A busca de uma explicação para a regionalização, hierarquização e
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A busca de uma explicação para a regionalização, hierarquização e
A busca de uma explicação para a regionalização, hierarquização e descentralização O planejamento urbano como instrumento de intervenção econômica As cidades mais antigas do mundo No vale do Rio Indo recentemente foram descobertas as ruínas de inúmeras cidades que remontam há 5.000 anos atrás. As principais eram Harappa, Mohenjodaro e Lothal. A cidade de Lothal era um porto fluvial que mantinha um ativo comércio com outras regiões inclusive a mesopotâmia O plano urbano, a arquitetura, os materiais, as técnicas empregadas e as finalidades das construções são tão bem concebidos que seria possível reconstruí-las usando a infra-estrutura remanescente. Localização das cidades Banhos públicos de Mohenjodaro Harappa Sistema de drenagem de águas pluviais de Lothal Estas cidades constituíam um território cuja ocupação fora planejada e permitiu que os povos que as construíram alcançassem os objetivos coletivos que pretendiam. Quem eram eles e de onde vieram? Quanto tempo ocuparam estes territórios e que destino tiveram? A estrutura arquitetônica das cidades e os objetos encontrados revelam o tipo de vida destas antigas populações. Eram agricultores, pastores, construtores e artesãos. As respostas por mais vagas e diversas que sejam revelam no entanto que este povo tinha uma ideologia e por ela viveram. As idéias que faziam de si mesmos e do mundo moldaram suas cidades. Planejamento urbano no antigo Egito A principal consideração do planejamento urbano no antigo Egito era a proximidade da água, no caso o rio Nilo. As construções deveriam ser altas o suficiente para ficarem a salvo das cheias periódicas do rio. Um caso exemplar da construção de cidades planejadas foi Hotep-senusret. Hotep-senusret, um centro religioso e administrativo, descoberto por Flinders Petrie em 1886, foi fundado em 1991 a.C por Senusret II (Sesóstris II na denominação grega) o quarto rei da XIIª dinastia de Faraós do Egito. A cidade tinha um formato retangular de 350 por 400 metros, rodeada e dividida por muros de tijolos.O traçado urbano refletia a própria estrutura da sociedade egípcia. Todos dependiam exclusivamente do Faraó e da sua administração para a subsistência. Os operários - a maioria encarregada da construção da pirâmide que abrigaria o Faraó quando este morresse moravam em um local específico da cidade. Os funcionários importantes e a elite rica ocupavam mansões em seus respectivos espaços.Não circulava dinheiro, mas bens, como alimentos, vestuário, cosméticos e utensílios variados, quase tudo fornecido pela administração do Faraó, assim como os serviços religiosos, saúde, combustível, transporte e infraestrutura. Roma e suas fontes O desenvolvimento da cidade de Roma, desde sua fundação, foi grandemente influenciado pela localização das fontes de água existentes. A construção de aquedutos formou ao longo dos séculos uma rede complexa de abastecimento que permitiu a cidade crescer e se tornar a maior metrópole da antigüidade. Roma no seu auge chegou a ter mais de 1 milhão de habitantes. Outros povos, como os hititas, etruscos, babilônios, assírios gregos e chineses também têm histórias similares de épocas tão antigas. A idéia de organizar o espaço em função de determinados objetivos econômicos e sociais está presente desde os primórdios da civilização. E Etruscos, L Latinos, S Sabinos Fontes da Roma de Rômulo há 2.788 anos atrás com as ruas de 1998.. As referências sobre modelos de desenvolvimento das cidades e suas funções são tão antigas quanto a própria civilização. Na Bíblia, mais especificamente no Livro de Jó, há a descrição da atividade mineradora com surpreendentes detalhes. Há 5.000 anos atrás, na civilização mesopotâmica, as cidades evoluíram em torno da irrigação e de canais fluviais. Heródoto descreveu a Babilônia como uma cidade "entrecortada por ruas retas, algumas paralelas e outras em ângulos retos em relação ao rio”. A idade média européia O declínio do império romano foi seguido pelo que se chama idade média da história européia. As cidades tornam-se mais autônomas e, portanto responsáveis por sua própria defesa. Surgem os castelos com seus muros e mais tarde as catedrais, com suas múltiplas funções. A Catedral de Chartres é um exemplo. Catedral de Chartres ( século XIII ) e planta baixa. Nave central Vinho Porta Norte Bens manufaturados Aléias Banco de empregos Porta sul Comida e lenha Capelas Câmbio e moedas Os deões e cônegos da catedral controlavam o comércio nas diferentes partes do prédio e cobravam aluguel pela utilização dos espaços. A catedral era simultaneamente uma instituição religiosa e econômica. Chartres era, à época, o centro de negócios mais importante da Europa principalmente para produtos têxteis, armas e couro. No século XIII os franceses construíram oitenta novas catedrais, 500 abadias e 10.000 igrejas paroquiais. Estas construções foram planejadas para refletirem a ordem social e espiritual existente. O mundo americano No mesmo período cronológico