A nova mente da máquina

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A nova mente da máquina
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Estudos Transitivos do Contemporâneo
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A nova mente da máquina
da máquina universal de Turing
à máquina plerômica de MD
Aristides Alonso1
Resumo: A máquina de Turing é uma máquina universal de computar,
raciocinar, calcular, e de pensar. Segundo a hipótese de Turing-Church,
qualquer máquina computacional é uma máquina de Turing, a qual, mesmo
com todos os desdobramentos, permaneceu a mesma. Deleuze/Guattari
propõem a máquina desejante. Daniel Dennett fala das máquinas de von
Neumann e das máquinas joyceanas. E MD Magno, a partir de Freud,
formula a máquina de revirão. Cotejo entre essas propostas, estabelecendo
gradações e diferenças, com destaque para a máquina de revirão e sua
resposta para o que seja pensamento, consciência e criação.
Palavras-chave: máquina de Turing; máquinas desejantes; máquina de
revirão
Abstract: Turing machine is a universal, computing, calculating and
thinking machine. According to Turing-Church hypothesis, any computing
machine is a Turing machine. This machine has remained the same since its
creation. Deleuze/Guattari proposed a desiring machine. Daniel Dennett
refers to von Neumann machines and joycean machines. And MD Magno,
in conformity to Freud, formulates the Revirão (reversal/return/loop)
machine. Collation of these proposals, emphasizing the Revirão machine
and its answers to the question of what are thinking, conscience and
creation.
Keywords: Turing machine; desiring machines; Revirão machine
O título se refere tanto ao livro de Roger Penrose A mente nova do rei:
computadores, mentes e as leis da física (The emperor’s new mind: concerning
computers, minds and laws of physics) quanto ao conto de Hans Christian Andersen
A nova roupa do rei (The emperor’s new clothes).
Para a consideração de nossa questão, vamos partir de um filme antigo, mas
exemplar. Blade Runner (1982), de Ridley Scott (1937-), um cult que mescla policial
Doutor em Letras (UFRJ). Pós-Doutor em Comunicação (UNL/Lisboa). Professor (UERJ e
FACHA). Diretor da NovaMente. Pesquisador do “ETC: Estudos Transitivos do
Contemporâneo” (Grupo de Pesquisa/CNPq). Coordenador do projeto de extensão TecMen:
Tecnologias da Mente.
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noir e ficção-científica em uma Los Angeles de 2019, começa com a seguinte
informação para o espectador:
No inicio do século XXI, a Tyrell Corporation criou os robôs da série Nexus
virtualmente idênticos aos seres humanos. Eram chamados de replicantes.
Os replicantes Nexus 6 eram mais ágeis e fortes e no mínimo tão
inteligentes quanto os engenheiros genéticos que os criaram. Eles eram
usados fora da Terra como escravos em tarefas perigosas da colonização
planetária. Após motim sangrento de um grupo de Nexus 6, os replicantes
foram declarados ilegais sob pena de morte. Policiais especiais, os blade
runners, tinham ordens de atirar para matar qualquer replicante. Isto não
era chamado execução, mas sim ‘aposentadoria’.
A trama do filme é relativamente simples 2. Deckard (Harrison Ford) é caçador
andróides, destacado para “aposentar” um grupo de replicantes Nexus 6 que fugiram
do seu local de trabalho em outra galáxia e voltaram à Terra. Apesar de serem tão
ágeis, fortes e inteligentes quanto qualquer ser humano, eles têm apenas quatro anos
de vida e sob o comando do Roy Batty (Rutger Hauer), os Nexus 6 querem uma
sobrevida maior. Mas também há uma trama paralela: o envolvimento de Deckard
com Rachel (Sean Young), replicante, secretária de Tyrell, dono da Tyrell
Corporation, fabricante dos Nexus 6. Tyrell, em certo momento diz a Deckard: “Nossa
meta é o comércio. Nosso lema é ‘mais humanos que os humanos’”.
Blade Runner é um filme de caçada e busca, em que todos procuram
angustiadamente alguma coisa, uma aventura de homens e mulheres, humanos e
pós-humanos, em busca de identidade. É também um filme de ação que contém
reflexão sobre a distinção entre homens e máquinas. Deckard, por exemplo, é alguém
perdido, solitário, obrigado pelos dispositivos policiais e corporativos a “aposentar”
replicantes. E sua vida passada é obscura e esconde provavelmente algo
incriminador, pois é facilmente convencido pelo chefe de polícia de Los Angeles em
um jogo de chantagem e ameaças veladas ao espectador: “Conheço o jogo, meu
chapa. Se não topar, está acabado”. E o cenário dessa cidade futurista (2019, data já
bem próxima) – com um ecossistema devastado e marcada por constante chuva ácida
Destacamos outros filmes com temática semelhante: Metropólis (Fritz Lang), 2001 – Uma
Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick), a trilogia Matrix (Irmãos Wachowski), 13º Andar
(Joseph Rusnak), IA, Inteligência Artificial (Steven Spielberg), Eu, Robô (Alex Proyas) e
Gattaca, A Experiência Genética (Andrew Niccol).
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– é opressivo e aparentemente sem solução, e a única saída possível de que se fala no
filme é abandonar a Terra e viver nas colônias espaciais.
Os replicantes, que Deckard persegue, são muito semelhantes aos humanos,
em particular Roy Batty e Rachel, esta última sem programação fixa quanto ao tempo
de duração de sua vida, como qualquer um de nós.
Qual nosso interesse nesse filme? Os replicantes são máquinas, robôs,
artefatos industriais e, quanto à sua organização mental, máquinas de Turing,
conforme veremos a seguir. Toda a discussão que o filme promove está justamente
nessa questão: afinal, onde está a diferença entre a mente artificial dessas máquinas
e a mente dos humanos? Qual o limite das mentes artificiais das máquinas de Turing?
