the present moment. I mention the organizations that take care of the protection and treatment of the excavations and divulgation of the notion about the Roman city among public. 38 Bibliografia AMORIM, A. – Ensaio sobre a Fonte do Ídolo, Câmara Municipal de Braga, 2006 DELGADO, M., MARTINS, M., LEMOS, F. S. – Dossier - Salvamento de Bracara Augusta, FORUM, 6, Braga, 1989 Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura. Edição Século XXI, Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 1998 História de Portugal, Volume I, Direcção de José Mattoso, Editorial Estampa, 1993 LEMOS, F. L. – Fonte do Ídolo: História e contexto arqueológico do monumento, ASPA 2002 HOUAISS, António et kol., Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Objectiva, 2004 KLÍMA, J. – Dějiny Portugalska, Lidové noviny, Praha, 1996 KLÍMA, J. – Dějiny Portugalska, Lidové noviny, Praha, 2007 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000 MARTINS, M. – A Casa Romana das Carvalheiras, Universidade do Minho, 2000 MARTINS, M. – Termas Romanas do Alto da Cividade, Universidade do Minho, 2000 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978 39 SARAIVA, J. H. – História Concisa de Portugal, Publicações Europa-América, 1993 TAVARES, M. – Portugal Romano, Caderno de Apoio, Universidade Aberta, Lisboa 1992 Všeobecná encyklopedie ve čtyřech svazcích, Nakladatelský dům OP Diderot, Praha 1998 <www.wikipedia.org> 40 Glossário básico Apoditério – sala de termas onde se despiam os visitantes Caldário – sala das termas dos banhos quentes Cloaca – colector de esgoto, canal destinado a receber dejecções Colégio Sacerdotal – escola romana que criava padres/ministros do Culto Imperial Cornucópia – vaso com frutas e flores, símbolo de fertilidade Domus – casa nobre de rica família romana Edícula – casa pequena, nicho para colocar a imagem de santo Frigidário – sala de termas dos banhos frios Hipocausto – sistema de aquecimento das salas levantando o pavimento por meio de pilares ou arcos de tijolos, sub o qual era criada uma caixa de ar por onde circulava o ar quente Ímbrice – tipo de telha Insula – quarteirão; prédio de rendimento dividido em apartamentos Ortogonal – que forma um ângulo de 90 graus Palestra – área descoberta das termas, destinada à prática de exercícios físicos Pé – medida romana equivalente a cerca de 29cm Sacerdotal – quem ministra os sacramentos da igreja, padre Tepidário – sala tépida das termas 41 Anexos Mapa dos vestígios romanos em Braga 42 Planta da muralha romana e medieval79 79 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 235 43 Mapa da actual cidade de Braga (parte esquerda) 44 Mapa da actual cidade de Braga (parte direita) 45 Mapa da actual cidade de Braga (legenda) 46 A Constituição da CODEP e os seus comunicados escolhidos80 80 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 6, 14, 15, 16, 19, 25 47 48 49 50 51 RESPOSTA À CODEP 52 53 54 As plantas das Termas Públicas do Alto da Cividade e o seu funcionamento FASE I: Planta do edifício das termas do Alto da Cividade na fase I (início do século II)81 A entrada às termas fazia-se a sul, por pequeno pórtico colunado (1), com acesso a um átrio (2). À esquerda ia-se para um pequeno compartimento (3) que dava acesso às latrinas (5). À direita era um pequeno cubículo (4) que permitia entrar na área dos serviços (18), com uma fornalha (Pr1). Esta zona foi bastante destruída. Podemos observar só as marcas dos pilares do pórtico. Do átrio entrava-se em uma sala enorme, o apoditério (6), cerca de 40m², onde os banhistas se despiam. No Inverno era aquecido por um hipocausto. Esta sala possuía uma piscina de água fria (7) de 24m². Era o compartimento maior das termas e ficou relativamente bem conservada. Daí, saía-se para um corredor (8) que permitia aceder à palestra (24), ou, por uma passagem, com um vão de 1,6m de largura, ao frigidário (9), uma sala de banhos frios, onde se iniciava o circuito de banhos. Era um compartimento rectangular, cerca de 35m² de área, que dava 81 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.58. 