da idade média européia desenvolviam-se nas futuras Américas vigorosas civilizações. Os Maias em Yucatan, os Mexicas nos planaltos centrais do que viria a ser o México e os Incas nos Andes. A cultura destes povos e suas construções revelam um desenvolvimento social e cultural superior em muitos aspectos ao europeu da época. Estátua Tolteca em Chichén-Itza (c. ano 900) Machu Pichu. Ruínas da última cidade Inca redescoberta em 1911 As cidades destes povos, à semelhança de suas congêneres no resto do mundo, atendiam, nos seus aspectos urbanísticos, arquitetônicos e funcionais às expectativas ideológicas de seus construtores. Eram cidades meticulosamente planejadas. Estádio Maia de jogo de bola (c. ano 900) A ocupação humana dos continentes americanos deu-se em épocas remotíssimas por levas de imigrantes asiáticos principalmente há 30.000 e 12.000 atrás. Os europeus ao aportarem nas Américas no final do século XV encontraram um ambiente cultural diversificado e mesmo surpreendente para eles. Os espanhóis encontraram os Mexicas e Incas com uma civilização sofisticada, mas tecnologicamente menos desenvolvida. Foi o suficiente para os nativos serem destruídos, tornando-as conhecidas como “civilizações decapitadas”. A Europa estava ávida por metais preciosos, pois havia uma imensa escassez de moedas decorrente da onda de carestia que se iniciara em 1490 e duraria até o início do século XVIII. Os espanhóis através da exploração destes metais em proporções imensas inundaram a Espanha, Gênova, Milão, Veneza e parte da França com estas novas moedas criando um impulso adicional à elevação dos preços e desvalorização das moedas. (Fischer, 1996) A ocupação da América espanhola segue um padrão determinado pela vontade do conquistador, refazendo as características arquitetônicas, funcionais e culturais das novas cidades americanas. Interior da Catedral de Cuenca, Equador. (Século XVI) O pau-brasil, a cana de açúcar e o café. Os portugueses encontraram os nativos no Brasil na idade da pedra. Buscavam riquezas em ouro, prata e preciosidades, mas nada encontraram Os índios brasileiros já utilizavam a ibiturana ou pau-brasil (Caesalpinia echinata Lamarck) para a confecção de arcos, flechas e na extração de um corante vermelho intenso usado para pintura de enfeites. A técnica foi ensinada aos portugueses pelos próprios índios, que também foram encarregados de cortar, aparar e arrastar as árvores até o litoral, onde carregavam os navios a serem enviados para a Europa. O ciclo econômico teve início em 1503 e até 30 anos após a chegada dos portugueses, era o único recurso explorado pelos colonizadores. Nesse período calcula-se que foram exploradas 300 toneladas de madeira por ano, sempre aumentando nos anos posteriores. Em 1775 a madeira passou também a ser usada para a confecção de arcos de violinos. Comparativamente à riqueza da América espanhola, a exploração do pau-brasil era insuficiente para as ambições portuguesas. Os assentamentos coloniais deste período não passavam de aldeias pouco melhores que as nativas. Os portugueses vislumbraram no cultivo da cana de açúcar (Sacharus officinarum) uma real possibilidade comercial para a terra recém descoberta. O açúcar já era bem difundido na Europa e seu refino conhecido. Surge deste modo o engenho de açúcar, ocupando grandes extensões do espaço do novo mundo. Junto com ele houve o recrudescimento da escravidão, prática já extinta no território europeu renascentista. O engenho era constituído pela casa-grande, onde residia o proprietário e sua família ou o feitor; a senzala, uma habitação precária onde se alojavam os escravos; a moenda onde era extraído o caldo; as caldeiras onde o caldo era engrossado ao fogo em grandes tachos e a casa de purgar onde o melaço era posto em formas para secar. A rapadura obtida se vendia para Portugal, Holanda e outros países europeus para serem refinados. Até hoje o desenho básico do engenho de açúcar é o mesmo. Escravos numa fazenda brasileira no final do século XIX Em 1750 só na Inglaterra havia 150 refinarias de açúcar produzindo 30.000 toneladas do “ouro branco” por ano. Seguiu-se ao cultivo da cana, a exploração do ouro de Minas Gerais, a criação de gado e o café (Coffea arábica), cujo auge da produção, usando mão de obra escrava, dá-se entre 1820 e 1880. Não houve mudanças nas práticas de produção, mesmo após a independência política do Brasil. Este modelo, concebido desde o princípio para dar lucros aos seus inventores, não continha nenhuma consideração relativa à condição humana dos escravos. Para não se dizer tanto, havia alguma preocupação com a salvação daquelas almas pagãs. A Igreja católica com sua doutrina deu o polimento que faltava: “se a alma está salva, é o que importa”. A sociedade brasileira forjou-se durante os seguintes quatro séculos nos moldes escravistas. Nenhuma importância foi dada aos indivíduos não proprietários vale dizer: os escravos, no mais ínfimo degrau social, os alforriados, os artesãos, os capitães do mato, os soldados e posteriormente os profissionais liberais. As cidades eram planejadas e seus serviços distribuídos segundo esta lógica social. A