Ou ainda, quando atingido um determinado limiar, como o computador quântico,
por exemplo, haverá diferença ainda?
Nesse sentido, podemos considerar os replicantes como uma síntese da
tragédia humana. É o que a biotecnologia complexa de Blade Runner conseguiu
demonstrar. A morte de Tyrell é exemplar e retoma a antiga questão do Frankenstein
de Mary Shelley, na luta de morte entre criador e criatura. A cena do criador sendo
dilacerado pela própria criatura – o androide esmaga o cérebro de Tyrell – é uma das
mais marcantes do cinema do século 20, expressão máxima da rebelião contra o
despotismo do destino com o qual ele se depara. Em face de sua situação trágica
diante de uma vida fugaz e supérflua, Roy observa com angústia: “Eu vi coisas que
vocês nunca acreditariam. Naves de ataques em chamas perto da borda de Orion. Vi a
luz do farol cintilar no escuro, na Comporta Tannhauser. Todos esses momentos se
perderão no tempo como lágrimas na chuva”. O replicante Nexus 6 sente a angústia
da passagem do tempo, destacando a unicidade e fluidez da sua experiência singular
de vida. Conclui, dizendo: “É hora de morrer”. Tal qual qualquer um de nós poderia
dizer. Uma das questões básicas do filme Blade Runner é justamente a consideração
da mente das máquinas – as “spiritual machines” de Kurzweil (1948-) ou “máquinas
revirantes” de MD Magno (1938-) –, em analogia com a mente humana.
Como veremos a seguir, a máquina de Turing é uma máquina universal de
computar, raciocinar, calcular e mesmo de pensar. Segundo a hipótese de ChurchTuring, qualquer máquina computacional é uma máquina de Turing e, mesmo com
todos os desdobramentos posteriores quanto a essa competência, permaneceu a
mesma. Daniel Dennett (1942-) estabelece uma sequência entre as máquinas de
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Turing, as de von Neumann e as “joyceanas”. Fredkin e outros cientistas propõem a
“digital philosophy” e Wolfram, a “equivalência computacional”. Aproveitando-se de
referencial teórico da cibernética no âmbito da filosofia, Deleuze/Guattari fizeram a
crítica à psicanálise considerando as “máquinas desejantes”. MD Magno formula, a
partir de Freud, a máquina de revirão (máquina catóptrica ou máquina pulsional),
nosso tema básico neste artigo. A linha de raciocínio é no sentido de fazer um cotejo
entre esses vários tipos de máquina e estabelecer a diferença e a gradação entre elas,
com destaque para a máquina do revirão que encaminha uma resposta para o que
seja mente, pensamento e consciência, questão cara aos pesquisadores da cibernética,
da robótica, da IA, das neurociências e ciências cognitivas.
Isto porque, desde o início, o objetivo da construção dessas máquinas, mesmo
antes de Turing (veja-se, por exemplo, o trabalho de Pascal, Leibniz e Babbage), foi o
de simular a funcionalidade da mente humana. Neste breve cotejo, pretendemos, ao
considerar o trabalho de Turing e seus desdobramentos, refletir sobre a maneira
como a nova psicanálise considera a mente humana e outras formas de mente, sem
deixar de pensá-las também no âmbito das máquinas.
O que são máquinas ou gramáticas?
Uma máquina não é necessariamente um motor de um carro ou alguma coisa
pesada e ruidosa que transforma a matéria ao aplicar-lhe com violência uma força
mecânica. Rádios, tvs, celulares e computadores são máquinas que nos dão a ideia de
que uma máquina pode tratar da informação, isto é, transformar, de acordo com
regras muito precisas, uma mensagem de entrada em mensagem de saída. Mas as
frases de uma língua ou modos de comportamento social também são máquinas. O
tratamento típico da informação é o cálculo. No sentido matemático restrito, um
cálculo é um conjunto de operações aritméticas, entendendo-se por operação a ação
organizada, metódica, que visa à produção de um determinado efeito ou resultado. Se
as entidades matemáticas são adequadamente representadas por elementos físicos e
as regras de combinação bem determinadas, verificamos imediatamente a
possibilidade de mecanizar e de automatizar os cálculos. Os objetos sobre os quais
atuam os circuitos do computador são os impulsos elétricos. A presença de uma carga
elétrica representa o número 1 e sua falta, o número 0. Assim é possível representar
em um computador tudo o que se pode escrever-se em um alfabeto ou traduzir-se por
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número e circuitos elétricos simples que jogam com a presença/ausência de carga
elétrica. Isto porque representam operadores matemáticos básicos que atuam sobre
números expressos na base 2 e podem efetuar cálculos elaborados e processar
informação.
A exigência do processamento automático da informação leva a informática a
elaborar algoritmos. Um algoritmo é uma sequência finita e ordenada de regras ou
instruções de operação com a finalidade de resolver uma classe de problemas. Assim,
as tarefas ou problemas a serem resolvidos são formalizados e essa formalização
necessita da explicitação de todos os seus aspectos. A menor alteração ou erro pode
comprometer toda a operação. Então, em informática, os termos máquina ou
autômato designam menos o dispositivo físico que efetua a transformação de uma
mensagem de entrada em uma mensagem de saída do que a estrutura lógica deste
dispositivo. Essa mesma máquina pode ser encarnada tanto por uma calculadora de
rodas dentadas, por uma lista de instruções que pode ser seguidas à risca por um
escravo humano extremamente obediente ou por um microcomputador.
