Texto Completo - Universidade São Francisco

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Texto Completo - Universidade São Francisco
HORIZONTES
Revista Semestral do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco
Volume 30 Número 1 Janeiro/Junho de 2012
ISSN 0103-7706
A revista Horizontes é um veículo de divulgação e debate da produção científica na área de Educação e está
vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco, Itatiba/SP.
O propósito da revista é servir de fórum para a apresentação de pesquisas desenvolvidas, estudos teóricos e
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portuguesa, inglesa, francesa e espanhola. Os textos publicados são submetidos a uma avaliação às cegas pelos
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Edição
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação
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Publicações:
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Horizontes / Universidade São Francisco. -- Vol. 14 (1996)-. -- Bragança Paulista:
Editora Universitária São Francisco, 1996v. : il.
Anual, 1996-2003; semestral, 2004Continuação de: Revista das Faculdades Franciscanas (1983-1985); Revista da
Universidade São Francisco (1986-1989); Horizontes: revista de ciências humanas
(1990-1995)
Disponível on-line: http://www.usf.edu.br/revistas/horizontes
ISSN 0103-7706 (versão impressa)
ISSN 2317-109X (versão on-line)
1.Ciências humanas - Periódicos. 2. Linguagem - Periódicos. 3. Educação Periódicos. 4. Educação matemática - Periódicos 5. Historiografia - Periódicos.
I. Universidade São Francisco.
Ficha catalográfica elaborada pelas Bibliotecárias do Setor de
Processamento Técnico da Universidade São Francisco.
Pede-se permuta
Se pide canje
We ask for Exchange
On demande l’échange
Man bittet um Austausch
Si richiede lo scambio
Indexação em:
Psicodoc (Espanha); Clase (México); Francis
(França).
3
Sumário
Artigos
5
Editorial
7
“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos para a
educação da infância brasileira
Evelyn de Almeida Orlando
17
Cultura, educação e lei 10.639/03: discussões, tendências e desafios
Luciane Ribeiro Dias Gonçalves
25
Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX e início
do Século XX
Priscila Kaufmann Corrêa
35
Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus
Fabiana Rodrigues Carrijo
João Bôsco Cabral dos Santos
47
O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador
Juçara Gomes de Moura
Maria Aparecida Lopes Rossi
57
A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG
Luciane Manera Magalhães
69
Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação a
distância
Edilaine Vagula
Marilda Aparecida Behrens
79
Resenha: Lev Vigotski mediação, aprendizagem e desenvolvimento uma leitura filosófica e
epistemológica
Renata Correa Rocha
83
Relação das dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação da Universidade São Francisco no período de janeiro a junho de 2012.
91
Normas para publicação
Publishing Norms
4
5
Editorial
A Revista Horizontes, iniciativa do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação da Universidade São Francisco, chega à
sua trigésima edição, consolidando-se como órgão
de divulgação de produções relacionadas a
Linguagem, Discurso e Práticas Educativas;
Matemática, Cultura e Práticas Pedagógicas, bem
como
História,
Historiografia
e
Ideias
Educacionais, linhas de pesquisa do programa.
Igualmente, mantém seu espaço aberto a
colaborações de pesquisadores do país e de outras
partes do mundo, fomentando diálogos
interdisciplinares, sempre necessários à pesquisa
educacional. Dossiês temáticos e contribuições
oriundas de demanda espontânea, ambos
submetidos à avaliação do comitê científico, em
conjunto com resenhas temáticas e os resumos das
dissertações defendidas no programa formam a
estrutura básica dos números da revista.
Neste número, a revista Horizontes
publica sete artigos que versam sobre diferentes
temáticas.
Em “Meu catecismo”: cultura católica e
modernidade na produção de livros didáticos
para a educação da infância brasileira, Evelyn de
Almeida Orlando se debruça sobre a coleção título
do artigo a fim de observar o projeto de
escolarização da catequese empreendido pelo
Monsenhor Álvaro Negromonte. Articulam-se,
neste projeto, as questões postas no debate
educativo do período (1940 – 1960), a adequação
de métodos e programas a idades diversas, a
seriação do conteúdo, o trabalho a partir da
criança, a interação com o material didático e
entre professor e aluno. Assim, ao analisar as
questões materiais e o conteúdo do Meu
catecismo, Orlando toca nestes pontos
fundamentais. Mas, também, discute o avanço e
apropriação da Igreja, especificamente na figura
deste padre, de novas pedagogias e de releitura
interna empreendida pela Igreja alcançando novas
representações da instituição ao atualizar seu
discurso.
Em Cultura, educação e lei 10.639/03:
discussões, tendências e desafios, Luciane Ribeiro
Dias Gonçalves, ao recuperar as ideias de alguns
autores, discute em que implica, para o trabalho
docente e para os currículos, a obrigatoriedade de
inserção da história da África e da cultura afrobrasileira nas escolas. O deslocamento do
eurocentrismo para uma perspectiva que entende
que a existência de um povo já o qualifica como
objeto a ser estudado é tematizado ao longo do
texto.
Priscila Kaufmann Corrêa apresenta o
artigo Leituras para crianças: vida e obra de
quatro escritoras entre a metade do século XIX e
início do Século XX. As quatro mulheres
focalizadas neste estudo escreveram obras
clássicas. São elas: Condessa de Ségur (Meninas
exemplares), Louisa May Alcott (Mulherzinhas),
Johanna Spyri (Heidi) e Maria Clarice Marinho
Villac (Clarita da pá virada). A autora apresenta
uma breve análise da vida dessas mulheres,
discute o uso de fontes literárias na pesquisa
historiográfica bem como a noção de escala e a
forte religiosidade presente nestas obras.
No artigo de Fabiana Rodrigues Carrijo e
João
Bôsco
Cabral
dos
Santos,
intitulado Nas fissuras dos cadernos encardidos:
O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus,
os autores propõem uma análise discursivoliterária que discute as diferentes posições-sujeito
de Carolina Maria de Jesus em seu livro Quarto
de despejo: diário de uma favelada, onde a autora
narra sua existência como moradora de uma
favela, em meio à pobreza e à exclusão. A análise
dos autores discute essas diferentes posições na
escrita do texto, no qual é criado um relato em que
a personagem é protagonista de uma
história/estória, onde os fios dessa escritura
apresentam diferentes marcas do sujeito-narrador,
do sujeito-personagem e, ainda do sujeito-autor,
formando um tipo de relato autobiográfico.
Discutindo a reformulação curricular de
cursos de Pedagogia em Goiás, o artigo de Juçara
Gomes de Moura e Maria Aparecida Lopes
intitula-se O curso de pedagogia em Goiás e a
formação do professor alfabetizador. O estudo
focaliza a década de 1980 e as influências
governamentais e sociais para democratização do
ensino que acaba por propor a reformulação do
curso de pedagogia, formando profissionais que
atuariam nas escolas de primeiro grau. Para a
compreensão deste processo, as autoras recuperam
as mudanças históricas nos métodos de
alfabetização
que
implicam
diferentes
compreensões de ensino-aprendizagem, de aluno e
de professor, chegando aos conteúdos específicos
do curso de pedagogia para o ensino de leitura e
escrita.
Em A formação inicial de professores
alfabetizadores no município de Juíz de Fora/MG,
Luciane Manera Magalhães discute a formação
desses profissionais nos cursos de Pedagogia a
partir de análise de documentos (currículos,
grades curriculares, programas das disciplinas) e
de entrevistas com os professores regentes e
coordenadores dos cursos. Para problematizar os
conteúdos envolvidos nesta formação, a autora
6
recupera e discute o conceito de “transposição
didática” e expõe onde este conceito pode ser lido
na Proposta de diretrizes para a formação inicial
de professores da educação básica. As
discrepâncias entre carga horária e metodologias
de ensino são apontadas como foco para
reformulação da proposta de formação.
No artigo intitulado Formação de
professores e o exercício da docência numa visão
complexa na educação a distância, de Edilaine
Vagula e Marilda Aparecida Behrens, as autoras
propõem uma discussão sobre as modalidades de
formação de professores em um ambiente
complexo frente às demandas provenientes das
relações entre o ensino e as Tecnologias da
Informação e Comunicação (TICs). Para essa
discussão, as autoras ressaltam a questão do
currículo na educação a distância guiado por uma
perspectiva de dialogicidade, interatividade e
aprendizagem colaborativa, de forma a contribuir
para um processo de autoformação do professor.
O volume termina apresentando a resenha
do livro Lev Vigotski: mediação, aprendizagem e
desenvolvimento uma leitura filosófica e
epistemológica, elaborada por Renata Correa
Rocha, bem como a relação das dissertações
defendidas no Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Educação da Universidade São
Francisco no período de janeiro a junho de 2012,
através da publicação de seus resumos.
Esperamos que a leitura seja prazerosa e
que estes artigos possam estimular o diálogo com
outras pesquisas.
Alexandrina Monteiro
Jackeline Mendes Rodrigues
Paula Leonardi
7
“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos
para a educação da infância brasileira
Evelyn de Almeida Orlando*
Resumo
Este artigo analisa o projeto pedagógico de escolarização da catequese do Monsenhor Álvaro Negromonte
com base em uma série de manuais de catecismo produzida pelo autor para o ensino primário entre os anos
1940 e 1960. Seu projeto abarcava uma mudança de cunho didático-pedagógico no conteúdo apresentado,
mas também uma mudança editorial, buscando transformá-los em livros didáticos interessantes para os
alunos. Esses livros serviram para dar uma virada no ensino religioso, desprestigiado entre os alunos, e pôs
em circulação novas representações pedagógicas acerca da Igreja, que, sem perder as suas finalidades,
atualizou e reconfigurou seus discursos, muitas vezes, como uma estratégia para se manter nos debates da
vida moderna. Dessa forma, a cultura católica foi se fazendo presente na História da Educação ao mesmo
tempo em que ao se apropriar das contribuições das ciências educacionais modernas ia reconfigurando as
práticas educativas católicas.
Palavra-chave: História da Educação; pedagogia católica, escola nova, manuais de catecismo.
"My Catechism": catholic culture and modernity in textbooks production for brazilian childhood
education
Abstract
This article examines Monsignor Alvaro Negromonte's pedagogical project of schooling the catechesis from
a series of catechism manuals, produced by the author for primary education, between 1940 and 1960. His
project involved a change of didactical/pedagogical nature in the content presented, but also an editorial
change, seeking to turn them into interesting textbooks for students. These books worked a shift in religious
education, discredited among students, and put into circulation new pedagogical representations about
Catholic Church which, without losing its purposes, updated and reconfigured its speeches, often as a
strategy to stay in the debates of modern life. Thus, the Catholic culture became present in the History of
Education at the same time that, by appropriating the contributions of modern educational sciences,
reconfigured the modern Catholic educational practices.
Key-words: History of Education; catholic teaching; new school; cathecism books.
Introdução
Os quatro livros da série “Meu
Catecismo” foram publicados pelo Monsenhor
Álvaro Negromonte1 em 1942 e fazem parte da
sua coleção de quatorze catecismos didáticos
endereçados à escola, destinados a todas as séries,
do primário ao Curso Normal2. A publicação
desses manuais em forma de coleção, tendo como
principais destinatários os alunos das escolas
confessionais católicas e também os das escolas
públicas, deve ser entendida como uma estratégia
de escolarização da sociedade, que buscava
associar instrução e doutrinação religiosa nas suas
práticas educativas. Nesse projeto, a civilização
dos costumes empreendida pela escola
corroborava o projeto salvífico, e ambos eram
pensados de forma interdependente, configurando
o conceito de educação integral na perspectiva
católica, que contempla a educação da mente (por
meio do desenvolvimento cognitivo), do corpo
(por meio do cultivo de corpos castos e saudáveis)
e do espírito (por meio da educação moral). Esse
tripé ajudaria a formar o homem cristão,
* Endereço eletrônico: [email protected]
encaminhando-o na direção da salvação da sua
alma, verdadeira finalidade da educação para a
Igreja e um dos principais pontos de discordância
que acirrou a disputa nos anos 1930 em torno do
campo educacional, estabelecendo em posições
opostas, “católicos e liberais”.
O
tema
da
educação
religiosa
sensibilizou, significativamente, os educadores
católicos pela forte mobilização criada em torno
da discussão acerca do ensino religioso nas
escolas públicas, de onde foi retirado com a
instauração do Estado Republicano. O movimento
em prol da laicização do ensino não foi aceito
pelos católicos que, apesar de terem aceitado o
novo regime, consideravam essa medida
absolutamente incompatível com um país de
maioria católica3. O grupo que defendia o
laicismo na educação e o grupo católico se
colocaram em polos antagônicos no movimento
que se instaurou em prol da educação nacional. O
termo “educadores católicos” é utilizado neste
trabalho na perspectiva proposta por Magaldi ao
analisar esses posicionamentos. Segundo a autora,
8
Evelyn de Almeida Orlando
ao nos utilizarmos do termo ‘educadores
católicos’, estamos considerando, não a
fé religiosa- de natureza individual – do
intelectual em questão, mas sua adesão a
um projeto de educação inserido no
movimento mais amplo de renovação
católica. Tal projeto educacional possuía
como núcleo a temática da orientação
religiosa, considerando-a em clara
articulação com a visão do papel
essencial da família na formação do
indivíduo e de seu lugar inviolável na
definição do modelo a ser seguido na
educação dos filhos (MAGALDI, 2006, p.
102).
O objetivo deste artigo é compreender o
projeto pedagógico do Monsenhor Álvaro
Negromonte como parte de um movimento de
renovação catequética que se alastrou pelo mundo
no século XX, que incidia diretamente em uma
mudança nas práticas educativas católicas, a partir
da análise de parte da sua coleção de catecismos,
especificamente, os catecismos primários,
atentando para a mudança de cunho didático no
conteúdo e na mudança editorial proposta por seu
autor.
O
movimento
de
recristianização
sociedade pela escolarização da catequese que
tomou corpo no Brasil no final dos anos de 1920
estava ligado a mudanças que a Igreja Católica
vinha empreendendo no âmbito internacional. Em
1905, com a Encíclica Divini Illius Magistri,
única dedicada à catequese, o Papa Pio X
reconheceu o primado da catequese na missão da
Igreja e uma onda de ações foi desenvolvida nesse
sentido. Em 1912, foi publicado o Catecismo da
doutrina cristã, um texto que buscava condensar
as verdades da fé em um texto único de
catecismo, uma exigência desde o Concílio de
Trento, que não se chegou a se concretizar
totalmente4; Em 1923, foi criado o Conselho
Catequético central com a missão de promover e
coordenar ações catequéticas em todo o mundo;
em 1929, foi instituída a disciplina Catequética
nos cursos teológicos e, dois anos depois, também
nas faculdades de teologia; Em 1935, foi
decretada a instituição do Conselho Catequético
em todas as dioceses (BOLLIN & GASPARIN,
1998).
Nessa direção, uma série de reuniões
catequísticas foram promovidas, inovando os
debates com semanas e dias de atualização que
eram destinadas não só aos sacerdotes, mas
também à formação de catequistas leigos para
serem enviados às áreas com pouco clero. Esses
encontros propiciaram um avanço nos debates
sobre a catequese e estimularam a reflexão sobre
antigos e novos problemas do ensino de
catecismo, envolvendo um número cada vez
maior de leigos nos projetos da Ação Católica,
ampliando o leque das discussões educacionais
que, em vários países como a França, Bélgica,
Alemanha, Portugal, Itália, dentre outros,
passaram a apresentar um diálogo maior com a
esfera científica (BOLLIN & GASPARIN, 1998).
Foi na efervescência desse movimento
que, no Brasil, a partir dos anos 1930, o padre
Álvaro Negromonte empreendeu um projeto de
renovação da pedagogia católica que abrangia
várias ações encadeadas5, dentre as quais, a
reformulação nos textos de catecismo, adaptandoos para a escola, em estreita relação com as
contribuições oriundas das Ciências da Educação.
Certamente, ele não foi o único, no Brasil, a
empreender projetos nessa direção. Em diferentes
estados,
educadores
católicos
vinham
manifestando a necessidade de se reformular o
ensino religioso, formar novos professores dentro
das novas concepções pedagógicas modernas e
produzindo ações nessa direção6. O discurso
psicopedagógico que se instalou nesse campo
levou a Igreja a rever sua concepção de criança e
o método utilizado para a instrução e transmissão
da fé. Alguns catequistas, influenciados pelas
ciências da educação e pelo movimento
escolanovista, modificaram sua práxis pedagógica
e criaram novos métodos, incorporando,
sobretudo, as suas contribuições de caráter
técnico-didático.
O trabalho de Negromonte ganha relevo
nesse contexto porque suas ações foram calcadas
em duas importantes estratégias que o conduziram
a essa posição de destaque nesse movimento:
concomitantemente,
ele
conquistou
uma
importante rede de sociabilidade que contribuiu
para propagar de forma vigorosa as suas ideias em
diferentes espaços da sociedade e desenvolveu um
projeto pedagógico vasto, sistematizado e com um
alto grau de coesão. Seus livros foram publicados
de forma sequencial e articulados a um projeto de
formação de professores, veiculado na imprensa
periódica educacional católica do Estado de
Minas e, posteriormente, convertidos em uma
coleção de livros didáticos, que abrangia da 1ª
série primária ao Curso Normal. A esses,
posteriormente, foi acrescentado um conjunto de
livros destinados à educação das famílias, dando a
ver uma proposta de colaboração entre família e
escola em seu projeto pedagógico.
Ancorado nas discussões travadas com os
escolanovistas mineiros, o trabalho do padre
Negromonte está articulado em larga medida aos
usos que os católicos fizeram do impresso nas
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012
“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos para a educação da
infância brasileira
suas estratégias de conformação do campo
doutrinário da pedagogia, como assinala Carvalho
(1994). Ao utilizar o livro como um dos principais
instrumentos de difusão da sua proposta
pedagógica, o autor revela a compreensão que
vinha sendo dada a esse tipo de objeto acerca da
cultura material escolar.
Um novo texto de catecismo para o ensino
primário
“Tudo estava a pedir um texto nosso...”
(Negromonte, 1942a). Como uma das principais
estratégias de ação nessa direção, Negromonte
propôs uma reformulação nos textos de catecismo
em um duplo aspecto: material e textual. O novo
significado da catequese compreendia uma
formação voltada para a vida religiosa na prática.
Deveria se ensinar a doutrina sem perder de vista
o aspecto formativo da educação religiosa, mas de
forma atraente, interessante para os alunos e,
consequentemente, eficaz para o objetivo ao qual
se propunha. Os antigos manuais não atendiam a
essas expectativas.
Os novos textos, se quiserem realmente
servir à finalidade do catecismo, que é
formar o cristão prático, devem ter uma
feição inteiramente diversa da atual. Sei
que diante de um catecismo novo, todos
sentiremos uma impressão estranha.
Temos na mente aquelas perguntas,
aquelas expressões que decoramos em
criança e ensinamos mil vezes aos
pequenos; acostumamo-nos aquela ordem
de matéria; afizemo-nos até o tipo de
livro dos nossos catecismos [...] Mude-se
aquilo e nós estranharemos [...] Mas é
preciso mudar! (NEGROMONTE, 1942a,
p.75).
Legitimado por importantes figuras do
catolicismo, ao falar na Revista Eclesiástica
Brasileira sobre essa necessidade de um texto
novo de catecismo, Negromonte já o preparava
em quatro volumes, sob o estímulo de amigos
como D. Hélder Câmara que não hesitava em
referenciar suas obras como modelos de
programas escolares a serem adotados. O padre
Hélder Câmara chamava a atenção do corpo de
agentes eclesiásticos para as realizações do padre
Álvaro Negromonte:
sentindo, por experiência própria, a falta
que fazem livros adaptados ao meio
brasileiro, não se contentou em dizer como
esses livros deveriam ser escritos. Deu-nos
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012
9
os livros de que precisávamos. Ofereceunos o mestre brasileiro um manual para o
curso de admissão e uma coleção
completa para o curso secundário. No
momento, ele prepara uma coleção
também, completa, para o curso primário
(CÂMARA, 1941, p.401).
Assim, os novos textos publicados por
Negromonte foram produzidos como livros
didáticos. Tal conceito, segundo Munakata,
permite ampliar o leque de possibilidades do autor
em relação aos usos do texto. Pare ele,
livro didático é para usar: ser carregado
à escola; ser aberto; ser rabiscado; ser
dobrado, ser lido em voz alta em alguns
trechos e em outros em silêncio; ser
copiado; ser transportado de volta à
casa; ser aberto denovo; ser ‘estudado’
[...] Objeto para ser usado, livro didático
implica não uma relação direta e
imediata do aluno e do professor com o
conteúdo, esse mundo platônico de
formas inteligíveis, mas antes atividades,
práticas e de fazeres, numa situação
efetiva de ensino e aprendizagem (1997,
p. 204).
E foi nessa perspectiva que ele produziu a
série Meu Catecismo. Na abertura dos quatro
livros, destinados ao primário ele apresenta uma
Nota ao aluno, onde explica qual a relação que ele
deve ter com o livro. No volume destinado ao 2º
ano é possível depreender como a sua forma de se
dirigir ao aluno é permeada de sentidos, revelando
ainda seu conhecimento e apropriação das
contribuições da Psicologia Infantil.
Criança!
Este catecismo é seu. Foi para você que
eu o escrevi. Veja o nome dele: “MEU
CATECISMO”. Leia-o com cuidado,
estude nele com gosto. Pegue seus lápis
de cores para colorir as figuras, mas tudo
de uma vez, não. É para ir colorindo só a
lição do dia. Complete as lições
escrevendo o que falta. Faça os desenhos.
O livro vai ficar todo estragado. Não faz
mal. No fim do ano dê a mamãe para
guardar: será uma ótima lembrança
quando você for grande. E, para o ano
você terá outro catecismo. Seja sempre
bonzinho, queira bem ao Menino Jesus e
reze por mim (NEGROMONTE, 1942, p.
9).
10
Evelyn de Almeida Orlando
A postura incentivada pelo autor de
interação com o objeto material tinha um sentido
de propiciar uma relação de aproximação e
intimidade com o texto que deveria ser estendida
ao próprio processo de ensino-aprendizagem. Da
mesma forma que o aluno deveria se sentir à
vontade para interagir com o livro, dobrando,
pintando, manuseando suas páginas, fazendo
anotações, ainda que salvaguardando alguns
cuidados que refletiam hábitos de moderação
como não pintar o livro todo de uma só vez, ele
deveria se sentir à vontade para interagir também
em suas aulas, com a professora, perguntando,
participando, se expressando, como forma de
facilitar a aprendizagem dos saberes considerados
elementares para a sua fé.
Os livros de catecismo do padre Álvaro
Negromonte se configuravam como “uma
tentativa de condensar e simplificar num espaço
mínimo e portátil o que se teria necessidade de
conhecer e utilizar na atividade escolar”.
Evidentemente,
Isso implica uma série de critérios já
apontados: conteúdo adequado ao
currículo, legibilidade e inteligibilidade
apropriados ao público-alvo, subdivisão
da obra em partes, como texto
propriamente dito, boxes, resumos,
glossário, bibliografia, atividades e
exercícios, etc, segundo, uma estrutura de
organização adequada à aprendizagem;
e, sobretudo, subordinação do estilo do
texto e da arte gráfica a esse objetivo de
servir de instrumento auxiliar de ensinoaprendizagem” (MOREIRA LEITE apud
MUNAKATA, 1997, p.101).
Nesse sentido, conforme Darnton (1990) é
importante a dupla estratégia, que combina a
análise textual à pesquisa empírica para
destrinchar uma fonte tão elucidativa. A
materialidade evidencia a história dessa produção
e fornece elementos que iluminam as sombras
desses livros que foram estabelecidos como
monumento na memória coletiva daqueles que
com ele interagiram.
Segundo Chartier,
mais do que nunca, historiadores de
obras literárias e historiadores das
práticas e partilhas culturais têm
consciência dos efeitos produzidos pelas
formas materiais. No caso do livro, elas
constituem
uma
ordem
singular,
totalmente distinta de outros registros de
transmissão tanto de obras canônicas
quanto de textos vulgares. Daí, então, a
atenção dispensada, mesmo que discreta,
aos dispositivos técnicos, visuais e físicos
que organizam a leitura dos escritos
quando se torna um livro (1994, p. 8).
O suporte material de um texto o carrega
de significação para o leitor. As distintas formas
materiais estão diretamente ligadas às práticas de
leitura, à produção de sentidos. No mundo do
texto, é preciso se atentar para o que Chartier
chama de “formas e sentidos”, que vai da produção
material até a apropriação da mensagem pelo leitor.
O livro sempre visou instaurar uma
ordem; fosse a ordem de sua decifração,
a ordem no interior da qual ele deve ser
compreendido ou, ainda, a ordem
desejada pela autoridade que o
encomendou ou permitiu a sua publicação
[...] A ordem dos livros tem também um
outro sentido. Manuscritos ou impressos,
os livros são objetos cujas formas
comandam, se não a imposição de um
sentido ao texto que carregam, ao menos
os usos de que podem ser investidos e as
apropriações às quais são tão suscetíveis
(CHARTIER, 1994, p. 8).
Publicada, inicialmente, pela Editora
Vozes, a série Meu Catecismo, posteriormente,
passou, juntamente com os outros livros do padre
para a Editora José Olympio e, a partir de 1960,
para a Edições RUMO, aberta pelo autor em
sociedade com seu sobrinho para divulgação de
obras de cunho religioso e literário7. Os livros
aqui analisados, no entanto, foram diferentes
edições publicadas pela José Olympio.
Por serem destinados ao curso primário,
esses livros apresentavam uniformidade no
formato, no título, no método de exposição das
lições e nos conteúdos, encadeados e
aprofundados de forma sequenciada. Tinham em
vista responder a necessidade de novos textos de
catecismo, mais didáticos, mais interessantes,
mais voltados para a Psicologia da criança, sem
deixar escapar os conceitos mais importantes da
doutrina e da fé.
Do ponto de vista material, tratava-se de
brochuras com formatos em torno de 12, 5 cm por
18,5 cm. O número de páginas variava de acordo
com o público alvo. As duas primeiras séries
possuíam conteúdo mais sucinto, enquanto os livros
da terceira e da quarta série apresentavam maiores
desdobramentos das lições, o que resultava em um
consequente aumento do número de páginas.
As capas dos livros da série Meu
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012
“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos para a educação da
infância brasileira
Catecismo, publicados pela José Olympio, são
todas ilustradas com figuras traçadas, mantendo
uma cor de fundo padrão em diferentes edições. O
formato da capa permanece o mesmo: uma tarja
vermelha no alto e no pé da página, com o nome
do autor e o da editora respectivamente; a
ilustração, ocupando quase toda a capa reservando
um espaço para o título Meu Catecismo, abaixo da
ilustração, e a série no alto, à esquerda, destacada
dentro de um círculo vermelho.
As contracapas dos manuais dessa série,
em sua maioria, serviam como espaço de
propaganda para os livros da coleção Monsenhor
Álvaro Negromonte, com exceção do volume
três, que traz essa referência nas orelhas e, na
contracapa, faz uma propaganda do Dicionário
da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire. A
folha de rosto segue a habitual sequência
burocrática de informações: nome da coleção com
a indicação do volume; título do livro; a indicação
da série; a autoria das ilustrações; a edição, nome
da editora, lugar em que se situa e ano de
publicação.
Alguns elementos são distintivos na
estrutura desses livros. Em todos eles, aparece uma
carta do Papa endossando o trabalho do autor, o que,
por sua vez, funcionava como selo de legitimidade
da obra; há, ainda, uma nota da editora falando sobre
o autor, sua trajetória e seu trabalho educacional
(nos volumes um e três); uma nota “Aos
professores” por parte do autor explicando o seu
método e a proposta didática para o uso do texto;
uma carta do padre às crianças falando do livro em
questão (nos volumes dois e três)8. Não há
bibliografia em nenhum deles. Mas, algumas
indicações de textos bíblicos e missal aparecem
como recurso para consulta do aluno sobre
determinado assunto.
Todas as lições possuem ilustrações
vazadas, permitindo que o aluno possa interagir
com ela, colorindo-a ao seu gosto. No volume para
o primeiro ano, as ilustrações ocupam uma página
inteira e precedem as lições. No segundo e terceiro,
elas ocupam quase toda a página, salvo alguns
casos em que aparecem em tamanho menor no
meio das lições. No quarto volume as ilustrações
estão em quadros pequenos, no interior das lições,
com legendas ao lado, que algumas vezes
aparecem para o aluno completar.
Essa possibilidade que o livro apresenta
torna não só o conteúdo mais didático e aprazível
ao aluno como, do ponto de vista comercial, incide
diretamente na circulação do objeto em dois
aspectos: ao desmistificar o velho caráter sagrado
que se configurou em torno de sua representação,
ele se torna um objeto de desejo pessoal, cada um
quer ter o seu próprio livro de catecismo,
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012
11
rompendo com a tradição de passar de um irmão a
outro e garantindo suas vendas no ano seguinte; as
ilustrações vazadas, de acordo com Smith Jr
(1990), poderiam não ser apenas uma estratégia
didática, mas, sobretudo, uma possibilidade de
compensação comercial por terem custo reduzido.
De uma forma geral, o “texto novo de
catecismo” presente nas alocuções do padre
Negromonte, deveria ser tão atrativo quanto os
das outras disciplinas escolares, acompanhando as
inovações que a Psicologia sugeria para o trabalho
com as crianças, para maior eficácia do processo
ensino-aprendizagem. Segundo Negromonte,
“para sermos entendidos das crianças falemos sua
língua, reduzamo-nos ao seu vocabulário, embora
com a louvável preocupação de aumentá-lo e
enriquecê-lo [...]. A mudança de linguagem de um
texto novo de catecismo é indubitavelmente
preocupação de primeira linha” (1942a, p. 75). O
senso de medida, pouco comum na maioria dos
catecismos, revela-se uma das preocupações do
padre, que procura, através das lições do Meu
Catecismo, oferecer apenas o que o aluno pode
comportar, em lições que vão aumentando as
dosagens e se desdobrando de acordo com a série.
Essa possibilidade de um programa de catecismo
seriado se apresenta como uma das principais
vantagens do catecismo escolar.
Preocupado em formar para a vida, as
lições
apoiam-se
no
método
integral,
desenvolvido, claramente, na nota “Aos
Professores”, onde o autor retoma algumas
sugestões de trabalho aprofundadas na Pedagogia
do Catecismo. A proposta era fornecer um roteiro
temático, em lições, para que os professores
pudessem, de forma inventiva, adaptá-los às
realidades das suas salas de aula. Nos volumes
para o segundo, terceiro e quarto ano, o conteúdo
da nota “Aos Professores” é, praticamente, o
mesmo, acrescentando um ou dois parágrafos com
explicações específicas, como é o caso do livro
para o terceiro ano, que o padre indica quais as
lições que podem ser suprimidas se não houver
tempo de dar todo o conteúdo9. No volume para o
quarto ano, o autor explica que o livro foi pensado
para duas aulas semanais. Na escola em que só
houver uma aula semanal, a matéria deverá ser
dividida e o livro poderá ser usado, também, no
ano seguinte.
Em todas as notas, Negromonte reforçava
a importância de seguir o seu método que,
segundo ele, era baseado em uma história de onde
sai a doutrina, na qual se fundamenta a formação.
No volume Guia do Catequista, destinado a
orientar o trabalho no segundo ano, ao tratar dessa
questão, o padre afirma:
12
Evelyn de Almeida Orlando
sendo a inteligência a faculdade mestra
do homem vamos direto à inteligência: a
leitura, dando a história e a doutrina,
deve ser entendida. Feita a leitura, vem a
verificação, através do questionário, em
cada lição, apelando-se mais para a
Inteligência que para a memória. O que
for bem entendido será facilmente
conservado. Seguem os exercícios, cuja
importância nunca será demasiado
encarecida. Por vários motivos: integram
a lição, que ficará muito incompleta sem
eles; constantemente é neles que se
completam os quatro pontos da formação
e dão maior prazer às crianças,
constituem excelente aprendizagem para
a ação católica com seus métodos do
“ver, julgar e agir”, pois sou dos que
acham a capacidade de julgar o ponto
fundamental da educação. Gravíssimo
erro seria eliminá-los, sob qualquer
pretexto. Pelo contrário: devemos
multiplicá-los até. Outras atividades, que
o livro não pode dar – álbuns, cartazes,
dramatizações, excursões -, serão
praticadas com agrado e proveito. As
recapitulações, orais ou escritas (em
forma de testes, serão muito úteis,
algumas vezes ao ano. Cada lição termina
com uma pergunta e sua resposta, para o
aluno decorar. Deste modo evitamos
inconvenientes do sistema e lhe
aproveitamos as vantagens. É que
perguntas e respostas não devem ser
ponto de partida, mas de chegada –
quando a doutrina aprendida vai ser
conservada numa fórmula completa
(NEGROMONTE, 1961, p. 7-8).
As
marcas
dessa
relação
de
interdependência, que se estabeleceu ao longo dos
séculos entre catequização e leitura, aparecem de
forma clara nos livros dessa série. De um ponto de
vista prático, as lições se organizam de forma que
“lição e exercício” acabam, quando não
exercendo,
auxiliando
o
processo
de
alfabetização. Essa articulação também tem uma
história. Segundo Hèbrard (2007), a lição e o
exercício fazem parte da história das práticas
escolares. Assim, a “lição é a ordem do saber que
só se exprime quando perfeita. O exercício, ao
contrário, é essa autorização que a instituição dá
ao aluno, de mostrar suas tentativas, seus
esforços, seus fracassos, suas dificuldades. Expor
o momento da aprendizagem muito mais que seu
resultado: é isso o exercício” (Hèbrard, 2007, p. 4).
A ênfase, nos exercícios, dada pelo autor,
insere-se nessa perspectiva de aprendizagem e na
formação de habitus10. Para ele,
a finalidade do ensino religioso é criar
atitudes e hábitos [...] perfeita escola
para a vida, o catecismo deve encaminhar
para o cumprimento dos deveres [...]
insistiremos nesses pontos de formação
sempre e sempre porque são a essência
da catequese e porque a constituição de
um hábito requer, em geral, não pequenos
cuidados (NEGROMONTE, 1960, p.12).
Os exercícios, propostos nas lições,
incluem o habitual questionário, a partir do
segundo ano, com perguntas abertas. Além disso,
é clara a referência para que o professor vá além
dos exercícios propostos e utilize dos recursos que
a moderna Pedagogia já atestou serem
proveitosos, como as dramatizações, a confecção
de álbuns, pelos próprios alunos, a ornamentação
da sala em conjunto, excursões, jogos,
recapitulações e a mesma técnica de leitura usada
na aula de Língua Portuguesa, “mesmo porque
todo ensino, principalmente no curso primário
deve ser entrosado” (NEGROMONTE, 1960, p.
13).
As lições da série Meu Catecismo são
organizadas em pequenas porções, que se
desdobram e se aprofundam ao longo do curso
primário, de acordo com a capacidade dos alunos.
O método tradicional era descrito por Negromonte
como muito dogmático e apresentava a tendência
de prescrever, de fora para dentro, o que a criança
deveria aprender, sem a preocupação de saber se
ela era capaz ou se o programa estabelecido
estava de acordo com as suas potencialidades
momentâneas e suas aptidões. Em contrapartida,
sua proposta pedagógica estabelecia porções de
medida para os conteúdos, de forma que o ensino
religioso não aborrecesse o aluno, tornando-se
indesejado e pouco compreensível.
Esse encadeamento e organização das
lições, reforça o que Lajolo (1996) afirma em
relação ao livro didático e confere aos catecismos
do padre Álvaro Negromonte maior legitimidade
quanto ao seu papel na História da Educação
Brasileira. Para Lajolo
o livro didático é instrumento específico e
importantíssimo de
ensino e de
aprendizagem formal [...] Assim, para ser
considerado didático, um livro precisa ser
estudado de forma sistemática, no ensinoaprendizagem de um determinado objeto do
conhecimento humano, geralmente já
consolidado como disciplina escolar. Além
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012
“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos para a educação da
infância brasileira
disso, o livro didático caracteriza-se ainda
por ser passível de uso na situação
específica da escola, isto é, de aprendizado
coletivo e orientado pelo professor (1996, p.
4).
Os catecismos escolares produzidos por
Negromonte eram, na verdade, os livros utilizados
nas aulas de ensino religioso. Por essa razão
deveriam estar equiparados, pedagogicamente,
com as outras disciplinas escolares, gráfica e
pedagogicamente. Neste caso, o projeto do seu
autor buscava atender o princípio da
funcionalidade. A expressão “educação funcional”
foi usada por Edouard Claparède11 para
designar a educação que se propõe
desenvolver
os
processos
mentais
considerando-os, não em si mesmos, e sim
quanto à sua significação biológica, ao seu
papel, à sua utilidade para a ação presente
ou futura, para a vida. A educação
funcional é a que toma a necessidade da
criança, o seu interesse em atingir um fim,
como alavanca da atividade que se deseja
despertar nela (CLAPARÈDE, 1954, p.1).
A função da lição seria, a partir do interesse,
produzir ações que respondessem a uma
necessidade. Com isso, Negromonte se aproximava
da Pedagogia Funcional de Claparède. De acordo
com este autor, “o interesse é o princípio fundamental
da atividade mental [...] Agir, ter uma conduta, é
escolher, a cada passo, entre muitíssimas reações
possíveis. O móvel dessa escolha contínua é o
interesse” (CLAPARÈDE, 1954, p. 61).
Nessa perspectiva, ao tratar da pessoa de
Jesus Cristo, tal como o autor faz logo na primeira
lição do primeiro volume, criando um enredo
entre as lições, deveria não só despertar a
curiosidade do aluno como aguçar o seu interesse
em saber mais sobre o assunto. Primeiro, Jesus
aparece como um menino que, como todos os
outros, têm uma história que segue com o seu
nascimento, com os convidados que foram lhe
prestigiar com presentes, a sua vida em família, o
seu crescimento e a sua relação de proximidade
com as crianças. Suscitado o interesse,
estabelecida a relação de proximidade, a eficácia
do processo está no que Claparède chama de “Lei
de Adaptação funcional”, que pode ser formulada
pelo seguinte corolário: a ação se produz quando é
de natureza a satisfazer a necessidade ou o
interesse do momento. Dela se extrai a seguinte
regra de aplicação prática: para fazer um
indivíduo agir, deve-se colocá-lo nas condições
próprias ao aparecimento da necessidade que a
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012
13
ação que se deseja suscitar tem por função
satisfazer.
Na mesma perspectiva quando trata da
Igreja, da missa e das festas como instituições
sagradas, mas também como espaços de
sociabilidade, o autor espera criar necessidades
que suscitarão um conjunto de ações para
satisfazê-las e que resultarão na configuração de
um cristão prático.
As lições sobre os Mandamentos, a graça,
a oração, os sacramentos estão carregadas de um
código comportamental próprio da civilidade
cristã. Segundo Chartier (2004, p. 58), “cristã e
universal por excelência, a civilidade se
diferencia, portanto, na sua execução em tantos
comportamentos convenientes a cada estado ou
situação”. De maneira que esse conjunto de
regras, que se constituem práticas de um
determinado grupo, faz parte do processo
civilizatório ao qual o homem está submetido.
