Na edição de número 458 de uma revista dedicada a

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Na edição de número 458 de uma revista dedicada a
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28/02/2014 ­ 05:00
Conversa de revista feminina
Por Noemi Jaffe
em estereótipos
Colaboração no trabalho: dupla propõe 'inteligência de gênero' baseada
Na edição de número 458 de uma revista dedicada a mulheres independentes, bonitas e sexies, muito popular no
país, leio no sumário os títulos das matérias: "Pós­progressiva: mantenha o cabelo liso com os produtos certos";
"Confira sete dicas infalíveis para alcançar o sucesso"; "Como saber se ele está curtindo suas técnicas na cama";
"Copie o penteado clean de Jessica Alba"; "Queda de cabelo: descubra causas e tratamentos"; "Como cortar os
gastos desnecessários ao sair de casa"; "Dicas para você amar o emprego que você já tem"; "Passo a passo do make
de festa de Adele" e "Dez coisas que você não precisa contar ao seu namorado".
Aviso que a escolha desse sumário foi totalmente aleatória. Eu poderia ter escolhido qualquer edição. Penso que a
leitora dessa revista, que propõe uma mulher "jovem, original e diferente", deve ficar um pouco confusa. Ela deve
ser bem­sucedida (com sete dicas), ter técnicas sexuais infalíveis (mas secretas), não gastar muito quando sai de
casa e ter o penteado de Jessica Alba e o "make" de Adele (que assume a gordura, mas "adoraria" saber dez
segredos para emagrecer).
Tendo a ter reações semelhantes às causadas por essa revista, quando vejo um título de livro como "Homens e
Mulheres Inteligentes, Colaborando e Vencendo".
Como deve ser essa mulher inteligente, que colabora com o homem e vence com ele? O livro é dirigido a quem? A
homens que desejam vencer ou a mulheres que querem aprender a colaborar? A ideia de colaboração é "como
esconder suas técnicas", "seduzir sem parecer", "demonstrar que você também é inteligente" ou "homens: prestem
mais atenção a quem está ao seu lado"?
Vejo os subtítulos dos capítulos: "Fazer o dobro para ser quase tão boa"; "Tente convencê­la a não se demitir"; "Eu
não entendi qual era o objetivo dela"; "Ele se distrai tão facilmente"; "Eu não conseguia acalmá­la" e vários outros
de teor semelhante.
É claro que o livro se pretende democrático, igualitário e, supostamente, espera que os homens saibam valorizar o
que as mulheres têm de melhor (e vice­versa) para que ambos possam vencer juntos.
Mas, de alguma forma, a abordagem trai o inverso. O livro propõe uma "inteligência de gênero" segundo a qual os
homens devem aprender a respeitar a emotividade feminina e saber tirar proveito dela para incrementar o
trabalho. "A reação emocional e os pensamentos reflexivos de uma mulher podem ser o complemento perfeito para
a impulsividade e a necessidade de ação imediata dos homens. Eles podem aproveitar para examinar as
consequências de suas decisões antes de agir apressadamente. E as mulheres podem tirar proveito da
impulsividade e da energia masculina em suas equipes."
"Inteligência de gênero" seria, portanto (pelo que minha emotividade conseguiu perceber), tirar proveito dos
estereótipos. Mulheres sensíveis e homens impulsivos: vamos trabalhar juntos e vencer?
Há até mesmo tabelas estabelecendo o que os homens deveriam dizer para as mulheres, em determinadas
situações, para não magoá­las. No lugar de ser sinceros e dizer que não se lembram do local do primeiro encontro,
devem parecer preocupados e perguntar: "Onde foi mesmo, amor? Gostaria de saber!"
Bem, se "colaboração" é o mesmo que "hipocrisia", certamente não seria necessário um livro para ensinar aquilo
que homens e mulheres já conhecem tão bem.
"Trabalhando Juntos ­ Homens e Mulheres Inteligentes, Colaborando e Vencendo".
Barbara Annis e John Gray. Trad.: Elvira Serapicos. Paralela, 272 págs., R$ R$ 29,90
Noemi Jaffe é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está
Acontecendo" (Martins Editora)
E­mail: [email protected]