Por um lado, para cada algoritmo de Markov, existe uma máquina de Turing
(capaz de escrever letras tomadas num alfabeto arbitrário) que pode simulá-lo. E por
outro, para cada máquina de Turing existe um algoritmo de Markov que a simula
(Doria, 1999, p. 224). Ou seja, há uma equivalência entre máquinas de Turing e
algoritmos de Markov, que podem produzir a mesma coisa. Isto quer dizer que a ideia
de gramáticas formais e máquinas de Turing também são equivalentes. Nesse mesmo
raciocínio, outros sistemas, como as linguagens canônicas de Post, as quais
influenciaram os algoritmos de Markov, que tentam formalizar a estrutura das
línguas e suas gramáticas são igualmente equivalentes às máquinas de Turing. Assim
também são sistemas equivalentes, tais como as funções recursivas parciais (de
Goedel e Kleene), o cálculo lambda de Church e, em nossos dias, os autômatos
celulares, como apresentados por Wolfram, por exemplo.
O que é máquina de Turing?
Em artigo de 1950, Computing machinery and intelligence, Alan Turing (19121954) propôs a seguinte questão: “Podem as máquinas pensar?”. Podemos desdobrar
esta pergunta do seguinte modo: qual é a mente das máquinas? Qual é sua
equivalência mental? Como funcionam?
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Atualmente, o conceito de máquina de Turing, criado em 1936, figura na
matemática, na ciência da computação, nas ciências cognitivas, na biologia teórica, na
psicologia, na psicanálise e em outras áreas do conhecimento. O artigo acima
mencionado, que descreve o chamado “teste de Turing”, constitui a pedra angular da
teoria da inteligência artificial. Turing também produziu sozinho um plano bastante
avançado para a fabricação e uso de um computador eletrônico, do qual construiu
várias versões.
Segundo seu biógrafo Andrew Hodges (1949-), deitado na campina de uma
cidadezinha próxima a Cambridge, depois de sua costumeira corrida solitária, Turing
imaginou uma máquina capaz de executar os passos do problema lógico proposto por
David Hilbert (1862-1943) no Congresso Internacional de Matemática em Paris
(1900), no qual se perguntava como seria possível executar certas cadeias longas de
raciocínio. A maior parte dos pesquisadores admitia que a resposta teria a forma de
uma demonstração abstrata. Mas Turing gostava de realizar trabalhos “mais
concretos” como consertar bicicletas, rádios e construir artefatos de todo tipo e,
durante os meses seguintes, demonstrou que essa máquina imaginária seria capaz de
responder às perguntas propostas por Hilbert sobre como provar a verdade ou
falsidade de uma afirmação abstrata. Certamente precisaria de eletricidade, talvez de
uma forma ainda não imaginada, mas isso não o preocupava. Pelo contrário, ele
antecipava o que mais aquela máquina poderia fazer, pois anteviu que, teoricamente,
um dispositivo que conectasse essas cadeias lógicas poderia fazer praticamente
qualquer coisa (Hodges, 2001). Então, a máquina de Turing é primeiramente um
conceito.
O operador da máquina só precisaria escrever claramente as instruções a
serem seguidas, pois ela não teria de entender o significado daquelas instruções, mas
apenas executá-las. Assim demonstrou que praticamente qualquer ação imaginada,
seja somar números ou desenhar figuras, poderia ser traduzida em passos lógicos
simples que a máquina seria capaz de seguir. Quando alguns críticos de seu projeto
protestavam que essa máquina não era tão poderosa como ele queria acreditar, e
citavam tarefas que ela não poderia executar, ele simplesmente pedia que a
dividissem em passos separados e os descrevessem um a um, usando a mesma
linguagem lógica e clara. Então, passava essas instruções à máquina que as executava
fielmente, provando assim que estavam errados.
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Operacionalmente, a máquina de Turing – para ser considerada como
algoritmo, modelo formal de procedimento efetivo ou função computável –, deve
satisfazer às seguintes propriedades, entre outras: a) a descrição do algoritmo deve
ser finita; e b) deve consistir de passos discretos, executáveis mecanicamente e em
um tempo finito. O modelo proposto por Turing consiste basicamente de três partes:
a) uma fita, usada simultaneamente como dispositivo de entrada, saída e memória de
trabalho; b) unidade de controle, que reflete o estado corrente da máquina. Tem uma
unidade de leitura e gravação (cabeça da fita) a qual acessa uma célula da fita de cada
vez e movimenta-se para a esquerda ou direita; c) programa ou função de transição,
que comanda as leituras e gravações, o sentido de movimento da cabeça e define o
estado da máquina. A fita é finita à esquerda e infinita à direita, dividida em células
onde cada uma armazena um símbolo. Os símbolos podem pertencer ao alfabeto de
entrada, ao alfabeto auxiliar ou ainda, ser “branco” ou “marcador de início da fita”
(Menezes, 2002, p. 131-50).
Inicialmente a palavra a ser processada (ou seja, a informação de entrada para
a máquina) ocupa as células mais à esquerda, após o marcador de início da fita,
ficando as demais com “branco”. A unidade de controle possui um número finito e
predefinido de estados. A cabeça da fita lê o símbolo de uma célula de cada vez e
grava um novo símbolo. Após a leitura/gravação, a cabeça move uma célula para a
direita ou esquerda. O símbolo gravado e o sentido do movimento são definidos pelo
programa. O programa é a função que, dependendo do estado corrente da máquina e
do símbolo lido, determina o símbolo a ser gravado, o sentido do movimento da
cabeça e o novo estado. Trata-se, portanto, de uma proposta de definição formal da
noção intuitiva de algoritmo. Estamos tão acostumados com máquinas que executam
instruções que é difícil lembrar uma época em que isso não existia. Por exemplo,
esperamos automaticamente que o computador ou celular aceite nossos comandos
passados pelo teclado. Mas quando Turing era estudante, praticamente ninguém
podia imaginar uma máquina inerte capaz de realizar trabalho inteligente. Essa
“máquina universal”, que Turing descreveu em um artigo de 1937 publicado no
Proceedings of the London Mathematical Society, era autocontida e sem emoção e
quando recebia instruções corretas, começava a operar sozinha “eternamente”.