55 acesso a um outro (10), onde se aplicavam ou retiravam os óleos. Seguia um compartimento de transição entre os banhos frios e quentes, chamado tepidário (11), aquecido por uma fornalha (Pr2), localizada na área de serviços ao este (17). Do tepidário acedia-se a outra sala quente (12), aquecida indirectamente pela fornalha norte (Pr3), que possuía uma pequena piscina e que dava acesso, finalmente, a uma sala de banhos quentes, o caldário (13). Aqui situava-se uma piscina semi-circular. A sala era muito quente, pois era aquecida directamente pela fornalha norte (Pr3), situada na área de serviços (14), e pelo ar, que circulava pelas paredes através de tubos. Na área norte (19) havia uma cisterna de forma circular (16), onde se deixava a água necessária às caldeiras. A zona de serviços situada a norte (14) era a maior das termas. Aí armazenava-se a lenha que era necessária para o aquecimento das salas e das piscinas (14). Os compartimentos em anexo (20 e 21) funcionavam como um espaço de arrumo. Tinham um piso superior com lojas viradas para a rua norte. A água era aquecida em caldeiras colocadas sobre as fornalhas e depois circulava pelas paredes, através de tubos. As salas aquecidas eram cobertas por abóbadas, construídas com tijoleiras dispostas em arco. Estas abóbadas eram revestidas internamente por uma argamassa de estuque e externamente por uma hidrófuga (protecção contra humidade) de revestimento. A descoberta de dois núcleos independentes das salas aquecidas e as dimensões do edifício, sugerem, que as termas eram provavelmente duplas, com uma parte masculina e a outra feminina. O circuito de utilização das termas encerrava-se, normalmente, nas piscinas frias onde se fechavam os poros. Depois dava-se uma passagem na palestra, ou uma última massagem com óleos e perfumes, encerravam. A palestra (24) era acessível por várias portas na fachada oeste. Era um espaço amplo aberto, com uma escadaria na parte ocidental. O muro alto, que limitava a área por oeste, tinha um vão de colunas, que permitia uma bela vista sobre os horizontes. FASE II: No século II as termas foram profundamente remodeladas. As paredes, todas de granito, eram solidamente implantadas na rocha. O que se conhece melhor são os espaços aquecidos, definidos pelos hipocaustos. Esses tinham uma base onde se implantavam, regularmente, espaçados de 45/50cm, as colunas de tijoleiras de 60cm de altura. Foram encontradas três fornalhas, que se justificam pelo clima frio da região. A do norte (Pr3) era de canal exterior. (Pr1) aquecia o apoditério, mas nada se conservou dele. Foi só possível reconhecê-lo por restos da terra argilosa queimada. A fornalha que aquecia o tepidário (Pr2) era quadrangular e tinha o pavimento de granito. 56 Como a água chegava ao edifício é desconhecido. Supõe-se que era através de um aqueduto com origem nos montes a nordeste de Braga. A estrutura semi-circular (16) na área de serviços era um reservatório que abastecia a caldeira. À piscina do apoditério a água chegava, provavelmente, através um reservatório situado no sul das termas, que ainda não foi detectado. A água suja saía por três grandes eixos. Um corria do lado exterior e recebia as águas das salas quentes situadas a norte (12 e 13). Outro corria sob os hipocaustos do tepidário e apoditério. O terceiro recolhia a água da piscina do apoditério e passava sob o pavimento de latrinas (5). Os três desembocavam em um canal de drenagem, que era implantado na rocha formando uma caixa com paredes de pedra e coberta de material laterício. As termas do Alto da Cividade eram típicas para a parte norte-ocidental do Império. Os balneários desta região careciam uma piscina grande e descoberta. Por outro lado, tinha muitos hipocaustos que era bastante excepcional. Por cima há, também, claras analogias com os exemplares mediterrâneos, possuindo uma palestra. Planta do edifício das termas do Alto da Cividade no século III 82 Todos os séculos trouxeram umas novas remodelações. Nos finais do século III e inícios do IV, alteraram tal a morfologia, tal a circulação das termas. Todos os novos muros são irregulares, incorporando tijoleiras. O caldário foi transformado em zona de serviços com um novo hipocausto 82 MARTINS, M. – Termas Romanas do Alto da Cividade, Universidade do Minho, 2000, p.34. 