abolição, mesmo tardia, foi uma avalanche incontrolável apesar dos esforços dos fazendeiros e negociantes para impedi-la. Sônia Sant’Ana escreve, ao concluir o livro “BARÕES E ESCRAVOS DO CAFÉ”: “Concederam ao negro a liberdade, mas não se preocuparam com seu futuro. Confirmou-se o prognóstico de abolicionistas esclarecidos: Joaquim Nabuco, que pedia instrução para os escravos; André Rebouças, defensor de uma reforma agrária que completasse a obra da abolição. Ignorantes, sem terra e sem profissão, desconhecendo os direitos e deveres de um cidadão, vendo o trabalho como sinônimo de cativeiro, libertos vagueavam pelas cidades mendigando, reforçando os preconceitos que os davam como seres incapazes e irresponsáveis. Continuaram formando a camada mais miserável da população, findando por aceitar, para sobreviver, baixos salários e as mesmas ocupações humildes. Ainda hoje, à entrada do século XXI, o negro luta por igualdade social e iguais oportunidades no mercado de trabalho, numa lenta ascensão”. (Sant’Ana, 2001) Uma horda de despossuídos formou-se no país, o subproduto do modelo escravista. O que queriam eles? Para onde iriam? Em outubro de 1896 o Dr. Arlindo Leoni, Juiz em Juazeiro no Ceará, solicita ao Governador da Bahia ajuda para combater jagunços homiziados numa vila às margens do rio Vaza-barris, que ameaçavam as propriedades locais e que eram comandados por Antônio Conselheiro. É o início da guerra de Canudos, uma conturbação não planejada, epítome do escravismo secular. A república não teve piedade, a cidade foi cercada e bombardeada até à extinção. Assim se descreveu o seu fim: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.” (Euclides da Cunha, 2003) Houve pouquíssimos sobreviventes. Os prisioneiros, inclusive mulheres, crianças e inválidos, eram sumariamente degolados no que ficou conhecido como a “gravata vermelha”; 25.000 pessoas morreram no conflito, a imensa maioria de sublevados. Em Canudos foram meticulosamente contadas 5.200 casas. A cidade não tinha nenhum sistema de facilidades urbanas, ou seja, água, esgoto, escolas, hospitais e outros serviços. Havia uma igreja que foi destruída pelos canhões republicanos. Vista geral de Canudos Habitante de Canudos Prisioneiros de Canudos no fim da guerra. O MOVIMENTO SANITARISTA, O JECA TATU, A COLUNA PRESTES E A REVOLUÇÃO DE 1930. Em 1914, Monteiro Lobato escreve para o jornal O Estado de São Paulo, dois textos que fizeram grande sucesso: "Velha Praga" e o célebre "Urupês", em que descreve o Jeca Tatu, "caboclo que vegeta de cócoras", "piolho-daterra", capiau sem vocação para nada a não ser a preguiça, "urupês" (parasitas que vegetam os ocos das árvores e que acabam por matá-las). “ A nossa montanha [a serra da Mantiqueira] é vítima de um parasita, um piolho da terra, peculiar ao solo brasileiro ... Este funesto parasita da terra é o CABLOCO, espécie de homem baldio, semi-nômade, inadaptável à civilização, mas que vive a beira dela na penumbra das zonas fronteiriças. À medida que o progresso vem chegando ... vai ele refugindo em silêncio, com o seu cachorro, o seu pilão, a picapau e o isqueiro, de modo a sempre conservar-se fronteiriço, mudo e sorna. Encoscorado numa rotina de pedra, recua para não adaptar-se ... O cabloco é uma quantidade negativa.” Velha praga. 1914 “Porque a verdade nua manda dizer que entre as raças de variado matiz, formadoras da nacionalidade e metidas entre o estrangeiro recente e o aborígene de tabuinha no beiço, existe a vegetar de cócoras, incapaz de evolução, impenetrável ao progresso. Feio e sorna, nada o põe de pé.” “... Vota. Não sabe em quem, mas vota.” “... Sua medicina corre parelha com o civismo e a mobília – em qualidade. ... O veículo usual das drogas é sempre a pinga – meio honesto de render homenagem à deusa Cachaça, divindade que entre eles ainda não encontrou heréticos.” ...Além desta alopatia, para a qual contribui tudo quanto de mais repugnante e inócuo existe na natureza, há a medicação simpática, baseada na influição misteriosa de objetos, palavras e atos sobre o corpo humano. “... O caboclo é soturno.” “... Só ele não fala, não canta, não ri, não ama. Só ele, no meio de tanta vida, não vive...” Urupês. 1914 A partir de 1916 é publicado nas “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz” o relatório da “Viagem científica pelo norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco e sul do Piauí e de norte a sul de Goiás, pelos Drs. ARTHUR NEIVA e BELISÁRIO PENNA”. Este relato objetivo e realístico sobre a precária condição de vida das populações daquelas áreas constitui uma das mais pujantes obras sobre a saúde pública brasileira, dando a explicação científica da fenomenologia do “caboclo” descrito por Lobato. E isto não passou desapercebido ao escritor que, na quarta edição de URUPÊS, em 1918 retrata-se com o “caboclo”: “Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivos de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte. Tens culpa disso? Claro que não. Assim é com piedade infinita que te encara hoje o ignorantão que outrora só via em ti mamparra e ruindade. Perdoa-me, pois, pobre opilado, e crê no que te digo ao