Ler Dissertação - centro de ciências da saúde - ufpb

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Ler Dissertação - centro de ciências da saúde - ufpb
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
ANNA LUIZA CASTRO GOMES
Avaliação do desempenho das Equipes de Saúde
da Família no controle da Tuberculose no
município de Bayeux – PB: o vínculo e o
processo de trabalho na Atenção Primária à
Saúde.
JOÃO PESSOA - PB
- 2007 -
2
ANNA LUIZA CASTRO GOMES
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO
CONTROLE DA TUBERCULOSE NO MUNICÍPIO DE BAYEUX – PB: O VÍNCULO
E O PROCESSO DE TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE.
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Enfermagem, Nível Mestrado,
do Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal da Paraíba – Campus I,
na área de concentração em Enfermagem na
Atenção à Saúde inserida na linha de pesquisa
Políticas e Práticas em Saúde e Enfermagem
como requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre em Enfermagem.
Orientadora: Prof ª Drª. Lenilde Duarte de Sá
JOÃO PESSOA - PB
- 2007 -
3
Autorizo a reprodução e divulgação total e parcial deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e de pesquisa desde que
citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
G633a Gomes, Anna Luiza Castro.
Avaliação do desempenho das equipes de saúde da família no controle da
tuberculose no município de Bayeux – PB: o vínculo e o processo de trabalho na
atenção primária à saúde./ Anna Luiza Castro Gomes. – João Pessoa, 2007.
141 p. : il.
Orientadora: Lenilde Duarte de Sá
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCS
1. Tuberculose – Controle; 2. Tuberculose – controle – Equipes Saúde da Família.
UFPB/BC
CDU: 616 – 002.5 (043)
4
ANNA LUIZA CASTRO GOMES
Avaliação do desempenho das Equipes de Saúde da Família no controle da
Tuberculose no município de Bayeux – PB: o vínculo e o processo de
trabalho na Atenção Primária à Saúde.
APROVADA EM: ___/___/___
Prof.ª Dra. Lenilde Duarte de Sá - Orientadora
(Universidade Federal da Paraíba)
Prof ª Dra. Neusa Collet - Examinadora
(Universidade Federal da Paraíba)
Prof ª Dra. Tereza Cristina Scatena Vila – Examinadora
(EERP - Universidade de São Paulo)
Prof ª Dra. Jordana Nogueira - Examinadora
(Universidade Federal da Paraíba)
JOÃO PESSOA
- 2007 -
5
DEDICATÓRIA
À minha amada mãe, que por sua força e
coragem no enfretamento das tormentas da
vida se torna o testemunho vivo de fé em
Deus, me encorajando a alcançar meus
objetivos e sonhos.
Ao meu filho, Rafael Augusto, que
diariamente me inspira e me fortalece na
busca de meus objetivos, minha razão de
continuar apesar das adversidades que a
vida nos apresenta.
6
Agradecimentos Especiais:
A Deus, pelo dom da vida, da inteligência, da coragem e da perseverança e a Maria,
Nossa Senhora e Mãe, pela interseção em todos os momentos de minha vida;
A meus pais, Maria das Neves Castro Gomes e Francisco Diniz Gomes pelo amor,
carinho e apoio incondicional em todos os momentos de minha existência;
A meu avô, André de Almeida Castro, pelo seu estímulo, preocupação e
compreensão (in memoriam);
A minha irmã Andréa Castro Gomes, que sempre soube escutar e acolher com
paciência meus momentos de ansiedade, medo e dúvidas;
A minha família, meus tios e tias e minha avó, representados na pessoa de Ana
Gláucia da Silva Castro, pelo carinho e por torcerem e se alegrarem com as minhas
conquistas;
A Leonardo Falcão, pela paciência, perseverança e carinho, nos momentos de maior
stress;
À Ana Tereza Medeiros Cavalcante da Silva, pela amizade, acolhimento, confiança e
incentivo, pela disponibilidade em ouvir minhas angústias e dúvidas; pelo
compromisso e competência ímpar durante todo o curso e por ter compartilhado os
momentos mais importantes do meu aprendizado;
Às colegas de turma Lucina Farias, Alynne Mendonça Saraiva e Rafaela Gerbasi
Nóbrega que sempre estiveram dispostas a ajudar nos momentos de desespero e com
as quais compartilhei sonhos e superei desilusões;
A minha orientadora Profª Drª Lenilde Duarte de Sá pela credibilidade e confiança
em meu potencial e por ter me proporcionado a oportunidade de cursar o mestrado;
À Profª Drª Jordana, pela contribuição neste estudo, no qual esteve presente em todas
as suas etapas importantes;
À Profª Drª. Neusa Collet, pelas contribuições, como membro da banca examinadora,
pelo apoio e pelo acolhimento;
À Profª Drª Teresa Cristina S. Villa pelas contribuições neste trabalho, pela
receptividade e empenho durante a etapa final deste processo;
À amiga, Quiária Eugrácia Sales, pela alegria contagiante e pelas palavras de
entusiasmo e esperança;
7
A todos da Equipe de Saúde da Família do Bairro dos Novais III por compreenderem
e apoiarem a realização desse sonho;
Aos colegas de trabalho, Maria Inês Ferreira e Augusto Daniel Marques que
estiveram com a mão estendida dando força e assumindo, muitas vezes, minhas
atividades quando precisei me ausentar;
Aos Professores do Mestrado, pelos momentos de reflexão e aprendizado;
Às colegas Alinne Beserra Marcolino e Karen Mendes, pela valiosa contribuição
durante a fase de produção do material empírico;
À Alinete Moreira, Coordenadora do Programa de Controle de TB em Bayeux, por
sempre estar disposta a me fornecer os dados necessários para este estudo, e por
acima de tudo, ter articulado a coleta dos dados;
A todos os profissionais das ESF do município de Bayeux que participaram deste
estudo, pela disponibilidade e colaboração, pois sem esses fatores, não teria sido
possível a realização desta pesquisa;
À enfermeira Alessandra Miranda Moraes, pela contribuição durante a realização
dos grupos com os profissionais das ESF de Bayeux;
A Felipe Candeia, responsável pela reprodução desta obra, o qual sempre me ajudou
e me tirou de muitos sufocos;
À Dinalva Soares do Núcleo de Doenças Endêmicas da SES/PB, pelo empenho e
colaboração no fornecimento de informações sobre a temática;
Aos funcionários do Mestrado, em especial Luciene e Luzinete, por sempre estarem
dispostas a facilitar os trâmites na coordenação/secretaria do Mestrado;
A todos aqueles que torceram e rezaram por mim;
A vocês – pessoas amigas e imparciais que contribuíram direta ou indiretamente
para a concretização deste meu objetivo meu sincero sentimento de agradecimento!
Que Deus abençoe a todos.
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“Conto os que morrem de bouba,
de tifo, de verminose, conto os
que morrem de crupe, de câncer e
xistosomose. Mas todos esses
defuntos, morrem de fato é de
fome, quer a chamemos de febre,
ou de qualquer outro nome”.
Ferreira Gulart
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GOMES, A.L.C. Avaliação do desempenho das Equipes de Saúde da Família no controle da
tuberculose no município de Bayeux – PB: o vínculo e o processo de trabalho na Atenção
Primária à Saúde. 2007. 141f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Centro de Ciências
da Saúde, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.
RESUMO
A erradicação da Tuberculose (TB) não depende exclusivamente de tecnologia complexa, e
sim de ações integradas e permanentes no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), que
promovam a melhoria da qualidade de vida e a redução da desigualdade social. A construção
de uma relação de confiança, compromisso e responsabilidade entre a Equipe Saúde da
Família (ESF) e a pessoa com TB, entendida neste estudo como o estabelecimento de vínculo,
favorece a mudança no processo de trabalho das ESF, contribuindo para a adesão do doente a
esquemas terapêuticos. Considerando as diretrizes e estratégias preconizadas, a prática das
ESF e a realidade política na produção de vínculo com os usuários numa perspectiva do
cuidado integral à saúde, este estudo propõe a avaliação do desempenho das ESF no controle
da TB no município de Bayeux -PB à luz da dimensão do vínculo da APS. Este é um estudo
descritivo com abordagem qualitativa que envolveu 37 profissionais da ESF de Bayeux PB/Brasil. Os dados foram coletados através da técnica de grupo focal, em março de 2007, e
analisados, conforme a técnica de análise de discurso na vertente proposta por Fiorin (1999).
Foram produzidas três categorias empíricas: 1) O processo de trabalho das ESF no controle da
TB: posição dos sujeitos, relações de poder e a resistência do modelo centrado na cura; 2) As
concepções de vínculo e a relação com o controle da TB: conceitos e práticas; e 3) A
intersetorialidade nas ações de controle da TB: refletindo o cuidado na perspectiva da cogestão e da autonomia. Resultados mostram que o vínculo se articula numa rede de
influências e determinações advindas dos micro e macro campos das políticas de saúde. As
concepções das ESF sobre vínculo revelaram coerência com os conceitos teóricos estudados,
pois existe na relação equipe/usuário a confiança, compromisso, intimidade, afinidade e
responsabilidade. Fatores que potencializam o vínculo: tempo de atuação da equipe na
comunidade, número de consultas e visitas domiciliares, envolvimento com atividades de
controle. Fatores que fragilizam o vínculo: situação sócio-econômica do doente; compromisso
político com relação à capacitação das ESF em TB, provisão de recursos financeiros e
materiais, às condições de trabalho das equipes, à oferta de serviços laboratoriais e de média
complexidade, à rotatividade de profissionais; e ainda a escassez de medidas intersetoriais que
promovam mudanças na situação de vulnerabilidade de muitos doentes e as limitações dos
profissionais em ampliar a capacidade de co-gestão e autonomia no cuidado dos usuários com
TB. Há contradições entre a prática das ESF e o discurso político oficial, pois o controle da
TB não tem ocorrido conforme o preconizado. Acreditamos que o conjunto de medidas
intersetoriais e o incentivo à co-gestão e a autonomia do usuário articulado aos esforços das
ESF em estabelecer relações de vínculo com o doente e sua família favoreça o cuidado
integral a esse doente no âmbito da APS. Ressaltamos a necessidade de mudanças que
fortaleçam a relação ESF/doente e deste modo, se concretize no cotidiano dos serviços de
APS, um cuidado fundamentado na integralidade.
Palavras-Chave: Tuberculose. Controle. Vínculo. Estratégia Saúde da Família.
10
GOMES, A.L.C.2007. Performance assessment on Family Health Groups in the control of
tuberculosis in Bayeux – PB: the link and the process of work in Primary Health Attention.
2007. 141p. Dissertation (Master’s degree in Nursery) - Health Science Center, Paraiba
Federal University, João Pessoa.
ABSTRACT
Tuberculosis, (TB) extirpation does not rely only on complex technology. Nonetheless, on
continuous and integrated actions in the scope of Primary Health Attention (PHA), which
likely promote the improvement of life’s quality and also the reduction of social discrepancy.
The construction of a faithful relationship, involvement and responsibility between the Family
Health Group (FHG) and the person with TB, perceived in this study as the effectiveness of
link, gives place to the change in the process of work of the FHG; besides that, it contributes
to the patient’s allegiance to the curative schemes. Taking into account the conceived
guidelines and strategies, the practice of FHG and the political context in the user’s link
production on the prospect of total health care, this study aims at assessing the FHG
performance in the control of TB in Bayeux – PB on the light of the PHA’s extent dimension.
This is a descriptive study with qualitative approach which has enclosed 37 professionals of
Bayeux’s FHG – PB/Brazil. The data have been collected through the focal group technique
in March/2007, and the discourse analysis technique proposed by Fiorin (1999). Three
empirical categories have been produced: 1) The process of work of FHG in the control of
TB: individual’s position, dominant relationship and refusal of the patter centered in the cure;
2) The link’s perception and is relation with the control of TB: concepts and practices; and 3)
The transdisciplinary posture in the actions of control of TB: towards reflection about care on
the perspective of co-management and autonomy. The results indicate that the scope is
articulated on a net of influences and decisions linked to micro and macro fields of health
policies. The FHG ideas about link have revealed coherence with the studied theoretical
principles, as there is assurance, commitment, intimacy, affinity and responsibility in the
relation user. Points that enhance the link: the period of time of group’s activity in the
community, number of consultations en home visits, engagement with the Directly Observed
Treatments (DOTS). Aspects that weaken the link: the patient’s social economical status;
political commitment in relation to the FHG improvement on TB; the supply of financial and
material resources; to the group’s work conditions; to the offer of laboratory services an of
average complexity; to the turnover of professionals; and still to the lack of distinct sections’
measures that bring change to the vulnerable situation of a lot of patients. Besides that, the
constraints of professionals in enlarging the co-management and autonomy competence in the
care of TB’s users. There are incoherencies between the FHG’ practice and the official
political discourse, since that the control of the TB has not the happened and assumed. We
believed that the complex of different sections’ procedures and the stimulus to the comanagement and to the user’s independence – articulated with the FHG s’ efforts in the
setting link’s relations with the diseased and the family – facilitate this user’s complete care in
the range oh PHA. We emphasize the need for changes that intensify the relation FHG/patient
in order to apply a care based upon wholeness in the daily practice of the PHA’s services.
Key-words: Tuberculosis. Control. Link. Family Health Strategy.
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SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTAÇÕES
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
RESUMO
ABSTRACT
1. CONSTRUINDO O OBJETO DE ESTUDO......................................................
1.1 ESCOLHA E DELIMITAÇÃO DO TEMA..........................................................
1.2 O PANORAMA DA TUBERCULOSE E AS POLÍTICAS PARA SEU
CONTROLE................................................................................................................
1.3 DEFININDO O OBJETO DE ESTUDO..............................................................
1.4 OBJETIVOS DA PESQUISA...............................................................................
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2. MARCO REFERENCIAL....................................................................................
2.1 A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E A ESTRATÉGIA SAÚDE DA
FAMÍLIA: CONCEITOS E DESAFIOS.....................................................................
2.1.1 As políticas públicas e os modelos de atenção à saúde no Brasil.........
2.1.2 A Estratégia Saúde da Família (ESF), o Processo de Trabalho na
APSS e a avaliação em saúde...........................................................................
2.2 O VÍNCULO E O PROCESSO DE TRABALHO DAS ESF NO CONTROLE
DA TB: CONCEITOS E PERSPECTIVAS...............................................................
2.2.1 O cuidado ao doente de TB na perspectiva da integralidade e sob a
diretriz do vínculo............................................................................................
35
3. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS.........................................................
3.1 FORMA E NATUREZA DA INVESTIGAÇÃO..................................................
3.2 CENÁRIO DA INVESTIGAÇÃO........................................................................
3.2.1 Informações gerais do município de Bayeux.........................................
3.2.2 Organização dos serviços públicos de saúde do município de
Bayeux................................................................................................................
3.3 OS SUJEITOS QUE PARTICIPARAM DA INVESTIGAÇÃO..........................
3.3.1 Caracterização dos sujeitos.....................................................................
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76
3.4 PROCEDIMENTOS ÉTICOS............................................................................... 77
3.5 A TÉCNICA PARA PRODUÇÃO MATERIAL EMPÍRICO.............................. 77
3.6 PROCEDIMENTOS PARA A PRODUÇÃO DO MATERIAL EMPÍRICO....... 78
3.6.1Preparação para realização dos grupos.................................................. 76
3.6.2 Desenvolvimento dos grupos................................................................... 79
3.6.2 Análise do material empírico.................................................................. 81
4. ANÁLISE DO MATERIAL EMPÍRICO...........................................................
4.1 PRIMEIRA CATEGORIA EMPÍRICA: O PROCESSO DE TRABALHO DAS
ESF NO CONTROLE DA TB: A POSIÇÃO DOS SUJEITOS, AS RELAÇÕES
DE PODER E A RESISTÊNCIA DO MODELO CENTRADO NA
CURA..........................................................................................................................
4.1.1 A posição dos profissionais das ESF no controle da TB......................
4.1.2 Saberes, relações de poder e resistências das ESF no controle da TB
83
85
85
86
12
4.2 SEGUNDA CATEGORIA EMPÍRICA: AS CONCEPÇÕES DE VÍNCULO E
A RELAÇÃO COM O CONTROLE DA TB: CONCEITOS E
PRÁTICAS.................................................................................................................
4.2.1 As concepções de vínculo e o envolvimento das ESF com o doente
de TB e sua família..........................................................................................
4.2.2 Fatores que fragilizam o vínculo entre a ESF e o doente de
TB.......................................................................................................................
4.3 TERCEIRA CATEGORIA EMPÍRICA: A INTERSETORIALIDADE NAS
AÇÕES DE CONTROLE DA TB: REFLETINDO O CUIDADO NA
PERSPECTIVA DA CO-GESTÃO E DA AUTONOMIA.........................................
4.3.1 Os desafios das ESF no controle da TB considerando as ações
intersetoriais......................................................................................................
4.3.2 Refletindo o cuidado das ESF ao doente de TB na perspectiva da
co-gestão e da autonomia.................................................................................
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 123
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 127
APÊNDICES.............................................................................................................. 140
13
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 01 – Parâmetros que caracterizam as abordagens da APS...............................
39
Tabela 02 – Distribuição do número de casos novos de TB por Distrito Sanitário no
município de Bayeux no triênio 2004-2006................................................................
71
Tabela 03 – Coeficiente de Incidência de TB, todas as formas de BK+ por 100.000
habitantes.....................................................................................................................
72
Tabela 04 – Freqüência dos profissionais das ESF que participaram dos grupos
focais realizados em de Bayeux – PB, no período de março a abril/2007...................
73
Tabela 05 – Distribuição dos profissionais de acordo com a faixa etária...................
74
Tabela 06 – Distribuição dos profissionais de acordo com o tempo de atuação no
município de Bayeux...................................................................................................
74
Tabela 07 – Distribuição dos profissionais de acordo com o tempo de atuação no
PSF do município de Bayeux......................................................................................
74
Gráfico 01 - Demonstração dos índices de cura de TB e de abandono ao TS após a
implantação do DOTS, no período entre1999 e 2005, na PB..................................................
21
Quadro 01 – Responsabilidades e atividades das ESF no controle a TB....................
19
Quadro 02 – Categorias principais da APS adaptadas de Vuori (1985)......................
38
Figura 01 - Mapa do estado da Paraíba com destaque para os 06 municípios
prioritários para o controle da TB................................................................................
22
Figura 02 – Mapa do município de Bayeux.................................................................
69
Figura 03 – Mapeamento do modelo geo-sanitário dos portadores de TB por
DS................................................................................................................................
71
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AB - Atenção Básica
ACS - Agentes Comunitários de Saúde
AIS - Ações Integradas de Saúde
AIDS- Acquired Immune Deficiency Syndrome
APS - Atenção Primária à Saúde
CEFOR - Centro Formador de Recursos Humanos
CNCT - Campanha Nacional de Controle de Tuberculose
DOTS - Tratamento Diretamente Observado
DS - Distrito Sanitário
DAB - Departamento de Atenção Básica
DNPS - Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária
ESF - Equipes de Saúde da Família
FUNASA - Fundação Nacional de Saúde
MS - Ministério da Saúde
NDE - Núcleo de Doenças Endêmicas
OMS - Organização Mundial de Saúde
OPAS - Organização Pan-americana de Saúde
PACS - Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PCT - Programa de Controle da Tuberculose
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PNCT - Programa Nacional de Controle da Tuberculose
PSF - Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PB - Paraíba
SIAB - Sistema de Informação da Atenção Básica
SINAN – Sistema de Informação de Agravos Notificáveis
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SES - Secretaria Estadual de Saúde
SUDS - Sistema Único e Descentralizado de Saúde
SUS - Sistema Único de Saúde
SPT - Saúde para todos
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SF – Saúde da Família
TB - Tuberculose
TS - Tratamento Supervisionado
UBS - Unidades Básicas de Saúde
UR – Unidade de Referência
USF - Unidades de Saúde da Família
UFPB - Universidade Federal da Paraíba
WHO - World Health Organization
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CAPÍTULO 1
CONSTRUINDO O OBJETO DE ESTUDO
Eu, sou eu e minhas circunstâncias.
Ortega e Gasset
1.1 ESCOLHA E DELIMITAÇÃO DO TEMA
O interesse em estudar a Tuberculose (TB) foi despertado em 2004, a partir do meu
trabalho no Programa de Saúde da Família do município de Bayeux – PB, onde estive
responsável pela supervisão do tratamento de 04 (quatro) usuários com a doença. Naquele
período, participei efetivamente da descentralização das ações do Programa de Controle de
Tuberculose (PCT) para o âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) no município. Durante
o acompanhamento dos pacientes, vivenciei várias situações – não previstas em manuais ou
livros – nas quais tive que adotar estratégias que assegurassem a conclusão do tratamento.
Entre as questões que me inquietavam, ressalto a incidência da TB na comunidade apesar da disponibilidade de vacinas, exames, consultas e tratamento - a complicação pelo
alcoolismo, o estigma e o preconceito inerentes à doença e a falta de qualificação da equipe de
saúde para o PCT. Como se poderia cuidar de um usuário com TB, sem conhecer o que estava
preconizado pela política de assistência a esse grupo? Além disso, percebi que os outros
colegas também estavam em igual situação, ou seja, careciam de informações para melhor
cuidar de uma pessoa que adoecesse de TB. Todavia, o Ministério da Saúde (MS) precisava
de dados, e nós tínhamos metas a alcançar. A partir desta necessidade pessoal, recorri ao
Manual disponível na Unidade Saúde da Família (USF) e às orientações da coordenadora
local. Nesse período, foram vivenciadas várias situações em que o envolvimento da equipe
com a pessoa doente de TB, a sua família e o compromisso e a responsabilidade em atender às
necessidades apresentadas pelo doente foram fundamentais para a conclusão e para o êxito do
tratamento.
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Outros motivos determinantes na escolha do município de Bayeux dizem respeito ao
fato do mesmo ser considerado um município prioritário da PB para o controle da TB,
pertencer à Região Metropolitana da Grande João Pessoa; ser o terceiro município do Estado
em casos de co-infecção TB/HIV/AIDS e ainda por ser um dos cenários de estudos
desenvolvidos sob coordenação da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose – REDE-TB do projeto “Situação da implantação do DOTS para o controle da TB em algumas regiões do
Brasil: histórico e peculiaridades de acordo com as características regionais”, assim como do
projeto intitulado “Avaliação das dimensões organizacionais e de desempenho das equipes de
saúde da família no controle da TB em dois municípios da região metropolitana da Paraíba”,
financiado pela Fundação de apoio à Pesquisa da Paraíba – FAPESQ/PB.
Segundo a coordenação local do PCT, o município de Bayeux, apesar de apresentar
características e problemas peculiares aos grandes centros urbanos, tinha alcançado, em 2004,
êxito na implantação das ações de controle da tuberculose, registrando índices desejáveis nos
percentuais de cura, ou seja, acima de 85%, como está preconizado pelo MS. Tal fato poderia
estar associado principalmente à atuação das Equipes de Saúde da Família (ESF),
responsáveis pelo desenvolvimento de ações de controle da doença no âmbito da atenção
primária no país (SÁ et al. , 2005).
Por outro lado, mediante a observação livre do campo, realizada em março de 2007,
foram identificadas fragilidades para o desenvolvimento do controle da doença no município,
principalmente, no que tange à produção de vínculo entre as ESF e a pessoa acometida pela
TB, à orientação para a comunidade, ao apoio do gestor, à organização de serviços de
diagnóstico e à atuação da coordenação local. Com relação à dimensão de vínculo,
percebemos que o processo de trabalho das ESF tem comprometido a relação de alguns
profissionais com o doente de TB e sua família.
Considerando a problemática dos municípios inseridos em regiões metropolitanas, a
necessidade da operacionalização de estratégias efetivas para o controle da TB, no Brasil, e a
consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de uma política pautada na APS, são
necessárias algumas reflexões sobre a conformação do sistema de saúde no Brasil e as
diretrizes da APS, com ênfase para a dimensão do vínculo.
18
1.2 O PROBLEMA DA TUBERCULOSE E AS POLÍTICAS PARA SEU CONTROLE
A institucionalização da assistência às pessoas com TB se deu, na década de 1920, na
vigência do modelo médico-sanitário e com ênfase nas ações educativas. Naquele período,
eram estabelecidas atividades que amparassem o modelo econômico agroexportador,
hegemônico do início século passado, através de políticas de saneamento dos espaços urbanos
e erradicação ou controle das epidemias causadas por doenças infecto-contagiosas, como a TB
(ANTUNES; WALDMAN; MORAES, 2000). Com a Reforma Carlos Chagas, foi criada a
Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose, cuja prioridade era a descoberta do tratamento
adequado dos doentes, por meio de ações como isolamento domiciliar, educação profilática e
higiênica das pessoas com TB, a visita domiciliar - a desinfecção de casas e objetos - e a visita
nos estabelecimentos hospitalares, fábricas e escolas (NASCIMENTO, 2005).
Nesse período, as limitações da relação médico-doente eram evidentes, e apesar de
conhecer a etiologia da doença, a medicina ainda não dispunha de medicamentos eficazes.
Logo, eram recomendados o repouso e a boa alimentação para que, a partir de uma reação
orgânica, o processo infeccioso fosse debelado. A obrigatoriedade do repouso e a
recomendação de ares mais puros caracterizavam o modelo hospitalar de assistência médica,
uma vez que a maior ênfase do serviço de enfermagem, naquele momento, era posta na ação
educativa, utilizando o forte poder de persuasão da enfermeira como educadora sanitária
(GONÇALVES, 2000; NUNES, 2005).
Ruffino-Netto (2002) relata que, em 1941, foi criado o Serviço Nacional de
Tuberculose com a função de estudar os problemas relativos à doença e ao desenvolvimento
de ações profiláticas e assistenciais. Em 1946, foi instalada a Campanha Nacional Contra a
Tuberculose (CNCT), cujos objetivos eram: coordenar todas as atividades da doença,
uniformizar a orientação nacional, sugerir a descentralização dos serviços e efetuar o
cadastramento
torácico
da
população.
Naquela
época,
o
tratamento
ainda
era
fundamentalmente hospitalar, fato que permitiu a incorporação de novas técnicas como
pneumotórax e outras cirurgias torácicas e a abreugrafia. Contudo, como a estratégia não
resolvera o problema, foi determinado que o diagnóstico e o tratamento da doença seriam
realizados nas unidades ambulatoriais e que o exame radiológico periódico e a vacina BCG
oral para todos os recém-nascidos seriam obrigatórios (OLIVEIRA, 2005).
19
Com as repercussões da política estabelecida em 1964, a partir do Golpe Militar e
posteriormente, com a crise econômica da década de 1970, o Brasil vivenciou uma
deteriorização dos níveis de saúde, que provocou a adoção, por parte do Presidente Médici, de
mecanismos compensatórios à miséria absoluta em que se encontrava a maioria da população,
o que inibiu a expansão do mercado consumidor de bens e serviços e do próprio setor de
saúde. O quadro era de elevadas taxas de mortalidade infantil e desnutrição, como também de
doenças infecto-contagiosas, conjugadas às doenças crônicas-degenerativas. A Tuberculose
retornara com significância nacional e, aliada à crise sanitária vivenciada nesse período,
ocasionou uma situação de “mal-estar social”. Esse cenário precedeu à viabilização, pelo
governo do presidente Geisel, em 1975, do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND)
que, juntamente, com as secretarias estaduais buscaram dar continuidade ao PCT
(BARREIRA, 1992). Assim, foram criados programas verticais que descentralizaram as ações
do nível central.
Na década de 1980, de acordo com Ruffino-Netto (1999), a execução do controle da
Tuberculose foi transferida para as Secretarias Estaduais de Saúde e novas estratégias foram
propostas para a organização dos serviços de saúde, tais como os AIS (Ações Integradas de
Saúde) e o SUDS (Serviço Único e Descentralizado de Saúde). Em 1986, foi criado, no Rio
de Janeiro, o Centro de Referência Hélio Fraga com o objetivo de dar suporte técnico científico à CNCT e à Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária (DNPS). Em 1990, a
DNPS foi transformada em Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária, ficando
subordinada à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e a CNCT foi extinta pelo presidente
Fernando Collor de Mello. Isto enfraqueceu as coordenações estaduais, ocasionando a
diminuição dos recursos financeiros, redução das supervisões do programa, a disseminação da
AIDS, a queda da cobertura, a diminuição da busca ativa de casos novos, o agravamento dos
resultados de tratamento e o aumento do abandono (RUFFINO-NETTO, 1999).
Em 1993, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o estado de emergência
da tuberculose e, no Brasil, foi elaborado o Plano Emergencial para o controle da doença que,
efetivamente, foi implantado a partir de 1996. Este plano tinha como objetivo aumentar a
efetividade das ações de controle da doença por meio da implementação de atividades
específicas em 230 municípios prioritários, onde se concentravam 75% dos casos estimados
para o país. A meta era diminuir a transmissão do bacilo na população até o ano 1998, sendo a
20
escolha dos municípios baseada em critérios de magnitude epidemiológica da TB e da AIDS,
tamanho da população, assim como em informações operacionais (RUFFINO-NETTO, 2000).
Em março de 1998, a calamidade da situação epidemiológica da TB, no mundo,
chamou a atenção da imprensa internacional. Nesse ano, o Conselho Nacional de Saúde,
através da Resolução 284, passou a considerar a TB como um problema prioritário de saúde
pública no Brasil, estabelecendo, em outubro do mesmo ano, uma nova estratégia para
controle da doença no país: o Plano Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT). O PNCT
apresentava as seguintes diretrizes gerais: 1) o Ministério da Saúde como responsável pelo
estabelecimento das normas; 2) a aquisição e abastecimento de medicamentos; 3) referência
laboratorial e de tratamento; 4) coordenação do sistema de informações; 5) apoio aos Estados
e Municípios; e 6) articulação intersetorial, visando maximizar os resultados das políticas
públicas (BRASIL, 2002; RUFFINO-NETTO, 1999).
Em 2000, o PNCT e áreas programáticas como Hanseníase, Hipertensão, Diabetes
foram incorporados pelo Departamento de Atenção Básica (DAB), que tinha a função de
normatizar a organização e gestão da prática da Atenção Básica (AB). Ruffino-Neto (1999)
afirma que o principal objetivo desta incorporação era fortalecer a relação entre estratégia de
Saúde da Família (SF) e as áreas programáticas como “produtoras de conhecimentos e
serviços específicos”. Desse modo, o DAB elaborou um novo Plano mediante uma articulação
das suas diretrizes às ações da estratégia SF, no qual foram propostas estratégias para o
período de 2001-2005 que envolviam: implantação/implementação do bônus para todos os
municípios que tivessem Unidades Básicas de Saúde (UBS), desenvolvendo ações de controle
da TB; identificação de áreas prioritárias em municípios com mais de um milhão de
habitantes; capacitação de Equipes de Saúde da Família (ESF) e Agentes Comunitários de
Saúde (ACS); ampliação da cobertura para 70% da população brasileira; treinamento para
gerenciamento e supervisão, principalmente em serviço, através de visitas de supervisão,
durante o período de implantação; priorização do Tratamento Supervisionado (TS);
manutenção da educação permanente das ESF e ACS para a universalização das ações de
controle da doença; estímulo à adesão municipal ao PCT; utilização do TS ou do Tratamento
Diretamente Observado (BRASIL, 2000).
No quadro a seguir, são demonstradas as responsabilidades e atividades das ESF
referentes ao controle da TB.
21
RESPONSABILIDADES
Busca ativa de casos
ATIVIDADES
Identificação de Sintomáticos Respiratórios (SR)
Notificação de casos
Notificação de casos
Diagnóstico clínico de casos e por meio de BK
Exame clínico de SR e comunicantes
Realização ou referência para baciloscopia Realização
ou referência para exame radiológico em SR com
baciloscopias negativas (BK -)
Acesso a exames para diagnóstico e controle:
laboratorial e radiológico
Cadastramento dos portadores
Tratamento dos casos BK+ (supervisionado)
Medidas preventivas
Alimentação e análise dos sistemas de informação
Tratamento supervisionado dos
Fornecimento de medicamentos
Atendimentos às intercorrências
Busca de faltosos
Vacinação com BCG
Pesquisa de comunicantes
Quimioprofilaxia
Ações educativas
casos
BK+
Quadro 01 - Responsabilidades e atividades das ESF no controle a TB
Fonte: BRASIL, 2002 p 63.
O recrudescimento do problema da TB, na década de 1990, recomendava o uso de
estratégia para conter o avanço da doença. Embora recomendada desde 1993 pela OMS, no
Brasil, a implantação do Directily Observed Treatment, Short-Course (DOTS) foi iniciada em
1996 por meio do Plano Emergencial para o controle da TB e formalmente oficializado em
1999 por intermédio do PCT. Reconhecido como um instrumento técnico e gerencial, o
DOTS constitui uma estratégia pós-moderna de controle da doença (FERNANDES, 1993;
MENDES, 1998; RAVIGLIONE, 2002), uma vez que envolve todas as etapas de atenção ao
doente, desde a detecção do caso até o término do tratamento.
O DOTS tem como princípios básicos: a observação direta do doente ao engolir o
medicamento; uma equipe treinada e interessada; a oferta de incentivos ao paciente para
encorajar a sua adesão; rede laboratorial equipada com equipamentos e recursos humanos;
sistema de informação para monitorar os casos, tratamento, evolução e resultados (BRASIL,
2002). Deste modo, a estratégia pode ser descrita em cinco componentes-chave:
Comprometimento dos governos no suporte financeiro das atividades de controle;
Detecção de casos pela microscopia de secreção entre pacientes sintomáticos que se
apresentam aos serviços de saúde;
22
Regime de tratamento padronizado de seis a oito meses para no mínimo todos os casos
confirmados a partir dos testes positivos de secreção, com tratamento direto observado
(“DOTS”), pelo menos nos dois meses iniciais;
Suprimento regular de todos os medicamentos essenciais antituberculose;
Sistema padronizado de registro e notificação que permita conclusões seguras sobre o
resultado do tratamento para cada paciente e do programa de controle de forma geral.
Verifica-se que o emprego da estratégia DOTS, além de modificar o quadro
epidemiológico da TB, é notadamente eficiente, pois tem possibilitado a reorganização dos
serviços de saúde evitando a hospitalização e tornando o tratamento disponível e de baixo
custo. Além disso, o risco de abandono e a multiresistência bacteriana diminuem, permitindo
que a doença seja facilmente tratada e que gastos com outras drogas sejam reduzidos. Na
atualidade, o DOTS é considerado como a estratégia que oferece a melhor forma para
controlar a TB e vem sendo incorporado pelos profissionais que atuam na estratégia SF, como
medida de descentralização das ações de controle da TB para a APS. No entanto, apesar das
potencialidades do DOTS, o número de casos continua a crescer no mundo, com milhares de
mortes, principalmente nos 22 países com mais alta carga da doença. A OMS apontou, em
2001, como principais obstáculos verificados, nesses países, para a expansão do DOTS,
aqueles relacionados à falta de comprometimento político, à insuficiência de recursos
financeiros e sua utilização, ao desenvolvimento de recursos humanos, às estruturas
organizacionais deficientes com baixa capacidade gerencial, ao inadequado suprimento de
drogas e à ausência de sistema de informação.