E nem necessitava de operador que entrasse em seu interior para alterá-la de
acordo com as tarefas, pois ele também começou a desenvolver o conceito de
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software. Logo percebeu que esse aparelho não teria utilidade se tivesse de ser
construído a cada vez que recebesse um novo problema. Em vez disso, imaginou que
as partes internas da máquina poderiam se reorganizar conforme a necessidade. O
software poderia ser visto como parte do mecanismo do computador, mas estaria
sendo constantemente alterado e reconfigurado de uma forma e depois de outra.
Como sabemos, a realização física da máquina de Turing passou por muitas etapas
devido à dependência de soluções tecnológicas necessárias à sua implementação.
Por causa de seu trabalho sobre Hilbert, Turing foi convidado a passar algum
tempo em Princeton, onde conheceu John von Neumann (1903-1957), que viria a
fazer uma contribuição decisiva para o projeto de Turing. Em 1945, no First draft of a
report on the EDVAC, von Neumann propôs a construção de uma calculadora em que
os programas seriam registrados, do mesmo modo que os dados, em uma grande
memória, a qual a unidade aritmética e lógica da máquina poderia aceder
rapidamente. É na mesma época que também apresenta o modelo dos autômatos
celulares 3. Ele reencontrava assim, de forma técnica, o mesmo princípio da fita da
máquina universal de Turing e definia, ao mesmo tempo, a arquitetura do
computador moderno. É o que se conhece hoje como a “arquitetura de von
Neumann”.
Máquinas universais de Turing
Em seu artigo On cumputable numbers with an application to the
Entscheidungproblem (1936), Turing resolveu a importante questão hilbertiana,
abriu novos caminhos na matemática da computabilidade, propiciou uma nova
análise da atividade mental e teve grande aplicabilidade prática: estabeleceu o
princípio do computador através do conceito de máquina universal de Turing. Essa
ideia é facilmente explicável, pois a especificação de qualquer máquina de Turing
Nos anos 1940, Stanislaw Ulam estudou o crescimento dos cristais no Laboratório Nacional
de Los Alamos e, ao mesmo tempo, John von Neumann, colega de Ulam em Los Alamos,
trabalhava em sistemas auto-replicativos e encontrava dificuldades para explicitar o seu
modelo inicial de um robô que fosse capaz de se copiar sozinho a partir de um conjunto de
peças separadas. Ulam sugeriu-lhe que se inspirasse em seus trabalhos, o que levou Von
Neumann a conceber um modelo matemático abstrato para seu problema. O resultado foi o
“copiador e construtor universal” (universal copier and constructor, em inglês), o primeiro
autômato celular, baseado numa grelha com duas dimensões onde cada célula podia estar em
um dos 29 estados. Cf.: http://pt.wikipedia.org/automato celular.
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sendo dada por uma tabela de comportamento, torna-se uma tarefa mecânica de
verificar itens em um sistema formalizado. Então, uma máquina de Turing pode ser
projetada de modo a ter a propriedade de fazer – quando lhe é fornecida a tabela de
comportamento de outra máquina análoga – o que essa outra máquina teria feito.
Uma das razões para considerar a máquina de Turing como o mais geral
dispositivo de computação é o fato de os demais modelos e máquinas propostos –
bem como suas diversas modificações –, ter, no máximo, o mesmo poder
computacional da máquina de Turing. Por isso, ele a denominou máquina universal.
Diversos outros trabalhos como “máquina de Post” (fundamental para a
linguística de Chomsky) e “funções recursivas” de Kleene resultaram em conceitos
equivalentes ao de Turing. O fato de todos esses trabalhos independentes gerarem o
mesmo resultado em termos de capacidade de expressar computabilidade foi um
forte reforço para a conhecida hipótese de Turing-Church: “A capacidade de
computação representada pela máquina de Turing é o limite máximo que pode ser
atingido por qualquer dispositivo de computação” (Menezes, 2002, p. 139). Isto é,
essa hipótese afirma que qualquer outra forma de expressar algoritmos terá no
máximo a mesma capacidade computacional da máquina de Turing. Como a noção de
algoritmo ou função computável é intuitiva, a hipótese de Church não é
demonstrável.
Turing introduziu a máquina universal como uma ferramenta no argumento
para a apresentação de um número incomputável. Como tal, ela não era necessária
para sua conclusão relativa ao Entscheidungsproblem (o problema da parada). Mas
foi logo levado à possibilidade de sua construção prática. É essa máquina universal
que justifica atribuir-se a ele a invenção do princípio do computador e é difícil, em
nossos dias, pensar as máquinas de Turing sem pensar nelas como o computador e na
máquina universal como aquela na qual rodam os programas. Mas atenção! Embora
se empregue a expressão “máquina universal de Turing”, há um grande número de
outras máquinas com esta propriedade. Turing não estava considerando máquinas
computacionais de seu tempo, e sim modelizando a ação de mentes humanas. As
máquinas físicas viriam uma década mais tarde.
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Autômatos celulares, equivalência computacional
e teoria quântica da informação
A cibernética bateu de frente com duas concepções humanistas surgidas na
modernidade e foi muito criticada por isso: 1. A ideia de uma separação clara entre
homem e máquina; e 2. A interioridade subjetiva própria do ser humano. Por essa
razão, nos anos 50 e 60 do século passado, ela assumiu ares de um Novo
Renascimento visto que acumulava descobertas técnicas e científicas de sua época. É
fato que essa crítica não é exclusiva, pois ela já pode ser verificada em Nietzsche,
Freud e Heidegger, mas é com a cibernética, mais do que com qualquer outro
modelo, que se fez a rejeição mais radical e sistemática da noção de autonomia do
sujeito ao mesmo tempo em que se forneceram as novas bases para entender o
homem e a cultura que ele produz.