57 (Pr4). As áreas no sul juntaram-se em um espaço frio, com o funcionamento do apoditério. As salas quentes (4, 5 e 6) situavam-se na parte oeste em um bloco compacto, que facilitava a conservação do calor. Da entrada (1), que ficou igual, continuava-se a um grande apoditério (2), que podia ser utilizado para os exercícios físicos durante o Inverno. Daí entrava-se em um amplo frigidário (3). Com as suas dimensões de 12mx7,4m, era utilizado para massagens. Das salas 4 e 5, que tinham o ambiente tépido, prosseguia-se ao caldário (6) com uma pequena piscina a oeste. Do caldário, os utentes voltavam ao tepidário para entrar na palestra (11) ou dirigir-se novamente ao frigidário. FASE III: Planta do edifício das termas do Alto da Cividade no século IV83 A remodelação do em meados do século IV, transformou, principalmente, a salas quentes. A zona de serviços na parte norte do edifício foi completamente abandonada e a fornalha (Pr4) deixou de ser utilizada, sendo aberta uma nova na fachada oeste (Pr5). Por isso, a organização das salas tinha de ser mudada. O antigo caldário (6) foi transformado em sala fria. O novo hipocausto era construído por colunas, desta vez não feitas de tijoleiras. A entrada (1), o apoditério (2) e o frigidário (3) ficaram iguais. Do frigidário continuava-se a um tepidário (4), que possuía uma pequena piscina. Do segundo tepidário (5), entrava-se em caldário (6). As termas tinham mais uma sala fria (7) com uma pequena banheira. Como a sala 5 dava acesso a uma sala quente, uma fria e um tepidário no mesmo momento, os banhistas tinham várias possibilidades de circulação. Sobre a área da antiga palestra (8), a fonte84 não fala. 83 MARTINS, M. – Termas Romanas do Alto da Cividade, Universidade do Minho, 2000, p.38. 84 MARTINS, M. – Termas romanas do Alto da Cividade, Universidade do Minho, 2000. 58 59 As plantas da Casa das Carvalheiras e o seu funcionamento Planta da casa das Carvalheiras no século I85 No século I era uma grande habitação ocupando a 1156m². A tinha casa área de duas plataformas com a diferença cerda de 3m. Era construída de granito e de madeira, que se usava para travamentos e telheiros, todavia não se conservou nenhum vestígio da madeira. A casa era quadrada, com uma métrica rigorosa. Dos pavimentos não se conservou nada, mas, seguramente, tinham mosaicos, como outras casas romanas. Na casa havia duas entradas. Uma a sul, que dava acesso ao átrio, e uma a norte ao peristilo. A sul entrava se em um corredor (A1), que á esquerda entrava em uma loja (A6). Como a loja tem acesso à casa, julga-se que pertencia ao proprietário da casa. O corredor prossegue a um átrio aberto (A), rodeado por vários compartimentos usados para o negócio do proprietário (A4 a A5). No centro do átrio era um balneário, que recolhia água das chuvas, através de uma abertura no telhado, que, também, dava luz à casa. O compartimento (A2), à direita do corredor, funcionava como sala de estar. Do quarto (A8) descia-se pelas escadas, à plataforma do norte, onde se encontravam os quartos mais nobres e onde se praticavam as actividades domésticas e a vida privada dos residentes. Os compartimentos foram construídos por volta do peristilo (B), um amplo espaço aberto, ajardinado. No meio do peristilo houve um tanque rodeado por um pórtico. A entrada norte dava acesso a esta plataforma da casa. Esta parte era mais iluminada e arejada. A sala maior (B1) era uma ampla sala de jantar. Aí eram colocados os canapés por volta de uma mesa, onde a família comia. A cozinha era situada no compartimento (B10), ao lado de uma pequena latrina (B11). As salas (B4) e (B5) eram usadas para recepções. Os quartos (B6), (B7), (B8) e (B9) são relativamente pequenos, julga-se, então, que estes serviam como as salas de dormir. 85 MARTINS, M. – A Casa Romana das Carvalheiras, Universidade do Minho, 2000, p.10. 