Para a expansão e sustentabilidade da estratégia DOTS, faz-se necessário o
compromisso político, não apenas por conta dos recursos financeiros, mas também para a
construção de parcerias internacionais e nacionais, com objetivos de formular planos
estratégicos de ação a serem implementados pelas políticas de saúde e que contribuam para a
mobilização dos serviços de saúde, usuários e população em geral, para a incorporação real do
significado do DOTS.
Na Paraíba (PB), a implantação da estratégia DOTS ocorreu articulada à expansão da
estratégia SF em 1999, inicialmente em dez municípios que foram selecionados a partir dos
seguintes critérios: população superior a 50 mil habitantes, maior carga bacilar e retaguarda
laboratorial de referência. Em 2001, o DOTS foi implantado em mais vinte municípios
mediante decisão do Núcleo de Doenças Endêmicas da Secretaria Estadual da Saúde da
23
Paraíba (SES/PB) como medida para garantir a pactuação entre Estado e municípios para
implantação, implementação e descentralização das ações de controle da TB, junto à
estratégia SF e ao Programa de ACS (LIMA, 2005; PARAÍBA, 2001; SÁ et al., 2005).
Na Paraíba (PB), também conforme o NDE da SES/PB, dos seus 223 municípios, 186
utilizam a estratégia DOTS para controle da TB, o que representa 83,4% dos municípios
paraibanos e uma cobertura populacional de 95% (PB, 2007). Existem, na PB, 883 Unidades
de Saúde da Família (USF), das quais 745 estão com o DOTS implantado, representando
65,1% das UFS. Em 2005, o índice de cura da doença ficou em 94,1% em municípios que
operacionalizam o DOTS, e em 72% nos municípios que não fazem DOTS. Em 2006, a
incidência da TB esteve em 32,4 por 100.000 hab, com BK+ e a taxa de óbito por TB em 1,37
por 100.000 hab. O gráfico a seguir demonstra os resultados alcançados por meio da
implantação do DOTS.
Índices de cura de TB e abandono do TS após a implantação do
DOTS, no período entre 1999 e 2005, na PB
96,20%
93,60%
92,80%
92,00%
92,80%
90%
92,60%
Curas
Abandonos
1,90%
2,00%
2,70%
2,20%
2,40%
4,30%
2,50%
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Gráfico 01 – Demonstração dos índices de cura de TB e de abandono ao TS após a implantação
do DOTS, no período entre1999 e 2005, na PB
Fonte: NDE/SES/PB (2007)
Atualmente, são considerados 06 (seis) municípios prioritários para o controle da TB
na PB, cujas especificidades - a realidade de cada município, o compromisso político do
gestor e o envolvimento dos profissionais no controle da doença fazem com que o
enfrentamento desta problemática seja orientado por diretrizes e finalidades, mas heterogêneo
em sua dinâmica. São eles: João Pessoa, Bayeux, Santa Rita, Campina Grande, Patos e
24
Cajazeiras (SÁ et al., 2005). Destes municípios, 03 (três) estão na região metropolitana de
João Pessoa, 01 (um) na região da Borborema e 02 (dois) no sertão.
É interessante reconhecer que as estratégias de combate à doença não devem ser
focalizadas e restritas aos locais que apresentem maior incidência, cabendo aos responsáveis
pelas ações a adoção de medidas flexíveis e adaptáveis aos diversos contextos dos doentes.
Considera-se, ainda, a TB como um problema inerente aos grandes centros urbanos, tendo em
vista a complexidade dos contextos sociais, políticos e econômicos que envolvem as famílias
residentes nesses territórios, caracterizados por aglomerações de pessoas, onde vive grande
parte da população vive em situação de extrema pobreza, em contraste com a relativa riqueza
do país (GOMES, 2005).
Figura 01 – Mapa do estado da Paraíba com destaque para os 06 municípios prioritários no controle da
TB
Fonte: (SÁ, et al, 2005, p. 03)
O controle da TB consiste em um dos maiores desafios para a saúde pública mundial.
A OMS aponta, como principais causas para a gravidade da situação atual da TB, as seguintes
variáveis: desigualdade social, advento da AIDS, a incidência de multi-droga resistente
(MDR), o envelhecimento da população e os grandes movimentos migratórios. Arcêncio
(2006) considera que a endemicidade vivenciada, durante o século XX, por países em
desenvolvimento, a exemplo do Brasil, tem relação com o estado de pobreza e miséria de seus
habitantes, que, em sua maioria, se constituem em populações vulneráveis. Segundo a World
Helth Organization (2005 apud ARCÊNCIO, 2006), pessoas vulneráveis são aqueles
indivíduos que vivem em absoluto estado de pobreza econômica, com baixo acesso aos
25
serviços de saúde, em função de fatores étnicos, localização geográfica dos domicílios, nível
educacional, gênero, condições de vida, exclusão social e migração.
De acordo com Ruffino-Netto (2001), um dos maiores desafios para o controle da
doença no Brasil reside na questão da adesão e/ou abandono do tratamento, uma vez que a
adesão é considerada um ponto fundamental para êxitos no tratamento e quebra do ciclo de
transmissão. Arcêncio (2006) acredita que, para alcançar a adesão, se faz necessária uma
relação humanizada entre doente e profissional de saúde que permita aos pacientes
compreenderem sua enfermidade, passando também a serem responsáveis pelo seu
tratamento.
Ribeiro (2005, p. 47) afirma que “em qualquer encontro entre um usuário, portador de
uma dada necessidade de saúde e trabalhador em saúde, portador de um dado arsenal de
saberes específicos e práticas, sempre se configura um espaço relacional”. Segundo Gomes e
Pinheiro (2005), autores apontam o acolhimento e o vínculo como diretrizes operacionais para
a materialização dos princípios do SUS – em particular – a integralidade, universalização e
eqüidade em saúde.
Por fim, embora a estratégia DOTS se configure, em princípio, como prática de
infantilização e banalização da autonomia do doente (CAMPOS, 2003), ou, ainda, como uma
atitude caracterizada pelo autoritarismo, pela desconfiança e pelo intuito de fiscalização,
considera-se, neste estudo, a capacidade do DOTS em promover o estabelecimento de um
novo patamar de relações entre ESF e doentes de TB, de modo a exercitar o princípio da
integralidade por meio de encontros que viabilizem a compreensão dos modos de andar a
vida, ou seja, “da expressão dos modos de viver socialmente adotados no meio de cada
sujeito” (CANGUILHEM, 1995, p. 244).
26
1.3 DEFININDO O OBJETO DE ESTUDO
O início do século XXI é considerado um marco mundial para a história das políticas
públicas de saúde, visto que foi precedido por importantes fóruns realizados ao longo do
século XX, dentre eles, a Conferência Internacional em Alma-Ata (1978), promovida pela
Organização Mundial de Saúde (OMS). Entre as diretrizes estabelecidas no evento, destaca-se
a proposição da Atenção Primária à Saúde (APS) que, na concepção de Aleixo (2002),
constitui um conjunto integrado de ações básicas, articulado a um sistema de promoção e
assistência integral à saúde.
Starfield (2002) confere à APS uma maior complexidade
conceitual, definindo-a como:
[...] aquele nível de um sistema de serviço de saúde que oferece a entrada no
sistema para todas as novas necessidades e problemas fornece atenção sobre a
pessoa (não direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção
para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a
atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros (STARFIELD, 2002, p.
28).
A APS pode ser, ainda, considerada como o contato preferencial dos usuários com o
sistema de saúde; orienta-se pelos princípios da universalidade, acessibilidade (ao sistema),
continuidade, integralidade, responsabilização, humanização, vínculo, eqüidade e
participação sócia. Na perspectiva da APS, deve-se considerar o sujeito em sua singularidade,
complexidade, integralidade e inserção sócio-cultural, buscando a promoção de sua saúde,
a prevenção, o tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam
estar comprometendo suas possibilidades de viver de modo saudável (MACHADO et al,
2007, grifos da autora).
No Brasil, a implementação das ações da APS esteve apoiada no Movimento da
Reforma Sanitária, que iniciou o processo de construção de um novo modelo de atenção à
saúde e alcançou grandes avanços com a promulgação da Constituição de 1988 e a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS).
Aleixo (2002) considera que o movimento sanitário
representou um verdadeiro avanço para uma “reparação social” à situação da maioria dos
indivíduos, à medida que afirmava os princípios e diretrizes de universalidade, eqüidade,
integralidade, participação social e descentralização. Com esta mesma compreensão Sherer;
Marino; Ramos (2005) afirmam:
27
O SUS, fruto de um processo de longo debate e de lutas por melhores condições de
saúde, surge como um novo paradigma na atenção à saúde, cujos princípios e
diretrizes rompem com o paradigma clínico flexneriano, porém cria a necessidade
de imprimir uma nova forma de produzir e distribuir as ações e serviços de saúde,
ou seja, de configurar e definir este novo modelo de atenção em saúde (SHERER;
MARINO; RAMOS, 2005, p. 55)
Diante das mudanças políticas e econômicas desencadeadas na década de 80, pode-se
dizer que a saúde pública, no Brasil, vive um novo momento histórico. O processo de
mudança no modelo de atenção tem desencadeado transformações, tanto no modo de
organização do sistema e dos serviços de saúde, bem como na práxis profissional. Mesmo
assim, persistem desafios. Quase trinta anos da proposição da APS para orientação de
políticas públicas em prol da saúde no mundo, verificam-se ainda muitas fragilidades na
organização e na operacionalização do SUS, principalmente, pela prevalência de práticas de
saúde com fortes características do modelo médico assistencial privatista, calcado na
concepção flexneriana.
Vale destacar que, durante o processo de consolidação do SUS, as políticas públicas
de saúde têm impulsionado a construção de modelos substitutivos de atenção à saúde, tanto na
APS como nos serviços de maior complexidade assistencial. Na APS, em meio a uma política
de descentralização, o MS implantou, em 1991, o Programa do Agente Comunitário de Saúde
(PACS) e, posteriormente, em 1994, o Programa Saúde da Família (PSF) com o propósito de
reorganizar a atenção primária, garantindo para além da resolutividade dos serviços, o
estabelecimento de vínculos, a criação de laços de compromisso e de co-responsabilidade
entre profissionais de saúde e a população. Essas ações compõem as atividades que se
convencionou chamar, no Brasil, de Atenção Básica em saúde (AB).
Entre as áreas prioritárias de ação do PSF, destacamos, neste estudo, o controle da
tuberculose (TB), doença milenar que, historicamente, se caracteriza também por carregar
estigmas e preconceitos, e apresenta, na maioria dos casos, uma íntima relação com fatores
socioeconômicos do doente. É importante lembrar que apesar da descoberta de meios de
prevenção e cura para a TB (vacina BCG e esquemas quimioterapêuticos), a doença continua
sendo um sério problema de saúde pública no Brasil e no mundo. Dados epidemiológicos
revelam que aproximadamente 1/3 da população mundial está infectada por TB, e, a cada ano,
oito milhões de pessoas tornam-se infectadas pelo bacilo. No mundo, mais pessoas morrem de
tuberculose do que qualquer outra infecção curável. A cada dia mais de 20 mil pessoas
adoecem e 5 mil morrem com este agravo (SILVA, 2006).
28
O Brasil ocupa o 15º lugar, com incidência de 28 casos (baciloscopia positiva) por
100.000 habitantes, prevalência de 92 por 100.000 habitantes, taxa de coinfecção por HIV de
3,8% e de MDR, 0,9%. Na região das Américas, ocorrem, aproximadamente, 352.000 casos
de TB e 50.000 mortes por ano. A cada hora, acontecem 40 novos casos de contaminação por
tuberculose. A cada 10 minutos, uma pessoa morre de tuberculose (OPAS, 2007). Dados
sobre o Brasil demonstram uma concentração de casos na idade economicamente ativa (20 a
39 anos) com predominância no sexo masculino – significativa entre os analfabetos ou em
pessoas com o 1º grau incompleto.
Apesar de sua íntima relação com fatores socioeconômicos, especialmente nos países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, outros problemas têm dificultado o controle da
doença, com ênfase nos problemas relacionados às questões da organização dos serviços de
saúde (ARCÊNCIO, 2006). Outro aspecto a considerar é que a erradicação da tuberculose
não depende exclusivamente de tecnologia complexa, e sim de ações integradas e
permanentes no âmbito da APS, bem como a melhoria das condições de vida e a redução da
desigualdade social. Portanto, para que as ações de combate à doença sejam eficazes, é
imprescindível um maior envolvimento do Estado que, dado o seu dever, deve garantir as
condições necessárias à qualidade de vida da população e oferecer um sistema de serviços
integrado capaz de atender às necessidades de saúde dos cidadãos. Na perspectiva da
consolidação de um conceito ampliado de saúde, pode-se considerar como dimensões
essenciais ao bem-estar do indivíduo: a área da educação, da habitação, da alimentação, do
emprego, do transporte, da saúde, do lazer e da segurança.
Considerando as dificuldades de acesso aos serviços de saúde e a qualidade da atenção
oferecida, bem como os problemas sociais e econômicos vivenciados principalmente pelos
moradores das regiões metropolitanas, no Brasil, são propostas várias medidas para resolução
do problema da TB. Em 2006, no país, foram preconizadas, no Pacto pela Vida, atividades
para todas as áreas de atuação do PSF, inclusive as medidas para o controle da TB, quais
foram: identificação de sintomáticos respiratórios, realização de exames para diagnóstico
laboratorial, acompanhamento dos pacientes e seus contactantes, orientação à família e à
comunidade, viabilização dos serviços de referência e contra-referência, quando necessário e
ações de vigilância epidemiológica. Assim, estas atividades devem constituir a rotina dos
médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde que atuam
nos serviços de APS e estão responsabilizados imediatamente pela operacionalização do
29
DOTS, ou seja, pela detecção de 70% dos casos novos de TB com baciloscopia positiva, e
pelo sucesso de tratamento em pelo menos 85% desses. (BRASIL, 2000; 2006).
Sabe-se que o DOTS tem demonstrado resolutividade em municípios nos quais as
ações de controle da TB foram descentralizadas para a APS, pois, em muitos deles, são
alcançados os índices de cura e de abandono preconizados pela OMS. Porém, mesmo com as
várias tentativas nacionais e internacionais para controle da doença, ao longo desses últimos
séculos, e do avanço em muitos aspectos relacionados à prevenção, à cura e ao tratamento, a
tuberculose ainda continua sendo um grave problema de saúde pública, demonstrado pelo
aumento de sua prevalência, tanto pela associação com HIV/AIDS, como pela resistência aos
medicamentos em conseqüência do abandono ao tratamento.
Em 24 de março de 2007, a OMS lançou o seguinte lema para reflexão no Dia
Mundial da TB: “Da ação local à eliminação global – TB aqui é TB em todo lugar”. Para a
OMS, o controle e a eliminação da doença é tarefa de todos e não somente daqueles
locais/territórios que apresentam maior incidência e/ou menor grau de desenvolvimento
socioeconômico, posto que não existem apenas determinantes sociais, contudo uma mudança
no perfil epidemiológico da doença em decorrência ao desenvolvimento social e tecnológico
das populações. A disseminação da doença ocorre cada vez mais rápida e está presente em
todas as classes sociais e países do mundo. Desse modo, a TB constitui uma preocupação
mundial e responsabilidade de todos, o que reforça a necessidade de políticas universais e
eficazes de controle da doença em detrimento às ações e programas focalizados adotados
ainda nos dias atuais. Ruffino-Netto (2001) considera a TB como uma doença velha, que, no
entanto, precisa de um olhar novo, capaz de enfrentar tabus e preconceitos, trazer novas
alternativas de controle e, sobretudo, ser capaz de resgatar profissionais e doentes que estão
investidos de uma cultura estigmatizante e perpetuadora de mazelas incalculáveis para a nossa
saúde. “A Tuberculose não é problema de saúde pública emergente e tampouco reemergente.
Ela é um problema presente e ficante ao longo tempo” (RUFFINO-NETO, 2002, p. 51)
No Brasil, o processo de descentralização das ações de controle da TB, em grandes
centros urbanos, tem ocorrido articulado à expansão da estratégia SF, já que a mesma foi
considerada uma das estratégias para a reestruturação da atenção primária, em particular, nas
capitais brasileiras. Entretanto, Gomes (2005) revela que alguns autores identificaram fatores
que dificultam a implantação da estratégia SF nas áreas metropolitanas, como por exemplo:
falta de financiamento, despreparo e qualificação insuficiente dos profissionais para atuar na
30
SF, o formato padrão/rígido para composição das equipes, sem respeitar as particularidades
locais, insuficiência de mecanismos de relação da SF com outros serviços, precariedades das
redes ambulatoriais e hospitalares, dinâmica urbana complexa, violência urbana, tráfico de
drogas e armas, e dificuldade da interação entre novos saberes e novas práticas para ações
coletivas e sociais na estratégia SF.
Além disso, estudos sobre a problemática dos centros urbanos revelam que a
formulação de programas isoladamente não garante que haja uma inversão das tecnologias de
cuidado, ou seja, que os trabalhadores tenham seu processo de trabalho organizado de forma a
realizar os princípios e diretrizes do SUS na abrangência de sua enunciação. Ainda são
escassas as práticas nesse sentido – de acolhimento aos usuários, do estabelecimento de
vínculos com responsabilização sobre seu problema de saúde, da relação com o usuário como
sujeitos-cidadãos plenos, com direitos e condições de intervir em seu próprio processo
terapêutico.
Existe a proposta nacional de investimento na APS, visando à reorganização do
modelo de atenção e dos serviços a partir do vínculo cotidiano com a população. Este vínculo
tem como função possibilitar uma atenção à saúde que fortaleça a dimensão relacional do
cuidado e permita uma maior aproximação do SUS com as necessidades sentidas pela
população (SCHIMITH; LIMA, 2004). Nessa perspectiva, algumas estratégias devem ser
pensadas como potenciais para responder às necessidades dos usuários, e realizar o
acolhimento e vínculo com responsabilização, diretrizes fundamentais no processo de
humanização na saúde, procurando incentivar os processos de trabalho relacionais, dialógicos
e interativos com os usuários (PT, 2007).
Nesse enfoque, o vínculo é apreendido como uma das dimensões para avaliação da
organização da APS que, na concepção de Starfield (2002), pressupõe a existência de uma
fonte regular de atenção e seu uso ao longo do tempo. De fato, o vínculo da população com a
unidade de saúde requer o estabelecimento de fortes laços interpessoais que reflitam a
cooperação mútua entre as pessoas da comunidade e os profissionais de saúde, haja vista sua
importância para a garantia de assistência de qualidade na perspectiva da integralidade do
cuidado.
Com relação ao controle da TB, reconhecemos que a construção de uma relação de
confiança, compromisso e responsabilidade entre a ESF e a pessoa com TB. Percebe-se,
31
assim, que o estabelecimento de vínculo entre eles favorece positivamente a relação entre
profissional e usuário, e contribui para facilitar o acesso dessa pessoa ao serviço de saúde,
uma vez que o vínculo se constitui um elemento das relações sociais indispensáveis para a
adesão do usuário com TB ao tratamento e ainda uma estratégia significativa para o logro da
cura.
Para Arcêncio (2006), o êxito do tratamento da TB se dá mediante o envolvimento de
indivíduos capazes de implementar a estratégia DOTS, de acordo com o seu contexto sóciocultural, moldando-o a sua maneira, deixando, entretanto, prevalecer, durante a conformação
do tratamento, as necessidades individuais de cada paciente. O autor considera que, além do
TS ser um dos pilares dessa estratégia, ainda se constitui uma tecnologia de monitoramento,
moldada aos diferentes contextos, com a finalidade de sanar problemas relacionados à
organização dos serviços de saúde a partir de uma flexibilização das equipes no
acompanhamento do paciente e conseqüentemente do compartilhamento de responsabilidades
entre o usuário, a comunidade, o governo e os profissionais de saúde. Nesse sentido, a adesão
ao tratamento da TB requer uma relação humanizada, pautada na confiança mútua entre
pessoas com TB e profissionais de saúde, de modo a favorecer a desmistificação da doença
em um ambiente de compromisso e responsabilidade recíprocos, promovendo um campo fértil
para uma assistência integral e de elevada qualidade aos usuários.
A perspectiva deste estudo está no entendimento de que o vínculo em saúde significa a
manutenção ativa do cuidado por meio de ações que objetivem a monitoração constante das
condições de saúde de um usuário ou família. Deve acontecer, mediante um contato inicial
com o agente comunitário de saúde ou com outro membro da equipe, e aperfeiçoa-se a cada
contato, à medida que a equipe de saúde se informa mais sobre as condições de vida dos
usuários (RIBEIRO, 2005).
Dada a magnitude do problema da tuberculose, justifica-se analisar o envolvimento
das ESF com os doentes de TB pela necessidade de se conhecer o que de fato ocorre durante o
tratamento da doença e pelo fato do vínculo, com todas as dimensões que assume no campo
da saúde ser, considerado um potencializador para a mudança de práticas no âmbito da APS e,
portanto para a superação do modelo de atenção tradicional.
Diante dessas considerações, formulamos algumas questões que devem orientar o
desenvolvimento deste estudo: quais concepções de vínculo apresentam os profissionais que
32
atuam no controle da TB? Como é o processo de trabalho das ESF no cuidado a pessoa com
TB? Como é a relação entre as concepções da ESF sobre vínculo e a prática destas equipes?
Que fatores podem fragilizar a produção de vínculo no cuidado ao doente de TB?
33
1.4 OBJETIVOS DA PESQUISA
Para pesquisar a problemática apresentada, o estudo teve como objetivo geral avaliar o
desempenho das ESF no controle da TB no município de Bayeux - PB à luz da dimensão do
vínculo da APS.
Para facilitar a realização do objetivo geral, elaboramos os seguintes objetivos
específicos:
•
Investigar a o processo de trabalho das ESF no controle da TB no município de
Bayeux – PB;
•
Identificar as concepções de vínculo dos profissionais das ESF responsabilizados pelo
controle da TB no município de Bayeux – PB e;
•
Relacionar a prática das ESF no controle da TB com a perspectiva da integralidade do
cuidado, considerando o enfoque da intersetorialidade.
34
CAPÍTULO 2
MARCO REFERENCIAL
2.1 A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA:
CONCEITOS E DESAFIOS
Em saúde, a primeira referência à Atenção Primária ou aos Cuidados Primários pode
ser identificada desde o fim do século XIX, quando o professor Pierre Budin estabeleceu, em
1892, na cidade de Paris, um sistema de centros de atendimento infantil, onde eram
realizadas, descentralizadamente e concentradas sob o mesmo teto, algumas das chamadas
atualmente de ações básicas de saúde (ALEIXO, 2002).
Imagina-se que o termo Atenção Primária à Saúde (APS) date de aproximadamente
1920, quando o Relatório Dawson foi publicado no Reino Unido. Este relatório mencionava
“centros de atenção primária”, que foram propostos para serem o ponto central dos serviços
regionalizados naquele país (STARFIELD, 1998). Também, naquele ano, foi divulgado um
“texto oficial” tratando da organização do sistema de serviços de saúde a partir de três níveis
principais: centros de saúde primários, centros de saúde secundários e hospitais-escolas. O
documento descrevia as funções de cada um desses níveis e propunha o estabelecimento de
vínculos formais entre eles. Com base nessa organização, Starfield (2002) afirma que tal
formulação fundamentou o conceito de regionalização, ou seja, um sistema de organização de
serviços planejado para responder aos vários níveis de necessidades de serviços médicos da
população.
Nos Estados Unidos, as experiências organizativas com os denominados “Centros
Comunitários” determinaram o marco inicial da aplicação articulada e consistente de algumas
das ações básicas de saúde, da maneira como é concebida atualmente pela OMS. Aleixo
(2002) relata que os referidos Centros desenvolviam sobre determinada população de risco,
dentro de um território definido, um conjunto de atividades de prevenção de doenças e de
assistência médica (pré-natal, infantil, tuberculose, doenças venéreas e, excepcionalmente,
outras), além de educação sanitária, capacitação ocupacional, algumas ações sobre o meio
35
ambiente, habitação e questões de trabalho. O autor considera que o amplo conceito de
sistema de assistência, promoção e vigilância à saúde incluso na APS como porta de entrada,
teve nos Centros Comunitários de Saúde americanos, do início do século XX, a sua primeira
tentativa de sistematização organizacional.
É importante ressaltar que, naquele mesmo período, estava em desenvolvimento uma
proposta do professor Abraham Flexner que, após visitas em 155 escolas médicas americanas,
propunha uma série de modificações nos currículos médicos, com base nos pressupostos
ideológicos do mecanicismo, do biologismo, do individualismo, do especialismo e da
tecnificação precoce e crescente do ato médico, cuja ênfase era na medicina curativa
(MENDES, 1993). O relatório produzido por Flexner marcou incisivamente os rumos da
atenção médica no século XX, já que favoreceu a prática médica voltada para o binômio
controle social/reprodução da força de trabalho, necessário à transição de uma sociedade
rural-agrícola para outra – urbano-industrial.
Na concepção flexneriana da assistência médica à doença, existe uma fragmentação do
indivíduo e a negação dos determinantes sociais no processo saúde-doença. Sendo assim, não
havia espaço para os Centros Comunitários, que paulatinamente foram desmontados em
detrimento ao fortalecimento do corporativismo médico. Com a necessidade capitalista de
controle, reprodução e manutenção da força de trabalho, expansão do complexo industrial
farmacêutico e de equipamentos, e as necessidades político-ideológicas reforçadas pelas
concepções flexnerianas, o Estado aumentou sua participação no financiamento e na
regulação do setor saúde, uma forma de aliança e subordinação aos interesses dominantes da
classe médica.
Na Europa Ocidental, apesar da influência dos preceitos flexnerianos, foi possível
estabelecer um bom nível de APS com a implementação de um modelo assistencial
universalizado alicerçado nas políticas plenas de bem-estar social. Na Europa oriental, o
modelo também se desenvolveu sob a tutela do Estado e com ênfase na etiologia social da
doença (ALEIXO, 2002).
Nos EUA, o acesso ao sistema de saúde era particularmente difícil para negros,
hispânicos, imigrantes e todos aqueles de baixo poder aquisitivo, enquanto no vizinho
Canadá, o nível básico já apresentava um bom padrão de acesso e resolutividade. Nos países
capitalistas do chamado Terceiro Mundo, o volume de empréstimos realizados para
36
investimento em tecnologia e indústrias de equipamentos biomédicos e de medicamentos
estrangulava ainda mais a economia. Nesses países, a assistência básica ficou praticamente
relegada a insuficientes serviços públicos desequipados ou a entidades filantrópicas. Poucos
países em desenvolvimento, como Cuba, optaram por investir na estruturação dos seus
sistemas de saúde com base na organização do nível básico (ALEIXO, 2002).
Com o advento da recessão econômica nos anos 70, agravada ou desencadeada pela
crise do petróleo, os países socialistas e capitalistas foram amplamente afetados. Os primeiros
tiveram maiores gastos com importações e restrições a financiamentos externos, enquanto os
capitalistas adotaram cortes nos investimentos sociais, na saúde e na educação por conta dos
altos juros cobrados pela dívida externa. Desse modo, as nações em desenvolvimento foram
empobrecendo e aumentando os índices de miséria e de doenças.
Nas décadas de 1970 e 1980, muitos países nas Américas viveram guerra,
revolução política e governo totalitário... Durante a última década, as práticas de
ajustes econômicos, as pressões da globalização e o impacto de algumas políticas
neoliberais contribuíram, juntamente com outros fatores, com as disparidades de
riquezas, status e poder dentro dos países das Américas e entre eles, reforçando os
impactos negativos sobre a saúde (OPAS, 2005, p. 2).
Diante dessa conjuntura mundial, o modelo flexneriano revelou-se inadequado e
incapaz de promover saúde em escala para todos, por ter se transformado em um método
dispendioso e excludente, absolutamente ineficaz frente a determinantes sociais e
psicossociais.
Dentro desse contexto de regressão das políticas sociais, de forte crise econômica
mundial, agravamento das condições de vida nos países em desenvolvimento, piora
do quadro sanitário mundial, ineficiência e o alto custo do modelo de assistência
médica flexneriano, é que foram abertas as discussões em Alma-Ata, naquele ano
de 1978 (ALEIXO, 2002, p. 7).
Após a 30ª Reunião Anual da Assembléia Mundial de Saúde, em 1977, ficou
estabelecida a seguinte meta social para os governos participantes: “a obtenção por parte de
todos os cidadãos do mundo de um nível de saúde no ano 2000 que lhes permitirá levar uma
vida social e economicamente produtiva”. Na Conferência promovida pela OMS, realizada na
cidade de Alma-Ata em 1978, os países participantes comprometeram-se em desenvolver
estratégias que garantissem o desafio proposto naquela ocasião: “Saúde para todos no ano
2000”. A partir do consenso alcançado na conferência, apresenta-se a seguir dois grandes
conceitos para a Atenção Primária à Saúde:
37
É a parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o
enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É
o primeiro nível de contado dos indivíduos da família e da comunidade com o
sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do
local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um
processo de atenção continuada a saúde (OMS, 1978 apud STARFIELD, 2002, p.
31).
[...] aquele nível de um sistema de serviço de saúde que oferece a entrada no
sistema para todas as novas necessidades e problemas, fornece atenção sobre a
pessoa (não direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção
para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a
atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros (STARFIELD, 2002, p.
28).
Nesse evento, foi conferida aos governos a responsabilidade em adotar medidas
sanitárias e sociais que permitissem alcançar a meta proposta. Os cuidados primários de saúde
foram considerados essenciais para que tais metas fossem atingidas, além de terem princípios
que tratavam da APS e que envolviam as seguintes atividades e ações básicas de saúde:
Educação para saúde e sobre os métodos de prevenção da doença;
Atendimento dos problemas de alimentação, abastecimento de água e
saneamento básico;
Programas de saúde materno-infantil (imunização e planejamento familiar);
Prevenção às enfermidades endêmicas locais;
Tratamentos das doenças e lesões comuns;
Provisão dos medicamentos essenciais;
Medicina tradicional.
Goulart (2002) relata que a Conferência de Alma-Ata produziu um substrato teórico,
político e ideológico para a medicina comunitária, a qual se confundiu com as palavras de
ordem geradas no evento, principalmente a APS. De acordo com o autor, as teorias da
medicina comunitária, da promoção da saúde e da vigilância à saúde constituem alguns dos
paradigmas condutores do movimento de “luta contra-hegemônica” que envolveu o processo
da reforma sanitária no Brasil. Considera, ainda, que as raízes da medicina comunitária,
paradigma influenciador das concepções da APS, encontram-se vinculadas tanto à crise do
capitalismo como ao impacto dos resultados da implementação da política de bem-estar na
Europa, da formação do sistema de saúde no Reino Unido. Acrescenta também que a política
externa norte-americana, da década de 1960, esteve voltada para os países pobres da América
38
Latina, países-alvo de difusão de sua proposta, com apoio das agências internacionais. Desse
modo, surgiram em vários países, além do Brasil, programas experimentais com a proposta de
modelos assistenciais, em que a extensão de cuidado a saúde às populações pobres estaria
garantida.
Para Andrade et al. (2007), a APS pode ser compreendida como uma tendência
relativamente recente de se inverter a priorização das ações de saúde, de uma abordagem
curativa, desintegrada, centrada no papel hegemônico do médico para uma abordagem
preventiva e promocional, integrada com outros níveis da atenção construída de forma
coletiva com outros profissionais de saúde.
Fundamentado nas considerações de Lago e Cruz (2001), o autor acima citado
apresenta uma outra vertente para a APS. Considerada mais completa, esta vertente reconhece
a APS como uma estratégia flexível, caracterizada através de um primeiro contato entre
pacientes e equipe de saúde, garantindo uma atenção integral e sistemática em um processo
contínuo; sustentada por recursos humanos cientificamente qualificados e capacitados a um
custo adequado e sustentável, que transcende o campo sanitário e inclui outros setores;
organizada em coordenação com a comunidade e concatenada com os demais níveis da rede
sanitária, para proteger, restaurar e reabilitar a saúde dos indivíduos, das famílias, e da
comunidade em um processo conjunto de produção social de saúde – mediante um pacto
social – que inclui aspectos biopsicossociais e do meio ambiente, e que não discrimina,
nenhum grupo humano por sua condição econômica, sociocultural, étnica ou quanto à questão
de gênero – sexo (grifos da autora).
Reconhecendo as diferenças políticas, econômicas, sociais e culturais de cada país, o
desenvolvimento da APS tem adotado diversos formatos. Em 2006, considerando o enfoque
dado em Alma-Ata ao conceito de APS, a OPAS apresentou uma interrelação entre dois
significados. O primeiro advoga que os sistemas sanitários deveriam priorizar a assistência
básica como porta de entrada em um sistema hierarquizado e integrado de serviços, de modo a
antecipar e evitar problemas de saúde e agravamentos das doenças, quebrando ciclos
perversos produtores das enfermidades.
O segundo significado defende um conjunto mínimo de ações e serviços que
compunham a APS, que se estendia para além do campo estrito dos serviços de assistência
médica, focalizando as condições de vida e saúde das populações, incorporando ações na área
39
de educação, saneamento, promoção da oferta de alimentos e da nutrição adequada, saúde
materno-infantil, medidas de prevenção, provisão de medicamentos essenciais, garantia de
acesso aos serviços, entre outras.
Diante da complexidade das concepções de APS, é importante estabelecer algumas
diferenças conceituais entre os termos APS e a AB. Este último considerado um subsistema
do primeiro, pode ser definido como um conjunto de ações de saúde – no âmbito individual
e coletivo – que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o
diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde (BRASIL, 2006). Já a APS
refere-se ao nível de um sistema hierarquizado e integrado, cujo objetivo é garantir o acesso
dos usuários aos serviços de saúde com pleno atendimento às necessidades e aos problemas,
exceto os incomuns ou raros (grifos da autora).
Atualmente, a OPAS considera o principal objetivo da atenção primária como de
“porta de entrada” no sistema de saúde, sobretudo nos países mais ricos, em uma perspectiva
de racionalização de custos e diminuição da sobre-utilização dos serviços especializados e
mais dispendiosos. Portanto, o acesso dos usuários aos serviços especializados e hospitalares
só é possível a partir de uma referência formal do nível básico, exceto os casos de urgência e
emergência.
