Arquivo Tavares Proença – Um Cacique político da

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Arquivo Tavares Proença – Um Cacique político da
Arquivo Tavares Proença
– Um Cacique político da
Monarquia Constitucional
Nota prévia
O período da monarquia constitucional caracterizou-se por uma intensa atividade
política, onde as personalidades desempenhavam um papel ativo na tomada de decisões, sobrepondo-se à ação dos partidos, ainda incipientes e muito dependentes
dos notáveis locais para alcançarem os seus objetivos políticos, nomeadamente os
eleitorais. Estes indivíduos, normalmente grandes proprietários ou influentes na máquina administrativa do Estado, tinham um papel crucial e decisivo na organização
das várias fações políticas.
Maria de Fátima Bonifácio colocou, recentemente, em causa a existência em
Portugal de verdadeiros caciques, já que o partido que estava no governo ganhava
sempre as eleições, defendendo que há poucos caciques proprietários conhecidos,
esbarrando-se sempre nos mesmos nomes quando se procuram exemplos, os grandes caciques do distrito de Castelo Branco, Manuel Vaz Preto e Tavares Proença1.
Quando Rui Ramos pretende exemplificar a vida partidária na província vai
mais uma vez socorre-se do exemplo beirão2. Na realidade, a segunda metade
BONIFÁCIO, Maria de Fátima – O Maior Patrono de Portugal – Problemas em Torno das Eleições
Oitocentistas, 1852-1884. In, Estudos de História Contemporânea de Portugal, Lisboa, ICS, 2007, p. 191.
2
RAMOS, Rui – A Segunda Fundação (1890-1926). In, MATTOSO, José (Dir.) – História de Portugal,
Vol. VI, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 116
1
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do século XIX ficou marcada, em Castelo Branco, por estas duas personalidades
incontornáveis.
Vaz Preto e Tavares Proença comandavam todo o processo político no distrito de Castelo Branco. A sua ação extravasava largamente os limites concelhios
e mesmo distritais. A normal luta partidária, essencialmente entre progressistas e
regeneradores, aqui era trocada pela disputa entre pretos e brancos, sendo os pretos
associados, naturalmente, a Vaz Preto e os brancos a Tavares Proença.
Com uma atividade política tão intensa, estes notáveis locais trocaram uma
assinalável quantidade de correspondência, meio mais expedito e prático na época. Na maior parte dos casos, essa correspondência desapareceu, foi destruída ou
está na posse dos descendentes que, por um motivo ou por outro, não permitem
consultar a documentação, nem a doam a arquivos públicos.
Se no caso de Manuel Vaz Preto Geraldes não se conhece espólio pessoal, a
não ser uma ou outra carta guardada em outros arquivos pessoais, como é o caso
do de José Luciano de Castro, ou mesmo o de Tavares Proença, como veremos, em
relação a este último a correspondência da sua atividade política foi preservada,
graças à publicação de uma parte significativa do seu espólio, numa revista editada
em Castelo Branco nos anos 60 e 70 do século passado, Revista Estudos de Castelo
Branco3. O espólio está datado entre o último quartel do século XIX e o período
republicano, e inclui a troca de correspondência com as mais variadas personalidades, indo desde ministros e deputados a personalidades locais.
O que este trabalho procura salientar é a importância dos espólios pessoais
para o estudo do século XIX português, nomeadamente as lutas políticas e os complexos processos eleitorais da Monarquia Constitucional. A exposição será orientada, em primeiro lugar, para o enquadramento de Tavares Proença na sua época,
indo buscar as suas origens familiares e o seu ingresso na política, para depois
analisarmos o espólio e a sua importância para o estudo dos processos eleitorais,
nomeadamente do caciquismo eleitoral.
I- Francisco Tavares de Almeida Proença; o Homem e a época.
Francisco Tavares de Almeida Proença nasceu em 30 de Março de 1853 e morreu
em Castelo Branco a 14 de Novembro de 1932. Herdou de seu pai exatamente o
mesmo nome, tendo sido o seu progenitor uma figura importante no distrito de
Castelo Branco no período conturbado de implantação do Liberalismo, pós guerra
3
DIAS, Jaime Lopes – Arquivo Tavares Proença. Revista Estudos de Castelo Branco, (Separata), Castelo
Branco, 1970.
