Ano Buda 2579 – Ano da Serpente - 2013

Transcrição

Ano Buda 2579 – Ano da Serpente - 2013
ano 12
.
nº 43
.
janeiro | fevereiro | março de 2013
.
Ano Buda 2579
Ano Buda 2579 – Ano da Serpente - 2013
Uma extraordinária
serpente levanta-se e
expande sua face para
proteger Buda.
Há muitas histórias.
De chuva, de vento, de sol e das
serpentes se tornando protetoras do
Iluminado.
Textos sagrados, escondidos nas
profundezas das águas, foram mantidos e
protegidos pelas serpentes.
Nagas.
Serpentes de Sabedoria Perfeita.
Surgiram monges como
Nagarjuna, líder de um grande
grupo de praticantes Nagas.
Quando ele se tornou monge,
todos os seus seguidores
também o acompanharam
nessa caminhada. Deixaram
pontos de vista errôneos e
adentraram o Caminho de Buda.
Ilustração: Engetsu Carol Lefèvre
Ano da Serpente. Ano de
Sabedoria, ano de preservar Buda,
de manter os ensinamentos e de os
transmitir.
Receber é transmitir. Transmitir é
despertar.
Despertar para a mente iluminada
é tornar-se uma pessoa simples e
comum. Entretanto, apenas pessoas
iluminadas reconhecem outras
pessoas iluminadas.
E as que ainda não se iluminaram,
as que ainda não despertaram, serão
despertas.
Sem olhar para trás, caminhamos.
Houve alegrias e tristezas, viagens e
paragens.
Houve vida e morte. Houve tanto.
Houve nada.
Há silêncio e há som.
Há serpentes e há sutras.
Budas sentados e Budas de pé.
Budas deitados e Budas caminhando.
Somos capazes de reconhecer Buda
em cada onda e partícula?
No início do ano, revolvo o Sutra da
Grande Sabedoria Perfeita. Nagarjuna
Daiosho guardou, preservou, estudou,
transmitiu a Grande Sabedoria Perfeita.
Vazio.
Vazio dos cinco agregados.
Libertação.
Ano Novo, vamos nos libertar de
nossas ignorâncias, raivas e ganâncias
sem limite?
Vamos nos refugiar em Buda, no
Darma e na Sanga?
Três Joias Preciosas. Três Tesouros.
Revolvendo o sutra ou o sutra me
revolvendo? Algumas vezes, há apenas o
sutra revolvendo o sutra; outras, apenas
o revolver; outras, apenas o sutra.
Temos de nos tornar o autra, o
ensinamento superior, a Grande Prajna
Paramita – Sabedoria Perfeita que nos
leva à outra margem.
Que outra?
Está aqui. Bem onde estamos. Acessála depende apenas de nossa prática
incessante. Sem tréguas e sem fadiga.
Zazen.
Protegidas pelas Nagas sagradas, pelos
ensinamentos de Buda, pelo Darma e
pela Sanga, vamos sorrir e brincar
por toda esta Terra Pura.
O local é aqui. O tempo é agora.
Aprecie o Ano da Serpente.
Apreciemos nossa própria vida.
Gasshô,
Monja Coen
1
EV ENTOS
pr átic a
Acontece no Zendo
O shuso e o Combate do Darma
Foto: Luciana Cardoso
2]
[1
Foto: Monja Heishin Gandra
1. N
o dia 1º de dezembro aconteceu no Zendo a ordenação monástica
de Kendo Kakuzen Aida Marise Cruz, do Zendo Brasília, DF.
2. No mesmo dia 1º de dezembro, o casamento de Marcus Teshainer e Ana Luiza Marino Kuller, realizado no Zendo.
Por Monge Ryozan
Foto: Monja Heishin Gandra
3]
3. De 1 a 8 de dezembro na comunidade tivemos o Rohatsu Sesshin, sesshin da iluminação de Buda
Ainda no dia 8/12 tivemos as ordenações:
4. Monástica de Soten Tannyô Tânia Maria Vasques.
5. E o Jukai-ê de Soshin Fernando Gomes de Oliveira da Sanga
do Catete, RJ.
Repentinamente, minha Mestra determinou que eu, dentre
todos os monges e monjas noviços, devo fazer um treinamento
intensivo de três meses, durante os quais preciso servir a todos,
ser o primeiro a acordar, ainda na escuridão da madrugada,
limpar banheiros e ter o pesado encargo de orientar os monges
noviços e praticantes. E, ao final de toda essa trabalheira, ainda
terei que ser submetido a um Combate do Darma, enfrentando
os mais fortes desafiantes... E convencê-los.