Neste sentido, pode-se considerar que os serviços de APS representam uma verdadeira
“triagem” das necessidades de saúde da população, à medida que determinam quem, quando e
para onde são encaminhados os usuários. Por outro lado, percebe-se que este caráter da APS
se torna importante por prevenir intervenções especializadas desnecessárias, mais caras, e/ou
que possam provocar efeitos adversos ou indesejáveis.
Desconsiderando-se a aplicabilidade cronológica das concepções sobre APS, o
emprego de diversas denominações para modelos distintos de organização e oferta de serviços
de saúde em vários países do mundo, pode-se classificar a APS, partindo dos seguintes
enfoques: (ver Quadro 02).
40
Abordagem
Definição ou conceito de Atenção Primária em Saúde
Ênfase
APS Seletiva
Enfocam um número limitado de serviços de alto impacto para
enfrentar alguns dos desafios de saúde mais prevalecentes nos países
em desenvolvimento. Os serviços principais tornaram-se conhecidos
como GOBI (monitoramento de crescimento, técnicas de re-hidratação
oral, amamentação e imunização) e, algumas vezes, incluíram
complementação alimentar, alfabetização de mulheres e planejamento
familiar (GOBI-FFF).
Conjunto
específico de
atividades de
serviços
de
saúde voltados
à população.
Refere-se à porta de entrada no sistema de saúde e ao local de cuidados
contínuos de saúde para a maioria das pessoas, na maior parte do
Atenção Primária tempo.
Trata-se da concepção mais comum dos cuidados primários de saúde
em países da Europa e em outros países industrializados. Em sua
definição mais estreita, a abordagem é diretamente relacionada à
disponibilidade de médicos atuantes com especialização em clínica
geral ou medicina familiar.
Nível
de
atenção em um
sistema
de
serviços
de
saúde.
A declaração de Alma-Ata define a APS como o primeiro nível de
atenção integrada e abrangente que inclui elementos de participação da
comunidade, coordenação intersetorial e apoio a vários trabalhadores
“APS abrangente” de saúde e médicos tradicionais. A definição inclui diversos princípios,
de Alma Ata
a saber: a necessidade de enfrentar determinantes de saúde mais
amplos; acessibilidade e cobertura universais, com base na
necessidade; envolvimento comunitário e individual e autoconfiança;
ação intersetorial para a saúde; tecnologia apropriada e efetividade de
custos em relação aos recursos disponíveis.
Uma estratégia
para organizar
os sistemas de
atenção
em
saúde e para a
sociedade
promovê-la.
Abordagem de Enfatiza a compreensão da saúde como direito humano e a necessidade
Saúde e de
de abordar os determinantes sociais e políticos mais amplos deste
Direitos Humanos direito. Difere em sua ênfase sobre as implicações sociais e políticas
da declaração de Alma - Ata mais do que sobre os próprios princípios.
Defende que o enfoque social e político da APS deixou para trás
aspectos específicos das enfermidades que as políticas de
desenvolvimento devem ser mais “inclusivas, dinâmicas, transparentes
e apoiadas por compromissos financeiros e de legislação”, se
pretendem alcançar melhoras de eqüidade em saúde.
Uma filosofia
que permeia os
setores sociais
e de saúde.
Quadro 02 – Categorias principais da APS, adaptadas de Vuori (1985)
Fonte: OPAS (2005, p. 3)
Mendes (1999) apresenta três interpretações principais para a APS no Brasil: a
primeira como uma atenção primária seletiva, depois a atenção primária à saúde como o nível
primário do sistema de serviços de saúde e, por fim, a atenção como estratégia de organização
do sistema de serviços de saúde. O autor considera que esta última decodificação apresenta a
interpretação mais correta do ponto de vista técnico, pela sua amplitude de significação
estratégica e por ser perfeitamente factível e viável no estágio de desenvolvimento do Brasil.
Aleixo (2002), considerando alguns parâmetros, apresenta outra classificação para a APS,
como mostra a Tabela (01) a seguir:
41
Tabela 01 – Parâmetros que caracterizam as abordagens da APS
Parâmetros
APS Seletiva
APS Integral
Ações
Aplicação
Seleção de ações
Localizada
Conjunto de ações integradas
Sistêmica
Público-alvo
Ênfase no custo
Tendência restritiva
Ênfase na relação
custo/benefício
Tendência universalizante
Princípio Básico
Racionalizador/Compensatório
Distributivo/Eqüitativo
Modelo
Controle de doenças
Promoção da saúde
Relação custo/benefício
Fonte: ALEIXO (2002, p. 9)
Verifica-se, portanto, que existem várias perspectivas e interpretações para o termo
APS, cuja expansão do seu significado tem incluído vários setores da sociedade e sua
implementação se tornou cada vez mais estreita.
[...] esse significado foi mudando e se confundindo com o de atenção básica, sendo
que, para alguns autores, se refere a um determinado nível de atenção; para outros,
é um conjunto de serviços ou intervenções em saúde ou uma estratégia de
conscientização das comunidades para melhora de seus problemas coletivos de
saúde (VUORI, 1985 apud OPAS, 2006 p. 40).
O avanço na construção do conceito da APS, por meio da incorporação dos princípios
de integralidade, acesso, vínculo e da intersetorialidade, ficou evidente em Alma-Ata. Estes
princípios conferiram à APS o caráter de estratégia de organização dos sistemas de saúde.
Entretanto, apesar dos avanços conquistados com a implementação da APS, em vários países,
ocorreram alguns obstáculos que impediram o alcance da meta “SPT/ 2000”: a relação
socioeconômica entre países capitalistas centrais e os demais do Terceiro Mundo; o elevado
grau de endividamento destes últimos provocou recessão, desemprego e prejuízos nos
programas de atenção, além de problemas relevantes no desenvolvimento administrativo e na
capacitação de pessoal para o setor; um agravamento, em 1999, da pobreza na América Latina
e no Caribe, acentuando-se, ainda mais, a dívida social desses países; e a falta ou a debilidade
das políticas nacionais para formação e capacitação de recursos humanos agravada pelas
dificuldades para a interiorização dos médicos (ALEIXO, 2002).
42
O cenário mundial motivou o desenvolvimento de um processo cujo foco central era a
discussão acerca da promoção da saúde. A concepção vigente sobre saúde era de que a mesma
se dava através da promoção de condições de trabalho, educação, higiene, lazer, moradia e
descanso, ou seja, o que na atualidade pode ser entendido como fatores determinantes da
qualidade de vida. As discussões promoveram, por meio de eventos internacionais, o
lançamento de novas propostas na redefinição das políticas públicas, direcionando um novo
olhar para o contexto da saúde (MACHADO et al., 2007). Entre os eventos de maior
relevância, destaca-se a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em
Ottawa – Canadá no ano de 1986 e a Conferência sobre Políticas Públicas Saudáveis,
realizada na cidade de Adelaide – Austrália em 1988.
No Brasil, as primeiras ações em direção à estruturação da APS datam de 1982 com a
institucionalização das Ações Integradas de Saúde (AIS). Todavia, foi com as lutas e
discussões advindas do Movimento da Reforma Sanitária e, conseqüentemente, da
institucionalização do direito à saúde e do Sistema Único de Saúde (SUS) que o país avançou
como uma “reparação social” à situação da maioria dos indivíduos (ALEIXO, 2002).
Conforme ressaltam Sherer, Marino e Ramos (2005), os princípios constitucionais que regem
o SUS podem ser compreendidos em duas ordens distintas, contudo, inter-relacionadas. Estas
dizem respeito aos princípios éticos/doutrinários e organizacionais/operativos “os primeiros
podem ser resumidos na universalidade, equidade e integralidade; os segundos na
descentralização, regionalização, hierarquização da rede e participação social” (SHERER;
MARINO; RAMOS, 2005, p. 18). Vale assinalar que cada princípio norteador citado diz
respeito a uma importante atribuição do SUS em garantir a oferta de serviços públicos de
saúde à população.
Destaca-se que o contexto sócio-político-econômico do país exigia providências, já
que as condições não garantiam o direito à saúde constituído em 1988. Assim, o governo do
Brasil instituiu as Leis Orgânicas de Saúde (LOS 8.080 e 8.142) e as Normas Operacionais
Básicas (NOB/91, NOB/93 e NOB/96),
que proporcionaram a normatização e
operacionalização das ações e dos serviços de saúde no âmbito do SUS, promovendo, assim, a
mudança do modelo de atenção que deveria estar fundamentado na vigilância à saúde.
Posteriormente, foram criadas as Normas Operacionais da Saúde (NOAS/SUS/01 e 02) que,
juntamente com as NOBS, foram responsáveis, entre outras diretrizes, por:
Institucionalizar as Comissões Intergestores Tripartite e Bipartite;
43
Instituir as três formas de gestão: incipiente, parcial e semiplena;
Consolidar a política de municipalização através da responsabilização pelos serviços
básicos de saúde;
Determinar alianças entre municípios e/ou Estados.
No contexto da política de descentralização definida para viabilização do SUS, seria
necessária, em primeiro lugar, a reestruturação do sistema de saúde, portanto, a organização
dos serviços na APS, começando pelo que se convencionou chamar de Atenção Básica (AB).
Na década de 1990, a partir de uma política de descentralização que conferia uma maior
autonomia à esfera municipal, foi criado, em 1991, o Programa dos Agentes Comunitários de
Saúde (PACS) e, posteriormente, em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF) como
estratégias potencialmente capazes de contemplar os princípios estabelecidos pelo SUS e de
efetivamente garantir o acesso da população a esse sistema.
O processo de desenvolvimento das políticas públicas, no Brasil, pode ser
caracterizado pela construção de modelos de atenção à saúde que visam atender às
necessidades de saúde da população. Em contrapartida, as práticas dos profissionais e a
realidade dos serviços públicos de saúde evidenciam grandes contradições. Como exemplo,
lembramos a crise da saúde vivenciada na década de 1990, iniciada a partir do um processo
denominado de “universalização excludente”, a qual se caracterizou pela associação entre
uma “expansão por baixo”, pela inclusão de milhões de indigentes e uma “exclusão por
cima”, mediante a qual segmentos de trabalhadores mais qualificados e da classe média em
geral renunciam à assistência pública do SUS, em busca de atendimento mais qualificado nos
planos de saúde (GOULART, 2002, p. 104).
Apesar das fragilidades identificadas no SUS, Gouveia e Palma (1999) acreditam ser o
SUS uma política social que caminha na contramão dos atuais processos ideológicos,
políticos e econômicos de exclusão social. Os autores criticam a posição política neoliberal
daqueles que defendem a oferta de uma “cesta básica” de serviços como se segue:
A tese afronta, de uma só vez, quatro dos princípios constitucionais básicos do SUS:
contra a universalidade, uma política focalista; contra a integralidade, uma cesta
básica; contra a igualdade, o favor e a porta do fundo de alguns hospitais; contra o
controle público, as leis de mercado [...] (GOUVEIA; PALMA, 1999, p. 141)
Santos (s/d; p. 06) propõe a imediata ampliação o aprofundamento da discussão da
reformulação das estratégias construtoras do SUS que promovam a construção simultânea da
44
Integralidade, Eqüidade e Regionalização, “para um piso estratégico decisivo, ainda que sob
as agruras da escassez de recursos, inclusive para superá-las a partir de outro patamar
político”.
Por conseguinte, para que as ações da AB mereçam ser chamadas de ações da APS se
faz necessária a consolidação do SUS, processo este que urge a construção de um modelo de
atenção à saúde, que represente uma proposta de contra discurso ao modelo médico
assistencial privatista em que sejam provocadas transformações concretas na organização dos
serviços de saúde, assim como na práxis dos profissionais que atuam nesse sistema, visando à
garantia da qualidade da assistência aos usuários.
Acreditar, defender e agir no SUS é construí-lo diariamente.
2.1.1 As políticas públicas e os modelos de atenção à saúde no Brasil
O desenvolvimento das políticas públicas de saúde no Brasil se configura como um
processo lento, com avanços e retrocessos mediante as lutas sociais de determinado contexto
histórico, político e econômico. Durante o processo de urbanização no país, surgiram vários
desafios ao setor saúde e consequentemente a necessidade de mudanças nas políticas e
práticas deste setor. Até a década de 1980, ou seja, até a criação do SUS, quem tinha direito
aos serviços de saúde pública eram apenas os trabalhadores segurados do Instituto Nacional
de Previdência Social (INPS), substituído posteriormente pelo Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Naquele período, apenas os
trabalhadores da economia formal, com carteira assinada e seus dependentes, tinham o acesso
garantido aos serviços de saúde, que se resumiam a poucos hospitais especializados nas áreas
de psiquiatria e tuberculose, além de raras e isoladas ações em algumas regiões mais
privilegiadas.
A criação do SUS foi precedida por um movimento sanitário, processo fundamental
para a implementação da APS no país que segundo Goulart (2002), se constituiu como um
movimento ideológico detentor de um caráter de ação política conduzida por atores dos
serviços de saúde, da academia e da sociedade como um todo. Andrade et al. (2007) relata
que, no Brasil, as diretrizes estabelecidas em Alma-Ata motivaram várias propostas e
programas fundamentados na área da saúde e exerceram influência no processo de expansão
45
dos serviços da área mencionada. Os autores citam 03 (três) principais novos modelos
técnico-assistenciais decorrentes do movimento sanitário brasileiro: 1) a proposta “Em Defesa
da Vida” (final da década de1980) – com os princípios da gestão democrática; da saúde como
direito de cidadania; e o serviço público de saúde voltado para a defesa da vida individual e
coletiva; 2) o modelo da Ação Programática em Saúde – que organizou o processo de
trabalho em saúde a partir da articulação e da hierarquização de atividades; padronização de
fluxogramas e da regionalização das unidades; e 3) os Sistemas Locais de Saúde (SILOS) –
que buscaram superar o modelo médico assistencial privatista com a proposta de estruturar a
oferta de serviços e atender à demanda epidemiologicamente identificada, e ao mesmo tempo
captar os usuários provenientes da demanda espontânea.
Reconhece-se como ponto ápice do movimento sanitarista a realização da VIII
Conferência Nacional de Saúde (1986), na qual vários avanços foram registrados em relação
às políticas públicas de saúde no Brasil.
O movimento de Reforma Sanitária Brasileira foi pautado em uma mobilização
reivindicatória alicerçada na necessidade popular de reconstruir uma estrutura
normativa que atendesse as reais necessidades da população nas questões de saúde
enquanto direito de cidadania (MACHADO et al, 2007 p. 336).
Entre esses avanços, destaca-se a criação do SUS norteado pelos princípios da
universalidade, da equidade e da igualdade no acesso às ações e serviços de saúde, visando à
promoção, à proteção, à recuperação da saúde: “a saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988,
p.91).
Sherer, Marino e Ramos (2005) consideram o SUS como o fruto de um processo de
longo debate e de lutas por melhores condições de saúde, que representa um novo paradigma
na atenção à saúde, cujos princípios e diretrizes rompem com o paradigma clínico flexneriano.
O autor acrescenta que as diretrizes do sistema criaram a necessidade de imprimir uma nova
forma de produzir e de distribuir as ações e serviços de saúde, ou seja, configuraram e
definiram um novo modelo de atenção em saúde.
46
Vale destacar que após a implantação do SUS, a rede de serviços experimentou um
crescimento expressivo, tanto no número absoluto quanto em produção de serviços e aumento
da cobertura assistencial especialmente em áreas antes desassistidas (CAMPOS, 2003). Com a
implementação do SUS, não só foi desencadeado um processo de ampliação na quantidade de
serviços de saúde, mas também um processo de busca por um modelo de APS capaz de
concretizar a integralidade das ações e dos serviços de saúde, ocupando uma posição de
confronto frente ao modelo convencional vigente. No entanto, mesmo com o avanço na
organização da assistência à saúde, o SUS não demorou a apresentar fragilidades.
Uma crise se instalou no setor saúde cujos principais determinantes foram: a queda do
financiamento, irracionalidade, exclusão social e problemas da imagem do sistema de saúde
perante seus usuários. A evolução do SUS e suas respectivas contradições e incertezas; as
experiências pontuais de modelos inovadores de atenção à saúde no Brasil; o perfil
epidemiológico brasileiro e a pressão institucional internacional por políticas consistentes de
APS caracterizaram, segundo Andrade et al. (2007), o contexto determinante de
implementação da estratégia SF inicialmente denominada de PSF. Para o autor, esta ação
política do governo se configurou como uma estratégia para a consolidação do SUS, sendo o
PSF incorporado como política prioritária do Estado brasileiro.
Em 2006, foi aprovada a Política Nacional de Atenção Básica que estabelece a
revisão das diretrizes e normas para a organização da APS no país. Dessa forma,
considerando os princípios e diretrizes propostas no Pacto pela Vida e a expansão da
estratégia SF, o MS passou a considerar a referida estratégia prioritária para a reorganização
da APS no Brasil. De acordo com Andrade et al. (2007), a estratégia SF não foi implantada
somente para organizar a APS no SUS temporariamente, e sim, essencialmente, para
estruturar esse sistema público de saúde uma vez que houve um redirecionamento das
prioridades de ação em saúde, reafirmação de uma nova filosofia de atenção e consolidação
dos princípios organizativos do SUS. O autor acrescenta que a estratégia SF representa uma
oportunidade de expandir o acesso à APS para a população, de consolidar o processo de
municipalização da organização da atenção à saúde, de facilitar o processo da regionalização
pactuada entre os municípios e de coordenar a integralidade de assistência à saúde.
Por outro lado, apesar do processo de descentralização do gerenciamento dos serviços
de saúde no país apresentar resultados positivos, sabe-se que existem obstáculos para a
consolidação desse processo com destaque para a heterogeneidade dos estados e municípios
47
brasileiros. Apesar do financiamento do SUS ser uma responsabilidade comum às três esferas
do governo, muitos dos municípios não dispõem de condições financeiras e estruturais para
assumir todos os compromissos requeridos nesse novo processo. Mesmo assim, a tendência é
que os municípios assumam cada vez mais a responsabilidade pelo relacionamento com os
prestadores de serviços.
Com a responsabilidade local, surge a necessidade de avaliar o contexto atual e de
desenvolver estratégias que possibilitem o enfrentamento dos problemas de maneira coerente
com as limitações de recursos humanos e financeiros de que dispõe. No campo da saúde, as
perspectivas são dirigidas e reorientadas para a atenção individual e coletiva, para a promoção
da saúde e para a prevenção em nível comunitário – a APS (CAMPOS, 2000). Na atualidade,
as avaliações sobre o impacto das ações de saúde no âmbito da APS articuladas ao processo
de descentralização da gestão são incipientes. Starfield (2003, apud OPAS 2006) acredita que
as próprias definições estabelecidas para a APS dificultam a mensuração do seu impacto na
saúde da população e apresenta alguns elementos capazes de superar esse desafio. São eles
estruturais (acesso, elenco de serviços, população adscrita e continuidade) e processuais
(utilização de serviços e reconhecimento das necessidades de saúde da população).
Em 2006, foi desenvolvido um estudo em Petrópolis (RJ), pela OPAS/OMS com base
nos trabalhos de Starfield (1992, 1998 apud STARFIELD, 2002) e na literatura disponível
que discute a meta de “Saúde para Todos no Ano 2000”. Nele, foi apresentada uma lista dos
principais atributos (ou dimensões essenciais) da atenção primária a ser utilizada na proposta
de avaliação da APS. O objetivo deste trabalho era testar uma nova metodologia de avaliação
rápida para medir as características organizacionais e de desempenho dos serviços de atenção
APS no SUS. Os colaboradores foram identificados como informantes-chave (usuários,
profissionais das UBS e gestores) e as dimensões utilizadas para a avaliação foram: acesso,
porta de entrada, vínculo, elenco de serviços, coordenação, enfoque familiar, orientação para a
comunidade e formação profissional.
Dentro do contexto político-jurídico e das diretrizes operacionais do SUS, destaca-se o
vínculo como princípio capaz de promover e favorecer o processo de trabalhos das ESF na
produção do cuidado dos usuários na perspectiva da integralidade e da co-gestão em saúde,
pois o vínculo...
48
[...] permite uma ligação mais efetiva entre paciente e profissional, em que o
paciente passa a fazer parte da vida do profissional e esse, por sua vez, da vida do
paciente. Assim, criam-se relações de respeito, amizade, proteção, confiança, onde
o paciente percebe a importância do seu tratamento e vê no profissional a pessoa
mais indicada naquele momento para esclarecer suas dúvidas, medos e ansiedades
frente à enfermidade. Por outro lado, o profissional, sente-se na obrigação de
desempenhar suas ações buscando o conforto e o bem estar do paciente (OPAS,
2006, p.68).
Campos (2005) afirma que, no contexto da APS, há uma preocupação maior com a
identificação das necessidades de saúde dos pacientes independente da busca ao serviço, com
o cuidado continuado aos pacientes crônicos ou ainda com a detecção precoce de doenças que
podem ser prevenidas em estágios pré-sintomáticos ou sintomáticos, e com a satisfação em
termos de continuidade, vínculo, adesão e relação como os profissionais de saúde de uma
forma geral. Isto significa que “a integralidade exige profissionais capazes de compreender o
significado do sofrimento, da doença e das propostas de intervenção no modo de andar a
vida” das pessoas, constituindo um princípio do SUS “desejável de todas as práticas de
saúde” (MATTOS, 2004, p. 02).
Com base nesse enfoque, o MS reitera o compromisso de buscar cumprir os princípios
da integralidade – desafio para consolidar não só o sistema da APS no país –, como também a
reorganização do modelo assistencial no Brasil, em consonância com os princípios do SUS.
Contudo, apesar dos esforços, reconhece-se que um dos grandes desafios para a consolidação
do SUS diz respeito à integralidade do atendimento em saúde, justamente pela dificuldade em
transformar o método de trabalho dos distintos estabelecimentos e organizações do setor
saúde ainda nos dias presentes. Campos (2003) acredita na histórica dicotomia entre as ações
de caráter hospitalar e curativo, de um lado, e as ações do campo da saúde coletiva, de cunho
mais preventivo e coletivo, de outro. O autor defende a necessidade de mudança das práticas
de saúde em dois níveis: o primeiro, institucional, da organização e articulação dos serviços
de saúde; o segundo, das práticas dos profissionais de saúde em que ocorra um processo de
estruturação das práticas integrais à saúde.
Os desafios postos implicam em dotar o sistema de saúde de condições relacionadas às
diversas fases da atenção à saúde, ao processo de cuidar e ao relacionamento do profissional
de saúde com os usuários. Logo, considera-se a estratégia SF como um modelo de atenção
primária, operacionalizado mediante estratégias/ações preventivas, promocionais, de
recuperação, reabilitação e cuidados paliativos das equipes de saúde da família,
comprometidas com a integralidade da assistência à saúde, focado na unidade familiar e
49
consistente com o contexto socioeconômico, cultural e epidemiológico da comunidade em
que está inserido (Andrade et al., 2007, grifos da autora).
2.1.2 A estratégia saúde da família (SF), o processo de trabalho na atenção primária e a
avaliação em saúde
O PSF configura-se como uma possível ‘mudança
de paradigma’ nas práticas assistenciais tendo
como aspectos centrais, a superação do curativo
para o preventivo; do eixo de ação mono-setorial
para o intersetorial; da exclusão para a
universalização (GOULART, 2002, p.113).
No Brasil, as políticas públicas de saúde têm desenvolvido novas estratégias tecnoassistenciais que orientam os processos de cuidado desenvolvidos no âmbito do SUS, com
vista à garantia de seus princípios e diretrizes e ao direito social à saúde. Facchini et al. (2006)
afirma que a avaliação de políticas e programas é essencial em saúde pública, uma vez que
contribui para a busca de uma sociedade mais saudável e previne o desperdício de recursos
com a implementação de programas ineficazes. Além disso, as avaliações “fornecem
informações cientificamente válidas e socialmente legítimas” que permitem o posicionamento
de diferentes atores envolvidos em torno de uma realidade explícita por ocasião da
necessidade da tomada de uma decisão. (CONTANDRIOPOULOS, 2006, p. 706). Segundo o
autor, a avaliação representa uma estratégia importante a ser promovida para melhorar a
eficiência do sistema de saúde, e sua credibilidade depende da capacidade de produzir
informações coerentes para todos os sujeitos envolvidos na intervenção. Portanto, faz-se
necessária uma avaliação do impacto dessas políticas de saúde na qualidade de vida da
população e do desempenho dos atores envolvidos no cuidado para que sejam adotadas
políticas e estratégias eficazes de ação em saúde.
Atualmente, verifica-se que os modelos desenvolvidos ao longo desses anos para
atenção à saúde ainda são frágeis e insuficientes para garantir, principalmente, acessibilidade
e integralidade nas ações e serviços de saúde. No entanto, ao longo das últimas décadas, a
despeito da onda neoliberal no Brasil, alguns municípios, tiveram importantes avanços na
implementação do SUS. Na busca por uma melhor assistência à saúde, faz-se necessário o
cumprimento das diretrizes e princípios do SUS, particularmente, do atendimento integral ao
usuário, tendo em vista sua implicação em uma prática de qualidade, que desenvolva
capacidade de análise crítica de contextos. A ação integral pressupõe mudanças nas relações
50
de poder entre os profissionais de saúde e entre o profissional de saúde e o usuário. Fiorin
(2006) considera que se a sociedade é dividida em grupos sociais, com interesses divergentes,
logo, os enunciados são sempre os espaços de luta entre vozes sociais, o que significa que são
inevitavelmente o lugar da contradição.
As políticas de saúde têm impulsionado a construção de modelos substitutivos de
atenção à saúde que garantam o acesso da população ao SUS. Na perspectiva da APS, como
porta de entrada nesse sistema, compete à estratégia SF a coordenação/ordenação de todo o
espectro assistencial em saúde, sendo capaz de identificar as necessidades de atendimentos
mais especializados, coordenar as referências, quando necessárias, em um nível de maior
complexidade e acompanhar os resultados terapêuticos e a evolução clínica dos usuários sob
sua responsabilidade. Com o propósito de reorganizar a APS no país, a estratégia SF visa
garantir para além da resolutividade dos serviços, o estabelecimento de vínculos, a criação
de laços de compromisso e de co-responsabilidade entre profissionais de saúde e a
população (grifos da autora).
Uma rede universal de APS, como está sendo buscado pelo modelo brasileiro
ESF, possibilita melhor controle de desperdício de recursos de saúde, redução
duplicação da oferta de serviços, estabilidade e confiança na relação entre
usuários e o sistema de saúde com maior eficácia no alcance dos resultados
saúde. (ANDRADE et al. , 2007, p. 804)
de
da
os
de
Na concepção de Andrade et al. (2007), a estratégia SF inaugurou um modelo
inovador de atenção à saúde, como também contribuiu para a consolidação de uma nova
perspectiva de gestão em saúde no Brasil. O autor relata que sua implantação veio
acompanhada de uma ampla transferência de responsabilidade e uma adição de novos atores
no processo de decisões de saúde no nível local.
Paim (2003, p.226) atribui à estratégia SF a concepção de “medicina pobre para os
pobres”, haja vista que a intenção era favorecer o acesso às comunidades pobres e sem
médico que sempre estiveram excluídas da assistência pública em saúde. Outra perspectiva
apontada foi a de considerar a SF não como uma proposta marginal, porém, como a
substituição do modelo vigente, plenamente sintonizada com os princípios do SUS e, acima
de tudo, voltada à permanente defesa da vida do cidadão. Andrade et al. (2007, p.807)
considera que “a construção da Estratégia Saúde da Família foi conseqüência de um processo
lento e contínuo de tensão com o modelo hegemônico de assistência à saúde”.
51
Costa e Carbone (2004) relatam que a proposta do governo brasileiro foi eleger a
família como núcleo social-alvo em um território definido e agregar os princípios da
responsabilidade social, interdisciplinaridade e intersetorialidade, além da vigilância em
saúde. Na obra “Saúde da Família: primeira abordagem interdisciplinar”, as autoras definem a
atenção primária a partir das seguintes características: serviço de alta qualidade e
resolutividade; valorização da promoção e proteção da saúde; e parte de um sistema
hierarquizado.
Goulart (2002) apresenta alguns aspectos inerentes à estratégia SF a seguir: o caráter
de reorganização de serviços; a potencialidade de substituição do modelo assistencial vigente;
o fato de se constituir fonte de inspiração para novas práticas de gestão, seja no plano estadual
ou local; a geração de vínculos e responsabilidades entre serviços e sua população, e outras.
De acordo com autores estudados por Goulart (2002), espera-se da estratégia SF as seguintes
características:
Propaga práticas não convencionais de assistência, já que enfatiza a prevenção
e a promoção;
Articula seus princípios básicos com as diretrizes do SUS e fortalece o
movimento de descentralização desse sistema;
Possibilita a consolidação de uma política de atenção primária à saúde;
Permite a inclusão das novas tendências da “gestão da atenção à saúde”;
Supera uma etapa de “serviços realizados na comunidade” para outra de
“serviços que envolvem a comunidade”;
Promove a intersetorialidade com outros setores não governamentais (igrejas,
clubes, associações, redes, etc);
Apresenta caráter de “modelo tecno-assistencial de base epidemiológica”,
configurando-se como legitimamente ancorado em dois dos conceitos
fundamentais da medicina social contemporânea, quais sejam a determinação
social do processo saúde-doença e o enfoque nos processos de trabalho em
saúde;
Promove uma “retomada” na humanização da atenção clínica, além da melhor
qualificação de seus profissionais;
É reconhecido como uma prática de alta complexidade tecnológica em termos
de conhecimento e do desenvolvimento de habilidades e mudanças de atitudes.
52
Constitui-se uma garantia de vínculo entre os serviços e a população.
Em 2006, foram redefinidos os critérios para a implantação de ESF no Brasil.
Conforme a Portaria 648/06 do MS (BRASIL, 2006, p. 24), a composição básica de uma
Equipe de Saúde da Família (ESF) é de no mínimo um médico de família ou generalista, um
enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e no máximo 12 Agentes Comunitários de Saúde
(ACS). Para trabalhar, a equipe deve delimitar uma área de abrangência sob sua
responsabilidade. Nesta área, recomenda-se que uma equipe seja responsável por 600 a 1000
famílias, sendo a média de 3.000 habitantes; com uma jornada de 40 horas semanais para
todos os seus integrantes. A instalação das ESF é feita nos postos de saúde, centros de saúde
ou unidades de saúde existentes no município, ou em processo de construção. Com o
propósito de garantir a vinculação e a identificação com as famílias sob sua responsabilidade,
é preferível que os profissionais morem no município onde trabalham.
Andrade et al. (2007) define a equipe de atenção primária como o conjunto de
profissionais de saúde ou de outras categorias que efetuam sua atividade sobre a zona de
saúde, e o centro de saúde como o lugar físico de reunião da equipe de APS. O autor
caracteriza a ESF como um grupo interdisciplinar composto essencialmente por profissionais
envolvidos na cadeia de assistência integral e primária à saúde. No Brasil, além dos princípios
gerais da APS, a estratégia SF, segundo a Portaria MS nº 648/2006 (BRASIL, 2006) deve:
Ter caráter substitutivo em relação à rede de APS tradicional nos territórios
em que as ESF atuam;
Atuar no território, realizando cadastramento domiciliar, diagnóstico
situacional, ações dirigidas aos problemas de saúde de maneira pactuada com a
comunidade onde atua, buscando o cuidado dos indivíduos e das famílias ao longo
do tempo, mantendo sempre postura pró-ativa frente aos problemas de saúdedoença da população;
Desenvolver atividades de acordo com o planejamento e a programação
realizados com base no diagnóstico situacional, e tendo como foco a família e a
comunidade;
Buscar integração com instituições e organizações sociais, em especial, em
sua área de abrangência para o desenvolvimento de parcerias;
Ser um espaço de construção de cidadania.
53
Percebe-se que as ESF passaram a ter “um papel que extrapolava a tradicional resposta
profissional às demandas de saúde e assumiram um perfil de organizadoras da demanda local,
planejadores das ações de saúde, educadores populares e essencialmente agentes de
transformação social” (ANDRADE et al., 2007, p. 814). O autor faz uma aproximação da
estratégia SF com o modelo proposto por Campos (2001), o qual foi denominado de Método
Paidéia. Este modelo leva em conta a idéia de que a implantação da estratégia SF deveria
produzir uma atuação que “mirasse numa alteração do modelo assistencial” (CAMPOS apud
ANDRADE et al., 2007, p. 814), bem como do modelo gerencial predominante, sugerindo
novos arranjos no processo de trabalho das equipes e na relação destas: adscrição territorial;
vinculação das equipes multiprofissionais aos indivíduos e suas famílias em um território
geográfico delimitado; responsabilização pelo cuidado; ampliação da prática clínica, com a
inclusão de sua dimensão social e subjetiva; e interação das ações de representantes do
governo, dos trabalhadores e dos usuários em conselhos deliberativos.
Para Andrade et al. (2007, p.816) o modelo elaborado por Campos (2003) guarda
coerência interna com o projeto da reforma sanitária brasileira, fato que produz forte “tensão
paradigmática” ao modelo hegemônico da biomedicina, e propõe uma mudança nas práticas
convencionais da clínica e da gerência na área da saúde, em que o autoritarismo vigente cede
lugar para as relações mais democráticas dos profissionais de saúde entre si e destes com a
população atendida, ao mesmo tempo em que aposta na construção de uma prática de trabalho
não alienada, todavia, protagonista do processo de atenção à saúde.
Campos (2005) afirma que por ocasião da implantação do SF, o MS definiu princípios
operacionais a serem cumpridos pelos municípios. No PNCT (BRASIL, 2000) destacam-se: a
participação dos gestores, profissionais de saúde, das organizações comunitárias e da
população em geral; a aprovação por parte do Conselho Municipal de Saúde; a elaboração de
um projeto de implantação; a identificação de áreas prioritárias; a composição das equipes; a
cobertura assistencial por ESF; o mapeamento e o diagnóstico das áreas e microáreas de
atuação; a implantação e alimentação de sistema de informação; o processo de recrutamento,
seleção e contratação dos profissionais; o planejamento local das atividades; a organização de
métodos e rotinas de trabalho.
No entanto, apesar das diretrizes políticas, a prática desvela vários desafios. Estudos
revelam que, mesmo com o processo da expansão da Estratégia SF nos grandes centros
urbanos, existem fatores que dificultam sua implantação nas áreas metropolitanas, como por
54
exemplo: falta de financiamento, despreparo e qualificação insuficiente dos profissionais para
atuar na estratégia SF, formato padrão/rígido para composição das equipes sem respeitar as
particularidades locais, insuficiência de mecanismos de relação da estratégia SF com outros
serviços, precariedades das redes ambulatoriais e hospitalares, dinâmica urbana complexa,
violência urbana, tráfico de drogas e armas e dificuldade da interação de novos saberes e de
novas práticas para ações coletivas e sociais no âmbito da estratégia SF (GOMES, 2005).
