A Historia da Ciência e Ensino de Fisica: Revisando
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A Historia da Ciência e Ensino de Fisica: Revisando
História da Ciência e Ensino de Física: revisando relações Ana Paula Bispo da Silva Departamento de Física [email protected] 1 História da Ciência e Ensino de Física • Motivação atual “ Mais do que reproduzir dados, denominar classificações ou identificar símbolos, estar formado para a vida, num mundo como o atual, de tão rápidas transformações e de tão difíceis contradições, significa saber se informar, se comunicar, argumentar, compreender e agir, enfrentar problemas de qualquer natureza, participar socialmente, de forma prática e solidária, ser capaz de elaborar críticas ou propostas e, especialmente, adquirir uma atitude de permanente aprendizado. Uma formação com tal ambição exige métodos de aprendizado compatíveis, ou seja, condições efetivas para que os alunos possam comunicar-se e argumentar, deparar-se com problemas, compreendê-los e enfrentá-los, participar de um convívio social que lhes dêem oportunidade de se realizar como cidadãos, fazer escolhas e proposições, tomar gosto pelo conhecimento, aprender a aprender” (PCN+, p.4, 2002, grifo nosso). 2 História da Ciência e Ensino de Física 1. Quando? 2. Como? 3. Exemplo: episódio histórico - A teoria BKS 3 Quando - Anos 60 - satélite Sputink - adoção de projetos estrangeiros como o PSSC - Escola ~ instrumento de ascensão social - LDB de 1961 com flexibilidade curricular (Paulo Freire) derrubada após o golpe de 1964 - O professor como mero executor PSSC 4 Anos 60 - críticas à epistemologia presente no PSSC – conferência com Khun, Lakatos, Popper e Toulmin (1965) - Gerald Holton e projeto Harvard – abordagem totalmente histórica da física 5 Anos 70 Brasil Piaget - início: construtivismo – o professor passa a ter um papel de destaque - final: as licenciaturas curtas – diminui o status do professor - Estágios de desenvolvimento da história da ciência (antes do séc. 17) ~ Estágios de desenvolvimento da criança 6 Anos 80 - LDB, Declínio das licenciaturas curtas - Science for all (UNESCO) – educação para a cidadania - Associação com o cotidiano do aluno - A história da ciência como fonte para conhecer: a gênese, o sucesso e as falhas das teorias - O professor: papel importante, porém........ Possíveis causas, segundo Villani, Pacca e Freitas (2009) -Sucateamento da escola (estrutura e material) -Fim da escola como ideologia -Professores mal preparados -Inflação : a especulação financeira era mais atrativa 7 Anos 90 até hoje -Novas tecnologias exigem profissional melhor -Aumento no número de estudantes - supletivos, cursos noturnos -Aumento no número de professores em % menor: mais alunos por sala de aula! -Problemas sociais, desestimulo para professores -Instrumentos governamentais de medidas e avaliação, progressão continuada -PCN e PCN+ -A história da ciência para contextualização, CTS, Natureza da Ciência e do conhecimento científico 8 Como – Em que dimensão aparece a HC Classificação segundo Seroglou e Koumaras (2001) – para Física: - Dimensão cognitiva: ensino-aprendizagem de conteúdo da física, da metodologia da física, habilidades para resolução de problemas, ideias alternativas dos estudantes - Dimensão metacognitiva: estratégias que permitem aos estudantes refletir sobre, construir significado a partir de e controlar suas próprias atitudes, ampliando o conhecimento adquirido para novas situações . (NDC e relações ciênciasociedade) - Dimensão emocional: motivacional (motivação e ensinoaprendizagem) - Outras 9 10 Dimensão Metacognitiva e NDC Compreensão: - Natureza do conteúdo da ciência - Natureza da metodologia científica Reflexão sobre: - O papel da observação e do experimento - Relação entre evidência e teoria - O papel das circunstâncias sociais, religiosas, políticas e econômicas 11 Natureza da Ciência O estudo da história da ciência pode levar a uma nova visão sobre a própria natureza da ciência e do trabalho de pesquisa Mas qual é a natureza da ciência? E do trabalho de pesquisa? 