Procurando sobre o que eu poderia ter feito de errado,
descobri que mestre Koun Ejo Daiosho deve ter feito coisa
semelhante, pois relata no Zuimonki que recebeu o mesmo
tratamento, e cita as palavras do seu mestre, Dogen Zenji Sama:
“Neste monastério eu acabo de nomear Ejo como primeiro
shuso, ele vai falar em meu lugar aos monges.” [...] “É famosa
a história do mestre Zen que alcançou a compreensão com o
som de uma pedra que bateu num bambu enquanto varria, ou
a história do monge que se iluminou ao ver as flores de ameixa
na floração da primavera. Mas se iluminaram, não porque os
bambus estivessem cheios de ‘iluminação ou delusão’, nem
porque as flores fossem particularmente ‘inteligentes ou não
inteligentes’. Todo ano as flores desabrocham, mas nem todos
os que as veem compreendem algo. É inteiramente devido
ao longo e intenso treinamento que uma pessoa possa ou
não captar o âmago da questão, não porque o bambu tenha
emitido qualquer nota musical. O som do bambu não é a ele
devido, mas sim à pedra que lhe foi de encontro. Belas flores
não desabrocham com suas próprias forças, mas devido à
primavera. O mesmo ocorre com o árduo estudo do Caminho.
Todos possuímos o Caminho, mas para sua apreensão
precisamos da força coletiva de todos os demais companheiros
que praticam e se esforçam junto conosco. Por melhores que
sejamos, necessitamos deles para a iluminação. Devemos, pois,
estudar e praticar devotadamente o Caminho. Assim como uma
joia torna-se valiosa com o polimento, nos tornamos mestres
pelo treinamento. Há alguma joia translúcida quando esteja
ainda nas rochas das montanhas? Alguém já nasceu iluminado?
Treinamos como polimos uma joia – é a metáfora perfeita.
Logo, não nos devemos diminuir, nem relaxar o treinamento.”
“Assim, eu indiquei um novo shuso para compartilhar
minhas responsabilidades.” [...] “Você, novo shuso, não ache
que não tenha méritos, mas conte a seus colegas monges sobre
o koan dos ‘três quilos de linho’ de T’ung-shan (jp. Tozan).”
Sendo eu o novo shuso, atendo à solicitação do texto e
cito o koan:
Um monge perguntou a Tozan enquanto ele pesava um pouco
de linho: “O que é Buda?” Tozan disse: “Este linho pesa três quilos”.
E, assim, três lágrimas de mágoa transformam-se em três de
alegre gratidão. Expressando formalmente o meu sentimento
de inaptidão para tomar esse passo, coloco-me a seu serviço e
peço a colaboração da paciência de todos.
A rte zen
4]
6]
2
Foto:Marcus Teshainer
6. No
dia 15 de dezembro aconteceu o casamento
interreligioso de Daizen Rafael Casali Ribeiro e Flávia
Bandeca Biazetto oficiado pela Monja Coen Roshi e pelo
Padre Ennes
por Zenshô Fernando Figueiredo
Há alguns anos, venho anualmente a São Paulo fazer retiros
no Templo Taikozan Tenzuizenji, da Mestra Coen Roshi. Residindo no Rio de Janeiro, o tempo é curto e tento aproveitar ao
máximo minha estada por aqui. Felizmente, este ano consegui
realizar o sonho de estender minha passagem e ter uma experiência de residência no templo ao longo do mês de dezembro.
Quando cheguei, não tinha nada em mente a respeito de como
seria minha rotina e o que exatamente eu iria fazer. Estava
disposto a fazer o que fosse necessário, ajudar os praticantes
no Zazen para Principiantes, limpar o templo, passear com os
cachorros, acompanhar a Roshi nos exercícios matinais, enfim,
todas as atividades rotineiras da comunidade.
Depois de terminado o retiro, a Abadessa me chamou e
tivemos uma conversa: “Tive uma ideia! Pensei em você fazer
desenhos de imagens religiosas”. Bem, desenhar é uma coisa
que faço quase diariamente, porque trabalho como artista
plástico e ilustrador. Gostei! Rapidinho fui ao Centro da cidade,
comprei o material e: mãos à obra. Inevitavelmente, essa minha “residência artística” tem sido
um período de muitas reflexões e alegrias. Lembrei-me da frase
de Millôr Fernandes: “Viver é desenhar sem borracha”. Assim
é a alegria de praticar o Darma de Buda. Caindo e levantando
inúmeras vezes, mas sem perder o bom humor e o frescor de
poder tentar novamente.