De acordo com Schimith e Lima (2004), a estratégia SF vem mantendo a forma
excludente de atendimento, no qual a prioridade é de quem chega primeiro. O acesso ainda é
uma dificuldade e o processo de trabalho das equipes continua reproduzindo procedimentos
mecanizados e fragmentados. Não houve superação do modelo assistencial tradicional e a
população ainda não conseguiu exercer, efetivamente, o controle social para a garantia do
direito institucionalizado em 1988. As ações são focalizadas em grupos prioritários ou que
revelem maior risco de adoecer com ênfase para o caráter curativo e assistencialista, como é o
caso da TB. A cultura da população não está preparada para uma revolução no sistema e nas
ações em saúde, o que dificulta ainda mais o processo.
Gostaríamos de destacar a característica de programa focal dirigido a classes menos
favorecidas [...] A limitação imposta à equipe permite-nos dizer que o imaginário
que a sustenta é de que o PSF é para os excluídos e que, portanto, dispensa maiores
investimentos [...] O PSF, como uma proposta de estratégia de mudança do modelo
de atenção que tem como objetivo a implantação do SUS, tem recebido várias
críticas, principalmente no que tange à sua incapacidade de enfrentamento do
modelo neoliberal (SCHIMITH; LIMA, 2004, p. 25).
Nesse contexto, algumas estratégias devem ser pensadas como potenciais para
enfrentar o cenário: integrar o PSF aos demais serviços da rede, constituindo possibilidade do
desenvolvimento de “linhas de cuidado” (fluxos seguros que implicam em ações resolutivas
das equipes e dos serviços de saúde, que acolhem, escutam, encaminham e garantem ao
usuário a mobilidade pelos serviços que atendam às suas necessidades de saúde, de forma
integrada e responsável entre rede e usuário), garantindo a integralidade da atenção à saúde da
população; afirmar o acolhimento e vínculo com responsabilização, diretrizes fundamentais
no processo de humanização na saúde e procurando incentivar os processos de trabalho
mais relacionais, dialógicos e interativos com os usuários (PT, 2007, grifos da autora).
Para Marx (1996), o processo de trabalho envolve três elementos articulados: a
finalidade do trabalho; o objeto de trabalho e os meios de trabalho. De acordo com (SILVA,
2007), as idéias de necessidade, energia, intencionalidade e transformação de uma realidade
55
para atender às carências humanas, sintetizadas em um único processo, desenvolvido em
vários momentos, representam o plano de maior abstração do conceito de trabalho humano
em Marx. O caráter de vontade consciente para a transformação de algo que deve atender a
uma necessidade é o elemento que distingue o trabalho humano de outras transformações
espontâneas que acontecem na natureza, ou seja, o trabalho humano constrói mentalmente o
objeto e com este projeto de execução consegue prever o resultado, ou seja, o produto do
trabalho (CYRINO, 1993).
Podemos então caracterizar o trabalho como um processo de transformação que
ocorre porque o homem tem necessidades que precisam ser satisfeitas [...] o
trabalho constitui mediação entre o homem e a natureza, mediação que opera
transformações requeridas por necessidades humanas (PEDUZZI, 1998 p. 19; 21).
Assim, pode-se considerar que as principais características do trabalho humano são: a
intencionalidade, a subjetividade, a intelectualidade, o potencial de socialização e o trabalho
como processo sistemático. Peduzzi (1998, p. 24) afirma que “a dinâmica intrínseca do
trabalho entre objetos, saberes e instrumentos materiais e atividades só é possível pela ação do
agente”. A autora apresenta uma distinção entre duas formas de trabalho. A primeira como
atividade genérico-assistencial, “quando resulta útil a outras pessoas, quando em uma dada
sociedade cumpre uma função necessária ou satisfaz uma necessidade social”; e outra como
atividade cotidiana, justificada pelo fato de a vida cotidiana ser considerada como a
reprodução do ser particular.
Ainda para Peduzzi (1998, p.47), “ao se falar em trabalho em saúde contemporâneo
fala-se de trabalhos peculiares a uma dada conformação social, o capitalismo, inerentes às
práticas de saúde na modernidade e articulados às demais práticas sociais da época”. Pode-se,
portanto, considerar como objeto de estudo do campo da saúde as necessidades de saúde
demandadas pelas populações nas dimensões individuais e coletivas, por entendermos que
essas necessidades são decorrentes do processo social emergente dos meios de produção.
Segundo Cyrino (1993) existem dois grandes eixos complementares das ações em saúde: um
relativo ao controle da doença em escala social e outro, à recuperação de doentes individuais.
Uma das características mais importantes da concepção do objeto elaborada pela
profissão médica – a clínica – é a individualização do normal e do patológico ao
nível do corpo e do homem indivíduo-biológico... Essa concepção mostrou-se
capaz de instrumentalizar tecnicamente (e, portanto internamente) o processo de
trabalho, ao mesmo tempo em que o instrumentalizava socialmente (e, portanto
externamente) (MENDES-GONÇALVES, 1998 p. 66).
56
O autor, acima citado, relata que em uma mesma época histórica foi gerado outro tipo
de explicação fundamentada no estabelecimento de vinculações entre o coletivo e o meio, que
permitiram instrumentalizações alternativas – não necessariamente opostas às individuais – da
prática. Consideram-se, atualmente, dois campos de conhecimento em saúde: a dimensão
individual – a Clínica – e a dimensão coletiva, denominada de Epidemiologia. Peduzzi (1998,
p. 48) afirma que “a complementaridade desses dois modelos [clínico e epidemiológico] diz
respeito à possibilidade de cada um deles responder com eficácia a diferentes necessidades
sociais do âmbito da saúde e da doença, sendo ambos imprescindíveis, apesar da desigual
valorização técnico-social”. De acordo com Cyrino (1993), as relações complexas entre
Epidemiologia e Clínica mostram que, embora no plano do conhecimento não haja
incompatibilidade entre elas, no plano das práticas sociais e da organização tecnológica do
trabalho, vão determinar-se como pólos opostos, mesmo que possam ser complementares ao
nível social concreto.
Nogueira (1997) afirma que a idéia de processo de trabalho em saúde é algo
extremamente abstrato, porque existem inúmeras formas tecnicamente particularizadas de
realizar ações de saúde. O autor considera três aspectos fundamentais, quando se fala de
processo de trabalho em saúde. Em primeiro lugar, pondera que se trata de um exemplo de
processo de trabalho geral caracterizado por uma dinâmica de trocas, com uma
direcionalidade técnica coletiva na qual ocorre uma integração entre os aspectos intelectuais e
manuais (operacionais). Em segundo, é um serviço, pois produz um efeito útil de alguma
coisa, o que lhe confere uma dimensão mercantil (compra e venda de atos úteis, que são os
efeitos observáveis ou presumidos). Além disso, se funda em uma inter-relação pessoal
muito intensa, forte e decisiva para a eficácia do ato. Este último aspecto aponta para uma
necessidade de produção de vínculos, já que as ações no campo da saúde ocorrem sobre as
pessoas: “o usuário é um fornecedor de valores e sendo co-participe do processo de trabalho
e, freqüentemente, co-responsável pelo êxito ou malogro da ação terapêutica” (NOGUEIRA,
1997 p.183, grifos da autora).
Para Merhy (1994), o modo de operar os serviços de saúde é definido como um
processo de produção do cuidado, constituído de um serviço peculiar, fundado em uma
intensa relação interpessoal, dependente do estabelecimento de vínculo entre os envolvidos
para a eficácia do ato. Sendo assim, verifica-se que o trabalho assistencial em saúde sempre
requer alguma forma de autonomia dos agentes. De acordo com Peduzzi (1998, p. 46), em
57
uma equipe de saúde, as “variadas autonomias dirão respeito a maior ou menor autoridade
técnica, socialmente legitimada e não apenas tecnicamente estabelecida, das distintas áreas
profissionais e da correlata amplitude da dimensão intelectual do trabalho”. Na concepção da
autora, a autonomia não é um atributo absoluto, uma vez que, além de imperativo técnico,
reflete a dimensão social do modo de inserção dos agentes na organização dos serviços e nos
processos de trabalho.
Peduzzi (1998) distingue duas modalidades de trabalho em equipe: uma caracterizada
pelo trabalho em equipe agrupamento, ou seja, quando existe complementaridade objetiva,
porém com autonomia e independência da perspectiva do projeto assistencial, portanto,
autonomia técnica plena dos agentes; e outra caracterizada pelo trabalho em equipe
integração, ou seja, quando há complementaridade e colaboração no exercício da autonomia
técnica e não há independência dos projetos de ação de cada agente, senão um projeto
assistencial comum. A autora alerta para a necessidade de um agir comunicativo que viabilize
a interação entre os profissionais a partir das boas relações pessoais, independentemente da
reiteração das relações hierárquicas que permita a construção de um projeto assistencial
comum. A autora recomenda que os agentes busquem a articulação das ações, a coordenação
dos saberes técnicos e a cooperação, como também a interação, no sentido do reconhecimento
e entendimento mútuo.
Cyrino (1993) observa a existência de um esquema operatório nuclear do trabalho em
saúde concebido no modo tecnológico deste, que simultaneamente realiza tecnicamente
(internamente) e socialmente (externamente) as necessidades da reprodução social. Considera
ainda como dimensões deste esquema o saber; os objetos do trabalho apreendidos pelo saber,
contendo a necessidade social que gerou o trabalho; os agentes e os instrumentos materiais do
trabalho.
Reconhecendo os aspectos históricos e sociais inerentes à divisão do trabalho em
saúde, percebe-se que a estratégia SF se configura como uma nova forma de organização dos
processos de trabalho no campo da saúde pública e aponta para uma ressignificação destes
processos. Este novo modelo assistencial está fundamentado em concepções que valorizam a
autonomização dos sujeitos, orientada pela integralidade, requerendo como ferramentas a
interdisciplinaridade, a intersetorialidade, o trabalho em equipe, a humanização dos serviços e
a criação de vínculos usuário/profissional/equipe de saúde.
58
Nesse enfoque a estratégia SF como eixo reorientador das práticas nas unidades
básicas de saúde, pressupõe uma reestruturação sob uma nova lógica, que só poderá
ser concretizada a partir de um novo olhar e um novo fazer, centrado no usuário,
dentro desses “novos serviços” (RODRIGUES; ARAÚJO, 2007, p. 03).
Vários autores observam que a estratégia SF vem se afirmando como processo
instituinte capaz de contribuir para a mudança do modelo assistencial no SUS. Entretanto, os
avanços, até então alcançados, não foram suficientes para a superação de práticas
fundamentadas no modelo tradicional da assistência. Observa-se, ainda, que:
No plano objetivo e material da organização do trabalho, ocorre dos distintos
profissionais estarem dispostos, lado a lado, cada qual na ‘sua’ sala de atendimento,
e as possibilidades de conexões serem realizadas pelos próprios usuários ao
percorrerem os vários momentos fragmentados da atenção (PEDUZZI, 1988, p.
49).
Além disso, a estratégia SF tem se destacado pela precarização do trabalho em suas
dimensões estruturais e das relações entre profissionais/gestores/usuários, constituindo um
dos graves problemas que envolvem a gestão pública do trabalho em saúde. Considera-se que
a precariedade das relações do trabalho constitui um grande entrave para o desenvolvimento
de práticas articuladas aos princípios do SUS, já que a valorização do trabalho e do
trabalhador é uma questão central para a qualificação dos serviços públicos de saúde.
Apesar das fragilidades, Campinas e Almeida (2004) reconhecem que o SF e o PACS
vêm causando alterações importantes no modelo de assistência em saúde. Nos Programas de
Controle de Tuberculose, mais do que diminuir o tempo de demora do doente na busca do
diagnóstico e conseqüentemente a demora para início do tratamento, o importante é buscar
acolher os usuários que procuram os serviços de saúde, integrando-os junto às equipes,
minimizando os entraves desde o diagnóstico até a conclusão do tratamento e cura da doença,
respeitando a dignidade e a autonomia daqueles que buscam os serviços de saúde.
Neste sentido, o que se espera em relação ao PCT na área de abrangência da estratégia
SF é que as questões relativas ao programa ganhem um salto de qualidade, com melhoria na
busca ativa de casos, no diagnóstico e tratamento precoce, e uma assistência mais qualificada,
dadas as possibilidades das equipes em conhecer a realidade sociocultural de cada
doente/família de sua área de abrangência (CAMPINAS;ALMEIDA, 2004).
Com relação ao processo de trabalho das equipes no cuidado ao doente de TB, sabe-se
que o mesmo está orientado pelos pilares do DOTS, já descritos anteriormente. Na
perspectiva de uma atenção integral e resolutiva, faz-se necessário que os profissionais
59
atuantes na APS apresentem um arsenal de atributos e recursos tecnológicos bastante diversos
e complexos que viabilizem uma relação muito íntima entre os saberes e os modos de agir dos
profissionais de saúde. De acordo com Merhy (2004), os processos de produção em saúde
estão marcados pela relação entre os núcleos de competência profissional e o núcleo cuidador,
os quais operam centralmente as tecnologias complexas.
Segundo com Arcêncio (2006), o vínculo promove uma nova lógica nos processos
de trabalhos das equipes que realizam o TS, já que elas acabam por responderem pela
integridade social e humana dos indivíduos, em um ambiente de solidariedade e empatia,
promovendo qualidade na assistência e assim a adesão ao tratamento. Araújo e Rocha (2007)
afirmam que o conteúdo estratégico da SF apresenta considerável potencialidade para a
mudança de práticas em saúde, pois permite um rompimento no comportamento passivo
dentro das USF, com extensão das ações para e com a comunidade, possibilitando o
desenvolvimento do trabalho em equipe; a responsabilização sobre um território, os vínculos
de compromisso e de co-responsabilidade entre os serviços de saúde, profissionais e
população (grifos da autora).
Assim, reconhece-se que a estratégia SF alberga uma luta pela eqüidade e pela
integralidade implicando, necessariamente, repensarmos aspectos importantes da organização
do processo de trabalho, gestão, planejamento e construção de novos saberes e práticas em
saúde (CECÍLIO, 2006). Com relação ao controle da TB, verifica-se que os princípios e
diretrizes que norteiam tal estratégia têm contribuído significativamente para a aproximação
do doente ao serviço de saúde, aumentado a possibilidade do estabelecimento de vínculos
entre este usuário e a ESF, e potencializando as ações de controle da doença
operacionalizadas no âmbito da APS.
60
2.2 O VÍNCULO E O PROCESSO DE TRABALHO DAS ESF NO CONTROLE DA TB:
CONCEITOS E PERSPECTIVAS
A humanização da assistência e o vínculo de
compromisso e de co-responsabilidade estabelecido
entre os serviços de saúde e a população tornam o
Programa de Saúde da Família um projeto de grande
potencialidade transformadora do atual modelo
assistencial (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997b, p. 1112).
Assim como integralidade, o conceito de vínculo é polissêmico. Perpassa por áreas das
ciências sociais e da saúde, assumindo caráter e abordagens diversas: dimensão, diretriz,
estratégia, tecnologia, objetivo e relação. Além de revelar uma interface com outros grandes
conceitos em saúde pública como a humanização, o acolhimento, a responsabilização,
integralidade e a co-gestão.
O termo vínculo provém do latim dos vocábulos ‘vínculum’ que significa união do
tipo ligadura, atadura, de características duradouras e ‘vinco’ (sentido de dobra) referindo-se à
ligação entre partes unidas, porém claramente delimitadas entre si (RIBEIRO, 2005). A autora
afirma que o termo tem sido empregado correntemente tanto na linguagem cotidiana quanto
na mídia, nas produções teóricas de várias áreas e, abundantemente, na área de saúde, cujo
uso disseminado tem em comum a idéia de ligação.
De acordo com Ferreira (2006, p. 817), o termo vínculo é “tudo aquilo que ata, liga ou
aperta; ligação moral; gravame. Ônus, restrição; relação, subordinação; nexo; sentido”. No
dicionário é definido como “aquilo que estabelece um relacionamento lógico ou de
dependência; que impõe uma restrição ou condição” (Houaiss, 2006, p.820). Gomes (2005)
considera que apesar dos sentidos atribuídos à palavra, estes não se correlacionaram
diretamente às questões de saúde, podendo ser identificados alguns significados relacionados
a atributos da atenção integral à saúde, ou seja, à integralidade. (grifos da autora)
Podemos reconhecer, nas estratégias de melhoria de acesso e desenvolvimento de
práticas integrais, o acolhimento, o vínculo e a responsabilização como práticas
integrais [...] realizamos um exercício de formulação de uma definição operatória
de integralidade como modo de atuar democrático, do saber fazer integrado, em
cuidar que é mais alicerçado numa relação compromisso ético-político, de
sinceridade, responsabilidade e confiança (PINHEIRO; MATTOS, 2006, p. 290)
No âmbito da psicologia social, existe uma vasta produção em relação à categoria do
vínculo, a exemplo dos estudos de Victoria, et al. (2000). Para Gomes e Pinheiro (2005),
esses estudos revelam a relação entre um conjunto específico de vínculos e um conjunto
61
peculiar de pessoas, a qual pode ser utilizada para interpretar o comportamento social das
pessoas envolvidas. Denominado de rede de relações, esse conjunto permite o entendimento
de como as pessoas se organizam, como os intercâmbios são realizados e as formas de troca
socialmente aceitáveis. Necessário se faz, portanto, identificar o que é trocado (conteúdo dos
vínculos); com quem é trocado (relações estabelecidas) e o quanto é trocado (densidade de
vínculos).
Ribeiro (2005) apresenta vários tipos de vínculo: maternal, filial, geracional, afetivo,
amoroso, simbiótico, dependente, transferencial, analítico, de confiança, de identificação, de
reconhecimento, de sociabilidade, de compromisso, de co-responsabilidade, e ainda o vínculo
interpessoal, intrapessoal (com partes do próprio sujeito) e vínculo social. Este estudo adota
para o vínculo uma perspectiva de compromisso e co-responsabilidade a ser exercitada nas
relações que se estabelecem entre ESF e usuários, uma vez que é neste sentido que se
processa, no Brasil, o estabelecimento de vínculo no âmbito da APS através da estratégia SF.
Segundo Ribeiro (2005), a menção do termo vínculo está presente amplamente nos textos
sobre a SF, embora não corresponda à produção de um corpo teórico sobre ela.
O vínculo é considerado ainda uma das dimensões para avaliação da organização dos
serviços da APS e, como dito anteriormente, pressupõe a existência de uma fonte regular de
atenção e seu uso ao longo do tempo que permita a identificação de necessidades e “ruídos”
na relação usuário/profissional de saúde. Para Starfield (2002), a unidade de atenção primária
deve ser capaz de identificar a população adscrita, bem como os indivíduos dessa população,
que deveriam receber atendimento na unidade, exceto quando fosse necessário realizar
consulta especializada ou fazer um encaminhamento. Além disso, o vínculo da população
com a unidade de saúde requer o estabelecimento de fortes laços interpessoais que reflitam a
cooperação mútua entre as pessoas da comunidade e os profissionais de saúde (Starfield et al.,
2002, p.62).
Campos (1997) apresenta pelo menos dois eixos argumentativos sobre vínculo: o da
relação profissional X usuário e o da responsabilização profissional. Com relação ao primeiro
eixo, o autor coloca que o vínculo só se produz quando há relação entre sujeitos, jamais nas
circunstâncias em que o usuário foi reduzido à condição de objeto; enquanto que, no segundo
eixo considera que a responsabilização do profissional implicaria no desenvolvimento de
ações e na disponibilização de autonomia para criar e desencadear mecanismos de cuidados
62
necessários. Consequentemente, no controle da TB considerar-se-á os dois eixos defendidos
pelo autor.
Na concepção de Merhy (1997), a relação humanizada da assistência, que promove a
acolhida, dá-se sob dois enfoques: o do usuário com suas necessidades e problemas e o do
trabalhador com o saber científico e a responsabilidade da prestação dos serviços. O autor
percebe que a noção de vínculo que a SF implanta é a de conhecer as pessoas e seus
problemas. O programa não se refere ao vínculo com a possibilidade de autonomização do
cuidado do usuário. Considera ainda que o vínculo consiste em uma tecnologia leve pelo
modo relacional de agir, quando da produção de atos de saúde, ou seja, um conjunto de
conhecimentos e ações aplicadas à produção de algo.
As tecnologias leves, quando apostam no diagnóstico sensível à subjetividade, nas
relações de poder e afeto, nos códigos familiares subliminares e, induzem à
ampliação da pauta técnica para a pauta ética, baseado em cidadania, solidariedade
e humanização (RODRIGUES; ARAÚJO, 2007, p. 336).
Nessa abordagem, pode-se considerar a integralidade como eixo norteador das práticas
em saúde coletiva, ou seja, um eixo reestruturante da maneira de se agir em saúde (CAMPOS,
2003), capaz de assegurar a qualidade da assistência no âmbito da APS e de promover a
participação efetiva dos usuários nas discussões. Pode-se dizer também que a integralidade
traz indicações úteis à condução do processo de mudança e reorganização das instituições de
saúde, com o envolvimento dos trabalhadores e o controle dos usuários do sistema.
A integralidade preconizada, nos princípios e diretrizes do SUS, é entendida como
“conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigido para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”
(PINHEIRO; MATTOS, et al., 2006, p. 45). Os autores acrescentam que a integralidade
sugere a ampliação e o desenvolvimento do cuidar na profissão da saúde, a fim de formar
profissionais mais responsáveis pelos resultados das práticas de atenção, mais capazes de
acolhimento, de vínculo com os usuários das ações e serviços de saúde, e também, mais
sensíveis à compreensão do processo saúde/doença inscrito nos âmbitos da epidemiologia ou
da terapêutica.
Para Campos (2003), a construção de vínculo depende do modo como as equipes se
responsabilizam pela saúde do conjunto de pessoas, bem como do envolvimento dos
profissionais, determinado pelas singularidades dos casos. Para este autor, a construção de
63
vínculo se configura como um recurso terapêutico. Existe a proposta nacional de investimento
na APS, visando à reorganização do modelo de atenção e dos serviços a partir do vínculo
cotidiano com a população. Este vínculo tem como função possibilitar uma atenção à saúde
que fortaleça a dimensão relacional do cuidado e permita uma maior aproximação do SUS
com as necessidades sentidas pela população (SCHIMITH; LIMA, 2004).
Fundamentada nessa concepção, acredita-se que o vínculo com os usuários do serviço
de saúde contribui significativamente para a ampliação da eficácia das ações de saúde e
favorece a participação do usuário durante a prestação do serviço. Campos (2003) corrobora
as considerações de Merhy (1994), quando considera que a participação efetiva dos usuários
durante o processo saúde/doença permite a formação de sujeitos autônomos, ou seja,a
autonomização dos usuários por meio do estabelecimento de vínculo, através do qual o
usuário seja reconhecido na condição de sujeito, que fala, julga e deseja.
Assim, a produção do vínculo pode promover uma nova lógica no processo de
trabalho das ESF, permitindo o cuidar na perspectiva da integralidade, de modo que os
serviços de saúde passem a perceber o usuário como um agente que tem direito de escolha,
valorizando sua autonomia, sentimentos e necessidades.
O vínculo de compromisso e co-responsabilidade foi proposto para o PSF, objetivando
o alcance das seguintes finalidades estratégicas: auxiliar na transformação do modelo
biomédico hospitalocêntrico para o de produção social e de produção da saúde no nível da
APS, ampliar responsabilidades dos profissionais e usuários na condução dos serviços de
saúde e humanizar práticas de atendimento em saúde (RIBEIRO, 2005). Nesse sentido, a
autora aponta para uma necessidade do programa em avançar para o vínculo
profissional/institucional, que além do pessoal/social incorpore a identificação, discussão,
encaminhamentos e resolução das questões da saúde da família.
Schimith e Lima (2004) reforçam a necessidade de que o projeto de acolhimento e de
produção de vínculo seja um projeto de toda a equipe, a fim de que se concretize no trabalho
vivo em ato, porque somente dessa maneira é possível atender, de fato, às demandas e às
necessidades dos sujeitos reais no trabalho em saúde. De acordo com Arcêncio (2006), o
vínculo permite uma aproximação mais efetiva entre paciente e profissional, chegando, por
vezes, a acontecer um processo de transferência, em que o profissional passa a representar
algo importante na vida do paciente, e este, por sua vez, na vida do profissional. Desta
64
maneira, se estabelecem relações de escuta, de diálogo, de respeito, nos quais o usuário passa
a entender a significância do cuidado a ele prestado e sua co -responsabilidade nesse processo.
Para Merhy (1994), criar vínculo implica em ter relações tão próximas e tão claras que
nós nos sensibilizamos com o sofrimento do outro, permitindo que os profissionais de saúde
supram necessidades, intervenham, aconselhem, partilhem opiniões, promovam suporte
psicológico, para, assim, aliviar o sofrimento da pessoa com necessidades e/ou problemas de
saúde.
Às vezes tenta suprir as lacunas do sistema, adotando condutas próprias, de
filantropia e paternalistas, buscados tanto responder com sentimentos humanitários,
gerados pelas situações vivenciadas pelas famílias, como minimizar conflitos éticos
(RIBEIRO, 2005, p. 75).
Percebe-se a ênfase no papel da emoção e dos sentimentos como veículos do vínculo,
a partir da construção de relações revestidas de compromisso e responsabilidade. Para Santos
(2001, p. 6) “vincular-se é estar emocionalmente ligado a algo ou a alguém, sendo que a
emoção qualifica este veículo onde quer que ele aconteça”. Sendo assim, a relação entre a
ESF e o usuário deve transcorrer de tal forma que sejam considerados os aspectos emocionais,
econômicos e culturais, em que o diálogo entre usuários e profissionais da saúde e o
compromisso estabelecido entre eles sejam primordiais para um cuidado humanizado e
integral.
Ribeiro (2005) afirma que o vínculo foi valorizado como possibilidade de
humanização da assistência, pela escuta dos sentimentos e necessidades dos usuários,
influenciando na mudança do modelo assistencial. Entretanto, a autora aponta, na SF,
condições negativas para o estabelecimento do vínculo como o cansaço e o estresse ligados às
condições de trabalho, remanejamentos constantes, desmotivação, fatores associados aos
baixos salários, proposição de assistência sem perspectiva de resolutividade favorável,
especialmente frente a problemas de maior complexidade técnica ou especializada e a falta de
capacitações, valorização e oportunidades para que os profissionais se preparem melhor para
o cuidado das famílias.
Considerando o vínculo como elemento essencial no desenvolvimento do trabalho das
ESF e centrando o foco nas ações de controle da TB, apresentam-se a seguir as implicações
do estabelecimento do vínculo no cuidado às pessoas com TB, que buscam atenção nos
serviços de APS, neste caso, nas USF.
65
2.2.1 O cuidado ao doente de TB na perspectiva da integralidade e sob a dimensão do
vínculo
O cuidado em saúde é efetivado no encontro entre usuário/profissional de saúde,
podendo ser ampliado por meio da fusão de seus horizontes, na perspectiva de uma escuta
qualificada e do estabelecimento da intersubjetividade necessária nessa relação. Para ampliar
o cuidado é preciso conhecer não só a doença, mas também compreender e apreender os
modos de andar a vida de cada sujeito em sua singularidade.
No Brasil, as ações para o controle da tuberculose concentram-se basicamente no nível
da APS. De acordo com Ruffino-Netto (2001), a intenção do MS, ao lançar o Plano
Estratégico de Controle da Tuberculose, constitui um salto de qualidade na atenção ao
problema da TB, destinado a possibilitar aos profissionais, que atuam na APS, a elaboração
de novos instrumentos de trabalho capazes de atingir o controle da doença no nível local, e
mais do que isso, estabelecer mecanismos de vigilância e avaliação do processo de trabalho.
Entre as metas do PNCT para o ano de 2007, encontra-se a expansão do TS para 100%
das unidades de saúde dos municípios prioritários, e pelo menos para 80% dos bacilíferos
destes municípios; o aumento em 100% do número de sintomáticos respiratórios examinados;
o tratamento correto de 100% dos casos de TB diagnosticados e cura de pelo menos 85%
destes. A recomendação foi de que as estratégias de tratamento e acompanhamento deveriam,
preferencialmente, ser desenvolvidas por equipe multiprofissional e objetivar a inclusão social
do doente.
Percebe-se que o objetivo do PNCT é consolidar as ações de controle da doença na
APS pela inclusão e expansão de atividades à estratégia SF e ao PACS. O fato destes
programas se organizarem a partir de uma adscrição de clientela favorece a aproximação entre
o profissional, o doente e seus familiares, a qual deve veicular o acompanhamento mais de
perto da evolução do tratamento. É importante ressaltar que o sentido de acompanhar, aqui
empregado, remete a uma co-responsabilidade entre os profissionais e o doente TB no
atendimento às necessidades surgidas durante todo o processo, o que implica no
estabelecimento de uma relação de confiança, respeito e compromissos mútuos, entendida
nesta pesquisa, como estabelecimento do vínculo terapêutico.
66
Na perspectiva do cuidado integral, às pessoas com necessidades de saúde é
indispensável que o profissional tenha mais sensibilidade, escute o outro, saiba o que ele
pensa, em uma postura que não seja distante e impessoal (CAMPOS, 2003). O conhecimento
da realidade e do contexto sócio-econômico em que o doente está inserido é fundamental,
considerando que o conceito de saúde envolve o bem-estar biológico, psicológico e social.
Portanto, a noção de integralidade como princípio deve orientar para ouvir, compreender e, a
partir daí, atender às demandas e necessidades das pessoas, grupos e comunidades em um
novo paradigma da atenção à saúde (MACHADO et al., 2007).
Segundo Machado et al. (2007), para a realização de uma prática que atenda à
integralidade, faz-se necessário o exercício efetivo do trabalho em equipe, desde o processo
de formação profissional de saúde até o estabelecimento de estratégias que favoreçam o
diálogo, a troca, a transdisciplinaridade entre os distintos saberes formais e não-formais que
contribuem para as ações de promoção da saúde nos planos individual e coletivo. O autor
acrescenta que a idéia de cuidado integrado, em saúde, compreende um saber fazer dos
profissionais, docentes, gestores e usuários/pacientes co-responsáveis pela produção da saúde
– feito por gente que cuida de gente. Assim, é fundamental compreender que o atendimento
integral extrapola a estrutura organizacional hierarquizada e regionalizada da assistência à
saúde, requerendo um compromisso com a prática multiprofissional.
É importante destacar a historicidade da doença no que se refere aos estigmas e
preconceitos existentes desde tempos remotos na humanidade, pois, ainda hoje, verifica-se a
exclusão e o isolamento experimentados pelos doentes, seja qual for sua raça, sexo, idade e
posição social. O impacto que a tuberculose causa na vida das pessoas ainda é muito forte e
pode interferir em várias dimensões do ser humano. Neste sentido, o preconceito deve ser
encarado como uma co-morbidade.
Ressalta-se que a maneira como o diagnóstico e as posteriores informações sobre a
doença são ditas aos doentes se torna condição sine qua nom para a adesão e
consequentemente para o êxito do tratamento. A postura das equipes responsáveis por essas
informações influencia na forma como o doente vai receber o diagnóstico da doença e
conduzir sua vida desde então, uma vez que a prática fundamentada na integralidade requer
um “esforço de contextualização do sofrimento, da doença e das propostas de intervenção na
vida de cada um” (MATTOS, 2004, p. 01).
67
É importante que os profissionais estejam preparados tecnicamente para apoiar a
favorecer esse processo de tratamento e cura, sempre se colocando à disposição do doente em
meio a tantas necessidades surgidas, a partir da confirmação do diagnóstico. Neste aspecto, a
estratégia SF tem contribuído fundamentalmente para o controle da TB no Brasil, pois
promove um relacionamento mais próximo e duradouro entre os usuários e serviços de saúde,
além do que também favorece o primeiro contato das comunidades com o serviço e permite
que os profissionais se adaptem às diferentes necessidades da comunidade sob sua
responsabilidade.
Nesse enfoque, considera-se que o êxito da operacionalização do TS requer, entre
outras ações, o estabelecimento de vínculos entre profissionais e doentes de TB com a
aproximação da equipe no contexto de vida do doente conseguida por meio de uma relação de
confiança, afinidade, responsabilidades e compromissos mútuos. Arcêncio (2006, p. 54)
considera que “o TS tem assumido, nos dias atuais, uma nova conformação enxergando o
paciente como sujeito dos seus processos, visando suprir necessidades além do plano
terapêutico”. O autor acredita que a sensibilização e o envolvimento da ESF promovem o
acolhimento e possibilita o vínculo, podendo ser considerados como os elementos chaves na
implantação do TS e no controle da TB. Porém, faz-se necessário que os profissionais
partilhem desta concepção, uma vês que a produção de vínculo constitui um dos recursos
fundamentais para o êxito do tratamento da doença no âmbito da APS no Brasil, como afirma
o próprio autor “[...] num município que tem um profissional envolvido com o TS, que
acolhe, bem como responde as suas expectativas, há possibilidade de adesão e chegar-se a
indicadores próximos aos esperados ou ainda maiores” (ARCÊNCIO, 2006, p. 39).
Portanto, o envolvimento das ESF no cuidado das pessoas com TB, estando
fundamentado na dimensão de vínculo e sedimentado na compreensão “dos modos de andar a
vida” de cada pessoa doente, concorre para o planejamento de ações que levem em
consideração o respeito, as limitações e as potencialidades individuais, de modo a promover a
autonomização desses sujeitos, favorecendo o êxito do tratamento e o controle da doença no
âmbito da APS.
68
CAPÍTULO 3
CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
3.1 FORMA E NATUREZA DA INVESTIGAÇÃO
Este é um estudo qualitativo e, uma vez que se propõe a avaliar as ações cotidianas
dos profissionais de saúde inseridos na estratégia SF frente ao controle da TB, traz em si a
perspectiva de ser dialeticamente crítico, à medida que revela a vivência desses profissionais e
motiva uma reflexão sobre a necessidade de transformações para uma prática permeada pelo
conceito de vínculo em uma perspectiva estruturante, que é a APS.
O suporte teórico para a realização desta pesquisa, como se observa, está
fundamentado no conceito elaborado por Starfield sobre vínculo, pela autora considerada uma
das dimensões da APS. Esta eleição foi precedida de discussões ocorridas no grupo de
estudos e qualificação em TB na PB. Outra justificativa está no fato de que, no Brasil, as
ações de controle da doença são operacionalizadas no âmbito da APS e preconizadas como
prioridade para as ESF – campo de atuação da pesquisadora, que também participou do
processo de expansão das ações de controle da TB para a APS no município de Bayeux.
A abordagem qualitativa adequa-se a estudos que buscam os significados,
significações,
ressignificações,
representações
psíquicas,
representações
sociais,
simbolizações, simbolismos, percepções, pontos de vistas, perspectivas, vivências,
experiências de vida, analogias. Com efeito, a pesquisa qualitativa busca uma compreensão
particular daquilo que estuda, não se preocupando com generalizações populacionais,
princípios e leis (TURATO, 2003).