Mas, a civilidade, segundo La Salle, vai além das
normas de conveniência social, se estiver
embasada no Evangelho. Nesse caso,
ela é uma maneira de render homenagem a
Deus: ter uma postura modesta e decente é
respeitar sua presença perpétua, ser civil e
honesto com outros é prestar honra a ‘
membros de Jesus Cristo e a Templos vivos,
animados pelo Espírito Santo. A civilidade
é, então, ao mesmo tempo, honestidade e
piedade e abrange tanto a Glória de Deus e
a salvação como a conveniência social
(CHARTIER, 2004, p. 64).
O Tratado de civilidade de La Salle,
citado reiteradamente por Elias no volume um do
Processo Civilizador (1990), cristianiza os
fundamentos da civilidade e faz circular, a um
público infantil, “normas de condutas coercitivas
e exigentes na intenção de frear os impulsos
sensuais e afetivos” (CHARTIER, 2004, p. 67).
A estratégia estaria em criar, no aluno, o
interesse por esses preceitos, tornando sua
aprendizagem uma necessidade. Nesse ponto,
poderia se perguntar: como criar essa necessidade
na escola? Ao que Claparède responde: “A
solução desse problema parece desesperadora.
Não o é, entretanto, para quem leve em conta os
ensinamentos da psicologia da criança. Esse
saberá que o jogo, o brinquedo, é uma das
principais necessidades da criança” (1954, p.
157). Não por acaso, foi esse o caminho que
Negromonte elegeu em seu projeto pedagógico.
Os professores deveriam atrair os alunos,
despertando-lhes a curiosidade, estimulando-os a
participarem da aula, através de jogos e
14
Evelyn de Almeida Orlando
brincadeiras pautados na temática em questão.
Com isso, eles iriam incorporando, por uma
necessidade que lhes é inerente - a brincadeira inúmeros hábitos e normas de conduta que
passariam reger a sua vida cotidiana,
transformando-os em verdadeiros cristãos, pela fé
e pelas práticas. Ao tratar dessa questão em sua
Pedagogia do Catecismo, o padre ensinava:
Chego a uma classe de criancinhas todas
desatentas. A catequista ensina quantas
naturezas há em Jesus Cristo e se esforça com
as mãos para manter os pequeninos voltados
para ela, a fim de ouvi-la. E não consegue
nada. Eu tiro do bolso meia dúzia de
santinhos e os espalho no banco. A criançada
rodeia. Chovem comentários. Fazem-se
perguntas inocentíssimas, deliciosíssimas.
Respondo e faço outras [...] Deixa eu ver [...]
e estendem as mãozinhas ávidas, os olhos
rutilantes, fonte contraída, suspensa a
respiração (NEGROMONTE, 1940, p. 149150).
O que parecia ser uma preocupação
apenas de ordem metodológica, acabou se
tornando a base de uma proposta pedagógica para
as aulas de ensino religioso, fazendo com que os
saberes elementares sobre a doutrina da Igreja,
que consistem no conteúdo básico desses
manuais, associado às questões do seu cotidiano,
permitissem ao aluno estabelecer as articulações
necessárias entre fé e vida, através de um conjunto
de práticas que reforçam a civilidade cristã.
Considerações Finais
A mudança de cunho didático no
conteúdo e a mudança editorial empreendida pelo
Monsenhor Álvaro Negromonte em seus textos de
catecismo foram elementos essenciais para a
renovação do ensino religioso e a Pedagogia
católica na sociedade brasileira entre as décadas
de 30 e 60 do século XX. De fato, o catecismo
auxiliou na recristianização da nação no que tange
à disputa externa pelo campo religioso, mas do
ponto de vista interno, a qualidade dos novos
cristãos era fruto de um projeto de cristianização
mais eficiente e duradouro.
A publicação de novos livros de
catecismos, em um novo suporte material e
textual, tinha um significado mais amplo para a
Igreja, que ia além da esfera pedagógica e recaía
no âmbito político. Publicar é tornar algo público.
É fazer conforme assinala Bourdieu “passar do
oficioso ao oficial. A publicação é a ruptura de
uma censura” (2001, p. 244). Publicar novos
textos de catecismos era uma demonstração
pública do diálogo católico com os novos tempos
que vinha tentando ser silenciado pelo grupo de
liberais republicanos, ao fazerem frente ao
catolicismo. Significava romper com a censura
republicana e imprimir as marcas da Igreja na
História.
Dessa forma, a cultura católica foi se
fazendo presente na educação ao mesmo tempo
em que, ao se apropriar das contribuições das
ciências educacionais modernas, reconfigurou
muitas das suas práticas educativas. Essa
renovação da Pedagogia Católica permite pensar
em outros enfoques e contornos que configuraram
a educação brasileira na primeira metade de
século XX, imprimindo marcas, ainda sombreadas
na historiografia educacional do Brasil.
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2º ano primário. Petrópolis/RJ: Editora Vozes,
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Ano Primário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Ed. José
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Ano Primário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ed. José
Olympio, 1960.
16
Evelyn de Almeida Orlando
Notas
1 O Monsenhor Álvaro Negromonte, foi um intelectual da educação católica que atuou, principalmente, nos
Estados de Minas Gerais e no Rio de Janeiro, implementando, a partir de Minas, um projeto pedagógico
que alcançou circulação nacional e lhe conferiu o título de um dos maiores educadores católicos do Brasil,
como atestam D. Jaime Câmara e Gilberto Freyre (1964).
2 Sobre a coleção, ver Orlando (1998).
3 Sobre a posição dos católicos face ao regime republicano e os desdobramentos da questão laicista na
educação brasileira a partir dos anos de 1930, ver Jamil Cury (1978), Horta (1994), Beozzo (1984).
4 Alguns países como Itália, Alemanha e Áustria adotaram em diferentes momentos, textos únicos de
catecismo que refletiam mais a idéia de identidade sócio-cultural do que a unificação das práticas
educativas da Igreja. O próprio Catecismo da Doutrina Cristã, apesar de ter sido difundido em muitos
países, só foi instituído, na prática, como texto oficial na Itália. Sobre esse movimento catequístico no
âmbito internacional, ver Bollin & Gasparin (1998).
5 Tais ações não se constituem objeto de análise deste artigo, mas podem ser encontradas nos trabalhos de
Orlando (2008), Calvo (1986) e Silva (2005)
6 Essa expressividade pode ser vista nas teses do Congresso Catequístico Brasileiro, realizado em 1928, em
Belo Horizonte e nas teses apresentadas no I e no II Congresso Católico de Educação, realizados pel
Confederação Católica Brasileira de Educação (CCBE), em 1934 e 1937, nas cidades do Rio de Janeiro e
Belo Horizonte, respectivamente. Só o I Congresso de Educação católica publicou Anais com as teses
apresentadas. No entanto, as teses apresentadas nos outros dois congressos foram largamente difundidas na
imprensa periódica católica do Estado de Minas, sobretudo, nos jornais O Horizonte e O Diário.
7 Ver Certidão de Escritura publicada no Diário Oficial da União (1960)
8 Essa carta, que muda a cada série, tendo em vista o público para o qual se dirige, aparece como um dos
elementos pré-textuais dos livros da série Meu Catecismo e confere uma singularidade à obra, por
estabelecer uma relação pessoal entre o autor, o objeto impresso e o leitor. Por ser endereçada a cada
público específico, o fato de alguns dos manuais analisados não a conterem revela que as reimpressões não
são uniformes, mesmo se tratando de uma coleção publicada pela mesma casa editorial.
9 “Quando não for possível dar as 31 lições durante o ano, suprimam-se, digo com pena: foi tudo tão
planejado!) as seguintes: O homem, Promessa do Salvador, Vida Oculta, Vida pública, A missa une os
cristãos, As festas da Igreja, Perdão dos pecados, Para a boa confissão, Os Sacramentos, A comunhão,
Respeito à Igreja, Os Mandamentos” (NEGROMONTE, 1957. p. 10)
10 A prática de leitura, para o autor, também se constitui em um exercício. Mesmo quando a professora lê a
lição, ou apresenta a lição, os alunos devem estar ouvindo, atentos, concentrados, o que ele defende
também como processo ativo de aprendizagem.
11 Segundo Claparède, foi na América que surgiu a Psicologia funcional, com William James, sendo nada
mais do que a “aplicação à Psicologia, por um lado, do ponto de vista biológico, e, por outro, do ponto de
vista pragmatista, segundo o qual, antes de mais nada é a ação que importa: não vivemos para pensar,
pensamos para viver”. No entanto, para Claparède, James não expõe de maneira muito explícita os
princípios da educação funcional, tendo sido John Dewey quem realizou essa parte do programa. A
concepção da educação funcional está presente portanto, segundo o próprio Claparède, em toda a obra
pedagógica de John Dewey (CLAPARÈDE, 1954).
Sobre a autora:
Evelyn de Almeida Orlando: Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe; Doutoranda da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da
Educação (NEPHE) da UERJ.
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012
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Cultura, educação e lei 10.639/03: discussões, tendências e desafios
Luciane Ribeiro Dias Gonçalves*
Resumo
Este artigo é uma reflexão teórica que busca dar sentido à cultura negra no cotidiano escolar, a partir da
promulgação da Lei 10.639/03, que lançou para a escola o desafio de trazer a história da África e cultura
afro-brasileira como um dos conteúdos eleitos para discussão em sala de aula. A dificuldade de
implementação da referida lei pousou sobre a falta de conhecimento sobre o assunto, o que nos convoca a
discutir acerca da uma postura pertinente, por parte da escola, frente a cultura negra. Nesse trabalho,
apresento e defendo como pertinente, a postura de reconhecimento e valorização da cultura negra a partir do
resgate da história da África, designando à Educação o papel relevante de romper com o legado eurocêntrico
que tem excluído a cultura negra. Proponho a utilização dos valores civilizatórios afro-brasileiros e as
africanidades como forma de fortalecimento da autoestima negra e a construção de uma nação mais criativa e
produtiva.
Palavras-chave: Cultura negra, valores civilizatórios, africanidades.
Culture, education and law 10.63903: discussions, trends and challenges
Abstract
This article is a theoretical reflection that seeks to make sense of the black culture in school everyday, from
the enactment of the law 10.63903, which launched to school the challenge of bringing the history of Africa
and Afro-Brazilian culture as one of the elected content for classroom discussion. The difficulty of the
implementation of the law landed on the lack of knowledge on the subject, which convenes to discuss about
an appropriate posture on the part of the school, front black culture. In this work, present and defend as
relevant, the posture of recognition and appreciation of black culture from the rescue of African history,
referring to the important role of Education break with Eurocentric legacy that has deleted the black culture.
I propose the use of African-Brazilian civilization values and africanidades as a way of strengthening of selfesteem and the construction of a more creative and productive nation.
Keywords: black culture, civilization, values africanidades.
A formação pluriétnica da população
brasileira é um fato inquestionável. Mesmo um
olhar empírico direcionado a realidade à nossa
volta é capaz de nos fazer perceber o quão diversa
é a nossa composição étnico-cultural. É
justamente isso que diferencia a população
brasileira: a sua pluralidade de matrizes culturais.
Não seria mais justo e produtivo que esta
diversidade estivesse presente em todos os setores
da sociedade e, principalmente, no campo da
Educação?
É fato que a diversidade cultural não é
reconhecida de forma equânime pela escola. Em
um breve olhar sobre este espaço, percebe-se a
existência do predomínio, para não dizer
hegemonia, da matriz cultural europeia como
cultura eleita para o trabalho pedagógico. Porém,
a atual discussão sobre as conjunturas sociais tem
promovido aberturas de espaços para maior
número de contestações e revoltas dos diversos
setores “excluídos”.
Diante disso, somos instados a perguntar:
se somos um país diverso, por que a Educação
não reflete esta diversidade? Como uma forma de
resposta a esse estado de coisas, as culturas
excluídas e grupos subjugados têm procurado
* Endereço eletrônico: [email protected]
cada vez mais formas de reestruturações
curriculares, o reconhecimento de seus valores e
influências, conforme Gonçalves (2004) destaca,
em um de seus estudos.
A discussão sobre a questão das relações
raciais tem ocupado papel de destaque nos debates
recentes. Os movimentos negros têm buscado
espaço para que, no ambiente escolar, seja dada
visibilidade à cultura negra, para que aluno(a)s
negro(a)s e branco(a)s possam (re)ver a formação
da nossa sociedade e sua própria formação
identitária.
Nessa perspectiva, a postura da instituição
educacional, revelada pela sua proposta curricular,
deve se preocupar com as culturas negadas a fim
de promover mudanças na estrutura sócioeconômica da sociedade. Sobre isso, Santomé
indica que:
O discurso educacional tem que facilitar
que as crianças de etnias oprimidas,
assim como as dos grupos dominantes,
possam compreender as inter-relações
entre os preconceitos, falsas expectativas
e condições infra-humanas de vida das
populações marginalizadas com as
18
Luciane Ribeiro Dias Gonçalves
estruturas políticas, econômicas e
culturais dessa mesma sociedade
(SANTOMÉ, 1995, p. 170).
Dessa forma, recorro a um conjunto de
símbolos gráficos de origem akan, chamado
adinkra para buscar o ideograma sankofa. Este
ideograma é representado por uma estilização do
pássaro, que vira a cabeça para trás. Como a
cultura africana é povoada de mitos e símbolos
que expressam conceitos filosóficos, o sankofa
significa “nunca é tarde para voltar e apanhar
aquilo que ficou atrás”, sempre podemos retificar
nossos erros. Esta é a proposta deste texto: voltar
às raízes e buscar compreendê-la nas suas
especificidades.
A proposta é que reformulemos a nossa
representação sobre cultura negra, que a
busquemos, voltando às nossas raízes, para que a
escola possa reformular a sua postura
eurocêntrica. Contudo, podemos nos questionar:
Qual é a cultura negra que se reivindica estar
presente nos currículos e no cotidiano escolar?
Disponho-me, neste ensaio, a discutir a
cultura negra, especificamente no que tange ao
fato de sua negação e seu silenciamento nos
currículos escolares, uma vez que, atualmente, a
necessidade legal tem feito com que
educadore(a)s de todo país repensem suas práticas
eurocêntricas. Busco, assim, apresentar o
arcabouço jurídico normativo que impulsiona esta
mudança. A partir daí, discuto que a mudança não
pode ser apenas no acréscimo de conteúdos nas
disciplinas que compõem os currículos dos
diversos níveis de ensino. Argumento a
necessidade de se conhecer conceitualmente as
africanidades e os valores civilizatórios, pois são
eles que alicerçam o reconhecimento da cultura
negra.
Educação, cultura e identidade
Em 2003, foi sancionada a normativa que
propõe uma mudança no contexto eurocêntrico da
escola. A Lei 10.639/03 inclui no currículo oficial
da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
"História e Cultura Afro-Brasileira”. Apesar de
ser um avanço em termos das reivindicações
históricas dos movimentos negros, essa normativa
suscitou vários questionamentos e dúvidas entre
os profissionais da Educação. O motivo destas
dificuldades está diretamente ligado à ausência do
debate sobre a história de África e sobre a cultura
afro-brasileira na formação inicial, tendo como
consequência a necessidade de elegê-las como
temática na formação continuada de professores.
Em seu primeiro artigo, a referida lei determina:
1o O conteúdo programático a que se
refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na
formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política
pertinentes à História do Brasil (BRASIL,
2003).
Entende-se assim por que tantos
profissionais da educação ficaram atônitos com a
promulgação da lei, enquanto que outros
profissionais que, por vários motivos estiveram
envolvidos com as manifestações culturais negras
brasileiras, sentiram-se à vontade para trazer a
temática para suas salas de aula.
Durante a formação inicial poucos
profissionais de Educação puderam conhecer a
história de África e em suas vidas presenciaram a
desqualificação das manifestações culturais
negras. Entendo que este seja um dos motivos que
causaram dificuldades de implementação da
proposta em seus momentos iniciais. Contudo,
hoje vários profissionais têm conseguido construir
seus caminhos buscando apoio nas manifestações
culturais negras de suas localidades. Voltaram
atrás e buscaram nas raízes.
Acredito que precisamos superar a
estereotipia, a invisibilidade e a folclorização da
cultura negra para atendermos de forma efetiva e
transformadora os preceitos legais. África é um
continente pouco conhecido por nós, brasileiros, a
não ser nas suas formas estereotipadas e
apresentadas pela mídia ressaltando a pobreza,
miséria e doenças. Certamente, não é esta visão
que a lei suscita o debate. Precisamos conhecer a
história de lá que nos faz aqui.
Para Cunha Jr, a simples existência de um
povo deveria ser a justificativa para que houvesse
o reconhecimento da história e da cultura do
mesmo para a Educação. Contudo, isso não se
evidencia na prática ou quando se diz estar
contemplando, a cultura negra brasileira não se
consegue reconhecer na versão apresentada. Para
ele, “a dificuldade deste reconhecimento é em
virtude da forma caricatural e reduzida com que
somos incluídos nessas versões da cultura e da
história nacional” (CUNHA Jr, 2005, p. 254).
Ainda nesse sentido, Gomes destaca que
cada vez mais confirmaremos que, para entender
o Brasil, é preciso conhecer e compreender a
África (GOMES, 2003, p.84). O compromisso
político que a autora traz mostra que a intrínseca
ligação histórica entre Brasil e África não pode
ser reduzida a passado, mas ao contrário, marca
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012
Cultura, educação e lei 10.639/03: discussões, tendências e desafios
também a atualidade. Cunha Jr corrobora com a
questão destacando a postura seletiva que a
Educação tem frente aos conteúdos:
Cultura,
identidade
e
história
apresentarão sempre aspectos críticos ao
serem tratados pela carga política que
estas definições e conceitos encerram. A
educação transmite a cultura, assim, ela
se reserva o direito de dizer o que é
cultura. Cabe, antes de qualquer coisa,
perguntarmos qual educação, para quem
e para quê? A educação faz a seleção dos
temas por um critério unicamente
ideológico, político, mas se ampara nas
ciências para justificar as escolhas.
Vendo que as ciências fazem um esforço
para serem consideradas neutras, e
também verdadeiras. Consideramos as
ciências como não neutras. Como espelho
de uma sistematização dos conhecimentos
provisórios, portanto mutáveis, sem o
sentido de certo ou errado, muito menos
de verdadeiro ou falso. As definições de
cultura e história abrangem sempre
concepções sobre as quais não existe uma
unanimidade de perspectiva, e as
definições fazem parte da cena do
confronto políticos entre os grupos
sociais (CUNHA Jr, 2005, p. 20).
A definição de conteúdos voltados a
contemplar a diversidade da cultura negra é
prioritária, neste momento. No que diz respeito à
cultura negra brasileira, sabemos da sua
variedade. Como discuti no início deste texto,
prevalece nos currículos escolares uma postura
eurocêntrica que nos leva a materialização da
invisibilidade e folclorização da cultura negra
brasileira nas práticas pedagógicas. Nunes destaca
que:
Historicamente temos o processo de
exclusão da cultura negra da cultura
oficial, consequência de uma ideologia
racista e discriminatória que tem negado
a participação desses povos na
constituição da cultura nacional. Esta
cultura de base africana sempre foi
desvalorizada e comumente associada à
bruxaria, tratada como folclórica e
exótica (NUNES, 2011, p. 39).
A atuação da escola deve ser voltada para
o resgate da cultura negada e silenciada com
intuito de desconstruir visões pejorativas e
discriminatórias. Isso implica na problematização
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012
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da discussão, levando-nos a uma reflexão mais
ampla e ao entendimento sobre os processos de
produção de uma cultura elaborada de base
africana no contexto brasileiro, bem como avaliar
a participação das populações afrodescendentes na
cultura nacional e nos sistemas educacionais
recolocando esta temática na orientação dos temas
educacionais do Brasil.
Assim, o desafio lançado por este artigo é
de buscarmos a compreensão da cultura negra na
perspectiva dos conceitos de africanidades. Esta
postura nos leva a outra forma de encarar a
contribuição negra para a cultura nacional e está
alicerçada no respeito à herança africana ancestral
recriada e ressignificada no contexto brasileiro.
Não seria a troca da cultura europeia pela cultura
africana; contrariamente, a proposta é do diálogo
dessa com as outras etnias, ao mesmo tempo, em
que, inevitavelmente, evidencia-se com as formas
de dominação ocidental.
Nesse sentido, precisamos (re)conhecer as
especificidades
desses
povos,
buscando
compreender como, ao longo do seu processo
histórico e social, têm se ressignificado os valores
socioculturais de base africana e construído
formas bem particulares de cultura.
Africanidades e valores civilizatórios presentes
na cultura negra
Na sociedade brasileira, houve a tentativa
de se descartar as contribuições da cultura negra
quando da composição da nossa identidade. A
atualidade exige uma nova postura com relação a
isso. Necessitamos romper com eurocentrismo e
reconhecer a contribuição africana, buscando nele
as bases do seu pensamento para que nos sirva
como
referência
na
(re)elaboração
do
conhecimento.
Com a escravização do povo africano, seu
sequestro e a extradição para outros países, os
colonizadores impuseram a ruptura violenta com
os valores civilizatórios deste povo. Em África, os
negros tinham em cada um dos grupos sua cultura
própria. A escravização colocou todos em um
único grupo e ainda houve a tentativa de forçar a
cultura dos colonizadores.
O povo africano possuía/possui uma
forma de ver o mundo e estabelecer relações com
ele que perduram naqueles países e em outros,
espalhados pelo mundo através da diáspora
africana. Surpreendentemente, ao invés de ser
anulada a cultura negra consegue dar uma
resposta criativa, como denomina Oliveira (2006).
Para este autor, a população negra
espalhada pelo mundo através da diáspora
conseguiu resistir em suas tradições e, além disso,
20
Luciane Ribeiro Dias Gonçalves
através de uma resposta criativa espalhou-a pelo
mundo. Oliveira destaca que o que é repassado de
geração para geração não são os mesmos
conhecimentos originais trazidos de África. Para
ele, valores civilizatórios, são elos, valores e
princípios que nos aproximam, guardando
características da cultura negra, reconstruída no
contexto brasileiro, preservando, entretanto, sua
matriz africana.
Dessa forma, consideramos que nos
atermos a entender estas contribuições é propício
ao momento mundial que traz à tona discussões
sobre sociedade, cidadania, paz, meio ambiente,
crise na produção econômica e outras temáticas
em que a visão de mundo africana pode contribuir
de várias formas.
A negação da cultura negra foi
estabelecida nas relações de poder e, desta forma,
fazer um resgate desta cultura também tem uma
conotação política. Entender que a cultura negra
trazida durante a colonização pelos escravizados
pode/deve ser considerado conhecimento muda a
representação do povo negro na atualidade.
Historicamente, os vários movimentos de
resistências do povo negro conseguiram, mesmo
sob pena de sanções, manter uma forma cultural
própria de lidar com o mundo. Tanto para uma
criança/jovem negro quanto para um não negro
entender isso pode mudar sua forma de se ver e
ver o mundo.
Entendo que esta é a possibilidade da
Educação reposicionar-se frente ao processo que
Freire chamou de Pedagogia do Oprimido. Esta
pode ser a hora em que a Educação poderá
assumir seu caráter inovador e transformador,
carecendo, porém, de que reconheçamos os
valores civilizatórios presentes na cosmovisão
afro-brasileira, pois é ela, conjuntamente com as
demais contribuições étnico-culturais, que nos faz
ser o que somos.
Embaso-me em Cunha Jr, na tentativa de
esclarecer alguns elementos dos valores
civilizatórios afro-brasileiros:
Para a constituição de um pensamento de
base africana alguns elementos foram
fundamentais: a comunidade e o seu
enraizamento
na
terra,
e
a
ancestralidade. Estas marcas significam,
para o africano, a noção de repetição dos
ciclos da vida, dos astros e do universo.
Sequência que se repete, mas com
modificações, com acréscimos. Como
trajetórias que são próximas, mas não se
repetem, com idéias que hoje, no mundo
ocidental,
são
representadas
na
matemática pelas teorias do caos. A idéia
da comunidade e da cabeça humana
inspira
as
circularidades
de
representação do mundo para os
africanos. A terra sempre foi redonda
para os africanos, em função desta
concepção circular de representação da
perfeição. O ser humano pensante está
sempre no centro do pensamento dos
diversos povos e filosofias africanas. A
ancestralidade é a marca de permanência
do ser sobre o tempo. Neste se assentam
todos os processos de conhecimento e de
evolução do mundo. No conceito de
ancestralidade e a marca de permanência
do ser sobre o tempo. Neste se assentam
todos os processos de conhecimento e de
evolução do mundo. No conceito de
ancestralidade e do respeito a ela se
fundam os princípios da organização
social e da interação do ser humano
coletivo com os demais seres da natureza.
O pensamento africano procura sempre a
explicação da totalidade como um
conjunto indivisível complexo e de
conexões múltiplas. A comunidade, sua
terra e seu povo constituem a base da
identidade e da construção das
sociedades africanas. A força vital e a
palavra são dois conceitos que explicam
os dinamismos, as mudanças, nas
sociedades africanas. A força vital é a
energia a ser acumulada para a
continuidade e para a mudança. A
palavra é cultuada com conhecimento e
como elemento de criação. A palavra
precisa ser pronunciada com cuidado,
dado seu poder de criação. A palavra tem
um sentido rítmico na sua expressão.
Para os africanos, também os tambores
falam (CUNHA Jr, 2005, 262-3).
Quando
buscamos
os
valores
civilizatórios afro-brasileiros, tomamos a postura
de negar a afirmação construída historicamente
para resguardar o processo de escravização de que
o povo negro era um povo desprovido de cultura e
conhecimento. Pelo contrário, além de possuírem
conhecimento este povo conseguiu de forma
resistente e criativa manter este conhecimento em
toda a diáspora.
São saberes ligados às diversas áreas do
conhecimento como as artes, as ciências, religião,
literatura entre outras. Souza, pesquisando a
realidade da Educação Infantil e a criança negra
constatou que os valores civilizatórios afrobrasileiros como a circularidade, a oralidade, a
alegria, a ancestralidade, a aprendizagem
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012
Cultura, educação e lei 10.639/03: discussões, tendências e desafios
iniciática, o princípio da energia vital são valores
que “se consolidados na Educação Infantil, podem
ganhar fôlego e potência para se ampliarem para
além dos muros da escola com o status que nos é
socialmente devido, neste longo processo de
constituição da sociedade brasileira” (SOUZA,
2005, p.8). A autora acrescenta ainda que:
As culturas africanas assentam-se em três
pilares básicos: oralidade, relação
dinâmica com a ancestralidade e
sincronicidade entre o espaço histórico
(aye) e o espaço sagrado (orun). A
oralidade dá sustentação às histórias
humanas e sagradas desses povos. Entre
os iorubas (povo da África Ocidental:
Nigéria, Togo e Daomé), a "oratura"
sustenta-se nos Versos Sagrados de Ifá,
transmitidos pelos mais velhos aos mais
jovens, iniciados na tradição. Essa é a
forma de veiculação do axé (força vital
ancestral), inoculado no rito de passagem
iniciático. A relação dinâmica com o
ancestral não o segrega no passado. Pelo
contrário: o ancestral – histórico e mítico
orixá – está presente no dia-a-dia do
fazer humano. Ele é o elo que liga o
ioruba ao mundo sagrado, orun. Mundo
que retroalimenta os sonhos e as
realizações dos seus descendentes
(SOUZA, 2005, p. 10).
Reconheço que necessitamos nos
apropriar de forma mais concreta deste saber. Fazse necessário um processo de formação inicial e
continuada que possa esclarecer os princípios dos
valores civilizatórios afro-brasileiros, para que
efetivamente possamos utilizá-los de forma
transformadora. Esta reflexão recoloca as
discussões sobre formação da identidade nacional,
questiona a inferiorização negra e o papel da
cultura negra neste processo. A Educação é
prioritária neste debate que é premente.
A escola ficará de braços cruzados?
Poderemos continuar numa postura eurocêntrica
frente a tantas evidências de contribuições da
cultura negra? Este é o questionamento que
acredito ser pertinente neste momento. Impossível
ficarmos inertes frente às discussões apresentadas
até aqui quando pensamos em uma escola
democrática/transformadora e em aluno(a)
crítico/participativo(a).
Pensarmos nas contribuições da cultura
negra esquecidas pela escola eurocêntrica é pensar
na escola que nega o outro conhecimento que
pode ser ampliado e esclarecido. Para Gomes,
trata-se de compreender que há uma lógica gerada
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012
21
no bojo de uma africanidade recriada no Brasil, a
qual impregna a vida de todos nós, negros e
brancos.
Nesse sentido, qualquer adjetivação da
cultura, seja cigana, judaica, indígena ou
negra, é uma construção social, política,
ideológica e cultural que, numa sociedade
que tende a discriminar e tratar
desigualmente as diferenças, passa a ter
uma validade política e identitária. A
cultura negra possibilita aos negros a
construção de um “nós”, de uma história
e de uma identidade. Diz respeito à
consciência cultural, à estética, à
corporeidade,
à
musicalidade,
à
religiosidade, à vivência da negritude,
marcadas por um processo de
africanidade e recriação cultural. Esse
“nós” possibilita o posicionamento de
negro diante do outro e destaca aspectos
relevantes da sua história e de sua
ancestralidade. A cultura negra só pode
ser entendida na relação com as outras
culturas existentes em nosso país. E nessa
relação não há nenhuma pureza; antes,
existe um processo contínuo de troca
bilateral, de mudança, de criação e
recriação,
de
significação
e
ressignificação. Quando a escola
desconsidera esses aspectos ela tende a
essencializar a cultura negra e, por
conseguinte, a submete a um processo de
cristalização
ou
de
folclorização
(GOMES, 2003, p. 78-9)
Concordando com a autora, entendo que é
impossível a compreensão da nossa história
desconsiderando a participação de africanos e
indígenas na composição desta sociedade. Sem
conteúdos referentes à História da África, o
entendimento sobre as origens do povo brasileiro
fica comprometido (NUNES, 2011).
Quando solicitados a externar formas de
manifestações afro-brasileiras presentes em nossa
sociedade,
muitos
poderão
responder
manifestações como samba, capoeira e congada,
por
exemplo.
Certamente,
estas
são
exemplificações de manifestações culturais
negras, porém quando falamos de africanidades,
pretendemos ir além da constatação factual.
Queremos compreender como estas manifestações
se organizam, como se perpetuam, como são as
relações de poder estabelecidas nelas, enfim,
queremos buscar, nestas manifestações, os seus
princípios herdados das culturas africanas que
podem contribuir à construção de uma mudança
22
Luciane Ribeiro Dias Gonçalves
conceitual visão de mundo.
Buscar as africanidades é um processo de
resgate. Silva esclarece que:
Ao dizer africanidades brasileiras
estamos nos referindo às raízes da cultura
brasileira que têm origem africana.
Dizendo de outra forma, estamos, de um
lado, nos referindo aos modos de ser,
viver, de organizar suas lutas, próprios
dos negros brasileiros, e de outro lado, às
marcas da cultura africana que.
Independentemente da origem étnica de
cada brasileiro, fazem parte do seu dia a
dia (SILVA, 2005, p. 155).
Compreender as africanidades se faz
necessário no contexto atual, com a intenção de
que, conhecendo melhor a história e a cultura
negra, a observação do cotidiano, da escola, dos
diversos espaços sociais pode, na perspectiva das
africanidades,
promover
o
combate
a
discriminação racial e cultural.
A Educação pode utilizar as africanidades
nas diversas disciplinas. Cada conteúdo
disciplinar tem seu potencial interdisciplinar.
Devemos
nos
aproximar
das
diversas
manifestações culturais negras existentes e
dialogar com elas a fim de entender a realidade e
servir-nos do trabalho dos movimentos negros,
por exemplo, que têm desenvolvido alternativas
para preservar a cultura negra e da mesma forma,
divulgá-la abrangentemente.
a participação de todas é se reconhecer nas
particularidades. Incorporar a diversidade cultural
e étnica significa assumir o compromisso com a
dignidade humana.
À Educação cabe o papel relevante de
romper com o legado eurocêntrico que tem
excluído a cultura negra. Isso contribuirá para que
possamos compreender a história de África e sua
cultura. Assim poderemos sem temor “voltar
atrás” e aprender com ela preceitos básicos para
conseguirmos relacionar com o que somos hoje.
Esse é uma exigência básica da cidadania, pois é a
afirmação de nossa identidade cultural enquanto
um direito da pessoa humana.
A intenção da discussão apresentada neste
artigo é de que a Educação aposse-se da cultura
negra a fim de promover uma revolução em nosso
país; a revolução em busca da cidadania baseada
no reconhecimento da história e cultura negra que
forma a nossa identidade nacional.
As crianças negras serão favorecidas na
formação do seu processo identitário e de
autoestima. Ser descendente de uma cultura rica
em princípios e valores é algo que muda a visão
de si mesmo. As crianças brancas poderão
confrontar seus saberes culturais com os
apreendidos da cultura negra, e com isso,
aumentar seu repertório de alternativas para
enfrentar o mundo. Isso só poderá contribuir para
construir uma nação mais criativa e produtiva.
Referência Bibliográfica
Considerações Finais
O valor que a cultura tem para um povo é
enorme. Talvez isso justifique o fato de, no Brasil,
ter havido um esforço grandioso para que a
cultura
negra
fosse
“invisibilizada”
e
“inferiorizada”. A ideologia do branqueamento
em conjunto com a defesa da mestiçagem, até por
meio políticas públicas nacionais, demonstram
algumas das metodologias utilizadas para isso.
Contudo, na contramão, a cultura negra conseguiu
subverter a ordem e preservar-se nos diversos
pontos de resistência negra e, ainda na atualidade,
pode ser observada a manutenção de aspectos dos
valores civilizatórios africanos presentes entre
nós.
Acredito que o resgate da cultura negra
não interessa somente às crianças e jovens
negros/negras, mas a todos os alunos de outras
ascendências étnicas. Dada a grandiosa
participação de várias contribuições étnicas na
formação da sociedade brasileira, em seus
diversos aspectos, inclusive o cultural, reconhecer
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Luciane Ribeiro Dias Gonçalves: É doutora em Educação pela UNICAMP (2011), mestre em Educação
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UFU no curso de Pedagogia.
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012
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Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX
e início do Século XX
Priscila Kaufmann Corrêa*
Resumo
A pesquisa aqui apresentada encontra-se em fase inicial e lida com as histórias de vida de quatro escritoras e
um conjunto de suas obras publicado entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século
XX. As escritoras escolhidas são a Condessa de Ségur, Louisa May Alcott, Johanna Spyri e Maria Clarice
Marinho Villac. Todas elas escreveram livros destinados ao público infantil e juvenil e, por este motivo, este
estudo procura reunir e analisar o caráter educativo das obras, traçando seus paralelos e suas peculiaridades,
assim como seus alcances e limites no contexto em que foram produzidos. Neste primeiro momento são
apresentadas a vida e a obra de cada uma destas mulheres e inicia-se a construção de um diálogo entre suas
trajetórias de vida, abrindo para reflexões possíveis para este estudo que ora se inicia.
Palavras-chave: História da Educação, Literatura infantojuvenil, Escritoras, Trajetórias de vida.
Reading for children: life and work of four writers from the mid nineteenth and the early twentieth
century
Abstract
The research presented here is in the initial stage and deals with the life stories of four writers and a
collection of their works published between the second half of the nineteenth century and the first half of the
twentieth century. The writers chosen are the Comtesse de Ségur, Louisa May Alcott, Johanna Spyri and
Maria Clarice Marinho Villac. All of them have written books aimed at children and youth, and for this
reason, this study seeks to gather and analyze the educational character of the works, tracing their parallels
and their peculiarities, as well as its scope and limits in the context in which they were produced. At this
moment life and work of each of these women are presented and this study starts building a dialogue
between their life trajectories, opening for possible reflections.
Keywords: Juvenile Literature, History of Education, Writers, Life trajectories.
Apresentação
(...) dentro de cem anos, pensei, alcançando a
porta
de casa, as mulheres terão deixado de ser o sexo
protegido. Logicamente, participarão de todas as
atividades e esforços que no passado lhes foram
negados.
(...) Tudo pode acontecer quando a feminilidade
tiver deixado de ser uma ocupação protegida,
pensei ao abrir a porta.
Virginia Woolf
Virginia Woolf ansiava pela emancipação
feminina, defendendo que as mulheres poderiam
circular pelo meio social e desempenhar as
atividades que desejassem, inclusive como
escritoras. Para poder se dedicar ao exercício da
escrita Virginia Woolf defendia que a mulher
precisaria de um teto e uma renda, o que
asseguraria sua independência e autonomia para
circular pelo meio social, buscando inspiração
para suas produções. As atividades domésticas e a
dedicação à família, segundo a autora, teriam
afastado as mulheres de outras possibilidades de
ocupações.
* Endereço eletrônico: [email protected]
Este cenário pouco alentador não impediu
que mulheres em diferentes países se tornassem
escritoras que alcançaram fama e obtiveram uma
renda com suas produções. Meninas exemplares,
Mulherzinhas, Heidi e Clarita da pá viradas são
algumas obras destinadas aos públicos infantil e
juvenil que se consagraram ao longo de várias
décadas. As obras escritas pela Condessa de
Ségur, por Louisa May Alcott, por Johanna Spyri
e Maria Clarice Marinho Villac1 são consideradas
clássicos da literatura infantojuvenil, posto que
são publicadas, adaptadas e relembradas até os
nossos dias. São livros que marcaram as leituras
de muitas gerações em diferentes lugares do
mundo e ainda são lembradas com saudades.
Alguns livros inclusive foram transformados em
filmes e séries de televisão, dando mostras da
longevidade
destas
narrativas,
sempre
reinventadas.
O período de publicação das obras
abrange a segunda metade do século XIX até o
início do século XX, momento no qual as
mulheres ganharam espaço no âmbito social,
dando mostras de seu talento para a escrita. A
Condessa de Ségur publicou cerca de 20 obras,
das quais se destaca a trilogia composta pelos
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Priscila Kaufmann Corrêa
livros Meninas exemplares, Os desastres de Sofia
e As férias. Louisa May Alcott também publicou
diversos livros, consagrando-se com os livros
Mulherzinhas e Boas esposas. Johanna Spyri, por
sua vez, tornou-se célebre com as obras Heidi e
Heidi pode precisar do que aprendeu. Maria
Clarice Marinho Villac completa o grupo com sua
trilogia Os cinco travessos, Clarita da pá virada e
Clarita no Colégio.
O que leva as mulheres a se debruçarem
sobre o exercício da escrita? O que as move no
desejo de orientarem as gerações futuras acerca do
comportamento esperado para o sexo feminino?
Longe de perscrutar a alma das escritoras,
esta pesquisa se propõe a analisar uma coletânea
de livros publicados por mulheres destinados às
meninas e moças. Cada obra foi concebida em
momentos e lugares diferentes, porém é possível
tecer diálogos entre as publicações, destacando-se
o fato de serem escritas por mulheres, possuírem
protagonistas femininas e serem destinadas ao
público infantil e juvenil, mais especificamente às
meninas e moças. Cada obra carrega em si os
valores e ideais que circulavam pela sociedade no
período em que foram publicados, permitindo
investigar também as relações sociais que estavam
em jogo.
Trata-se de um estudo que se encontra em
sua fase inicial e este texto se propõe a ser um
ensaio que busque refletir sobre os primeiros
passos desta pesquisa. Neste sentido as ideias aqui
esboçadas não são conclusivas e se abrem para
novas possibilidades de reflexão.