Foto: Cilene de Souza Tassinari
Foto: Monja Heishin Gandra
5]
Foto: Monja Heishin Gandra
Viver é desenhar sem borracha
Zenshô desenhando Bodidarma.
3
Menju
Transmissão Direta, Face a Face
Shobogenzô, capítulo 58
Mestre Eihei Dogen
Certa vez, Xaquiamuni pregava a uma grande assembleia
reunida no Pico do Abutre, na Índia. Levantou a flor udumbara. Sem nada dizer, piscou. Então, Makakashô sorriu. Xaquiamuni disse: “Eu possuo o Olho Tesouro do Verdadeiro Darma e
a Serena Mente de Nirvana. Agora a transmito a Makakashô”.
Esse é o princípio de diretamente transmitir o Olho Tesouro
do Verdadeiro Darma de Buda a Buda, Ancestral a Ancestral.
Foi expresso por cada um dos sete Budas e concedido a
Makakashô. Em seguida, transmitido através dos 28 Ancestrais
indianos até Bodidarma. Bodidarma veio à China e o passou
ao Grande Mestre Eka, Ancestral do verdadeiro ensinamento.
Prosseguiu ao Grande Mestre Daikan Eno, do Monte Sokei,
e foi então transmitido pelos 17 Ancestrais que precedem
meu falecido mestre, o Buda Antigo Tendô de Daibyaku, em
Keigenfu, durante a Dinastia Sung.
No primeiro dia de maio do período Hokke Gannen, da
Dinastia Sung (1225), eu, Dogen, prostrei-me e ofereci incenso
diante do Buda Antigo Tendô, em seus aposentos. Esse foi
meu primeiro encontro com ele. Na ocasião, meu mestre me
olhou e disse: “Esta é a autenticação da entrada na Lei dos
Budas Ancestrais. Pode ser comparada ao levantar da flor no
Pico do Abutre, à medula, no Monte Suzan (Eka recebendo
de Bodidarma), à Okesa, no Monte Obai (Konin a Enô) e à
concessão do Darma a Tozan. É a direta transmissão face
a face do Olho Tesouro dos Budas e Ancestrais. Apenas eu
possuo a Lei Verdadeira. Para outros, ela é apenas um sonho”.
O princípio da direta transmissão do Darma face a face é a
mesma lei da posse e da entrega de Xaquiamuni a Makakashô.
Essa é a face dos Budas Ancestrais.
4
Se não recebermos a transmissão de Buda, não podemos
ser Buda. Xaquiamuni Buda olhou dentro do coração
de Makakashô e, por isso, lhe entregou a Lei. Mesmo
as transmissões de Ananda, Rahula e todos os grandes
Bodisatvas não podem ser comparadas à de Makakashô.
Xaquiamuni e Makakashô partilharam o mesmo assento
e Okesa – esse é o evento mais significativo na correta
transmissão do ensinamento budista. Makakashô intimamente
recebeu a transmissão da face, do coração, do corpo e
dos olhos de Xaquiamuni. Makakashô prostrou-se diante
de Xaquiamuni e devotou-se inteira e incondicionalmente
à transmissão da Lei. Sua face não é a sua própria, mas
antes a face da direta transmissão de Xaquiamuni. Assim
como Xaquiamuni olhou dentro do coração de Makakashô,
Makakashô olhou dentro do coração de Ananda. Ananda
prostrou-se diante da face Buda de Makakashô. Essa é uma
real transmissão direta. Ananda a preservou e então passou
a Shonawashu. Shonawashu prostrou-se diante de Ananda –
verdadeiramente direta transmissão. Da mesma forma, Budas
Ancestrais de cada geração, unidos com seus discípulos,
veem-se uns aos outros e transmitem a Verdadeira Lei face
a face. Se mesmo um Ancestral, mestre ou discípulo não
receber a transmissão diretamente, face a face, não pode se
tornar um Buda Ancestral.
Por exemplo, a água flui de muitos lugares distintos para
formar um rio. De forma similar, os muitos ramos do budismo
fluem através do Darma. Há uma herança contínua que
mantém a lâmpada da transmissão eternamente acesa, porém
aqueles que transmitem diferem apenas na forma e não na
essência. Conhecer o momento adequado para a transmissão
é como o mútuo bater na casca do ovo entre a galinha mãe e
o bebê pintinho, precisamente ao mesmo tempo.