Os métodos qualitativos produzem explicações contextuais para um pequeno número
de casos com maior ênfase nos significados do que na freqüência do fenômeno. Proporcionam
também a oportunidade das pessoas expressarem seus sentimentos, experiências e concepções
sobre determinado tema como, por exemplo, mecanismos de adaptação; adesão e não adesão a
tratamentos; estigma; cuidados; reações e papéis de cuidadores profissionais e familiares,
fatores facilitadores e dificultadores frente à profissão/ frente ao tratamento/ frente às
69
condições de trabalho. Spencer (1993 apud Nogueira – Martins; Bógus, 2004) afirma que a
linguagem usada e as conexões realizadas revelam o mundo como é percebido por elas.
Oliveira (2005) caracteriza a metodologia qualitativa como capaz de descrever a
complexidade de problemas e hipóteses, compreender e classificar determinados processos
sociais, oferecer contribuições ao processo das mudanças, criação ou formação de opiniões de
determinados grupos e interpretação das particularidades dos comportamentos ou atitudes dos
indivíduos.
Recortamos, como objeto desta investigação, o conceito de vínculo e o envolvimento
das ESF no processo de produção do cuidado junto aos doentes de TB, uma vez que o vínculo
também é considerado uma diretriz estratégica da SF. Pressupomos que o mesmo sofra as
influências das condições e da conjuntura em que a estratégia está inserida e se reflita na
qualidade da assistência e das práticas de saúde (NOGUEIRA - MARTINS; BÓGUS, 2004).
O interesse por uma aproximação com ênfase na abordagem qualitativa decorre das
condições – e suas possibilidades – para aprender e evidenciar um conhecimento sobre as
implicações do estabelecimento do vínculo para o cuidado e para as práticas de saúde no
âmbito da APS, de modo a deixar transparente as contradições e os consensos pertinentes ao
envolvimento dos profissionais de saúde no controle da TB, considerando a dimensão de
vínculo.
3.2 CENÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
Elegemos como local para desenvolver esta investigação o município de Bayeux, no
estado da Paraíba. A escolha do local precedeu de estudo realizado sob coordenação da Rede
Brasileira de Pesquisa em Tuberculose –REDE -TB: “Situação da implantação do DOTS para
o controle da TB em algumas regiões do Brasil: histórico e peculiaridades de acordo com as
características regionais”, envolvendo 12 estados brasileiros e, dentre eles, a Paraíba. Esse
estudo demonstrou que Bayeux, em 2004, apesar de apresentar características e problemas
peculiares às regiões metropolitanas, alcançara êxito na implantação das ações de controle da
tuberculose, registrando índices desejáveis nos percentuais de cura, ou seja, acima de 85%,
como está preconizado pelo MS. Este fato esteve associado principalmente à atuação das
ESF, responsáveis pelo desenvolvimento de ações de controle da doença no âmbito da
70
atenção primária. Nos dias atuais, com a mudança da gestão municipal, verifica-se mudanças
nos índices da doença, principalmente com relação à cura e ao abandono, o que justifica esta
investigação.
Outro fator que contribuiu para a escolha do cenário da pesquisa foi o interesse da
pesquisadora em contribuir para a potencialização das ações de controle da TB no município
onde trabalhou no PSF de janeiro de 2003 a março de 2005. Para esclarecimento, informamos
que o propósito da REDE - TB consiste em produzir conhecimentos sobre a TB e subsidiar o
sistema de atenção à saúde na transformação de práticas para o controle da doença.
3.2.1 Informações gerais sobre o município de Bayeux
O município de Bayeux está inserido na região metropolitana de João Pessoa,
localizado na porção extrema oriental do continente americano. Destaca-se, na rede urbana,
pela importância de seu aglomerado urbano que envolve municípios vizinhos, sendo essa
região denominada de Grande João Pessoa, que é o principal centro político, econômico do
Estado (NÓBREGA, 2003). Limita-se ao Norte com o município de João Pessoa (capital do
estado da Paraíba); ao Sul com o município de Santa Rita; ao Leste com João Pessoa; a Oeste
com o Rio Sanhauá, ocupando uma área de 32 km², que representa 0.0563% do Estado,
0.002% da Região e 0.0004% de todo o território Brasileiro. A sede do município tem uma
altitude aproximada de 11 metros, distando 7 km do município de João Pessoa.
Segundo os dados estatísticos do censo 2000 (IBGE), a população residente do
Município de Bayeux é de 87.298 habitantes, sendo 42.032 homens e 45.266 mulheres. A
grande maioria desses residentes se concentra nos grupos de 0 a 9 anos (18.074) e 10 a 19
anos (19.380), seguida pelos 16.581 habitantes entre 20 a 29 anos, indicando uma alta taxa de
natalidade, comum em regiões subdesenvolvidas.
O crescimento da densidade demográfica, nos últimos 10 anos, variou de 2.828,14
hab/km² para 3.185 hab/km², podendo ser considerada como bastante significativa. Esta
variação, relacionada ao alto grau de urbanização e da atividade produtiva do município,
requer questionar e propor formas de desenvolvimento que estejam efetivamente voltadas
para a melhoria da qualidade de vida dos atores diretamente envolvidos no problema.
71
De acordo com o Plano Diretor de Regionalização do Estado (PDR), o município de
Bayeux integra a primeira microrregional de saúde - João Pessoa, como sede de módulo
assistencial, não tendo município satélite. As atividades de controle, regulação, avaliação e
auditoria são desenvolvidas de forma incipiente, embora exista um plano elaborado. O Plano
Municipal de Saúde foi elaborado para a gestão 2005 a 2009 e, no período da produção de
material empírico, estava sendo avaliado pelo Conselho Municipal de Saúde.
Figura 02 - Mapa do município de Bayeux
Fonte: SILVA (2002)
A Secretaria Municipal de Saúde funciona em prédio alugado, apresentando uma
considerável estrutura física. Sua estrutura organizacional foi criada pela Lei Nº 872/2003,
porém não está adequada à forma de gestão do SUS. As ações e serviços de alta complexidade
são referenciados para o município de João Pessoa, conforme Programação Pactuada e
Integrada - PPI.
O município conta com 16 bairros distribuídos em 05 (cinco) Distritos Sanitários (DS)
de Saúde. São eles Baralho, São Bento, Centro, São Lourenço, Sesi, Brasília, Tambay,
Imaculada, Manguinhos, São Vicente, Jardim Aeroporto, Alto da Boa Vista, Rio do Meio,
Mário Andreazza, Conjunto Mariz e Comercial Norte.
72
3.2.2 A organização dos serviços públicos de saúde do município de Bayeux
Habilitado na Gestão Plena de Sistema em Saúde desde 2003, o município pertence ao
1º Núcleo Regional de Saúde, fazendo parte dos 329 municípios prioritários do Plano
Nacional de Mobilização e Intensificação das Ações para o Controle da Tuberculose. Com a
ascensão do gestor municipal em 2004, Bayeux vem passando por um amplo processo de
mudança na organização da prestação de serviços de saúde aos usuários, tendo como principal
proposta a reorganização da estratégia SF, para o fortalecimento do SUS (LIMA, 2005). Esta
estratégia está responsável por uma cobertura de 100% da população. A rede de serviços
públicos de saúde conta atualmente com 28 ESF, 02 policlínicas, 01 maternidade (onde é
realizada a vacina de BCG), 01 Laboratório Central Municipal, responsável pelas
baciloscopias de diagnóstico e controle e 05 postos de coletas de escarro, sendo um por
Distrito Sanitário (DS).
Em Bayeux, o PCT foi implantado em 1999, ano em que as ações de diagnóstico,
tratamento e controle da doença eram centralizadas na policlínica do município, e realizadas
pelo pneumologista e por uma enfermeira desse serviço. A descentralização das ações de
controle da tuberculose teve início em 2003, com transferência de 02 casos da Policlínica
municipal para as Unidades de Saúde da Família. De acordo com a Coordenação Municipal
do PCT, no ano de 2006, foram acompanhados 48 casos de TB em todas as formas no
município e atualmente, todas as UFS realizam o DOTS com destaque para a atuação de
enfermeiras e ACS. Existem, no município, 221 ACS inseridos no PSF e no PACS.
O Programa Municipal de Controle da TB (PMCT) foi elaborado e aprovado pelo
Conselho Municipal de Saúde e vem sendo desenvolvido, segundo a coordenação local do
programa, com algumas dificuldades no tocante a recursos humanos visto que são freqüentes
a evasão de profissionais capacitados e as sucessivas mudanças de gestores e coordenadores.
Desde o início da gestão de 2005, cinco profissionais já ocuparam a coordenação do PCT
local e, durante os meses de março e abril, ocorreram duas mudanças no cargo de secretário
de saúde.
Apesar de ter alcançado taxas de cura de 97,3%, 92,4% e 92% e de abandono de 2,7%,
5,7% e 4%, respectivamente nos anos de 2003, 2004 e 2005, os índices já demonstram
reflexos dessa instabilidade administrativa, pois, no ano de 2006, o abandono aumentou para
10%. De acordo com relatórios do NDE/SES/PB, existem grandes falhas no sistema
73
operacional do município que podem ter sido decorrentes de uma “quebra” operacional nas
ações do PMCT.
Tabela 02 – Distribuição do número de casos novos de TB por Distrito Sanitário no município
de Bayeux no triênio 2004-2006
Distrito Sanitário/ ano
DS I
DS II
DS III
DS IV
DS V
TOTAL
2004
24
12
03
09
14
62
2005
16
10
07
06
16
55
2006
08
08
02
05
05
36
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Bayeux (2006)
Até março de 2007, vinte e sete (27) doentes estavam fazendo TS em 16 das 28 USF.
De acordo com a base de dados do SINAN, até novembro de 2006, tinham sido notificados 39
casos de TB, 02 casos da forma extrapulmonar e 09 casos de recidivas. O mapa 02 apresenta a
distribuição dos casos da doença por DS no município.
Figura 03 – Mapeamento do modelo geo-sanitário para localização dos portadores de TB por DS
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Bayeux (2006)
74
Com relação às necessidades de referência, a coordenação municipal do PCT
informou que estas ocorrem nos casos em que o doente necessita de realizar cultura de escarro
ou hospitalização, sendo o Hospital Clementino Fraga, em João Pessoa, o serviço de
referência mais procurado.
Tabela 03 – Coeficiente de Incidência de TB, todas as formas de BK+ por 100.000 habitantes
Coeficiente de todas as formas
Coeficiente BK+
2003
73.9
46.3
2004
75.3
45.1
2005
56.4
31.9
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Bayeux (2006)
Ainda conforme as informações obtidas junto à coordenação do PCT local, em 2006,
foram capacitados todos os ACS e 50% dos médicos e enfermeiros que atuam nas ESF, porém
nenhuma auxiliar de enfermagem foi contemplada no processo de qualificação. Segundo o
Centro Formador de Recursos Humanos (CEFOR) da PB, foram realizadas 03 (três)
capacitações na técnica de aplicação da vacina BCG em 2007. No entanto, estas capacitações
foram priorizadas paras as técnicas de enfermagem das ESF pelo fato, segundo os
funcionários do setor, das enfermeiras afirmarem que a vacinação é uma atribuição das
técnicas de enfermagem. Os dados fornecidos pelo CEFOR revelam que de 2004 até agosto
de 2007 não houve nenhuma capacitação para os profissionais de saúde do município de
Bayeux com relação à técnica de aplicação da vacina BCG.
3.3 OS SUJEITOS QUE PARTICIPARAM DA INVESTIGAÇÃO
Fizeram parte deste estudo, os profissionais de enfermagem, médicos e agentes
comunitários de saúde inseridos nas 28 (vinte e oito) ESF do município de Bayeux. Os
odontólogos e os atendentes de consultório dentário não foram considerados uma vez que
durante a observação de campo, verificamos que as ações dessa categoria profissional
estavam direcionadas, de forma muito específica, ao cuidado da saúde bucal. Além disso, os
odontólogos e seus auxiliares não são responsabilizados diretamente pelas ações de controle
da TB (BRASIL, 2002).
75
Para a participação na pesquisa foram selecionadas, dentro dos 05 (cinco) Distritos
Sanitários, 16 (dezesseis) equipes que até o mês de março de 2007, acompanhavam pacientes
em tratamento para TB. Foram agendados dois grupos para cada categoria profissional, ou
seja, convidados oito profissionais por grupo visto que o número de dezesseis participantes
seria inviável para o desenvolvimento da técnica de coleta de informações escolhida – grupo
focal. Não foi possível a realização do segundo grupo com os profissionais médicos, em
decorrência da morte do pai do gestor, que decretou ponto facultativo no período em que
estava agendada a reunião. Tentou-se marcar nova data, no entanto, os profissionais não se
dispuseram.
Dessa forma, dos 64 profissionais convidados, 37 aceitaram participar deste estudo
sendo: 13 (treze) enfermeiras; 13 (treze) técnicas de enfermagem; 06 (seis) Agentes
Comunitários de Saúde e 05 (cinco) médicos, conforme mostra a tabela a seguir:
Tabela 04 – Freqüência dos profissionais das ESF que participaram dos grupos focais
realizados em Bayeux – PB, no período de março a abril/2007
CATEGORIA
Enfermeira
Téc. de
Enfermagem
ACS
Médicas
Grupo Focal 01
Grupo Focal 02
Grupo Focal 03
Grupo Focal 04
Grupo Focal 05
Grupo Focal 07
06
07
-
06
-
-
-
07
-
06
05
13
13
06
05
TOTAL de
Participantes
Fonte: Dados da pesquisa
Ainda que tenham sido realizados sete grupos, foi desconsiderado o de número 06
(seis) por não reunir o número mínimo necessário de participantes para constituir um grupo
focal, também por não ter sido possível a transcrição da discussão ocorrida nesse mesmo
grupo, devido a problemas técnicos. Por conseguinte, integrarão a análise deste estudo os
discurssos de 37 (trinta e sete) profissionais das ESF do município de Bayeux.
76
3.3.1 Caracterização dos sujeitos
Dentre os participantes dos grupos focais, contamos com 36 profissionais do sexo
feminino e apenas 01 do sexo masculino, distribuídos de acordo com a faixa etária, o tempo
de atuação no município e o tempo de atuação no PSF.
Tabela 05 – Distribuição dos profissionais, de acordo com a faixa etária
Faixa Etária
20 – 30
Nº DE
PARTICIPANTES
15
31-40
41 - 50
50 - 60
TOTAL
09
03
37
10
Fonte: Dados da pesquisa
Tabela 06 – Distribuição dos profissionais, de acordo com o tempo de atuação no município
de Bayeux
Tempo de atuação
no município
Inferior a 1
1a5
6 a 10
+ de 10
TOTAL
Nº DE
PARTICIPANTES
07
23
04
03
37
Fonte: Dados da pesquisa
Tabela 07 – Distribuição dos profissionais, de acordo com o tempo de atuação no PSF do
município de Bayeux
Tempo de atuação no PSF
Inferior a 1
1a 5
6 a 10
+ de 10
TOTAL
Nº DE PARTICIPANTES
07
20
08
02
37
Fonte: Dados da pesquisa
77
3.4 PROCEDIMENTOS ÉTICOS
Este estudo atendeu aos requisitos propostos pela Resolução Nº 196/96 que dispõe
sobre as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas envolvendo os seres humanos.
Após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos
do CCS-UFPB sob protocolo Nº 936/07, e após conseguir o consentimento dos participantes,
via sua assinatura do documento, foi iniciado o grupo focal. Os participantes dos grupos
foram decodificados com letras e números de forma a garantir seu anonimato.
Sendo assim, foi utilizada a letra “E” para designar as enfermeiras; letras “TE” para os
técnicos de enfermagem; letras AE para as auxiliares de enfermagem; letras “ACS” para os
agentes comunitários de saúde; e a letra “M” para referenciar os médicos.
3.5 A TÉCNICA PARA PRODUÇÃO DO MATERIAL EMPÍRICO
O Grupo Focal foi a técnica empregada para produção do material empírico e sua
programação procedeu a uma observação livre do campo a ser estudado que, segundo Galileu
apud Turato (2003), consiste no registro do fenômeno segundo a ocorrência, sem que o
pesquisador se permita levar por preceitos advindos de fora do ato científico. A observação
ocorreu durante todo o mês de março do ano de 2007 com o objetivo de verificar a
organização dos serviços de atenção primária no município, bem como a operacionalização da
estratégia DOTS pelas ESF locais.
O Grupo Focal pode ser definido como um tipo de entrevista realizada com grupos
formados de seis (06) a quinze (15) pessoas que compartilham um traço comum e discutem
vários aspectos de um tema específico, tendo como foco facilitado a expressão de
características psicofisiológicas e culturais (BARBOSA et al., 2002). Tem base na teoria da
comunicação e da interação entre os participantes da pesquisa para gerar dados (KITZINGER,
2000). Os grupos devem ser pequenos e homogêneos e a abordagem deve ser planejada, de
forma que se obtenha informações relativas a um tema específico. Deve-se desenvolver
mediante um guia de perguntas que vão do geral ao específico, sob a coordenação de um
moderador capaz de conseguir a participação do ponto de vista coletivo e individual
(MINAYO, 2005).
78
Embora se caracterize, a priori como uma entrevista coletiva, não significa que o
grupo focal seja um processo no qual se alternam perguntas do pesquisador e respostas dos
participantes. Diferentemente, a essência do grupo focal consiste justamente em se apoiar na
interação entre seus participantes para produzir material empírico, a partir de temas que são
fornecidos pelo pesquisador, este último denominado de facilitador/moderador do grupo.
Após a realização dos grupos, é realizada a transcrição de uma discussão em grupo, focada em
um tópico específico, que justifica o objetivo da técnica (CARLINI - COTRIM, 1996).
A decisão por essa técnica para a produção do material empírico se deve ao fato de
que a pesquisa objetiva analisar a organização tecnológica do trabalho das ESF no controle da
TB no âmbito da APS, segundo a dimensão do vínculo, haja vista o envolvimento dos
profissionais que atuam na estratégia SF com as ações do PCT local. Além do que, a técnica
permite que os participantes dos grupos, ou seja, os sujeitos da investigação produzam um
material empírico sobre uma temática por meio do diálogo e do debate entre os participantes,
em consonância com os objetivos deste estudo. Logo, o grupo focal permite que todos tenham
possibilidades equinânimes de apresentar suas concepções, facilitando a compreensão da
dinâmica social por atitudes, opiniões, motivações expressas em interações grupais, e a
exploração das necessidades do grupo (MINAYO, 1999, 2005; KITZINGER, 2000).
São condições imprescindíveis ao facilitador para a realização da técnica de grupo
focal: ser suficientemente provocador para permitir um debate entusiasmado e participativo;
promover condições de aprofundamento, fazendo jus ao que se pretende com esta técnica
(MINAYO, 1999). A discussão foi coordenada pela pesquisadora que contou com a
colaboração de dois observadores para anotar os pontos de maior relevância para esta
investigação.
3.6 PROCEDIMENTOS PARA A PRODUÇÃO DO MATERIAL EMPÍRICO
3.6.1 Preparação para realização dos grupos
A primeira etapa da pesquisa correspondeu ao momento do trabalho de campo, desde
a seleção dos participantes até a produção do material empírico. Durante todo o mês de março
e início do mês de abril de 2007, foi realizada uma observação da organização dos serviços da
APS no município que incluiu as seguintes atividades: visitas às USF, participação em
79
reuniões da coordenação do PMCT com as enfermeiras, participação de reuniões com as
comunidades nos 05 (cinco) DS, participação nas atividades programadas para a semana
mundial de combate à doença, entrevistas com doentes de TB MDR e com os familiares.
Também, foi realizada uma investigação sobre os dados epidemiológicos e operacionais do
PCT local, que favoreceu a aproximação com a problemática no município, além da
observação das questões políticas e gerenciais inerentes à operacionalização do DOTS.
Ainda, nesse período, constatamos que os pontos de maior fragilidade em relação às
dimensões definidas por Starfield para a AB eram o vínculo e a orientação para a
comunidade. Entretanto, mesmo sendo aprovado o projeto (considerando as dimensões da
porta de entrada e elenco de serviços) no exame de qualificação e pelo Comitê de Ética do
CCS/UFPB, para melhor contribuir com a situação local, decidimos que o recorte do objeto se
voltaria ao estudo na dimensão do vínculo como unidade da problemática a ser investigada.
Um cronograma (APÊNDICE A) para as reuniões com os profissionais foi pactuado,
junto à Secretaria Municipal de Saúde, à coordenação da Atenção Básica e à coordenação do
PCT no município, e após permissões oficiais para realização da pesquisa, procedemos à
elaboração de oito grupos de discussão. Foi entregue a cada uma das 16 (dezesseis) ESF,
sujeitos do estudo, um convite formal assinado pela coordenadora do PCT do município
constando o nome da pesquisadora, do objetivo do estudo, do local, do horário e das datas das
reuniões.
Os profissionais foram agrupados por categoria, o que favoreceu a expressão de suas
insatisfações, dúvidas e sugestões em relação às ações de controle da TB em suas equipes e no
município. Todas as reuniões foram agendadas entre o dia 24 de abril e 08 de maio de 2007
no horário das 15 horas às 17 horas no Centro de Formação de Recursos Humanos (CEFOR)
do município. Dessa forma, procuramos respeitar o horário de trabalho dos profissionais e
preservar a assistência de saúde à população.
3.6.2 Desenvolvimento dos grupos
Os grupos foram realizados em local de fácil acesso e de conhecimento de todos os
convidados. As reuniões aconteceram em um auditório arejado, que permitiu a disposição das
cadeiras em círculo e a troca de experiências. O tempo de duração dos grupos focais variou
80
entre 1 hora e 40 minutos e 2 horas e 10 minutos, visto que foi dada uma tolerância de até 30
min e procuramos respeitar o horário pactuado. Cada encontro foi programado para realização
em cinco momentos interdependentes e complementares.
No primeiro momento, manifestamos nossos agradecimentos pela disponibilidade e
comparecimento dos profissionais, destacando a importância da presença de cada um para a
realização do encontro e da pesquisa. Dando prosseguimento, passamos à apresentação da
pesquisadora e das colaboradoras; e à distribuição da ficha de identificação dos profissionais
(APÊNDICE B), cuja finalidade era obter informações pessoais sobre os participantes.
O segundo momento foi marcado pela explanação da situação da TB no município e
pela relevância do fato para a temática; exposição dos objetivos da pesquisa, explicação do
desenvolvimento da técnica do grupo focal (tempo previsto; utilização de roteiro de questões;
utilização de gravadores, necessidade de participação de todos); pactuação de horários e do
uso de aparelhos celulares e leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(APÊNDICE C), explicando aos participantes seu significado ético.
No terceiro momento, passamos à apresentação de transparências constando o nome
da pesquisadora e da orientadora do trabalho de dissertação, objetivo geral da investigação,
dados epidemiológicos da doença, três situações (APÊNDICE D) envolvendo ações das ESF
no cuidado ao doente de TB e as questões norteadoras dispostas no roteiro entregue a cada
observadora. Esse instrumento foi elaborado para conduzir a discussão e facilitar a captação
de informações fornecidas pela interação dos participantes dos grupos. Também nesse
momento foram esclarecidas dúvidas sobre a técnica.
O início das discussões demarcou o quarto momento, o qual foi norteado por um
roteiro (APÊNDICE E) previamente elaborado pela pesquisadora, incluindo questões
nucleares e diretivas sobre: as atribuições e responsabilidades no âmbito da APS, as
concepções dos profissionais acerca do vínculo, reflexão sobre a prática durante o processo do
cuidado do doente de TB, e também as experiências dos profissionais com as ações do PCT
no município em estudo. As questões foram elaboradas considerando as indagações do projeto
das doenças negligenciáveis e ressignificadas para viabilizar a pesquisa qualitativa em saúde.
À proporção que a pesquisadora atuava como moderadora, estimulando a discussão e a
participação dos sujeitos, os depoimentos iam sendo registrados por meio de três gravadores,
dispostos entre os participantes. Ao mesmo tempo, uma mestranda, integrante do grupo de
81
estudos e qualificação em TB, fazia anotações em uma planilha previamente elaborada,
(APÊNDICE F) sobre as manifestações verbais, os gestos e as atitudes significativas
observadas por ela, possibilitando assim registros mais fidedignos.
Vale ressaltar que a técnica de grupo focal possibilita a obtenção de material de
natureza qualitativa em um ambiente propício ao diálogo e ao debate. Portanto, durante o
desenrolar das discussões dos grupos focais e das demais sessões, procuramos criar um clima
de confiança, descontração e liberdade de expressão, de modo que os participantes do grupo
pudessem se sentir à vontade para relatar seus valores, experiências, atitudes, crenças,
sentimentos acerca dos temas abordados.
Durante as discussões, o moderador recorreu a algumas diretivas contidas no roteiro
como medidas pra encorajar os profissionais a expor mais detalhes sobre suas experiências,
concepções e sentimentos no cuidado aos portadores de TB, bem como para reorientar as
discussões, quando por algum motivo, os sujeitos se distanciavam do foco. É importante ainda
destacar que, em muitas ocasiões, os participantes apontaram a importância daquele momento
de discussão para a aprendizagem, para a interação no grupo e ainda para a integração entre as
equipes que ali se encontravam. A técnica utilizada favoreceu um processo de reflexão sobre
as práticas individuais e coletivas, possibilitando fortalecer um dos elementos de
transformação dos saberes e das práticas em saúde com relação à temática da TB, que é a
reflexão crítica e a discussão sobre o trabalho das práticas profissionais.
O quinto momento foi marcado pela finalização das discussões em grupo, interrupção
da gravação e leitura da síntese da discussão para que todos os participantes ficassem cientes
do
conteúdo
produzido
naquele
encontro
e
retificassem
alguma
afirmação/negação/informação, se desejado. Terminado esse momento, foi servido lanche e
sorteado um brinde (camisa) cedido pelo Núcleo de Pneumologia Sanitária da Coordenação
Estadual de Tuberculose e Hanseníase.
3.6.3 Análise do material empírico
A análise propriamente dita foi iniciada após a transcrição dos depoimentos gravados
conforme as seguintes etapas: impressão e leitura dos textos, identificação dos temas
relacionados ao objeto e objetivos deste estudo; recorte, decomposição dos textos que
82
continham os temas recorrentes pelos diferentes sujeitos da investigação; agrupamento dos
textos que se referiam aos temas coincidentes permitindo a formação de blocos de
significados que orientaram a construção das sub-categorias, as quais explicam a grande
categoria empírica identificada.
No processo da análise, foi utilizada a técnica de análise do discurso na vertente
proposta por Fiorin (1999), uma vez que é indicada nas pesquisas qualitativas, pelas
possibilidades de relacionamento dos materiais que envolvem valores, juízos necessários e
preferíveis como argumentos, ou como meios capazes de revelar a visão de mundo e,
portanto, a posição ideológica do sujeito discursivo.
Para Fiorin (1999), os discursos materializam a visão de mundo de uma determinada
classe social, e sua análise é capaz de identificar por inferência a posição social dos sujeitos,
inscritos nos enunciados, uma vez que os elementos discursivos – temas e figuras – os
revelam. Fiorin (2006) considera que se a sociedade é dividida em grupos sociais, com
interesses divergentes, logo, os enunciados são sempre o espaço de luta entre vozes sociais, o
que significa que são inevitavelmente o ponto em que se pode identificar as contradições.
A pertinência da análise do discurso neste estudo decorre da possibilidade desta
técnica poder revelar tanto a visão de mundo quanto o posicionamento dos profissionais das
ESF em relação à temática TB, a partir de suas concepções de vínculo e da práxis no cuidado
ao doente de TB. Soma-se a esta justificativa o interesse da pesquisadora em identificar as
contradições entre a teoria que norteia o conceito de vínculo e as ações dos profissionais de
saúde no SUS, haja vista que estes profissionais são responsáveis pelo cuidado ao usuário
com TB no âmbito da APS. Além disso, verificamos, nos depoimentos, que existe uma luta de
poder entre as categorias profissionais que compõem as ESF, sujeitos desta investigação,
articulada à defesa da hierarquia que caracteriza o modelo tradicional da assistência e uma
identificação do doente com alguns profissionais a partir da identidade de classe. Também foi
observado que, na prática, as ações dos profissionais envolvidos no controle da doença ora
fortalecem, ora fragilizam a produção de vínculo na perspectiva da integralidade do cuidado
em saúde.
Com o fim de atender aos objetivos do estudo e fundamentada nos dos depoimentos
dos participantes, foi possível a produção de uma categoria empírica que sintetiza três subcategorias constituintes:
83
1. O processo de trabalho das ESF no controle da TB: posição dos sujeitos, relações de
poder e a resistência do modelo centrado na cura - enfoca o trabalho das ESF no
controle da TB;
2. As concepções de vínculo e a relação com o controle da TB: conceitos e práticas aborda as concepções de vínculo dos profissionais e os fatores internos às ESF, ou
seja, os fatores inerentes ao espaço micro-político de ação; e
3. A intersetorialidade nas ações de controle da TB: refletindo o cuidado na
perspectiva da co-gestão e da autonomia - enfatiza os fatores externos, ou seja, os
fatores inerentes ao espaço macro-político, porém com reflexo direto nas ações de
controle da TB operacionalizadas pelas ESF.
Ao término dessa etapa do processo de análise, verificamos que as sub-categorias
poderiam ser acolhidas em um grande conceito ou categoria maior: O vínculo e a relação
com o processo de trabalho das ESF no controle da TB.
84
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DO MATERIAL EMPÍRICO
O que define o conteúdo da consciência são os
fatores sociais, que determinam a vida concreta dos
indivíduos nas condições do meio social. O discurso
não é, pois a consciência, mas a consciência é
formada pelo conjunto dos discursos interiorizados
pelo individuo ao longo de sua vida (FIORIN, 1988
p. 35).
O material empírico produzido nos grupos focais permitiu a análise sobre vários
aspectos do cuidado prestado aos doentes de TB no município de Bayeux, como também uma
visão ampla das ações desenvolvidas pelo PCT local. Entre os aspectos selecionados, temos: a
produção de vínculo nas relações entre profissionais e doentes de TB, a integralidade das
ações, a intersetorialidade, a interdisciplinaridade, a noção de co-gestão, a credibilidade dos
usuários no que se refere à qualidade dos serviços de saúde e à resolutividade da ESF e ainda
as dificuldades enfrentadas para operacionalização da estratégia DOTS.
Neste estudo, será analisada a dimensão do vínculo no processo de trabalho das ESF –
agentes discursivos – para o controle da TB no município de Bayeux – PB, considerando a
dimensão do vínculo e suas implicações no processo de trabalho desses profissionais, quando
na produção do cuidado ao doente de TB, na perspectiva da integralidade.
Desse modo, os principais temas identificados nos depoimentos dos sujeitos desta
investigação foram: vínculo, cuidado, responsabilização, integralidade, processo de trabalho,
intersetorialidade, co-gestão e fragilidades. A seguir, apresentamos as discussões das
categorias empíricas produzidas, as quais evidenciarão as contradições existentes entre a
teoria e a prática no desenvolvimento das ações de controle da TB no município, com base no
conceito de vínculo defendido por Starfield.
85
4.1 PRIMEIRA CATEGORIA EMPÍRICA: O PROCESSO DE TRABALHO DAS ESF
NO CONTROLE DA TB: A POSIÇÃO DOS SUJEITOS, AS RELAÇÕES DE PODER E A
RESISTÊNCIA DO MODELO CENTRADO NA CURA
Para que ocorra a mudança das práticas de saúde
é necessária também a transformação das relações
de trabalho da própria equipe de saúde
(CAMPOS, 2003).
4.1.1 A posição dos profissionais das ESF no controle da TB
Com relação às ações desenvolvidas pelos profissionais das ESF foram reveladas
aquelas diretamente orientadas pelo PCT, que incluem: busca ativa (BA), diagnóstico,
notificação, tratamento supervisionado, controle e registro de exames e tratamento, a
investigação de comunicantes e a busca de faltosos. A seguir trataremos de evidenciar a
posição dos profissionais das ESF no processo de controle da TB no município de Bayeux.
[...] os ACS são orientados a fazer a busca ativa. Sempre que
acontece uma suspeita, encaminham para a unidade e lá até na
própria recepção, quando a gente vê tudo, a gente já encaminha para
o médico (E4). (Linha numerada)
Eu faço a busca ativa no dia a dia mesmo, nas visitas. A gente
pergunta se tem alguém com tosse, febre, falta de apetite. Se alguém
tá tossindo, se a mãe sempre recebe na hora, vai e repassa pra mim.
Se for tosse há muito tempo, a gente manda. Às vezes até a médica tá
ciente, a enfermeira do posto. Aí ela diz: traga tal dia. A gente bota
pra falar, é isso (ACS 1).
[...] a gente quando percebe ou o ACS [...] a gente encaminha para o
médico e ele faz a solicitação do exame de escarro. Quando a gente
tem o diagnóstico, a gente começa. Aí, ele é acompanhado pelo
enfermeiro, o ACS e o médico [... ] (E4).
[...] quando chega com tosse, todos eles, eu peço a baciloscopia. Se é
paciente com tosse há mais de 15 dias, com certeza eu peço. Quando
chega? A enfermeira me avisa [...] aí eu vou peço os exames da
família, os comunicantes. [...] Depois oriento o que tem que ser feito,
a medicação e fico avaliando. É isso que a gente faz (M 2).
86
Os relatos revelam que existe certo consenso/protocolo no que diz respeito às
atividades desenvolvidas pelas ESF. No entanto, somente estas ações não correspondem
totalmente às atividades preconizadas pelo MS para o controle da TB no âmbito da APS. Não
foram mencionadas: a aplicação da vacina da BCG, a realização da prova tuberculínica,
quando necessário, a programação de ações educativas, nem o aconselhamento para o teste de
anti-HIV.
Bom, na minha unidade, pelo menos, a gente faz o seguinte: o ACS
faz a busca ativa na área [...] leva à unidade; a auxiliar de
enfermagem conversa com o paciente, passa pra enfermeira que
também já faz outra análise no paciente e encaminha imediatamente
pro médico... [...]. O diagnóstico vem em seguida do resultado do
exame que é solicitado pelo médico.[...] chega o resultado, é feito o
diagnóstico da doença, ele faz o pedido do medicamento, [...] solicita.
E a enfermeira começa o acompanhamento do tratamento junto com
os ACS e, às vezes, a auxiliar de enfermagem (AE 7).