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civil. Francisco Tavares de Almeida Proença, pai, nasceu no Tortosendo, concelho da
Covilhã, em 1798 e morreu em 1872. Casou com Maria da Piedade Fevereiro, herdeira de um grande negociante albicastrense de nome Joaquim José Mendes Fevereiro.
Com o casamento instalou-se em Castelo Branco onde cuidou do engrandecimento
da sua casa agrícola, não sem antes se aventurar na conturbada vida política da primeira metade de oitocentos. Foi eleito deputado nas primeiras legislaturas após a
guerra civil e senador entre 1838 e 1840. Lutou contra o Setembrismo, envolvendose, em 1837, na revolta dos marechais, sendo mesmo nomeado governador civil do
distrito de Castelo Branco em nome dos revoltososϰ. Em 1842 é nomeado par do
Reino, por carta régia de 03 de Maio, associando-se ao cabralismo. Foi ministro do
Reino entre Abril e Dezembro de 1847, sendo visto como um elemento cabralista no
governo de Lisboa em plena guerra civil da Patuleia.
Após a guerra civil afastou-se progressivamente da política, radicando-se em
Castelo Branco cuidando das suas propriedades e negócios familiares.
Francisco Tavares de Almeida Proença, filho, prosseguirá os passos do pai na
política. À data da morte do seu progenitor, em 1872, tinha a idade de 19 anos, ficou
encarregue da gestão do vasto património herdado. Foi convidado a participar no
Pacto da Granja em 1876, e com a ascensão de José Luciano de Castro à chefia do
Partido Progressista transformou-se no chefe incontestado dos progressistas no distrito de Castelo Branco. Homem de grande influência, fruto da sua avultada fortuna,
foi um benemérito do distrito de Castelo Branco, contando-se na sua ação a doação
de propriedades para a passagem do caminho-de-ferro da Beira, aquando da sua
construção. Íntimo da família real, participava em caçadas em Vila Viçosa, chegando
mesmo a receber o rei D. Carlos, para o mesmo fim, em Malpica do Tejo e Monforte
da Beira e a acomodar os príncipes reais, D. Luís Filipe e D. Manuel, na sua casa
numa passagem por Castelo Branco em 1906.
A sua grande influência política fez dele um homem muito importante em
todos os processos eleitorais. Nada se decidia no distrito de Castelo Branco, no que
dizia respeito ao Partido Progressista, sem a sua consulta. No entanto, recusou sempre ser eleito deputado e só aceitou o lugar de par do Reino após insistência de D.
Carlos, tendo sio nomeado por carta régia de 4 de Abril de 1905. Será sempre visto
como um homem da província.
Contudo, nesta sua ação política tinha um rival de peso, Manuel Vaz Preto
Geraldes. Lutavam em campos opostos na política, mas tinham algo em comum,
eram grandes proprietários e possuíam muito poder político.
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desde 1864 até à data da sua morte, em 1902. À semelhança do rival político, também
ele era filho de uma personalidade ilustre do distrito de Castelo Branco e contemporâneo de Francisco Tavares de Almeida Proença pai, com quem compartilhou algumas lutas políticas, João José Vaz Preto Geraldes, deputado, senador, par do Reino,
governador civil do distrito de Castelo Branco e presidente da câmara desta cidade5.
Manuel Vaz Preto Geraldes foi sem dúvida uma das grandes figuras políticas
da Beira Baixa e um dos mais notáveis parlamentares de oitocentos. A sua influência era enorme, chegando ao ponto de certos autores lhe atribuírem, pela sua ação,
grande parte dos melhoramentos materiais da região6. Dele dizia o jornal Novidades
em Setembro de 1889, “Aquele distrito de Castelo Branco entregue sempre a um
regime excepcional tem desconhecido sempre os cambiantes das situações políticas.
Estejam no poder regeneradores, ou progressistas, o Preto e só o Preto é quem ali
governa”7. Foi próximo dos regeneradores de quem se separou devido a divergências
com Fontes Pereira de Melo, sobre o traçado do caminho-de-ferro. Continuou a
ser influente com o seu próprio grupo denominado de pretos, fundando mais tarde
com Dias Ferreira o Partido Constituinte. A sua ação política era visível em vários
domínios, em especial nos momentos dos atos eleitorais, já que nos círculos eleitorais de Castelo Branco e Idanha-a-Nova, pelo menos até 1892, as eleições decidiramse de acordo com a sua vontade. Nunca até àquela data os progressistas ganharam
eleições nos referidos círculos.