Assim, devemos nos prostrar diante de Xaquiamuni Buda
e permanecer com ele dia e noite. Certamente refletiremos a
radiância da face de Buda e preservaremos sua virtude por
toda a nossa vida.
A interdependência entre Buda e nós mesmos não pode
ser medida. Devemos silenciosamente nos sentar e considerar
sobre isso. Por meio de nossa devoção à face de Xaquiamuni,
refletiremos seus olhos em nossos próprios. Quando isso
ocorre, torna-se a visão e a face original de Buda. Essa
transmissão se mantém até o tempo presente, sem ter sido
jamais rompida – esse é o significado da direta transmissão
face a face. Em cada geração, cada face tem sido a face de
Buda, e sua face original é a transmissão face a face. Dessa
maneira, nos prostramos diante dessa perfeita transmissão,
dos sete Budas, Makakashô e dos 28 Ancestrais da Índia. A
face original e a visão iluminada são assim. Ver esses Budas
Ancestrais é ver os sete Budas de Xaquiamuni. No momento
adequado, Budas Ancestrais têm a direta transmissão. A
transmissão face a face, de Buda, transmite Buda face a face.
Isso é como o emaranhado de vinhas que nunca termina. Abra
o olho, diretamente transmita através do olho e receba a Lei
pelo olho. Encontre a direta transmissão da face através da
face. A direta transmissão é o dar e receber da face. Abra a
mente, transmita e receba através da mente. Revele o corpo,
e transmita o corpo através do corpo. Independentemente
do lugar ou país, a transmissão é sempre assim. Da China em
direção ao leste, a essência íntima da correta transmissão
dos Budas Ancestrais é a direta face a face: transmissão e
recebimento. É concedida quando nos prostramos diante do
verdadeiro olho do Tathagata.
Quando nos prostramos diante da face de Xaquiamuni
Buda, ou dos 51 Ancestrais, ou dos sete Budas, não devemos
compará-los uns aos outros. E não devemos nos preocupar
com as particularidades da transmissão. Aqui é onde encontramos a direta transmissão. Se você nunca encontrou um
verdadeiro mestre, você não pode ser chamado de discípulo
e vice-versa. Por todos os meios, mestres e discípulos devem
olhar um dentro do coração do outro e diretamente transmitir
a Lei. Esta é a “Mente” que os Ancestrais usam para autenticar
a correta transmissão. Portanto, a brilhante face do Tathagata
é preservada em cada geração.
Desse modo, é por isso que podemos ver que, através de
milhões de anos, a transmissão direta é a autenticação e o
recebimento da face de Xaquiamuni Buda. A autenticação dos
Budas Ancestrais, Xaquiamuni, Makakashô, os 51 Ancestrais
e os sete Budas, é a autenticação de suas próprias sombras,
luz, corpo, mente (e os seis órgãos dos sentidos). Mesmo que
discípulos não compreendam “uma palavra de ensinamento”
de seus mestres, o mestre ainda está apto a certificar sua
resolução na procura do Caminho Budista se o aluno buscar
o Caminho de Buda com todo o seu corpo e mente. Isso
também é a correta, direta transmissão face a face.
Devemos venerar essa direta transmissão. É o selo da
mente de Buda no coração do discípulo. Embora essa não
seja a mais elevada e preciosa forma de vida, é diretamente
realizada, mente a mente; essa face difere da face social
comum do mundo laico. Essa é a face da grande iluminação
de Buda – vai além de dentro ou fora. A grande iluminação
diretamente transmite grande iluminação face a face.
Se transmitirmos o correto olho da Lei e venerarmos o
modelo de Xaquiamuni Buda, nos tornaremos mais próximos
dele que ele próprio. Por meio dessa visão podemos realizar
incontáveis Xaquiamuni Budas no passado, presente e futuro.
Dessa forma, se verdadeiramente venerarmos e procurarmos
Xaquiamuni Buda, deveremos também profundamente honrar
a direta e correta transmissão, extremamente difícil de ser
encontrada. Isto é, faça prostrações diante do Tathagata e ele
lhe concederá a direta transmissão. Quando observamos o
estudo adequado e a correta transmissão do Tathagata com
um olhar claro, vemos que se trata de nós mesmos e outros.