A partir da ruptura com a tradicional dicotomia homem-máquina, Norbert
Wiener (1894-1964) propôs uma abordagem humano-mecânica da sociedade. A
modificação protética do corpo está no coração do projeto cibernético: “Modificamos
tão radicalmente nosso meio que devemos nos modificar a nós próprios para viver à
escala deste novo ambiente” (Wiener, 1973, p. 46). Seja para substituir um membro
amputado ou processar informação, as máquinas inteligentes são próteses, extensões
de nosso corpo. Assim como Freud já havia indicado em Mal-estar na civilização 4,
Wiener também considerava a humanidade dependente de suas próteses. E, para
Miguel Nicolelis (1961-), à medida que primatas e seres humanos ganham
competência no uso de ferramentas artificiais, seus cérebros tendem a incorporar
esses artefatos como “verdadeiras extensões contínuas de seus corpos biológicos” 5.
Em cada um de nós, esse órgão está trabalhando numa rotina frenética e permanente
“O homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de “Deus de prótese”. Quando faz uso de
todos os seus órgãos auxiliares, ele é verdadeiramente magnífico; esses órgãos, porém, não
cresceram nele e, às vezes, ainda lhe causam muitas dificuldades. Não obstante, ele tem o
direito de se consolar pensando que esse desenvolvimento não chegará ao fim exatamente no
ano de 1930 A.D. As épocas futuras trarão com elas novos e provavelmente inimagináveis
grandes avanços nesse campo da civilização e aumentarão ainda mais a semelhança do
homem com Deus. No interesse de nossa investigação, contudo, não esqueceremos que
atualmente o homem não se sente feliz em seu papel de semelhante a Deus” (Freud [1930],
1978, p. 111).
5 Também remetemos à obra seminal de Marshall McLuhan, Os meios de comunicação como
extensões do homem, que incorporou essa questão aos estudos da comunicação.
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de assimilação de tudo o que nos cerca, com o objetivo de modelar nossa autoimagem
corpórea com base num incessante fluxo de informação:
[E]le não só exibe a capacidade de ser o mais sofisticado construtor de
ferramentas parido pelo processo de evolução natural, como também
expressa o mais voraz dos apetites por incorporar os objetos que são o fruto
de nosso inconfundível e incomparável desejo de criar. Devido a tal sina,
não resta ao cérebro outro caminho que não seja continuar a adicionar, por
toda a vida, nossas roupas, relógios, sapatos, carros, computadores, talheres
e quaisquer outros instrumentos que usamos no dia a dia a representações
neurais do corpo, que se expandem e contraem, dinamicamente a cada
instante de nossa existência (Nicolelis, 2011, p. 350).
Essa hibridização funcional entre mente e tecnologia, humano e mecânico,
deflagra uma interdependência sistêmica com mútua determinação. Verdadeiro
mutante, o “agente” cibernético deve ajustar-se permanentemente ao sistema
humano-mecânico em constante evolução e adquire assim as características de
“homem sem interior”, um processo voltado para “fora”, segundo Gregory Bateson
(1904-1980). Ou seja, sem dependência de um modelo de subjetividade encarnada e
responsável pelo processo de pensamento e produção de conhecimento.
A digital philosophy (filosofia digital) é uma das direções propostas por
matemáticos e físicos como Edward Fredkin (1934-), Konrad Zuse (1910-1995),
Stephen Wolfram (1959-) e Gregory Chaitin (1947-). Trata-se da pesquisa científica
de um universo, em última instância, também discreto e informacional, isto é,
computacional. Essa área do conhecimento nasceu da física digital (termo também
proposto por Fredkin), que pensa a física teórica a partir dos autômatos celulares.
Especificamente, a física digital trabalha com a hipótese de que o universo é um
completo autômato celular de Turing. Ou seja, uma interpretação contemporânea da
metafísica monista de Leibniz, que substitui as mônadas pela dimensão dos
autômatos celulares da física digital. Ele pretende resolver problemas relacionados à
filosofia da mente e da filosofia da física, em que a mente pode ser tratada
computacionalmente. Em um universo digital, existência e pensamento podem ser
equivalentes à computação. Então, a computabilidade é a base de uma física monista
e a “subjetividade”, em última instância, surge de e em uma universalidade
computacional.
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Por exemplo, para Chaitin, criador do número Ω, é muito provável que
estejamos vivendo em um mundo digital e “que Deus prefere ser capaz de copiar
coisas de modo exato quando é obrigado, mais do que obter o inevitável aumento de
ruído que acompanha o copiar analógico” (Chaitin, 2009, p. 144).
A ideia de uma ampla artificialidade é extensiva também à naturalização do
modelo cibernético a uma escala planetária, que abrange todo o ecossistema no qual a
natureza se torna um imenso sistema cibernético 6. Hoje, essa ideia já está banalizada
– basta ver o filme Matrix, dos irmãos Andy e Larry Wachowski –, mas foi
surpreendente quando formulada pelo projeto cibernético. Nos anos 60, Zuse que
construiu os primeiros computadores eletromecânicos programáveis do mundo,
sugeriu que o universo estaria tendo lugar nas entranhas lógicas de um computador,
baseado na ideia de Von Neumann de “autômato celular”. Imaginemos um tabuleiro
de xadrez onde cada casa do tabuleiro é uma célula. Cada uma destas pode ser preta
ou branca. A cor pode mudar seguida por regras simples implantadas dentro de cada
uma delas. Estas regras são realizadas em todas as células ao mesmo tempo, toda vez
que um relógio bate. O tabuleiro é agora um autômato celular. Na esteira de Zuse, a
filosofia digital, de Fredkin, também supõe que o universo é computacional e afirma a
hipótese de que algum modelo de autômato celular pode ser programado para
funcionar como a física do universo. Ele, juntamente com Wolfram 7 e Chaitin, tem
sido um dos mais notáveis promotores da ideia do Universo como um programa
computacional constituído de informação.