60 Ao lado do peristilo, na parte norte, houve um poço de cuidada alvenaria, que leva características típicas da época flávia. Por baixo do pórtico na rua oeste há um conjunto dos compartimentos (C3, C4 e C5) com função comercial. Dois deles tem antecâmaras, todavia, a sua funcionalidade específica fica desconhecida. Na parte sul havia lojas (A6) e (A7). Pouco se sabe sobre o conjunto de compartimentos (D1), (D2) e (D3). O D1 não tinha porta, então era totalmente aberto. No (D3) conservaram-se vestígios de uma canalização. Supõe-se então que era um espaço de venda de comida. O lado norte não tinha lojas. A fachada era recuada, no meio tinha um pórtico, que dava acesso directo ao peristilo. Na primeira metade do século II foi profundamente remodelada a parte noroeste da casa. Foi construído um balneário com duas pequenas piscinas, do qual conservaram-se as partes aquecidas. Para isto, foi remodelada a inteira plataforma mais baixa. O pórtico e as lojas (C3, C4 e C5) desapareceram, tal como os compartimentos de dormir (B6, B7, B8 e B9). Toda a fachada oeste foi remodelada, o seu pórtico foi incluído na construção, formando três novos compartimentos (E8, E9 e E10), utilizados pelos residentes em um piso superior, acessível pelas escadas da sala (E8). Por baixo destes havia lojas viradas para a rua. Apesar da remodelação, foram respeitadas as métricas e estruturas antigas, que permitia manter a estrutura das coberturas. Planta da casa das Carvalheiras na Fase II86 O balneário dispunha quatro salas, umas delas frias, outras aquecidas, todavia, nem as partes aquecidas, hipocausto se nem um conservaram. Escavaram-se apenas uns restos das tijoleiras de um hipocausto. As salas eram aquecidas por tubos por onde corria o ar quente. Sabese que a construção do balneário era igual a todas as construções das termas romanas e que oferecia o circuito de banhos recomendado. O balneário era servido por duas pequenas áreas de serviço, uma dos quais tinha uma fornalha. A água recolhia-se no poço, já presente na casa antiga. O compartimento (E1) era 86 MARTINS, M. – A Casa Romana das Carvalheiras, Universidade do Minho, 2000, p.24. 61 um apoditério onde se despiam pessoas estranhas à residência. Era acessível tal do peristilo, tal pela entrada da rua, com um pequeno pórtico. O frigidário (E2) tinha no sul um pequeno compartimento (E7), que servia como o vestiário e como a entrada privada para os residentes da casa. A utilização do balneário tal pelos residentes da casa, tal pelo público, é uma grande originalidade da casa das Carvalheiras. Bem conservados são os pavimentos do frigidário, que possuía duas piscinas. Uma delas tinha 10m² e 1m de profundidade. O tepidário corresponde à sala (E3). O caldário (E4) tinha uma piscina de água quente 80cm profunda. A água aquecia-se na fornalha situada na sala de serviço (E5), alimentada por lenha arrumada em outra sala de serviço (E6). Como os quartos de dormir foram sacrificados para a construção do balneário, supõe-se que as funções deles foram deslocadas aos compartimentos (B4) e (B5) ou às novas salas no oeste (E8, E9 e E10). As características da casa mantiveram-se até aos finais do século III e inícios do IV, quando a casa sofreu umas novas remodelações. São bem notáveis os muros, que revelam um aparelho irregular e pouco cuidado. A fachada oeste foi remodelada e a rua ao lado tornou-se mais estreita. Os pórticos foram limitados por muretes e as ruas foram encurtadas. Como foram descobertas portadas pesadas que fechavam os compartimentos antigamente abertos, parece que a área em torno do peristilo foi convertida em lojas. Supõe-se então, que o balneário tornou-se público. A parte sul da casa continuou a ser utilizada como a residência. A casa sofreu outras remodelações durante o século IV. No compartimento (B5) foram encontrados vestígios de duas colunas e cerca 45000 moedas de bronze, aí enterradas em meados século IV. A maioria destas moedas data-se à época do imperador Constantino. A casa foi definitivamente abandonada entre finais do século IV e inícios do V.
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