Devemos valorizar e proteger isso.
As palavras a seguir são palavras da correta transmissão:
“Prostre-se diante das oito estupas e você abandonará todas
as falhas e encontrará o Caminho”. As oito estupas foram
construídas onde Xaquiamuni Buda autenticou o Caminho*:
seu local de nascimento, Kapilavastu; onde girou a Roda da
Lei, Migadaya (Magadha); onde obteve o Caminho, Bodigaya;
onde adentrou Nirvana, Kushinagara (Kutchira); e Kanyakubja;
Vesali Jetavana; Rajagrha.
Além disso, a virtude de Xaquiamuni Buda ilumina o
universo inteiro e realiza o mérito do Caminho budista. É
livremente dado a todos sem discriminação ou relutância. Se
verdadeiramente desejarmos praticar, mesmo que cheios de
paixões e máculas, o poder de sua virtude nos dará força para
ter prática e iluminação.
Assim é a virtude de Xaquiamuni Buda, e a presente transmissão face a face de seu Caminho não pode ser comparada às
prostrações diante das oito estupas, ou aos 37 tipos de prática
do Darma baseados na face, mente, corpo, Caminho, luz ou
língua de Buda. A virtude das oito estupas se origina com a
face de Buda. De modo a obter a prática da atividade livre e
sem apegos, estudantes do Darma budista devem contemplar a
virtude da direta transmissão dia e noite, em um local tranquilo.
Então, nossos praticantes budistas ficarão cheios de alegria.
Podemos dizer que nosso país é superior a todos os outros,
pois nosso Caminho budista é inigualável. Outros países têm
poucas pessoas como nós. A razão: nossa transmissão é
direta desde o correto Ancestral de Shorinji (Bodidarma) e o
sexto Ancestral, Enô. Essa transmissão é superior mesmo ao
ensinamento da Lei no Pico do Abutre exposto às dez direções.
Este tempo presente é a única oportunidade que temos
de encontrar o puro Darma budista. Quando teremos tal
condição? Se falharmos em cortar as paixões agora, quando
poderemos? Se perdermos, quando nos tornaremos Budas?
Se não nos sentarmos como Buda, como podemos praticar
Buda? Devemos clarificar isso meticulosamente.
Eu, Dogen, prostrei-me diante de meu falecido mestre, o
Buda Antigo Tendô, pela primeira vez, no dia 1º de maio de
1225. A direta transmissão face a face foi dada a mim, alguém
que dominou uma pequena parte do vasto Ensinamento
budista. Alcancei certo nível ao abandonar corpo e mente e
trouxe a transmissão ao Japão.
Isto foi entregue aos monges em 20 de novembro de 1242,
em Kippoji, Yoshidagun, Echizen.
A virtude de Xaquiamuni é autenticada através da terra e do
céu. Mais além, sua virtude aparece nas estupas de som, cheiro,
sabor, tato, mente e forma. Devemos nos prostrar diante dessas
estupas e autenticar o Caminho. Na Índia, todos e todas – monges e monjas, leigos e leigas, seres celestiais e terrenos – prostram-se diante das oito estupas como um hábito comum. As
estupas são o mesmo que todo o cânone dos sutras budistas.
Mais que isso, o Caminho budista não é apenas autenticado em cada vida (nas prostrações às oito estupas), mas
também nos 37 tipos de prática do Darma. Xaquiamuni Buda
praticou a iluminação através do ilimitado passado e futuro, e
sua marca é encontrada ao longo de toda a história. Por isso,
podemos obter o Caminho. Devemos saber que as estupas
permanecem constante e continuamente diante de geadas e
flores, vento e chuva.
* As cinzas de Buda foram divididas em oito porções e entregues a oito famílias, que então construíram estupas em oito lugares sagrados do Budismo.
Ilustração: Zenshô Fernando Figueiredo
Estudos do Darma
Homenagem a Mestre Dogen,
dia de seu nascimento 26 de janeiro de 1200.
5
PEREGRINAçÃo ze
Retiro
Viagem ao Japão
Nehan Sesshin
Por Ryoen Cassiano Cavalcanti
Sesshin em Homenagem ao Parinirvana de Buda
Por Monja Waho
A sociedade desenvolveu uma cultura do coletivo. O bem
comum, o cuidado com o outro se sobrepõem ao eu. A interdependência na prática cotidiana. Existem duas filas no metrô: à
esquerda e à direita da porta, as pessoas entram somente após
todas as outras terem saído. Não falo japonês, contudo percebia que as pessoas se esforçavam para me entender ao falar
inglês. Por muitas vezes fui acompanhado por “estranhos”, só
por ter perguntado a direção de algum lugar – faziam questão
de me mostrar. Carona, sim, recebi carona de estranho. Gratidão, sorriso, paciência e cordialidade estão em cada gesto.