Fredkin supõe que o universo é um computador, ou melhor, que o universo é
uma simulação computacional. Todas as coisas que vemos, conhecemos e fazemos
são ilusões criadas pelo software de um computador gigantesco, como o holodeck da
nave Enterprise em Jornadas nas Estrelas: Nova Geração. Tudo o que se passa no
holodeck é gerado em outra parte da nave, assim como o computador que controla o
universo está em outro lugar. Esse computador que executa o programa para simular
nosso universo não pode estar em nosso universo, pois nosso mundo é o programa
que está sendo executado naquela máquina. Embora haja ainda muita discussão
Cf. GARDNER, James. O universo inteligente: inteligência artificial, extraterrestres e a
mente emergente do cosmo. São Paulo: Cultrix, 2009.
7 O mais recente divulgador destes conceitos é Stephen Wolfram no livro A New Kind of
Science (Um Novo Tipo de Ciência), onde desenvolve a ideia do universo como um programa
de computador.
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sobre as teses de Fredkin, o fato é que ele oferece novas ideias a respeito de como o
universo funciona e que pode ser descrito em termos de processamento de
informação.
Para ele, a natureza pode ser descrita em termos de processamento
informacional. Por exemplo, a semente do carvalho que já contém toda informação
necessária para fazer uma árvore, pois quando processada adequadamente o
resultado é um novo carvalho. O futuro acontece porque um processo computacional
qualquer transforma uma informação do presente em novas condições que
representam o instante do tempo seguinte. Ou seja, novamente se toma a informação
como base da realidade: o it from bit, de John Wheeler (1911-2008), conforme
veremos mais adiante.
Por sua vez, o projeto de Wolfram, apresentado em New Kind of Science
(NKS), busca ir além das modificações de paradigmas científicos regionais. Propõe
uma mudança na própria matriz, no próprio modo de se conceber a experiência
científica e consequentemente a ciência. A sua hipótese da equivalência
computacional (computational equivalence) propõe uma nova ciência baseada em
um tipo mais geral de leis (regras) que podem ser encarnadas em simples programas
de computador. Não há razão para pensar que sistemas como esses que vemos na
natureza seguem apenas as regras tradicionais da matemática. A experiência
cotidiana nos dá a ideia de que criar complexidade é algo difícil e que requer regras e
planos que seriam eles mesmos complexos. Mas no mundo dos programas
computacionais, esta intuição parece não proceder.
Wolfram toma uma série de programas simples de computador para ver como
funcionam e se comportam: apesar de regras simples, seus comportamentos estão
longe da simplicidade. Pensando em termos de programas, podemos até mesmo
abordar comportamentos muito complexos, uma vez que princípios universais
simples parecem determinar os comportamentos dos sistemas de modo geral. Da
mesma forma que as regras para qualquer sistema podem ser vistas como
correspondentes a um programa, também seu comportamento pode ser visto como
correspondente à computação.
Na base das descobertas de Wolfram está o princípio de equivalência
computacional. Isto é, onde quer que se veja comportamento que não é obviamente
simples, em qualquer sistema, há computação de sofisticação equivalente. Esse
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princípio é tão amplo que se pode dizer que não tem precedentes na história dos
princípios científicos, pois aplica-se a fenômenos de qualquer tipo, seja natural ou
artificial. Suas implicações, além de amplas, são profundas para várias áreas do
saber. O princípio afirma que todos os processos, sejam eles produzidos pelos
esforços humanos ou ocorram espontaneamente na natureza, podem ser vistos como
resultados de computação.
O princípio de equivalência computacional assevera que, desde que vistos em
termos computacionais, há uma equivalência fundamental entre os vários tipos
diferentes de processos. Ou ainda, quase todos os processos que não são obviamente
simples podem ser vistos como computações de sofisticação equivalente. A NKS se
aplica à teoria do caos, teoria da complexidade, teoria da complexidade
computacional, cibernética, teorias dos sistemas dinâmicos, teoria evolutiva,
matemática experimental, geometria fractal, teoria geral de sistemas, nanotecnologia
(implementação de sistemas tecnológicos em escala atômica), dinâmica não-linear,
história, sociologia, economia, psicologia, psicanálise etc. Nenhum sistema pode levar
adiante computações explícitas que sejam mais sofisticadas do que aquelas feitas por
sistemas como autômatos celulares e máquinas de Turing.
Sistemas naturais operam como programas e seus comportamentos são
frequentemente complexos. A razão para que tal complexidade não seja vista em
artefatos humanos é que, ao construirmos esses aparelhos, tendemos a usar
programas
que
são
especialmente
escolhidos
para
provocar
somente
comportamentos simples o bastante para que possamos prever que ele irá atingir os
propósitos desejados 8.
“Pode-se pensar que – como no começo eu certamente o fiz –, se as regras para um
programa são simples, então isso significa que seu comportamento também deverá ser
correspondentemente simples. Nossa experiência cotidiana na construção das coisas tende a
nos dar a impressão de que a criação de complexidade é algo difícil e exige regras ou planos
que são eles próprios complexos. Mas a descoberta fundamental que eu fiz há 18 anos atrás é
que, no mundo dos programas, tal intuição está longe de ser correta. Fiz o que, em certo
sentido, é uma das experiências mais elementares que se possa imaginar em computação:
peguei uma seqüência de programas simples e comecei a rodá-los para ver como se
comportavam. E o que eu encontrei – para minha grande surpresa – foi que, apesar da
simplicidade de suas regras, o comportamento do programa estava muitas vezes longe de ser
simples. Na verdade, mesmo alguns dos programas mais simples que verifiquei tinham um
comportamento que era tão complexo como qualquer coisa que eu já tivesse visto” (Wolfram,
2002, p. 2 [minha tradução]).