ouvido: és tudo isso sem tirar uma vírgula, mas ainda és a melhor coisa desta terra. Os outros, que falam francês, dançam o tango, fumam havanas e, senhores de tudo, te mantêm nessa geena infernal pra que possam a seu salvo viver vida folgada à custa do teu dolorido trabalho, esses, meu caro Jeca Tatu,esses têm na alma todas as verminoses que tu tens no corpo. Doente por doente, antes como tu doente só do corpo...” Urupês. Prefácio da 4ª edição, 1918. Em 1918 Belisário Penna, com amigos, funda a “Liga pró-saneamento do Brasil” que redundou na criação em 1920 do Departamento Nacional de Saúde Pública. Durante o governo Bernardes, em 1925, é preso por ter criticado a política do governo e fica encarcerado 6 meses. Somente em 1932 teve seus direitos de funcionário público restituídos. A saúde pública brasileira ganha reconhecimento como um tema nacional e essencial para o desenvolvimento do país. Os sanitaristas estão entre os profissionais mais prestigiados graças aos seus indiscutíveis êxitos na melhoria da saúde pública. Apesar destas vitórias nas cidades, a maioria da população rural, vivia à margem destes benefícios. A reação conservadora, herdeira das ideologias escravistas do tempo do império ainda remanescentes nas elites proprietárias rurais, que continuavam a auferir lucros da exploração agrária, foi perdendo terreno à medida que as cidades passavam a ter maior proeminência na produção da riqueza nacional. Um crescente proletariado urbano, surgido da industrialização e modernização do país inspirava as forças políticas renovadoras que propugnavam por mais democracia, liberdade e participação na riqueza nacional. A sublevação militar conhecida como a “Coluna Prestes” oriunda do levante de São Paulo em julho de 1924, é festejada e acompanhada pela população, através dos periódicos dos grandes centros como símbolo da luta pela modernização intelectual, ideológica e material. A “Coluna invencível” percorre entre1924 e1927 mais de 30.000 km pelo interior do país, travando inúmeros combates, mas sempre bordejando o território do que se poderia chamar o Brasil efetivamente ocupado. O percurso da “Coluna” se sobrepõe em alguns trechos ao itinerário da “Viagem Científica” de Penna e Neiva. Os relatos, cada um na sua perspectiva são muito semelhantes. Os cientistas descrevem a incrível pobreza do sertão goiano na periferia do Brasil ocupado em 1912: O diário da “Coluna” escrito magistralmente por seu secretário, Lourenço Moreira Lima, descreve a passagem pela mesma região 13 anos depois da “Viagem Científica”: “Começamos a encontrar os papudos, vítimas da moléstia de Chagas, perto da cidade de Goiaz, e somente os deixamos de ver do Maranhão em diante. Dois soldados nossos contraíram esse mal.” ... A 11 de agosto, galgamos a serra do Paraná e entramos em Minas, tendo ocupado o lugarejo São João de Pinduca, agregado de casas habitadas por pobres negros todos papudos, que ali vivem miseravelmente, apresentando um aspecto físico de profunda degenerescência, um verdadeiro fim da raça, extinguindo-se naquelas brenhas segregados da civilização. Entramos pela segunda vez em Goiaz no dia 7 de setembro, tendo transposto a serra de São Domingos, próximo da vila desse nome, que ocupamos em seguida. Junto a essa vila existe o morro chamado do Moleque, onde há belas cavernas. Esse morro tem a forma de um chapéu cardinalício. Os moradores da vila o povoam de encantamentos e de fantasmas e temem se aproximar dele, especialmente à noite, contando casos estranhos que ali acontecem, como, por exemplo, milhares de galos cantando ao meio dia, moças dançando ao luar, dobres de sinos às Ave-Marias, frades sem cabeça cavalgando esqueletos de cavalos, cobras enormes, de olhos de fogo, deslizando pelas suas encostas escarpadas e, por fim, o diabo percorrendo as suas cercanias, montado num colossal porco-espinho, cujos grunhidos horrendos enchem a solidão num raio de cem léguas. Chegamos a Posse no dia 12 de setembro... ... “oportunidade para ferver as nossas roupas, a fim de destruir as muquiranas que nos perseguiam. Alem dessa praga, éramos atacados pela imensa quantidade de carrapatos existentes nos campos, desde o minúsculo'"pólvora" até os grandes "rodeleiros", cujas picadas causavam infecções.” Tais relatos ocorrem apenas 13 anos após a “Viagem Científica”, e três décadas da Proclamação da República, da abolição e de Canudos. O Brasil rural, com a maioria da população, continuava o mesmo. Na seqüência desta crise centenária ocorre a revolução de 1930. As idéias urbanas modernizantes impuseram-se desde então, mescladas por um conservadorismo arraigado nas classes proprietárias, principalmente rurais. Foi neste período, da 1ª República, que houve os primeiros avanços na legislação de proteção social no Brasil. Em 1919 surge a Lei do “Acidente de Trabalho”, de autoria do senador Adolpho Gordo, um conservador que também fora o autor da lei de banimento dos imigrantes indesejáveis. Em 1923, o ex-chefe de polícia de São Paulo, Elói Chaves, responsável pela crudelíssima repressão aos movimentos operários anarquistas de São Paulo, agora guindado à condição de senador da