12 Natureza da Ciência • Não há consenso, não há uma única resposta Mas, podem ser estabelecidos alguns parâmetros que, atualmente, são objeto de concordância entre filósofos, sociólogos, historiadores e educadores 13 Natureza da Ciência • Alguns parâmetros para hoje: 1. A observação inicial não é possível sem idéias pré-existentes. 2. A natureza não apresenta evidências suficientes para que seja interpretada sem ambigüidades. 3. As teorias científicas não são induções, mas hipóteses imaginadas pelos cientistas e necessariamente vão além das observações. 4. O conhecimento científico não é estático e convergente, mas mutável e aberto. 5. Os cientistas não elaboram deduções incontestáveis, mas fazem julgamentos complexos. 6. Discordâncias são sempre possíveis. 14 Episódio histórico de hoje: A teoria BKS Niels Bohr, Hendrik Kramers e John Slater Colaboração: Indianara Lima Silva (UFBA) – versão modificada da apresentação feita no EPEF 2008 e HQ2 – Utrecht/Netherlands 15 Panorama geral: a mecânica quântica na década de 20 • 1911 – Conselho de Solway – necessidade de uma nova mecânica para explicar interação entre radiação e matéria • Modelo de átomo: modelo de Bohr • Princípio de Correspondência – necessidade de associar a conceitos da mecânica clássica • o Quantum: entidade ou ferramenta? 16 A História de sucesso Em dezembro de 1922, Compton propôs que, no processo de espalhamento, a radiação comportava-se como pequenos corpúsculos, cuja energia seria descrita por hv, e o momentum hv/c. Compton também mencionou que, nesse processo, a energia e o momentum eram conservados. Arthur Holly Compton (1892-1962) 17 A História de sucesso O experimento de Compton parecia mostrar que o quantum existia e a radiação poderia ser quantizada 18 A História de sucesso Como explicar os fenômenos de interferência e de difração com base na hipótese da quantização da radiação? O próprio Compton reconheceu que apesar de ter obtido resultados experimentais satisfatórios que aderiam à uma teoria corpuscular para a radiação, ainda existia uma dificuldade associada à relação entre os fenômenos de interferência e os quanta de luz (COMPTON, 1923). 19 Problemas da física entre 1922 e 1924 - fenômenos ópticos, como por exemplo, a interferência, a difração, a polarização, não eram explicados pela hipótese da quantização. - A quantização não era aceita por toda a comunidade científica 20 Princípios de causalidade Charles Galton Darwin em 1922 e 1923 havia proposto uma hipótese ondulatória que explicava vários fenômenos. A hipótese de Galton contrariava o princípio de causalidade implícito nas lei da mecânica clássica. 21 Os personagens Niels Bohr (1885-1962) – responsável pelo Instituto Copenhaguen John Clark Slater (1900-1976), físico americano, havia terminado seu doutorado na Universidade de Harvard com uma tese experimental, mas estava envolvido nas dificuldades da recente teoria quântica. Hendrik Kramers (1894-1952), primeiroassistente de Bohr em Copenhagen, trabalhava em uma teoria de dispersão óptica para as linhas espectrais. 22 A História desconhecida Em Janeiro de 1924, Niels Bohr, Hendrik Kramers e John Clarke Slater (1900-1976) publicaram um artigo intitulado The quantum theory of radiation na Philosophical Magazine. Neste artigo, eles utilizaram a hipótese de Slater referente ao campo virtual de radiação, e a idéia de Bohr de que a energia e o momentum apenas seriam conservados estatisticamente nos processos atômicos. 23 A História desconhecida “Assumiremos que um determinado átomo em certo estado estacionário pode comunicar-se com outros átomos através de um mecanismo espaço-tempo que é virtualmente equivalente com o campo de radiação que na teoria clássica originaria dos osciladores harmônicos virtuais, correspondendo às várias transições possíveis para outros estados estacionários” (BOHR, KRAMERS, SLATER [1924], 1967, p. 167). 