Certo dia, chovia forte e eu estava sem guarda-chuva, então
uma menina em frente à sua casa me ofereceu o seu guarda-chuva para que eu não mais me molhasse.
Todas essas ações nos fazem querer passar adiante esses
gestos recebidos de maneira tão espontânea, uma sensação
de cuidar e ser cuidado. A roda do bem girando em todas as
dez direções.
15 de fevereiro, esse é o dia em que Xaquiamuni Buda
entrou em Parinirvana, às margens do rio Hiranyavati. Uma
grande pintura mostrando Buda deitado, entrando em Parinirvana, é pendurada nos templos, e uma cerimônia expressando
nossa gratidão a Buda é realizada todos os anos.
Diz-se que, no momento de seu Parinirvana, Buda estava
deitado entre duas árvores-sala. A cabeça para o norte, o rosto
para o oeste e a mão direita apoiando sua cabeça. Naquele
momento, flores brancas desabrocharam nas árvores-sala e
caíram sem cessar.
Muitos de seus discípulos, de todas as idades, pássaros e animais estavam reunidos, em profunda tristeza, quando Buda, em
seu último discurso, fez uma explicação da essência do Darma:
Ó monges! Depois de minha morte, respeitem e compartilhem
os Preceitos. Manter os Preceitos é como encontrar uma luz na
escuridão; é como uma pessoa pobre que encontra um grande
tesouro. Saibam que os Preceitos são, para vocês, o mestre.
Manter os Preceitos é Me manter sempre vivo neste mundo.*
Gratidão!
Que os méritos de nossa prática se estendam a todos os serem
e que possamos todos e todas nos tornar o caminho iluminado.
Em homenagem a Xaquiamuni Buda, todos os anos realizamos o Nehan Sesshin e nele entoamos o Breve Parinirvana Sutra.
Em 2013, estaremos nos sentando novamente em zazen, em
nossa sede em São Paulo, na Comunidade Zen Budista Taikozan
Tenzui Zenji, de 9 a 13 de fevereiro, e na Vila Zen, em Viamão/
RS, de 13 a 16 de fevereiro. Com grande alegria, estaremos nos
É nisso que acreditamos!
Juntos, construindo um Centro de Prática, local de aprofundamento dos ensinamentos de Buda, onde todas as Sangas do
Brasil e da América Latina poderão praticar juntas, sob orientação de Coen Roshi.
Buda jamais deixará de existir.
É em Buda, no Darma e na Sanga que nos refugiamos.
Convido a todos para que estejam juntos neste próximo
Nehan Sesshin, em São Paulo e em Viamão.
Será a melhor maneira de manifestar nosso agradecimento
profundo aos nossos Mestres Ancestrais do Darma e aos Budas
e às Budas que vieram antes de nós e que, sem dúvida, se alegram com o florescimento do verdadeiro Darma.
* Trechos do Breve Parinirvana Sutra (tradução da Monja Coen).
O Higan-e
por Monja Heishin
Ohigan-e é uma cerimônia celebrada duas vezes ao ano, no
equinócio da primavera e no equinócio de outono, épocas em
que o sol ilumina com a mesma intensidade os dois hemisférios. Dia e noite, a mesma duração.
Prece de voluntariado para vítimas do Tsunami em Onagawa.
Fotos: Ryoen Cassiano Cavalcanti
A moderna e agitada mas silenciosa cidade de Tóquio
Se todos os Meus discípulos, de geração em geração, a partir
de agora praticarem o Darma, o Corpo do Darma do Tathagata
existirá para sempre e nunca será destruído.
cerimôni a
A palavra Ohigan significa “o outro lado do Rio”. Nessa
cerimônia, refletimos sobre a “travessia” entre Vida-Morte,
Iluminação-Delusões, Nirvana-Samsara, agradecemos aos
nossos antepassados e a todos aqueles que fizeram muito por
nós. Ponderamos sobre o rumo de nossa vida e a importância
de colocarmos em prática os seis paramitas, os seis meios para
atingir a outra margem, a margem da iluminação: generosidade, preceitos, paciência, esforço, zazen e sabedoria.