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É no âmbito dessa digital philosophy que John Wheeler afirmou o “it from
bit”, o “it vem do bit”. Para ele, há uma analogia entre o modo como um computador
funciona e o modo como o universo funciona. O computador se baseia na lógica do
sim e não e talvez a mesma coisa aconteça com o universo. O universo – e tudo o que
ele contém (o it) – pode ser consequência de milhares de medidas que implicam
escolhas do tipo sim ou não (os bits) formulando uma abordagem para estudar o
universo em termos de informação; e quando uma ciência é encarada do ponto de
vista computacional, torna-se evidente que informação é mais do que simples
metáfora ou analogia. Muitos cientistas pensam hoje a informação como algo
concreto, como tempo, espaço, energia e matéria. E, nos termos de Wheeler, “tudo é
informação”.
Mas a teoria da informação clássica não é capaz de descrever a criptografia
quântica, por exemplo, pois para descrever esse fato foi necessária a criação de algo
que não existia até recentemente: a teoria quântica da informação. Essa nova teoria
nasceu na década de 90 do século passado e entre os criadores dessa nova forma de
conhecimento está Benjamin Schumacher (1962-), físico do Canyon College. Em
1992, ele apresentou o conceito de um bit de informação quântica, que ficou
conhecido como q-bit (ou qubit), que tornou possível o estudo quantitativo de
informação quântica, da mesma maneira que o bit tornou possível estudar
quantitativamente a informação no sentido clássico. É desse campo de conhecimento
que pode emergir uma máquina até mais poderosa do que aquela que Fredkin havia
imaginado: o computador quântico. Foi o que levou Feynman, por exemplo, a
afirmar que é possível simular um sistema quântico através de um computador
construído a partir de elementos quânticos: “Não estou falando de uma máquina de
Turing, mas de outro tipo de máquina” (Siegfried, 2000, p. 83). Mesmo que não
tenha dito que forma esta máquina teria, há a conjectura de uma máquina superior
ou mais abrangente do que a máquina de Turing. Essa é uma questão básica para
nossa pesquisa.
É a partir dessas referências que pretendemos comentar e cotejar a máquina
de revirão (Magno), como um modelo psicanalítico e lógico para pensar a mente para
homens, máquinas e para o próprio universo e que pode apontar para a questão
crucial que atravessa todo esse campo de conhecimento: a proposta de uma mente
topo de linha, limiar, a partir da qual todas as outras formas de mente, como na
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escala sugerida por Kurzweil, podem ser pensadas.
Vejamos,
antes
ainda,
aplicações do modelo das máquinas computacionais descritas acima em outras áreas
do conhecimento.
A linguística de Chomsky
A linguística também foi afetada pelas ideias que vinham de teoria da
informação e da cibernética debatidas nas Conferências Macy. A teoria chomskiana,
que teve início com Syntactic Structures (1957), vê a língua como “um espelho da
mente” e isso constitui uma das razões mais importantes para a sua opção de estudar
a língua. Essa hipótese de Noam Chomsky (1928-) foi decisiva para a chamada
“revolução cognitiva” moderna. Ela afirma que a faculdade da linguagem parece ser
uma propriedade real da espécie humana, e que varia muito pouco entre os humanos.
Considera também a “linguagem como um órgão”, um subsistema de um sistema
complexo e postula que esse dispositivo é comum a todos e seria o estágio inicial do
sistema linguístico, que recebe input da experiência e produz linguagem como
output, uma rede fixa conectada a um painel distributivo em que as chaves são
opções a serem determinadas pela experiência. Se essas chaves são ajustadas de uma
forma, temos uma língua e, de outra forma, temos outra língua. Desse modo, cada
língua tem uma quantidade de parâmetros e pequenas mudanças nas configurações
podem gerar uma grande variedade aparente de output, pois o efeito prolifera através
do sistema. Cada língua resulta da ação recíproca do estado inicial e do curso da
experiência.
Esse dispositivo está supostamente encaixado na arquitetura maior do cérebro
e interage com outros sistemas que impõem condições que têm que ser satisfeitas
para serem utilizáveis. Chomsky chama a esses processos de condições de legibilidade
que possibilitam que o sistema sensório motor leia instruções sobre o som e que os
aparatos articulatórios interpretem certas propriedades fonéticas e não outras. Esses
sistemas impõem condições de legibilidade aos processos gerativos da faculdade da
linguagem, que devem prover expressões com a forma fonética adequada. O mesmo
acontece com as “representações semânticas”. Afirma que, como a língua tem som e
significado, isso implica duas interfaces na mente, uma conceitual e outra sonora. É
bem conhecida a crítica feita à linguística gerativa acusando-a de tomar a faculdade
da linguagem humana de forma isolada, divorciada da semântica, das funções da
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linguagem, e de outros aspectos humanos como o social, o biológico, o experiencial e
o cognitivo. Os defensores do modelo da gramática universal (GU), entretanto,
acreditam que o input recebido do ambiente não é suficiente para explicar a aquisição
de nenhuma língua, materna ou estrangeira, pois não é aceitável que se possa
adquirir conhecimento linguístico tão complexo, ou competência, com tão pouco
input. Chomsky define língua como
(...) um conjunto (finito ou infinito) de frases, cada uma finita no seu
tamanho e construída a partir de um conjunto finito de elementos. Todas as
línguas naturais (...) são línguas neste sentido, uma vez que cada língua
natural possui um número finito de fonemas (ou de letras no seu alfabeto) e
que cada frase pode representar-se como uma sequência finita desses
fonemas (ou letras), embora o número de frases seja infinito (Chomsky,
1980, p. 15).