República, apresentou a Lei que ganhou seu nome e que criou a previdência social no país. As publicações operárias desde o início do século XX propugnavam por melhorias em várias esferas da vida dos proletários, mas era paupérrima nas reivindicações sobre a saúde pública. A Confederação Operária Brasileira – C.O.B. em 1908 edita o Jornal “A Voz do Trabalhador” que durou até 1915. Nele pode-se verificar como o problema da saúde era pouco abordado nas suas notícias. No Primeiro Congresso Operário Brasileiro ocorrido em abril de 1906, origem da C.O B., no relatório final, podese encontrar as seguintes resoluções ligadas à saúde: - Sobre organização Tema 1 – O sindicato de rezistencia deve ter como única base a rezistencia ou aceitar conjuntamente o subzidio de dezocupação, de doença ou de corporativismo? “Considerando que a rezistencia ao patronato é a ação essencial, e que, sem ela, qualquer obra de beneficiencia, mutualismo, ou cooperativismo seria toda a cargo do operariado, facilitando mesmo ao patrão a impozição de suas condições; que essas obras secundarias, embora trazendo ao Sindicato grande número de aderentes, quazi sempre sem iniciativa e sem espirito de rezistencia, servem muitas vezes para embaraçar a ação da sociedade que falta inteiramente ao fim que fôra constituida – a rezistencia; o Congresso aconselha, sobretudo, rezistencia, sem outra caixa a não ser a destinada a esse fim e que, para melhor sintetizar o seu objetivo, as associações operarias adotem o nome de sindicato”. Nos sete anos de edição do jornal em poucas ocasiões houve notícias ou comentários sobre como os sindicatos se posicionavam quanto à questão da saúde pública, exceto para denunciar as precárias condições de alguns hospitais públicos. Há, portanto, uma clara dissonância entre o que o conhecimento científico oferecia como explicação dos fenômenos ligados à saúde e as soluções possíveis, e o que era apreendido pela maioria da população e transformado em reivindicação e comportamento político. Este fenômeno não era novo e suas raízes estendiam-se até ao período imperial que acabara havia pouco. A história não se redime A saúde no período imperial. Uma visão sintética e abrangente do historiador Marcos Cuerto descreve o cenário político institucional brasileiro na primeira metade do século XIX, cujas implicações se fazem sentir até hoje. A interação entre medicina, política e sociedade, que na Europa já se configurava como uma nova e poderosa força política, no Brasil ainda não demonstrava pujança. "A própria natureza da administração imperial [no início do século dezenove] limitava a possibilidade de inovações em todas as áreas do governo, sem exceção para a saúde pública" (Blount, 1971) As reformas sanitárias não eram preocupações do emergente estado nacional no Brasil. O estado recém fundado aproveitou-se das tradicionais Santas Casas para, através da renovação delas, encorajar o movimento higienista visando debelar os graves problemas de saúde pública principalmente da corte no Rio de Janeiro. A incipiente ligação entre política e medicina no Rio de Janeiro mostrava pela primeira vez uma tendência para a reforma, através do discurso higienista dos médicos, baseados nas mais recentes teorias sobre a saúde pública urbana o que condizia com as transformações decorrentes da rápida urbanização da cidade. No entanto esta relação entre o estado e as Santas Casas provaram-se mais vantajosas para a corporação do que benéficas para a saúde pública, pois nos idos de 1830 salvou a corporação da bancarrota. Desta forma pode-se melhor falar em uma reforma da saúde da corporação do que reforma da saúde pública. Em 1836 a população brasileira era de 3 milhões de pessoas. Na eleição deste ano votaram menos do que seis mil e teve um resultado conservador que favorecia a centralização do poder. Durante uma década e meia a corrente conservadora dominou o cenário político, dificultando que houvesse grandes avanços na saúde pública. Finalmente em 1852 há uma reorganização do poder – a conciliação – onde liberais e conservadores repartiram o governo. Chegava-se a dizer que não havia nada mais similar a um liberal do que um conservador. Curiosamente os conservadores implementaram algumas reformas preconizadas pelos liberais. (Viotti da Costa,1985) Este período pós independência, até o fim da regência trouxe grandes preocupações políticas pela possibilidade de desorganização do novo estado nacional, principalmente após a abdicação de D.Pedro I. Neste cenário, os médicos, apreensivos pelo crescimento das doenças epidêmicas na cidade, põem em discussão o verdadeiro papel dos hospitais. Aqui se dá em escala menor a replicação dos debates nacionais: Uma parte propugna por uma rede de clínicas descentralizadas e de menor porte estrategicamente localizadas na cidade e outra fração, majoritária, defendia a criação de um hospital moderno e de larga escala, centralizado, que usaria as habilidades das Santas Casas da Misericórdia em levantarem fundos. Os higienistas transformaram o medo da anarquia em medo das epidemias. O reforço de uma ideologia centralista, na época referida como – o regresso – expressou-se