Mulheres escritoras: quatro trajetórias de vida
Este estudo partiu de uma indagação
acerca dos livros escritos pela Condessa de Ségur,
Louisa May Alcott, Johanna Spyri e Maria Clarice
Marinho Villac, que se apresentavam como livros
desejáveis para a leitura de crianças e jovens,
principalmente do sexo feminino. A publicação
destas obras até nossos dias indicam que ainda
existem valores e elementos morais considerados
adequados nestes romances. Além disso, o fato de
todos estes livros terem sido escritos por mulheres
em momentos históricos que começavam a abrir a
possibilidade para a profissionalização feminina
aponta para um possível diálogo entre estes livros.
Apesar de terem sido publicados em
países diferentes e momentos distintos, os livros
possuem elementos em comum, posto que todos
eles têm meninas como protagonistas e que se
destinavam aos públicos infantil e juvenil. Mesmo
tendo sido publicadas no exterior, tais obras
chegaram ao Brasil, seja em suas versões
originais, seja em edições traduzidas. Neste
sentido, o estudo destas obras carece também de
uma investigação sobre a sua circulação, os
caminhos que percorreram até chegarem aos seus
leitores e leitoras e as políticas das editoras para a
divulgação destes impressos.
Entretanto, a mera reflexão acerca dos
livros e seu conteúdo não se apresenta como uma
possibilidade muito profícua à pesquisa. O estudo
da trajetória de vida de cada uma das escritoras e a
compreensão do que as levou a se dedicarem à
literatura
permitirão
uma
análise
mais
aprofundada das obras e a construção de um
diálogo que busque aproximações entre estas
mulheres e suas obras, sem desprezar suas
peculiaridades. A breve apresentação da vida e
dos livros de cada escritora se mostra necessária
neste ensaio.
Esta análise inicia-se pelos livros da
Condessa de Ségur, que deixou um legado
considerável para seus netos e jovens leitores.
Sophie Rostopchine nasceu em São Petersburgo,
na Rússia, no ano de 1799. Segundo relatos, sua
infância teria sido marcada pelo rigor da educação
familiar, inclusive com castigos físicos. No ano de
1817 a família Rostopchine precisou fugir da
Rússia, exilando-se na França. Após dois anos a
jovem Sophie se casou com Eugène de Ségur,
com quem teve oito filhos (LEÃO, 2007, p. 05).
A carreira de escritora começou aos 58
anos de idade, quando já tinha 19 netos, a quem
dedicava suas obras. Seu primeiro livro intitulado
Os novos contos de fadas, foi lançado em 1856
pela Editora Hachette. Desde 1852 o editor Louis
Hachette possuía uma rede de livrarias nas
estações de trem, que comercializava a coleção
Bibliothèque de chemins de fer. O marido de
Sophie era presidente da Companhia das Estradas
de Ferro do Leste e autorizou o editor a implantar
suas livrarias nas estações. Foi também Eugène
que apresentou a esposa a Louis Hachette.
A partir de 1856 Sophie de Ségur passou
a produzir livros compor a Bibliothèque Rose,
coleção destinada ao público infantil e juvenil que
se tornou independente da Bibliothèque des
chemins de fer. A Condessa contribuiu com vinte
obras para a Bibliothèque Rose, tornando-se uma
escritora célebre entre as crianças e jovens.
Desta coleção será selecionada, para esta
pesquisa, a assim chamada “Trilogia de
Fleurville”, que traz as personagens que marcaram
a obra da escritora. A trilogia é composta pelos
títulos As meninas exemplares, Os desastres de
Sofia e As férias. Os dois primeiros livros foram
publicados simultaneamente em 1858, enquanto a
terceira obra foi lançada no ano seguinte. As
principais personagens das três histórias são as
irmãs Camila e Madalena e suas amigas
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012
Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX e início do Século XX
Margarida e Sofia. Esta última personagem
comete muitas travessuras e vivencia muitas
tristezas com a perda dos pais.
Em As meninas exemplares o leitor é
apresentado às irmãs Camila e Madalena, crianças
que nunca brigam e vivem em perfeita harmonia.
Elas vivem com a mãe viúva, Mme. de Fleurville
e ajudam a resgatar Mme. De Rosbourg e sua
filha Margarida de um acidente de carruagem. As
duas passam a morar com a família de Fleurville e
Margarida inicia um esforço para se tornar tão
virtuosa e obediente quanto suas amigas.
As meninas recebem a visita de Sofia,
uma órfã que mora com sua madrasta, Mme de
Fichini, que a maltrata e espanca. A madrasta
viaja à Itália e deixa Sofia sob os cuidados de
Mme de Fleurville e Rosbourg. A menina inicia
um percurso de aperfeiçoamento moral, no qual
ela aprende a ser mais comedida e obediente.
Durante este percurso ela já não sofre castigos
físicos. Mme de Fleurville adota a postura de
tutora e a menina aprende a refletir sobre seus
erros e se arrepender sobre seus atos. Um
momento significativo da narrativa se dá quando
Sofia se recusa a doar uma parte da geleia de
cereja que as meninas preparariam para uma
senhora humilde e seus seis filhos. A discussão
leva a uma briga entre Sofia e Margarida, que
começam a se agredir. Camila e Madalena
procuram impedir as amigas e Mme de Fleurville
decide levar Sofia ao gabinete de penitência para
copiar o Pai Nosso dez vezes. A menina destrói
tudo o que encontra, mas, após este acesso de
raiva, acaba se arrependendo. Ao ser informada
que não levaria uma surra, mas que continuaria
naquele gabinete, a menina pede perdão a Mme de
Fleurville.
Sofia passa a morar na casa de Fleurville,
pois sua madrasta voltou a se casar e não poderia
ficar com a menina. O passado de Sofia é
revelado em Os desastres de Sofia, no qual são
narradas as travessuras da menina de quatro anos,
quando ainda morava com os pais. Em As férias
Sofia também relembra seu passado, o
falecimento de seus pais e reencontra o primo,
Paulo, que julgava ter perdido numa viagem de
navio que fazia com seus pais. Nesta obra também
aparecem os primos de Camila e Madalena: Léon,
Jean e Jacques.
A formação do menino Paulo pelo pai de
Margarida, Sr. Rosbourg, delineia a necessidade
da fé católica. Ambos conseguiram se salvar
vivendo em uma ilha habitada por selvagens e a fé
se mostrou um elemento que os diferenciava da
tribo e fortalecia sua esperança em retornar. Nesta
obra o aspecto religioso é mais evidente do que
nas anteriores.
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Com relação às obras da Condessa, Nelly
Novaes Coelho (2010a, p. 201) coloca que elas
“revelam um mundo onde tudo deve funcionar
harmoniosamente, desde que cada indivíduo
permaneça em seu lugar e atue com honestidade,
entusiasmo e devoção aos que lhe são superiores”.
Ao analisar a contribuição da Condessa de Ségur
para a literatura infantil, Coelho se mostra
bastante severa, uma vez que acredita que o
“humanismo generoso” presente nos livros da
autora, apesar de fomentar a generosidade, a
piedade e o afeto, também incentivam a
humildade, a obediência e a submissão, que não
contribuem para o rompimento das desigualdades.
Reconhecendo a importância da obra da
Condessa de Ségur, é preciso atentar para o
potencial e as limitações de sua obra. Longe de
classificar sua obra como tradicional ou
inovadora, buscar-se-á analisar a trilogia de
Fleurville na sua contribuição para o âmbito
educacional, o que implica em uma investigação
que contemple a complexidade do contexto de
criação e circulação destas obras.
Além das particularidades da obra da
Condessa, pretende-se, com este estudo, buscar
tecer diálogos entre a trajetória de vida desta
escritora e de suas colegas de profissão, como
Louisa May Alcott, que publicou seu célebre
Mulherzinhas uma década após Sophie lançar
seus livros.
A obra de Louisa May Alcott apresenta
um viés pedagógico, por sua experiência ao lado
dos pais, Amos Bronson Alcott e Abigail May
Alcott. Amos Alcott era adepto da filosofia
transcendental e diretor da escola “Little
Paradise”, onde eram aplicadas as ideias
pedagógicas de Pestalozzi e Jefferson (COELHO,
2010a, p. 202). Abigail Alcott, por sua vez, era
defensora do sufrágio feminino e da abolição.
Nascida em 1832 em Germantown, na
Filadélfia, Louisa May Alcott, vivenciou as
discussões filosóficas, políticas e pedagógicas de
seu pai. A família de Louisa passou por diversas
dificuldades financeiras, levando seu pai a instalar
sua escola em locais diferentes, uma vez que suas
ideias pedagógicas acabavam sendo questionadas
pelos pais dos alunos, que eram retirados da
instituição. Esta condição fez com que as
mulheres da família buscassem o sustento por
meio do trabalho. Louisa trabalhou como
professora, costureira, governanta, empregada
doméstica e escritora. Sua vivência doméstica
inpirou-a ao campo literário, publicando novelas
para adultos e terminando por dedicar-se à
literatura para crianças, por sugestão de seu pai.
Seu romance Mulherzinhas conta a
história das irmãs March; Margaret, Josephine,
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Priscila Kaufmann Corrêa
Elizabeth e Amy. O livro narra um ano na vida
das meninas, no qual elas trabalham e se esforçam
para manter a casa junto com sua mãe, enquanto
seu pai está distante, auxiliando as tropas durante
a guerra civil. Durante esse percurso as meninas
fazem amizade com Theodore Laurence, o
menino que mora na casa vizinha.
Cria-se um forte vínculo de amizade entre
as meninas, o menino e seu avô. Como a família
empobreceu, as meninas precisam trabalhar, cada
uma em função diferente. Meg é governanta de
duas crianças, enquanto Jo trabalha como dama de
companhia de uma tia abastada. Beth se dedica
aos afazeres domésticos, enquanto Amy frequenta
a escola. O ano das meninas se passa com
bastante esforço e dedicação, valorizando o
trabalho e a boa conduta moral. O desfecho se dá
com o retorno do pai e o noivado de Margaret, a
mais velha das irmãs.
No romance Boas esposas cerca de dois
anos se passam após o desfecho do primeiro livro.
Neste momento Meg se prepara para o casamento
e sua vida em um novo lar, ao lado do Sr. Brooke,
que fora preceptor de Laurence. Neste livro as
irmãs tornam-se mulheres, cada qual encontrando
um marido digno e dedicado, à exceção de Beth,
que falece. A menina contraíra febre escarlatina e
a doença a enfraqueceu. O relato de seu
falecimento se mostra tocante, colocando a morte
como uma passagem, para a qual a alma precisa
estar preparada.
Diferentemente das obras da Condessa de
Ségur, guiadas pela moral católica, os livros de
Louisa May Alcott são norteados pela moral
protestante. A importância do trabalho, a
necessidade do aperfeiçoamento moral sem se
apegar a símbolos e amuletos fazem parte do
romance. Em diversos momentos as irmãs March
são postas à prova, devendo escolher pelo
caminho desejável.
O aspecto religioso, que envolve a fé em
Deus, emerge também em Heidi, de Johanna
Spyri. A autora nasceu em Hirzel, na Suíça, em
1827. Filha do médico Johann Jakob Heusser e da
poetisa Meta Heusser-Schweizer, Johanna viveu
na cidade natal até os 15 anos de idade, quando se
mudou para Zurique para estudar. Anos depois ela
retornou para ensinar seus cinco irmãos e auxiliar
a mãe nos afazeres domésticos.
Johanna casou-se em 1852 com o jurista
Joh Bernard Spyri, com quem teve um único
filho, cuja gestação levou a uma crise de
depressão, da qual teve dificuldades para se
recuperar. A vida de casada também não se
mostrou muito satisfatória. Por meio da mãe
Johanna conheceu o pastor Cornelius Rudolph
Vietor em Bremen, que a estimulou a escrever,
como uma terapia para dar vazão ao seu
descontentamento. O pastor convenceu-a a
publicar histórias em algumas gráficas da cidade.
Sua primeira história “Uma folha sobre o túmulo
de Vrony” foi publicado em Bremen em 1871 e
tornou-se um sucesso.
Joahanna Spyri se lançou no mercado da
literatura infantil com a obra Sem casa, no ano de
1878, porém seu grande sucesso foi seu livro
Heidi, publicado no ano seguinte. A história de
Heidi ganhou uma continuação com Heidi pode
precisar do que aprendeu, lançada em 1881. A
personagem Heidi tornou-se célebre, sendo
adaptado para o cinema e para desenhos animados
e traduzido para 50 línguas. Ao longo de sua vida
Johanna Spyri publicou 31 livros, 27 coletâneas
de histórias e quatro brochuras, deixando uma
obra vasta.
Para este estudo serão analisadas as obras
que têm Heidi como protagonista. No primeiro
livro é apresentada a menina dos Alpes, que,
sendo órfã, foi levada pela tia para morar com o
avô. O avô não era bem visto pelos moradores da
aldeia, vivendo afastado nas montanhas. A
chegada da neta, porém, altera a rotina do homem,
que a acolhe em sua casa. A menina se adapta
rapidamente à nova vida, acompanhando Pedro, o
pastor de cabras até os campos que servem de
pastagem. O avô possuía duas cabras, que
acompanhavam o menino todos os dias, junto com
as outras enviadas por seus donos das aldeias.
A menina também fez amizade com a avó
de Pedro, que era cega. A presença de Heidi
amenizava os longos dias passados em sua frágil
cabana. A menina inclusive convenceu o avô
consertar a cabana, tornando-a mais resistente aos
ventos.
Certo dia, porém, a tia da menina retorna
para levá-la a Frankfurt, onde ela passaria a fazer
companhia a Clara, que se locomove com cadeira
de rodas. A menina é filha do senhor Sesemann,
que, apesar das suas posses, não podia fazer a
filha voltar a andar. A governanta de Clara,
Tinette, não se mostra favorável à presença da
visitante, uma vez que Heidi não conseguia se
adaptar à rotina na cidade, longe da natureza.
Além disso, os modos rústicos da menina
incomodam a senhora.
A passagem por Frankfurt fragiliza a
saúde de Heidi, que demonstra sentir falta da vida
nas montanhas. Por outro lado, a estadia na cidade
permitiu a Heidi conhecer a avó de Clara, que a
estimulou a aprender a leitura e a escrita. A avó de
Clara também ensinou Heidi a rezar, pedindo que
Deus assegurasse o melhor caminho, mesmo que
isso significasse um afastamento de seu lar nos
Alpes.
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Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX e início do Século XX
Por fim, Heidi retorna para casa, por
indicação do médico de Clara. A volta da menina
gera mudanças na vida do avô, que passa a levar a
neta para a escola na aldeia durante o inverno. A
frequência à Igreja sinaliza também a
reconciliação do avô com os moradores da aldeia.
Em Heidi pode precisar do que aprendeu
Clara visita sua amiga nos Alpes. A menina passa
um mês com Heidi, sob os cuidados de seu avô,
que se mostra um excelente enfermeiro. A dieta à
base de pão, queijo e leite de cabras e a atmosfera
alpina fortalecem sua saúde a tal ponto que pode
voltar a andar. O pai de Clara, Sr. Sesemann,
torna-se grato ao avô, comprometendo-se a cuidar
de Heidi quando o avô viesse a falecer.
As narrativas de Heidi são simples,
deixando claro que o contato da menina com a
natureza e o ambiente dos Alpes são vitais para
sua saúde. A vida rústica nas montanhas se mostra
mais desejável que a vida na cidade, cercada de
casa e edifícios e distante do campo e da floresta.
A religiosidade aparece também nas obras
desta autora, uma vez que a fé em Deus assegura
o retorno da menina à casa do avô e convence o
homem a frequentar a igreja. A moral protestante
orienta a religiosidade da obra, aproximando-a
dos livros de Louisa May Alcott. O aspecto moral
da formação feminina perpassa os livros de todas
as autoras.
Maria Clarice Marinho Villac é a
representante brasileira do grupo de escritoras
escolhido para esta pesquisa. A autora se utiliza
de suas próprias memórias e experiência de vida
para elaborar suas narrativas e apontamentos.
Maria Clarice nasceu em Itu no ano de 1903.
Quando criança, circulava pelas fazendas de seus
avós no interior do estado de São Paulo, além de
estudar como interna no Colégio Progresso
Campineiro.
Casou-se com Dr. Paulo José Villac ao se
formar e tornou-se escritora quando perdeu o
marido aos 27 anos de idade, tendo cinco filhos
para criar. O primeiro livro que publicou foi
Cinco travessos, em 1937, pela Editora Revista
dos Tribunais, com uma tiragem de 44 mil
exemplares (VILLAC, 2008). O livro seguinte foi
lançado em 1939, com o título de Clarita da pá
virada. Este foi republicado na década de 1980
pela editora Fermata e, posteriormente, em 2006,
pela editora Lacruce. O último livro de Maria
Clarice, Clarita no Colégio, saiu em 1945 pela
editora Cristo-Rei e foi republicado em 2008,
também pela editora Lacruce.
O livro Clarita da pá virada relata
primordialmente a vida no campo, na qual a
protagonista se mostra uma criança peralta. Nesta
obra, Maria Clarice narra sua infância nas
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fazendas da família, apresentando seus familiares
e as crianças que a acompanhavam em suas
brincadeiras e confusões. A menina chega a
frequentar a escola, aprendendo elementos do
catecismo, a leitura e a escrita, porém o ingresso
definitivo no universo escolar se dá no final do
livro, quando Clarita toma o trem para Campinas,
para estudar no Colégio Progresso.
Este deslocamento marca uma nova fase
na vida de Clarita, deixando para trás a infância
repleta de brincadeiras para dedicar-se aos
estudos. O cenário primordial de Clarita no
Colégio é o Colégio Progresso, por vezes
alternado pelo espaço rural, quando a menina
passa as férias nas fazendas da família. A vida no
colégio não se mostra fácil, uma vez que Clarita
precisa aprender a controlar seus impulsos e
adequar-se às regras do internato. Seu
comportamento acabou merecendo alguns
castigos e muitas conversas com Dona Emília,
que emerge como figura central no esforço de
tornar Clarita uma menina mais obediente.
A religião católica é o elemento utilizado
pela diretora para que Clarita incorpore o
comportamento esperado para uma menina. A
Primeira Comunhão, a Crisma e o ingresso na Pia
União das Filhas de Maria são descritos como
momentos cruciais na trajetória escolar da
menina, que abraça a religião católica com fervor.
A moralidade calcada na religião católica
aproxima a autora brasileira das obras da
Condessa de Ségur.
Por fim, a obra Cinco travessos:
amiguinhos de Jesus Hóstia se diferencia dos
outros dois livros por se destinar a um público
diferente: as mães de família. O livro reúne os
apontamentos de Maria Clarice sobre a formação
de seus filhos, narrando alguns acontecimentos
considerados dignos de nota. Cinco travessos foi
publicado, como a própria autora explica,
“impelida por reiteradas instâncias de algumas
amigas, religiosas de uma Santa Ordem” (1956, p.
05). Na obra a “mãe brasileira” relata como
buscou criar seus cinco filhos dentro dos preceitos
da moral católica, estimulando-os a amarem Jesus
e a realizarem sua Primeira Comunhão por volta
dos cinco anos de idade.
Apesar de não ser exatamente uma obra
destinada aos públicos infantil e juvenil, Cinco
travessos permite identificar a influência da
escolarização sobre a vida de Maria Clarice, que
estimulou os filhos a uma vida religiosa intensa,
tal qual aquela vivenciada no colégio. Estes
apontamentos se mostram um registro valioso
sobre o papel da mulher formada no Colégio
Progresso Campineiro nas décadas iniciais do
século XX. Mesmo sendo o registro de uma única
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Priscila Kaufmann Corrêa
mãe, o que não possibilita generalizações, ele
auxilia a compreender o que o cotidiano do
internato, permeado de práticas religiosas,
suscitou em pelo menos uma de suas alunas.
Maria Clarice Marinho Villac é a única
escritora do século XX, que também leu os livros
da Condessa de Ségur e se identificava com a
personagem Sofia. Neste sentido, a pesquisa das
trajetórias de vida das escritoras permitirá
identificar aproximações e peculiaridades de cada
autora, tecendo um diálogo entre estas mulheres e
suas obras. Também não pode ser ignorado o
caráter educativo das publicações, uma vez que se
destinam a leitores e leitoras em formação.
As fontes iniciais para este estudo são os
livros As meninas exemplares, Os desastres de
Sofia, As férias, Mulherzinhas, As boas esposas,
Heidi, Heidi pode precisar do que aprendeu, Os
cinco travessos, Clarita da pá virada e Clarita no
Colégio. Contudo, para conhecer a trajetória de
vida da Condessa de Ségur, de Louisa May
Alcott, Johanna Spyri e Maria Clarice Marinho
Villac, a consulta de outros documentos se mostra
necessária.
Biografias,
correspondências,
catálogos de editoras, textos de críticos de
literatura e outras fontes referentes à vida pessoal
das escritoras e suas famílias permitirão
compreender um universo mais amplo que levou
estas mulheres a se dedicarem à escrita e o papel
que desempenharam no âmbito familiar e social.
A materialidade dos livros também será
analisada, uma vez que cada uma das autoras
conseguiu assegurar a publicação de seus
trabalhos, permitindo que circulassem em
diferentes espaços. O formato dos livros, a
política editorial adotada para a sua divulgação
são aspectos que não podem ser ignorados e que
auxiliam na compreensão do alcance das obras.
Tal questão também permitirá compreender os
motivos que tornariam as obras desejáveis para a
leitura de crianças e jovens, especialmente do
sexo feminino.
Dessa forma, buscar-se-á elaborar um amplo
panorama deste conjunto de obras, investigando
as condições da criação e posterior impressão,
assim como sua difusão, consagrando estas obras
entre a literatura para a infância e a juventude.
Percursos possíveis
Ao analisar as obras de ficção realista de
Charles Dickens, Gustave Flaubert e Thomas
Mann, Peter Gay (2010) sinaliza para a riqueza
das publicações literárias para o historiador, que
as toma como fontes, frutos de seu tempo. Diante
desta possibilidade, o conjunto de livros proposto
para esta pesquisa também será investigado à luz
da história. Embora se trate de obras de cunho
literário, as narrativas ali traçadas fornecem
elementos importantes acerca das expectativas
sobre a formação da infância.
Gay argumenta ainda que a ficção é um
espelho que “fornece reflexos muito imperfeitos”
(2010, p. 18), e que não reflete a realidade tal
como se apresenta. Isso significa que os livros em
si não podem ser tomados como “testemunhos” de
seu tempo e outras fontes devem auxiliar na
composição dos cenários e das narrativas acerca
das trajetórias de vida das quatro escritoras.
Os romances da Condessa de Ségur, de
Louisa May Alcott, Johanna Spyri e Maria Clarice
Marinho Villac se perpetuaram graças à sua
publicação. Cabe, pois, procurar identificar as
condições vivenciadas pelas autoras que
permitiram
que
seus
escritos
fossem
transformados em livros impressos. Também é
interessante compreender os motivos que
asseguraram a longevidade destes livros e sua
aceitação no contexto escolar.
Uma vez que se busca analisar as trajetórias de
vida, as condições da criação e da impressão dos
romances, será preciso ampliar os documentos a
serem utilizados para este trabalho. Conforme
Peter Gay (2010, p. 24):
(...) qualquer um que avalie a evidência
que um romance pode fornecer deve
procurar conhecer não apenas a ficção
em questão, mas seu criador e a
sociedade desse escritor.
(...) Para compreender o que a ficção tem
para oferecer ao pesquisador, ele deve
aprender o que a fez acontecer.
Como já foi sinalizado anteriormente,
outros documentos como correspondências das e
para as autoras, catálogos das editoras, e fontes
que ofereçam indícios sobre a vida das escritoras
se mostrarão valiosos para este estudo. A
compreensão da trajetória de vida de cada
escritora, o contexto em que conceberam suas
obras permitirão lançar novas luzes sobre suas
publicações e perceber em que medida a vida
destas mulheres e suas produções se entrelaçam.
O trabalho com as fontes exige um rigor
metodológico que oriente o trabalho do
historiador, impedindo que papéis e livros sejam
encarados como provas que falam por si. Neste
contexto, Thompson (1981, p. 37) afirma que:
Os fatos estão ali, inscritos no registro
histórico,
com
determinadas
propriedades, mas isso não implica,
decerto, uma noção de que esses fatos
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Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX e início do Século XX
revelam seus significados e relações
(conhecimento histórico) por si mesmos.
Cabe ao historiador saber interrogar suas
fontes a fim de obter delas as informações de que
precisa para elaborar sua narrativa. Recorrendo
mais uma vez a Thompson: “A evidência histórica
existe, em sua forma primária, não para revelar
seu próprio significado, mas para ser interrogada
por mentes treinadas numa disciplina de
desconfiança atenta” (ibidem, p. 38).
Dessa forma, as perguntas que o
historiador formula às suas fontes seguem uma
determinada lógica e são orientadas por suas
inquietações no presente. Porém, como Thompson
alerta: “A evidência histórica tem determinadas
propriedades. Embora lhe possam ser formuladas
quaisquer perguntas, apenas algumas serão
adequadas” (ibidem, p. 50).
O trabalho de pesquisa sobre Condessa de
Ségur, Louisa May Alcott, Johanna Spyri e Maria
Clarice Marinho Villac e suas produções exigirá
uma
investigação
cuidadosa,
elaborando
perguntas que sejam adequadas aos romances e ás
demais fontes. Conforme Bloch (2001, p. 78):
Em nossa inevitável subordinação em
relação ao passado, ficamos [portanto]
pelo menos livres no sentido de que,
condenados sempre a conhecê-lo
exclusivamente por meio de [seus]
vestígios, conseguimos todavia saber
sobre ele muito mais do que ele julgara
sensato nos dar a conhecer.
A noção de escala também se mostra
importante a este estudo, pois ela percorre os
contextos macro e micro, desde o meio social de
cada escritora e amplia para os lugares pelos quais
suas obras circularam, identificando em que
medida se aproximam e se distanciam. Não se
trata, aqui, de estabelecer se as autoras estudadas
se enquadram em esquemas meramente
conservadores ou inovadores, criando uma divisão
estanque, mas perceber os alcances e limites das
produções destas mulheres, que se dedicaram à
escrita em um período no qual poucas poderiam
ter esta possibilidade. Nelly Coelho (2010b, p. 19)
confronta uma visão tradicional e uma visão
inovadora para a literatura infantil, porém tal
divisão se mostra muito limitada, já que não
permite “reconhecer as circulações fluídas, as
práticas partilhadas que atravessam os horizontes
sociais” (CHARTIER, 2002, p.134).
Um primeiro contato com os relatos e
estudos sobre a vida das escritoras permite
identificar que das quatro autoras, três tiveram a
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012
31
preocupação em oferecer livros de caráter
educativo às crianças. Em suas obras, a Condessa
de Ségur se mostrava contrária aos castigos físicos
e defendia o catolicismo ultramontano, que se
guiasse
pelas
orientações
do
Vaticano
(HEYWOOD, 2008). Os livros de Louisa May
Alcott, por sua vez, relatam o aperfeiçoamento
moral proposto pelo método pedagógico do pai da
escritora, Amos Bronson Alcott. O método de
Bronson Alcott também repudiava os castigos
físicos e se apresentava como ousado, uma vez
que levava os próprios alunos a refletirem sobre
seus atos, buscando seu desenvolvimento
cognitivo e moral (SAXTON, 1995). Os livros de
Maria Clarice Marinho Villac também trazem a
trajetória da protagonista, que serve de exemplo
inspirador, já que a menina travessa consegue se
tornar uma menina virtuosa e obediente. Tais
livros concorriam com a obra de Monteiro Lobato
nas bibliotecas infantis, bem como com os livros
estrangeiros, como publica a Folha da Noite em
06 de junho de 1946.
Além disso, as três escritoras se utilizaram
de suas memórias da infância para escreverem
seus livros. Maria Clarice Marinho Villac relata a
própria infância em seus livros, enquanto a
Condessa de Ségur e Louisa May Alcott se
inspiram naquele período de suas vidas para
escreverem para as crianças. A lembrança da
infância auxiliaria as escritoras na elaboração de
seus personagens, por vezes de comportamento
exemplar e, mais freqüentemente, com uma
postura a ser corrigida.
Também não se pode esquecer que o
próprio exercício da escrita se mostrou
fundamental para as quatro mulheres, por projetálas na vida pública, fornecendo-lhes uma renda e
por oferecer a possibilidade de se expressarem e
liberarem de circunstâncias de descontentamento,
como no caso de Johanna Spyri e de Louisa May
Alcott, cuja família apresentava uma situação
financeira precária.
Estes primeiros indícios levam a perceber
que o diálogo entre as trajetórias das escritoras e
suas obras é possível, podendo ser ampliado para
permitir a compreensão de um panorama maior da
condição destas mulheres nos diferentes países e a
circulação de suas publicações pelo mundo, um
dos fatores que permitiu a sua consagração. O
relato de pesquisa aqui exposto não pode
apresentar questões conclusivas, mas se inicia
com a possibilidade da construção de reflexões e
diálogos enriquecedores.
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32
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VIDAL, Diana. Gonçalves. História da educação
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. São Paulo:
Círculo do Livro, 1990, pp. 50-51.
34
Priscila Kaufmann Corrêa
Nota
1 Foram consultadas diferentes edições das três obras. O livro Cinco travessos data de 1956, enquanto a
edição de Clarita da pá virada é aquela publicada pela editora Lacruce, de 2006. Em virtude das
supressões encontradas na publicação da editora Lacruce, optou-se pela versão original de Clarita no
Colégio, publicada na década de 1940.
Sobre a autora:
Priscila Kaufmann Corrêa: Estudante de doutorado pela Faculdade de Educação da Unicamp (Campinas –
SP) e professora da rede municipal de Vinhedo – SP. E-mail: [email protected].
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012
35
Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria
Jesus
Fabiana Rodrigues Carrijo*
João Bôsco Cabral dos Santos**
Resumo
Este artigo objetiva referendar a escritura de uma autora que conseguiu alçar voos mais longínquos que as
suas limitadas condições socioeconômicas lhe impuseram. Propõe, ainda, desvelar que os escritos de
Carolina Maria de Jesus indicam uma cisão conceitual do mundo através de uma ressignificação do discurso
do cotidiano e que este é materializado através de alegorias severamente vividas. A instância-sujeito autor
coloca na experiência empírica de um discurso da exclusão a real experiência da fome e faz deste
experimento uma forma de visão social. Apoiado nos aportes teóricos da AD (francesa), o presente artigo
ambiciona olhar para o corpus de base literária, ainda que não canônica, constituída pela obra intitulada
Quarto de Despejo – Diário de uma favelada, com vistas a propor um trabalho em interface, que, a par de
bosquejar os processos de subjetivação, ambiciona, ainda, delinear o que estamos denominando de
discursividade literária incanônica em Carolina Maria de Jesus.
Palavras-chave: Carolina Maria de Jesus, Escritura, Discursividade Literária.
In the chinks of grimpy notebooks: Carolina Maria de jesus’ the testimonial embroidery
Abstract
This paper aims at approaching the way of writing focusing an author who postponed her social, economic
and limited conditions. It also proposes examining the writings from Carolina Maria de Jesus as an indication
of a conceptual reframing of everyday discourse. Such experiences will be demonstrated, considering the
author dislocation to the condition of subjective instance who reveals a discourse of social exclusion bringing
to literature such a kind of social portrait. It is registered in the theoretical contributions of AD (french), that
this thesis project aims to look, closely, to the corpus of basic literary, although incanonic, consisting by the
work entitled “Quarto de Despejo – Diário de uma favelada”, with a view to propose an interface that work
together to sketch the processes of subjectivation, aims also to outline what we are calling for literary
discursivity incanonic Carolina Maria de Jesus. This paper aims to assess the writings of an author who
succeeded in overcoming the limitations of her social and economical status. It is our purpose, as well, to
reveal that Carolina Maria de Jesus's writings suggest a split in world conception by means of a
resignification of the everyday discourse and that it is materialized through a harshly lived alegories. This
subject-author puts in the empirical experience of an exclusion discourse the real experience of hunger and
turns this experience into a socially envisioned form. Taking the French Discourse Analysis, we consider the
literary non-canonical
Keywords: Carolina Maria de Jesus, literary minorities writings, literary discursivity.
Introdução: “Principiando algumas prévias
discussões em torno da escritura de Carolina”
Carolina Maria de Jesus entrevê na escrita
a possibilidade de ir além da favela, do quarto de
despejo, contudo o faz buscando como modelo de
objeto estético literário, a norma culta, os tons
românticos e ultrarromânticos de autores
rastreados no lixo e com os quais buscava meios,
artifícios e respaldo para seguir adiante, para ser
aceita na cultura letrada. Segundo Sousa (2004,
p.13) “A linguagem fraturada de Carolina deve
ser entendida pelo que de fato é: a tentativa de
uma pessoa das camadas subalternas de dominar
os códigos da cidade letrada.” Estamos diante de
uma instância-sujeito que criva o mundo,
ressignifica-o e o enuncia no entremeio de uma
*Endereço eletrônico: [email protected]
**Endereço eletrônico: [email protected]
literariedade que busca uma inclusão no universo
discursivo da literatura como forma de inserção
social.
Trata-se, pois de uma tentativa de
deslocamento de um lugar social de pobreza e
miséria para um lugar discursivo imaginário de
constituição pelo seu dizer sobre si. Um exercício
de alteridade da e pela linguagem que lhe confere
uma autoria como forma de emergência de um
sujeito do mundo nele próprio.
Em outras palavras, no artigo intitulado
“Experiência e representação o feminino, o latinoamericano” Richard (2002, p.149) profere:
Vários textos do feminismo latinoamericano operam com este ideologema
do corpo (realidade concreta, vivência
prática,
conhecimento
espontâneo,
36
Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos
biografia cotidianas, oralidade popular),
que encarna a fantasia de uma América
Latina animada pela energia salvadora
do compromisso social e da luta
comunitária, cujo valor documental e
testemunhante seria julgado politicamente
superior a qualquer elaboração teóricodiscursiva. Esta relocalização da mulher
(vivência, ação, “experiência pessoal”,
da imediatez do fazer (vivência, ação,
experiência, compromisso) com seus
emblemas domésticos e cotidianopopulares, faz par com uma imagem do
feminino/latino-americano,
que
o
simboliza como o “outro” selvagem
(preconceitual) da academia.
Não é sem razão que Carolina opte e
entreveja na escrita uma possível ascensão para os
seus textos, que, após um período de
existência/resistência, foram seguidos de um
silenciamento total para autora e obra, fadadas
ambas
ao
esquecimento.
Seu
caráter
autobiográfico-ficcional-realista enuncia de si
num ethos outro, o da literatura, o da inserção e
aceitação social, o da condição humana digna. A
própria escrita nessa discursividade revela-se
enquanto alteridade de uma forma-sujeito da
miséria que se transpõe para um lugar discursivo
de ser humano inserido em um mundo possível.
É instigante, quase um contrassenso
pensar que alguém, para ter acesso ao mundo
letrado - entenda-se, aqui, literário - tenha que
fazê-lo lançando mão de um tipo de forma, de
padrão literário que, de antemão, já o exclui. Ou
seja, sair do subterrâneo, do processo de
submissão e tentar infiltrar-se em um processo
outro, em um viés outro para mostrar justamente o
quarto de despejo, o subsolo, a periferia da cidade.
Vê-se a emergência de um sujeito em interpelação
que procura na escrita, na literatura, nos modelos
literários, uma forma de deslocamento de sua
condição ideológica.
Referencial Teórico: algumas notações
temáticas e metodológicas
Carolina, o sujeito-autor, diferencia-se de
outros favelados por ter sido e se permitido ir para
além do quarto de despejo (o espaço físico
favela). Ela se singulariza por ser uma catadora de
sonhos (ainda que pegos/catados na leitura de
autores românticos, ainda que impetrados por uma
memória discursiva que anuncia e enuncia a
leitura de Casimiro de Abreu, Castro Alves,
dentre outros entrevistos em Quarto de Despejo –
diário de uma favelada1 (1960) - sonhos e
inspiração encontrados no lixo, nos papéis
revoltos das ruas por Carolina Maria de Jesus.
Assim, os sonhos de Carolina – tanto o sujeito
empírico (aquele sujeito do mundo) tanto o sujeito
discursivo (enquanto instância e/ou função
assumida pelo autor em uma dada discursividade)
– perpassavam pela rudeza das sucatas, mas
entremostravam as auspiciosas aspirações de uma
mulher favelada, pobre, semiescolarizada,
provedora única de três filhos em um barraco e,
ainda, confabuladora de uma ‘escrita de si’ que
evidencia as rasuras de um sujeito em ininterrupto
embate com as palavras.
O sujeito-autor, para recorrermos aqui a
uma das funções e/ou posições possíveis
propostas por Foucault (2009), tenta traduzir a
matéria local: a favela e os seus problemas diários
apostando na possibilidade de harmonizar as
misérias reais que evidenciam a fonte/origem de
seu dizer para estabelecer um dizer outro. Um
dizer que, justamente por tratar do real, pode
parecer/configurar estranho para outros que não o
vivenciaram e/ou não o vivenciam. Daí a
necessidade premente de se fazer ouvir, de se
fazer lida, para mostrar, ainda que, em uma
linguagem pretensamente dicotômica, híbrida,
(re)vele/(des)vele as mazelas humanas fazendo
com que o real, o periférico se tornem universal,
digno de nota e, talvez por esta razão, digno de ser
lido, um exercício de autoria que significa a
história pelo crivo de um protótipo de estética,
dito consagrado, com o intuito de buscar uma
legitimidade de enunciação. A expressão literária
de um realismo cotidiano, enfim, traduzido em
sentidos da constituição de uma instância-sujeito
que esboça uma tomada de posição perante seu
lugar social. Assim, uma estetização desse real
por um viés romântico/ultrarromântico instaura
uma espécie de legitimação de um cotidiano que
necessita de representação.
Seguindo, ainda, as considerações de
Richard (2002, p.149, grifos do autor):
Ainda que seja certo que as batalhas
descolonizadoras, as lutas populares e as
convulsões ditatoriais na América Latina
gestaram texto e conhecimento fora do
cânone livresco (nas margens informais e
subversivas
do
extra-acadêmico),
emblematizar esse corpo de experiências
como a única verdade do feminismo
latino-americano (sua verdade primária e
radical; radical por extrateórica) vem a
confirmar o estereótipo primitivista de
uma outra “outricidade” que só tem vida
através de afetos e sentimentos. Esta
“outricidade” é romanceada pela
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus
intelectualidade
metropolitana,
que
concebe o popular e o subalterno, o
feminino e o latino-americano, como uma
espécie anterior à tradução, de modo que
deixa
intacta
a
hierarquia
representacional do centro: um centro
que continua hegemonizando, assim, as
mediações
teórico-conceituais
do
“pensar”, enquanto relega a periferia à
empiria do dado, para sua sociologização
ou antropologização através das histórias
de vida e do testemunho.
A instância enunciativa sujeitudinal, para
recorrermos aqui às extensões principiadas por
Santos (2009), Carolina Maria de Jesus lança mão
de um recurso narrativo inovador para a época,
final da década de 50, princípio de 60, a narrativa
em diários e/ou relatos memorialísticos,
especialmente, oriundos das penas, das mãos de
uma mulher e antecipa em dez anos esse tipo de
gênero textual materializado por escritores
(homens) e vale-se dele para alinhavar/tecer um
relato em que os fios discursivos, embora
chamuscados de dor, entremostram a memória de
uma mulher negra, semiescolarizada, favelada,
mãe solteira, moradora da favela do Canindé e
catadora de lixo.
