Métodos e critérios para o diagnóstico do diabetes mellitus

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Métodos e critérios para o diagnóstico do diabetes mellitus
2014-2015
Diretrizes SBD
Métodos e critérios para o diagnóstico
do diabetes mellitus
INTRODUÇÃO
A evolução para o diabetes mellitus tipo
2 (DM2) ocorre ao longo de um período
de tempo variável, passando por estágios intermediários que recebem a
denominação de glicemia de jejum
alterada e tolerância à glicose diminuída. Tais estágios seriam decorrentes
de uma combinação de resistência à
ação insulínica e disfunção de célula
beta. No diabetes mellitus tipo 1 (DM1),
o início geralmente é abrupto, com
sintomas indicando de maneira contundente a presença da enfer­midade.1,2
O critério diagnóstico foi modificado, em 1997, pela American Diabetes
Association (ADA), posteriormente
aceito pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) e pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).1,2
As modificações foram realizadas
com a finalidade de prevenir de
maneira eficaz as complicações micro e
macrovasculares do DM.3-5
Atualmente são três os critérios
aceitos para o diagnóstico de DM com
utilização da glicemia (Quadro 1):
• Sintomas de poliúria, polidipsia e
perda ponderal acrescidos de
glicemia casual > 200 mg/dl.
Compreende-se por glicemia
casual aquela realizada a qualquer
hora do dia, independentemente
do horário das refeições (A).1,2
• Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl
(7 mmol/l). Em caso de pequenas
elevações da glicemia, o diag-
QUADRO 1 Valores de glicose plasmática (em mg/dl) para diagnóstico de
diabetes mellitus e seus estágios pré-clínicos
Categoria
Jejum*
2 h após 75 g
de glicose
Glicemia normal
< 100
< 140
Tolerância à glicose
diminuída
> 100 a < 126
≥ 140 a < 200
Diabetes mellitus
≥ 126
≥ 200
Casual**
≥ 200 (com sintomas
clássicos)***
*O jejum é definido como a falta de ingestão calórica por no mínimo 8 horas;
**Glicemia plasmática casual é aquela realizada a qualquer hora do dia, sem se observar o intervalo desde a última refeição;
***Os sintomas clássicos de DM incluem poliúria, polidipsia e perda não explicada de peso.
Nota: O diagnóstico de DM deve sempre ser confirmado pela repetição do teste em outro dia, a menos
que haja hiperglicemia inequívoca com descompensação metabólica aguda ou sintomas óbvios de DM.
nóstico deve ser confirmado
pela repetição do teste em outro
dia (A).1,2
• Glicemia de 2 horas pós-sobrecarga
de 75 g de glicose > 200 mg/dl (A).1,2
O teste de tolerância à glicose deve
ser efetuado com os cuidados preconizados pela OMS, com coleta para diferenciação de glicemia em jejum e 120
minutos após a ingestão de glicose.
É reconhecido um grupo intermediário de indivíduos nos quais os níveis
de glicemia não preenchem os critérios para o diagnóstico de DM. São,
entretanto, muito elevados para serem
considerados normais.7 Nesses casos
foram consideradas as categorias de
glicemia de jejum alterada e tolerância
à glicose diminuída, cujos critérios são
apresentados a seguir.
GLICEMIA DE JEJUM ALTERADA
• Glicemia de jejum > 100 mg/dl e
< 126 mg/dl. Esse critério ainda
não foi oficializado pela OMS,
porém já existe uma recomendação da Federação Internacional
de Diabetes (IDF) acatando o
ponto de corte para 100 mg/dl.
• Tolerância à glicose diminuída.
Ocorre quando, após uma sobrecarga de 75 g de glicose, o valor de
glicemia de 2 horas situa-se entre
140 e 199 mg/dl (B).2-6
O método preferencial para determinação da glicemia é sua aferição no
plasma. O sangue deve ser coletado
em um tubo com fluoreto de sódio,
centrifugado, com separação do
plasma, que deverá ser congelado para
posterior utilização. Caso não se
9
Diretrizes SBD 2014-2015
disponha desse reagente, a determinação da glicemia deverá ser imediata
ou o tubo mantido a 4oC por, no
máximo, 2 horas.8
Para a realização do teste de tolerância à glicose oral algumas considerações devem ser levadas em conta:8
• Período de jejum entre 10 e 16 horas.
• Ingestão de pelo menos 150 g de
glicídios nos três dias anteriores à
realização do teste.
• Atividade física normal.
• Comunicar a presença de infecções, ingestão de medicamentos
ou inatividade.
• Utilizar 1,75 g de glicose por quilograma de peso até o máximo de 75 g.
As fitas com reagentes não são
tão precisas quanto as dosagens plasmáticas e não devem ser usadas para
o diagnóstico.
Em julho de 20099 foi proposta a
utilização de hemoglobina glicada
(HbA1c) como critério de diagnóstico
para o DM. A alegação é que a medida
da HbA1c avalia o grau de exposição à
glicemia durante o tempo e os valores
se mantêm estáveis após a coleta. Em
janeiro de 2010, a ADA modificou o
critério inicial. As recomendações
atuais são as seguintes:10
• Diabetes – HbA1c > 6,5% a ser
confirmada em outra coleta.