Verifica-se que a rotina vivenciada pelas ESF caracteriza o cuidado em saúde de
forma mecanizada e fragmentada. Já está definido o que, como, quando e quem deve fazer em
relação às situações da doença. Porém, não há menção às necessidades singulares de cada
doente, suas condições sociais, seu estilo de vida, suas possibilidades econômicas, seu
contexto familiar. Fica evidente a coisificação do doente, passível da intervenção dos
profissionais e a preocupação com a sintomatologia biológica da TB. Em nenhum momento,
foi manifestada a preocupação com o aspecto psicológico do doente e as implicações da
doença na vida do indivíduo e de sua família. Parece não ser importante a escuta das
necessidades da pessoa com TB. O trabalho com estas características fragiliza, até certo
ponto, o processo de construção de vínculos entre o doente e a ESF, conforme a concepção do
autor abaixo citado:
Assim o processo de objetivação do usuário que o trabalho em saúde produz, ao
reduzí-lo a um corpo, individual ou coletivo, que porta problemas identificáveis
exclusivamente pelos saberes estruturados que presidem a relação, também é um
processo de objetivação do trabalhador de saúde, que se torna o mero depositário
do saber que o comanda (CECÍLIO, 1995 p. 119).
O autor em destaque afirma que o modelo liberal-privatista, ao permitir a coisificação
da relação trabalhador/usuário, reduz o universo das necessidades e dos saberes – a ele
referentes – a um processo sempre previsível e estruturado, tratando os agentes desse processo
como não sujeitos e sim como meros cumpridores de rituais. Existe a expectativa de que a
estratégia SF, com seus fundamentos ideológicos e suas diretrizes operacionais, possibilite a
87
transformação da prática dos profissionais de saúde, no sentido de aproximá-la aos princípios
do SUS. No entanto, esse processo é lento e contínuo, e sua construção depende da ação de
todos os sujeitos envolvidos com o cuidado aos usuários, quer sejam representantes da
sociedade civil, quer sejam trabalhadores de saúde e usuários. Assim, é necessária uma
organização da sociedade em prol de suas necessidades para que sejam propostas alternativas
que viabilizem a realização da política por meio do trabalho em saúde com qualidade,
eficiência e eficácia.
Na prática, verifica-se que os depoimentos dos profissionais apresentam fortes
características do discurso neoliberal que valoriza a exclusão, a produção em escala, a
fragmentação do indivíduo e a desqualificação humana. As pessoas estão sendo submetidas às
intervenções técnicas das ESF, as quais, na maioria das vezes, não consideram a
autonomização e a co-gestão do usuário como sujeito do seu processo saúde/doença, como
mostram os seguintes relatos:
Aí ele toma a medicação e vai pra casa. Quando cumprir os seis
meses, antes de dar uma alta, devia examinar o paciente para saber
realmente se ele fazia tudo pra aquela alta, só que não. Pega, libera,
dá aquela alta, pronto (ACS 1).
Na minha unidade, a médica, ela atende em um segundo e joga para
[a enfermeira]. [A enfermeira] passa mais de meia hora com o
paciente. Mas, a médica: ‘tá tossindo’? [pergunta] Aí bota [prescreve]
baciloscopia, [e diz:] ‘vá falar com L’ (TE 6).
Nesse enfoque, reconhecemos a necessidade da preocupação das autoridades e
profissionais em quebrar o ciclo de transmissão da doença, garantindo que o doente seja
identificado e o tratamento seja monitorado até a cura. É responsabilidade da ESF, em
primeiro lugar, que as metas sejam alcançadas, a doença seja controlada e os gastos sejam
diminuídos, ficando o governo com a responsabilidade de assegurar os meios para que as ESF
trabalhem para alcançar metas e garantir pactuações. Assim, a integralidade da atenção, no
espaço singular de cada serviço de saúde, poderia ser definida como o esforço da equipe de
saúde de traduzir, atender, da melhor forma possível, as necessidades dos usuários, sempre
complexas, mas tendo que ser captadas em sua expressão individual. Essa característica
“focalizada” de atenção está bem presente nas ações de controle da TB que, segundo Cecílio
(2007), resulta de um esforço individual de cada trabalhador em alcançar a maior
integralidade possível em um contexto de trabalho adverso.
88
Com relação à operacionalização do DOTS, verificamos que o envolvimento dos
profissionais com as atividades de busca ativa, TS e busca de faltosos não ocorre na mesma
intensidade. Em Bayeux, constatamos que os ACS juntamente com as enfermeiras apresentam
maior participação nas ações de controle da TB. Estudos revelam que o ACS é o profissional
que ocupa a posição mais próxima das recomendações das políticas de saúde e das diretrizes
do PCT. Assim, pode-se considerar o ACS o profissional de saúde com maior potencial de
produção de vínculo com o doente de TB, já que eles compartilham uma realidade social
semelhante e se encontram com maior freqüência em contato com o doente, realidade
demonstrada nos seguintes relatos: “O ACS, ele tem muito acesso assim, à família. Ele já se
sente em casa. Aí ele já consegue. [...] o agente é que vai lá de manhã, de tarde, de noite, até
encontrar” (E 10); “Tem uma ACS que eu acho que é mais preocupada do que todo mundo,
porque ela é bem atente aquele paciente que tem na área dela, Eu acho que ele é ainda mais
que a enfermeira. Ela mora pertinho lá também, então ela sempre traz informações pra gente”
(TE 1).
Interessante observar a posição do ACS nesse processo “Tem que fazer com que ele [o
doente] se sinta como amigo seu, um membro da família [...] [ele] conversa os problemas da
casa dele, coisas que acontecem com ele no dia-a-dia também” (ACS 1).
De acordo com Campinas e Almeida (2004), o vínculo formado entre ACS e o doente
parece favorecer a comunicação e a compreensão do processo saúde/doença, fortalecendo os
doentes mais fragilizados, pelo fato de o ACS estar mais envolvido nas atividades essenciais
para o controle da doença na comunidade de sua responsabilidade, ou seja, a busca ativa, o TS
e a busca de faltosos.
A minha foi eu, foi eu e foi eu, porque até agora (risos)...Entrou uma
nova enfermeira, entendeu, aí a bichinha, eu acho, ainda tá se
habituando, entendeu? A outra enfermeira passou dois ou três anos e
nunca foi saber quantas pessoas [doentes] tinham lá”. (ACS 4)
Eu sou sincera a dizer. Na minha equipe quem faz a busca ativa sou
eu. A gente é que leva pra eles. Quando acontece do paciente faltar
um dia sem tomar a medicação, eles já chegam pra mim, na unidade
mesmo e dizem: “Vá na casa de fulano perguntar o porquê que ele
não veio hoje” (ACS 1).
Carvalho (2002) evidenciou que o ACS vem ocupar uma lacuna existente nas práticas
de saúde, configurando-se em um elo vivo entre a unidade e a comunidade. Salienta, ainda,
89
que este profissional tem assumido alguns papéis, em um processo contínuo de construção,
conformando uma prática peculiar, complexa, não vista até então em outro profissional de
saúde.
O ACS se coloca na postura de quem está ao lado do doente, para ouvi-lo e
compartilhar com ele todas as suas dificuldades, mesmo sabendo que ele pouco pode fazer em
relação às questões mais complexas do tratamento (CAMPINAS; ALMEIDA, 2004). Esta
postura pode ser explicada pela identificação dos sujeitos envolvidos, que compartilham as
dificuldades dos pertencentes às classes sociais desfavorecidas, como revelou um ACS: “A
gente vê o sofrimento lá, porque quem vai na casa é a gente, entendeu”? (ACS 4)
Apesar de a maioria dos profissionais das ESF elucidarem a aproximação, o interesse
e o envolvimento dos ACS com o doente de TB, ocorreram alguns relatos que contradizem
esta perspectiva do perfil do ACS, entre eles: “A agente de saúde que não tem aquela, eles não
sabem o que fazer, as obrigações dela” (M 2); “Você marca uma reunião com a comunidade e
o ACS chega no final. Daí você tira o restante, né?” (M 3); “Tem uma agente lá que inventa a
produção”! (M4). Foi dito também que muitos ACS não têm conhecimento sobre a
tuberculose e sobre os modos de como lidar com a doença, conforme os relatos abaixo:
Tem uns que não tem aquele grau de perceber não. Tive um ACS
que, por falta de maturidade, divulgou na microárea que essa paciente
estava com TB, achando até que estava [...] (E 11)
[...], tem agente de saúde [ACS] que tem [casos] TB [na microárea] e
não se interessa de saber, de conhecer. Só se interessa de levar
remédio. Então, ele levando o remédio tá bom demais, entendeu? E
esquece que é um paciente que é incomum. (ACS 6).
Esta situação remete-nos à reflexão sobre o modo como esses profissionais têm sido
selecionados e capacitados para atuar na identificação de problemas e necessidades de saúde
da comunidade sob sua responsabilidade (grifos da autora). Os relatos denunciam posturas
contraditórias com as diretrizes da estratégia SF e até mesmo do PACS, cujo objetivo
fundamental é aproximar, por meio da construção de laços de vínculo, os usuários dos
serviços de saúde. Além disso, os depoimentos evidenciam a medicalização no processo do
cuidado, articulado à falta de interesse e de compromisso ético com a categoria profissional,
com a política de saúde e com sua comunidade, fragilizando a produção de vínculos e
ameaçando o direito à saúde na perspectiva da integralidade.
90
Muitas vezes, o perfil exigido para o ACS confunde alguns profissionais que não
consideram a diferença entre responsabilidade e atribuição. Este fato diminui o envolvimento
de alguns profissionais na produção do cuidado, centrado no vínculo, ocasionando uma
situação de acomodação nas USF à espera de informações e/ou situações que exijam a
intervenção da equipe, reforçando a hegemonia do modelo assistencialista. Isto foi
identificado, claramente, nos depoimentos seguintes: “Porque eles (os ACS) que busca tudo
que tá lá. A gente fica dentro de nosso posto e eles vão buscar certo? E tudo, tudo são eles, e
eles quando descobrem aí levam diretamente pra unidade” (TE 8); “Então a gente só tem mais
as informações que a agente traz? (M 1).
O princípio da integralidade preconizado pelo SUS prioriza a produção de vínculos
entre profissionais e usuários à medida que sugere a ampliação e o desenvolvimento do cuidar
na produção da saúde, a fim de formar profissionais mais responsáveis pelos resultados das
práticas de atenção, mais capazes de acolhimento, de vínculo com os usuários das ações e
serviços de saúde (grifos da autora).
No entanto, uma das características identificadas nos depoimentos sobre o cuidado à
pessoa com TB foi a impessoalidade de alguns profissionais, atitude que contradiz as
recomendações da APS, com relação à necessidade de promoção à saúde e às diretrizes da
estratégia SF no tocante à necessidade de aproximação com o usuário e seu contexto de vida
visando à construção de laços interpessoais de vínculo. Na prática prevalece a concepção do
agir em saúde a partir da intervenção sobre a doença, conforme os protocolos e normas
institucionalizadas pelas políticas públicas de saúde.
Além disso, consideramos que o fato da TB se constituir como um mal social, repleto
de estigmas e mitos, a doença faz com que muitos profissionais de saúde não se interessem ou
pouco se envolvam com o cuidado das pessoas acometidas por essa doença. Campinas e
Almeida (2004) enfatizam que a doença carrega uma forte carga de tabus e preconceitos e que
tanto o doente como os profissionais estão investidos de uma cultura estigmatizante que
atrapalha o bom andamento dos programas de controle. Nesse enfoque, pode-se dizer que, em
muitas situações, torna-se, de algum modo, cômodo que os ACS, moradores da mesma
comunidade do doente de TB, assumam uma responsabilidade que é de toda a equipe, ainda
que cada categoria tenha suas especificidades.
91
Reconhecendo que a estratégia SF é orientada pelos princípios do SUS, e
operacionalizada por uma equipe interdisciplinar e que, por estar doente de TB, o usuário não
se resume a um pulmão (ou órgão afetado pelo bacilo de Koch), mas continua com todas as
dimensões inerentes à essência humana, questiona-se por que a política de controle da doença
não inclui/responsabiliza o odontólogo e o Auxiliar de Cirurgião Dentista pelo cuidado desse
doente. Sabemos que ele vai apresentar outras tantas necessidades de saúde não diretamente
relacionadas à TB e que os profissionais de saúde devem estar capacitados e mostrar
receptividade para atender a essas demandas. No entanto, apenas uma enfermeira identificou e
evidenciou essa necessidade do doente.
Ela ficou desesperada quando soube que ele era [doente de TB].
Então, fui explicar tudo a ela. Expliquei para ela que não tinha
nenhum problema ela atender se caso ele precisasse. Eu até informei
a ele a questão dos atendimentos odontológicos, então, ele disse que
estava precisando. Ela atendeu sem problema nenhum, mas primeiro,
eu conversei com ela para explicar quem era o paciente para explicar
a questão dos riscos (E 3).
Com relação ao envolvimento das técnicas de enfermagem, observou-se que esses
profissionais pouco se envolvem com as ações de controle da TB; o que se constatou foi que
as enfermeiras têm assumido – segundo as técnicas e auxiliares de enfermagem (TE) – uma
postura centralizadora. Ou seja, as enfermeiras praticamente desempenham todas as
atividades inerentes ao PCT, enquanto que as técnicas de enfermagem mal conhecem as suas
atribuições e até mesmo os próprios doentes de sua comunidade. Reconhecem alguns
profissionais: “Porque na verdade, quem faz o acompanhamento é a enfermeira. Quem tem
prontuário de tuberculoso é a enfermeira. Ela tem mais experiência de PSF do que eu e ela diz
o que é” (M 4); “Quando chega um paciente [de TB] elas dizem: ‘procura a enfermeira ali’.
Só com ela. Tudo procura logo a enfermeira”(E12; 6); “Não há tanto envolvimento como a
gente. É mais o ACS e a enfermeira” (E 9); Tal parece ser a pouca participação das técnicas e
auxiliares de enfermagem (TE) que afirmam: “Na minha área quem vai é a médica, o agente
de saúde ou a enfermeira. Eu nunca fui [fazer visita]” (TE5).
Machado et al. (2007) ponderam que para a realização de uma prática que atenda ao
princípio da integralidade é necessário o exercício efetivo do trabalho em equipe, desde o
processo de formação do profissional de saúde até o estabelecimento de estratégias de
aprendizagem que favoreçam o diálogo, a troca, a transdisciplinaridade entre os distintos
saberes. Com relação às técnicas de enfermagem, muitas expressaram descontentamento com
92
o modo excludente ou limitado de como participavam das atividades da equipe no controle da
TB. Foi revelado por algumas delas que o envolvimento delas no cuidado ao doente de TB só
ocorria, quando na ausência ou na impossibilidade da enfermeira, e ainda, assim, preferiam
deixar a cargo do médico ou do ACS a supervisão do tratamento e a orientação ao doente e
seus familiares, como mostram os depoimentos:
[...] princípio, quando chega um paciente quem faz tudo é o
enfermeiro, depois marca um horário para o médico conhecer seu
paciente e também fazer o acompanhamento (E 4).
Porque às vezes [a enfermeira], tá de férias, às vezes, tá de folga, aí
chega o paciente a gente tem que fazer. E quando a médica solicita a
baciloscopia que L não tá no posto, eu quem faço a notificação, aí
entrego o potinho, oriento como é que ele vai que é de manhã em
jejum e notifico no livro [...] (T E 5).
Eu conheço [o doente e a ficha de controle] porque, às vezes, ela [a
enfermeira] tá ocupada aí eu entrego a medicação (TE 13).
Entre as possíveis explicações para esta realidade pode ser considerado o fato das
enfermeiras estarem responsáveis pela provisão de medicamentos e materiais (potinhos,
impressos), pela notificação dos casos e pela supervisão (direta ou indireta) do TS e pela
alimentação dos sistemas de informação, ou seja, registros no Livro preto, no livro verde, no
Sistema de Notificação e Agravos Notificáveis (SINAN) e no Sistema de Informação da
Atenção Básica (SIAB).
Outras justificativas reveladas para o pouco envolvimento das técnicas de
enfermagem no cuidado ao doente de TB é que elas se consideram excluídas da participação
em capacitações e eventos relacionados à temática da TB, além de assoberbadas pelo acúmulo
de atividades técnicas (vacinas, nebulização, curativos, triagem e visitas domiciliares) e pela
alta demanda populacional, conforme relatos abaixo:
Que ela [a enfermeira] chegou recente e não dá pra gente se entrosar
muito... Mas, eu vou até olhar se Drª [a enfermeira] tem. Porque olha
A, a gente trabalha tanto, tem dia que eu não olho nem pra cara de
Drª. Só quando chega, porque a demanda lá é grande demais de tanto
trabalho (TE 8).
[...] a minha auxiliar, ela nunca teve capacitação, são muito afastados.
Só o agente de saúde, médico e enfermeiro (E 1).
93
Hoje em dia, nós, o técnico de enfermagem, ele é desprezado. Eu até
estranhei de ter chamado a gente aqui hoje. Hoje nós somos ausentes
em todos os sentidos, dos cursos, de se profissionalizar. A gente é
desprezada, por isso, que a gente fica meio assim para responder,
porque a gente [...] (TE 5).
Há que se considerar também a atuação histórica das enfermeiras nas ações de
controle da TB no Brasil. De acordo com Nunes (2005), na década de 1920 havia a
necessidade de um vínculo entre dispensário e famílias; e os médicos sanitaristas da época
julgaram que as enfermeiras fariam este elo. Segundo a autora,
A responsabilidade da enfermeira com relação à luta contra a tuberculose era tanto
que mesmo aquelas que não fossem diretamente envolvidas com os serviços de
tuberculose teriam no trabalho cotidiano a oportunidade de descobrir casos novos e
fazer educação sanitária (NUNES, 2005, p. 29).
Percebe-se que a preocupação com a construção de vínculos entre profissionais de
saúde e doentes de TB não é tão recente, pois desde o século passado foi evidenciada a
importância do fortalecimento dessas relações para o combate à doença. Este pode ser um dos
principais fatores que contribuem para a forte responsabilização e para o envolvimento das
enfermeiras com as ações do PCT, sejam elas técnicas ou gerenciais.
Na realidade, as justificativas apresentadas pelas técnicas de enfermagem podem ser
questionadas, já que as enfermeiras também são “reféns” do acúmulo de funções: supervisão
direta dos ACS e da equipe da enfermagem, coordenação e gerenciamento da unidade de
saúde, atividades assistenciais e consolidação dos dados estatísticos. Além disso, segundo as
próprias TE, existe na unidade de saúde o manual técnico de controle da TB para consulta de
toda a equipe, o que demonstra certo desinteresse dessas profissionais em buscar informações
que favoreçam a sua prática. Segundo elas, a responsabilidade pela qualificação da equipe na
temática da TB é da coordenação do PCT local, que prioriza a participação dos profissionais
de nível superior e as distancia ainda mais das ações.
A situação é preocupante, à medida que refuta o caráter de equipe estabelecido pela
Estratégia SF e reforça mais uma vez a fragmentação do cuidado à saúde que se constitui um
dos principais embates entre o modelo de atenção vigente e o centrado na vigilância à saúde.
Até porque, antes da criação das ESF, a enfermagem já se constituía como equipe. Sendo
assim, vale a reflexão sobre como desenvolver um trabalho em equipe, quando apenas alguns
profissionais são capacitados, como confirma uma técnica de enfermagem: “Pra gente não
94
passa não [as informações obtidas nas capacitações]. Pra mim mesmo não. Eu não vou dizer
que passou. Eu não tenho muito acesso não” (TE 9).
Vale ressaltar que as atribuições conferidas à enfermeira pela Estratégia SF
representam grandes conquistas para esta categoria, no que diz respeito a sua autonomia
perante a equipe de saúde. Entretanto, o perfil solicitado não pode impedir nem coibir a
atuação dos demais profissionais, mesmo que estejam diretamente subordinados a ela como é
o caso das TE e dos ACS. O próprio manual técnico para o controle da TB elaborado pelo MS
(2002) é claro ao estabelecer atribuições para todos os membros responsáveis pelo PCT no
âmbito da APS, e embora as questões gerenciais estejam a cargo da enfermeira, não implica
que ela abarque (conscientemente ou não) todas as ações do programa. Faz-se necessária, em
relação ao controle da TB, a co-responsabilização pelo doente e a co-gestão do cuidado.
Na prática, verificamos que para a operacionalização do DOTS, a parceria da
enfermeira se efetiva em maior grau com os ACS em detrimento com as auxiliares e as
técnicas de enfermagem, como mostra os seguintes relatos: “Porque lá fica [o cuidado do
doente de TB] entre eu, a médica e a enfermeira” (ACS 01); E pedir ao enfermeiro que passe
[informações] pra gente, pra gente passar pra comunidade. Porque nesses dias não vai saber
nem dar uma orientação (TE9). A respeito do envolvimento das TE, disse uma enfermeira:
Ele se envolve, mas não se envolve de tal maneira como a gente não.
Mas os agentes ajudam demais. O agente é o nosso braço direito. Eu
digo a verdade, que sem os agentes, a gente não faz nada. Eu digo
que necessário é a mesmo a enfermeira e o agente pra botar o serviço
pra andar (E10).
Verifica-se a partir desses relatos que existem fragilidades nas relações interpessoais
entre os profissionais das ESF participantes desse estudo, dentre elas: a precariedade da
comunicação e a falta de descentralização das ações em uma perspectiva de coresponsabilidade pelo cuidado ao doente de TB. Não há socialização de saberes e nem a
integração entre os membros da equipe. De acordo com os relatos dos profissionais, o modo
como são desenvolvidas as atividades de controle da TB, em suas equipes, caracteriza o
modelo de equipe em agrupamento que, segundo Peduzzi (1998), ocorre quando não existe
complementaridade objetiva, e sim quando há autonomia e independência da perspectiva do
projeto assistencial, portanto, autonomia técnica plena dos agentes. Isto significa que cada
profissional desenvolve atividades isoladas, de acordo com seu conhecimento técnico
específico (campos/núcleos de saberes) não havendo um projeto terapêutico coletivo.
95
Algumas categorias profissionais executam o seu trabalho aplicando características
da divisão parcelar do trabalho, como, por exemplo, a enfermagem[...], nas quais se
encontra a fragmentação de tarefas sob o controle gerencial dos profissionais de
nível superior (RIBEIRO, 2005, p. 95).
Ressaltamos que a ação integral em saúde pressupõe mudanças, sobretudo nas
relações de poder entre os profissionais de saúde e entre o profissional de saúde e o usuário.
Caso contrário, como construir relações de vínculo com a comunidade diante da dificuldade
nas relações interpessoais da própria equipe? Ou ainda, até que ponto a hierarquia em uma
equipe de saúde pode influenciar as relações entre os profissionais, cujo compromisso se
constitui no cuidado integral da população sob sua responsabilidade?
Existem propostas alternativas que favorecem a integração da equipe de saúde e
permitem uma nova organização do trabalho nessa área. Estas propostas apontam para a
necessidade de um agir comunicativo que viabilize a interação entre os profissionais a partir
das boas relações pessoais, independentemente da reiteração das relações hierárquicas, a qual
possibilita a construção de um projeto assistencial comum. Peduzzi (1998) recomenda que os
agentes busquem a articulação das ações, a coordenação dos saberes técnicos e a cooperação,
como também a interação, no sentido do reconhecimento e entendimento mútuo.
Apesar desta situação, ocorrem casos em que a enfermeira desenvolve uma parceria
com as técnicas de enfermagem, delegando algumas atividades como notificação, supervisão
do tratamento, orientações e visitas domiciliares. Entretanto, em uma minoria dos casos, o que
se configura é um processo ainda incipiente para a transformação no processo de trabalho em
saúde na APS, como mostram os relatos a seguir: “Gosto de informar a minha auxiliar,
porque se eu estou no atendimento e ele chega, aí ela já vai vendo o que ele necessita” (E 3);
“Se reuniu com a gente e já passou... ela sempre passa (informações) pra gente o que, não é
necessário, porque nem tudo pode também falar, mas o que é necessário, ela passa” (TE 10).
96
4.1.2 Saberes, relações de poder e resistências das ESF no controle da TB
Com relação à integralidade das ações nas ESF, foi elucidada por todas as categorias
profissionais participantes desse estudo a questão da delimitação, no âmbito da saúde pública,
da atuação de médicos e enfermeiros, o que deixou evidente que ocorre ainda uma disputa de
saberes e poderes na equipe, revelada nos depoimentos a seguir: “Às vezes, o que acontece
em determinadas equipes, na minha não, graças a Deus - eu tenho uma enfermeira muito boa
– é que querem mostrar quem é quem, no sentido de quem pode mais e quem pode menos. E
aí está completamente [...] é difícil, é uma equipe!” (M 3); “Eu concordo 100%. Eu sou
extremamente rigorosa com isso: médico é médico; enfermeiro é enfermeiro. Cada um nas
suas funções” (M 1).
Os últimos depoimentos se referem ao “Ato Médico”, uma ação política de
repercussão nacional promovida pela medicina no sentido de limitar as ações dos
profissionais envolvidos com a assistência à saúde como medida de repressão às conquistas
das demais categorias profissionais, a exemplo da enfermagem, considerada uma ameaça à
hegemonia do saber e poder médicos. Em Bayeux, as repercussões já são evidentes para as
ações de controle da TB e foram reconhecidas pelas ESF: “Uma coisa que eu notei, depois
que nós, que a gente não pode pedir mais exames, aí ficou meio disperso o paciente de TB”
(E9); “Antes a enfermeira solicitava [baciloscopia], mas depois ela pode mais fazer nada”
(ACS 1); “A enfermeira antigamente estava [...] Mas agora não tá mais solicitando. O que
dificulta, viu? E pro paciente ter acesso ao médico?” (TE10).
Embora se desenvolva uma luta da enfermagem por um espaço de autonomia no
âmbito da clínica, persiste um discurso que conserva a submissão da categoria ao saber
médico, como se o objetivo da enfermagem fosse auxiliar e diminuir a carga de trabalho desse
profissional. É um discurso que se contrapõe à proposta da interdisciplinaridade, ou seja, “a
troca entre disciplinas com interação de instrumentos, métodos e esquemas conceituais”
(ARAÚJO; ROCHA, 2007, p. 461), como revela o depoimento de uma enfermeira:
Agora com isso ficou um pouquinho mais difícil, porque lá na nossa
unidade é muito séria a questão curativa, tratamento curativo! É tanto
que a médica é sobrecarregada de atendimento todos os dias. Então já
diminui, ou seja, a gente com suspeita já ficava mais fácil. A
enfermeira mesmo solicitava e quando tivesse um caso positivo, aí eu
já encaminhava para a médica. Só que agora não, agora a gente está
com uma dificuldade nesse sentido. Eu acho que o tratamento, assim,
97
a questão do diagnóstico precoce está prejudicado, por isso, aqui no
município (E 4).
Esses relatos demonstram que o maior prejudicado com esse movimento é o doente
de TB que, além de todo o estigma que envolve sua doença, ainda é vítima de um “jogo
político” que retarda o diagnóstico e o tratamento da doença. Nota-se que esse processo é
extremamente contraditório em relação à política de saúde no Brasil – a qual prima pela
abordagem inter e multidisciplinar do indivíduo e de sua família – aos princípios do SUS e às
diretrizes do PCT, as quais determinam que a solicitação de baciloscopias seja realizada por
médicos e enfermeiros. Outrossim, deve-se à dificuldade de acesso ao serviço de saúde, já que
atribui ao profissional médico o domínio do processo de trabalho neste setor. De acordo com
Pires (2000, p.42), “os médicos, no âmbito do trabalho coletivo institucional, ao mesmo
tempo em que dominam o processo de trabalho em saúde, delegam campos de atividades a
outros profissionais de saúde”, que além de executá-las, mantêm espaço de decisão e domínio
de conhecimentos, típico do trabalho profissional, como atestado a seguir:
Mas, eu gosto muito de um ditado ‘cada macaco no seu galho’. No
sentido de que ela estudou pra enfermagem, ela tem que ser
enfermeira (M 3).
Cada um tem a sua limitação, não é? A questão da vacina, eu não sei
o tempo, eu não sei fazer vacina. Muitas coisas que elas [enfermeira]
sabem, a gente não sabe fazer. Elas tão habilitadas pra aquilo ali e a
gente tá habilitada pra isso aqui (M2).
O interessante é que, algumas vezes, na prática essas limitações tomam uma ordem
inversa em que a enfermeira domina o conhecimento pertinente à competência médica. Esta
situação enfatiza a importância da busca pela ampliação da autonomia técnica dos
profissionais, aliada à articulação das ações em saúde. Para Campos (1997), a recuperação da
prática clínica assentada no vínculo é a maneira prática de se combinar autonomia e
responsabilidade profissional. Observa-se a fala de uma enfermeira:
Ele já tem TB, eu pego ele, faço a conta da medicação, vou lá, passo
para a médica, ela prescreve e trago tudinho... A médica não sabe,
realmente. Ela foi treinada agora há pouco tempo. Ela é muito boa,
mas ela não sabia. Aí eu tenho que saber (E9).
Cecílio (1995) prenunciou a necessidade de reconstruir a idéia de autonomia do
trabalhador em saúde, para além do médico e de procurar a configuração do trabalhador
coletivo, e construir um processo que publicize os espaços institucionais com a presença do
98
conjunto de atores, realmente interessados na saúde, em particular, os usuários. Nesse
enfoque, aponta-se para a urgência de se corrigir a tendência de um agir em saúde
fragmentado e desarticulado, embasado em uma postura autoritária, verticalizada de
imposição de uma saber científico descontextualizado e inerte dos anseios e desejos da
população, no tocante à saúde e às condições de vida (MACHADO et al. , 2007). Para
Goulart (2002):
A estratégia do PSF foi um dispositivo favorável para abrir espaços para o
estabelecimento de vínculo, acolhimento e responsabilização. O grande desafio da
gerência, enquanto ferramenta para a transformação do processo de trabalho,
constitui-se em romper com a lógica da racionalidade gerencial hegemônica e em
instituir novos arranjos institucionais com distribuição de poder mais igualitário,
trabalhando-se com a noção de gestão participativa, enquanto tarefa dos dirigentes/
trabalhadores de saúde/ usuários, na perspectiva da construção de um projeto
assistencial coletivo, que atenda as necessidades da população possibilitando uma
recomposição do trabalho, voltada para a integralidade e para um agir cotidiano
como força de mudança (GOULART, 2002, p. 90)
Reconhecendo que as conquistas advindas com o SUS são inegáveis para a
enfermagem, principalmente com as políticas de saúde que orientam o PSF e que a autonomia
conquistada representa uma ampliação de espaços – antes de exclusividade da hegemonia
médica – , podemos considerar que este movimento se configura como avanço, no sentido de
uma ruptura com o modelo assistencial tradicional e aponta para uma superação
paradigmática nas práticas de saúde. No entanto, apesar da ênfase dada à necessidade de
delimitação de campos e núcleos de saber e de poder, entre os profissionais das ESF foi
evidenciado um discurso contraditório representado pelos seguintes relatos:
Ter uma equipe unida, falando a mesma língua, tanto a nível local
como lá na secretaria, todos falarem uma mesma língua, tá certo? Pra
que isso funcione. Cada um tem seu trabalho. É muito importante a
agente de saúde, a auxiliar de enfermagem, a enfermeira, o médico, a
coordenadora... É uma equipe, é um todo, é uma unidade, é todo
mundo junto dentro dessa unidade. Então o trabalho tem que ser
desenvolvido. Se não acontece, é caos (M 2).
É óbvio que na hora que eu precisar ou vice-versa, a gente tá assim, é
um toma lá dá cá, entendeu? (M 3)
Verifica-se, nesse último relato médico, que o entendimento sobre equipe e a
necessidade de uma atuação interdisciplinar varia, conforme o interesse e o contexto do
profissional médico, pois só, em suas necessidades ele considera importante a atuação dos
outros membros da equipe. Embora os médicos admitam a necessidade de uma ação em
99
equipe, negam a interdisciplinaridade entre os campos do saber em saúde, mediante uma
posição conservadora, corporativista e verticalizada, que tem respaldo na ideologia que
fortalece o “Ato Médico”. Assim, o enunciado dos médicos participantes do estudo deixa
claro que há no discurso o campo da manipulação consciente e o da determinação
inconsciente que é a determinação ideológica. Ou seja, o profissional diz o que lhe é
conveniente, porém, em seus discursos contraditórios revelam sua posição ideológica
conservadora.
A questão do “Ato Médico” se configurou como um dos pontos mais polêmicos de
discussão nos grupos das enfermeiras e dos médicos. A situação no município trouxe reflexos
para o controle da TB e causou tensão em alguns profissionais que indignados com as
proibições locais afirmaram:
Agora, assim, eu sei que não tem muito a ver, mas ao mesmo tempo
tem, mas aqui está engasgado! Posso falar? Eu estou solicitando e eu
estou prescrevendo porque chegou no município derrubando a
portaria 198 do Ministério da Saúde. Derrubou a portaria do MS, não
foi uma Lei Federal que já existia há vinte anos entendeu? (E 06)
Tudo perdido em termos de que agora a gente não pode mais solicitar
e a gente sabe que o enfermeiro tem mais uma, assim, tempo, está
mais nos corredores, está mais na vacina, a gente vai mais em um
local e dá mais em outra unidade, está mais em contato, não é aquela
consulta, como o médico é sobrecarregado, a gente sabe. Então, fica
difícil, e assim, eu vi que caiu, não houve mais solicitação de
sintomáticos respiratórios (E 03).
[...] mas parece que só em Bayeux tá fazendo [suspensão da
solicitação de BK pelas enfermeiras]. Porque em Caaporã continuam
fazendo do mesmo jeito. Mas isso é ilegal. Pode até responder
processo. Eu liguei pra uma colega minha e disse a ela que não
colocasse o carimbo dela em nada, que a coisa pega, não é? (M3)
Desde os primórdios da assistência à saúde, o saber médico tem se constituído
culturalmente como poder absoluto e incontestável. A medicina constituiu-se como saber
soberano, depois do século XVIII, permanecendo até os dias atuais, como hegemonia nas
ciências da saúde. Isto se deve às concepções tradicionais sobre saúde existentes em algumas
culturas que ainda não compreenderam/aceitaram a concepção do processo saúde/doença.
Grande parte dos profissionais médicos da atualidade não conseguiu ainda apreender a
importância e a necessidade de ações de promoção de saúde e prevenção de doença como
fatores primordiais da qualidade de vida, recorrendo e valorizando sempre as atividades
100
curativistas e especialistas, características da medicina clássica. De igual maneira, pode-se
estender esta concepção para a maioria das pessoas, pois parece existir, no imaginário
popular, o entendimento de que as ações de saúde só se efetivam no âmbito da cura e da
reabilitação, conforme depoimentos a seguir:
[...] Tá parecendo mais não uma unidade de PSF. Tá parecendo mais
um ambulatório, um hospital. A gente está atendendo mais urgências
do que os pacientes que pegam fichas. A médica, só ontem, ela
atendeu de urgência, no turno da tarde, dezesseis (E 1).