6
sentando pela primeira vez no edifício que abrigará a Sala de
Zazen do Centro de Prática em Viamão. O edifício não estará
totalmente concluído, mas, com o esforço de todos, estaremos
protegidos do sol e da chuva.
Uma grande homenagem a Xaquimuni Buda.
Jardim Zen ao lado do Templo Ryozen Kannon em Kioto.
Comemoramos a nossa trajetória de vida por meio da oferta
de alimentos, flores, incenso e velas e com a renovação de nossos votos e propósitos de seguir o Caminho Iluminado.
A travessia do veleiro Ohigan-e
Com flores e ofertas de alimentos, o pequeno veleiro navega
no grande oceano no sentido da outra margem.
Ilustração: Zenshô Fernando Figueiredo
Em outubro de 2012, Coen Roshi fez uma viagem oficial ao
Japão, tendo como principal destino o Mosteiro Feminino de
Nagoya (Aichi Senmon Niso-do), onde nossa irmã do Darma,
Zentchu san, faria seu Combate do Darma. Como praticante,
pude acompanhá-la e compartilho algumas impressões sobre a
Terra do Sol Nascente.
Nossa primeira parada foi no templo de Kirigaya-ji, em Tóquio,
considerada a maior cidade do mundo, com aproximadamente
33 milhões de habitantes. Minha primeira impressão foi achar
que estava em um distrito da capital, pois, com tanta gente, não
poderia ser um lugar silencioso, limpo e tranquilo. No metrô, por
exemplo, não se fala ao celular. Nas ruas, o silêncio grita aos nossos ouvidos. Centenas de pessoas passam fluidas de um lado a
outro das avenidas, como que saídas de um jogo de futebol, contudo deslizando sobre o asfalto. Sem encontrões, pisões nos pés,
somente um ir e vir de todas as direções, inclusive das diagonais.
Fomos recebidos por Junyû Kuroda Roshi, irmão de Taizan
Maezumi Roshi, fundador do Zen Center de Los Angeles, uma
figura muito carismática e sorridente. Junyû Kuroda Roshi é
reconhecido como Daikyôshi, graduação das mais altas da Soto
Shu, limitada a um total de 180 monges no país. Admirador de
artes, seu templo possui diversas obras de estilo Zen, o que nos
provoca uma sensação de estar em um museu.
A convite do monge Ota san, fomos a Onagawa visitar a
comunidade latina para fazer preces e conhecer as histórias de
alguns sobreviventes do tsunami de 2011. Onagawa foi uma das
cidades mais danificadas pela água, que chegou a 15 metros de
altura. Em um momento de tanta dor, a compaixão floresce, nos
sentimos todos irmãos de uma sanga infinita. Ouvir a história de
como foi o dia de Lúcia, uma brasileira radicada no Japão, quando o terremoto e as ondas atingiram o local, foi emocionante. A
união gerada a partir de uma tragédia transformou-se em capacidade de superação, de reconstrução. A civilidade, a educação e
o apoio, mesmo em um momento tão doloroso, comovem. Não
houve saques. As pessoas compravam pouco no supermercado
para que não faltasse a ninguém. As doações eram distribuídas
em filas organizadas, sem tumulto, e um objetivo comum se
estabeleceu. Esse é o reflexo de alguns dos hábitos do povo japonês, com o qual tenho tanto a aprender.
Formado por velas e madeiras nobres chamadas doação, preceitos, paciência, esforço, zazen, sabedoria, segue seu caminho,
içando o vento que o conduz.
A travessia para a outra margem é sustentada por essas
madeiras preciosas, pelas diferentes correntezas, ventos, percepção e entrega de quem o conduz...
7
Programação fixa
Livros
Para uma
Pessoa Bonita
Ensaios escritos por
Shundo Aoyama
Roshi, professora
da Monja Coen no
Japão. R$ 35
Colabore para a construção de nossa sede
própria: local destinado aos retiros, treinamento
e prática de ensinamentos zen-budistas.
Comunidade Zen-Budista ZendoBrasil
tel.: (11) 3865-5285
e-mail: [email protected]
MONJA COEN —
A MULHER NOS
JARDINS DE BUDA
Romance biográfico
escrito pela psicóloga Neusa C. Steiner.
R$ 66,00
ZAZEN — A
PRÁTICA
ESSENCIAL DO ZEN
Um guia passo a
passo para o zazen.