Ao se tomar Carolina Maria de Jesus
como instância enunciativa sujeitudinal, observase o jogo de alteridades entre a forma-sujeito
pobre, o lugar social ‘excluída’ e o lugar
discursivo sujeito de si pela inserção literária. A
materialidade linguística por essa instância
produzida inaugura a singularização de uma
modalidade de expressão estética que se
consagraria na temporalidade de uma causalidade
estética da modernidade. O caráter memorialista
instaura, também, a alteridade autor/personagem
como uma relação sujeitudinal dialética, pensada
na perspectiva de expressar uma evanescência do
cotidiano como elemento de perpetuação de uma
historicidade do sujeito.
Fios e agulhas em mãos carolinianas
tecem/destecem/alinhavam/suturam e cerzirão um
discurso literário incanônico, para utilizarmos
aqui um neologismo que possa indicar, em uma de
suas acepções, o fato de a crítica literária
especializada da época não enquadrá-lo dentro dos
cânones da referida ocasião. Uma incanonicidade
que desvela o caráter de unicidade da própria
tentativa de apropriação de características de uma
literatura romântica e/ou ultrarromântica. Nesse
sentido, a crítica não poderia reconhecer o
produto estético de uma individuação no nível de
autoria, uma vez que assim quebraria os dogmas
de uma erudição ad referendum.
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
37
Assim conforme dissera Sousa (2004,
p.158):
...a tessitura narrativa de Carolina, que
compreende também a linguagem que lhe
serve de meio para representar a
realidade na qual vive, se é truncada e
rasurada, é porque dá a ver as
contradições que operam dentro da
sociedade. O fato de Carolina, como diz
Marisa Lajolo (1996), estar na contramão
do momento literário dos anos 60, quando
a literatura buscava na cidade, na cultura
de massa, meios para criar uma
linguagem literária que respondesse
àquele momento histórico, na verdade,
evidencia a exclusão social – que é
também cultural, e se assim é, é também
de gosto, uma vez que o padrão de gosto
de Carolina não corresponde ao da
época. E se não corresponde é porque
está fora dos circuitos da elite dominante.
Em uma leitura ingênua, pretensamente
ingênua, ficamos indignados, quando não
amofinados pelo fato de que, se o que apregoava
Virgínia Woolf, em outras condições materiais,
intelectuais, enfim, sob outras condições de
produção histórico-ideológica e cultural, a mulher
que escrevia, que quisesse lançar mão de ser
escritora deveria fazê-lo quando, de fato, tivesse
um teto todo seu. Carolina, em meio ao caos,
literalmente, em meio ao lixo, encontra nos
cadernos encardidos recolhidos deste mesmo lixo,
a possibilidade entreaberta de sair de seu limitado
mundo e confabular meios, entenda-se, aqui,
materiais, intelectuais e financeiros para prover os
seus e provê-los com o dinheiro advindo da
escrita. Sua escritura, que, a despeito de ter e ser
um valor testemunhal inegável, (re)vela uma
autenticidade do vivido, (des)vela, ainda, uma
espontaneidade de sua consciência de mulher,
mãe, favelada, escritora, consciente, delatora e/ou
relatora das ocorrências da favela e/ou para nos
servirmos de uma metáfora elaborada pelo
sujeito-autor (Carolina Maria de Jesus),
denunciante do Quarto de Despejo.
Se há valor testemunhal, há e haverá
ainda uma representação, uma abstração, um
simulacro desse mesmo real transfigurado, desta
feita em discurso literário - ainda que incanônico-,
pois quem estabelece o que seja ou não canônico,
também o faz lançando mão do que é e/ou está
sendo produzido na referida época, a supor que
outros textos com outras características e/ou
oriundos das mãos de uma mulher negra,
favelada, mãe solteira, pobre, descendente de
38
Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos
escravos, dentre outras atribuições, fatalmente não
estariam, portanto, dentro do intitulado cânone.
Essa
testemunhalidade
advém,
principalmente, da alteridade constituinte dessa
representação. Uma alteridade que imbrica papéis
sociais, projeta estereótipos sociais e ratifica
vislumbres sujeitudinais nunca antes idealizados
nos meandros literários. Tal representação de uma
‘escrita de si’ singularizada entremostra os
deslocamentos do sujeito permeados pela
interpelação da linguagem frente aos olhares
sobre os mundos possíveis.
Não é sem razão que, se tivermos contato
com os textos/os manuscritos originais de
Carolina, facilmente identificamos uma escritura
que precisa, ininterruptamente, grafar com força,
com toda a força possível (necessidade de
escrever e reescrever, fortemente, sua história) se
materializando em um texto como se ele fosse
sempre um palimpsesto, uma escritura em
palimpsesto. A escrita em palimpsesto é utilizada
aqui com a concepção que era dada pelos gregos,
não só no sentido literal, mas na acepção de raspar
o texto e reescrever, fortemente, por cima,
deixando à mostra aquela versão primeira. Sem
contar que Carolina já escrevia em cadernos que
eram retirados do lixo e, neste caso, já
evidenciavam, já traziam em si uma página
amarela, folhas arrancadas, descoladas e
(re)aproveitadas – um dizer já alterado/retalhado e
outro que seria – intensamente - reescrito nas
folhas/nas fissuras dos cadernos encardidos.
Essa escrita ‘por sobre’ revela uma
historicidade pertencente a uma anterioridade que
determina o lugar social do sujeito, trazendo a
superposição de outra escrita que, por uma
alteridade em clivagem, revela o lugar discursivo
da instância enunciativa sujeitudinal escritora.
Dessa
forma,
a
alteridade
‘por
sobre’/‘superposição’ significa essa movência
sujeitudinal que constitui uma forma-sujeito
traduzido por seu lugar social e faz emergir uma
tomada de posição reveladora do lugar discursivo
autor. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de
registrar o deslocamento simultâneo entre os três
lugares (posição-sujeito, lugar social e lugar
discursivo), síntese da criação literária que se
enuncia nos cadernos encardidos.
Carolina Maria de Jesus – enquanto
instância sujeito que congrega inúmeras posições
possíveis, a saber: sujeito-autor; sujeito-narrador;
sujeito-personagem, ao criar um relato em que a
personagem
é
protagonista
de
uma
história/estória, desvela uma escritura em que as
marcas do sujeito-narrador, do sujeitopersonagem e ainda do sujeito-autor resvalam a
um tipo de relato autobiográfico, como já sugere o
título Quarto de Despejo: diário de uma
favelada (1960) - mais precisamente, em um
diário íntimo que, a par de revelar o preço dos
alimentos, dos transportes, também faz uso do
intitulado “discurso citado” para testemunhar, dar
cunho de veracidade aos relatos.
Segundo Sousa (2004), não basta para
Carolina citá-los, é preciso lançar mão deste
recurso para testemunhar (com uma autenticidade
possível) os comentários de outros favelados, de
outros moradores, de outras personagens. É
imperioso comprovar que eles de fato existiram,
ainda que tenha que recorrer – não raras vezes –
ao tom de ameaça aos seus vizinhos e
personagens do seu diário, prometendo citar
nome, endereço, profissão e até mesmo número
do documento de identidade.
O estranho diário de Carolina é utilizado
para recorrer, aqui, ainda que de maneira
avizinhada, ao título de uma tese2 cunhada com o
desejo de explicitar sua escritura. Tal explicitação
faria emergir na obra da escritora, a marca
legítima de um cânone – os românticos e
ultrarromânticos. Ao tentar reproduzir este
cânone, Carolina Maria de Jesus singularizou-o e
reportou-se a outro gênero textual, mais
tipicamente próximo dos textos memorialísticos.
QD acaba por apresentar uma discursividade
outra, fora do cânone literário vigente, que
intitulamos aqui, de incanonicidade.
A existência de um diário constitui-se
como um elemento revelador das condições de
produção da obra da escritora, condições de
produção que trazem à tona temáticas, sentidos
recorrentes, índices de interpelação da instânciasujeito em sua clivagem com o mundo e a
sociedade em que vivia. Essas temáticas, sentidos
e enfoques de interpelação fazem emergir
elementos da memória, da história e da
anterioridade discursiva de uma época, de um
grupo social e de um legado de acontecimentos e
condições de vida que significam a evanescência
sentidural da obra da escritora.
Como proceder diante de um texto que, a
todo momento, se nos apresenta enquanto uma
figura de linguagem intitulada oxímoro? Como se
portar diante da materialidade discursiva em que
as funções-autor, narrador, personagem, dentre
tantas outras possíveis, se apresentam dispersas,
quando não imiscuídas e não raras vezes
inseparáveis? Como apreender um sujeito-autor
que, em um processo de interpelação – nos
moldes que apregoara Pêcheux (1997, p.148) -,
promovem a constituição de um sujeito que é
chamado à existência?
Carolina
é
prontamente,
ininterruptamente, instigada/incitada à existência:
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus
seja para apresentar aos outros a favela e a miséria
dos favelados (seus iguais); seja, ainda, para se
destacar deles, por possuir, por ambicionar à
detenção da cultura letrada para, a par dela, e
utilizando-a enquanto ferramenta, alçar voos
longínquos ou tão-somente revelar ao mundo sua
condição de negra, favelada, mãe solteira,
catadora de lixo e escritora.
Se o sujeito se constitui na e pela
ideologia e traz tatuado/inscrito em seu processo
de subjetivação (no ato de se constituir,
ininterruptamente, sujeito) um lugar social, uma
posição social, uma formação discursiva e,
consequentemente, um lugar discursivo, Carolina
Maria de Jesus - o sujeito-autor, a partir de uma
dada condição ideológica, política, social,
histórica, no espaço limítrofe do barraco nº 05, na
Rua A, da Favela do Canindé - quer crer que a
escrita, a escritura é uma profissão possível,
pretendida, ambicionada. Mesmo cônscia de suas
limitações relacionadas à cultura intitulada
letrada, padrão, infiltra o mundo literário ou,
conforme expressa Lajolo, “arromba” a literatura,
provocando fissuras no arcabouço desta
“república das letras brancas e cultas”, “mundo
das concordâncias e das crases” (LAJOLO, 1996,
p.43-44, grifos da autora).
Há na materialidade discursiva apreendida
no corpus literário incanônico de Quarto de
Despejo inscrições dicotômicas, reveladoras de
marcas de oralidade e marcas de um discurso mais
próximo dos textos românticos e/ou intitulados
letrados. Essas inscrições se sobrepõem na
alteridade da produção de sentidos e da
constituição da instância-sujeito na emergência da
obra. Dicotômicas porque se deslocam,
transmutam-se, movem-se signicamente no
encaminhamento da enunciação literária.
Segundo a fortuna crítica de Carolina
Maria de Jesus, notadamente os textos oriundos
de áreas antropológicas e sociológicas,
especialmente os escritos por José Carlos Sebe
Bom Meihy e Robert M. Levine, a autora só
detinha o segundo ano primário. Toda a leitura
que o sujeito-autor Carolina entremostra em QD,
apreendido por meio dos sentidos veiculados
nesta obra e, também, entrevistos nas diversas
marcas no interdiscurso caroliniano fora
tateada/buscada/burilada nos moldes tomados
enquanto cânone – os poetas românticos, entre
eles, Casimiro de Abreu – primeiro poeta a ser
lido e tomado como referência, dentre outros,
como Castro Alves –, aceito e referendado pela
autora como um dos grandes poetas, o poeta dos
pobres, das minorias, dos excluídos.
É estimulante o fato de que a instânciasujeito Carolina Maria de Jesus possui uma
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
39
escolaridade que parece aquém daquilo que
adquirira em termos de letramento – nos moldes
do que pontua Magda Soares: “como práticas
sociais efetivas de leitura e escrita”. Marisa
Lajolo, ao apresentar a Antologia Pessoal de
Carolina Maria de Jesus com o prefácio
intitulado “Poesia no Quarto de Despejo, ou um
ramo de rosas para Carolina” profere sobre a
escritura de Carolina uma escrita que, a despeito
de apresentar a cultura popular, a fala do povo, os
erros de sintaxe, os inúmeros erros de
concordância, as rimas pobres, as canções
populares, a trova/prosa oriunda, advinda de seus
ancestrais negros – o avô descrito como um
Sócrates africano – mostra, entremostra, delineia
o exercício, o fardo exercício de buscar/garimpar,
recolher os termos/vocábulos mais próximos do
dicionário, mais elitistas, mais incomuns, mais
atípicos de uma cultura fartamente anunciada
como sub-letrada.
Uma tessitura singular que desvela o
exercício do dizer, um exercício inacabável do
dizer... Carolina escreve e se inscreve como um
sujeito-autor, um sujeito-narrador e um sujeitopersonagem
marcado/circunscrito/cerzido/alinhavado – para
recorrermos aqui aos vocábulos correlacionados à
tessitura, ao exercício de alinhavar, cerzir,
costurar o dizer – e, ao cosê-lo, tenta remendar,
alinhavar um lugar possível para o discurso
caroliniano.
O que seria esse discurso caroliniano?
Uma conjuntura de sentidos em efeito que revela
a referencialidade polifônica de uma instânciasujeito que enuncia pela significância de uma
discursividade tomada como literária. Efeitos de
uma historicidade, de uma anterioridade
discursiva, de uma memória discursiva que insere
a instância-sujeito escritora em um ethos sócioeconômico-literário, para enunciar um pathos
resultante de sua clivagem e interpelação de um
mundo possível que vivencia e sobre o qual e a
partir do qual produz um logos que se inscreve em
uma amplitude linguístico-estético-literário.
É paradoxal, para não dizer instigante, o
fato de Carolina Maria de Jesus tomar como
molde os poetas românticos, o verso com rima, os
motes do amor, da saudade, do amor à pátria,
quando na ocasião – década de 60 – eram outros
os conceitos, os moldes: havia/era a necessidade
de justamente por fim ao verso, à forma, à
convenção, como apontavam os modernistas:
Contemplava extasiada o céu cor de anil.
E eu fiquei compreendendo que eu adoro
o meu Brasil. O meu olhar posou nos
arvoredos que existe no inicio da rua
40
Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos
Pedro Vicente. As folhas movia-se.
Pensei: elas estão aplaudindo este meu
gesto de amor a minha Patria. (...) Toquei
o carrinho e fui buscar mais papeis. A
Vera ia sorrindo (QD, p.36).
Esqueceram de informar à Carolina, como
bem pontuara Lajolo, quais eram os modelos
denominados canônicos, literários:
E, como não tinha sido informada,
Carolina ia ao dicionário apesar dos
tropeços e do peso do cartapácio. E o
resultado são os poemas salpicados de
lantejoulas do quilate de abscondado,
desídias, estentóreo, recluída, cafua,
infausto, cilícios, ósculos, agro, olvidame, érebo, e similares ourivesarias falsas,
que dão a seu livro um indesejado tom de
pastiche involuntário (LAJOLO, 1996, p.
52-53).
Não obstante o prefácio referendar um
livro de poemas, postumamente editado, o
comentário acima também se assemelha à
materialidade discursiva entrevista na obra que
constitui o corpus de análise desse artigo, qual
seja QD. A escritura de Carolina é paradoxal. Ela
abriga, congrega quando não metamorfoseia o
dizer, recorrendo às intituladas lantejoulas3 para
abrilhantar, para enfeitar, para adornar o discurso
pobre, miserável, destoante do dito progresso
econômico, político, cultural anunciado. As
lantejoulas também são indicativas do desejo do
sujeito-autor de pertencer a outro lugar discursivo,
outro lugar social, um lugar legitimado, talvez
acadêmico/canonizado, para o seu dizer tão
miserável, e, mesmo sendo, intitulando-se,
apresentando-se humilde, tem sonhos vastos, tem
sonhos auspiciosos.
Se os sonhos são verdes, se os sonhos são
ditosos, a realidade é negra, é dura, é sofrível, é
roxa – “cor da amargura que envolve o coração
dos favelados” (QD, p.34) é repetível, pois os dias
são sempre iguais, os relatos são/serão sempre os
mesmos: a busca pela sobrevivência, a luta, a
enraivecida luta pela sobrevivência, quando, em
muitos momentos, o sujeito-narrador, ao relatar as
agruras dos favelados, os aproxima dos corvos,
quando não os apresentam como inferiores a estes
e outros animais:
As aves deve ser mais feliz que nós.
Talvez entre elas reina amizade e
igualdade. (...) O mundo das aves deve
ser melhor do que dos favelados, que
deitam e não dormem porque deitam-se
sem comer (QD, p.35).
Deus é o rei dos sabios. Êle pois os
homens e os animais no mundo. Mas os
animais quem lhe alimenta é a Natureza
porque se os animais fossem alimentados
igual aos homens, havia de sofrer muito.
Eu penso isto, porque quando eu não
tenho nada para comer, invejo os animais
(QD, p.61).
Só há beleza, só haverá beleza se ela vier
concretizada na metáfora da banha frigindo na
panela, e/ou ainda, quando há feijão com arroz e a
promessa de uma refeição, ainda que parca, ainda
que carente dos nutrientes necessários.
Pelos enunciados já citados nas diversas
ocorrências, o que se observa é a diversidade de
inscrições, de formações discursivas distintas. De
acordo com os estudos pecheutianos, a formação
discursiva é o lugar da constituição do sentido.
(PÊCHEUX, 1997, p.162) É nesta acepção que
empregamos a aludida notação temática.
Chamaremos, então, formação discursiva
aquilo que, numa formação ideológica
dada, isto é, a partir de uma posição dada
numa conjuntura dada, determinada pelo
estado da luta de classes, determina o que
pode e deve ser dito (articulado sob a
forma de uma arenga, de um sermão, de
um panfleto, de uma exposição, de um
programa, etc). Isso equivale a afirmar
que as palavras, expressões, proposições,
etc, recebem seu sentido da formação
discursiva na qual são produzidas:
retomando os termos que introduzimos
acima e aplicando-os ao ponto específico
da materialidade do discurso e do
sentido, diremos que os indivíduos são
“interpelados” em sujeitos-falantes (em
sujeitos de seu discurso) pelas formações
discursivas
que
representam
“na
linguagem” as formações ideológicas que
lhes são correspondentes (PÊCHEUX,
1997, p.160-161- grifos do autor).
Ora, Carolina revela-se a escritora dos
pobres e de suas agruras. Ora ela se apresenta
como a delatora dos favelados e de suas
lambanças, fugindo e/ou fingindo escapar às suas
misérias; ora ela se exibe como a apaziguadora,
aquela pessoa que, por acreditar e se reconhecer
escritora, é a única expectativa dos seus
companheiros de miséria. É sempre ela que põe
fim às brigas, às discórdias, é sempre ela que
abranda os mexericos, é sempre ela a portavoz dos
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus
favelados. É ela, também, que, em muitos
momentos controversos, para não dizer
paradoxais, parece intuitivamente desvelar uma
inscrição que a apresenta como uma mulher à
frente do seu tempo. Escolhe criar os filhos
sozinha, opta por não ter marido e não se sujeitar
a apanhar e, ainda, a ter que sustentar a casa como
fazem muitas de suas vizinhas, que trabalham fora
e ainda parecem tambor, apanham de seus
companheiros.
Em outros enunciados há referência ao
preconceito contra os imigrantes nordestinos,
proferindo que são sempre eles a se meter em
confusão, são sempre eles a iniciar uma briga, são
sempre eles os preguiçosos, cachaceiros,
baderneiros; tal atitude resvala em uma atitude
pré-concebida, quando não preconceituosa.
Como esta é apenas uma pré-análise,
outros caminhos poderão ser trilhados/
construídos/constituídos. É sabido que a proposta
inicial era trabalhar/cotejar alguns enunciados
representativos de algumas formações discursivas
que desvelassem o sujeito em sua ininterrupta
constituição enquanto instância enunciativa
sujeitudinal.
Há inúmeras inscrições do sujeito-autor
em uma dada discursividade política, ideológica,
social, literária, dentre tantas outras possíveis.
Carolina – enquanto sujeito-autor - em inúmeros
momentos fala/descreve a necessidade de o poeta
estar vinculado àquilo que registra. Ela se
reconhece como uma poeta dos pobres. Insiste-se
aqui no termo poeta e não poetisa, a supor-nos
que aquele não carrega em si nenhuma acepção de
gênero (masculino e/ou feminino) e porque a
própria Carolina também usa o termo/vocábulo
poeta. A escrita não tem gênero; aliás, não tem
sexo: “Vi os pobres sair chorando. E as lagrimas
dos pobres comove os poetas. Não comove os
poetas de salão. Mas os poetas do lixo, os
idealistas das favelas, um expectador que assiste e
observa as trajedias que os políticos representam
em relação ao povo”. (QD, p.54)
Segundo José Carlos Sebe Bom Meihy, ao
referendar, junto com Marisa Lajolo, a obra
intitulada Antologia Pessoal de Carolina Maria
de Jesus, publicada postumamente (1996, p.17)
pontua que:
Carolina escrevia muito. Não só músicas
– sambinhas pobres também foram
perpetrados por ela – mas, ao lado de
múltiplos gêneros, principalmente, versos
agarrados nas linhas do simplismo, da
rima mais que fácil e da repetição.
Carolina foi e era por definição poeta.
Sequer dizia-se poetisa. Sem entender o
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
41
significado disto, tudo que for dito sobre
ela soará pouco e, mais que incompleto,
vazio. (MEIHY, 1996, p.17)
Carolina escreveu diários, teatro, letras de
música, poesia, romance – ela perpassou por
diversos gêneros textuais, embora tenha ficado
conhecida apenas como a autora de diários
íntimos. Essa diversidade de escrituras literárias
funda-se na necessidade de uma expressividade
sujeitudinal inscrita em uma discursividade
literária que a revelasse como instância-sujeito
nesse universo discursivo. Trata-se de uma
constituição sujeitudinal plural em busca de um
lugar discursivo que a revelasse enquanto
instância enunciativa sujeitudinal escritora.
Na materialidade discursiva de QD é
possível identificar, assinalar diversos recursos
utilizados para compor o dizer. Trechos
carregados de metáforas, textos (des)veladores
dos motes utilizados nos textos de Casimiro de
Abreu, em Castro Alves, o uso de metáforas, o
recurso da hipercorreção – quando a instânciasujeito Carolina, sabendo-se não possuidora do
código letrado, tenta se infiltrar nesse código e se
corrigir... Que chega ao exagero ou, ainda, abeirase nas bordas do que se intitula hipercorreção. O
uso exagerado e fora do código normativo dos
pronomes, da escolha de vocábulos burilados,
garimpados nos dicionários. Nesse sentido, o
dizer de Carolina traz tatuada a marca do
interdiscurso. E é inegável, em muitos momentos,
para recorrermos aqui as expressões apontadas
por Umberto Eco (1994), o sujeito-leitor
(re)conhece trechos, falas, verbetes, transcrições
de outros discursos, de outros autores,
notadamente os autores românticos. Veja-se este
fragmento:
Contemplava extasiada o céu cor de anil.
E eu fiquei compreendendo que eu adoro
o meu Brasil. O meu olhar posou nos
arvorêdos que existe no inicio da rua
Pedro Vicente. As folhas movia-se.
Pensei: elas estão aplaudindo este meu
gesto de amor a minha Patria. (...) Toquei
o carrinho e fui buscar mais papeis. A
Vera ia sorrindo. E eu pensei no
Casemiro de Abreu, que disse: “Ri
criança. A vida é bela”. Só se a vida era
boa naquele tempo. Porque agora a
epoca está apropriada para dizer: Chora
criança. A vida é amarga (QD, p.36).
Nessa perspectiva, é possível cotejar a
posição de Maingueneau (2006, p.72) quando
discute a questão do discurso constituinte:
42
Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos
Como todo discurso constituinte, a
literatura mantém uma dupla relação com
o interdiscurso: de um lado, as obras se
alimentam de outros textos mediante
diferentes
procedimentos
(citações,
imitações, investimento de um gênero...)
e, do outro, elas se impõem à
interpretação, ao emprego.
É assim que o sujeito-autor ou a instância
enunciativa sujeitudinal escritora faz uso do que
lera, do que ouvira, do que entrara em contato e
(re)toma esses outros dizeres com outras
acepções. Não é, de maneira alguma, mera
reprodução, mas um outro dizer, marcado por
outras inscrições sociais, políticas, históricas,
ideológicas e culturais. Senão seria apenas uma
réplica dessas inscrições sem uma clivagem do
mundo que significativamente enunciasse e
referendasse o que disse Maurice Blanchot
(1996), quando argumentou que o que importa
não é dizer, mas redizer e, neste redito, dizer a
cada vez uma vez primeira.
Pelos excertos supracitados é facilmente
perceptível uma releitura e/ou uma relocalização
dos enunciados, dos vocábulos, das expressões
fundadoras do estilo romântico de alguns
escritores, entre eles, Casimiro de Abreu, Castro
Alves e o próprio Gonçalves Dias com o poema
Canção do Exílio que exalta a terra, os bosques, as
várzeas, as flores, os amores.
Conforme assevera Pêcheux “... o próprio
de toda formação discursiva é dissimular, na
transparência do sentido que nela se forma, a
objetividade
material
contraditória
do
interdiscurso, que determina essa formação
discursiva como tal, objetividade material essa
que reside no fato de que “algo fala”” (ça parle)
sempre
“antes,
em
outro
lugar
e
independentemente”, isto é, sob o domínio do
complexo das formações ideológicas (1997, p.162
– grifos do autor).
Considerações Finais: Realizando algumas
breves exposições e indicando um ponto-evírgula
A instância enunciativa sujeitudinal
escritora Carolina Maria de Jesus é/representa um
grito de protesto contra as injustiças cometidas
contra os favelados, as minorias, os pobres. Sua
voz é contundente, cáustica. Neta de escravos, seu
discurso entremostra em ‘pé de garrafa’ – a
exemplo do mito africano – as migalhas, a dor, a
complacência com os desvalidos e, ainda que, não
sendo homem para mudar o curso da história,
sonha com o mundo das letras, com o mundo dos
adeptos ao dom da palavra – aqueles que são mais
abastados culturalmente e socialmente providos
de tradição letrada.
Talvez, nesse sentido, o discurso
caroliniano revele uma leve aproximação com o
mundo de Alice – na medida em que confabula
sonhos e ambiciona torná-los possíveis. Este será
seu dedal de mudança, possível legado aos seus
irmãos de cor. O dizer de Carolina é simples,
contundente, direto, sem meios-tons, sem o
requinte da sofisticação, embora se encontrem
espalhadas algumas lantejoulas, aqui e ali para
recorremos ao comentário feito por Marisa Lajolo
(1996).
O que esta autora chama de lantejoulas
são algumas metáforas, algumas expressões
atípicas para alguém com tão pouca escolaridade
formal. Sua singularidade se revela não somente
na denúncia social, mas ainda na possibilidade de
criar artifícios ficcionais para desvelar a
singularidade de sua denúncia. Deitar e acordar,
com lápis e papel na mão, não é uma atitude
puramente mecânica; é uma singularidade que
desvela na ação de escrever e de catar a
probabilidade de catar sonhos/realizar sonhos
feitos os de Alice no País das Maravilhas, de
Carroll.
A despeito de crer, de ter a lucidez de ver
e entrever que os lugares já estão postos, que as
injustiças se repetem, ininterruptamente, tais
como os elementos frasais com que iniciam seus
dias esquadrinhados em seu diário. Carolina sonha
com um mundo utópico, ideal, em que homens e
bichos sejam tratados com dignidade; aliás, em
muitos momentos de desespero, chega a crer que
os animais são privilegiados, pois conseguem se
alimentar, enquanto os favelados, em inúmeros
momentos, não têm o que comer.
Carolina representa a figura de uma
catadora de palavras – para calar/sufocar a fome
do não saber institucionalizado, por outro lado,
não dissonante deste, também, configura a
catadora
de
sonhos
–
para
criar/confabular/engendrar um universo de
sobrevivência possível. As páginas de cadernos
amarelados pela ação do tempo chegaram às mãos
de Audálio Dantas como que por coincidência.
Por uma obra do acaso, ou como diria o estimado
Rosa (2001), pela força do acaso que conspira
ainda que o “viver seja um descuido
prosseguido”.
Estava o jornalista andando na favela – a
procura de artifícios para engendrar um relato
sobre os favelados, quando como por uma
eventualidade ouve falar de Carolina – a favelada
que anotava tudo o que ocorria na favela. Golpe
de gênio e/ou mera obra do acaso? O fato é que
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus
encontrou ali alguém que, sendo da favela,
poderia falar muito melhor em nome desta, pois
isso daria maior veracidade ao testemunho.
O tempo de Carolina é o tempo do Era
uma vez, ainda que estabeleça uma possibilidade
de porvir, de tornar a ser, ainda que antecipe em
10 (dez) anos a escrita em diário... feito/concebido
por uma mulher. Era uma vez uma menina que
desde sempre havia sido destinada a ser poeta...
Por isso, recorrendo a sua memória, ao senso
comum e ao relato de um médico, quando
frequentemente sentia dores na cabeça... Ele
retrucava/sentenciava que ela havia nascido para
ser poeta... Era este o seu destino, era esta a sua
sina. Carolina ambicionava ser poeta, mais do que
isto, desejava sobreviver desta escritura e outra
vez... Relembramos Alice no país das maravilhas:
“Enquanto escrevo vou pensando que resido num
castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as
janelas são de prata e as luzes de brilhante. Que a
minha vista estou no jardim e eu contemplo as
flores de todas as qualidades” (QD, p39).
Assim, em 1958, aparece Audálio Dantas
metamorfoseado em Chapeleiro Maluco – bem,
no caso de Carolina, não tão maluco assim, já que
ele, em sua antevisão jornalística, apura e prepara
um contexto editorial favorável para receber
Carolina Maria de Jesus – um achado. Alguém
que, vindo da favela, seria sua porta-voz. Nada
mais convincente em um país que se abria, ainda
que ilusoriamente, para a popularização, para a
democratização da cultura, mostrar a favela por
seu próprio ângulo, pelo seu próprio viés.
Na aludida ocasião houve talvez uma
confluência de astros: o acaso, a escrita, a
mensagem, os leitores, só faltou/careceu e, talvez,
este seja o aspecto que tenha recebido maior
aceno de Carolina, o ressentimento, o ressentir-se
pela falta de receptividade da crítica literária à sua
obra e pela mesma razão também entremostrou a
não aceitação de Carolina, aos cânones literários
vigentes.
Talvez date daí sua frustração, sua fuga
para o sítio de parelheiros e para seu processo de
encapsulamento. Se por parte dos leitores teve
uma audiência/uma aceitação imensa – superando
em um só dia até mesmo autores [intitulados]
clássicos, como Jorge Amado, por outro lado e,
dissonante deste –, pois mesmo tendo sido
Quarto de Despejo um dos livros mais lidos no
Brasil, na década de 60, quiçá no mundo, não fora
aceita pelos poetas de salão, pelos intitulados
acadêmicos e/ou imortais.
Carolina sentou-se e olhou as páginas em
branco que pretendia preencher com o saldo de
sua solidão e de suas carências pessoais,
emocionais, financeiras. De forma atabalhoada,
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
43
começa a entender que a vida é determinada pelas
escolhas e estas já foram a priori determinadas
pelas diferenças culturais, sociais, políticas,
profissionais, étnicas e, ainda, de gênero – o peso,
o árduo peso de ser mulher: negra, favelada, mãe
solteira e com baixa escolaridade. E ela, a
instância-sujeito Carolina Maria de Jesus, como
tantos, sempre tivera dificuldade em escolher.
Talvez justamente porque as escolhas já estavam
postas a priori. Nesse momento, a sua era uma
vida tão encapsulada que parecia ser impossível
chegar ao cerne, à origem deste enovelamento. A
sua história é multifacetada. Realizando uma
remota comparação entre a obra Alice no País das
Maravilhas e a obra Quarto de Despejo, de
Carolina Maria de Jesus pode-se dizer que esta é
repleta de fantasias oníricas e lúdicas acerca da
realidade e da linguagem.
São simbolizações e alegorias que, a um
primeiro parecer, contestam a lógica e o senso
comum primando pelo nonsense, pelo absurdo.
Contudo, como a própria instância-narradora
profere: “há de existir alguém que lendo o que
escrevo dirá isto é mentira, mas as misérias são
reais” o non-sense é só aparente, só quem passa
pela fome é quem sabe o que é sentir a fome,
segundo esta mesma instância-sujeito narrador
profere “a fome tambem é professora”. (QD, p.31)
Essa ludicidade desvela, contudo,
metáforas lúcidas a respeito do mundo e da
sociedade, da divisão entre favelados/miseráveis e
ricos; entre o quarto de despejo e a sala de estar.
A instância-sujeito Carolina Maria de Jesus
transpõe para a materialidade linguística e
discursiva o mundo lúdico de Alice, embora o
faça ao revés... Seu mundo é a favela, são as
marginais da cidade de São Paulo – cheias de
incertezas e ilogicidades. São Paulo como no país
das
maravilhas
é
dividido/cindido
em
castas/classes, proleátrios e classe média.
Carolina, a catadora, representa/configura a carta
de espada (os servidores, os jardineiros, os
pedreiros, os proletários, os desvalidos, os jogados
para o quarto de despejo).
QD e a sua recepção entremostram os
matizes da favelada, um quadro em que as cores
primárias e secundárias não são associadas ao
belo, mas antes ao cheiro de podridão, aos
entretons cinzentos e esfumaçantes da poeira, da
lama, do mau cheiro, da pinga, da imundície que
exala da favela, trazendo à mostra a metáfora dos
desvalidos esfomeados – quando então, passado o
boom editorial, autora e obra são silenciadas.
Contudo, o livro QD cresce no mercado
editorial nacional e internacional, alça voos
desmedidos, trazendo esta metáfora dos
desvalidos e esfomeados, contudo a academia faz
44
Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos
vista grossa ao mercado editorial crescente para o
Quarto de Despejo.
“Era uma vez”... a vida da instânciasujeito Carolina Maria de Jesus é repleta de
questionamentos existenciais: a fome, a luta
contra o tempo para catar, enovelar, dormir,
sonhar, tornar possível, trabalhar... A incoerente
realidade externa não se coaduna com a realidade
interna. Não é suficiente ser diferente do modelo
social de um determinado momento histórico; é
preciso diferenciá-lo, trazer à tona o que era
apenas vago e sufocador – para recorrermos aqui
aos dizeres de Clarice.
Era imperioso modificar esse momento
histórico, ainda que em folhas catadas no lixo. Tal
atitude desvela coragem, muita coragem. QD
metaforicamente revela um rito de passagem para
a coragem: a coragem de ser mulher, a coragem
de ser mãe, a bravura de resistir à fome e utilizá-la
como pauta para a denúncia social, política e
histórica, a força de SER só no mundo, os ônus de
ser uma mulher negra, semiescolarizada, favelada,
mãe solteira, catadora de lixo e escritora. Alice,
assim como Carolina Maria de Jesus, devolvem
ao seu país, por intermédio de seu discurso, dedais
de projetos que visam às minorias sociais.
Talvez essa seja a melhor, a única porção
que lhe cabia, talvez essa seja a atitude de uma
‘Alice negra da modernidade’ com sua pequena
varinha de condão – principiar as denúncias,
revelar as mazelas que afligem os favelados, os
seus iguais.
Carolina propõe uma cisão conceitual do
mundo por meio de uma ressignificação do
discurso, e esse discurso é materializado através
de alegorias vividas, duramente, severamente
vividas. A instância-sujeito autor coloca na
experiência empírica do discurso a real
experiência da fome e faz desta experiência uma
forma de visão social.
A propósito, observando as considerações
foucaultianas bem delineadas nas linhas do livro
O que é um autor?, bem como nas folhas que
antecedem a este e atribuídas aos prefaciadores
do presente livro: mais vale o projeto de
empreender uma tentativa de rascunhar uma
‘escrita de si’, portanto acreditar-se no gesto de
superar que nas próprias superações; “a própria
escrita (grafia) é um gesto da vida, e que, se a
pode negar, destruir, banalizar, também a pode
‘salvar’”. (2009, p.8-9).Talvez no exercício de
catar o lixo e salvaguardar os dias vividos haja no
corpo de Quarto de Despejo um projeto social,
literário e filosófico do sujeito autor Carolina
Maria de Jesus de proteger-se da própria solidão,
salvar-se da loucura, defender-se da miséria que
consome os sonhos e os engaveta nos escaninhos
obscuros da memória.
Como indagações finais e que não se
encerram com a proposição desta leitura, deste
gesto de interpretação, faríamos nossas as
palavras de J.Ullmo4 (2009, p.87):
Onde é que se encontra o que especifica
um autor? Bem, o que especifica um autor
é justamente a capacidade de alterar, de
reorientar o campo espistemológico ou o
tecido discursivo, como formulou. De
facto, só existe autor quando se sai do
anonimato, porque se orientam os campos
epistemológicos, porque se cria um novo
campo discursivo que modifica, que
transforma radicalmente o precedente.
Carolina Maria de Jesus – enquanto
posição sujeito – desestabilizou o posto, se
permitiu ir além do quarto de despejo, ousou um
atrevimento: possuir uma casa de alvernaria5,
considerado na época um atrevimento de negrinha
metida, arrombou a literatura da ocasião, nos
dizeres de Marisa Lajolo (1996), provocou
fissuras no meio jornalístico e ainda que não tenha
sido considerada uma autora da ordem do cânone,
desestabilizou o posto e fundou uma
discursividade outra para além do cânone.
Inventariou um legado que lhe permitiu escrever
diversos gêneros discursivos, teatro, poemas,
canções, cartas, novelas, diários (o conhecido),
dentre outros.
Carolina sai do anonimato, desestabiliza,
quebra regras, ainda que seja e tenha o intuito de
seguir a norma considerada padrão, a norma culta,
incomoda por não ser possível imputar-lhe uma
categoria, uma etiqueta. Carolina fere todas as
etiquetas intituladas e bravamente rotuladas como
aceitáveis para ser considerada uma escritora: ser
escolarizada, ter formação clássica e vir de uma
camada social mais abastada. Carolina – enquanto
sujeito empírico – é negra, favelada, pobre, mãe
solteira, semiescolarizada, descendente de
escravos e leitora autodidata. Assim, reciclava
lixo e ao reciclá-lo entrevia uma realidade outra,
acreditava no poder da escrita como forma de
anotar os dias e preservá-los do esquecimento.
Tentava, ainda, registrar as lambanças de seus
irmãos de cor e apontar os deslizes deste e
daquele governante. Tinha uma coragem para
além do prontamente esperado, ao reciclar lixos,
mantinha o desejo de um dia mudar o curso da
história, separava lixo e trocava por gêneros
alimentícios em uma época que nem se falava em
reciclagem. Resgatou e preservou seu instinto
primeiro de escriturar e inventariar o que é e seria
da ordem do não inventariável: a vida infame dos
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus
homens comuns. E se sua ‘escrita de si’
abespinha-se é também porque desestabiliza o
posto, esfola regras, funda um novo campo
discursivo e ousa falar da vida cotidiana com
todas as suas singularidades, com toda a
precariedade e inalterabilidade dos dias, em que
vida privada e pública se entrelaçam no quarto de
despejo (espaço privado, o quarto de Carolina),
mas contracenam aos olhos de todos os favelados,
no meio da favela (no quarto de despejo, espaço
público), no centro paupérrimo do descaso e dos
desvalidos... lá onde jorram todas as estórias e
escorrias da cidade, quiçá do país.