Consigo acompanhavam várias personalidades locais, visconde de Castelo
Novo, Pedro Ordaz, Trigueiros Martel, Henrique Caldeira Pedroso, João António
Franco Frazão, Ruivo Godinho, João Pinto dos Santos, entre outros. Alguns deles
presidiram a Câmara Municipal de Castelo Branco, casos de Trigueiros Martel e
Ruivo Godinho. No final da vida aproximou-se dos progressistas e após a sua morte
alguns correligionários passaram mesmo para este partido, caso de Pinto dos Santos.
À volta de Francisco Tavares de Almeida Proença giravam figuras como o marquês da Graciosa, conde de Penha Garcia, Aurélio Pinto, Francisco de Albuquerque
Mesquita e Castro, visconde de Oleiros ou Pedro da Silva Martins, os dois últimos
foram presidentes da câmara de Castelo Branco. Em 1906, com a subida de João
Franco à presidência do Ministério, os franquistas tornaram-se aliados dos progressistas, algo que aconteceu mais cedo em alguns círculos eleitorais do distrito de
Castelo Branco, nomeadamente no Fundão, com a aliança entre Franco e Tavares
5
Ver POUSINHO, Nuno – João José Vaz Preto Geraldes. O Notável Rebelde. História, nº 50 (III série),
Novembro de 2002, pp. 58-63.
6
DIAS, José Lopes – A Politica do Partido Progressista no Distrito de Castelo Branco, segundo as cartas de
José Luciano de Castro a Tavares Proença. Revista Estudos de Castelo Branco, (Separata),1965, p. 24.
7
Citado por PEREIRA, António dos Santos – O Parlamento e a Imprensa Periódica Beirã em Tempos de
Crise (1851-1926). Edições Afrontamento, Coleção Parlamento, 2002, p. 49.
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Proença. Vieram ainda aumentar esse poderio eleitoral os viscondes de Tinalhas e
Castelo Novo, o lente José Tavares, de Vila de Rei, Pedro Correia, Magalhães Taborda,
do Fundão, Sena Belo, António Manzarra e Manuel da Silva Cordeiro, da Idanha-aNova, António Vaz de Macedo, Domingos Megre e o padre Passos, de Penamacor e,
em Castelo Branco o médico Dr. Alfredo da Mota e o reitor do liceu Dr. Fernandes
Tavares.
A composição das câmaras municipais e os governadores civis nomeados tinham, por regra, a mão destes dois homens, fazendo mesmo acordos de listas únicas,
as chamadas listas de concentração, tal como sucedeu em 1892.
O poderio de Vaz Preto foi-se diluindo, principalmente na última década do século XIX quando se dá uma aproximação entre Vaz Preto e Luciano de Castro. Após
a sua morte em 1902 os chamados pretos juntaram-se uns ao Partido Progressista
e outros ligaram-se aos regeneradores. Até ao final da Monarquia Constitucional,
Tavares Proença tornou-se o líder incontestado em termos políticos no distrito,
sendo consultado desde a nomeação do médico ou de um professor, passando
mesmo pela colocação de padres nas freguesias. Conhecido como Chico Rombo,
os seus adversários tratavam-no por o Soba da Rua de S. Sebastião8. Vários governadores civis foram nomeados graças à sua influência, são os casos de Visconde
de Oleiros (1897-1900), Gonçalo Garrett (1904-1905), Aurélio Pinto (1905), Pedro
Martins (1905-1906), Sena Belo, franquista (1906-08) e de novo Pedro Martins (30-4
a 25-6-1910)9.
Após a queda da Monarquia afastou-se, aparentemente, da política. No entanto, continuou a ter alguma atividade nos anos que se seguiram à implantação da
República. De facto, em Castelo Branco viviam ainda muitos indivíduos ligados à
Monarquia e com as incursões monárquicas de 1911 e 1912 várias personalidades
beirãs foram implicadas nos movimentos. Em 1911 a lista de conspiradores é extensa
e muitos foram presos. O jornal Notícias da Beira considerava mesmo que Castelo
Branco era o distrito mais reacionário do país10. Na realidade, a correspondência
privada mostra que D. Manuel II se dirigiu a Tavares Proença a solicitar donativos
para a restauração monárquica, tendo este respondido que não o podia fazer devido
aos avultados custos que então tinha a auxiliar emigrados e amigos com problemas,
devido às suas ligações à Monarquia11.