pela tendência a construir grandes hospitais, eliminar os charlatães e distribuidores de drogas não licenciadas. Durante a “conciliação” os higienistas descentralistas conseguem que suas idéias sejam parcialmente aceitas nos recintos das grandes estruturas hospitalares Divisão política geral do movimento higienista do Rio de Janeiro Atributos dos conservadores no movimento higienista no Rio. c. 1825-1850 Os conservadores associavam as tendências democráticas com a anarquia. Eram favoráveis ao centralismo monárquico. Favoráveis a grandes hospitais centralizados Favoráveis ao controle dos hospitais pelas Santas Casas Viam as epidemias como uma ameaça potencial à autoridade médica e um convite ao charlatanismo. Origens regionais e profissionais: Médicos e cirurgiões nascidos no Brasil. Recebem forte apoio de uma Santa Casa da Misericórdia reorganizada e reestruturada e, em retorno, dão grande apoio ao movimento das santas casas. Após 1835, grande ênfase na construção e reorganização da estrutura hospitalar da Santa Casa. Atributos dos liberais no movimento higienista no Rio. c.1825-1850 Os liberais associavam o centralismo monárquico com a tirania. Eram favoráveis à transferência da autoridade central para os municípios, vistos como mais democráticos. Favoráveis a clínicas especializadas pequenas e descentralizadas. Favoráveis ao controle das clínicas pelo município Viam as epidemias como uma potencial oportunidade para descentralizar ainda mais a prática da medicina criando clínicas e liberalizando o reembolso de medicamentos. Origens regionais e profissionais: farmacêuticos e médicos provinciais. Não recebem o apoio adequado das autoridades municipais do Rio desde o início de 1830; não levaram vantagem de uma Santa Casa fraca e desestruturada na época. Após 1835, ênfase na inserção da idéia de clínicas especializadas no interior da estrutura hospitalar das Santas Casas. Desenvolvimento dos conceitos de vigilância em saúde pública, século XVIII na Europa e nos E.E.U.U. (apud, Marcus Cuerto ) 1. Achenwall (1740 - 50) a. Introduziu o termo estatística. b. influenciado pela crescente coleção de estatísticas vitais 2. Desenvolvimento nos E.E.U.U. (metade do século XVIII) a. Ênfase nas doenças infecciosas b. Rhode Island aprovou um ato exigindo que os taverneiros notificassem doenças contagiosas entre os seus clientes. (1741) c. Rhode Island aprovou uma lei mais ampla requerendo a notificação da varíola, febre amarela e cólera. (1743) 3. Johann Peter Frank (1766) a. advogava uma vigilância de saúde pública mais abrangente. b. desenvolveu um sistema de polícia médica na Alemanha c. TAl sistema abrangia a saúde escolar, prevenção de danos, saúde maternal e infantil e sistemas públicos de água e esgoto. d. o sistema delineava medidas governamentais para proteger a saúde pública.. III. História da vigilância no século XIX Eventos no desenvolvimento do conceito de atividades de vigilância em saúde pública 1. William Farr (1807 - 1883) a. um dos fundadores dos modernos conceitos de vigilância b. superintendente do departamento de estatísticas do escritório do Registro Geral da Inglaterra e Gales (1839 - 1879) c. coletou estatísticas vitais d. reuniu e avaliou dados e. notificou os dados às autoridades de saúde e ao público f. proveu estatísticas vitais a John Snow para seus estudos sobre o cólera 2. Thurnam (1845) a. publicou o primeiro relatórioextensivo sobre estatísticas de saúde mental (Londres ) 3. Semmelweis (1833-1840) a. coletou dados de vigilância em hospitais para determiner o curso da febre puerperal, instituiu medidas de controle 9lavagem de mãos); manteve a vigilância para provar a efetividade das medidas de controle (Viena) 4. Lemuel Shattuck a. Massachusetts A Comissão Sanitária produziu uma publicação fundamental (1850) que relacionava mortes, mortalidade infantil e maternal e doenças comunicáveis às condições de vida. b. Recomendações: 1) Censo decenal 2) padronização da nomenclatura de causas de doenças e morte 3) coleta de dados de saúde por idade, gênero, ocupação, nível socioeconômico e localidade. c. aplicou tais conceitos para programar atividades de imunização, saúde escolar, tabagismo e abuso de álcool d. introduziu conceitos no ensino de medicina preventiva c. Eventos em notificação 1. monitoramento nacional de doenças a. Nos E.E.U.U. começa em 1850 b. estatísticas de mortalidade baseadas no registro de mortes e no censo decenal foram publicadas pela primeira vez pelo governo federal para todo os E.E.U.U. 2. Notificação sistemática de doenças começa nos E.E.U.U. em 1874 a. O departamento de saúde de Massachusetts institui um plano voluntário para a notificação semanal pelos médicos de doenças prevalentes b. usou um formato padrão de notificação 3. coleta de dados de morbidade a. O Congresso autorizou que fosse feita uma previsão pelo Serviço de Saúde Pública em 1878 b. os dados foram usados nas medidas de quarentena contra doenças pestilenciais (cólera, varíola, praga, febre amarela etc). 