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46
Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos
Notas
1 Doravante, apenas QD, seguido do número da página, já que todos os excertos são e serão retirados da 1ª
edição de Quarto de Despejo, 1960. Cumpre mencionar que essa obra não passou por uma revisão
gramatical; nesse sentido os referidos excertos entremostram as singularidades de um sujeito autor que
enquanto sujeito empírico, pertencente a uma dada comunidade, só cursou até o segundo ano primário, em
uma Escola Espírita de Sacramento denominada Allan Kardec.
2 Tese de doutoramento de Germana Henriques Pereira de Sousa intitulada Carolina Maria de Jesus – O
Estranho Diário da Escritora Vira-lata, defendida em 2004 na Universidade de Brasília, ilustra os
desdobramentos de sua escritura.
3 Recursos linguageiros de uma expressividade linguística que ilustra e caracteriza representações de um
dizer que reflete um realismo acontecimental, isto é, da ordem do acontecimento.
4 O livro de Foucault O que é um autor? é resultante de uma seleção de textos do autor reunidos sobre a
problemática do sujeito e a sua relação com a escrita. Trata-se de uma das suas inúmeras conferências
proferidas e traz a participação de alguns debatedores/mediadores, entre eles: Maurice de Gandillac, Lucien
Goldmann, J. Ullmo que realizaram algumas contribuições/questões durante a conferência que resultou
nesse livro.
5 Casa de Alvenaria está sendo usado aqui em duplo sentido: o primeiro deles, talvez mais premente, é a casa
de alvenaria conquistada por Carolina com a vendagem do seu primeiro livro lançado, a saber: Quarto de
Despejo – diário de uma favelada (1960) e, na segunda acepção, também se refere a outro livro bancado,
desta feita pela própria autora com o dinheiro ganho na edição de Quarto de Despejo. Livro que não
recebeu os acenos tanto de público, quanto de mídia e, ainda, do meio acadêmico como uma grande
promessa empreendida por Carolina. Assim, tanto a autora como os livros publicados após seu best-seller
Quarto de Despejo foram fadados ao esquecimento.
Sobre os autores:
Fabiana Rodrigues Carrijo: Professora de Língua Materna no Ensino Fundamental do Estado de Goiás.
Autora e executora de um projeto de leitura intitulado: Tecendo e (des) tecendo com laços de amor e dor:
como recobrar o prazer pela leitura no espaço da biblioteca. Doutoranda em Estudos Linguísticos no
Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos do Instituto de Letras e Linguística na Universidade
Federal de Uberlândia. Membro partícipe do Laboratório de Estudos Discursivos Foucaultianos. (LEDIF).
João Bôsco Cabral dos Santos: Professor Associado 2 do Instituto de Letras e Linguística da
Universidade Federal de Uberlândia. Doutor em Estudos Linguísticos pela UFMG. Coordenador do Grupo
de Pesquisa Laboratório de Estudos Polifônicos.
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012
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O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador1
Juçara Gomes de Moura*
Maria Aparecida Lopes Rossi**
Resumo
O trabalho objetiva refletir sobre a organização curricular do curso de Pedagogia em Goiás, na década de
1980, e suas contribuições para com a formação do professor alfabetizador. Parte-se da proposição de que o
curso de Pedagogia sofre, ao longo da sua história, influências políticas do Estado e dos movimentos sociais
que reivindicavam a democratização da escola. Tais reivindicações materializaram-se na organização de um
currículo que buscava “transformar a escola de 1º Grau como um espaço verdadeiramente democrático”. O
novo currículo dá ênfase na compreensão da educação, da escola e da prática pedagógica, considerando sua
historicidade e funções sociais e o desenvolvimento de uma consciência crítica no processo de formação do
pedagogo. Assim, o curso busca formar profissionais com o domínio de conteúdos específicos da
alfabetização que passa a ser compreendida como um processo, que envolve a compreensão e o trabalho com
a função social da leitura e da escrita.
Palavras – Chave: Alfabetização, Currículo, Curso de Pedagogia.
The Pedagogy Course in Goiás and a training literacty teacher
Abstract
This essay aims to reflect on the curriculum of the Faculty of Education in Goiás, in the 1980s, and their
contributions to the training of literacy teachers. It starts with the proposition that what we call Faculdades de
Educação in Brazil have traditionally influenced state policies and social movements that demanded the
democratization of school. Such claims were materialized into a curriculum organization organizing that
sought to "transform the school from Grade 1 as a truly democratic space." The new curriculum emphasizes
the understanding of education, schools and pedagogical practice, considering its historical and social
functions and developing a critical consciousness in the process of formation of the pedagogue. Thus, the
course seeks to train professionals that master specific literacy contents in which literacy is understood as a
process that involves understanding and working with the social function of reading and writing.
Key - Words: Literacy, Curriculum, Pedagogy course.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo
refletir sobre a organização curricular do curso de
Pedagogia em Goiás, na década de 1980, na
Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Goiás (FE/UFG) e no Departamento de
Educação da Universidade Católica de Goiás
(EDU/UCG), assim como suas contribuições para
a formação do professor alfabetizador. Parte-se da
proposição de que o curso de Pedagogia, criado
em 1939 no Brasil, sofre, ao longo da sua história,
influências políticas do Estado e dos movimentos
sociais, especificamente do movimento dos
educadores, no final da década de 1970 e início da
década de 1980, que reivindicava, entre outras
questões, a democratização do espaço escolar.
Essa reivindicação materializou-se na organização
de um currículo, na FE/UFG e no EDU/UCG que
buscava “transformar a escola de 1º Grau em um
espaço verdadeiramente democrático”. Para
transformar esta escola era necessário, também,
formar um profissional docente, em nível
superior, com compromisso político, competência
* Endereço Eletrônico: [email protected]
** Endereço Eletrônico: [email protected]
e habilidades para alfabetizar crianças das escolas
públicas.
A reivindicação de uma escola
democrática está relacionada à luta dos
educadores contra a política de um Estado
autoritário (GERMANO, 1993) que controlava
ideologicamente a educação escolar em todos os
níveis; empreendia reformas na educação,
colocando-a numa relação direta e imediata com a
produção capitalista e incentivava a participação
do setor privado na expansão do sistema
educacional. Nesse momento histórico, de
controle ideológico da educação, o curso de
Pedagogia formava profissionais habilitados para
o trabalho técnico nas escolas: Administração
Escolar, Inspeção Escolar, Orientação e
Supervisão Escolar. A formação para a docência
estava direcionada às disciplinas pedagógicas,
para atuação, do pedagogo, no Magistério do 2º
Grau, nas Escolas Normais. Essa formação era
criticada pelo movimento dos educadores, como
uma formação que ignorava os aspectos
ideológicos e sociais da educação e sobrepunha a
técnica aos aspectos políticos da prática
48
Juçara Gomes de Moura, Maria Aparecida Lopes Rossi
pedagógica.
Nesse sentido, os documentos do novo
currículo do curso de Pedagogia, organizado em
1984 na FE/UFG e em 1985 no EDU/UCG,
registram a influência do movimento dos
educadores em prol de uma educação pública que
transformaria especificamente a escola de 1º
Grau, ou seja, a escola responsável pela
alfabetização dos filhos dos trabalhadores. É
importante ressaltar que a FE/UFG foi pioneira,
no Brasil, ao reformar o curso de Pedagogia,
dando ênfase na formação do profissional
pedagogo como docente/alfabetizador para atuar
na escola de 1º Grau.
Ao reorganizar o curso de Pedagogia, a
FE/UFG e o EDU/UCG dão ênfase à
compreensão da educação, da escola e da prática
pedagógica, considerando a historicidade da
educação e suas funções sociais; a importância do
desenvolvimento de uma consciência crítica no
processo de formação do pedagogo; a necessidade
de recriação da escola de primeira fase do
primeiro grau; a busca de superação da dicotomia
na relação teoria-prática; a importância de formar
pedagogos com capacidade para responderem aos
reais interesses da classe trabalhadora; a
necessidade da formação de um profissional que
recuperasse a experiência e o saber que o aluno
traz, ao chegar à escola, submetendo-o ao crivo da
reflexão e da crítica.
Assim, o curso, nas duas instituições
referidas, passa a formar profissionais pedagogos
para atuarem na escola de 1º Grau com o domínio
de conteúdos específicos da alfabetização. É
interessante lembrar que, nesse momento
histórico, a alfabetização passa também a ser
compreendida como um processo que envolve a
compreensão e o trabalho com a função social da
leitura e da escrita. Essa concepção é concebida
no Brasil, já a partir da década de 50, quando o
Censo, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística), considerava como
alfabetizado aquele que soubesse ler e escrever
um bilhete simples, o que implicava exercer uma
prática de leitura e escrita.
Essa visão amplia o que era considerado
alfabetizado até a década de 40 pelo mesmo
Instituto, quando os indivíduos que declaravam
saber ler e escrever eram tidos como
alfabetizados. Desse modo, desloca-se a ênfase
anterior, que era dada ao aspecto técnico da leitura
e da escrita, priorizando-se a decodificação, e
passa-se a considerar a importância do trabalho
com textos desde a fase inicial da alfabetização.
A discussão sobre a alfabetização nas
escolas brasileiras remonta ao final do século
XIX. É interessante também observar que, nesse
momento histórico, os profissionais responsáveis
pela alfabetização das crianças eram formados
pelas Escolas Normais. Até esse período o ensino
da leitura e da escrita, nas escolas primárias, no
Brasil, escolas essas, consideradas tradicionais,
era fundamentado nos Métodos sintéticos. A
soletração, a silabação e a consciência fonológica
são as características desse modelo de
alfabetização
(CARVALHO,
2009).
Na
soletração, por exemplo, a ênfase é dada aos
mecanismos de codificação e decodificação, o
objetivo é ensinar às crianças, a combinatória das
letras e sons. Nele, a alfabetizadora parte de
unidades simples, as letras, mostrando para os
alunos, que essas, quando se juntam, representam
os sons, representam as sílabas, e as sílabas, por
sua vez, formam as palavras.
Em 1890 (MORTATTI, 2000) foi
inaugurada no Estado de São Paulo a EscolaModelo do Carmo, semelhante à Training School
dos americanos, fundamentada nos princípios da
Escola Nova. Nesta Escola-Modelo, anexa à
Escola Normal, concebia-se o método analítico
para o ensino da leitura como o mais apropriado
para as crianças. Esse método de ensino parte do
“todo” para as “partes”, iniciando-se a
alfabetização por meio da sentença. Nesse modelo
de alfabetização, a compreensão é de que a
criança tem uma visão globalizada da realidade,
ela tende a perceber o todo, o conjunto, antes de
captar os detalhes. Neste aspecto, a alfabetizadora
inicia o ensino da leitura e da escrita apresentando
às crianças uma sentença. Após essa apresentação
e leitura da sentença, realizada pelas crianças, a
professora trabalhava as palavras e, após, as
sílabas e as letras.
Assim, esse método, caracterizado como
analítico, diferencia-se do método sintético, que
parte da silabação. Os adeptos dessa nova
concepção de alfabetizar criticavam o método
sintético, caracterizando-o como arcaico, “que
contrariava a função de globalização característica
da mente infantil” (CARVALHO, 2009, p. 32).
Os críticos consideravam o método analítico
como moderno, mais lógico e mais rápido.
Nesta perspectiva, a escola primária, ao
adotar a pedagogia do método analítico, método
moderno, também era considerada pelos críticos
como um espaço mais divertido, prazeroso, que
amenizava para as crianças a difícil e árida
aprendizagem das primeiras letras.
Na década de 1960, no Brasil, o educador
Paulo Freire cria um método de alfabetização de
adultos fundamentado na ideia de que, para
alfabetizar, é preciso compreender o homem como
ser político e que “a leitura do mundo precede a
leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012
O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador
não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele (FREIRE, 1984, p. 11)”. Nessa
perspectiva, o papel do alfabetizador é dialogar
com o oprimido sobre temas que lhe falem de
situações concretas e de experiências que o
alfabetizando vive diariamente. O autor fazia
críticas ao modelo de educação que dá ênfase à
memorização. Segundo ele:
A memorização mecânica da descrição do
objeto não se constitui em conhecimento
do objeto. Por isso é que a leitura de um
texto, tomado como pura descrição de um
objeto e feita no sentido de memorizá-la,
nem é real leitura nem dela, portanto,
resulta o conhecimento do objeto de que o
texto fala (Idem, p. 18).
A partir da segunda metade da década de
1970, período em que um forte movimento
político dos educadores brasileiros passa a
compreender a educação também como um ato
político, grupos de professores e pesquisadores
passam a estudar os trabalhos de Bakhtin,
Leontiev, Luria e Vygotsky (FREITAS, 1994).
Esses estudos influenciam a compreensão de
educação e do ensino da leitura e da escrita. Em
Vygotsky, a Psicologia humana tem como
característica a compreensão de que a
internalização das atividades são socialmente
enraizadas e historicamente desenvolvidas. Isso
significa que a formação dos processos mentais se
dá a partir do social e, neste sentido, a leitura e a
escrita são concebidas como um espaço de
interlocução e a linguagem compreendida como
constitutiva e não constituída.
Para Bakhtin (1992), o indivíduo
apresenta-se como um fenômeno sócio ideológico
e “esta é a razão porque o conteúdo do psiquismo
“individual” é, por natureza, tão social quanto a
ideologia e, por sua vez, a própria etapa em que o
indivíduo se conscientiza de sua individualidade e
dos direitos que lhe pertencem é ideológica,
histórica e internamente condicionada por fatores
sociológicos (1992, p. 38)”.
A partir desses estudos, que levam à
necessidade de se ampliar o conceito de
alfabetização, Soares (2004) destaca que, ainda na
década de 80, é introduzido no Brasil, tanto nas
ciências da linguagem quando no campo da
educação, o termo letramento, que vem destacar a
diferença entre este conceito e o conceito de
alfabetização. Segundo a autora, esses dois
conceitos,
embora
designem
processos
interdependentes, simultâneos e indissociáveis,
“envolvem
conhecimentos,
habilidades
e
competências específicos, que implicam formas
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012
49
de
aprendizagem
diferenciadas
e,
consequentemente, procedimentos diferenciados
de ensino (SOARES, 2004, p.15)”. A autora
explica ainda que a inserção no mundo da escrita
se dá por meio da aquisição de uma tecnologia e a
isso se chama alfabetização. O letramento se dá
com o desenvolvimento de competências de uso
efetivo dessa tecnologia em práticas sociais que
envolvem a língua escrita. Com isso, como
salienta Rojo (2009), passa-se a entender leitura
como um ato que envolve diversos procedimentos
e capacidades (perceptuais, motoras, cognitivas,
afetivas, sociais, discursivas, linguísticas) todas
dependentes da situação e das finalidades de
leitura. (ROJO, 2009, p. 75).
O conceito de letramento, conforme
explica Kleiman (1995), afirma-se no meio
acadêmico como uma forma de diferenciar “os
estudos sobre o impacto social da escrita dos
estudos sobre a alfabetização, cujas conotações
escolares destacam as competências individuais
no uso e na prática da escrita” (KLEIMAN, 1995,
p. 15,16).
Essas considerações são importantes para
entender a reorganização do currículo do curso de
Pedagogia na década de 1980 em Goiás na
FE/UFG e no EDU/UCG. É o primeiro momento
na história da educação brasileira em que se
materializa a formação de professores em nível
superior para atuar na alfabetização.
O curso de Pedagogia e os conteúdos
específicos para o ensino da leitura e da escrita
Na reformulação do curso de Pedagogia,
na década de 1980,foram incluídas no currículo
das duas instituições formadoras, FE/UFG e
EDU/UCG, as disciplinas: Língua Portuguesa;
Língua Portuguesa 1ª fase do 1º grau:
metodologia e conteúdo; Alfabetização; Português
I; Língua Portuguesa; Didática da Comunicação e
Expressão; Alfabetização I; Alfabetização II;
Cultura,
Linguagem
e
Alfabetização;
Alfabetização III; Estágio III – Alfabetização.
A reorganização do curso de Pedagogia,
com a inclusão das disciplinas acima referidas,
deve ser entendida no seu aspecto histórico,
político e cultural. Isso significa que a seleção dos
conteúdos do novo currículo se deu em meio a
contradições e conflitos, redundando em soluções
“negociadas”. Considera-se que esses aspectos
são fundamentais na reflexão sobre a formação
docente, mas que o presente trabalho, devido a
sua complexidade, não tem como objetivo
explorar.
Moura (2011), ao analisar o currículo de
Pedagogia na FE/UFG e no EDU/UCG, mostra os
50
Juçara Gomes de Moura, Maria Aparecida Lopes Rossi
diferentes conteúdos selecionados para formar
profissionais da pedagogia responsáveis pelo
ensino da leitura e da escrita. Como exemplo, a
ementa da disciplina Língua Portuguesa – 1ª fase
do 1º grau: metodologia e conteúdo registra os
conteúdos básicos necessários ao domínio da
pedagoga/alfabetizadora:
Introdução ao estudo dos princípios que
subsidiam a aprendizagem do aluno de 1ª
fase do 1º grau, em Língua Portuguesa,
nos aspectos bio-psico-linguísticos e
sociais. Desenvolvimento do conteúdo de
Língua Portuguesa relativo à 1ª fase do 1º
grau nos aspectos: Leitura, (leitura
básica, informativa e recreativa),
Linguagem oral – audição, Expressão
escrita (composição, ortografia e escrita)
e Aspectos Gramaticais. Métodos,
processo e técnicas. Princípios e métodos
de avaliação da aprendizagem em Língua
Portuguesa (UFG/CCEP. Resolução nº
207/84. Anexo II, 1984, p. 2).
O Plano de curso da referida disciplina,
datado de 1986, registra como conteúdo:
Linguagem – oral – audição; Leitura; Escrita;
Ortografia; Composição e Gramática. Os
objetivos traçados no plano propõem que os
alunos conheçam os aspectos que interferem na
aprendizagem da leitura; analisem os aspectos de
desenvolvimento da linguagem na primeira fase
do 1º grau; criem estratégias para o
desenvolvimento de cada aspecto da linguagem na
escola de 1º grau.
Na bibliografia registrada no plano, estão
trabalhos que trazem reflexão sobre os temas:
iniciação à leitura, leitura na 1ª série, o processo
de alfabetização, diagnósticos e dificuldades na
aprendizagem da leitura, leitura na escola
primária, linguagem e escola.
As obras, com seus respectivos autores,
registradas no plano são: Iniciação à Leitura
(ARAÚJO, Maria Ivonne Atalécio de. 1985);
Leitura na 1ª Série (BACHA, Magda Lisboa.
1969); O Processo de Alfabetização e um Modelo
em Tentativa (SANT´ANNA, Flávia Mara. 1980);
Diagnóstico de Dificuldades na Aprendizagem da
Leitura (MEC-INEP-CBPE. 1973); Leitura na
Escola Primária (SILVEIRA, Juracy. 1960);
Linguagem e Escola (SOARES, Magda. 1986).
A leitura da ementa da disciplina Língua
Portuguesa – 1ª fase do 1º grau: metodologia e
conteúdo, estruturada no novo currículo do curso
de Pedagogia da FE/UFG, ano 1984, e a leitura do
plano de curso, ano 1986, mesmo este contando
com a obra de Magda Soares, que neste período já
realizava discussões sobre a linguagem como uma
construção social, revelam uma concepção de
ensino da leitura e da escrita cuja ênfase recai
sobre a ciência Psicologia (aspectos biopsicolínguísticos) e sobre o domínio da gramática
(Expressão escrita, composição, ortografia e
aspectos gramaticais).
Frente a esse dado, é importante
reconhecer que uma reorganização curricular,
mesmo realizada em um momento histórico com
forte conotação política não garante os avanços
preconizados pelos seus idealizadores, pois a
materialização do currículo, como a seleção dos
conteúdos das diferentes disciplinas, depende
também da concepção política, concepção
metodológica e de formação dos profissionais
docentes que atuam no curso. Isso significa que a
seleção e organização dos conteúdos podem negar
os princípios norteadores do currículo.
A ênfase no aspecto psicológico é
também perceptível na ementa da disciplina
Fundamentos de Alfabetização I do EDU/UCG,
datada de 1985, e que prevê o conteúdo básico
para a formação da pedagoga/alfabetizadora:
Abordagens psico-pedagógicas e sóciopolíticas da alfabetização: determinantes
individuais, sócio-culturais e intraescolares do desempenho em leitura e
escrita. Leitura e escrita: conceituação,
método, técnicas, estágios e preparo
psicomotor e psicossocial (UCG/EDU,
1985, p. 70-71).
Já em 1991, os conteúdos da mesma
disciplina, na mesma instituição, têm como
preocupação os Estudos introdutórios da
alfabetização infantil em sentido mais amplo:
concepções históricas clássicas (UCG/EDU,
1991). O Plano de curso da disciplina, também
datado de 1991, tem como conteúdo a ideia de
infância, a concepção de homem, de sociedade
que orienta os sistemas pedagógicos, a criança e a
escola como instituição: aspectos históricos, a
inserção social da criança na família, na escola e
na sociedade. O estudo dos teóricos da educação,
o significado da alfabetização; a visão tradicional
de alfabetização e seus pressupostos teóricos,
metodológicos, ideológicos, e compreensão da
formação profissional; visão escolanovista, seus
pressupostos teóricos, metodológicos, ideológicos
e compreensão de formação profissional.
Na bibliografia do plano de curso estão
registradas obras que discutem temas como: a
história social da família e da infância; a
mistificação pedagógica; o que é a criança;
fundamentos e didática na educação pré-escolar;
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012
O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador
provação cultural e educação primária; e as
funções da pré-escola.
Aqui é possível perceber a seleção de
conteúdos voltados para a formação de um
profissional pedagogo que compreenda a
alfabetização não só no aspecto psicológico, mas
também nos seus aspectos históricos, sociológicos
e culturais. Essa concepção de formação do
alfabetizador demonstra que os avanços nas
pesquisas, estudos e reflexões sobre os temas
alfabetização e ensino da leitura e da escrita só se
concretizam no currículo do curso de Pedagogia,
em Goiás, a partir da década de 1990.
Essas considerações levam à afirmação de
que uma nova organização do curso traz um novo
desafio para as instituições formadoras: formar
pedagogos
com
competência
para
alfabetizar/letrar crianças filhas de trabalhadores.
As disciplinas relacionadas com o conteúdo do
ensino da leitura e da escrita trazem a
contribuição dos estudos da Linguística Textual e
da Análise do Discurso, colocando o ensino da
língua em uma perspectiva discursiva, com o
objetivo de levar os alunos à reflexão sobre a
língua e seu funcionamento na sociedade.
Conforme Rossi (2010), um exemplo
dessa produção pode ser encontrada em Geraldi
(2001), que, em 1984, ao lançar a coletânea de
textos reunidos sob o título “O texto na Sala de
Aula”, chama para uma reflexão sobre o ensino de
Língua
Portuguesa,
propondo
um
redimensionamento das atividades de sala de aula.
Ao discutir as diferenças entre ensinar uma
língua, levando o aluno a entender e produzir
enunciados, ou enfatizar apenas o ensino de
descrições linguísticas, o autor se coloca a favor
da primeira alternativa, afirmando ser necessário
repensar as práticas de ensino.
Nessa perspectiva, Geraldi (1993) coloca
o
texto
no
centro
do
processo
ensino/aprendizagem de línguas, dizendo que:
[...] é no texto que a língua –objeto de
estudos – se revela em sua totalidade quer
enquanto conjunto de formas e de seu
reaparecimento, quer enquanto discurso
que remete a uma relação intersubjetiva
constituída no próprio processo de
enunciação marcada pela temporalidade
e suas dimensões. (GERALDI, 1993,
p.135).
Para Koch e Elias, a dificuldade em se
adotar o texto como norteador das ações de
ensino/aprendizagem de língua materna situa-se,
principalmente, no ensino de leitura, que ainda se
fundamenta em uma concepção de leitura como
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012
51
decodificação, em que o leitor é assujeitado pelo
sistema e caracterizado por uma espécie de não
consciência. Para essas duas autoras, a
transformação exige que se passe a considerar a
leitura como um processo de construção de
sentidos que acontece em condições determinadas
de caráter sócio-históricas. Nessa concepção,
conforme Koch e Elias:
O sentido de um texto é construído na
interação texto-sujeito, e não algo que
preexista a essa interação. A leitura é,
pois, uma atividade interativa altamente
complexa de produção de sentidos, que se
realiza evidentemente com base nos
elementos linguísticos presentes na
superfície textual e na sua forma de
organização, mas requer a mobilização
de um vasto conjunto de saberes no
interior (KOCH e ELIAS, 2006, p. 11).
Colocar essa proposta em prática
(BRONKCART, 2003) implica uma modificação
da concepção de linguagem que normalmente
subjaz às práticas escolares, além de se questionar
a tese do primado do sistema sobre o
funcionamento textual, e, portanto, do caráter de
anterioridade do ensino de gramática em relação
ao ensino textual.
Gregolin, ao fazer um estudo das
transformações no conceito de língua e os efeitos
destas no ensino da língua portuguesa, mostra que
esse deslocamento das concepções sobre a língua
e o ensino:
[...] nos aproximaram cada vez mais de
uma consciência sobre o papel da língua
na sociedade. Esses avanços da teoria
lingüística determinaram novas visões
sobre a língua e, nesse sentido,
contribuíram para a construção da
cidadania ao revelarem o papel da língua
portuguesa na consolidação de nossa
identidade brasileira, (GREGOLIN, 2007,
p. 55).
Em seu estudo, a autora destaca ainda que
as concepções de língua que estiveram na base do
ensino a partir dos anos 60 acompanharam a
história do país, tanto no aspecto político quanto
da própria teoria, com seus avanços e
transformações. Assim, ela mostra que “da ênfase
na comunicação durante o regime militar, com a
abertura política passamos à sociolingüística, à
textualidade
e
à
discursividade
(GREGOLIN,2007, p.70)”.
Contribuindo para esse debate, Bortoni-
52
Juçara Gomes de Moura, Maria Aparecida Lopes Rossi
Ricardo (2004) ressalta em seus trabalhos a
importância de a escola reconhecer a existência
das variantes não padrão presentes no seu interior,
defendendo que escola e professor, diante dessa
diversidade, devem adotar uma pedagogia que é
culturalmente sensível aos saberes dos educandos
e às diferenças entre a cultura que eles
representam e a da escola. Nesse sentido, a autora
ressalta um outro marco dos estudos sobre
alfabetização e ensino de Língua Materna, que
vão contar com a contribuição da Sociolinguística.
Tais estudos representam uma ruptura no que
tradicionalmente foi considerado “erro de
português”, defendendo que estes chamados erros
são diferenças entre variedades da língua. A
autora explica que:
Com frequência essas diferenças se
apresentam entre a variedade usada no
domínio do lar, onde predomina uma
cultura de oralidade, em relações
permeadas pelo afeto e informalidade, e
culturas de letramento, como a que é
cultivada
na
escola.
(BORTONIRICARDO, 2004, p. 37).
Essas reflexões revelam complexidade e
desafios na busca da formação do profissional
pedagogo como responsável pelo ensino da leitura
e da escrita nas escolas dos anos iniciais de
escolarização. Percebe-se que a reorganização
curricular do curso de Pedagogia, em Goiás, na
década de 1980, na FE/UFG e no EDU/UCG,
sofreu influências, entre outras, do movimento
político dos educadores e da introdução, no
campo da linguagem, de estudos de teóricos tais
como Bakhtin (Linguagem) e Vygotsky
(Psicologia).
Nesse sentido, coloca-se o desafio para as
universidades:
formar
profissionais
com
competência no domínio de conteúdos que
contribuem significativamente para com a prática
da alfabetização.
Desafio também para os
professores do curso de Pedagogia: pesquisas
atuais apontam que ainda persistem práticas
pedagógicas, de pedagogas, nas salas de
alfabetização, cuja ênfase é dada nos mecanismos
de codificação e decodificação e cujo objetivo é
ensinar às crianças a combinatória das letras e
sons.
Para Rossi (2009), esse fato se explica na
medida em que se percebe que as teorias voltadas
para explicitar o processo de ensino/aprendizagem
não têm necessariamente equivalência com os
procedimentos e atividades que os professores
colocam em prática na sala de aula, já que a
profissão docente deve ser percebida dentro de
uma historicidade que a condiciona e é resultante
das inter-relações com a realidade cultural. Como
ressalta Villas Boas (apud Rossi, 2009), o
trabalho docente não é construído de forma
isolada, uma vez que o professor, ao assumir o seu
papel, recebe todas as imposições da escola e do
sistema de ensino em que se insere.
Já para Cagliari (1999), os professores
carecem de uma melhor formação técnica. Ele
critica os cursos de formação, dizendo que eles se
dedicam em demasia às disciplinas pedagógicas,
metodológicas e psicológicas, esquecendo-se do
que seria necessário a respeito da linguagem. Para
o autor, os conhecimentos sobre o fenômeno
linguístico trabalhados nos cursos de graduação
ainda são insuficientes, e não embasam
adequadamente o professor para lidar de forma
adequada com o fenômeno linguístico e, por
conseguinte, a alfabetização.
Assim, o que se pode concluir é que,
apesar das mudanças promovidas no Currículo
dos Cursos de Pedagogia, voltadas para formar o
profissional competente para letrar e alfabetizar as
crianças das camadas populares, ainda há muito
que caminhar. Os currículos ainda são muito
generalistas, enquanto se necessita de um
profissional com uma formação mais aprofundada
nos estudos que embasam a alfabetização. Essa é
a visão de Soares, quando ela afirma que “Não há
possibilidade de alguém ser alfabetizador, ensinar
a língua e, ao mesmo tempo, ser professor de
ciências, de história e de matemática” (SOARES,
s.d., p.9). Para a autora, um professor
alfabetizador necessita ter um domínio amplo da
língua portuguesa, a fim de que saiba usar a
língua escrita nas suas diversas variações. Além
disso, ela enfatiza ainda que esse professor deve
ter uma formação em diferentes áreas como
sociolinguística, psicolinguística e fonologia, sem
o que:
[...] é impossível entender o processo da
criança para relacionar fonemas com
grafemas; tem de conhecer literatura
infantil, que é com o que se deve
trabalhar para que a criança aprenda a
língua escrita; gêneros textuais, teorias
da leitura e diferentes estratégias exigidas
por diferentes gêneros textuais (SOARES,
s.d., p. 10).
Essas
preocupações
da
autora
demonstram os desafios que se colocam na
organização curricular de um curso que pretende
formar profissionais com competência para
alfabetizar crianças, filhas de trabalhadores,
muitas vezes oriundas de meios iletrados,
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012
O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador
especificamente em um momento histórico em
que a maioria das crianças tem garantido por lei, o
acesso aos bancos escolares, mas que essa mesma
maioria não tem garantido o direito de dominar as
funções sociais da leitura.
Considerações finais
Ao objetivar discutir a formação do pedagogo na
UCG e UFG (na década de 1980) e o ensino da
leitura e da escrita, este trabalho pretendeu
contribuir para com a reflexão sobre este tema. As
análises aqui postas, apesar de não encerrarem, ou
darem como definitivas, as compreensões sobre o
assunto, mostram a complexidade na organização
de um currículo, especificamente no que concerne
à formação de docentes alfabetizadores.
O que se pode visualizar, no estudo das
transformações que o currículo do curso de
Pedagogia experimenta, ao longo da sua história,
a partir da década de 1980, em Goiás, é que este
se mostra articulado com a produção acadêmica
da área e com o desenvolvimento das teorias que
subsidiam o processo de alfabetização e ensino de
Língua Materna.
É importante salientar que essas reflexões
se referem ao currículo escrito, que Goodson
(1995) denomina de currículo pré-ativo, currículo
escrito, formal ou currículo como documento. O
autor considera importante analisar esses
documentos na medida em que promulgam e
justificam determinadas intenções básicas de
escolarização, à medida que vão sendo
operacionalizadas em estruturas e instituições.
Nessa análise, apesar de considerarmos a
importância dos conteúdos de ensino da Língua
Materna, incluídos no currículo, acreditamos,
como Soares (s/d), que com tão poucas disciplinas
voltadas especificamente para a alfabetização, o
currículo escrito do curso de Pedagogia, ainda não
dá conta da formação inicial de um profissional
que necessita ter um domínio amplo da língua
portuguesa, e uma formação em diferentes áreas
como
sociolinguística,
psicolinguística
e
fonologia, sem o que fica difícil entender um
processo tão complexo como a alfabetização.
O que se depreende dessa discussão é que
a questão da formação do professor alfabetizador
ainda não está resolvida e carece de estudos e
pesquisas que embasem os currículos dos cursos
de graduação.
Para além disso, é preciso que se construa,
nos cursos de formação de professores, um espaço
de estudo e reflexão, pensando a formação desse
profissional a partir de uma práxis criadora que
supere o processo ensino/aprendizagem calcado
na repetição e na visão tradicional de ensino.
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012
53
Para nós o maior desafio continua sendo
formar o profissional que seja capaz de não só
levar o aluno à aquisição da técnica da leitura e da
escrita, mas, sobretudo, alfabetizar letrando,
mostrar-se sensível à diversidade linguística
presente na sala de aula, saber dotar os alunos dos
saberes linguísticos necessários para o exercício
da plena cidadania, em uma sociedade
grafocêntrica, que valoriza os bens culturais
próprios da cultura letrada.
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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012
O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador
55
Nota
1 Texto ampliado e revisado de versão originalmente apresentada no XIX Colóquio AFIRSE: Revisitar os
Estudos Curriculares onde estamos e para onde vamos indo, realizado em Lisboa-Portugal, em janeiro de
2012.
Sobre as autoras:
Juçara Gomes de Moura:
[email protected]
Maria Aparecida Lopes
[email protected]
Universidade
Rossi:
Universidade
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012
Federal
Federal
de
de
Goiás/Campus
Goiás/Campus
Catalão.
E-mail:
Catalão.
E-mail:
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57
A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG
Luciane Manera Magalhães*
Resumo
A presente pesquisa foi realizada com o objetivo de se investigar três eixos fundamentais do processo de
formação inicial: (i) os cursos que oferecem formação inicial de professores alfabetizadores no município de
Juiz de Fora/MG; (ii) as disciplinas específicas e/ou correlacionadas à alfabetização, disponibilizadas na
grade curricular dos cursos, e (iii) a relação teoria/prática vislumbrada por meio das metodologias
empregadas pelos professores formadores. Realizamos uma pesquisa qualitativa, de cunho interpretativista e
contamos com a contribuição da abordagem quantitativa no tratamento dos dados generalizáveis. Os
resultados obtidos apontaram para (i) a inexistência de cursos de formação inicial específicos para a
formação do professor alfabetizador; (ii) a diminuição da oferta de cursos de formação inicial na área, no
município; (iii) a discrepância da carga horária destinada às disciplinas específicas ao se comparar as
diversas instituições e (iv) a diversidade de metodologias que ora conjugam teoria e prática, ora priorizam a
teoria.
Palavras-chave: Formação inicial; professores alfabetizadores; grade curricular.
The initial training of teachers of literacy in the city of Juiz de Fora/MG
Abstract
This research was conducted with the purpose of investigating three fundamental axis of the process of initial
training: (i) the courses they offer initial training of teachers of literacy in the city of Juiz de Fora/MG; (ii)
the specific disciplines and/or related to literacy, available on curriculum grid of courses and (iii) the
theory/practice relation observed through the methodologies employed by teachers trainers. We conducted a
qualitative research, interpretativist and we are counting on the contribution of the quantitative approach in
the treatment of the data being generalized. The obtained results showed (i) the lack of initial training
courses specific to the training of the teacher alphabetizing; (ii) a decline in the supply of initial training
courses in the area, in the municipality; (iii) the discrepancy of time load between the specific disciplines in
the various institutions and (iv) the diversity of methodologies.
Keywords: initial training; teachers of literacy, curriculum grid.
Introdução
A formação inicial dos professores
alfabetizadores é uma das diversas facetas
diretamente relacionadas ao sucesso/fracasso
escolar do aluno, no processo de aprendizagem da
leitura e da escrita. Destaque-se que a formação
do alfabetizador sempre se deu por vias indiretas;
é ele ou o profissional formado há mais tempo
pelo antigo curso normal, oferecido por ocasião
do ensino médio, ou o profissional formado pelos
cursos normais superiores, ou o pedagogo. O que
se observa é que, independente da formação
inicial, nenhum dos referidos cursos que habilitam
o professor a atuar como alfabetizador oferece
formação específica para a área, o que não
acontece, por exemplo, na área médica. O recémgraduado em medicina é habilitado a trabalhar
como clínico geral, mas para atuar como
especialista em uma determinada área precisa
passar por um período de residência na referida
área. Por que não tomarmos o exemplo para a
educação? Seria a alfabetização de crianças
menos importante que a sua saúde? Para que essa
formação específica do professor alfabetizador
* Endereço eletrônico: [email protected]
seja criada e funcione na prática, certamente
precisaríamos de incentivo das esferas
governamentais em pelo menos dois sentidos: (i)
na concepção e implantação de cursos/estágios
que funcionariam como “residências de
alfabetização”, e (ii) na entrada desse profissional
no mercado de trabalho, a qual precisaria ser
atrelada à sua formação específica como professor
alfabetizador, com salário diferenciado para se
poder captar os melhores profissionais. O que
temos presenciado em muitas escolas, entretanto,
é um movimento cruel para com o professor
recém-formado: é exatamente ele, sem
experiência de magistério, que, ao ser aprovado
em concurso público, vai ocupar as classes de
alfabetização, sobretudo, aquelas com “alunos que
não aprendem a ler e escrever”, entre outras
mazelas. Isto porque, em muitas escolas públicas,
o professor novato é o último a escolher a turma
em que vai atuar, ou seja, não escolhe, fica com a
turma que “sobra”.
Outro aspecto a se considerar é que o
professor alfabetizador, com exceção da dinâmica
de algumas escolas que articulam dois professores
para o ensino das diversas áreas de conhecimento,
58
Luciane Manera Magalhães
é o profissional responsável pela alfabetização
linguística de seus alunos, mas também pela
alfabetização matemática e pelo ensino de
história, geografia, ciências... Como se pode
querer um professor alfabetizador que seja
competente ao mesmo tempo em tantas áreas de
conhecimento?
A formação do professor alfabetizador
Hoje, quem forma o professor
alfabetizador, no Brasil, são exclusivamente os
cursos de pedagogia. Como se estruturam esses
cursos? Como são organizadas suas grades
curriculares? Que profissionais almejam formar?
As respostas a estas questões revelam que a
formação do professor da escola básica não é a
meta da maioria destes cursos, muito menos o
alfabetizador.
Esses cursos apresentam, em geral, uma
estrutura tradicional de formação de professores,
usualmente marcada pela cisão teoria/prática, em
que predomina, como referencial epistemológico,
a “racionalidade técnica” (SCHÖN, 1992). Na
racionalidade técnica os princípios científicos são
apresentados hierarquicamente como mais
relevantes que os conhecimentos de ordem
prática, os quais são considerados como aplicação
dos primeiros (SCHÖN, op. cit.). Esse referencial
epistemológico impõe, segundo Gómez (1992),
“uma relação de subordinação dos níveis mais
aplicados e próximos da prática aos níveis mais
abstratos de produção do conhecimento” (p.97),
dificultando a constituição de um conhecimento
sistematizado que auxilie o futuro professor a
articular os conhecimentos trabalhados na
formação com aqueles que fundamentarão sua
prática pedagógica. Dessa maneira, a formação
inicial, em muitos casos, acaba fragmentando o
conhecimento ao organizar sua grade curricular
por meio de disciplinas teóricas, metodológicas e
estágios. As disciplinas teóricas tratariam dos
fundamentos necessários à formação do professor
- apenas os fundamentos de caráter geral como a
psicologia, sociologia, história da educação,
dentre outros - e não se incluem aí, com raras
exceções, os fundamentos concernentes aos
conteúdos que os professores ensinarão aos alunos
da escola básica, como português, matemática,
ciências, história e geografia, exatamente nos
quais eles deveriam ter o domínio.