8
DIAS, Jaime Lopes – O Rei D. Carlos e a Beira Baixa (Subsídios para a História dos últimos anos da
monarquia), Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1962, p. 6. Tavares Proença tinha uma casa na rua de São
Sebastião.
9
DIAS, Jaime Lopes – O Rei D. Carlos..., cit.,, p. 34.
10
PEREIRA, António dos Santos – O Parlamento e a Imprensa..., cit., pp. 154-155.
11
DIAS, José Lopes – Arquivo Tavares Proença..., cit., pp. 18-21.
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A presença de Tavares Proença ainda se sentirá nas eleições para a câmara
municipal de Castelo Branco no período republicano. Os atos eleitorais de 1919 e
1922, foram marcados por uma ampla coligação de todas as forças opositoras ao
Partido Democrático, bem sentida na imprensa afeta a este partido, que só via inimigos à sua volta e apelidava de monárquicos todos aqueles que não seguissem os
seus ideais. O Partido Democrático perdeu estas duas eleições e atacou fortemente os
dissidentes do Partido Republicano Português, acusando-os de se deixarem liderar
pelos monárquicos. O editorial do jornal Notícias da Beira de 12 de Novembro de
1922 apelava, de uma forma dramática, ao voto na lista genuinamente republicana, a
democrática, acusando a lista contrária de ser composta por monárquicos independentes e por reconstituintes, referindo mesmo que a miscelândia era tanta que nem
padres faltavam, três na lista. Realçavam a crítica aos republicanos reconstituintes
que se aliavam ao inimigo, algo que verdadeiramente não compreendiam12.
De facto, a presidência da Câmara de 1923-25, esteve nas mãos de um
monárquico, Alexandre de Proença de Almeida Garrett, familiar de Tavares Proença,
e apresentava outros elementos mais conservadores.
Alexandre Garrett, exerceu as funções de deputado na Monarquia e foi exonerado em 1911 da direção de obras públicas do distrito de Castelo Branco por se
encontrar em parte incerta, presumivelmente por estar comprometido com as incursões monárquicas13.
Em Castelo Branco os democráticos atacaram os monárquicos como seus
grandes inimigos, esqueceram nesse ataque os dissidentes republicanos, o que faz
pressupor que a verdadeira luta era entre democráticos e monárquicos, atacando
mesmo o grande rosto da monarquia em Castelo Branco, Francisco Tavares de
Almeida Proença, “o ódio vesgo e mesquinho aos democráticos que são a sombra
negra do caluniador e dos rosas encostoados em cortiça que giram em volta desse satélite monárquico em que o planeta é o velho soba da rua de São Sebastião”, escrevia
o Notícias da Beira em Dezembro de 1925 após as eleições14.
Francisco Tavares de Almeida Proença acabou por morrer em Novembro de
1932, mantendo-se fiel às pretensões monárquicas.
Jornal Notícias da Beira, nº 868, 12 de Novembro de 1922.
LUZIO, Luísa França – Garrett, Alexandre Proença de Almeida. In, MÓNICA, Maria Filomena (Dir.) –
Dicionário Biográfico Parlamentar, Lisboa, I.C.S., Colecção Parlamento, Volume II, p. 304.
14
Jornal Notícias da Beira, nº 810, 6 de Dezembro de 1925.
12
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II. O Espólio
Como já atrás foi referido, o espólio de Francisco Tavares de Almeida Proença está
em parte publicado. A Revista de Estudos de Castelo Branco publicou entre 1961
e 1972, na sua primeira série, em vários números, uma parte significativa da correspondência política recebida por Tavares Proença de várias personalidades. A par
destas publicações periódicas foi publicada uma separata em 1970, da autoria de
Jaime Lopes Dias15, com uma enorme quantidade de cartas, que pretendia condensar
a documentação já publicada em números anteriores.
O espólio é de enorme riqueza, pois nalgumas cartas Tavares Proença anotava
as suas respostas o que enriquece profundamente o espólio.
Podemos dividir o seu espólio entre a correspondência trocada com personalidades da vida política local e a correspondência com personalidades nacionais.