4. notificação compulsória de doenças infecto contagiosas a. Italia - 1881 b. Grã-Bretanha- 1890 c. Michigan - 1893 – primeira jurusdição dos E.E.U.U. a requerer notificação de doenças infecciosas específicas. d. Estados Unidos - 1893 – lei exigindo a coleta de informações samanais das autoridades estaduais e municipais em todo país IV. Desenvolvimento da vigilância no século XX nos E.E.U.U. Eventos em notificação 1. requer notificação de doenças comunicáveis selecionadas (1901) a. requer notificação às autoridades locais b. tais como cóçera, varíola e tuberculose. 2. Pessoal do Public Health Service (PHS) designado como epidemiologistas colaboradores para servirem nos departamentos de saúde dos estados com a missão de telegrafarem para o PHS relatórios semanais sobre doenças. (1914) 3. todos os estados iniciam a participação na notificação nacional de morbidade (1925) a. acompanham a epidemia mundial de poliomielite (1916) b. pandemia de influenza (1918 - 1919) 4. primeiro levantamento nacional de saúde dos cidadãos americanos (1935) 5. Escritório nacional de estatísticas vitais assume a responsabilidade pela notificação da morbidade. a. em decorrência do estudo de 1948 feito pelo PHS b. levou à revisão dos procedimentos de notificação da morbidade B. Eventos na disseminação das estatísticas 1. O Escritório Nacional de Estatísticas Vitais National Office of Vital Statistics inicia a publicação semanal de estatísticas que do relatório de saúde pública (1949) 2. adicionou dados de mortalidade às suas publicações e chamou-a de Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR) 3. esta tarefa foi transferida para o Centro de Doenças Comunicáveis ( CDC ) hoje o centro de controle de doenças e prevenção (1961). 4. O conceito de MMWR teve maior desenvolvimento comy Alexander Langmuir 5. evolução continua do MMWR e vigilância em saúde pública para os eventos a. poliomielite após o incidente Cutter b. influenza c. seguimento da epidemia de salmonella de 1961-62 d. traumas OS MODELOS DE EXPLICATIVOS DA APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO As forças que moldaram nossas cidades embora peculiares, também ocorreram em outros lados do planeta em diferentes tempos e intensidades. Assim, a preocupação em se ter um modelo que explicasse como tais vetores atuavam nas sociedades e determinavam como elas se apropriavam do espaço e o organizavam em seus proveitos só aparece como matéria de ciência a partir do século XVIII. O primeiro a formular semelhante proposta foi Johann Heinrich von Thünen, (1780-1850) um fazendeiro do norte da Alemanha e também economista O modelo de Von Thünen aplicável para o uso de terras agriculturáveis assumia as seguintes premissas: • • • • • • A cidade está localizada centralmente dentro de um “Estado Isolado” que é auto-suficiente e não tem influências externas. O “Estado Isolado” é cercado por terras virgens não ocupadas. As terras do “Estado Isolado” são completamente planas e não têm rios ou montanhas que interrompam o terreno. A qualidade do solo e o clima são consistentes em todo “Estado Isolado”. Os fazendeiros do “Estado Isolado” transportam seus produtos para o mercado por carros de boi através do território diretamente para a “cidade central”, portanto não há estradas.. Os fazendeiros procuram maximizar seus lucros. Diagrama do “Estado Isolado Tal modelo foi concebido numa época onde não havia as modernas facilidades tecnológicas como estradas pavimentadas, fábricas e energia elétrica mas, apesar disto, ainda hoje é considerado como um modelo geoeconômico básico. O mais original desta proposição foi considerar o espaço e a economia como variáveis possíveis de serem controladas. O final do século XVIII e adiante, por todo século XIX, viu-se o ocaso dos sistemas colonialistas escravistas e o triunfo do capitalismo moderno. A fusão da visão meramente cartográfica dos antigos impérios com a predominância da economia capitalista na definição dos espaços nesta nova dinâmica social, antevista por Van Thünen, só vai encontrar pleno abrigo no século XX. Daí porque tal fusão da geografia com a economia - que são os saberes desta nova ciência - custa a se firmar como tal, com métodos, paradigmas, proposições teóricas e práticas (Santos, 2002). Portanto não é de estranhar que somente após a IIª Guerra Mundial a economia espacial ou geoeconomia tenha se desenvolvido com maior rapidez e profundidade. Inúmeros modelos foram estudados, propostos, e postos em prática com o propósito de planejar e controlar o desenvolvimento econômico e social orientado para certos objetivos. A questão era, e ainda é, dimensionar a fidedignidade de quanto estes modelos foram, são ou serão determinísticos ou preditivos. Os modelos enfatizaram mais ou menos questões relativas às interações entre a economia e a área, movimento e tempo, bem como a uma conceituação mais específica de território. Em outras palavras, a transformação do espaço geográfico pelos humanos pode ser previamente determinada e organizada? Os territórios passam a ser concebidos como o espaço geográfico, dito banal, onde os homens vivem, produzem, procriam e os consideram como propriedades suas, e que serão herdadas pelos seus descendentes. Os modelos explanatórios destas realidades foram sendo acrescidos