Este relato demonstra uma distorção da proposta da estratégia SF, posto que revela a
força hegemônica da assistência centrada na cura e a resistência da população do município
que não consegue se adaptar ao novo modelo de assistência proposto pelo SUS, insistindo na
oferta de ações curativistas e emergenciais, o que fragiliza e muitas vezes impede a
construção de vínculos entre usuários e ESF. Além disso, revela que a cultura dessa
população não tem favorecido uma mudança de práticas no âmbito da APS. De acordo com
Machado (2007), o PSF localiza bem o problema do atual modelo de assistência – o processo
de trabalho – mas acaba sendo “engolido” pela dinâmica do trabalho centrado na produção de
procedimentos e não na produção de cuidado. Corroborando o direcionamento do autor, uma
médica relatou:
Mas a gente não tá conseguindo fazer PSF lá, infelizmente! Porque
falta não só de estrutura como de integralidade nas ações na própria
equipe, não é? Mas infelizmente a gente não está fazendo os
programas, de conscientização da população, não está fazendo os
programas de conscientização das famílias... O SUS com a inovação
do programa médico saúde da família é excelente, não é? O programa
é maravilhoso na teoria, mas [...] (M 3).
Embora a saúde seja um direito garantido na Constituição, a práxis em sua realidade
revela uma enorme contradição entre essas conquistas sociais estabelecidas no plano legal e a
realidade da crise vivenciada pelos usuários e profissionais do setor. Apesar dos avanços, a
que a saúde brasileira, experimentou nas últimas décadas, entra-se no século XXI com
expressivos segmentos da população ainda sem dispor de acesso à atenção à saúde de alguma
natureza, estando esta situação incompatível com o direito constitucional (MACHADO et al,
2007; CAMPOS, 2003). Mesmo com a institucionalização do SUS e as tentativas políticas e
operacionais de implementação de seus princípios e diretrizes, a cultura popular brasileira
ainda resiste às mudanças. De fato, não houve uma sensibilização da população, no sentido de
negociar a implementação de um novo modelo de assistência fundamentado na vigilância em
101
saúde, apesar desse processo ser resultante das lutas sociais de representantes de vários
segmentos da sociedade.
No âmbito da APS, predominam as consultas médicas e os altos índices de doenças
totalmente passíveis de prevenção, como é o caso da tuberculose. Com relação à prevenção da
doença, são recomendadas a vacina BCG e as boas condições de alimentação e higiene. Para a
cura, são preconizados esquemas quimioterápicos de longo uso, supervisionados pela
estratégia do TS. Entretanto, não se observa nenhuma política ou diretriz efetiva para a
promoção da saúde dos acometidos pela TB. No Brasil, a situação de vulnerabilidade e
fragilidade social inerente às populações dos grandes centros urbanos, representada pela fome,
o desemprego, o baixo grau de escolaridade, a violência e a dependência química permanece
como o principal fator de predisposição à doença.
Ribeiro (2005) enfatiza que o vínculo de compromisso e co-responsabilidade foi
proposto pelo PSF, objetivando o alcance de finalidades estratégicas, a saber: auxiliar na
transformação do modelo biomédico hospitalocêntrico para o de produção social e produção
da saúde no âmbito da APS, ampliar responsabilidades dos profissionais e usuários na
condução dos serviços de saúde e humanizar práticas de atendimento neste setor.
Campos (2003) afirma que a relação humanizada da assistência, que promove a
acolhida, dá-se sob dois enfoques: o do usuário e o do trabalhador. Considera, ainda,
integralidade como eixo norteador das práticas em saúde coletiva, ou seja, um eixo
reestruturante da maneira de agir em saúde, capaz de assegurar a qualidade da assistência no
âmbito da APS. Para tanto, é necessária a ampliação da clínica e das práticas sanitárias, a
partir de uma reorganização do conhecimento; um amplo processo de capacitação para que as
equipes se apropriem de técnicas pedagógicas e estratégias para lidarem com a subjetividade
e, ainda, a reorganização do processo de trabalho das equipes, de modo a permitir a
construção de padrões razoáveis de vínculo (CAMPOS, 2003).
Arsênico (2006) afirma que o TS assume diferentes conformações em função das
singularidades dos sujeitos, entendendo-se que cada paciente é diferente do outro, cada
paciente tem uma necessidade que nem sempre corresponde à necessidade do outro. Assim, as
equipes, atuando nessa perspectiva, abarcam um leque de complexidades inerentes ao
processo de tratamento. De acordo com Campos (2003), o processo de humanização em saúde
depende da personalização do atendimento, considerando que cada caso é singular e requer
102
um projeto terapêutico também singular, verificado no depoimento de uma enfermeira:
“Acontece assim, cada caso é um caso. Depende de cada paciente [...] Cada paciente é um
paciente” (E8).
Em resumo, verificamos que a maioria das atribuições está sendo implementada pelas
enfermeiras, que juntamente com os ACS monitorizam e acompanham o tratamento e
contribuem fundamentalmente para o cumprimento das atividades preconizadas pelo PCT. Os
médicos, geralmente, estão mais envolvidos com o diagnóstico e com a prescrição do
tratamento, quando muito, realizam visitas domiciliares em casos extremos.
No tocante às técnicas de enfermagem, verificamos uma grande superficialidade e
marginalização em relação ao cuidado do doente de TB. A demanda para outros programas
absorve o tempo, a atenção e o interesse dessas profissionais pela temática tuberculose. Além
do que existe certa distância entre elas e a enfermeira ocasionada, principalmente, pela falta
de comunicação e parceria entre elas. A atuação da maioria das técnicas de enfermagem é
facultada, já que apenas na ausência ou na impossibilidade da enfermeira, elas desenvolvem
alguma atividade relacionada ao cuidado do doente de TB.
Mediante os relatos dos profissionais participantes deste estudo, pode-se explicar a
existência de um maior estabelecimento de vínculo dos doentes de TB com o ACS e com a
enfermeira, como indicam as seguintes justificativas: existe a aproximação pela posição de
classe, ou seja, pelo fato do doente e do ACS compartilharem uma realidade social comum; os
ACS estão mais envolvidos e atuantes nas atividades complexas do DOTS (busca ativa, TS e
busca de faltosos); a enfermeira assume a maioria das atividades (técnicas e gerenciais) do
PCT e está diretamente responsável pela supervisão dos ACS e técnicos de enfermagem; há
uma responsabilização histórica da enfermeira pelo combate à doença fundamentada na
produção de vínculo com doentes e familiares; a categoria tem apresentado conquistas no
âmbito da saúde pública com relação às atividades de solicitação de exames e prescrição de
medicamento; as enfermeiras acumulam grande autonomia gerencial perante as ESF.
Com relação ao distanciamento percebido entre o doente e o médico, este pode ser
justificado pela alta demanda de usuários para este profissional, falta de identificação de
classe do profissional com a pessoa com TB, falta de capacitação nas ações do PCT,
predomínio de posturas características do modelo assitencial-privatista e o não
103
reconhecimento do trabalho em equipe, como reflexo de uma formação fundamentada na
concepção flexneriana.
Contudo, o processo saúde-doença é permeado por fatores sociais, econômicos e
também é resultado do funcionamento dos próprios serviços de saúde. A organização dos
serviços de saúde e do processo de trabalho, nesse campo, exige práticas consonantes com as
políticas públicas e com as diretrizes do SUS. Os saberes técnicos dos profissionais orientam
suas práticas e, muitas vezes, determinam mudanças nas relações interpessoais da equipe de
saúde. As concepções de vínculo dos sujeitos envolvidos no cuidado ao doente de TB
influenciam o processo de trabalho das equipes e a relação destas com o doente, sua família e
a comunidade. Atualmente, existe a proposta de um novo paradigma para sustentação do
modelo de atenção que reconhece e propõe uma nova organização e articulação dos serviços
de saúde e a construção de um papel ativo dos usuários na produção da própria saúde ou
doença.
Os discursos dos profissionais das ESF reconhecem a importância da produção de
vínculos entre equipe de saúde e doente, no entanto revelam que existem fragilidades e
contradições em sua prática, dentre elas: a debilidade das relações entre os profissionais da
ESF, o distanciamento de alguns profissionais da pessoa com TB e sua família, a precarização
das condições de trabalho das ESF; a resistência das forças hegemônicas do saber médico
frente ao saber da enfermagem, representada pelas ações cristalizadas do modelo curativista,
as quais fragilizam a qualidade do desempenho das ESF no controle da TB no âmbito da APS.
104
4.2 SEGUNDA CATEGORIA EMPÍRICA: AS CONCEPÇÕES DE VÍNCULO E A
RELAÇÃO COM O CONTROLE DA TB: CONCEITOS E PRÁTICAS
Assim, a integralidade da atenção, no espaço
singular de cada serviço de saúde, poderia ser
definida como o esforço da equipe de traduzir e
atender, da melhor forma possível, tais
necessidades,
sempre
complexas,
mas,
principalmente, tendo que ser captadas em sua
expressão individual (CECÍLIO, 2006)
4.2.1 As concepções de vínculo e o envolvimento das ESF com o doente de TB e sua
família
Após a análise do material produzido pelas discussões nos grupos focais foi possível
identificar o envolvimento dos profissionais das ESF que estão imediatamente responsáveis
pela operacionalização do DOTS no município de Bayeux. O momento também permitiu que
fossem reveladas concepções sobre o vínculo, a integralidade, a responsabilização do cuidado
prestado à pessoa com TB, a estratégia SF, a operacionalização de ações de controle da TB no
âmbito da APS e sobre as relações de trabalho existentes nas ESF. Os resultados produzidos
durante a discussão serão apresentados a seguir.
Para Campos (2003), o vínculo é algo que ata ou liga pessoas, indica interdependência;
relações com linhas de duplo sentido, compromissos dos profissionais com os usuários e viceversa. Depende do modo como as equipes se responsabilizam pela saúde do conjunto de
pessoas que vivem em determinada microrregião. Na atualidade, a estratégia SF é considerada
como uma estratégia potente no âmbito da APS para promover a construção de vínculos entre
profissionais e pessoas com TB, uma vez que as USF estão responsáveis pela identificação e
tratamento desses usuários, constituindo, deste modo, o principal meio de acesso ao SUS.
Reconhece uma enfermeira: “A gente tá todo dia com aquele paciente. A gente conhece,
quando ele chega um pouquinho assim [triste, preocupado]. Aí, às vezes, conversa ele [o
paciente] se abre com a gente” (E 12).
Com relação às concepções de vínculo apresentadas pelas ESF, verificou-se a
predominância da idéia de “ligação” e de “elo” teorizada por Ribeiro (2005) como mostra o
105
seguinte depoimento: “É um elo, uma ligação, uma intimidade [...] se torna até uma relação de
amizade, assim, dos pacientes com a gente. Eles confiam muito na gente” (TE10); “Vínculo é
uma dependência, uma ligação que você pode ter com alguma coisa, um elo” (M 4). Os
profissionais também associaram o conceito de vínculo às relações que envolvem confiança,
afinidade, compromisso e responsabilidade como afirmou uma participante: “O que eu
entendo por vínculo é assim, a confiança que o paciente adquire com o profissional de saúde
assim, de expor o seu problema, de não ter vergonha de contar, não é? [...] uma relação de
confiança [...] Eles têm confiança na gente. A gente vai passar segurança pra eles, não é? Vai
orientar” (TE6).
Ainda sobre o significado de vínculo chamou a atenção o fato de alguns profissionais o
relacionarem ao conceito do cuidado, como é o caso do depoimento de um ACS que afirmou:
“Mas é um vínculo de cuidar, de pegar uma certa amizade, de saber até na ponta da língua o
que deveria dizer aquele paciente. Pra mim vínculo é isso”(ACS 4); e de um enfermeiro cuja
concepção de vínculo se aproxima do discurso sobre a integralidade - “Conhecer a história
dele, atendê-lo bem, fazê-lo se sentir em casa.. Acho que isso é um vínculo” (E12).
Pinheiro e Mattos (2006) afirmam que a integralidade sugere a ampliação e o
desenvolvimento do cuidar, a fim de formar profissionais mais responsáveis pelos
resultados das práticas de atenção, mais capazes de acolhimento, de vínculos com os
usuários das ações e serviços de saúde, e também, mais sensíveis à compreensão do processo
saúde/doença inscrito nos âmbitos da epidemiologia ou da terapêutica. Isto significa que as
equipes devem conhecer/identificar as necessidades dos usuários para assim poder entender e
apoiar as situações por eles vividas (grifos da autora). A referência à necessidade de
“conhecer a história” do outro desvela que essa “ligação” se dá a partir do conhecimento e da
identificação com algum aspecto do outro o que implica em aproximação, intimidade,
interesse pelo outro e afinidade. Considera-se que o processo pode transformar a relação
ESF/usuário em uma relação de amizade e de solidariedade fraterna e, no nível mais
profundo, um sentimento de responsabilidade e compromisso pelo bem-estar do outro.
Entendemos que as pessoas vão se envolvendo e com isso intensificando os laços de vínculo
entre si.
Lembra-se aqui o significado atribuído por Ferreira (2006, p. 817) ao termo
“VÍNCULO” como ato de envolver-se; de tomar parte; intrometer-se; comprometer; seduzir,
cativar, prender, atrair, encantar; trazer como conseqüência; originar; misturar-se, mesclar-se,
106
confundir-se. Estes significados corroboram a concepção de Arcêncio (2006, p. 61) que
afirma:
O vínculo permite uma aproximação mais efetiva entre usuário e profissional,
chegando por vezes a acontecer um processo de transferência, em que o
profissional passa a representar algo importante na vida do doente e esse por sua
vez na vida do profissional.
Starfield (apud OPAS 2006) reconhece, no vínculo, o estabelecimento de fortes laços
interpessoais que reflitam a cooperação mútua entre as pessoas da comunidade e os
profissionais de saúde através da produção de relações de escuta, de diálogo, de respeito, no
qual o doente passa a entender a significância do cuidado a ele prestado e sua coresponsabilidade nesse processo. Desse modo, o vínculo permite que os profissionais de saúde
supram necessidades, intervenham, aconselhem, partilhem opiniões, promovam suporte
psicológico, ou seja, impulsiona o desenvolvimento de ações voltadas para o alívio das
ansiedades, necessidades e dores do doente.
Vale destacar que o caráter estigmatizante da doença e as condições sociais
desfavoráveis da maioria dos doentes exigem envolvimento e compromisso das ESF com
estes usuários durante o tratamento, pois o impacto causado pela TB, na vida das pessoas,
ainda é muito forte e pode interferir em várias dimensões do ser humano: física, social,
psicológica, econômica e espiritual. A esse respeito, falou uma enfermeira: “Ele se abate, ele
se deprime, ele se isola da sociedade, ele fica agressivo, ele sofre lá uma série de mudanças no
comportamento dele” (E 10).
Na perspectiva do cuidado integral ao indivíduo é indispensável que o profissional de
saúde tenha mais sensibilidade, escute o outro, saiba o que ele pensa, por meio de atitudes que
não sejam distantes e impessoais (Campos, 2003). O conhecimento da realidade e do contexto
de vida do usuário é fundamental, considerando que o conceito de saúde envolve qualidade de
vida – esta determinada, entre outros fatores, pelo bem-estar biológico, psicológico e social. A
concepção sobre “Saúde Paidéia” considera o fortalecimento de vínculos entre usuários,
família e comunidade com a equipe, como um recurso terapêutico e como um dos meios mais
adequados para a prática de uma clínica com qualidade (CAMPOS, 2003). O autor estabelece,
como condição básica para a construção de vínculo, a capacidade da equipe em se
responsabilizar pela atenção integral à saúde daqueles que vivem em um dado território.
107
A possibilidade de identificar as necessidades demandadas pelos usuários permite o
estabelecimento de uma relação de confiança e responsabilidade com a equipe, o que, no caso
da pessoa com TB, se torna fundamental para a produção de vínculo e, consequentemente,
para o êxito do tratamento. Esta realidade pode ser evidenciada pelo seguinte relato: “Então
quando a gente adquire esse vínculo, a gente tem facilidade de percorrer todo o tratamento
[...], acho importantíssimo esse momento quando a gente adquire essa confiança, a gente faz
logo o tratamento” (E8).
Percebemos que a postura dos profissionais das ESF influencia no modo como o doente
vai compreender a doença, aceitar ou não aceitar o tratamento e conduzir a sua própria vida a
partir de então. Diante desta premissa, é importante que as equipes estejam preparadas
tecnicamente para apoiar e favorecer este processo colocando-se sempre à disposição em
meio a tantas necessidades surgidas, pois o conhecimento e os significados construídos e
introjetados pelos diferentes sujeitos, ao longo de suas experiências de vida, exercem
influência sobre suas ações. Desse modo, os relatos sobre a prática vivenciada nas
comunidades revelam que as concepções dos profissionais corroboram com as diversas
perspectivas para o conceito de vínculo: como a de humanização, acolhimento,
responsabilização, integralidade e co-gestão em saúde.
A respeito do envolvimento com as ações de controle da doença, os profissionais das
ESF afirmaram que os profissionais da enfermagem se destacam principalmente nas
atividades de supervisão do TS e busca de faltosos: “[...] os pacientes, eles têm uma confiança
muito grande no profissional, principalmente, na enfermeira e na auxiliar que tá muito
próxima dele” (TE 6). Justifica uma enfermeira “Quando chega um paciente [de TB] elas
dizem: procura a enfermeira ali. Só com ela, tudo procura logo a enfermeira” (E12; 6).
Essas atividades são consideradas de grande importância para o controle da TB, à
medida que favorecem a identificação do usuário contaminado e a conclusão do tratamento da
doença e exigem o estabelecimento de um bom padrão de confiança e intimidade entre
doentes e profissionais de saúde, o que corresponde à produção de relações de vínculo.
A partir das considerações dos profissionais verifica-se que o envolvimento com a
operacionalização do DOTS, principalmente do TS, tem favorecido a construção de vínculos
entre a ESF e o doente, visto que a responsabilidade e o compromisso exigidos dos
profissionais os aproximam do contexto de vida do doente. Algumas vezes, é tão intenso o
108
apoio recebido pelo doente na relação de cuidado, que o sentimento de confiança evolui para
um sentimento maior, de paixão, de amor, conforme se pode observar no relato a seguir: “Ele
[o doente] chega a se apaixonar. Porque eu tive um paciente que ele se apaixonou por mim. Aí
ele falou: ‘ Eu estou amando você’.” (E13). E justifica: “É aquele vínculo que você criou,
tratou bem e ele se apega demais, não é”? (E 13).
Para atestar a confiança do usuário com TB, nas ESF, foram selecionados os seguintes
relatos: “Na minha [equipe], o relacionamento foi ótimo, porque esse paciente, assim, ele
criou uma confiança tão grande em mim que a mulher dele, os filhos, quando chegam na
unidade já é me procurando”(E 3); “ [...] na minha comunidade eles (os pacientes) me
escutam. Assim, como eu tô lá há muito tempo, eles têm muito respeito por aquilo que eu
falo, têm muita consideração]” (M 2). Os relatos a seguir mostram como outros fatores, tais
como o tempo de atuação do profissional na comunidade; a realização de consultas e visitas
domiciliares, a relação de confiança estabelecida entre doente e equipe e o contato entre eles
potencializam a construção do vínculo: “[...] Criei um vínculo. São seis anos de trabalho” (M
2); “Aí quando ela [a doente] percebeu que eu estava preocupada com o caso dela, ela passou
a ser diferente comigo. Ela chega na unidade sorrindo, fala direito comigo... essa
interatividade paciente/profissional” (E 11)
Os depoimentos revelam que concepções das ESF sobre o vínculo corroboram as
existentes no plano teórico, haja vista que a operacionalização do DOTS pelas equipes, em
particular, pelos profissionais de enfermagem tem favorecido o estabelecimento de relações
de vínculo com os doentes de TB, e contribuído, significativamente, para a conclusão do
tratamento da doença.
4.2.2 Fatores que fragilizam o vínculo entre a ESF e o doente de TB
Apesar doas ESF defenderem uma prática fundamentada na aproximação com o doente
de TB e sua família e na participação efetiva durante o tratamento, foram identificadas
situações contraditórias que fragilizam as relações entre estes usuários e a ESF e
comprometem a construção de vínculos entre eles. Existem situações, embora raras, em que
profissionais nem chegam a conhecer o doente, acreditando que esse fato não interfere no
cuidado prestado pela equipe: “Eu porque nunca tive assim contato nenhum com ele. Possa
ser que eu não saiba né, que eu não conheço. Pra mim tá tudo em ordem. Até hoje eu não sei”.
(TE 8); “Eu mesma tô com um paciente que a médica que tá lá, tá com quatro meses e ela
109
ainda nem conhece esse paciente”; (ACS 1); “As auxiliares pelo nome, acho que não. Não há
tanto envolvimento. Mas elas fazem a visita, entendeu? Quem tá mais ligada somos nós, mas
eles têm conhecimento. Não há tanto envolvimento com a gente. É mais o ACS, a
enfermeira”(E12).
Ressalta-se também, que outros fatores, como o apoio da família e a questão social,
representada pela dependência química e pelas situações de vulnerabilidade, têm contribuído
para a fragilização da relação usuário/ESF. Esses fatores são ainda mais significativos,
quando ocorre o abandono do tratamento, pois a precariedade do vínculo dificulta a conquista
do usuário e o seu retorno ao tratamento, conforme os depoimentos a seguir: “Ontem mesmo
fui atrás dele para conversar, ele não quer de jeito nenhum e não pode parar de beber! Porque
se ele parar, ele fica tendo crise convulsiva uma atrás da outra” (E 5); Outra enfermeira
ressalta a fragilidade da interação entre família, doente e a ESF:
Na minha [ESF] é super complicado, a relação da nossa equipe com a
família desse paciente. Porque é uma família que abandonou o
paciente [...] a gente pede para a família ir na unidade e não vai. Eles
não vão! Nem, mãe, nem irmão. A gente vai pela insistência e a
perseverança. O ACS fica na porta porque eles não deixam entrar (E
6).
Outro aspecto a considerar é que o profissional médico demonstrou ser o membro da
ESF menos envolvido com o doente de TB, como se estivesse na retaguarda das ações. Por
vários momentos durante as discussões em grupo, foi dada ênfase ao distanciamento entre
médico e doente, já que a atuação desses profissionais está particularmente relacionada às
situações biológicas e críticas da doença ou do tratamento, como as intercorrências clínicas e
as reações medicamentosas. Desse modo, apesar de alguns médicos reconhecerem a
precariedade de sua relação com o doente de TB, nada foi proposto para a inversão desta
situação, e sim, reforçado mais uma vez o aspecto de “coisificação” do doente – “o bichinho”
– como se a única alternativa que lhe restasse fosse a conformação: “O meu tá péssimo!
(risos). Eu vou logo direto. É, porque eu vi o paciente uma vez, o bichinho”(M 3).
Destacamos, ainda, situações de vulnerabilidade das ESF, quando expostos aos mais
diversos comportamentos dos usuários, muitas vezes violentos e sem respeito algum àqueles
que estão responsabilizados pela sua saúde e da comunidade. Como situação extrema da
fragilidade do vínculo com o doente de TB, foi relatado:
110
Escapei de levar uma mãozada dele várias vezes. Quinze dias atrás,
eu acho, ele chegou lá.. Minha Nossa Senhora! Começou a
esculhambar com todo mundo. Então, eu saí de perto, e disse: ‘‘Não! Deixa eu sair, se não eu vou apanhar! Um homem desse
tamanho!’ O agente de saúde que fazia supervisão todos os dias, foi
ameaçado verbalmente, agredido fisicamente, aí eu comuniquei isso a
coordenação, tudo porque eu não sabia mais o que fazer! Na verdade,
eu não sei o que fazer. Ele abandonou novamente (E 1).
Uma pessoa do laboratório tratou o paciente bem abusado... o
paciente voltou pra mim, ele parecia um doente mental, ele quase me
batia. Ele voltou brabo, se na fosse meu agente, que tem 1,80 m, ele
tinha me batido, por conta do laboratório (E 9).
Verifica-se a impotência da equipe em administrar situações nas quais o usuário não
reconhece o seu limite como cidadão e muito menos o direito do profissional de saúde. A
impressão é de que os profissionais das ESF são reféns de um controle social frágil que não
tem conseguido pressionar o Estado a cumprir com seus deveres constitucionais, porém tem
exigido, com muita veemência dos trabalhadores da saúde, respostas que não lhes competem.
Afinal, dada a complexidade do processo saúde/doença e a situação desfavorável vivenciada
por grande parte da população brasileira, em particular das pessoas acometidas pela TB, as
políticas de saúde estabelecem a necessidade de uma articulação entre os diversos setores da
sociedade na perspectiva de promover a qualidade de vida.
Considera-se ainda que, para uma atenção à saúde de qualidade, faz-se necessário um
novo processo e condições de trabalho com ênfase na humanização da relação entre
profissionais e usuários – cidadãos com sofrimento, riscos e direitos, que por sua vez
humaniza os profissionais e demais trabalhadores de saúde, também cidadãos com direitos
(SANTOS, s/d). O autor acrescenta que “os servidores públicos, ao assumirem o trabalho
cujos frutos são os direitos de cidadania de todos, inclusive dos servidores, tornam-se
instituidores da cidadania”, pois no setor saúde é “gente cuidando de gente” (SANTOS, s/d, p.
06)
Portanto, a produção do vínculo pode promover uma nova lógica no processo de
trabalho das ESF, permitindo o cuidar na perspectiva da integralidade, de maneira que os
serviços de saúde passem a perceber o usuário como um agente que tem direito de escolha,
valorizando, desse modo, sua autonomia, sentimentos e necessidades.
111
Vale ressaltar que o vínculo de compromisso e co-responsabilidade foi proposto para o
PSF, objetivando o alcance das seguintes finalidades estratégicas: auxiliar na transformação
do modelo biomédico hospitalocêntrico para o de produção social e de produção da saúde no
nível da APS, ampliar responsabilidades dos profissionais e usuários na condução dos
serviços de saúde e humanizar práticas de atendimento em saúde (RIBEIRO, 2005). Assim,
para a realização de uma prática que atenda à integralidade, é necessário o exercício efetivo
do trabalho em equipe, de forma a acolher os usuários, estabelecer vínculos com
responsabilização sobre seu problema de saúde, se relacionar com eles como sujeitoscidadãos plenos, com direitos e condições de intervir sobre o seu próprio processo terapêutico.
As fragilidades existentes na construção de vínculo entre a ESF e o usuário com TB
têm ocasionado a diminuição da qualidade e da eficácia das ações do controle da TB no
âmbito da APS. A situação requer a adoção de medidas intersetoriais pela gestão local, o
maior envolvimento da família e do profissional médico com a operacionalização do DOTS, a
melhoria das condições de trabalho das ESF e mudanças no processo de trabalho das Equipes
de maneira a potencializar as relações de confiança e de compromisso, ora existentes.
112
4.3 TERCEIRA CATEGORIA EMPÍRICA: A INTERSETORIALIDADE NAS AÇÕES
DE CONTROLE DA TB: REFLETINDO O CUIDADO NA PERSPECTIVA DA COGESTÃO E DA AUTONOMIA
A constituição de sujeitos, das necessidades
sociais e das instituições é produto de relações de
poder, do uso de conhecimentos e de modos de
circulação de afetos (CAMPOS, 2003).
4.3.1 Os desafios das ESF no controle da TB considerando as ações intersetoriais
Os depoimentos dos profissionais das ESF do município de Bayeux confirmaram o
potencial da estratégia SF para reorganizar a APS, favorecer a produção de vínculo entre
equipe de saúde e comunidade, facilitar o acesso dos usuários aos serviços de saúde e
combater doenças endêmicas – como é o caso da TB. Foram apontados os seguintes avanços:
facilidade do acesso ao sistema de saúde através das USF; a presença de uma equipe
multiprofissional disponível, por 40 horas semanais, desenvolvendo ações de prevenção, cura
e reabilitação e realizando visitas domiciliares; a disponibilidade de medicamentos; a oferta
de exames de baciloscopia e o acesso a informações por meio de palestras e panfletos
disponíveis na unidade.
Uma técnica de enfermagem fala do acesso à medicação: “Hoje em dia ele já tem a
medicação mais fácil. É mais próximo, tem a comodidade. É ficou mais fácil porque
antigamente ele ia pro hospital. Teve casos que o paciente se internava, passava seis meses no
Hospital. Hoje em dia, a medicação já tá dentro do posto” (TE 9). Compartilhando da mesma
opinião, um outro técnico de enfermagem acrescenta: “Fica mais próximo do paciente porque
fica com aquela comunidade definida [...] o agente que tá bem próximo, tá mais próximo do
paciente. Aí já o agente, tá todo dia no posto, tá próximo da enfermeira” (TE 5). O
reconhecimento à proximidade do doente de profissionais de saúde é feito por um médico que
diz: “Nunca tanta gente teve acesso ao médico como teve agora. É difícil? Tem demora, ainda
chega de madrugada, mas tem” (M 3). Com relação ao acesso específico do doente de TB, o
arremate vem da parte de um técnico de enfermagem, cuja fala aponta para a prioridade
conquistada por este usuário, junto à ESF: “Porque se for um paciente normal tem que
madrugar na porta de um posto pra pegar uma ficha pra falar com o médico. O de TB não. A
hora que ele chegar, ele entra e fala com o médico” (TE 7).
113
No Brasil, a estratégia SF é a que mais se aproxima do modelo proposto para APS,
constituindo, assim, a porta de entrada no SUS e com o objetivo de facilitar o acesso da
população aos serviços de saúde no país. No entanto, a realidade desvela que nas USF é
mantida a forma excludente de atendimento, visto que a prioridade é de quem chega primeiro,
de pessoas caracterizadas por pertencerem a grupos prioritários (pessoas com hipertensão,
diabetes; gestantes, etc) ou ainda de pessoas que têm maior risco de adoecer com ênfase para
o caráter curativo e assistencialista, como é o caso da TB.
Considerando o relato de TE 7, verifica-se que embora o doente em TS conte com
relativa prioridade nas USF, muitas vezes, esta concessão pode reforçar o estigma em relação
à doença – por suscitar na comunidade inquietações em relação ao privilégio concedido –
visto que o TS não é considerado uma urgência, quando relacionado às diversas situações que,
diariamente, se apresentam nos serviços da rede básica de saúde. Além do mais, a situação
retrata uma contradição existente no cotidiano desses serviços, cujo acesso equânime e
universal está longe de ser alcançado, pois o acesso físico às USF não tem garantido a
integralidade do cuidado. A ocorrência das longas filas à espera de uma ficha para
atendimento contribui para a descaracterização da política do SUS, em pelo menos três
diretrizes: o acolhimento, a integralidade, a humanização do cuidado.
Sabe-se que, na maioria das vezes, a vantagem dada ao usuário com TB reflete a
preocupação da equipe com a necessidade de quebrar a cadeia de transmissão da doença e de
diminuir a exposição do usuário a situações constrangedoras, como o TS que, apesar de
demonstrar resultados positivos para o tratamento, muitas vezes, gera curiosidades na
comunidade e constrangimentos no doente. Mesmo com as potencialidades apontadas, foram
reveladas fragilidades com relação à eficácia da estratégia SF e à credibilidade dos usuários
nas ações de cuidado a eles dirigidas. Reconhece um médico: “Eu acho que se o PSF
funcionar bem, trouxe muita coisa. Assim, ele vai lá junto do paciente, tá certo? Aquele
agente de saúde que é atuante vai lá” (M 2).
Os profissionais relataram ainda a preferência dos doentes pela Unidade de Referência
(UR) em detrimento da atenção dada pelas ESF, ressaltando, sobretudo a facilidade do acesso
aos serviços que respondem as suas necessidades, o que, quase sempre, não encontram nas
USF:
114
[...] eles sempre marcam a consulta do Clementino [...] Mas, se lá o
paciente chega, é bem atendido, o Raio-X sai na hora, recebe o
resultado na hora, faz a baciloscopia, quer dizer: esse paciente vai
andar menos, não vai se estressar com resultado de Raio X, quer
dizer: Ele fica com a confiança naquele serviço. Então, se a gente só
tem isso, a gente acaba não tendo esse paciente só no posto que seria
o ideal (E 3).
A esse respeito outro enfermeiro relata que os doentes dão mais credibilidade a
profissionais da UR e se negam a atender às orientações da ESF: “Tá fazendo tratamento
supervisionado, mas baciloscopia de controle, ele se nega a fazer porque eles não dão
credibilidade para a gente aqui. Ele só faz quando a médica do Clementino mandar. E eu já
fui, já bati, já conversei” (E 1); Um ACS, corroborando esta questão, opina: “[...], porque pra
vim pra cá pra não fazer um Raio X? A baciloscopia é feita e passa um mês pra receber o
resultado. E até a medicação que, até um complexo B, às vezes, não tem. Mas nem o pote não
tem”?(ACS 4).
Considerando os pilares do DOTS (busca ativa, TS, provisão de medicamentos,
retaguarda laboratorial e o Sistema de Informação, verifica-se que existem fragilidades na
execução das atividades preconizadas para o controle da doença no âmbito da APS, o que tem
dificultado sua operacionalização. Acredita-se que a credibilidade nos serviços de saúde
implica em resolutividade das necessidades demandadas pelos usuários, fator que aliado ao
estabelecimento de um bom padrão de vínculo entre equipe e usuários, determina a qualidade
da assistência prestada. O outro fator importante para a construção desta relação é a
assistência integral à saúde, fundamentada no compromisso e no envolvimento dos sujeitos
com a produção da saúde.
A longa espera pelo resultado das baciloscopias, a incerteza da realização do RX e a
falta de incentivos financeiros/ ou benefícios sociais fazem com que os doentes procurem a
UR na capital (João Pessoa), na tentativa de garantir ações de competência do nível primário.
Cabe aqui, a reflexão de que, mesmo sendo um município habilitado na gestão plena de
sistemas, tendo implantado a estratégia DOTS e descentralizado o TS, é grande o número de
diagnósticos e tratamentos realizados na UR, fato que aponta debilidades em outra dimensão
APS: a coordenação; e no compromisso político dos gestores, salientando que este vai além
da garantia da medicação na USF. Um outro médico afirmou que a atual gestão tem deixado a
desejar quanto à atenção à saúde dos munícipes, e acrescentou que os profissionais não estão
qualificados para fazer o controle da TB: “Eu acho que nessa nova gestão o padrão de saúde
115
de Bayeux caiu muito. As pessoas, elas não são orientadas pra fazer esse tipo de trabalho” (M
2).
O depoimento, acima, nos leva a refletir não apenas sobre a importância da gestão em
garantir uma rede de serviço organizada e voltada às necessidades de saúde dos usuários, bem
como a despeito do desenho de políticas de saúde que revelem ações envolvendo outros
setores, de modo a contemplar o princípio da intersetorialidade. No caso, o médico, em seu
discurso, aponta para a importância da qualificação, ou seja, da formação permanente dos
profissionais de saúde.