Em relação aos primeiros, podemos facilmente perceber a geografia dos contactos de Tavares Proença, que percorria todo o distrito, desde os concelhos de Castelo
Branco, Idanha-a-Nova ou Penamacor, passando pelos concelhos da chamada zona
do pinhal, como é o caso de Vila de Rei, ou concelhos mais a norte do distrito como é
o caso do Fundão e Covilhã. Em todas elas se tratam de assuntos eleitorais dos vários
círculos, demonstrando claramente que a influência de Tavares Proença extravasava
largamente o concelho de Castelo Branco. Desta correspondência destacamos a trocada com João Pinto dos Santos, um homem ligado a Vaz Preto mas que aderirá aos
progressistas após a morte do seu chefe, com o marquês da Graciosa, com Aurélio Pinto
dos Santos ou mesmo Manuel Vaz Preto, onde é tratada a política local. No entanto,
estas cartas poderão ter pouca informação para quem não se interessa pela história local, embora seja preciosa para se perceber as razões de determinadas posições políticas.
Para os investigadores interessados na política nacional ganham natural importância a correspondência trocada com as grandes figuras nacionais. Em primeiro
lugar, as longas missivas enviadas por Luciano de Castro, onde podemos estudar a
política do Partido Progressista no distrito, e perceber qual o modelo de negociações
políticas seguido para a escolha dos deputados que integrariam as listas finais. Nestas
missivas nota-se a grande deferência e consideração com que Luciano de Castro
tratava Tavares Proença, prova da sua grande influência no Partido Progressista.
As cartas de João Franco são outra pérola deste espólio, aliás a família Franco é
próxima de Tavares Proença, havendo relações familiares muito chegadas, existindo
também correspondência de Frederico Franco, pai de João Franco. Estas, mostram
15
DIAS, Jaime Lopes – Arquivo Tavares Proença..., cit..
ARQUIVOS DE FAMÍLIA, SÉCULOS XIII-XX: QUE PRESENTE, QUE FUTURO
a proximidade política e pessoal com João Franco que se manteve até ao fim da vida
deste. Todas estas cartas são riquíssimas e já foram utilizadas em vários trabalhos16.
Podemos ainda citar as cartas de Hintze Ribeiro, do conde de Penha Garcia,
homem muito próximo do círculo de Proença e que chegou a ministro da Fazenda,
de Mariano de Carvalho ou mesmo de José de Alpoim.
As cartas dos Reis e do Paço mostram a importância desta personagem ao
longo da sua vida, que se mantem mesmo após a queda da Monarquia, como prova a
correspondência com D. Manuel II no exílio.
Resumindo, esta correspondência revela-se de extrema importância, pois todas
as práticas políticas do século XIX estão aqui espelhadas, permitindo visualizar várias
cenas do quotidiano político desde as crises ministeriais, dos passos que antecediam
a elaboração das listas de deputados, o aparecimento do franquismo e a sua evolução,
a forma como o regicídio foi sentido na Beira e o definhar da Monarquia. Após a
instauração da República temos notícias também das incursões monárquicas e das
movimentações políticas de alguns fiéis do rei deposto.
Notas finais
Pelo exposto, fica claro a importância deste espólio para o estudo da vida política e social do século XIX português, principalmente no final da Monarquia Constitucional.
Os espólios pessoais são uma fonte preciosa para os historiadores, eles revelam
informação que de outra forma seria impossível obter, já que a documentação oficial
e os jornais da época escondem os bastidores da política, algo que documentação
como esta nos permite revelar. Em Portugal tem sido difícil ter acesso a este tipo de
documentação, ao contrário do que acontece em muitos países, nomeadamente em
Espanha, onde muitas famílias depositam os espólios familiares em arquivos públicos. Por um motivo ou por outro os descendentes não dão acesso aos documentos
ou muitas vezes procedem à sua destruição, desconhecendo o que tinham em mãos.
Neste caso, mão previdente, conhecedora da importância do espólio, o publicou em boa hora. É imperioso que a preservação da memória ganhe consciência,
não só nas famílias que possuem esta documentação, como nos arquivos públicos
que devem desenvolver políticas de sensibilização, junto dos proprietários, para que
possibilitem o seu acesso aos investigadores.
Concluindo, estamos perante uma documentação riquíssima para estudar o
século XIX português e os primórdios do século XX.
16
GRAVE, Fernando José – José Luciano de Castro, Itinerário, Pensamento e Ação Política. Lisboa,
FCSH-UNL, policopiado, 1992; RAMOS, Rui – João Franco e o fracasso do Reformismo Liberal (1884-1908).
Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2001.

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