paulatinamente por novos conhecimentos da sociologia, ecologia, geologia, antropologia, etc. A complexidade do assunto exigiu que se tentasse criar uma ordenação do território onde a idéia de hierarquia dependente das funções e dimensões destes territórios fosse o eixo principal. Tais teorias, ditas locacionais, foram inspiradoras de grandes planos governamentais e privados voltados para a exploração econômica de territórios definidos, tanto pela vertente do neocapitalismo do pósguerra quanto pela proposta socialista soviética. O interessante é que ambos os sistemas, embora antagônicos, necessitavam de uma ferramenta de planejamento geo-econômico para fazerem valer seus princípios e atingirem suas metas. Tal modelo teria de ser o mais adequado para almejar a condição de científico e, portanto, fidedigno. Assim, desde a simplista proposição de Van Thünem, até hoje os modelos surgem e são abandonados pelos mesmos motivos de seu ancestral, a ineficácia dos resultados de sua aplicação. Isto suscitou a crítica contundente que explica a ineficácia destes modelos pela ausência das dimensões histórico-temporais nos seus pressupostos. Os soviéticos imbuídos pelo materialismo dialético de Marx, consideraram a história como um subproduto das relações econômicas, e creram nesta determinação com tal fervor que terminaram isolados e ultrapassados por um ímpeto que não foi previsto, nem de longe, até mesmo pelos seus mais ferrenhos inimigos. Os capitalistas ortodoxos, liberais, neocapitalistas neoliberais, socialistas e todos que, de um modo ou de outro, se opunham aos ideais socialistas soviéticos, e mesmo alguns dentre estes, esforçavam-se mais ou menos para encontrar tal ferramenta mágica da geoeconomia que desse a resposta irrefutável à questão do progresso com justiça social. Acrescentado a este cadinho o debate acerca da transcendentalidade da natureza. Uma disciplina que buscava o status de ciência se via envolvida numa polêmica metafísica que lhe tolhia os meios de aplicação prática. Na antiguidade, como ainda hoje, a percepção, individual ou coletiva, de que pertencemos a este mundo natural é intuitiva, bem como a idéia da finalidade da vida e do usufruto desta condição. Mas não sabemos com certeza o que é esta natureza. Há sempre, no mínimo, dois caminhos a serem trilhados: Primeiro considerá-la como um expressão de uma força maior e misteriosa na origem e no fim de tudo. Segundo, considerar a natureza como um acaso. A aparente trivialidade e irrelevância destas duas visões na determinação dos rumos da política advêm do fato de que para responder estas questões é necessário e fundamental que haja uma resposta disponível, plausível e irrefutável, fato que não ocorre. É irrelevante e trivial porque se admite desde o princípio que a natureza é regida por forças ainda desconhecidas, para muitos metafísicas ou sobrenaturais, que ordenam e determinam os fenômenos observados. Em pleno século XXI, e não há o que reprovar, a imensa maioria da população mundial acredita em alguma divindade superior que é responsável pelo que acontece na terra. De fato, abriu-se a caixa da Pandora e o século começa com a insustentabilidade dos modelos geoeconômicos propostos: uma orfandade de paradigmas confiáveis. Surge no horizonte a novidade da “globalização”. Será mesmo novidade? O que há de novo nestas proposições é a idéia da possibilidade da difusão instantânea das informações, e o domínio tecnológico definitivo das forças naturais, eliminando-se assim a dimensão histórica temporal, ou seja, a história é vivenciada “on line” por meios eletrônicos.. Isto desqualifica a consideração da difusão das inovações, uma das teorias geoeconômicas mais promissoras (Hägerstrand. In Santos, 2002), como responsável em parte pela formação dos territórios. A aproximação dos teóricos da geoeconomia e da epidemiologia parece promissor porque uma pode dar à outra o apoio e a complementação do que lhes falta. À Epidemilogia a dimensão territorial com conteúdo econômico e social possibilitando uma nova abordagem determinística e, à Geografia o componente temporal e biológico acrescentando a história às suas explicações. Mas este caminho ainda não está pavimentado, embora a realidade pressione para que se faça esta aproximação. Quando um aluno de uma escola primária no interior do Brasil fica sem leite na merenda, porque a produtora faliu fraudulentamente em outro país, é quase impossível explicar para a família da criança porque, com tanta vaca ao redor, aquilo aconteceu. Também é patético explicar para alguém do interior brasileiro que ele pode ficar muito doente devido às mazelas das galinhas chinesas. Blount, John Allen, "The Public Health Movement in São Paulo, Brazil: A History of the Sanitary Service, 1892-1918," (Ph.D. Dissertation: Tulane University, 1971), 21. Viotti da Costa, Emilia The Brazilian Empire: Myths and Histories (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1985 E. Soja, "Regions in Context: Spatiality, Periodicity, and the Historical Geography of the Regional Question," Society and Space (1985), Vol. 3, pp. 175-190. Santos, Milton. Por uma geografia nova. Edusp. 2002.