Dispensável em caso de sintomas
ou glicemia > 200 mg%.
• Indivíduos com alto risco para o
desenvolvimento de diabetes –
HbA1c entre 5,7 e 6,4%.
O valor de 6,5% foi escolhido com
base no ponto de inflexão para a prevalência de retinopatia. O valor de 5,7
apresenta uma sensibilidade de 66% e
uma especificidade de 88% para
predizer o desenvolvimento de diabetes
mellitus nos 6 anos subsequentes.1
Entretanto,
existem
alguns
problemas para a aplicação desse parâmetro como critério diagnóstico do DM,
10
mesmo com a exclusão de imperfeições
na padronização: hemoglobinopatias,
ane­mias hemolítica e ferropriva.
Outro ponto a considerar é a
discordância entre os resultados da
glicemia e da HbA1c quando, mesmo
após a repetição deles, somente um
permanecer anormal. Nesse caso, a
pessoa deve ser considerada diabética.
Recentemente11 foi levantada a
questão da influência das etnias. Os indivíduos afrodescendentes possuem
níveis mais elevados de HbA1c do que os
caucasoides para valores iguais de
glicemia em todas as categorias: tolerância normal à glicose, pré-diabetes e
DM. Um estudo no Reino Unido demonstrou que os asiáticos também apresentavam níveis de HbA1c mais elevados
quando comparados a caucasoides com
níveis glicêmicos semelhantes.12
A OMS, por outro lado, recomenda
que HbA1c de 6,5% seja compatível
com o diagnóstico de DM, porém
considera indivíduos com níveis entre
6 e 6,4% como possuindo alto risco de
evoluir para DM.13
Por outro lado, estudo recente
concluiu que a concentração de HbA1c
associada a incidência de retinopatia é
mais baixa nos afrodescendentes do
que nos caucasoides.14
As razões para essa discrepância
ainda não estão elucidadas.
Em conclusão, os critérios para
diagnóstico de DM por glicemia plasmática possuem nível A de evidência.
Para a hemoglobina glicada são
necessários mais estudos.
REFERÊNCIAS
1. American Diabetes Association.
Diagnosis and classification of
diabetes mellitus. Diabetes Care.
2014;(supplement) 37:S81-90.
2. American Diabetes Association.
Gui­de to diagnosis and classification
of diabetes mellitus and ofter categories of glucose intolerance. Diabetes
Care. 1997; 20(Suppl):215-25.
3. Bennet PH. Definition, diagnosis
and classification of diabetes
mellitus and impaired glucose tole­
rance. In: Kahn CR, Weir GC (eds.).
Joslin’s Diabetes Mellitus. 13. ed.
EEUU: Editora Lea e Febiger Philadelphia, 1994. p. 193-15.
4. Charles MA, Shipley MJ, Rose G et al.
Risk factors for NIDDM in white
population. Paris Prospective Study.
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5. Decode Study Group. Glucose to­le­
rance and mortality: Comparison of
WHO and American Diabetes Association diagnostic criteria. Lancet.
1999;354:617-21.
6. Engelgau MM Thompson TJ,
Herman WH et al. Comparison of
fasting and 2 hours glucose and
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Care. 1997;20:785-91.
7. Fuller JM, Shipley MJ, Rose G et al.
Coronary heart disease risk and
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study. Lancet. 1980;1:1373-6.
8. Report of Expert Committee on the
Diagnosis and Classification of
Diabetes Mellitus. Diabetes Care.
1997;20:1183-97.
9. The Expert Committee on the Diag­
nosis and Classification of Diabetes
Mellitus. Follow-up report on the
diagnosis of diabetes mellitus.
Diabetes Care. 2003;26:3160-7.
10. The International Expert Committee.
International expert committee
report on the role of the A1c assay in
the diagnosis of diabetes. Diabetes
Care. 2009;32(7):1327-34.
2014-2015
11. Ziemer DC, Kolm P, Weintraub WS et
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differences in hemoglobin A1c levels.
Ann Intern Med. 2010;152:770-7.
12. John WG; UK Department of Health
Advisory Committee on Diabetes.
Use of HbA1c in the diagnosis of
diabetes mellitus in the UK. The
implementation of World Health
Organization guidance 2011. Diabet
Med. 2012;29(11):1350-7.
13. World Health Organization (WHO).
Use of glycated haemoglobin
(HbA1c) in the diagnosis of diabetes
mellitus. Disponível em: http://www.
who.int/diabetes/publications/
Diretrizes SBD
report-hba1c_2011.pdf. Acesso em:
21 mai. 2013.
14. Tsugava Y, Mukamal KJ, Davis RB et
al. Should the hemoglobin A(1c)
diagnostic cutoff differ between
blacks and whites?: a cross-sectional
study. Ann Intern Med. 2012;
157(3):153-9.
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