24 A História desconhecida Bohr, Kramers e Slater não pretendiam negar a teoria do quantum de luz, uma vez que essa teoria explica muito claramente os fenômenos de transição entre estados estacionários do átomo. Porém, antes de haver a transição entre os estados, os átomos interagem entre si através de campos virtuais de radiação. 25 Princípios de causalidade????? A ocorrência de uma certa transição em um dado átomo depende do estado estacionário inicial do próprio átomo e dos estados dos átomos vizinhos com os quais ele interage. Não existe uma relação de dependência entre as transições em um átomo e aquelas que ocorrem em átomos distantes. Desta forma, não há necessidade de uma conexão causal entre os mesmos; tampouco uma conservação de energia e momento como a das teorias clássicas. 26 A História desconhecida “Atualmente, não existe, infelizmente, uma evidência experimental que permite testar estas idéias, mas pode ser enfatizado que o grau de independência dos processos de transições assumido aqui seria a única forma coerente de descrever a interação entre a radiação e os átomos por uma teoria envolvendo considerações probabilísticas. Esta independência não se reduz apenas a conservação da energia para uma lei estatística, mas também a conservação do momento” (BOHR, KRAMERS E SLATER, 1924, pp. 166-167). 27 Como a teoria BKS explicava o efeito Compton? Para Bohr, Kramers e Slater, o fenômeno de espalhamento da radiação por elétrons apenas teria consistência conceitual quando tal fenômeno fosse considerado como um processo estritamente contínuo. 28 Como a teoria BKS explicava o efeito Compton? Desta forma, o efeito Compton é explicado pela emissão de frentes de onda esféricas secundárias pelo elétron atingido. Essas frentes de onda formariam uma radiação virtual, com velocidade diferente daquela inicial, que reagiria com outro elétron. Com esse mecanismo, Bohr, Kramers e Slater explicam não apenas a diferença espacial encontrada no efeito Compton, mas introduzem uma diferença temporal (entre o quantum e o elétron emitido), que não estava incluída no experimento de Compton . 29 A teoria BKS foi contestada ou não? Em torno de 1924, existiam duas explicações diferentes para o processo de espalhamento em sua essência conceitual – em um extremo, a explicação de Compton a qual defendia a conservação da energia e do momentum para o mundo microscópico, e no outro, a teoria BKS para a qual essa conservação apenas seria estatística. Como sucedeu a escolha entre uma ou outra teoria? 30 A teoria BKS foi contestada ou não? Em 1955, Bothe declarou que para ele e Geiger a idéia da validação das leis de conservação apenas poderia ser esclarecida a partir de fatos experimentais. Foi por esse motivo que eles haviam decidido realizar um experimento, em 1925, capaz de “testar” a conjectura teórica desenvolvida por Bohr, Kramers e Slater. Hans W. Geiger (1882-1945) Walther W. Bothe (1891-1957) Utilizando um novo aparelho que permitia detectar se o elétron e o quantum emitido eram simultâneos (e denominado posteriormente de método da coincidência), Bothe e Geiger mostraram que não poderia haver a diferença temporal prevista pela teoria BKS, havendo a conservação de energia e momento previstas classicamente. 31 A teoria BKS foi contestada ou não? Neste período, começaram a surgir mais evidências de que não se poderia desprezar a conservação da energia e do momentum na teoria atômica, colocando em questionamento a teoria BKS. Como por exemplo, o experimento realizado por Ramsauer; e o realizado por Compton e Simon. Diante dessas evidências experimentais, mais precisamente, dos resultados experimentais obtidos por Bothe e Geiger, e das críticas teóricas realizadas por Einstein acerca da hipótese estatística, a teoria BKS foi abandonada. 32 Considerações finais sobre BKS A introdução de uma explicação como a de BKS já contribuiria para o aluno/professor ter consciência de que é possível encontrar teorias que explicam a natureza de diversas formas e que a escolha de uma ou de outra teoria científica envolve tanto aspectos teóricos como experimentais. Além disso, é importante ressaltar que Schrödinger foi um defensor da teoria na Alemanha, onde alguns físicos, influenciados pelo contexto social apoiavam o rompimento com a causalidade. 