Com relação às ações intersetoriais, foi relatado, nos grupos focais, que muitos
doentes vivenciam uma situação sócio-econômica desfavorável, demandando a participação
de outros setores como a educação, a assistência social e a implementação de uma política de
promoção de emprego e/ou melhoria de renda. Assegurando a intersetorialidade como uma
nova forma de trabalhar, de governar e de construir políticas públicas que pretende
possibilitar um cuidado pautado na integralidade e que concorra para superar a fragmentação
dos conhecimentos e das estruturas sociais para produzir efeitos mais significativos na saúde
da população (REDE UNIDA, 2007), pode-se dizer que é no campo das macropolíticas que
são articuladas/operacionalizadas as ações com potencialidade para estabelecer uma nova
forma do agir em saúde.
De acordo com as ESF, existe, no município, uma escassez de medidas intersetoriais
representada pela insuficiência de serviços, de recursos terapêuticos e do apoio social de
entidades e instituições, assim como pela omissão da família do doente e da comunidade, que
dificulta a adesão e favorece a falta ou abandono ao tratamento da doença. Este fato faz com
que as ESF, na maioria dos casos, adotem medidas pontuais e paternalistas, quando não
apelativas para garantia da conclusão desse tratamento. Desse modo, sensibilizadas pela
situação de vulnerabilidade de alguns doentes, as ESF assumem uma responsabilidade que
não lhes cabe. Diz uma técnica de enfermagem: “Quando o paciente ia lá pegar a medicação,
tomar lá, sempre tinha um cafezinho pra eles. Hoje em dia, no meu posto mesmo, existia
porque a gente fazia uma cotinha e deixava. São pessoas carentes que não têm emprego. Mas,
eu acho que devia ter” (TE 5). Os outros depoimentos que seguem, mostram literalmente o
envolvimento emocional da ESF com os doentes de TB: “Então ele toma a medicação no
posto toma café da manhã no posto, ele almoça e a gente dá o jantar dele, pois é um paciente
que a gente já viu que foi abandonado pela família e se a gente abandonar, ele não vai
116
terminar esse tratamento nunca, nunca” (E 6); “(...) ele não tinha dinheiro pra vir fazer o
exame, né? E assim, a gente é quem já ajudava ele... e acabou que a gente deu mesmo o
dinheiro pra ele vim fazer [...]” (TE 10); “Cada cá trazemos um alimento pra incentivar mais
ele. Porque na realidade, quando a gente chega na casa do paciente é de fazer pena, né” (TE
3).
Não se está negando, aqui, que os incentivos favorecem a adesão ao tratamento e sua
continuidade, no entanto, sabe-se que esses benefícios, por si só não determinam uma
mudança significativa nas condições de vida do doente, pois estes têm sido disponibilizados
de forma racional e por tempo determinado. A cura da doença não garante que os usuários
superem as adversidades por completo e, em alguns casos, ocorre que os incentivos
estigmatizam ainda mais os doentes, já que são tratados de forma “diferenciada” pelas
políticas de saúde. Vale ressaltar que a situação de pobreza e de miséria vivenciada pelo
doente não é uma situação particular, mas infelizmente comum à grande maioria da população
deste país. Além disso, não se pode deixar de considerar que o doente está inserido em uma
família que vivencia a mesma situação de vulnerabilidade e que vai apresentar sentimentos
diante dessa predestinação da alimentação.
Sabe-se que um incentivo é destinado aos municípios para assegurar o café dos
doentes e o vale transporte para o deslocamento até a USF. Mesmo se solidarizando com os
doentes, os profissionais não deixam de questionar a existência de recursos destinados a tal
fim:
Eu não sei o porquê, mas assim, a gente sabe que o SUS
disponibiliza verbas para todos os programas e a gente sabe que pra
TB não é diferente. E é, assim, um programa que tem exclusividade.
E o que é que tá acontecendo que esse incentivo não tá sendo passado
pra os pacientes que precisam, entendeu?(E 9).
Bertolli-Filho (1993) considera o conceito ampliado de saúde em que se faz necessária
a promoção de condições de trabalho, educação, higiene, moradia e descanso, o que implica
em qualidade de vida. Assim, considerando a problemática da TB, as ações de saúde devem
ser empreendidas de forma a responder às necessidades demandadas pelos doentes em
diversas situações e dimensões da vida a partir de uma interação entre os demais níveis do
sistema, assim como entre os diversos setores da sociedade, e não apenas a focalização de
ações inerentes ao campo estrito de assistência médica. De fato, devem ser incorporadas ações
como educação, saneamento, promoção da oferta de alimentos e da nutrição adequada,
117
medidas de prevenção, provisão de medicamentos essenciais, e outras medidas: “Porque se
tivesse uma cesta básica, no caso o meu tem o privilégio de não precisar, mas o pessoal que
não tem nada?” (ACS 5).
Acredita-se que o problema é muito mais complexo do que aparentemente foi relatado
pelos profissionais. O direito à saúde, constituído em 1988, implica o dever do Estado em
proporcionar as condições necessárias à manutenção da saúde de todos os brasileiros. As
medidas paliativas, utilizadas para sanar a dívida social com a população, estão longe de
resolver o problema e a sociedade não pode se conformar com esses “pacotes” sociais e se
esquecer de cobrar soluções efetivas do governo, uma vez que, na perspectiva do princípio da
universalidade do SUS, os benefícios e incentivos deveriam ser disponibilizados a todos os
doentes, independentemente da doença, que estivessem nas mesmas condições, fato que não
ocorre na prática.
Logo, pode-se afirmar que as atuais medidas assistencialistas do Governo, a exemplo
da “Cesta Básica”, constituem “remendos” em uma situação caótica que há muito tempo vem
se apresentado na sociedade brasileira. Estas estratégias não resolvem os problemas, e sim
alienam a população de um direito constituído, além de inverter a lógica do incentivo, pois
muitos se acomodam à situação. Fiorin (1998) considera que os discursos existentes na
sociedade sejam políticos ou não (religioso, científico, etc) podem ser aceitos implícita ou
explicitamente, rejeitados, repelidos. As propostas governamentais devem ser, portanto,
refletidas e discutidas pela sociedade em um movimento que favoreça a transformação dessa
realidade, já que este é um dos objetivos do controle social representado pelos Conselhos de
Saúde.
Considera-se a intersetorialidade como um meio de intervenção e não um fim em si
mesmo e por isso, deve ser dosado, conforme o problema a ser enfrentado (CAMPOS, 2003).
O autor sugere a ampliação da capacidade de análise e de co-gestão dos sujeitos para a
reorientação das práticas de saúde; e a ampliação do poder da sociedade civil e das equipes de
trabalho, sem privatizar o sentido público das políticas de saúde: co-gestão do Estado; cogestão da saúde; co-gestão dos serviços e do trabalho em equipe e não auto-gestão do
Governo ou dos trabalhadores.
Na perspectiva do conceito ampliado de saúde e da integralidade no cuidado às
pessoas com TB, pode-se afirmar que, a escassez de ações intersetoriais para o combate da
118
doença fragiliza o vínculo entre essas pessoas a ESF, comprometendo a resolutividade das
necessidades demandadas por esses usuários e a credibilidade na equipe. Portanto, a
problemática TB requer uma assistência ampla, eficiente e eficaz.
4.3.2 Refletindo o cuidado das ESF ao doente de TB na perspectiva da co-gestão e da
autonomia
Diante da realidade apresentada, verifica-se que o combate à TB está comprometido
nesse município, justificado, ainda, pela mudança nos dados ocorrida em 2005, quando o
percentual da taxa de abandono aumentou de 7% para10 %. De acordo com relatório do
NDE/SES/PB, a mudança no quadro de recursos humanos, notadamente no poder de decisão,
tem ocasionado uma quebra operacional nas ações do PCT no município, o que provoca “uma
solução de continuidade” na execução do programa. Foi relatado que a alta rotatividade de
profissionais nas ESF, além de fragilizar o vínculo da equipe com o doente e sua família,
dificulta o processo de qualificação, que já é escasso e excludente no município, pois somente
enfermeiros e médicos têm sido convidados a participarem de capacitações sobre TB. Diante
da instabilidade de cargos e de funções tanto no plano da gestão quanto no campo de atuação
técnica, as ESF reconhecem que os dados oficiais não representam a realidade cotidiana
vivenciada nas comunidades. È o que expressa a fala a seguir: “Que em um município como
Bayeux, de diversidades mil, de pobreza lá em baixo, você ter em uma área de risco como eu
tenho, você ter uma pessoa com TB? Você vê que alguma coisa tá errada aí. Ou é a gente, ou
é o sistema ou alguma coisa não tá dando aí, não é?” (M 3)
Considera-se que o Método Paidéia viabilize um novo agir em saúde, por se tratar de
um modo complementar para realizar coordenação, planejamento, supervisão e avaliação do
trabalho em equipe (CAMPOS 2003). O autor considera ainda a co-gestão como um produto
de interação entre pessoas que produz efeitos sobre os modos de ser e de proceder de
trabalhadores e usuários das organizações e defende a articulação dos objetivos institucionais
– governo – aos saberes e interesses dos trabalhadores e usuários com a perspectiva de uma
ação co-participativa e não passiva dos sujeitos.
Na concepção de Peduzzi (1998), a autonomia não é um atributo absoluto, uma vez
que, além de imperativo técnico, também reflete a dimensão social do modo de inserção dos
119
agentes na organização dos serviços e nos processos de trabalho. Com relação à
responsabilidade e à autonomia do doente na produção do cuidado, alguns depoimentos
consideraram tal necessidade: “E dizer que ele nos ajude a cuidar dele e não esperar só que a
gente vá cuidar dele. Ele também tem que ajudar a gente” (ACS 1); “A gente envolve também
o paciente na responsabilidade dele no tratamento [...] ele vai ter que refletir também sobre o
que ele tá fazendo com a vida dele, não é isso”? (E 8)
Campos (2003) alerta para uma tendência em considerar o DOTS como um método de
infantilizar as pessoas, haja vista a importância dada à observação direta da tomada da
medicação para garantir a eficácia do tratamento. Na prática, observa-se um esforço das ESF
em garantir a continuidade do tratamento, a partir de ações solidárias que extrapolam sua
responsabilidade, como também em cumprir as metas estabelecidas pelo PCT. O autor destaca
também a importância de valorizar o princípio da autonomia e a noção de co-gestão durante o
tratamento, o que implica em investimento na reconstrução da cidadania e da subjetividade de
indivíduos com dificuldade de defender a própria vida.
Há por parte do doente uma expectativa de que o serviço de saúde supra necessidades
que ultrapassam a competência do setor, como o caso da falta de alimentos. O relato a seguir
se refere a uma tentativa do ACS em recuperar um doente alcoólatra que abandonou o
tratamento “Não se incomode não, quando eu tiver doente mesmo eu vou pro Clementino
comer lá – ele [o doente] diz desse jeito pra mim” (ACS 06).
A realidade apresentada suscita a necessidade de práticas de saúde voltadas para a
ampliação da capacidade de análise e de co-gestão dos sujeitos, porque é imprescindível que o
doente compreenda seu papel, como sujeito autônomo e co-responsável pela sua saúde.
Arcêncio (2006) revela que a ESF, ao inserir um doente em TS, deve respeitar sua
subjetividade e sua autonomia, todavia não se pode deixar de fazer uma avaliação prévia do
contexto de vida desse usuário e, consequentemente, de sua capacidade de gerenciar o
autocuidado, por saber que há uma responsabilidade coletiva e, portanto, social em quebrar o
ciclo da doença e proteger a saúde da comunidade, à qual o doente não pode se eximir.
Campos (2003) afirma que, ao acolher a demanda dos usuários, a equipe deve apoiálos para que consigam participar da superação das condições adversas, e que o Método
Paidéia assegura valer-se do vínculo para estimular grupos a participarem da resolução dos
próprios problemas, pois vínculo pode ajudar o grupo a enxergar a própria impotência e a
120
descobrir novas maneiras de enfrentar velhos problemas. Isto não significa que a ESF deve
apoiar o doente de TB em todas as suas opções/decisões, mas sim lhe mostrar quais são as
suas responsabilidades consigo mesmo e com os outros durante o tratamento, assim como o
seu direito de usuário. Com relação à responsabilização pelas ações de controle da doença
foram denunciadas a negligência e a imperícia, representadas por afirmações que nos levam a
insistir no compromisso político: “Eu acho que a própria secretaria em um tem um
compromisso certo, assim, porque se tem, a gente ainda tá pra ver. Porque existe a médica, ela
faz o trabalho dela. Não faz melhor porque não tem condições ”(ACS 4). De forma mais
enfática, sentencia um médico:
Mas aí a responsabilidade é da gestão, é da secretaria de saúde [...] A
responsabilidade não é só da equipe, de correr atrás. Principalmente
da coordenadora de epidemiologia, né epidemio que fica? Justamente,
que deve ir atrás e resgatar esse paciente pra cá, pra que as
informações sejam precisas no município? Tem essas duas vertentes.
Não existe um “toma lá da cá” que não vai um pra lá. Você não tem
um xarope, você não tem um antibiótico pra curar uma patologia
associada, não tem uma vitamina pra dar a esse paciente pra ele dar
uma levantada. É um trio: é a equipe, é o paciente com a família,
porque se a família não tiver envolvida, ele também não vai estar. E a
gestão (M 3).
O relato de M 3 retrata uma grande fragilidade no gerenciamento das ações do PCT
local, representada pela debilidade no compromisso político em prover as ESF de condições
materiais e de recursos humanos para a operacionalização da estratégia DOTS no município.
Além disso, foi evidenciada a pouca atuação das coordenações da Secretaria Municipal de
Saúde, em especial, o insuficiente desempenho da coordenação local do PCT. As ESF ainda
revelaram sentimentos de insatisfação com a sobrecarga de atribuições e com as precárias
condições de trabalho, o que as leva muitas vezes a recorrer a recursos pessoais para garantir a
realização das ações inerente ao PCT. Como exemplo, aqui são citadas dois depoimentos: “Se
eu não for buscar a medicação, o paciente fica sem o tratamento” (E 10); “Quando a gente
pensa que é uma campanha, ah! Aí vem, no dia que teve a palestra lá, a gente foi que teve que
comprar as frutas”(ACS 4).
Também foi identificada, durante o período de observação, a precariedade dos
recursos materiais e humanos para a atuação da coordenação do PCT, já que esta não
dispunha, ao menos, de um auxiliar administrativo, quiçá de transporte para supervisionar e
apoiar as equipes. Foi relatado que, além de funcionar apenas no período da manhã, a
121
Coordenação do PCT local estava responsável por outro agravo – a Hanseníase – e sem
acesso aos repasses financeiros. Diante dessa situação, percebe-se que o problema da
tuberculose não constitui uma prioridade para as políticas de saúde da atual gestão, apesar do
município ser considerado prioritário para o PNCT e integrar a região metropolitana da
grande João Pessoa, fato que encerra uma maior preocupação frente às necessidades e
desafios para controlar a doença em centros urbanos desenvolvidos.
Embora haja avanços no processo de descentralização do SUS, verifica-se que o
desenvolvimento das ações de controle da TB está comprometido, no município estudado,
pois a descentralização da gestão administrativa não tem garantido o cumprimento das
diretrizes ministeriais. Em todos os grupos, existia a preocupação em despertar, na gestão
local o interesse em resolver o problema, como questionou uma enfermeira: “Eu queria só
saber assim, se você vai passar o resultado pra coordenação, tá entendendo? Até mesmo,
assim, dizer a necessidade de Bayeux e procurar solucionar” (E11).
Portanto, pode-se dizer que a execução das normas e diretrizes nacionais, disponíveis
em manuais técnicos e planos de ações que norteiam as ações de controle da TB no âmbito
dos municípios, tem encontrado dificuldades. Desse modo, faz-se necessária uma melhor
articulação e comunicação entre os setores envolvidos (órgãos, instituições e sociedade em
geral) no cuidado aos doentes, assim como uma efetiva participação do controle social,
representado pelos conselhos municipais de saúde na supervisão/execução dessas ações,
contribuindo também para a definição de responsabilidades e competências.
O material empírico produzido, nos grupos focais, permitiu a identificação das
dificuldades ao compromisso político, estas justificadas pela fragilidade em relação à
capacitação dos profissionais em tuberculose, ao contexto socioeconômico da população, à
provisão de recursos financeiros e materiais para a implementação das ações, às condições
estruturais das USF, à garantia de serviços laboratoriais e de média complexidade para
diagnóstico e supervisão do tratamento, à rotatividade de profissionais, e à definição de
responsabilidades e atribuições.
Diante desse cenário, verifica-se que a produção de vínculo entre ESF e doente de TB
apresenta fragilidades quanto ao espaço das macropolíticas, em especial, no que se refere ao
desenvolvimento de medidas intersetoriais e ao exercício da co-gestão em saúde. Apesar do
DOTS se constituir uma estratégia potente para combater a doença e diminuir o abandono ao
122
tratamento, existem muitas dificuldades para sua operacionalização que muitas vezes não
competem às ESF e nem ao doente. Mesmo assim, esforços são enviados no sentido de
minimizar o sofrimento dos usuários e, acima de tudo, de cumprir as metas estabelecidas para
o combate à doença. O controle da TB, no município de Bayeux, depende de respostas
políticas para essas questões: “Na teoria tá muito bom. E na prática?” (ACS 5); “Nós vamos
cuidar desse paciente de que jeito?” (E 10)
Reconhecendo que a co-gestão resulta da interação entre as pessoas é possível
considerá-la como uma estratégia eficaz para fortalecer o vínculo entre ESF e usuário, uma
vez que ela valoriza a autonomia e a subjetividade do usuário e permite que a
responsabilidade das ações de controle da TB, assim como do êxito do tratamento, seja
compartilhada entre os diversos sujeitos envolvidos no cuidado.
123
CAPÍTULO 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do trabalho, o indivíduo ao mesmo tempo
em que se afirma enquanto sujeito, modifica o
mundo, a si mesmo, altera o seu modo de estar na
realidade objetiva e de percebê-la. Constrói a sua
própria história. Konder, 1992.
O estudo, ao avaliar o desempenho das ESF do município de Bayeux no controle da
TB, à luz da dimensão do vínculo, revela a existência de deficiências operacionais e
administrativas que têm fragilizado a operacionalização das ações de controle da doença no
município. Apesar dos avanços com a estratégia DOTS, o abandono ainda continua sendo um
dos principais obstáculos para o controle da doença. Além disso, a falta de incentivos e de
benefícios para os doentes de TB diminui a credibilidade dessas pessoas na ESF e os
impulsiona a buscar serviços de referência na capital, o que contradiz a habilitação em gestão
plena de sistemas do município. Assim, verifica-se que a organização dos serviços da APS
para o controle da TB, nesse município, vivencia uma crise, na qual as ESF sentem-se
impotentes para superar tamanhas fragilidades.
Com relação ao conceito de vínculo, o estudo reconhece a polissemia do termo o qual,
no campo da saúde pública, apresenta uma interface com outras práticas como a do
acolhimento, da humanização, do cuidado integral e da co-gestão em saúde. Dentre as
concepções de vínculo apresentadas nos grupos, destaca-se a idéia de elo e de ligação, a partir
do desenvolvimento de relações de compromisso, responsabilidade, ética e confiança com o
doente. Contudo, os depoimentos revelaram uma incoerência entre as concepções dos
profissionais das ESF e suas práticas, pois mesmo atribuindo um significado de “elo” foram
desveladas muitas fragilidades que comprometem o processo de estabelecimento do vínculo.
Entre as dificuldades que fragilizam tal processo foram apontadas: a dificuldade de acesso a
exames de diagnóstico da doença, a credibilidade do usuário nos serviços, a pouca
resolutibilidade das ESF, o preconceito e o estigma presentes nos doentes, famílias,
comunidade, as condições sociais características de regiões metropolitanas e a negligência
política do gestor municipal por não priorizar o problema da TB em sua política.
124
Os depoimentos revelaram que os profissionais mais envolvidos no cuidado dos
doentes de TB e, portanto, os que apresentam maior potencialidade de estabelecer relações de
vínculo com esses usuários, são os ACS e as enfermeiras. Deste modo, verificou-se que
quanto mais próximo da posição social do doente e quanto maior o envolvimento com as
ações de controle da doença, maior a relação de vínculo. Esta realidade também foi atestada
por outros profissionais da ESF, quando assumiram que, de fato, poucos conhecem as
diretrizes do PCT e, muitas vezes, também não chegam a conhecer a pessoa com TB.
Constatou-se haver insuficiência de recursos humanos qualificados para atuar no controle da
TB, assim como debilidade na compreensão de que o trabalho, na USF, deve ser produzido
em equipe. Observou-se que profissionais, a exemplo das técnicas de enfermagem, são
excluídos dos processos de qualificação, situação que gera insatisfação nestas profissionais e
diminui a qualidade do cuidado prestado às pessoas que buscam, nas USF, o atendimento de
suas necessidades.
Também foram identificadas fragilidades na relação entre os próprios membros da
ESF, com destaque para a questão da resistência das forças hegemônicas do saber médico
frente ao saber da enfermagem, representada pela ação política do “Ato Médico”. Acrescentase a este aspecto, a intensa rotatividade dos médicos no município e o sentimento de
instabilidade profissional de algumas enfermeiras e ACS. Há também uma lacuna no
relacionamento entre a maioria das enfermeiras e suas respectivas colegas – técnicas de
enfermagem, inibindo a participação destas últimas nas ações de controle da TB,
comprometendo, assim, o próprio sentido de integração da equipe e fragilizando o
estabelecimento do vínculo com o doente de TB.
Verificou-se que as ESF ainda trabalham fundamentalmente nos moldes do modelo
curativista, representado pelo pronto atendimento e fundamentado na queixa-conduta, que é
contrária à atenção integral ao indivíduo e às ações em defesa da vida coletiva. Reconhecemos
que as condições e as formas de organização de trabalho das equipes interferem nas ações de
saúde, fazendo-se necessária uma sensibilização dos profissionais para uma prática orientada
pelas diretrizes do Modelo Paidéia.
Entendemos que para a realização de uma prática que atenda à integralidade, faz-se
premente o exercício efetivo do trabalho em equipe, de forma a acolher os usuários,
estabelecer vínculos com responsabilização sobre seu problema de saúde, se relacionar com
eles como sujeitos-cidadãos plenos, com direitos e condições de intervir sobre seu próprio
125
processo terapêutico. Para tanto, o trabalho deve ser refletido, conjuntamente, por todos os
membros da ESF, definindo-se campo e núcleo de competência de cada profissional, com o
objetivo de acolher e de estabelecer vínculo com os doentes, ou seja, deve ser exercitada a
interdisciplinaridade, com vistas à produção de um projeto terapêutico comum, o qual se
constitua uma responsabilidade de toda a equipe.
Apesar de um dos maiores desafios dos profissionais da estratégia SF ser a
concretização, na prática cotidiana, das diretrizes e princípios do SUS, mantém-se a
organização dos serviços por meio de ações programáticas definidas e focalizadas, as quais
demonstram debilidades com relação à problemática da TB. Uma das possibilidades para
superação desta situação está o maior compromisso político do gestor com a organização dos
serviços de APS, articulado ao exercício da co-responsabilidade entre ESF e usuários. Além
disso, a situação requer a adoção de medidas intersetoriais, ou seja, uma melhor articulação e
comunicação entre os setores envolvidos (órgãos, instituições e sociedade em geral) no
cuidado aos doentes, bem como uma efetiva participação do controle social, representado
pelos conselhos municipais de saúde na supervisão e execução dessas ações, contribuindo
também para a definição de responsabilidades e competências.
Mesmo reconhecendo a capacidade do DOTS em promover o estabelecimento de um
novo patamar de relações entre ESF e doentes de TB, de modo a exercitar o princípio da
integralidade, por meio de encontros que viabilizem a compreensão “dos modos de andar a
vida”, verificou-se que a operacionalização dessa estratégia pelas ESF de Bayeux não está
coerente com o discurso político da APS e ainda existem desafios a ser enfrentados para
fortalecer as relações de vínculo entre a equipe e o doente. Embora o DOTS se configure
como uma estratégia efetiva para combater a TB e diminuir o abandono ao tratamento,
persistem muitas dificuldades que nem sempre competem às ESF e ao doente. Mesmo assim,
esforços empreendidos, no sentido de minimizar o sofrimento dos usuários e acima de tudo de
cumprir as metas estabelecidas para o combate à doença.
O estudo aponta para a necessidade de uma priorização das políticas de controle da TB
no município com ênfase para o apoio do gestor local no que se refere à organização dos
serviços da APS, à qualificação de recursos humanos para controle da TB e à adoção de
medidas intersetoriais. Este conjunto de medidas visa à integralidade do cuidado e à
consolidação dos princípios do SUS no campo da APS, por meio da promoção da qualidade
de vida dos usuários e das efetivas condições de trabalho para a ESF.
126
Assim, reconhecendo a complexidade do vínculo e sua inevitável articulação com as
demais dimensões da APS, defendidas por Starfield, assim como a contribuição do DOTS e
da política de reestruturação da APS, ou seja, da estratégia SF para o controle da doença no
município estudado, ressaltamos a necessidade e a importância de prosseguir com a avaliação
do desempenho das ESF no controle da TB de modo a aprofundar a compreensão do cuidado
prestado às pessoas acometidas por esta doença, elegendo, como enfoque, a formação
profissional, pois acreditamos que é por meio da mudança das concepções que é possível a
mudança de práticas.
127
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APÊNCICES
APÊNDICE A - Cronograma dos Grupos Focais realizados com os profissionais das
ESF do Município de Bayeux
DS I
Sesi I
DS I
Baralho
Sesi II
DS II
São Lourenço
DS III
Imaculada I
São Bento
GRUPO I
Centro I
Enfermeiras
DS II
23/04/07
GRUPO II
DS IV
Centro II
Brasília I
Jd. Aeroporto
Enfermeiras
25/04/07
Alto da Boa
Vista II
M. Andreazza II
DS V
C. Norte
Total
Total
06
DS I
Sesi I
DS I
Baralho
Sesi II
DS II
Centro I
DS III
Imaculada I
São Bento
GRUPO III
DS II
GRUPO IV
S. Lourenço
Téc. de
Centro II
Enfermagem
Téc. de
Enfermagem
Geral 13
07
Jd. Aeroporto
DS IV
Rio do Meio I
DS V
Alto da Boa
Vista II
M. Andreazza II
Brasília I
27/04/07
26/04/07
Total
06
Total
07
Geral 13
141
DS III
Imaculada III
GRUPO V
ACS
DS II
S. Lourenço
DS IV
Rio do Meio I
02 participantes
M. Andreazza II
02/05/07
DS V
Total
DS II
Brasília I
03/05/07
DS II
Alto da Boa Vista II
DS IV
Jd. Aeroporto
DS V
Comercial Norte
05
S. Lourenço
ACS
Imaculada I
08/05/07
Sesi I
São Bento
GRUPO VI
Imaculada III
GRUPO VII
Total
DS I
Total
06
DS III
Médicos
Imaculada I
04
Geral 10
142
APÊNDICE B - Identificação dos profissionais
Nome:
Sexo:
Idade:
Profissão:
Tempo de atuação no PSF:
Tempo no município:
Telefone para contato:
Comentários opcionais (O que não foi dito por motivos superiores)?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
143
APÊNDICE C – Termo de Conssentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Convido o (a) senhor (a) para participar do estudo intitulado AS AÇÕES DE
CONTROLE DE TUBERCULOSE NO MUNICÍPIO DE BAYEUX – PB:
AVALIAÇÃO DAS DIMENSÕES PORTA DE ENTRADA E ELENCO DE
SERVIÇOS, que será realizado enfermeira e mestranda Anna Luiza Castro Gomes, sob a
orientação da professora Dra. Lenilde Duarte de Sá.
O objetivo deste estudo é avaliar a relação das ESF de Bayeux – PB com o doente de
TB com ênfase nas dimensões do vínculo e da orientação para a comunidade bem como
contribuir para a potencialização das ações das ESF no combate a doença.
Sua colaboração será muito importante para a realização desta pesquisa sendo sua
participação estritamente voluntária, não havendo nenhuma forma de compensação financeira,
visto que a mesma é de livre e espontânea vontade. Enfatizo que você poderá desistir de
participar deste estudo em qualquer momento, sem nenhum prejuízo para sua situação neste
município.
Dessa forma a (o) convido para participa deste Grupo Focal de discussão, uma das
etapas do projeto, o que possibilitará dar seqüência aos trabalhos. Além do seu consentimento,
peço-lhe permissão para a divulgação dos resultados desta pesquisa, em eventos científicos,
deixando claro que sua identidade será mantida em absoluto sigilo, respeitando a sua
privacidade.
Diante dos esclarecimentos recebidos pela pesquisadora, aceito participar do estudo.
Bayeux, ____/____/_______
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Assinatura do Participante
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APÊNDICE D – Situações elaboradas como disparadores dos grupos focais
SITUAÇÃO 01
Na comunidade de Santa Fé, a enfermeira Maria sempre atendia os hipertensos às terças e
quintas-feiras. Certo dia, ela percebeu que seu Francisco, 65 anos e usuário de captopril ainda
tossia após avaliação do cardiologista. Ela solicitou a baciloscopia e o anti-HIV e o paciente
após certa resistência acabou convencido pelos argumentos da enfermeira. Quando os
resultados chegaram, foi confirmado infelizmente que ele estava com TB era portador do
HIV. Maria comunicou imediatamente à médica da equipe e como sua especialidade era
ginecologia, seu Francisco foi encaminhado ao hospital de referência que ficava na capital a
200 Km dali. Dois meses depois, ele retornou com uma ficha de transferência para ser
acompanhado naquela unidade. A equipe o acompanhou por um ano e ele foi curado da
tuberculose.
SITUAÇÃO 02
Uma USF que acompanhava 1200 famílias. Todos os dias um grande número de usuários
procuravam assistência e Lúcia (Téc. de enfermagem) não sabia mais o que fazer com tantas
coisas para dar conta: curativo, PA, NBZ, vacina, etc. certo dia, o marido de uma amiga sua
chegou com muita febre e uma tosse seca que segundo ele já fazia 10 dias. Lúcia intercedeu
por ele e o médico logo o atendeu. Após a consulta, o rapaz de 35 anos foi até Lúcia para
agradecê-la e pagar medicamentos e um potinho para fazer o exame do escarro. Com 7 dias e
um pouco melhor, ele trouxe o exame com resultado negativo. O médico, diante do quadro
clínico, desconfiou do exame e perguntou como ele tinha feito a coleta. Ele disse que tinha
ido de manhã ao laboratório e entregado o “cuspe” no potinho que Lúcia tinha lhe dado.
Depois das orientações do médico foi repetido o exame e confirmada a Tuberculose.
SITUAÇÃO 03
Seu João era morador da comunidade Encantada há 30 anos e há 2 meses se tratava de TB.
Todo o dia ia tomar a medicação na USF em que era acompanhado. Certo dia, a enfermeira
percebeu que ele já havia faltado 3 dias e perguntou a auxiliar de enfermagem se ele tinha
notícias dele. Ele disse que com tanta coisa também não tinha percebido suas faltas.Quando o
ACS responsável por Seu João foi questionado ele relatou que como se tratava de um paciente
comprometido com o tratamento, já fazia 10 dias que não visitava sua casa. Então foi
investigar o que tinha acontecido. A família informou que seu João tinha voltado a beber que
estava com vergonha de voltar à unidade e receber um “carão”. Naquela mesma tarde, o ACS
levou a enfermeira na casa dele e conseguiram resgatar o paciente que ficou curado depois de
4 meses.
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APÊNDICE E – Roteiro de questões que nortearam as discussões nos grupos focais
1. Como é que a equipe cuida do doente de TB e sua família?
Como os profissionais realizam a busca ativa de SR na comunidade?
Oferece o pote de escarro a todas as pessoas com tosse que comparecem na
unidade?
Quem solicita a baciloscopia? Onde é realizada e com quanto tempo sai o
resultado?
Como são realizados o diagnóstico, a notificação e a investigação de
comunicantes? Existe algum profissional pré-determinado/específico?
Como são realizados o acompanhamento do doente e o controle dos exames
periódicos?
Como é realizada a orientação ao doente e seus familiares após a confirmação
diagnóstica? Que temas são abordados?
Como ocorre o agendamento das consultas para os portadores de TB? Existe
algum critério de prioridade?
Quanto tempo, em média, dura uma consulta? Acredita ser suficiente para que
os doentes explicitem bem suas dúvidas ou preocupações?
O doente recebe cuidado de todos os profissionais da ESF? Com que
freqüência?
Como é realizado o tratamento supervisionado dos doentes?
Todos os profissionais da ESF acompanham a evolução do tratamento dos
doentes ou apenas alguns?
Em geral, como o doente recebe o tratamento supervisionado?
Como são agendadas as visitas domiciliares? Quem vai e com que freqüência?
Como a equipe atua nos casos de falta e de abandono? Quais as estratégias
adotadas para sensibilizar o paciente ao tratamento?
Quais os casos referenciados e como é realizado o encaminhamento?
2. Quais as dificuldades que a equipe encontra no cuidado do doente de TB?
3. Como é a relação da equipe com o portador de TB?
O que os profissionais entendem por vínculo?
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Como deve ser a relação entre a equipe e o doente de TB?
O que pode interferir na relação com o doente de TB?
Qual a responsabilidade da ESF com o doente de TB?
O que o PSF trouxe de positivo e de negativo para o controle da TB?
Em caso de suspeita de TB qual o primeiro profissional a receber/ ouvir o
doente?
Como é realizada a entrevista com os doentes atendidos na unidade? Procuram
saber se os serviços oferecidos estão respondendo às necessidades de saúde
percebidas pelos doentes?
Os profissionais deste grupo chamam/conhecem os doentes pelo nome? Qual
foi a última vez que visitou o doente?
Quem geralmente o doente procura quando apresenta alguma dificuldade?
A equipe se coloca a disposição do doente fora do seu horário de trabalho?
Em geral, o doente de TB é examinado pelo mesmo profissional a cada vez que
é consultado?
Durante a consulta, a profissional conversa sobre outros problemas do doente?
O profissional que realiza o TS conversa com o doente sobre outros problemas
relacionados a sua saúde e sua vida?
4. Como é a relação da equipe com a família do doente de TB?
Qual a importância da família do doente de TB para o tratamento da doença?
5. Quais as dificuldades encontradas na relação da equipe com o doente de TB e sua
família?
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APÊNDICE F - Planilha utilizada pelos observadores para registro dos pontos
relevantes das discussões dos grupos focais
Profissional 2
Profissional 3
Profissional 4
Como é que a equipe cuida do doente de TB e sua família?
O que é feito e como é feito
Questão n º 1
Profissional 1
PS. Foi realizada uma planilha para cada questão principal do roteiro utilizado durante as
discussões.