As disciplinas metodológicas estariam ligadas às
didáticas dos conteúdos a serem ministrados pelos
futuros profissionais, mas como aprender como se
ensina se não se sabe o conteúdo a ser ensinado?
Por fim, a formação inicial oferece aos futuros
profissionais a possibilidade de conhecerem o seu
campo de trabalho, por meio dos estágios. As
escolas que servirão de campo de aprendizado não
são, geralmente, escolhidas por seu potencial em
ensinar práticas bem sucedidas, mas pela
acessibilidade dos estagiários. Em decorrência
disso, aprende-se muito mais o que não se deve
fazer.
Conforme aponta o Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores
(BRASIL, 2001), o professor precisa, por um
lado, dominar os conteúdos com os quais irá
trabalhar e, por outro, ser capaz de didatizar estes
conhecimentos. Mello (2000) destaca que “a
prática do curso de formação docente é o ensino,
portanto cada conteúdo que é aprendido pelo
futuro professor em seu curso de formação
profissional precisa estar relacionado com o
ensino desse mesmo conteúdo na educação
básica”.
Assim, os cursos de formação inicial
precisariam estruturar-se de forma a propiciar a
transposição didática (CHEVALLARD, 1985)
dos conhecimentos trabalhados, assunto que
trataremos, detalhadamente, na próxima seção.
Os recursos da transposição didática na
formação inicial
Procedente da Sociologia, o conceito de
transposição didática (TD) foi cunhado por
Michel Verret (1975), nos anos 70, no interior de
um movimento de revisão e reconceitualização da
didática. Apesar de a transposição didática não ser
o núcleo duro do trabalho de Verret, ele introduz
o conceito em um capítulo de sua obra Le temps
des études, por meio da problematização acerca
da transformação do saber dito teórico ou
científico em saber escolar, apresentando, assim,
os primeiros fundamentos da TD.
No início dos anos 80, Chevallard, com o objetivo
de fazer da didática das matemáticas uma ciência,
retoma o conceito de TD como um instrumento de
base, desenvolve-o e especifica-o no que diz
respeito à “passagem dos saberes científicos aos
saberes ensinados”. Em meados de 1985,
Chevallard e Johsua retomam o conceito em um
trabalho empírico, no campo do ensino da
matemática, especificamente sobre a noção de
distância. É somente depois desses trabalhos que
um público maior teria acesso ao conceito.
De acordo com os pressupostos da noção
de transposição didática, o sistema didático, em
seu sentido restrito é constituído por três facetas e
as interações entre elas: o professor, os alunos e o
saber ensinado (CHEVALLARD, 1985). Esse
sistema está inserido em um ambiente que,
segundo o autor, compreende os pais dos alunos,
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG
os pesquisadores (1) e as instâncias políticas.
Chevallard não explicita por que apenas esses três
grupos de sujeitos fariam parte do ambiente, mas,
considerando-se a organização da sociedade
francesa, pode-se compreender que seriam eles os
que “decidem”, em primeira instância, o que será
ensinado. Em outras palavras, os pais de alunos
teriam sua participação efetiva por meio das
associações de pais, os pesquisadores, por meio
dos resultados de pesquisa divulgados, e as
instâncias políticas, por meio das leis e decretos
publicados, programas e currículos instaurados.
Há que se considerar, entretanto, que esses três
segmentos não estão isolados como ilhas; eles
convivem com outros sujeitos responsáveis pelos
diferentes saberes produzidos nos diversos setores
da sociedade que, de uma forma ou de outra, são,
a nosso ver, também constitutivos desse ambiente
maior - o que descarta o entendimento da noção
de TD enquanto apenas um movimento
unidirecional, de passagem do saber científico
para o didático.
Entre o sistema didático, compreendido
em seu sentido restrito, e o ambiente tem-se o que
Chevallard (op.cit.) tem denominado de noosfera,
instância que pode ser entendida como o sistema
didático em sentido amplo, lugar de produção
formal do conhecimento a ser ensinado. Por sua
posição privilegiada, a noosfera compreende o
ponto de ligação entre o sistema didático e o seu
ambiente, articulando-os, como ilustra o diagrama
que propomos a seguir:
Diagrama 1: a transposição didática nas
diferentes instâncias de produção de saber
SHAPE \* MERGEFORMAT. Neste diagrama,
sist. did. é a abreviatura de sistema didático, S, de
saber, Prof., de professor e As de alunos.
Um primeiro aspecto a destacar, nesse
diagrama (1), é a presença de fronteiras
“pontilhadas” entre os sistemas didáticos que
ilustram a dinamicidade entre eles e o ambiente
em que estão inseridos. Em outras palavras, podese dizer que os conhecimentos constituídos nas
diferentes instâncias interpenetram-se, não se
apresentando, portanto, hermeticamente fechados,
isolados.
Considerando-se que a noosfera é um
conceito proveniente da filosofia, que designa a
“camada humana pensante”, no contexto
educacional ela é compreendida como o espaço
em que são elaboradas, formalmente, as soluções
para os problemas que surgem no funcionamento
didático (CANELAS-TREVISI, 1997). Assim, é
nesse espaço em que atuariam profissionais, por
exemplo, os especialistas em educação; os
especialistas em linguística aplicada; os redatores
de programas e/ou parâmetros curriculares; os
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
59
autores de artigos de revistas e/ou periódicos de
didática, de pedagogia e áreas afins (incluindo-se
aí, muitas vezes, o próprio professor); os redatores
de livros didáticos e/ou paradidáticos; a mídia, por
meio de programas especializados, incluindo-se
nesta lista os profissionais responsáveis pela
formação inicial do professor. Em resumo,
profissionais responsáveis direta ou indiretamente
pela divulgação do saber científico, por meio de
sua didatização. Assim, ao mesmo tempo em que
esses profissionais seriam responsáveis por
garantir a menor distância entre o saber que é
ensinado nas escolas e o saber que é resultado
direto de pesquisas, eles atuariam no sentido de
garantir uma distância considerável entre esse
saber ensinado e o saber de senso comum, daí um
dos sentidos da existência da instituição escola.
A distância entre o saber científico e o
saber ensinado, no nosso entender, não deve
representar uma hierarquia de saberes, mas uma
transformação de saberes que ocorre nas
diferentes práticas sociais, em função da
diversidade dos gêneros discursivos e dos
interlocutores aí envolvidos.
A passagem do saber científico ao saber
ensinado não pode ser compreendida como a
transposição do saber no sentido restrito do termo,
mas apenas uma mudança de lugar. Supõe-se essa
passagem como um processo de transformação do
saber, que se torna outro em relação ao saber
destinado a ser ensinado. Assim, no processo de
didatização, o saber apresenta-se subordinado a
diferentes conjuntos de regras representados, por
exemplo, pelas forças institucionais da pesquisa
(KUHN, 1983); pela própria instituição escolar
(tipo de escola, objetivos, projeto pedagógico)
(PETITJEAN, 1998); pelas forças políticas
(programas e currículos de secretarias de
educação); pela força do mercado (livros didáticos
e/ou paradidáticos).
Ao se pensar na formação inicial de
professores, há que se considerar que diferentes
tipos de conhecimentos estão envolvidos no
processo ensino/aprendizagem em ambiente
didático, mas nem todos estão diretamente
envolvidos no processo de transposição didática,
no sistema de ensino stricto sensu, pois não se
constituem em um objeto a ensinar.
Considerando-se o ensino da leitura, por
exemplo, saber que quando lemos um texto há um
processo de elaboração de significados, que
consistiria no reconhecimento de unidades
significativas, que vão sendo estocadas em nossa
memória de trabalho, por meio de um processo de
fatiamento, e que esta memória tem uma
capacidade limitada de estocagem de unidades
(sejam letras, sílabas, palavras ou sintagmas)
60
Luciane Manera Magalhães
(KLEIMAN, 1992), pode auxiliar o professor –
em formação inicial – a refletir sobre a didática
e/ou metodologia a ser utilizada em sala de aula e
a reconhecer que abordagens de alfabetização
alicerçadas em unidades menores que a palavra
dificultam o aprendizado do aluno, se se quer
formar o leitor proficiente. Mas esse é um tipo de
conhecimento que não se espera ver no ensino
fundamental. Esse tipo de conhecimento deveria
servir de alicerce (objeto de estudo) para a prática
alfabetizadora do professor; mas não enquanto
objeto de ensino. Finalmente, esse tipo de
conhecimento não seria objeto de transposição
didática no nível do sistema didático stricto sensu,
pois não será (ou não deveria ser) ensinado pelo
professor.
O processo de transformação do
conhecimento se dá porque os funcionamentos
didático e científico do conhecimento não são os
mesmos. Eles inter-relacionam-se, mas não se
sobrepõem.
Assim,
um
determinado
 objeto de conhecimento

(invenção  exposição científica)
conhecimento, para que seja ensinado em situação
acadêmico-científica ou escolar, necessita passar
por transformações (4), uma vez que não foi
criado com o objetivo primeiro de ser ensinado
(SCHNEUWLY, 1995). A cada transformação
sofrida pelo conhecimento, corresponde, então, o
processo de transposição didática.
As TDs funcionam, assim, em dois níveis:
exterior (lato sensu) e interior (stricto sensu). No
nível exterior, têm-se as TDs realizadas no
domínio do ambiente e no domínio da noosfera.
São concernentes às relações entre os
conhecimentos de referência e os conhecimentos
destinados ao ensino. As TDs internas são
realizadas no sistema de ensino stricto sensu, que
envolve professor, alunos e saber; são as
transformações
operacionalizadas
no
conhecimento, no momento da exposição didática.
As TDs podem ser representadas pelo
esquema, exposto no quadro a seguir:
objeto a ensinar
(“divulgação”)
no qual a primeira seta indica que o conhecimento
científico não é absoluto, mas mantém uma
estreita relação com a sociedade, situada em um
determinado momento histórico conforme
destacam Joshua et alii (1993). Enquanto objeto
de conhecimento, o saber sofre suas primeiras
transformações no ato da exposição científica. A
segunda seta marca as transformações sofridas
pelo conhecimento científico no espaço da
noosfera; por meio da ação dos diferentes
profissionais
responsáveis
direta
e/ou
indiretamente pela divulgação do conhecimento,
conforme já apontado anteriormente. A terceira
seta indica as transformações sofridas pelo
conhecimento durante a exposição didática,
mediante sua ‘textualização’ (5) (mise en texte)
pelo professor (CHEVALLARD, 1985).
De fato, o momento de exposição didática
não seria, a nosso ver, o único momento de
‘textualização’ do conhecimento, uma vez que
não se pode separá-lo de seu caráter linguísticodiscursivo. Assim, pode-se dizer que o
conhecimento é textualizado no momento de sua
invenção e retextualizado a cada transposição
didática. A retextualização (6) diz respeito ao
processo de transformação de um texto em outro;
considerando-se que, ao sujeito, cabe
redimensionar a projeção de imagens
entre interlocutores, de seus papéis
sociais
e
comunicativos,
dos
conhecimentos
partilhados,
das
 objeto de ensino
(exposição didática)
motivações e intenções, do espaço e do
tempo de produção/recepção, enfim, de
atribuir novo propósito à produção
textual (MATÊNCIO, 2002);
o que nem sempre é evidente para o sujeito ao
operar a retextualização.
Pode-se dizer que um dos maiores
problemas enfrentados solitariamente pelo
professor alfabetizador é exatamente o de
redimensionar o objeto de conhecimento (objeto
de estudo  objeto de ensino) ao “transpô-lo” de
uma prática discursiva para outra. Ou seja, tratar o
conhecimento levando em consideração a
mudança da situação discursiva – curso de
formação inicial, por exemplo, para aula de leitura
na escola fundamental – e, consequentemente, dos
interlocutores envolvidos. Apesar desse processo
de redimensionamento do conhecimento, no
sistema didático stricto sensu, ser da competência
do professor alfabetizador, iniciativas de criação
de disicplinas que priorizem o processo reflexivo,
por meio do qual o profissional em formação
tenha a oportunidade de confrontar conhecimentos
mais teóricos com aqueles subjacentes à prática
alfabetizadora, podem oferecer-lhe pistas que o
auxiliem nesta complexa tarefa. Desta forma, a
TD (7), operada pelo fututro professor, seria
iniciada no próprio ambiente de formação, sendo
concretizada, por ele, na sala de aula de ensino
fundamental.
Essa maneira de trabalhar o conhecimento
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG
permite ao professor “... saber no sentido de
conhecer conscientemente, ter uma consciência
refletida do que se está ensinando. [pois] Sem o
saber, não há ensino, mas iniciação ou imitação
no nível puramente prático.” (SCHNEUWLY,
1995:48).
Os conteúdos envolvidos na formação inicial do
professor alfabetizador
Discutimos, na seção anterior, os
fundamentos da TD e suas relações com a
formação inicial do professor alfabetizador. Nesta
seção, interessa-nos colocar em pauta os
conteúdos envolvidos na formação inicial deste
profissional.
Inúmeras publicações (SOARES, 2004,
2008;
ALBUQUERQUE,
2007;
LEITE,
COLLELO e ARANTES, 2007, para citar apenas
algumas) têm contribuído com a ressignificação
da alfabetização em nosso país. Em um momento
histórico em que não se aceita mais apenas o
termo “alfabetizar” para designar todo o
aprendizado a ser vivenciado pela criança em fase
de alfabetização, os conteúdos a serem
ministrados nos cursos de formação inicial de
professores
alfabetizadores
ampliam-se
vertiginosamente. Se incluirmos aí os resultados
de pesquisas na área da linguística aplicada, mais
especificamente da sociolinguística, a lista de
conteúdos aumentaria ainda mais.
Segundo a Proposta de diretrizes para a
formação inicial de professores da educação
básica, em cursos de nível superior (BRASIL,
2000),
o currículo precisa conter os conteúdos
necessários ao desenvolvimento das
competências exigidas para o exercício
profissional e precisa tratá-los nas suas
diferentes dimensões: na sua dimensão
conceitual – na forma de teorias,
informações, conceitos; na sua dimensão
procedimental – na forma do saber fazer
e na sua dimensão atitudinal – na forma
de valores e atitudes que estarão em jogo
na atuação profissional. Os diferentes
âmbitos do conhecimento profissional do
professor prevêem conteúdos com essas
diferentes dimensões. A seleção dos
conteúdos deve levar em conta sua
relevância para o exercício profissional
em toda sua abrangência e sua
contribuição para o desenvolvimento da
competência profissional, tomando em
conta o professor como pessoa e como
cidadão. (BRASIL, 2000, p. 42 – grifos
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
61
nossos).
Noutros termos, segundo as diretrizes,
para se promover uma formação inicial de
professores de educação básica que seja de
qualidade, precisamos propiciar a esses
profissionais em formação o acesso aos conteúdos
específicos da alfabetização com os quais vai
trabalhar em sua atuação profissional e, ainda, a
possibilidade de transformá-los em objetos de
ensino para seus alunos (leia-se "transposição
didática").
Ainda com base nas diretrizes, a seleção
dos conteúdos a serem tratados na formação
inicial devem levar em consideração sua
relevância para o exercício profissional do futuro
professor. Quais conteúdos seriam, então,
relevantes? Tomando-se como referencial a
formação do professor alfabetizador, Soares
(1993), nos responde:
Um alfabetizador precisa conhecer os
diferentes componentes do processo de
alfabetização e do processo do
letramento. Conhecer esses processos
exige conhecer, por exemplo, as práticas
sociais e usos da língua escrita, os
fundamentos do nosso sistema de escrita,
as relações fonema/grafema que regem
nosso sistema alfabético, as convenções
ortográficas... exige ainda a apropriação
do conceito de texto, de gêneros textuais...
Mas, além de conhecer o objeto da
aprendizagem,
seus
componentes
lingüísticos,
sociais,
culturais,
o
alfabetizador precisa também saber como
é que a criança se apropria desse objeto,
ter uma resposta para a pergunta: “como
é que se aprende a ler e escrever?
(SOARES, 1993).
Observe-se que a formação do professor
alfabetizador precisaria contemplar um viés
linguístico que pudesse informá-lo acerca do
objeto de ensino que será uma de suas ferramentas
de trabalho: a língua. Mas não é isto que
vislumbramos nos cursos de formação inicial
conforme apontaram os dados desta pesquisa.
Com o intuito de investigar como tem se
dado a formação dos professores alfabetizadores
no município de Juiz de Fora/MG, realizamos
uma pesquisa junto às instituições formadoras de
professores do ensino fundamental. Desta questão,
formulamos os objetivos específicos e o desenho
da pesquisa, os quais serão tratados na próxima
seção.
62
Luciane Manera Magalhães
Objetivos e metodologia de pesquisa
Ao concebermos esta pesquisa, várias
questões instigavam-nos, tais como: quais cursos
formam o professor alfabetizador? Existem
disciplinas
específicas
que
tratam
da
alfabetização? Existem disciplinas que tratem de
assuntos que possam propiciar a interface com a
alfabetização? Qual a carga horária destinada a
estas disciplinas? São disciplinas mais voltadas
para as reflexões teóricas, práticas, ou promovem
a interação entre elas? Existem estágios
específicos em alfabetização? São apenas de
observação ou incluem a intervenção do professor
em formação? Visando responder estas questões,
elaboramos três objetivos específicos que
direcionaram a presente pesquisa, quais sejam:
(i) investigar todos os cursos que
oferecem formação inicial de professores
alfabetizadores, no município de Juiz de
Fora/MG;
(ii) identificar as disciplinas específicas
de alfabetização e as correlacionadas;
(iii)
examinar
a
relação
teoria/aplicação/prática nas disciplinas específicas
de alfabertização;
(iv) analisar as metodologias de ensino
empregadas pelos professores formadores.
Para alcançar os objetivos propostos,
realizamos uma pesquisa qualitativa, de cunho
interpretativista, associada à pesquisa quantitativa
no trato dos dados generalizáveis. Os
instrumentos utilizados foram: (i) análise de
documentos (currículos, grades curriculares,
programas das disciplinas), e (ii) entrevistas com
os professores regentes e coordenadores dos
cursos.
A formação inicial de professores
alfabetizadores em Juiz de Fora/MG
Em 2009, o município de Juiz de
Fora/MG contava com sete instituições de ensino
superior (as quais são denominadas de A, B, C, D,
E, G) que ofereciam o curso de pedagogia e uma
instituição que oferecia o curso normal superior
(denominada de F), ambos presenciais. Devido à
baixa na demanda de alunos, três instituições (A,
F, G) deixaram de oferecer o curso após a
conclusão das turmas de 2009, uma (D) forma sua
última turma em dezembro do ano corrente e não
abriu vagas para o próximo vestibular. Assim,
atualmente, o município conta apenas com três
instituições (B,C, E) que oferecem o curso de
pedagogia presencial.
Apesar de nem todos os cursos estarem
em funcionamento no ano corrente, os
profissionais formados por eles foram colocados
no mercado de trabalho nos últimos dois anos, por
isto analisaremos os dados obtidos junto às seis
instituições.
Para
analisar
as
disciplinas
de
alfabetização, definimos como categorias a ênfase
dada nos conteúdos. Classificamos, assim, como
(i) disciplinas teóricas, aquelas voltadas para os
fundamentos da alfabetização; como (ii)
disciplinas aplicadas, aquelas ligadas às
metodologias, incluindo-se aí as didáticas e; por
fim, as (iii) disciplinas práticas, aquelas
destinadas aos estágios.
No total geral dos sete cursos,
identificamos a existência de 11 (onze) disciplinas
específicas da área de alfabetização e 25 (vinte e
cinco) correlacionadas, conforme pode-se
observar no quadro (1), em anexo.
Por meio da análise dos programas e das
entrevistas com os professores responsáveis pelas
disciplinas específicas da área de alfabetização,
podemos organizar as referidas disciplinas em
quatro grandes grupos: (i) as exclusivamente
teóricas; (ii) as que aliam teoria e aplicação; (iii)
as que aliam teoria, aplicação e prática; e (iv) as
que têm ênfase na prática. Das onze disciplinas
oferecidas nos sete cursos, seis (55%), pertencem
ao grupo (i); três (27%) ao grupo (ii); uma (9%)
ao grupo (iii) e uma (9%) ao grupo (iv) (confira
quadro 2, em anexo). Destaque-se que dos sete
cursos de formação inicial, quatro (57%) só
oferecem disciplinas exclusivamente teóricas na
área da alfabetização, o que significa que a
transposição
didática
dos
conhecimentos
específicos da área ficará a cargo do professor,
quando se defrontar com sua primeira turma de
alfabetização.
Quando voltamos nosso olhar para a
carga horária total das disciplinas obrigatórias da
área, constatamos grande discrepância. Apesar de
a maioria das instituições oferecer apenas uma
disciplina na área (57%), a carga horária destas
disciplinas oscila entre 60 e 144 horas.
Há apenas um curso (E) que oferece três
disciplinas específicas; entretanto, uma delas é
eletiva, raramente disponibilizada, por falta de
professor.
Com base nas entrevistas com os
professores regentes das disciplinas específicas,
foi possível constatar dez dinâmicas diferentes, as
quais coocorrem nas práticas dos professores. As
estratégias metodológicas utilizadas pelos
professores podem ser identificadas em duas
grandes categorias: (i) aquelas centradas no
professor (como as aulas expositivas e a
apresentação de vídeos), e (ii) aquelas centradas
nos alunos (como seminários, trabalhos em grupo,
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG
trabalhos de campo, estudos de casos, discussões
em grupo, elaboração de atividades, análise de
materiais, pesquisas individuais). As dinâmicas
podem ser assim distribuídas:
(i) centradas no professor:
- aula expositiva (30%);
- apresentação de vídeo (5%).
(ii) centradas no aluno:
- seminário (20%);
- trabalho em grupo (10%);
- trabalho de campo (10%);
- estudo de casos (5%);
- discussão em grupo (5%);
- elaboração de atividades (5%);
- análise de materiais (5%);
- pesquisa individual (5%).
Observe-se que as metodologias centradas
no professor somam 35% das ocorrências, e as
centradas
no
aluno,
65%.
Poder-se-ia,
equivocadamente, pensar que as atividades
centradas no aluno estariam atreladas a processos
reflexivos acerca da prática de alfabetização, mas
não é o que acontece. Do conjunto de dinâmicas
desenvolvidas na formação inicial, 65% estão
pautadas nas reflexões mais teóricas (aula
expositiva, seminário, trabalho em grupo e
pesquisa individual) e apenas 35% oferecem
reflexões que propiciam ao aluno relacionar a
prática aos pressupostos teóricos (trabalho de
campo, estudo de casos, elaboração de atividades
e análise de materiais), o que ratifica a soberania
da teoria sobre a prática, ficando mais uma vez a
transposição didática por conta do futuro
professor.
Considerações finais
A necessidade de mudança na formação
inicial do professor alfabetizador é patente. Se se
quer verdadeiramente mudar o cenário nacional
no que concerne à alfabetização da população, é
preciso que se repensem as bases da formação do
profissional responsável por tão importante tarefa.
Essa mudança não se faz com a criação de leis e
diretrizes distantes da realidade nacional. Pensar
em um profissional competente requer dar-lhe
condições para sê-lo.
É urgente a criação de cursos de formação
inicial de professores que tenham como meta
formar o profissional que vai atuar na educação
básica; é urgente a concepção de cursos/estágios
complementares que formem especificamente o
professor alfabetizador, de tal forma que esse
profissional possa ter condições de atuar
competentemente na área, garantindo melhores
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
63
resultados aos nossos alunos de escola pública.
Consideramos que a aprendizagem de
conteúdos teóricos é imprescindível na formação
do professor, mas não é condição suficiente para
determinar o bom desempenho do profissional;
aliar objeto de estudo e objeto de ensino por meio
de processos reflexivos, entretanto, pode ser um
importante passo na garantia de um melhor
desempenho da prática pedagógica.
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KUHN, T. A estrutura das revoluções
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64
Luciane Manera Magalhães
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MAGALHÃES, L. M. A argumentatividade no
texto narrativo ou A verdadeira história dos três
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SOARES, Magda. Letramento e alfabetização:
as muitas facetas. 26ª Reunião Anual da Anped,
2004.
_________Alfabetização
Paulo: Contexto, 2008.
e
letramento.
São
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG
65
Notas
(1) Chevallard utiliza o termo savants para designar os Matemáticos, pesquisadores interessados diretamente
nas Teorias Matemáticas. No domínio da Língua Materna, teríamos os linguistas, pesquisadores
interessados nas Teorias Linguísticas, mas não diretamente interessados no ensino/aprendizagem da
Língua Materna, campo de atuação do linguista aplicado.
(2) « Le savoir, ingrédient essentiel de l’enseignement, existe d’abord comme savoir utile dans les situations
avant d’être transposé dans la situation d’enseignement et devenir savoir enseigné, c’est-à-dire un autre
savoir » (todas as traduções que aparecem no corpo do texto foram realizadas livremente por nós).
(3) « ... le passage du savoir savant au savoir enseigné ».
(4) Estas transformações seriam, sobretudo, marcadas pela necessidade didática de reordenação do saber
(VERRET, 1975), mas também da linguagem.
(5) Chevallard (1985) utiliza a expressão ‘mise en texte du savoir’ (textualização do saber) para referir-se ao
processo de preparo e/ou planejamento didático realizado pelo professor.
(6) Segundo Marcuschi (2001), a retextualização pode-se dar 1. da fala para a escrita; 2. da fala para a fala;
3. da escrita para a fala e 4. da escrita para a escrita (p.48).
(7) Referimo-nos aqui à TD operada pelo professor em formação continuada; o que não descarta as
transformações sofridas pelo saber nas TDs operadas na divulgação científica, seja por meio dos
diferentes autores, seja através do professor universitário.
(8) « … savoir dans le sens de connaître consciemment, avoir une conscience réfléchie de ce qui est à
enseigner. Sans le savoir, il n’y a pas enseignement, mais initiation ou imitation au niveau purement
pratique ».
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
66
Luciane Manera Magalhães
ANEXO 1
Instituições
Disciplinas específicas
alfabetização
A
- Linguística e alfabetização
- Alfabetização e Letramento
I
- Alfabetização e Letramento
II
CH
60h
C
D
E
F
40h
G
68h
68h
- Fundamentos, metodologia e
prática de alfabetização
144h
- Fundamentos teóricometodológicos em
alfabetização I
- Estágio supervisionado em
alfabetização
60h
- Fundamentos teóricometodológicos em
alfabetização II (eletiva)
60h
- Alfabetização e Letramento
(Teórica e Prática)
- Alfabetização e Letramento
CH
- Língua e linguagem: ato de ler
- Língua e linguagem: ato de escrever
- Língua e linguagem: ato de aprender
usar e refletir
- Língua e linguagem: ato de aprender
a aplicar
- Língua e linguagem: ato de saber
fazer
- Língua e linguagem: rede de saberes
em contextos orais
- Língua e linguagem: comunicação
social
- Pedagogia Saber docente: Literatura
infanto-juvenil
- Pedagogia Saber docente: rede de
saberes em Língua Portuguesa
30h
30h
- Língua Portuguesa I
- Língua Portuguesa II
- Conteúdo e Metodologia do Ensino
da Língua Portuguesa I
- Conteúdo e Metodologia do Ensino
da Língua Portuguesa II
- Literatura infanto-juvenil
40h
40h
- Língua Portuguesa I
- Conteúdo e Metodologia do ensino
de português I
- Conteúdo e Metodologia do ensino
de português II
- Português Instrumental
- Literatura e escola
- Práticas de leitura e produção de
textos
34h
Total
Disc.
Total
CH
10
330h
07
440h
05
306h
30h
30h
30h
30h
30h
30h
30h
80h
B
- Alfabetização, Leitura e
escrita I
- Alfabetização, Leitura e
escrita II
Disciplinas relacionadas à
linguagem
- Fundamentos teórico-metodológicos
em português I
80h
80h
80h
68h
68h
72h
108h
04
108h
60h
432h
180h
03
60h
140h
80h
- Fundamentos teórico-metodológicos
em português II (eletiva)
- Língua Portuguesa I (100h)
- Português Fundamentos e
Metodologia
- Metodologia do Ensino de Língua
Portuguesa
02
03
120h
(eleti
vas)
320h
02
160h
60h
100h
80h
80h
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG
67
ANEXO 2
Grupos de disciplinas
Teóricas
Teórico-aplicada
Téorico-aplicada-prática
Prática
TOTAL
Quantidade
6
3
1
1
11
Porcentagem
55%
27%
9%
9%
100%
Este trabalho insere-se no contexto das pesquisas realizadas no interior do Grupo de Estudos e Pesquisa
ALFABETIZE, da FACED/UFJF. Agradecemos às acadêmicas de Pedagogia (Karina Emmanuelle de
Souza, Raissa de Araujo Pifano e Vanessa Titonelli Alvim) e Letras (Gillian Mariana Luciano) pelo apoio na
geração dos dados.
Sobre a autora:
Luciane Manera Magalhães: Universidade Federal de Juiz de Fora/MG.
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012
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Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação
a distância
Edilaine Vagula*
Marilda Aparecida Behrens**
Resumo
O presente artigo originou-se numa pesquisa exploratória aliada a experiência como docente e pesquisadora
e nas discussões realizadas na área de formação de professores por meio da educação a distância, dentro da
Linha de Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores, no grupo de PEFOP “Paradigmas
Educacionais e formação de professores”, do Programa de Pós-Graduação em Educação Stricto Sensu, de
uma Universidade particular de grande porte. Buscamos nesta caminhada de investigação referenciais que
auxiliassem como fonte de reflexão para a formação de professores na educação a distância. Nosso objetivo
foi discutir as modalidades de formação de professores em um ambiente complexo que superem o paradigma
conservador para atender às constantes transformações que envolvem o ensino e aprendizagem frente às
Tecnologias da Informação e Comunicação. Trabalhamos com aportes teóricos que dão sustentação à prática
pedagógica nessa modalidade de ensino. Assim, a pesquisa nos conduziu, em primeiro lugar, a repensar
nossas práticas pedagógicas enquanto professores formadores e, para tal, nos apoiamos nos resultados
obtidos em trabalhos como Belloni (1998-1999), Kenski (2008), Pereira (2003), Morin (2000) e Pretti
(2005), bem como, a refletir sobre o desafio de acolhermos a proposta de paradigma inovadores na ciência e
na educação, em especial, com a contribuição de Capra (1996, 2002), Boaventura Santos (1997,1987), Morin
(2002), entre outros. O currículo na educação a distância não deve oferecer apenas a possibilidade de acesso
às informações e teorias, mas também às estratégias relevantes para a construção de novos conhecimentos,
incluindo-se nestes procedimentos o confronto com situações práticas, por meio da dialogicidade,
interatividade e aprendizagem colaborativa, contribuindo para um processo de autoformação. Acreditamos
que os cursos de licenciatura a distância, se optarem por uma visão paradigmática inovadora no ensino e na
aprendizagem, podem formar melhores profissionais da educação, baseados numa visão complexa,
acolhendo como eixo para a docência e a pesquisa, a formação crítica e a transformadora.
Palavras-chave: Formação de professores. Educação a distância. Trabalho docente.
Teacher formation and teaching profession in distance education
Abstract
This essay has been originated in an exploratory research combined with our experience as teacher and
researcher, as in discussions in the area of teacher training through distance education within the Educational
Theory and Practice Line in Teacher Education, by PEFOP group (educational paradigms and teacher
training) of a Graduate Program in Education stricto sensu, in a large private university. We seek this path of
research references that could help as a source of reflection for teacher education in distance education. Our
goal was to discuss the modalities of teacher training in a complex environment that exceed the conservative
paradigm to meet the constant changes that involve the teaching and learning forward Information
Technology and Communication. We have worked with theoretical frameworks that support the teaching
practice in this type of education, so the search has led us, first, to rethink our teaching practices as teachers
and trainers, and to this end, we rely on the results of work as Belloni (1998 - 1999), Kenski (2008), Pereira
(2003), Morin (2000) and Pretti (2005), as well as to reflect on the challenge we welcome the proposed
paradigm innovators in science and education, in particular, the contributions of Capra (1996, 2002),
Boaventura Santos (1997.1987), Morin (2002), among others. The curriculum in distance education should
not only offer the possibility to access information and theories, but also the strategies relevant to the
construction of new knowledge, including the confrontation with these procedures practical situations
through dialog, interactivity and collaborative learning, contributing to a process of self-education. We
believe that teacher graduation courses in distance education, if they opt for a paradigmatic vision in
innovative teaching and learning, can form better education professionals, based on a complex view,
welcoming as hub for teaching and research, training and critical manufacturing.
Keywords: Teaching formation. Distance education. Teaching practice.
*Endereço eletrônico: [email protected]
**Endereço eletrônico: [email protected]
70
Edilaine Vagula, Marilda Aparecida Behrens
Introdução
O exercício da docência pressupõe
concepções pedagógicas que se solidificam
durante nossa trajetória acadêmica, mesmo antes
do início da carreira profissional, que são
construídas em nossas primeiras vivências
escolares.
O contexto de profundas transformações
culturais, epistemológicas, ideológicas, sociais e
profissionais, estruturante de revoluções nos
diversos campos de conhecimento, de informação
e de tecnologia, influencia profundamente o
desafio de ser responsável por educar as novas
gerações. A preocupação com os processos
formais na Educação a Distância (EaD), pelos
quais os professores aprendem a ensinar, continua
sendo relevante, pois ainda buscamos a superação
de metodologias repetitivas focadas na reprodução
e na memorização para empreender aprendizagens
que auxiliem na produção do conhecimento. Há
que se diminuir, por conseguinte, o
distanciamento, ou mesmo os conflitos, que
possam ocorrer entre os saberes dos acadêmicos e
os saberes dos professores em ação, produzidos
no exercício de suas tarefas cotidianas.
A produção do conhecimento amplia-se
com rapidez e o aluno precisa aprender a
aprender, ou seja, “ser capaz de realizar
aprendizagens significativas por si mesmo, em
uma ampla gama de situações e circunstâncias”.
(COLL, 1992, p. 41). Partindo do princípio que
ensinar é atividade intencional e planejada, na
qual a interação professor e aluno estão mediadas
pelas tecnologias, deve ocorrer uma mudança de
postura no aluno e no professor, e ambos precisam
ser ativos nesse processo. A Formação de
Professores na EaD constitui-se de uma das
temáticas mais investigadas nesta área. Torna-se
evidente a necessidade de investir na formação
inicial, a fim de instrumentalizar os professores
para que possam criar novas possibilidades para a
mediação na EaD, utilizando-se de diferentes
linguagens. Nessa perspectiva, o professor passa a
ser o mediador entre o aluno, o conhecimento e a
construção das propostas curriculares que se
materializam na teleaula e no material didático.
Para Moore e Kearsley (2007, p. 4),
Educação a Distância é o aprendizado
planejado que ocorre normalmente em um
lugar diferente do local de ensino,
exigindo técnicas especiais de criação do
curso e de instrução, comunicação por
meio das várias tecnologias e disposições
organizacionais
e
administrativas
especiais.
Promover a interação ativa entre
professor, aluno e tutor por meio do diálogo é
possibilitar
a
construção
dialética
do
conhecimento, e esse processo ocorre mediado
por ferramentas de comunicação e apoiados por
uma equipe de trabalho, levando em consideração
que “no ensino a distância, a tecnologia está
sempre presente e exige mais atenção de ambos,
professores e aprendizes” (KENSKI, apud
BARBOSA, 2003, p. 101). Portanto, essa
modalidade de ensino centra-se na aprendizagem
do aluno.
A EaD rompe barreiras culturais, de
tempo e espaço geográfico e envolve
planejamento, pois a partir da realidade dos
alunos pode ser construído um projeto pedagógico
que possa orientar as ações dos professores com
foco na interdisciplinaridade e atendimento às
regionalidades. Esse projeto deve contar com
diversas possibilidades de interação como: chat,
aula web, fórum, portfólio, livros com linguagem
dialógica, produzidos por professores da
disciplina em parceria com outros autores, e-mail,
biblioteca digital, física e outros. Portanto, a
questão central que este estudo procurou
responder foi a seguinte: Como a formação inicial
de professores na EaD tem se constituído e qual a
relação com o trabalho docente?
O professor deve ser percebido como um
construtor de culturas e de saberes, levando em
conta que a vida pessoal e, especialmente, a
profissional se constroem, em parte, pela trajetória
profissional, a qual cria campos específicos de
significação, a partir das experiências vivenciadas.
Docência e autoformação profissional
Não há um modelo único de EaD. As
instituições
podem
apresentar
projetos
diversificados,
que
apresentam
inúmeras
combinações
de
tecnologias,
recursos
educacionais e linguagens.
Atualmente percebemos que a oferta de
EaD organiza-se em torno do denominado modelo
Blended learning, também chamado de modelo
misto, caracterizado por múltiplas estratégias de
aprendizagem e organizadas de forma simultânea
e integrada permitindo maior flexibilidade e
levando em consideração peculiaridades como
características de alunos, por exemplo faixa etária.
A utilização desse modelo pedagógico
exige um aluno capaz de ser autônomo em suas
atividades acadêmicas, um modelo no qual os
próprios alunos decidem sobre seu percurso
educativo, utilizando diferentes meios, mídias e
estratégias de ensino, que contemplam desde
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012
Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação a distância
atividades presenciais junto ao grupo social, com
acompanhamento tutorial presencial, até o estudo
autodirigido
em
ambiente
virtual
de
aprendizagem,
favorecendo
as
trocas
colaborativas mediadas pelas novas tecnologias da
informação e da comunicação (NTIC).
O uso intensivo das novas tecnologias de
informação e comunicação, assim como sua
democratização, possibilitaram a ampliação da
educação a distância, e hoje esta atende a uma
grande parcela da população, com ênfase na
relação dialógica e flexibilidade no ensino.
Dessa
forma,
nesse
cenário
multimidiático, a necessidade de aprimoramento
constante tem-nos levado a um repensar de nossas
práticas, enquanto formadores de professores,
para atuar na educação básica. Tal fato implicou
uma maior regulação pelo ministério da Educação
em relação à EaD no que diz respeito à busca de
sua qualidade.
A análise dos diferentes contextos, no que
se refere à Formação de Professores, pode ser
realizada tendo como pano de fundo a produção
de pesquisas e de proposições teóricas e os
documentos emitidos por órgãos responsáveis
pela execução de políticas públicas. É nessa
instância
de
análise
que
buscaremos
contextualizar a oferta dos cursos que visem à
formação de professores na modalidade EaD, pelo
seu peso no cenário da produção científica sobre
Formação Inicial de Professores. Acreditamos que
formar profissionais da Educação, tendo a
docência e a pesquisa por princípios, como eixos
de sua formação, é o essencial. Para Calixto,
Oliveira e Oliveira (2009):
Rever
o
processo
de
ensinoaprendizagem, privilegiando o trabalho
colaborativo
entre
formadora
e
formando(as)
e
contemplando
o
protagonismo do aprendiz ao indicar os
pontos de avanço e os que precisam ser
aperfeiçoados/inovados, pode contribuir
para a auto-formação contínua do
docente-pesquisador sobre sua própria
prática. Talvez seja esse um dos caminhos
para a consolidação de uma cultura
avaliativa reflexiva, investigativa e
questionadora rumo à construção de uma
nova pedagogia – com tecnologia – para
a educação face-a-face e/ou à distância.