33 Natureza da Ciência e BKS 1. A observação inicial não é possível sem idéias pré-existentes Tanto o experimento de Compton quanto o de Bothe e Geiger foram elaborados tendo como orientação a teoria vigente, caso contrário poderiam ter utilizados métodos diferentes para averiguação. 34 2. A natureza não apresenta evidências suficientes para que seja interpretada sem ambigüidades. O experimento de Compton não pode ser tomado como o experimento crucial na definição do comportamento corpuscular da radiação, pois a teoria BKS conseguia explicá-lo satisfatoriamente. De modo semelhante, pode, ainda, haver outras teorias que poderão explicá-lo. 35 3. As teorias científicas não são induções, mas hipóteses imaginadas pelos cientistas e necessariamente vão além das observações. A teoria BKS não estava baseada apenas na observação, mesmo porque não era possível observar o comportamento dos campos virtuais. Ela foi construída baseando-se na idéia de que o modelo clássico apresentava resultados coerentes em outros casos e portanto, era o mais óbvio a ser utilizado. Além disso, havia a questão da existência real do quantum, que para Bohr não era totalmente clara. 36 4. O conhecimento científico não é estático e convergente, mas mutável e aberto. A teoria BKS tentou explicar os fenômenos de emissão e absorção da radiação desconsiderando a hipótese dos quanta de luz. Entretanto, nos artigos de Einstein (1905; 1909a) e no de Compton (1923), eles utilizaram a conjectura de que a energia luminosa consistia em quanta de luz. A teoria BKS foi contestada por violar o princípio de conservação da energia e momentum clássicos, considerando-os apenas estatísticos. Essa será uma das interpretações do princípio de incerteza de Heisenberg, que modificará a mecânica quântica após 1927. 37 5. Os cientistas não elaboram deduções incontestáveis, mas fazem julgamentos complexos. A teoria BKS nos evidencia que a ciência é uma construção humana, a qual está passível a erros ou inconsistências. Pensar que os cientistas foram ou são “gênios inigualáveis” que nunca cometem erros é uma visão distorcida da natureza da ciência. É preciso observar o papel da teoria BKS como base e não como uma justificação da fórmula de dispersão, ou do princípio da correspondência, colocando-a como uma contribuição e não somente como um “pequeno deslize” de Bohr. 38 6. Discordâncias são sempre possíveis. Bohr mantinha-se um conservador no caso do comportamento da luz, opondo-se à teoria do quantum de Einstein, juntamente com Kramers e Darwin. A teoria de BKS foi alvo de muitas críticas: - Experimentalmente por Bothe e Geiger. - Teoricamente, as principais críticas foram formuladas por Einstein, e estavam relacionadas à validade do princípio de conservação. Além disso, Einstein argumentava que se havia um campo virtual elétrico, também seria coerente pensar em um “campo virtual acústico” 39 História da Ciência, Natureza da Ciência e Ensino de Ciências O estudo sobre a história da ciência nos permite compreender como e porquê o conhecimento foi construído, as suas limitações, aplicações e as conseqüências desse conhecimento para a época 40 História da Ciência, Natureza da Ciência e Ensino de Ciências através de um Episódio Histórico Analisar o porquê da limitação de uma teoria científica pode contribuir para que o aluno adquira um pensamento crítico, desse modo, o aluno apreende que o ato de questionar uma teoria faz parte da construção do saber científico. 41 História da Ciência, Natureza da Ciência e Ensino de Ciências através de um Episódio Histórico Por conseguinte, a teoria BKS como um episódio histórico pode contribuir para a compreensão da natureza da ciência e do processo de construção do conhecimento científico, propiciando condições para que o aluno seja capaz de conceber a base conceitual da física de modo gradual, e não apenas o seu produto final. 42