R$ 35
agenda da comunidade
Janeiro
1 a 3 e 6 Cerimonia de Daihannya Gokito às 12h. Local: Zendo
Brasil
6 Cerimônia do Chá às 18h. Local: Zendo Brasil.
18 a 27 Treinamento intensivo de verão. Local: Zendo. Informações e inscrições e pelo email [email protected]
Fevereiro
9 a 13 Nehan Seshin em São Paulo. Local: Zendo Brasil.
Informaçoes e inscrições e pelo email [email protected]
13 a 16 Nehan Seshin no Vila Zen em Porto Alegre.
Informações e inscrições e pelo email [email protected]
18 Início do Curso de Preceitos Budistas I
20 Início do Curso de Preceitos Budistas II
24 Início do Grupo de Estudos de Budismo Básico (Gebb).
Local: Zendo às 20hr
Março
1 Teisho Shusso Monge Ryozan
2 Cerimônia de Combate do Darma – Shusso Monge Ryozan.
Horário e maiores informações ao longo do mês de fevereiro
10 Caminhada Zen no Parque da Água Branca. Local de encontro: Recanto das Figueiras, das 10h as 12h
28 a 31 Mugon Sesshin em São Paulo. Local: Zendo Brasil.
Informações e inscrições e pelo email [email protected]
Campanha das Telhas - Via Zen
Doe 01 telha = R$ 2,00. Você pode doar quanto quiser.
Banco Bradesco. Ag: 1971 C/C: 40.000-9
Associação Zen Budista do RS. Cnpj: 01927645/0001-37
saiba mais no site: www.viazen.org.be/vila zen
8
VIVA ZEN
Monja Coen mostra
que viver Zen não
é só ficar bem,
mas é um modo de
recontar a própria
história. R$ 25
Sempre Zen
Em seu segundo
livro, Monja Coen
volta a nos contagiar com sua
postura de vida e
ensinamentos zen-budistas. R$ 25
OITO ASPECTOS
NO BUDISMO
Destinado a pessoas
que desejam
aprofundar-se
nos ensinamentos
de Buda. R$ 15
Trecho: “Em anos recentes,
especialmente no japão, as pessoas
estão começando a dizer que “tudo
está fluindo”. Desde os tempos
antigos, o Budismo ensina que
nenhuma existencia pára seu
movimento, nem por um minuto;
que todas as existencias estão
constantemente mudando. Como é
possivel que um ego imutável exista?
Iluminação não é nada mais do que
a completa compreensão deste fato
e das palavras: “todas as coisas são
transientes e completamente vazias,
essa é a Grande Iluminação de
Xaquiamuni Buda”.
Segunda-feira
20h
Curso de Preceitos Budistas I
(para membros inscritos)
Terça-feira
20h
Palestra do Darma
(aberta a todos)
Quarta-feira
20h
Curso de Preceitos Budistas II*
Quinta-feira
20h
Zazen para principiantes**
Sexta-feira
20hZazen
20h40 Kinhin
20h50 Zazen e Teisho
(palestra formal do Darma)
pois as aulas não serão
todos os domingos)
Sábado
9h às 12h30 Samu*
18h30Zazen*
19hKinhin
19h10 Zazen e Dokusan
19h40 Cerimônia (Leitura do Sutra do Coração da Grande
Sabedoria Completa)
Domingo
11h
Zazen para principiantes**
13hEncerramento
20h
Curso de Budismo Básico (favor confirmar as datas, 21hEncerramento
* Atividades sujeitas ao calendário de jogos
no Pacaembu. Favor confirmar antes por
telefone ou no site da comunidade
** Chegar 15 minutos antes
Este jornal é uma publicação
trimestral, de distribuição gratuita,
da Comunidade Zen Budista
Zendo Brasil. Ele é o resultado
do trabalho voluntário realizado
pelos membros da comunidade.
Supervisão: Monja Coen Roshi
Edição: Monja Coen Roshi e Engetsu
Carol Lefèvre
Projeto gráfico: Fugetsu Regina
Cassimiro
Diagramação Engetsu Carol Lefèvre
Ilustrações: Engetsu Carol Lefèvre e
Zenshô Fernando Figueiredo
Revisão: Shobun Andrea Caitano
Comunidade Zen Budista
Zendo brasil
Rua Des. Paulo Passaláqua, 134
Pacaembu, São Paulo/SP
CEP: 01248-010
Tel.: (11) 3865-5285
[email protected]
monjacoen.com.br
zendobrasil.org.br
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