(p. 9).
O currículo deve contribuir para a
formação do professor em uma perspectiva que
leve em consideração a tríade ação–reflexão-ação.
Essa tríade sustenta-se pela relação ensino com
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012
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pesquisa, em que, por meio do conteúdo
trabalhado, o aluno pode entrar em contato com a
pesquisa, estabelecendo proximidade com o
desconhecido.
Essa questão favorece a articulação entre
as disciplinas estudadas, visto que as mesmas
partem de um eixo norteador comum: o de
fundamentar a formação do graduando tendo
como elemento condutor o diálogo entre a área
educacional e as demais áreas do conhecimento.
Preocupado com o processo de expansão
da educação a distância, e buscando estabelecer
critérios de qualidade, o MEC - Ministério da
Educação - elaborou os Referenciais de Qualidade
para a Educação a Distância (BRASIL, 2007),
levando em consideração, dentre outros
elementos, a necessidade de aprendizagem
permanente e cooperativa.
Segundo a proposta, as discussões acerca
da Educação a Distância “têm oportunizado
reflexões importantes a respeito da necessidade de
ressignificações de alguns paradigmas que
norteiam nossas compreensões relativas à
educação, escola, currículo, estudante, professor,
avaliação, gestão escolar, dentre outros”
(BRASIL, 2007, p.3).
Podemos perceber a preocupação do MEC
em buscar a construção de um projeto político
pedagógico dos cursos de educação a distância
que contemplem a relação epistemológica de
educação, currículo e ensino. Esse processo tem a
utilização da tecnologia como suporte de
mediação e deve estar pautado em uma filosofia
que priorize a interatividade, a partilha de projetos
e o respeito às diferentes culturas e
conhecimentos.
Em relação a isso:
O conhecimento é o que cada sujeito
constrói - individual e coletivamente
como produto do processamento, da
interpretação, da compreensão da
informação. É, portanto, o significado
que atribuímos à realidade e como o
contextualizamos. (BRASIL, 2007, p.9).
A interatividade é considerada como
essencial na formação a distância. Vale destacar:
O desenvolvimento da educação a
distância em todo o mundo está associado
à popularização e democratização do
acesso às tecnologias de informação e de
comunicação. No entanto, o uso inovador
da tecnologia aplicada à educação deve
estar apoiado em uma filosofia de
aprendizagem que proporcione aos
72
Edilaine Vagula, Marilda Aparecida Behrens
estudantes efetiva interação no processo
de ensino aprendizagem, comunicação no
sistema com garantia de oportunidades
para o desenvolvimento de projetos
compartilhados e o reconhecimento e
respeito em relação às diferentes culturas
e de construir o conhecimento ( BRASIL,
2007).
O documento expressa, como ponto
central, a necessidades de momentos presenciais e
virtuais, baseado em uma proposta curricular
inovadora, que possibilite a integração entre
metodologias e conteúdos, bem como a autoreflexão do aluno, ou seja, o diálogo consigo
mesmo e a sua própria concepção de cultura, em
confronto com outras culturas. Promove a
superação
da
visão
“fragmentada
do
conhecimento e dos processos naturais e sociais,
enseja a estruturação curricular por meio da
interdisciplinaridade
e
contextualização”.
(BRASIL, 2007, 9.) Destaca, ainda, a necessidade
de a realidade ser considerada em suas múltiplas
dimensões, pois, “ao propor o estudo de um
objeto, busca-se, não só levantar quais os
conteúdos que podem colaborar no processo de
aprendizagem, mas também perceber como eles se
combinam e se interpenetram”. (BRASIL, 2007,
8.). A interdisciplinaridade e a contextualização
devem possibilitar uma compreensão da realidade,
formando o sujeito social e como destaca o
disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei n. 9.394/96) “[...] o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. (BRASIL, 1996, art.2). Prevê a
necessidade de um módulo introdutório nos
cursos para que o aluno domine as especificidades
da EaD, a tecnologia e o conteúdo programático
do curso, sendo que cada instituição deve prover a
recuperação de estudos e propostas avaliativas
que contemplem os ritmos de aprendizagem dos
alunos.
O projeto do curso deve contemplar a
diversidade curricular expressa nas disciplinas e
nos serviços de apoio, como intérprete de Libras e
material em Braile. A formação do professor
passou a ser questionada e redefinida com base no
“impacto das tecnologias e das comunicações
sobre os processos de ensino e de aprendizagem,
suas metodologias, técnicas e materiais de apoio”
(BRASIL, 2000, p.2).
O decreto 5.622 (BRASIL, 2005), que
revoga o Decreto 2.494/98 e regulamenta o Art.
80 da Lei 9.394/96 (LDB) define a EaD como
modalidade
educacional
na
qual
a
mediação
didático-pedagógica
nos
processos de ensino e aprendizagem
ocorre com a utilização de meios e
tecnologias
de
informação
e
comunicação,
com
estudantes
e
professores desenvolvendo atividades
educativas em lugares ou tempo diversos.
Necessitamos de um modelo que combata
o modelo sequencial e linear e que possibilite
redes de conhecimento, com estrutura curricular
baseada na “metáfora do rizoma” (DELEUZE;
GUATTARI, 1995, apud BRITO, 2006, p. 6),
pois nessa proposta o saber não apresenta
hierarquia e não está centralizado. Nesse modelo,
qualquer ponto pode estar ligado a qualquer outro
ponto em que os eixos temáticos estejam em
permanente construção. Nesse sentido, os
“saberes que se desterritorializam e se
interpenetram produzindo novas abordagens
conceituais e metodológicas” e podem “ser
acessado[s] a partir de inúmeros pontos, podendo
remeter a quaisquer outros em seu território”, não
podendo assim, ser reduzido[s] à homogeneidade.
(BRITO, 2006, p. 6-7)
A produção específica sobre o tema
Formação de Professores na EaD vem enfatizando
a necessidade de um trabalho interdisciplinar que
envolva docentes e coordenadores de curso,
possibilitando trabalhos individuais e coletivos
que permitam ao aluno articular saberes teóricos
com saberes práticos, um trabalho inexistente em
algumas instituições, mas que na prática tem
contribuído para experiências de sucesso.
Trabalhar em uma perspectiva interdisciplinar é
possibilitar o constante diálogo entre as
disciplinas que compõem o currículo.
No que diz respeito à educação a
distância, o modelo atual apresenta para
fragilidades, e Torres (1998, p. 176) salienta: "a
questão [...] da formação inicial está se diluindo,
desaparecendo". Ao mesmo tempo, Barreto
(2004,
p.1191-1192)
aponta
para
o
“esvaziamento” existente no processo de
formação de professores, e este é tratado apenas
como formação continuada, pois a formação
inicial não tem possibilitado o acesso às
tecnologias, restringindo-se, em muitos casos “a
mera transposição de aulas para os novos
suportes”.
Belloni (1998, p.16) ressalta que os
professores exercem forte influência na melhoria
dos sistemas educativos e que “qualquer
melhoria ou inovação em educação passa
necessariamente pela melhoria e inovação na
formação de formadores.” Mas o desafio que se
impõem é a complexidade dos saberes
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012
Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação a distância
envolvidos para o professor ensinar, e em
especial, como as instituições formadoras devem
agir para envolver os alunos na busca da
produção do conhecimento. Este processo
demanda buscar uma metodologia que acolha
múltiplos procedimentos, que proporcione a
visão de todo, que seja significativa, que
proponha
problematizações
retiradas
da
realidade dos alunos envolvidos, pois este e
outros fatores levam os estudantes a acompanhar
o curso ou a abandoná-lo por falta de interesse.
A metodologia proposta na EAD precisa
considerar um universo mais amplo, pois
movimento paradigmático da sociedade exige a
superação da visão reducionista de conviver no
universo e enfrentar um mundo repleto de
incertezas, contradições, paradoxos, conflitos e
desafios. Significa aceitar o questionamento e a
reflexão intermitente dos problemas e das suas
possíveis soluções. Assim, “Na realidade, busca
aceitar uma mudança periódica de paradigma,
uma transformação na maneira de pensar, de se
relacionar e de agir para investigar e integrar
novas perspectivas” Behrens (2006, p.21).
Em sua pesquisa, Pereira (2003, p. 206)
constata que: “o uso das tecnologias na educação
a distância vem se limitando a repetir métodos
convencionais da educação presencial, que
mostraram ser ineficazes”. As reflexões sobre o
ensino e a aprendizagem devem levar o professor
a repensar suas práticas pedagógicas enquanto
professores, por conseguinte, proporcionando, em
teoria, um rompimento com formas tradicionais e
lineares da condução dos processos de ensino e
aprendizagem. Neste novo olhar sobre a prática
pedagógica, cada vez mais competências
desejáveis devem ser desenvolvidas, mesmo
considerando-se os obstáculos a serem superados.
A educação, porém, parece incrustar-se
em uma redoma de vidro impenetrável e demora a
absorver aos novos paradigmas. Nesta
perspectiva, a Educação a Distância herda os
paradigmas conservadores que caracterizam ainda
grande parte do ensino presencial, daí a
necessidade de superar a ação docente baseada na
visão a cartesiana, única e fragmentada para
focalizar as diferentes modalidades de aprender e
que criem possibilidades de entender a educação e
o currículo numa visão complexa, bem como os
necessários
desdobramentos
na
prática
pedagógica.
A prática pedagógica demanda uma ação
pessoal e profissional, não apenas de origem
individual, mas coletiva, dado que o professor é
um indivíduo inserido num contexto históricocultural. Portanto, a proposta curricular do curso
deve ser construída coletivamente de forma que as
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012
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discussões em curso possam se desvincular de
modelos tradicionais e assim contribuir para o
desenvolvimento do pensamento reflexivo. Muitas
vezes, faltam-lhe estratégias de análise e reflexão,
bem como suporte teórico que possa embasar a
sua prática, o que dificulta os processos de
reflexão na e sobre a sua própria prática,
interferindo no seu desenvolvimento profissional
e pessoal.
A ênfase na formação de professores
reflexivos pode contribuir para a construção da
sua identidade profissional. Neder (2005) defende
a educação a distância como “uma possibilidade
de (re) significação paradigmática no contexto do
processo de formação de professores”. Nessa
modalidade de ensino, todo projeto de curso e
plano docente deve abrir caminhos para o
desenvolvimento da autonomia do educando, com
o intuito de formar alunos reflexivos e críticos, o
que implica uma mudança de paradigma.
O processo de Formação de Professores
em um paradigma inovador precisa considerar a
comunicação mediada, que constitui o cerne da
prática pedagógica, que tem como instrumento a
tecnologia. Como pano de fundo dessa
perspectiva, sobre formação de professores,
acreditamos que deva
ser levado em conta o contexto históricocultural em que ocorrem esses processos
formativos, para se compreender as
limitações e as possibilidades de
práticas
pedagógicas
como
colaboradoras
no
processo
de
construção da autonomia do aluno, em
suas diferentes dimensões e não somente
limitada à aprendizagem autônoma, ao
estudo independente (PRETI, 2005,
p.129).
Para tanto, refletir sobre o tipo de homem
que queremos formar, a opção teóricometodológica - a visão crítica e a concepção de
avaliação em uma perspectiva mediadora - pode
contribuir para a formação de sujeitos ativos,
reflexivos, cidadãos atuantes e participativos na
transformação do espaço sócio-histórico no qual
participam. Trata-se de exigências do paradigma
inovador ou da complexidade, que propõe que o
currículo atenda uma visão crítica, reflexiva e
transformadora na Educação e exige a
interconexão de múltiplas abordagens, visões e
abrangências. A complexidade segundo Moraes
(2004, p.20):
Complexidade esta compreendida como
princípio articulador do pensamento,
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Edilaine Vagula, Marilda Aparecida Behrens
como um pensamento integrador que une
diferentes modos de pensar, que permite a
tessitura comum entre sujeito e objeto,
ordem e desordem, estabilidade e
movimento, professor e aluno e todos os
tecidos que regem os acontecimentos, as
ações e interações que tecem a realidade
da vida.
O pensamento complexo empreende o
conhecimento como uma teia proposta com base
nas conexões em sistemas integrados, pois, na
visão de Morin (2000, p.46), “Não se trata de
abandonar o conhecimento das partes pelo
conhecimento das totalidades, nem da analise pela
síntese; é preciso conjugá-las. Existem desafios da
complexidade com os quais os desenvolvimentos
próprios de nossa era planetária nos confrontam
inelutavelmente”. Assim, considerar na EaD uma
visão complexa implica garantir uma ação
docente que se reflita em uma prática pedagógica
crítica, reflexiva e inovadora. Portanto, a ação
educativa necessariamente deve atender a uma
nova visão de mundo, de sociedade e de homem.
A busca de respostas a essa questão
paradigmática levou-nos a refletir sobre a
necessidade urgente de que os cursos a distância
focalizem os processos dialógicos, superando o
ensino repetitivo e sem sentido, com pergunta e
repostas prontas e acabadas, e colocando em seu
lugar a comunicação e a mediação, como propõe
Pereira (2003, p.200):
[...] a comunicação mediada representa a
essência do processo de aprendizagem,
entendida no seu sentido seu duplo
sentido: o primeiro refere-se a mediação
entre o conteúdo e o aluno; o segundo, à
relação entre o professor e o aluno.
O uso intensivo da tecnologia como
mediação do trabalho pedagógico envolve novas
competências, que não têm sido contempladas na
formação inicial e nos programas de formação
continuada. O trabalho docente na EaD continua
sendo fundamental, o que nos conduz,
inevitavelmente, ao repensar de nossas práticas
diante da necessidade de criar estratégias de
ensino que
enfatizem a produção de
conhecimentos por parte dos professores em
formação e, portanto, não reduzidos à
transferência e aplicação de conteúdos adquiridos,
para que construam uma prática pedagógica
baseada na autonomia e na motivação.
A interatividade articulada com a
tecnologia deve ser a base da prática docente
desenvolvida na EaD, pois
[...] determina, de modo fundamental, o
uso que se faz dos meios de comunicação,
as novas relações entre os atores do
processo de aprendizagem que se
estabelecem no plano da linguagem e na
produção
do
material
didático
(FIORENTINI; MORAES, 2003, p. 318).
Os procedimentos de ensino, as diferentes
formas de ensinar e avaliar devem contribuir com
a interação, possibilitando o diálogo e o
desenvolvimento do aluno. O diálogo, para Moore
(1993 apud DIAS; LEITE, 2010), deve ser
resultado
de
interações
favoráveis
ao
desenvolvimento da aprendizagem. Ele esclarece,
ainda, que o diálogo precisa ser intenso, uma vez
que pouco diálogo conduz ao aumento da
distância transacional, e este é um “espaço de
potenciais mal-entendidos entre as intervenções
do instrutor e as do aluno” (DIAS; LEITE, 2010,
p. 77-78). Tal fato pode ser influenciado pela
estrutura do curso, pois as tecnologias contribuem
para a redução da distância transacional.
Através do diálogo, o aluno aprimora seu
pensamento crítico e reflexivo, adquirindo mais
autonomia, podendo posicionar-se em relação ao
seu próprio aprendizado. Ao se referir às
interações, Nunes e Vilarinho (2006, p. 118)
pontuam que é papel do professor captar as
dificuldades, elogiar, estimular, ouvir, promover
melhores relações e, dessa forma, manter “o nível
acadêmico do diálogo faz parte da sensibilidade
do professor”.
Realizamos leituras e reflexões com base
no texto de Tardif (2002), que caracteriza o saber
docente como múltiplo e pluriorientado por
diversos saberes, originados dos saberes
curriculares, das disciplinas, do exercício
profissional e da experiência pessoal. Tardif
(2002, p. 302-303) propõe três modelos de
identidade de professores: o tecnólogo do ensino,
o prático reflexivo e o ator social, assim
caracterizados:
O tecnólogo de ensino se define por
possuir competências de perito no
planejamento do ensino e sua atividade é
baseada
num
repertório
de
conhecimentos oriundos da pesquisa
científica (grifo nosso);
O prático reflexivo, que se serve muito
mais de sua intuição e pensamento é
caracterizado por sua capacidade de
adaptar-se a situações novas e de
conceber soluções originais [...] é o
próprio modelo do profissional de alto
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012
Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação a distância
nível (grifo nosso);
O ator social desempenha o papel de
agente de mudanças, ao mesmo tempo em
que é portador de valores emancipadores
em relação a diversas lógicas de poder
que estruturam tanto o espaço social
quanto o espaço [institucional]. (grifo
nosso).
O processo educativo com essa visão
exige propor competências e habilidades que
permitam diferenciar o modelo empregado na
EaD.
Concordamos com Perrenoud (2002)
quanto a sua observação de que os saberes
constituem o fundamento das competências, uma
vez que “uma competência não é nada mais do
que uma aptidão para dominar um conjunto de
situações e processos complexos, agindo com
discernimento” (p. 8). O professor, em sua
formação profissional, necessita, portanto, que lhe
sejam
propiciadas
condições
para
que
futuramente, enquanto agente, possa dispor de
recursos cognitivos pertinentes, de saberes, de
informações, de atitudes, de valores e consiga
mobilizá-los
em
momentos
oportunos.
Emprestamos do autor as seguintes questões:
“Estamos desenvolvendo essas “habilidades e
competências” de modo satisfatório, para que os
alunos saibam “mobilizá-las num momento
oportuno”? Criamos condições para que se
“estabeleçam ligações dos saberes à ação e ao
trabalho?” (p. 9).
Para adquirir esses saberes é necessário,
todavia, que os alunos aprendam. Em nossas
instituições formadoras não verificamos, com
freqüência, as condições propícias à aquisição
dessa gama de saberes.
O professor, como qualquer outro
profissional, vive um processo histórico,
caracterizado por mudanças contínuas e pela
presença de produtos sociais, por exemplo, que
emergem da tecnologia da informação, para os
quais nem sempre está preparado para participar e
intervir. A ausência de espaços para a construção
de conhecimentos críticos leva alguns contextos
escolares a inviabilizarem a prática reflexiva
sobre os saberes teóricos e práticos.
Considerações Finais
As discussões durante os quinze encontros
de discussão temáticas dentro da Linha de Teoria
e Prática Pedagógica na Formação de Professores,
no grupo de PEFOP “Paradigmas Educacionais e
formação de professores”, do Programa de PósHorizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012
75
Graduação em Educação Stricto Sensu. Esse
processo investigativo proporcionou a pesquisa
exploratória aliada aos questionamentos gerados
nas experiências dos docentes e da pesquisadora
envolvida no processo de na área de formação de
professores por meio da educação a distância.
Buscamos nesta caminhada de investigação
referenciais que auxiliassem a reflexão sobre a
formação de professores na educação a distância.
Atingimos nosso objetivo de discutir modalidades
de formação de professores em um ambiente
complexo que superem o paradigma conservador
para atender as constantes transformações que
envolvem o ensino e aprendizagem frente as
Tecnologias da Informação e Comunicação.
Apresentamos e compartilhamos neste
artigo o fruto da tentativa de demonstrar a nossa
incursão no campo da produção do conhecimento
relativo à Formação de Professores na modalidade
da EaD, o que nos conduziu durante todo processo
de pesquisa a questionar e encontrar possíveis
soluções para repensar nossas práticas
pedagógicas enquanto professores formadores
nessa modalidade.
As conclusões a que chegamos apontam
para necessidade de pensarmos com urgência em
um meio de romper com as formas tradicionais e
lineares da condução dos processos de ensino e
aprendizagem na EaD e nas outras modalidades
de ensino, determinando assim uma profunda
mudança paradigmática.
Neste novo olhar, cada vez mais
competências
desejáveis
devem
ser
desenvolvidas, mesmo considerando os obstáculos
a serem superados. Portanto, acreditamos que a
proposta curricular a ser construída coletivamente
pelos docentes responsáveis pela oferta dos
Cursos, dadas as discussões em curso, venha a
desvincular-se de modelos tradicionais e assim
contribuir para o desenvolvimento do pensamento
reflexivo.
Finalmente, lembramos que o objetivo
desta pesquisa não foi o de apresentar modelos
para a formação de professores na EaD, mas
oferecer subsídios para que as estratégias
utilizadas na condução dos cursos que se propõem
a formar professores possam ser repensadas.
É nessa perspectiva que consideraamos
urgente tanto uma mudança na e para a identidade
deste profissional quanto políticas públicas
formuladas apropriadamente, de modo que a
formação deste profissional convirja para as
definidas
coletivamente
por
associações
reconhecidas, como as da ANPED e ANFOPE.
Concluímos,
assinalando
que
as
instituições precisam contribuir no sentido de
formar professores para um uso pedagógico da
76
Edilaine Vagula, Marilda Aparecida Behrens
Informação e Comunicação que venha a
corresponder a um paradigma complexo e que
abandone os modelos reducionistas baseados
unicamente na racionalidade técnica. Para tanto,
eles devem ser reorganizados, pois ainda, na
maioria das vezes, partem de uma educação
tradicional que concebe ensino focado unicamente
na transmissão de conhecimento. Com base na
pesquisa, acreditamos que o desafio está posto,
pois muitas vezes discutimos que esse é o maior
problema a se refletir na EaD, ou seja, a
abordagem pouco envolvente e reducionista que
caracteriza o abandono dos alunos ao longo do
processo de ensino e aprendizagem.
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Sobre as autoras:
Edilaine Vagula: Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR),
Curitiba, PR – Brasil. Docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e da Universidade Norte do
Paraná (UNOPAR).
Marilda Aparecida Behrens: Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR – Brasil.
Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012
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Lev Vigotski mediação, aprendizagem e desenvolvimento uma leitura filosófica e
epistemológica
Resenhado por Renata Correa Rocha*
FRIEDRICH, Janette. Lev Vigotski mediação, aprendizagem e desenvolvimento uma leitura filosófica e
epistemológica. Tradução de Anna Rachel Machado e Eliane Gouvêa Lousada. Ed. Mercado de Letras,
Campinas, SP, 2012.
A pesquisadora e professora Janette
Friedrich, membro do grupo de pesquisa “História
e Epistemologia das Ciências da Linguagem”, é
uma grande especialista em Vigotski. Neste ano
de 2012, a autora de A significação histórica da
crise em psicologia (Paris, Dispute, 2010) e A
teoria da linguagem, de Karl Buhler (Maseille,
Agone, 2009), livros publicados em francês,
lançou um novo livro, também em francês e
recentemente traduzido por Ana Rachel Machado
e Eliane Gouvêa Lousada.
Em Lev Vigotski mediação, aprendizagem
e desenvolvimento uma leitura filosófica e
epistemoógica, Janette Friedrich nos traz uma
oportunidade de conhecermos ainda mais sobre as
obras desse autor já bastante conhecido e
discutido por outros tantos escritores, o que pode
trazer ao leitor certa desconfiança sobre a
originalidade dessa nova obra. No entanto é
importantíssimo frisar que esta originalidade está
garantida, pois segundo Ana Luiza Smolka, que
escreve o prefácio desse livro, “a novidade dessa
publicação encontra-se no modo como a autora lê
e dialoga com a teoria de Vigotski, como
compreende e discute suas ideias, como nos
convida a uma leitura que nos leva a pensar no
interior do pensamento do autor”.
Friedrich inicia seu livro com uma volta
ao início do século XX, um momento decisivo
para a constituição das ciências do homem, pois
um grande número de correntes que até hoje
dominam o pensamento teórico e os métodos
empíricos nas ciências do homem se constituíram
nesse período. Para apresentar o pensador russo e
soviético Lev Séminovitch Vigotski, a quem esta
obra é dedicada, Friedrich utiliza-se de um
método que busca discutir algumas partes da obra
de Vigotski, tentando não “falar sobre ele”, mas
sim pensar no interior de sua obra. Nas palavras
da autora “mostrar o que ele faz, o que ele diz,
quando ele o diz; pensar o que ele pensa, quando
o lemos” (Friedrich, 2012, P. 14).
Portanto, para cumprir seu objetivo a
autora apresenta em cinco capítulos questões
relevantes que nos ajudam a entender a
importância da obra de Vigotski na construção de
uma psicologia como ciência que estuda o ser
* Endereço eletrônico: [email protected]
humano, proporcionando a nós educadores uma
definição da função da escola na formação deste.
No primeiro capítulo, intitulado “A
psicologia é possível como ciência?”, Friedrich
traz discussões do livro A significação histórica
da crise em psicologia, escrito por Vigotski em
1927, no qual ele tentava desenvolver as bases e
as premissas necessárias para uma psicologia que
pudesse ser uma ciência por inteiro. Friedrich
retoma a análise realizada por Vigotski do
caminho das diferentes correntes de sua época,
iniciando pela observação de que cada ciência
define seu objeto com a ajuda de uma abstração
primária. Retomando a questão da crise, Vigotski
demonstra o problema da psicologia dos anos 20,
apontando que nessa disciplina pode se encontrar
pelo menos três abstrações psicológicas, que
servem de base para uma corrente determinada.
A primeira delas é a psicologia do homem
normal. A segunda corrente é a ciência do
comportamento. E a terceira é a ciência da
abstração. Ainda nessa retomada das diferentes
correntes da psicologia, Friedrich recupera a
distinção que Vigotski faz entre as ciências gerais
e as ciências particulares e afirma que o
conhecimento científico não se produz apenas por
meio das experiências, das percepções, das
observações e de sua denominação, mas também e
em grande parte por meio de um trabalho sobre o
conteúdo real dos conceitos, eis aí o que está na
base do projeto vigotskiano de uma psicologia
geral (FRIEDRICH, 2012, P. 33).
Diante da afirmação de Vigotski,
Friedrich levanta os seguintes questionamentos:
“o que é esse famoso conteúdo real de um
conceito? Como se pode conhecer a realidade por
meio dos conceitos?” Para responder a tais
questionamentos a autora utiliza exemplos
apresentados pelo autor.
O segundo capítulo, com título “O
termômetro da psicologia”, traz discussões a
respeito do método de pesquisa, que, segundo
Vigotski, tem o objetivo de produzir a
correspondência entre o conhecimento e a
relidade. Para isso Friedrich recupera a discussão
de Vigotski em relação aos métodos utilizados
pela pscicologia, na qual ele distingui dois grupos
80
de métodos: o grupo dos métodos diretos e o
grupo dos métodos indiretos, fazendo uma crítica
aos métodos diretos e reexaminando os métodos
que têm um caráter indireto, que para ele são
métodos que nos aproximam da verdade, em que
“interpretar significa recriar o fenômeno a partir
de seus traços e de suas influências com base nas
regularidades
anteriormente
estabelecidas”
(VIGOTSKI, 1927, P. 164 apud FRIEDRICH,
2012, P. 44).
Diante de tais afirmações, Vigotski
propõe a substituição dos conceitos de base: da
consciência e de comportamento, por um outro
que corresponde ao método indireto, o conceito de
psiquismo. Friedrich retoma então o conceito de
psiquismo, levando o leitor a entender tal conceito
e demontrando que esse só pode ser definido por
meio de métodos indiretos, de construção de
hipóteses, de reconstrução e de interpretação dos
traços da filtragem.
No capítulo três, o próprio título, “A ideia
de instrumento psicológico”, já nos dá uma noção
do conteúdo que será nele discutido. Friedrich
ressalta a importância da tese de Vigotski sobre os
instrumentos psicológicos, pois para o autor todas
as funções psíquicas superiores, como por
exemplo, a atenção voluntária ou a memória
lógica, surgem com o auxílio dos instrumentos
psicológicos e, consequentemente, se constituem
como
fenômenos
psíquicos
mediatizados
(FRIEDRICH, 2012, P. 53).
Para falar sobre esses instrumentos a
autora recupera uma discussão sobre a memória
natural e a memória artificial, demonstrando que a
tarefa de memorização se realiza com o auxílio do
instrumento psicológico.
Para deixar ainda mais clara a tese de
Vigotaki sobre esses instrumentos psicológicos, a
autora faz uma diferenciação entre os
instrumentos ou ferramentas de trabalho e os
instrumentos psicológicos, e traz também
argumentos encontrados em Vigotski para ajudar
o leitor a compreender a escolha conceitual feita
pelo autor ao utilizar o par de conceitos natural e
artificial e não, como se poderia esperar, o par de
conceitos natural e cultural. Outra questão que
tem destaque nesse capítulo para a compreensão
completa do que é para Vigotski, um instrumento
psicológico, é a distinção entre a atividade
mediatizada e a atividade mediatizante.
A autora faz ainda uma observação sobre
a natureza sócio-histórica dos instrumentos
psicológicos, demonstrando que o indivíduo
interioriza as relações sociais que ocorrem entre
as pessoas; assim sendo, “o indivíduo deve estar
no centro da pesquisa, pois o que se estuda é o
indivíduo particular em sua qualidade de um ser
pensante” (FRIEDRICH, 2012, P. 75).
No capítulo quatro, Friedrich retoma as
discussões de Vigotski acerca de como se dá a
formação dos conceitos, por isso recebe o título de
“A formação dos conceitos na criança”. A autora
inicia o capítulo trazendo uma crítica do autor em
relação ao método da definição e o método da
abstração, já que nenhum dos dois permite acesso
ao pensamento da criança. Ressalta ainda a crítica
de Vigotski em relação ao dispositivo de Ach,
pois esse, assim como os outros métodos, também
não permite descobrir a natureza genética do
processo de formação de conceitos. Friedrich nos
apresenta então, o método utilizado por Vigotski e
Sakharov para o estudo dos conceitos, método que
segundo Vigotski possibilitou o estudo de como o
sujeito emprega os signos enquanto meios de
dirigir suas operações intelectuais e como, em
função desse modo de utilização da palavra, de
sua aplicação funcional, se desenrola e se
desenvolve todo o processo de formação do
conceito em seu conjunto (VIGOTSKI, 1934, P.
202 apud FRIEDRICH, 2012, P. 86).
Para ajudar o leitor a ter maior
compreensão sobre a especificidade da posição de
Vigotski, a autora destaca duas diferenças em
relação às três outras maneiras de definir e de
analisar os conceitos. A primeira diferença referese à concepção da linguagem, pois para Vigotski
“o pensamento não se expressa na palavra, mas se
reliza na palavra” (VIGOTSKI, 1934, P. 428 apud
FRIEDRICH, 2012, P. 87). A segunda diferença,
de grande importância aos profissionais da
educação, é que esse estudo permitiu reconhecer a
existência de três grandes estágios de formação de
conceitos no processo de desenvolvimento da
criança: o estágio dos conceitos sincréticos, o
estágio dos complexos e o estágio do
pseudoconceito e o verdadeiro conceito.
Essa análise realizada por Vigotski do
processo de formação dos conceitos e a
interpretação que dela faz acarretam duas
consequências em relação ao desenvolvimento: a
primeira, o fato de que no processo de
desenvolvimento da criança podemos identificar
diferentes formas de pensamento em conceitos e
que os conceitos utilizados por elas antes da
adolescência compõem equivalentes funcionais; a
segunda, o papel que Vigotski atribui à escola no
ensino dos conceitos científicos.
Para finalizar, o quinto e último capítulo
aborda exatamente a última consequência relatada
no parágrafo anterior, recebendo o título “O
aporte específico da escola”. A autora inicia-o
fazendo uma diferenciação entre conceitos
cotidianos e conceitos científicos, o que, segundo
ela, ajuda o leitor a compreender melhor o papel
81
que Vigotski atribui à escola, já que para ele a
especificidade dessa instituição é ensinar os
conceitos científicos. Para Vigotski, é a
capacidade de trabalhar com as generalizações já
existentes que os conceitos científicos permitem,
que deve ser privilegiada no ensino escolar. A
partir de tal afirmação, a autora levanta dois
questionamentos: “o que a criança adquire como
capacidades quando se dá a aprendizagem dos
conceitos científicos?” E “em que consiste, no
final das contas, o aporte específico da escola?”
(FRIEDRICH, 2012, P. 102).
Para responder a tais questionamentos,
Friedrich retoma uma série de exemplos
apresentados por Vigotski, e demonstra que a
criança inicialmente utiliza ideias, operações,
palavras sem ainda fazer generalizações a partir
desse conhecimento, sem ainda ter consciência do
conceito que está por trás de tudo isso. Assim
sendo, a tomada de consciência, segundo
Vigotski, é uma das duas principais neoformações
da escola; a outra é o domínio ou a intervenção da
vontade (VIGOTSKI, 1934, P.309 apud
FRIEDRICH, 2012, P. 105).
Ainda discutindo as reflexões de Vigotski
sobre a escola, Friedrich analisa a relação entre
aprendizagem e desenvolvimento que, segundo
ela, complementam tal discussão. Para estabelecer
tal relação, Vigotski apresenta três teorias que
procuram explicá-la. A primeira, que considera a
aprendizagem e o desenvolvimento como dois
processos independentes, a segunda, em que a
aprendizagem e desenvolvimento são tratados
como único e mesmo processo, e a terceira, que
afirma uma verdadeira interdependência entre
esses dois processos.
Sua própria concepção define-se a partir
de duas grandes teses: a primeira afirma que “a
aprendizagem precede o desenvolvimento”
(VIGOTSKI, 1934, P. 348 apud FRIEDRICH,
2012, P. 109), afirmação que se reflete no
conceito de zona de desenvolvimento proximal,
muito discutida nos últimos anos. A segunda
certifica que o ritmo de desenvolvimento não
coincide com o ritmo das aprendizagens.
É importante ressaltar que é o poder fazer
e o saber fazer que demonstram o
desenvolvimento da criança e, em consequência, o
sucesso das aprendizagens. No entanto esse
conhecimento não é dado nem adquirido, ele é
mostrado, acentuado, demonstrado pelo professor
e, a partir dessas operações, ele é construído pela
criança. O que é mostrado pelo professor é usado
como um instrumento pela criança que se
transforma ao mesmo tempo em objeto e sujeito
(FRIEDRICH, 2012, P. 114).
Isso esclarece a ideia de mediação
discutida por Vigotski e demonstra a importância
da participação ativa do aluno no processo de
construção de seu próprio conhecimento, pois sem
essa participação a aprendizagem não acontece.
Friedrich finaliza seu livro com uma
conclusão que possibilita ao leitor uma retomada
dos principais assuntos abordados em seu diálogo
com
Vigotski,
proporcionando
maior
compreensão sobre a concepção de sujeito
exposta ao longo dos capítulos.
Essa é uma obra que, sem dúvida
nenhuma, demonstra o imenso conhecimento e
capacidade que a autora tem em dialogar com esse
autor tão importante para o campo da educação,
evidenciando o papel da escola e dos educadores
na formação desse sujeito ativo, capaz de em sua
relação com o mundo utilizar os instrumentos
necessários para a construção de seu próprio
conhecimento.
Sobre a autora:
Renata Correa Rocha: Mestranda em Educação pela Universidade São Francisco de Itatiba. Formadora de
professores da rede Municipal de Itatiba. E-mail: [email protected]
82
83
Relação das dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação da Universidade São Francisco no período de janeiro a junho de 2012
ALENCAR, Laine Cristina Forati de. (Im)possibilidades de organizar ações pedagógicas que articulem
materiais produzidos a partir de diferentes perspectivas educacionais. 2012. 135p. Dissertação (Mestrado
em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco,
Itatiba/SP. Orientadora: Alexandrina Monteiro.
A presente pesquisa faz parte de uma inquietação profissional sobre a realidade de duas concepções
metodológicas de ensino e aprendizagem: a de um sistema apostilado baseado em concepções empiristas,
que ressalta atividades prontas para os alunos – como se aprendessem da mesma forma e no mesmo tempo; e
a de outro sistema de ensino baseado na concepção metodológica do construtivismo – onde os alunos são
considerados sujeitos de sua aprendizagem através das mediações que o professor tende a fazer para que eles
pensem, reflitam e evoluam no processo de aprendizagem. Para tanto, inicio a pesquisa ressaltando alguns
princípios da concepção construtivista e como a criança aprende e aprofundo este tema demonstrando a
realidade de um curso, no qual fui formadora por cinco anos em uma rede municipal em que a concepção
metodológica era de um apostilado. Realizei uma breve pesquisa sobre a municipalização do ensino no
Brasil para então chegar até o início dos apostilados, ou seja, enfatizar alguns pontos do porque este sistema
privado adentrou as redes municipais de ensino. Continuo a pesquisa tecendo uma breve análise de algumas
atividades que compõem o material apostilado e atividades similares na perspectiva do curso em questão: o
Letra e Vida e sua concepção de ensino. Esta análise não teve um fechamento final, levando-nos apenas a
reflexões e questionamentos sobre as duas propostas de ensino e a educação em um contexto mais amplo que
é algo ainda em construção diária, incerteza e busca de respostas contínuas.
Palavras-chave: construtivismo. material didático. metodologias. intervenção pedagógica. currículo escolar
BAGNE, Juliana. A elaboração conceitual em matemática por alunos do 2º ano do ensino fundamental:
movimento possibilitado por práticas interativas em sala de aula. 2012. 206p. Dissertação (Mestrado em
Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.
Orientadora: Adair Mendes Nacarato.
Esta pesquisa, em que a professora assumiu também o papel de pesquisadora, é de abordagem qualitativa,
com alunos do 2º ano do ensino fundamental de uma escola municipal de Jundiaí/SP e tem como foco a
problematização em sala de aula. Com o objetivo de analisar tanto o movimento de elaboração conceitual
matemática dos alunos, inseridos num ambiente de problematizações, quanto as ações mediadas pela
professora-pesquisadora nesse contexto, toma como referencial teórico a perspectiva histórico-cultural e
busca responder a seguinte questão de investigação: “Como os cenários de investigação pautados no diálogo,
na cooperação e em problematizações possibilitam a circulação de significações matemáticas numa sala de
aula de 2º ano do ensino fundamental?”. A documentação foi constituída por registros produzidos pelos
alunos, audiogravações das tarefas propostas aos alunos e diários de campo da professora-pesquisadora. A
análise focalizou sete episódios selecionados e centrou-se no movimento de elaboração conceitual em sala de
aula, com foco na produção de significações para o conceito de medida. Os resultados evidenciam o quanto
os alunos trazem significações matemáticas relativas a contextos não escolares envolvendo medidas e como
esses conceitos espontâneos possibilitam o acesso aos conceitos científicos, num movimento de
argumentação, socialização, interações e ações mediadas. Esse movimento é possibilitado pelo cenário de
investigação criado em sala de aula, no qual os alunos, em grupos e no coletivo da sala, socializam e
compartilham ideias matemáticas. Há indícios de que os alunos produziram significações para o conceito de
medida, para o uso de unidades padronizadas de comprimento e massa, para o número como quantidade e
como medida e para os instrumentos que possibilitam essas medições. Também ficaram evidentes as
aprendizagens da professora-pesquisadora com o processo, tanto no campo da prática docente quanto no
campo da pesquisa em sala de aula.
Palavras-chave: Problematizações matemáticas. Anos iniciais. Grandezas e medidas. Prática pedagógica.
BROLEZZI, José Luis. Medidas do tempo em tempos contemporâneos: o Uso de saberes e práticas
relacionados aos astros em contextos agrícolas. 2012. 136 p. Dissertação (Mestrado em Educação),
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.
Orientadora: Alexandrina Monteiro.
84
Esta dissertação de Mestrado tem como objetivo problematizar a construção de saberes relacionados à
astronomia que circulam nas práticas pedagógicas da educação formal e a legitimação dessas práticas a partir
da discussão sobre a constituição e a mobilização desses saberes por meio das práticas agrícolas e a sua
ligação com os eventos celestes, usando como referência uma comunidade tradicional localizada no interior
do Estado de São Paulo. Esperase que essas discussões contribuam para se pensar na escola e no currículo
escolar de outra forma, a partir de um outro lugar. Para tanto, foi realizada uma pesquisa com apontamentos
etnográficos usando como procedimentos entrevistas, diários de campo e revisões bibliográficas, para, com o
material coletado, analisar como as tais práticas e os saberes desse grupo são produzidos, transmitidos e
legitimados. Tomamos como eixo central a discussão sobre o tempo relacionado à organização dessas
práticas. As questões orientadoras foram: “De que forma um grupo de agricultores organiza seu tempo e suas
práticas agrícolas?” e “Quais saberes atravessam essas práticas e por que o grupo os utiliza?”. Para embasar
nossa discussão e análise, valemo-nos dos autores Foucault, Bauman, Wenger e Gallo. Este trabalho nos
permitiu compreender que é necessário mudar o ponto a partir do qual olhamos e questionamos as práticas
escolares, sendo possível pensar sobre os saberes que perpassam o campo da Astronomia construindo
diferentes significados e sentidos surgidos na problematização de outras práticas, em particular daquelas que
envolvem a medida de tempo como elemento para a organização de atividades agrícolas. Isso nos permitiu
também (re)pensar como vem sendo praticado o ensino de Astronomia na escola (de forma disciplinar) e
problematizar a possibilidade de circulação das práticas não-escolarizadas na organização dos currículos
escolares.
Palavras-Chave: Astronomia. Currículo. Ensino de Ciências. Medida de Tempo. Práticas Agrícolas.
CAMPOS, Alessandro Marcelino. A recuperação paralela em matemática: entre o prescrito e o realizado.
2012. 145p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação.
Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Adair Mendes Nacarato.
Esta dissertação tem como foco a recuperação paralela e o fracasso escolar. Foi realizada na rede municipal
de Itatiba e na rede estadual paulista e teve como questão norteadora: “Quais são as percepções de alunos e
professores sobre a recuperação paralela e as implicações para a sustentação do fracasso escolar em
matemática?”. Seus objetivos são: 1) apresentar como os documentos legais, produzidos pelos diferentes
sistemas de ensino, prescrevem os projetos de recuperação paralela aos alunos com lacunas conceituais; 2)
identificar como o fracasso escolar em matemática vem sendo produzido em sala de aula a partir da ótica dos
alunos; 3) apontar como os professores que atuam nas aulas de recuperação paralela percebem esse projeto
oficial. Os dados foram produzidos com base em entrevistas com alunos e com três professoras em processo
de recuperação paralela; em observações de aulas de duas professoras; e em análise documental. A análise
centrou-se em três categorias e evidenciou que, embora os sistemas de ensino garantam, legalmente, as
classes de recuperação para os alunos com defasagens conceituais em matemática, há um grande
distanciamento entre o prescrito e o realizado. Os resultados corroboram nossa hipótese inicial: o fracasso
escolar é produzido na escola e por ela, e a forma como os processos de recuperação paralela vêm sendo
implantados nas escolas pouco tem contribuído para a aprendizagem matemática dos alunos.
Palavras-chave: fracasso escolar; sucesso escolar; relação com o saber; recuperação paralela em matemática;
condições de trabalho docente.
DALLAN, Maria Salomé Soares. Análise discursiva dos estudos surdos em educação: a questão da escrita
de sinais. 2012. 136p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Márcia Aparecida Amador Mascia.
A prática de trabalho com alunos surdos falantes de Libras – Língua de Sinais Brasileira - propiciou que
assistíssemos a várias mudanças nas concepções educacionais que pensam a educação desse sujeito.
Atualmente, tanto os professores surdos quanto os ouvintes chegaram a um aparente consenso de que estes
alunos têm direito a uma educação bilíngue (Libras e Língua Portuguesa na modalidade escrita) para que ele
se desenvolva e adquira conhecimento. Observando os atuais movimentos reivindicatórios por uma educação
de qualidade para estas pessoas, elegemos como corpus desta pesquisa uma análise da coletânea acadêmica
de quatro volumes, intitulada “Estudos Surdos”, editada pela Editora Arara Azul, confrontando-a com a atual
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva. O objetivo específico é localizar, nestes
documentos, dados que possibilitem dar visibilidade às inovações propostas para o ensino dos alunos com
surdez inseridos nas escolas regulares. Buscamos especificamente propostas de acesso ao conhecimento,
como por exemplo, uma escrita acessível, própria para a Libras, buscando identificar quais os regimes de
85
verdade que esses textos veiculam em relação à necessidade de mudanças nos paradigmas educacionais, uma
vez que o percurso educacional do sujeito surdo falante de Libras na escola ainda aponta lacunas que muitas
vezes o transformam em deficiente quando este é solicitado a ler e escrever em uma língua oral auditiva.
Partimos do pressuposto de que as línguas de sinais têm um sistema próprio de escrita, que já está sendo
ensinado em cursos de graduação e pós-graduação em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, desde
outubro de 2006 através do Curso de Letras Libras da Universidade Federal de Santa Catarina. Esta pesquisa
pôde coletar dados que revelam que as opiniões expressas nesses documentos com relação ao direito a uma
Escrita em Sinais ainda são incipientes para a implantação efetiva desta escrita, pois o sujeito revelado dos
Estudos Surdos apresenta traços que denunciam uma transmutação dos mecanismos de biopoder, controle do
corpo, impostos aos sujeitos falantes de línguas de sinais desde o tão debatido Congresso de Milão de 1880:
incentiva-se mais que o sujeito aprenda a inscrever-se melhor nas práticas de leitura e escrita em português,
normalizando-o e mantendo as relações de poder-saber inalteradas, do que realmente permitir que ele se
inscreva nas práticas de leitura e escrita através da língua de sinais, à cultura surda. As considerações
realizadas nesse estudo pretendem trazer uma reflexão aos educadores e gestores educacionais, no sentido de
repensarmos a educação dos alunos surdos em relação às diferenças a que cada sujeito tem direito, ou seja,
aceitar por inteiro a língua de sinais e os sujeitos que falam e são falados por ela: naturalizar sua escrita, seja
em português ou em sinais.
Palavras chave: Libras. Escrita em Sinais. Signwriting. Educação Bilíngue. Surdez.
FAVRE, Fernanda de. A compreensão dos elementos da petição inicial para a produção de textos no curso
de direito. 2012. 190p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Luzia Bueno.
A presente pesquisa tem como objetivo a compreensão do gênero petição inicial, dentro do Direito. Para isso,
procuramos responder às seguintes perguntas: a) Quais são os elementos constituintes de uma petição inicial
da vara de família e sucessões nos manuais, conforme o modelo de análise do Interacionismo
Sociodiscursivo (ISD); b) Quais são os elementos desse tipo de petição em textos concretos? e c) Há
diferenças ou semelhanças entre a petição concreta e a do modelo? Como abordagem teórica, optamos por
utilizar a perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo de Bronckart (2009a, 2009b), mais o estudo de
gêneros textuais na escola e sua funcionalidade, de acordo com Dolz e Schneuwly (2010). A fim de atingir o
nosso objetivo, analisamos 5 petições modelo e mais 10 petições concretas, todas de direito civil, em
especial, na área de Direito de família. Nossa análise nos permitiu perceber que, principalmente nesse ramo
do Direito, os textos prontos, que possuem apenas espaços a serem preenchidos, não permitem que aquele
que está elaborando-o apareça, isto é, passe a expor seu ponto de vista, defenda seu Direito e, mais, avalie
para o leitor seu conteúdo escrito, dê suas opiniões ao julgador da petição. E ainda, mostre por meio de
citações doutrinárias ou jurisprudenciais posições semelhantes à que está defendendo para seu cliente. Os
modelos nem “abrem” espaço para que os que se utilizam dele possam expor o que precisam, de verdade,
para obtenção de êxito na causa.
Palavras-chave: petição inicial. gêneros textuais. interacionismo sociodiscursivo. letramento jurídico.
FEITOZA, Cláudia de Jesus Abreu. Trabalho docente em EAD: representações construídas em uma
entrevista de instrução ao sósia. 2012. 186p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Luzia Bueno.
O presente trabalho tem como objetivo principal contribuir para o conjunto de pesquisas que tratam sobre o
trabalho do professor visando à compreensão do trabalho docente em Educação a Distância (doravante EaD).
Para isso, procedemos com a análise e interpretação das representações construídas acerca da atividade
docente que emergiram de um texto proveniente de uma entrevista de instrução ao sósia. Para detectar essas
representações, adotamos um quadro teórico-metodológico que considera o trabalho como uma atividade
humana complexa e, como tal, postula que a mesma deve ser estudada à luz de várias ciências. A nossa
pesquisa está ancorada em dois aportes teóricos: o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) e as ciências do
trabalho (Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade). A partir dos estudos de Vygotsky, esse quadro
teórico-metodológico considera as duas principais atividades humanas – trabalho e linguagem – como forma
de desenvolvimento humano. Nesse quadro, o trabalho é tido como forma de agir humano do qual podem ser
extraídos modelos de agir que se configuram na e pela linguagem materializada em textos orais ou escritos.
O texto objeto de interpretação originou-se a partir de uma entrevista de instrução ao sósia, procedimento
utilizado na área de Psicologia do Trabalho como forma de intervenção e transformação das situações
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concretas de trabalho que vem sendo usado recentemente, no Brasil, como forma de produção de dados
acerca do trabalho educacional. Nesse procedimento, o pesquisador coloca-se no papel do sósia e o
trabalhador entrevistado deve orientá-lo na execução de suas tarefas. No caso desta pesquisa, a professora
pesquisadora realizou a entrevista de instrução ao sósia com um professor experiente em EaD para acessar as
representações/interpretações/avaliações sobre o seu trabalho, bem como compreender como a atividade
desse profissional se constitui. O diferencial em relação a esse método de produção de dados foi o uso da
ferramenta MSN (conversa instantânea), procedimento adotado para o qual também esperamos contribuir,
apontando as suas possíveis vantagens e limitações. A análise do texto produzido revelou as diferentes fases
da atividade do professor em EaD; estas, por sua vez, evidenciaram diferentes conjuntos de tarefas que eram
atribuídas ao professor que, devido à linearidade e cronologia do curso da atividade, assumia diferentes
funções. Foi possível identificar, também, que os diferentes elementos constituintes da atividade do
professor, bem como a forma de organização de seu trabalho parecem ser regidos por normas, regras do
ofício e práticas próprias, que em muito se diferenciam da atividade docente na modalidade presencial,
podendo, portanto, constituir um novo gênero da atividade.
Palavras-chave: Interacionismo Sociodiscursivo; Trabalho Docente; Educação a Distância; Entrevista de
Instrução ao Sósia, MSN.
GOMIDE, Cristiane Guerra dos Santos. O processo metodológico de inserção de jogos computacionais em
sala de aula de matemática: possibilidades do movimento de ação e reflexão da professora-pesquisadora e
dos alunos. 2012. 186p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Regina Célia Grando.
A presente pesquisa buscou investigar como a inserção de jogos computacionais em aulas de matemática
pode possibilitar um movimento de ação e reflexão da professora-pesquisadora e dos alunos dos anos finais
do Ensino Fundamental, numa perspectiva de resolução de problemas. Teve como objetivos: 1) identificar os
processos de resolução de problemas de jogo em sala de aula, com os jogos The Jaguar’s Eye, Diner City e
Yellowout; 2) identificar as potencialidades da utilização dos jogos computacionais Yellowout, para a
mobilização de conceitos matemáticos, em sala de aula e 3) evidenciar o processo de reflexão e ação da
professora-pesquisadora durante o desenvolvimento do trabalho pedagógico. Apresentou-se uma reflexão
teórica sobre a importância dos jogos na educação buscando refletir sobre a cultura lúdica juvenil. Discute-se
sobre a importância da inserção da tecnologia na educação e sobre o uso dos jogos computacionais para a
aprendizagem da matemática a partir da metodologia de Resolução de Problemas. A pesquisa foi
desenvolvida numa abordagem qualitativa em dois momentos: o primeiro foi constituído pelo
desenvolvimento dos jogos The Jaguar’s Eye, Diner City em que tivemos dois trios de alunos que estavam
cursando o oitavo ano do Ensino Fundamental. O segundo momento foi constituído pelo desenvolvimento
dos jogos Yellowout com uma turma com 35 alunos do nono ano do Ensino Fundamental. Os dados
empíricos foram produzidos através de audiogravações, diário de campo da pesquisadora e resolução de
situações-problema escritas. Esta última, especificamente para o segundo momento de nossa pesquisa. As
análises possibilitam desenvolver trabalhos em sala de aula como utilizar os jogos computacionais The
Jaguar’s Eye, Diner City e Yellowout, na perspectiva da metodologia de resolução de problemas em uma
turma de oitavo/nono ano do Ensino Fundamental a fim de mobilizar os alunos para a aprendizagem; o
registro possibilitando a relação entre a Matemática a partir do jogo e a Matemática ensinada em sala de
aula; o papel do professor na mediação pedagógica, as interações entre os grupos de alunos; como também,
suas ações e reflexões durante a ação do jogo; possibilitando trazer para o jogo situações do cotidiano. Os
resultados apontam para a importância da pesquisa do professor sobre a sua prática, assim, ao refletir sobre
suas ações, produz novos saberes com as experiências vividas, além do processo de re-significação da
própria prática pedagógica possibilitando o desenvolvimento profissional da professora que utiliza jogos
computacionais nas aulas de matemática.
Palavras-Chave: Saberes Profissionais. Jogos Computacionais. Educação Matemática.
GRILLO, Rogério de Melo. O Xadrez Pedagógico na Perspectiva da Resolução de Problemas em
Matemática no Ensino Fundamental. 2012. 279p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Regina Célia
Grando.
A presente pesquisa busca investigar de que maneira um trabalho de mediação pedagógica com o xadrez
escolar, em uma perspectiva de resolução de problemas, possibilita a aprendizagem matemática por alunos
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do 9º ano do Ensino Fundamental. Para tanto, elencamos os seguintes objetivos: 1- evidenciar como alunos
de um 9º ano do Ensino Fundamental produzem e/ou ressignificam o conhecimento matemático, em sala de
aula, a partir da prática com o jogo de xadrez; 2- identificar as potencialidades metodológicas do xadrez
escolar, em um movimento de resolução de problemas. Destacamos que essa pesquisa, de abordagem
qualitativa, foi desenvolvida em uma escola de zona rural, do município de Passos/MG, com alunos de um 9º
ano do Ensino Fundamental. Os dados foram produzidos a partir dos seguintes instrumentos: audiogravação
das aulas; diário e notas de campo do professor-pesquisador; cadernos dos alunos; resoluções de situaçõesproblema (oral e escrita); e registros de jogo. No que concerne a análise dos dados, optamos por desenvolvêla a partir de dois eixos, sendo um que considera o xadrez na sala de aula enquanto comunicação oral e outro
que busca evidenciar a potencialidade do xadrez pedagógico por meio do registro escrito. As nossas análises
nos permitiram inferir que o xadrez pedagógico, em uma perspectiva metodológica da resolução de
problemas, possibilitou que os alunos produzissem conhecimento matemático, em um ambiente de jogo. A
comunicação oral e os registros escritos por meio de situações-problema, puzzles, jogos pré-enxadrísticos e
jogo propriamente dito, juntamente com a mediação pedagógica do professor-pesquisador, contribuíram para
identificar as potencialidades pedagógicas do xadrez no desenvolvimento de habilidades como a percepção
espacial, o raciocínio lógico e hipotético-dedutivo, a tomada de decisões, a abstração, a previsão e a
antecipação, dentre outras. Ademais, evidenciam a produção de conhecimento matemático a partir do xadrez,
por meio de um processo de análise das possibilidades de jogo, levantamento de hipóteses, construção de
estratégias, reflexão sobre erros e acertos e criação de problemas.
Palavras-chave: Xadrez; Mediação Pedagógica; Resolução de Problemas; Conhecimento Matemático.
LIMA, Maria Aparecida Ferreira de. O poder da biblioteca nos processo de (in)visibilidade do saber: um
estudo de caso da EJA. 2012. 119p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Alexandrina Monteiro.
O poder da biblioteca nos processos do saber investiga as práticas de organização e acervo em bibliotecas,
para tanto discute os efeitos e mecanismos de legitimação e valorização do campo de saber da EJA. Esse
estudo inicia-se a partir do projeto de pesquisa intitulado “Múltiplas Representações da educação de Jovens e
adultos: professores (as) da rede municipal de Itatiba-SP”, que tem como um dos objetivos a organização de
um centro de referencia de EJA no Município de Itatiba e Região. Desse modo, a nossa investigação discute
algumas das práticas presentes no fazer da bibliotecária, em especial no que se refere as práticas atravessadas
por atividades de classificação e organização do material do acervo. Tais práticas serão por nós analisadas
com o intuito de compreender quais saberes/poderes são nelas mobilizadas. Ou seja, nos interessa investigar
que mecanismos de legitimação e valorização (simbólica no sentido proposto por Bourdieu) circulam em
certas práticas de organização e classificação de trabalhos sobre e da EJA e quais os efeitos que produzem
sobre a consolidação ou não desse campo do saber. Diante disso, somos atravessadas por algumas questões
como: Quais sentidos, significados, valores são construídos pelos modelos de classificação, indexação e
organização de acervos em especial aqueles relacionados a EJA? Qual o lugar ou não-lugar da EJA quando
analisada na perspectiva da biblioteca - aqui entendida como o local de organização e classificação de
saberes legitimados? Como os fios das novas tecnologias se cruzam com as tramas da organização de
acervos de bibliotecas e de centros de referências? Para problematização e discussão de nossa pesquisa,
investigamos a visibilidade ou apagamento do conceito EJA, no Banco de Teses da Capes.
Palavras-chave: EJA. educação de jovens e adultos. Biblioteca. banco de teses da Capes.
MATTIASSI, Rosana Cristina. O plano de ensino no trabalho docente: artefato ou instrumento de
desenvolvimento do professor em um espaço não formal de educação. 2012. 196p. Dissertação (Mestrado em
Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.
Orientadora: Luzia Bueno.
Esta dissertação tem por objetivo investigar o trabalho docente, mais especificamente mostrar as
representações que os professores têm acerca do Plano de Ensino, documento construído anualmente,
normalmente no início do ano, dentro de um espaço não formal de educação. Desta forma, com nossa
pesquisa visamos mostrar como a construção, o entendimento, a leitura e utilização do Plano de Ensino é
apresentado em textos produzidos em situação de trabalho, por professores que atuam dentro de um espaço
não formal de educação. Para isso adotamos o quadro teórico-metodológico do Interacionismo
sociodiscursivo, como apresentado por Bronckart (1997, 2004a). Além disso, para complementação de
nossas análises, recorremos às Ciências do Trabalho, mais precisamente à Clínica da Atividade (Clot, 1999,
88
2001; Faita,2001) e a Ergonomia da Atividade (Amigues, 2004, Saujat, 2004,2005), buscando o
aprofundamento das questões ligadas ao trabalho. A coleta de dados foi realizada numa Fundação que faz
parte do terceiro setor e tem como foco principal de trabalho a educação. Ela conta, atualmente, com sete
unidades educacionais entre espaços consideramos formais e não formais de educação. Esta pesquisa deu-se
dentro de uma dessas unidades considerada como um espaço não formal de educação, que atende
adolescentes de baixa renda entre 10 e 16 anos. Neste espaço, são oferecidas oficinas pedagógicas por
professores que possuem diferentes níveis de escolarização e de forma contratual. Para coleta de dados,
utilizamos a Instrução ao Sósia, metodologia que coloca o sujeito de pesquisa como instrutor de uma tarefa a
ser realizada, no caso desta dissertação, pela pesquisadora. A tarefa solicitada foi a orientação para a
construção de um Plano de Ensino. A análise dos dados foi realizada tendo como base o quadro de
procedimentos de análise do Interacionismo sociodiscursivo (Bronckart & Machado, 2005; Machado e
Bronckart, 2004; Clot, 1999,2001; Faita, 2001; Amigues, 2004, Saujat,2004,2005) estabelecendo um diálogo
entre o Interacionismo sociodiscursivo e as Ciências do Trabalho. Os resultados das análises dos textos orais
construídos pelos professores participantes da pesquisa revelaram o distanciamento entre o que é prescrito
pelo próprio professor no Plano de Ensino realizado na Instrução ao Sósia e entre o que é realmente realizado
em situação de trabalho. Os dados ainda apontam o esforço empreendido pelos professores na construção
deste documento, tido ainda como uma tarefa burocrática para a qual não se sentem preparados porque não
há o domínio deste gênero textual. Além disso, os professores entrevistados não o reconhecem como
instrumento de desenvolvimento, pelo contrário, há marcas de angústias geradas pelo não domínio do
gênero. Em nossas análises, observamos, ainda, que os professores se esforçam para atender as solicitações
da instituição educacional e à sociedade como um todo, que transfere a maior parte da responsabilidade da
boa formação do aluno ao trabalho do professor, desconsiderando toda a complexidade que envolve este
trabalho. Ressaltamos que a construção de documentos que fazem parte das atividades desenvolvidas pelos
professores merece ser mais pesquisada uma vez que é parte constituinte das atividades docente.
Palavras-chave: Trabalho Docente, Plano de Ensino, Instrução ao Sósia.
MENDES, Maria Helena Peçanha. A aprendizagem do professor sobre o trabalho docente com gêneros
textuais: o artigo de opinião no 9º ano do ensino fundamental. 2012. 138p. Dissertação (Mestrado em
Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.
Orientadora: Luzia Bueno.
A presente pesquisa tem como objetivo específico buscar compreender o trabalho com gêneros textuais tanto
a partir dos produtos, os textos dos alunos, quanto do processo, com as reflexões por escrito de uma
professora. Para isso, procura-se verificar em que medida a aplicação de uma sequência didática provoca
mudanças nos textos de opinião iniciais e finais de alunos do Ensino Fundamental II e, por outro lado, quais
os aspectos do trabalho com uma sequência didática de artigo de opinião são revelados no diário de campo
do professor. Acreditamos que ao trabalhar, explorar e refletir sobre o gênero textual artigo de opinião, o
professor aproxima os alunos de situações originais de produção dos textos não escolares. Essa aproximação
oferece condições e instrumentos para que o aluno compreenda o funcionamento do gênero textual,
apropriando-se de suas peculiaridades e especificidades, o que facilitará o domínio que deverá ter sobre ele.
Além disso, o trabalho com o artigo de opinião contribui para o aprendizado de prática de leitura, de
produção textual, argumentação e de compreensão, habilidades essas que poderão ser empregadas no uso e
apropriação de outros gêneros de diversas esferas de circulação dos textos produzidos na sociedade. A opção
por esta perspectiva proporciona aos alunos a oportunidade de lidarem com a língua em seus mais diversos
usos, ou seja, não são somente aquelas composições escritas tradicionais com a qual se trabalha na
instituição escolar – descrição, narração e dissertação – mas, sim, com o texto que é produzido diariamente
em todos os momentos em que nos comunicamos, tanto na forma escrita como na forma oral, nas mais
diversas esferas sociais. Para tanto, optamos por utilizar a perspectiva do Interacionismo sociodiscursivo de
Bronckart (1999), o estudo de gêneros textuais na escola e sua funcionalidade, de acordo com Dolz &
Schneuwly (2004), os trabalhos do Grupo ALTER sobre o trabalho docente. A metodologia utilizada foi a
elaboração de uma sequência didática, a posterior aplicação da mesma, em seguida, coletamos o material e o
analisamos conforme a perspectiva adotada. Nossa análise nos permitiu elencar quais capacidades de
linguagem foram desenvolvidas, como a linguístico-discursiva, e outras que não apresentaram mudança entre
os alunos, como a capacidade de ação, analisar elementos não comum ao gênero encontrados e tecer
considerações sobre a grade adotada. Além disso, descrevemos em detalhes os modelos de agir, a relação
entre o professor e os alunos, a aplicação da SD e as inquietações e anseios que permearam o trabalho
professor durante a realização da pesquisa. Ao final, elaboramos sugestões ao professor para seu trabalho em
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sala de aula com gêneros textuais, contribuindo, assim, com algumas possibilidades de trabalho com gêneros
textuais em sala de aula.
Palavras-chave: Interacionismo Sociodiscursivo, Sequência Didática, Artigo de Opinião, Diário de Campo.
PEREIRA, Cristiane Cardoso Maia. A formação matemática de professores polivalentes em início de
carreira nos anos iniciais do ensino fundamental. 2012. 116 p. Dissertação (Mestrado em Educação),
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.
Orientadora: Adair Mendes Nacarato.
A presente pesquisa teve o objetivo de investigar o início da carreira, bem como a formação profissional do
professor que ensinará matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, aspectos sobre os quais se
centram as discussões teóricas. Partimos do pressuposto de que a reduzida carga horária destinada à
Metodologia do Ensino de Matemática no curso de Pedagogia não possibilita ao futuro professor construir
um repertório de saberes profissionais para o ensino dessa disciplina e de que muitos, nos primeiros anos de
docência, tendem a reproduzir práticas vivenciadas quando estudantes. A pesquisa, de abordagem
qualitativa, foi realizada com alunas concluintes e egressas de um curso de Pedagogia de uma instituição
privada do estado de São Paulo e reuniu dados por meio dos seguintes instrumentos: 1) respostas a um
questionário aplicado às referidas alunas; 2) entrevistas semiestruturadas, realizadas com seis egressas do
mesmo curso; 3) observações de aulas de duas professoras no primeiro ano de docência; 4) diário de campo
da pesquisadora; 5) transcrição das entrevistas. Os resultados apontam que essas graduandas, egressas do
Ensino Médio em escolas públicas, trazem experiências negativas em relação à Matemática e avaliam que a
formação oferecida no curso de Pedagogia não lhes deu segurança para ensinar essa disciplina. Duas
professoras em início de carreira viveram dilemas quanto ao contexto de trabalho, e a Matemática ficou
relegada a um plano secundário, pela necessidade de sobrevivência na profissão. Muitos desafios são postos
a esses profissionais: falta de estabilidade profissional; mudanças constantes de escolas e de turmas; falta de
apoio das equipes gestoras e dos pares nas escolas nas quais atuam. Uma das professoras investigadas
revelou indícios de uma postura mais crítica em relação à profissão docente e criou formas de sobreviver,
mesmo em condições adversas de trabalho.
Palavras-chave: Formação docente em matemática. Curso de Pedagogia. Início de carreira.
RODRIGUES, Daniel Santini. A filosofia no currículo do ensino médio: aspectos discursivos nos
documentos oficiais. 2012. 118p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Jackeline Rodrigues Mendes.
O processo de discussão e de incorporação da Filosofia no currículo escolar trata-se da reimplantação de uma
disciplina que por muito tempo ficou ausente na maioria das instituições de ensino. Tendo deixado de ser
obrigatória em 1961 (Lei n. 4.024/61) e sendo, em 1971 (Lei n. 5.692/71), excluída do currículo escolar
oficial, criou-se um hiato em termos de seu amadurecimento como disciplina. E embora na década de 1990,
através da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96) se tenha determinado que ao final do
ensino médio o estudante deva “dominar os conteúdos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da
cidadania” (LDB n. 9394/96, art. n. 36), nem por isso a Filosofia passou a ter um tratamento de disciplina,
como os demais conteúdos, mantendo-se no conjunto dos temas ditos transversais. Somente com a lei nº.
11.648, de 2008, que a Filosofia reaparece como disciplina obrigatória no Currículo do Ensino Médio. Sendo
assim, o presente trabalho objetiva discutir as relações de poder-saber que permearam a questão da Filosofia
no currículo do Ensino Médio. Para isso, este trabalho pretende, a partir de uma análise discursiva,
problematizar o movimento relativo à discussão em torno do ensino de Filosofia no Ensino Médio tendo
como corpus de análise os seguintes documentos oficiais: Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei
9394/96) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, no capítulo referente ao Ensino de Filosofia.
Diante desse quadro, o presente trabalho tem como questões norteadoras de pesquisa: Quais as relações de
poder-saber que permearam a questão do ensino de Filosofia no currículo do Ensino Médio? De que forma
estas relações apontam para um tipo de sujeito do currículo? Para a discussão e problematização desta
pesquisa, este trabalho fundamentar-se-á nos estudos no campo do Currículo, numa perspectiva pós-crítica, e
na analítica discursiva de Foucault (1995, 2003, 2008), principalmente com seus conceitos de discurso,
relações de poder-saber e sujeito.
Palavras-chave: Ensino de filosofia. Currículo. Análise discursiva.
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SERAPHIM, Robinéia da Costa. O sujeito entre o desejo e o excesso: a escrita de si por adolescentes em
aulas de arte. 2012. 181p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Márcia Aparecida Amador Máscia.
Considerando-se o crescente número de problemas enfrentados pelo sistema educacional contemporâneo em
virtude das radicais transformações sócio-culturais, decidimo-nos voltar para a questão da ausência de
limites dos adolescentes. Este trabalho tem como objetivos levantar os efeitos de sentido presentes em relatos
de adolescentes que apontam para a constituição de subjetividades, bem como apontar as suas marcas
discursivas e rastrear qual tipo de sujeito prevalece: o sujeito do desejo ou o sujeito do excesso. O corpus
analisado constituiu-se de relatos de processo de criação em artes visuais presentes em diários de
adolescentes, bem como o produto final desses relatos de processo, ou seja, o objeto de arte. Nossa pesquisa
sustenta-se pelos pressupostos teóricos que embasam os estudos das transformações sócio-culturais, de
pensadores como Hall, Bauman e Lipovetsky. Enquanto isso, Foucault nos mostra o que resta ao sujeito
atravessado por essas transformações em sua terceira fase, a escrita de si. Também valemo-nos de alguns
insights psicanalíticos embasados nos pensamentos de Birman e Forbes para buscar compreender as
conseqüências das transformações sócio-culturais para as mudanças nos mecanismos psíquicos que levaram
os sujeitos a ter uma nova relação com a falta. Para a análise dos dados, velemo-nos dos pressupostos da
Análise do Discurso Francesa de Michel Pêcheux que entende o discurso como uma malha composta pela
história, pela ideologia e pelo inconsciente. Os resultados de nossa pesquisa demonstram que o sujeito da
educação contemporânea é um sujeito ambivalente, que ora é excesso e ora é desejo/excesso. Verificamos,
portanto, que na educação, jamais teremos um sujeito que se mostre plenamente desejante como na época
moderna e como ainda concebe a educação na contemporaneidade.
Palavras-chave: sujeito; escrita de si; adolescência; análise do discurso; arte.
SILVA, Márcia Lázara Pinheiro. Gracejos e artimanhas como Jogos Discursivos na Feira Livre:
Contribuições para se pensar os saberes e os processos de aprendizagem na prática social de venda e
compra. 2012. 96p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Jackeline Rodrigues Mendes.
A feira livre pode ser entendida na contemporaneidade como um espaço social-educativo não formal,
permeado por saberes, possíveis de denotar significação as práticas educacionais formais. Desse modo, o
presente trabalho, discute como se engendram esses saberes no contexto da feira livre e adota como eixo
norteador as relações de poder-saber (Michel Foucault) por meio do discurso proferido pelo sujeito feirante,
como figura de integração, interação e convencimento na contemporaneidade. Outro fator significativo é
entender como se alicerça essa comunhão de sujeitos, os feirantes, diante das relações capitalistas e da
Globalização que regem as relações sociais, políticas e econômicas na atualidade, e a forma como os sujeitos
feirantes conduzem essa dinâmica para manter a feira livre ávida frente às diversas possibilidades que
acometem todos os sujeitos pós-modernos. E, a partir desse tocante, presenciar a cena e o acontecimento por
meio do estudo etnográfico e pensar a feira livre como uma comunidade alicerçada sob os usos e costumes
(Thompson, 1998) e sobre a prática (Wenger, 1998). Logo, a pesquisa se fundamenta nas teorias pós-criticas
e, na análise do discurso a partir de Michel Foucault e de seus sistemas conceituais sobre o discurso, o
sujeito, a linguagem e o poder-saber.
Palavras-Chave: Jogos Discursivos, Comunidade, Sujeito, Poder-Saber.
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Normas para publicação
I. Tipos de colaborações aceitas pela revista Horizontes
Trabalhos originais relacionados à Educação em suas vertentes históricas, culturais e práticas
educativas que se enquadrem nas seguintes categorias:
1. Relatos de pesquisa, entre 20-25 laudas padrão, especificadas no item IV;
2. Estudos teóricos, entre 15-20 laudas padrão;
3. Entrevistas e/ou depoimentos de pesquisadores e estudiosos de reconhecida relevância no meio
acadêmico nacional e internacional, entre 10-15 laudas padrão;
4. Revisão crítica da literatura: análise de um corpo abrangente de investigação, relativa a assuntos
de interesse para o desenvolvimento da Educação nas vertentes assinaladas anteriormente,
limitada a 15-20 laudas padrão;
5. Resenha: revisão crítica de obra recém-publicada, orientando o leitor quanto a suas
características e usos potenciais, até 5 laudas padrão.
1. Seleção de artigos: originais que se enquadrem nas categorias 1 a 5 acima descritas serão avaliados
quanto à originalidade, relevância do tema, qualidade da produção, além da adequação às normas editoriais
adotadas pela revista. Serão aceitos para análise pressupondo-se que todas as pessoas listadas como autores
aprovaram o seu encaminhamento com vistas à publicação.
2. Critérios relevantes para publicação
a) Ineditismo do material: o conteúdo do material enviado para publicação não deverá ter sido
publicado anteriormente. Os conteúdos e declarações contidos nos trabalhos são de total
responsabilidade dos autores.
b) Revisão por pareceristas: os trabalhos enviados serão apreciados pelo Conselho Editorial, que
poderá fazer uso de consultores ad hoc, a seu critério. Os pareceres dos consultores comportam três
possibilidades: a) aceitação integral; b) aceitação com reformulação; c) recusa integral. Os autores
serão notificados da aceitação ou recusa de seus artigos, sempre que possível. Os originais, mesmo
quando recusados, não serão devolvidos. Revisão de linguagem poderá ser feita pelo Conselho
Editorial da revista. Quando este julgar necessárias modificações substanciais que possam alterar a
idéia do autor, este será notificado e encarregado de fazê-las, devolvendo o trabalho reformulado no
prazo máximo de um mês.
3. Direitos autorais: os direitos autorais dos artigos publicados pertencem à revista Horizontes. A
reprodução total dos artigos desta revista em outras publicações, ou para qualquer outra utilidade, está
condicionada à autorização escrita do(s) editor(es). Pessoas interessadas em reproduzir parcialmente os
artigos desta revista (partes do texto que excederem 500 palavras, tabelas, figuras e outras ilustrações)
deverão ter a permissão escrita do(s) autor(es).
Manuscritos submetidos que contiverem partes de texto extraídas de outras publicações deverão
obedecer aos limites especificados para garantir originalidade do trabalho submetido. Recomenda-se evitar a
reprodução de figuras, tabelas e desenhos extraídos de outras publicações e, se não for possível, o manuscrito
só será encaminhado para análise se vier acompanhado de permissão escrita do detentor do direito autoral do
trabalho original para a reprodução. Em nenhuma circunstância os autores citados nos trabalhos publicados
nesta revista repassarão direitos assim obtidos.
4. Língua: Os trabalhos serão aceitos em língua portuguesa, espanhola, francesa e inglesa.
5. Exemplares: Será oferecido 1 (um) exemplar da revista para cada autor ou co-autor da revista.
6. Notas sobre o(s) autor(es): incluir uma breve descrição (30-40 palavras) sobre as atividades atuais do(s)
autor(es) e sobre a sua formação.
II. Como enviar artigo aos editores
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O trabalho para publicação deverá ser enviado aos editores da Horizontes nos seguintes endereços
eletrônicos:
História, Historiografia e Idéias Educacionais
Profa. Dra. Paula Leonardi: [email protected]
Linguagem, Discurso e Práticas Educativas
Profa. Dra. Jackeline Rodrigues Mendes: [email protected]
Matemática, Cultura e Práticas Pedagógicas
Profa. Dra. Profª. Dra. Alexandrina Monteiro: [email protected]
III. Forma de apresentação dos manuscritos
Os manuscritos serão aceitos em língua portuguesa, espanhola, francesa e inglesa.
Normas de publicação: a revista adota normas de publicação da ABNT.
Formatação: os artigos devem ser digitados em espaço duplo em fonte tipo Times New Roman ou Arial,
tamanho 12.
3.1 Título completo na língua em que o manuscrito foi preparado.
3.2.Título completo em inglês, compatível com o título na língua em que o manuscrito foi preparado.
3.3. Nome de cada um dos autores.
3.4. Afiliação institucional de cada um dos autores (incluir apenas o nome da universidade e a cidade).
3.5. Nota de rodapé com agradecimentos dos autores e informação sobre apoio institucional ao projeto, se
necessário.
3.6. Nota de rodapé com endereço eletrônico.
3.7. Resumo na língua em que o manuscrito foi preparado e que deve ter no máximo 150 palavras.
3.8. Após o resumo, fornecer de 3 a 5 palavras-chave na língua do manuscrito, em letras iniciais minúsculas
e separadas com ponto-e-vírgula.
3.9. Resumo em inglês (abstract).
3.10. Keywords compatíveis com as palavras-chave.
Observação: A Horizontes tem, como procedimento padrão, fazer revisão final do abstract, reservando-se o
direito de corrigi-lo, se necessário. No entanto, recomenda-se que os autores solicitem a um colega bilíngüe
que revise o abstract, antes de submeter o manuscrito. Este é um item muito importante do trabalho, pois em
caso de publicação será disponibilizado em todos os indexadores da revista.
IV. Estrutura do texto
4.1. Notas. Devem ser evitadas sempre que possível. No entanto, se não houver outra possibilidade, devem
ser indicadas por algarismos arábicos no texto e listadas, após as referências, em página separada e intitulada
de Notas.
4.2 Citações dos autores. As citações de autores deverão ser feitas de acordo com as normas da ABNT
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Summary of the Instructions
Subscription of papers
Original papers related to Education in the following perspectives: historical, cultural and educative
practices.
Papers can be written in Portuguese, English, French or Spanish.
1. Format:
· Title;
· Name of the author(s) and affiliation;
· Abstract in the first language – around 150 words;
· Key-word;
· Abstract in another language – around 150 words;
· key-words in another language;
· The text should include: Introduction, Development, Conclusion, Endnotes, and References (according
to ABNT);
· Include at the end the author’s bio-data.
2. The length of the paper should be around 20 pages.
3. Double-spaced typewritten copy (12-point font, Times new Roman, Courier New or Arial).
Papers should be sent to:
Profa. Dra. Paula Leonardi: [email protected]
Profa. Dra. Jackeline Rodrigues Mendes: [email protected]
Profa. Dra. Alexandrina Monteiro: [email protected]
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