Com os conhecidos exemplos, “1. Colorless green ideas sleep furiously; (2)
Furiously sleep ideas green colorless”, afirma que a ideia do que é gramatical não é de
base semântica, pois, apesar do exemplo 1 ser um nonsense, qualquer falante da
língua inglesa aceitaria a primeira frase como gramatical, mas o mesmo não
aconteceria com a segunda. Levanta, então, a hipótese de que teríamos um
mecanismo semelhante a uma função algorítmica computacional presente nos
diferentes estados internos: o primeiro deles seria o estado inicial (input) e o último o
estado final (output). A operação começa no estado inicial, percorre uma sequência
de estados (produzindo uma palavra em cada transição), e termina no estado final, de
modo análogo à máquina de Turing. A sequência de palavras produzida é a “frase”
(sentence). Cada máquina define então uma determinada língua, isto é, o conjunto de
frases que podem ser produzidas dessa forma. Qualquer língua que possa ser
produzida por um mecanismo desse tipo, é denominada língua de estado finito e
pode-se chamar esse mecanismo de gramática de estado finito. Chomsky demonstra
que são os processos de formação de frases são finitos e que a recursividade faz com
se produzam frases infinitamente. A gramática é assim um recurso gerador de frases
(= uma máquina) e propõe o estudo da gramática independente da semântica.
Então, sua proposta é de um estudo de estruturas básicas e suas regras de
transformação. Nasceu assim a gramática gerativa ou teoria transformacional que
considera a língua como constituída de autômatos computacionais e afirma que sua
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teoria se baseia principalmente nas teses de Humbolt, que já declarava que “uma
língua “faz uso infinito de meios finitos” e de que “a gramática dessa língua deve
descrever os processos que tornam isso possível”.
Para ele, “uma gramática reflete o comportamento do falante que, a partir de
uma experiência de língua, finita e acidental, consegue produzir ou compreender um
número infinito de novas frases” (1980, p. 17). A distinção que Chomsky faz em
Syntactic Structure entre frases geradas pela gramática (a língua) e a amostra dos
enunciados produzidos, em condições normais de uso, pelos falantes de uma línguamãe (o corpus), desenvolve-se posteriormente com a dicotomia competência e
desempenho (Lyons, 1995, p. 38). Competência é definida como o conhecimento que
o falante-ouvinte possui de sua língua e desempenho como o uso efetivo da língua em
situações concretas. Ele associa essa dicotomia à langue e parole de Saussure, mas
rejeita o conceito de langue “como sendo meramente um inventário de itens” e adota
a concepção humboltiana de competência subjacente como um sistema de processos
gerativos. Assim, aproxima o conceito de aceitabilidade à performance e a
gramaticalidade à competência (Chomsky, 1980). Outro conceito importante é o de
dispositivo de aquisição de linguagem (DAL), que ultrapassa os propósitos deste
artigo e será retomado em outra ocasião.
Psicanálise, cibernética, estruturalismo e antropologia
Quer se trate das da realidade virtual (RV) e das redes, do ciborgue e seus
dispositivos bioinformáticos, deparamo-nos com a herança do modelo cibernético e
sua ideia genérica de controle de sistemas que dispensa a categoria de sujeito do
conhecimento, sobre a qual se assentou a ideia de homem moderno desde Descartes.
De Bateson a Lacan, de Lévi-Strauss a Sloterdijk, de Jakobson a Badiou, a ideia de
sujeito passa por sucessivas críticas, reformulações e abstrações que se encaminham
para seu progressivo desaparecimento. Apesar da complexidade em jogo no
pensamento desses autores, nota-se a permanência de um paradigma que passa do
estruturalismo à teoria dos sistemas, do pós-moderno ao pós-humano, do
ciberespaço à reconfiguração biotecnológica dos corpos, das neurociências à
inteligência artificial (IA) etc., no qual se constata a negação da herança humanista e
o exercício de uma lógica de dessubjetivação típica do modelo cibernético.
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O pensamento de Roman Jakobson (1896-1982), em seu contato com a
cibernética e a teoria da informação 9, ganhou a consistência necessária para firmarse e influenciar pensadores europeus como Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e
Jacques Lacan (1901-1981). É por intermédio do estruturalismo que a cibernética
fixou-se de forma duradoura na Europa. Na época, representavam uma resposta
científica aos horrores da Segunda Guerra Mundial e na crescente suspeita de pósguerra que recaia sobre a ciência e a técnica ao mesmo tempo em que havia uma
perda de confiança no homem e nos ideais humanistas em vigor.
Em Tristes trópicos, Lévi-Strauss transformou a antropologia em entropologia
(entropia + logia), fazendo ressonância às propostas de Wiener – que descrevera seu
entendimento do homem como “náufragos num planeta condenado à morte”
(Wiener, 1973, p. 36-37) –, afirmando que “incumbe ao homem viver e lutar, pensar e
acreditar (...) sem jamais ser livre da certeza adversa de que não estava outrora na
terra e de que não o estará para sempre, e de que, com seu desaparecimento
inelutável da face do planeta, também ele condenado à morte, os seus labores, as suas
alegrias, as suas esperanças e as suas obras desaparecerão como se nunca tivesse
existido” (Lévi-Strauss, 2011, p. 670).
O estruturalismo, assim como a cibernética, destacou-se desde o início como
um pensamento de desconstrução e destruição da noção de sujeito. É no paradigma
da cibernética que Lévi-Strauss afirma seu modelo antropológico de “espírito sem
sujeito”, base de seu arcabouço teórico. Se Wiener suspeitava que seu modelo
dificilmente seria aplicado às ciências humanas, por outro lado Lévi-Strauss replicava
que a linguística estrutural estava em condições de sustentar essa exigência, pois,
segundo ele, a estrutura da linguagem pode ser descrita a partir de longas séries
estatísticas e se constitui como “objeto independente do observador”, segundo a
exigência da epistemologia clássica. Esse modelo, que se ancorava na linguística
estrutural de Saussure e na fonologia de Jakobson – influenciado pela fonologia de
Nikolay Trubetskoy (1890-1938) e pela teoria da informação de Shannon (os bits) –,
descreve a língua como unidades sonoras (os fonemas) estruturadas como códigos e
Segundo François Dosse, o sucesso do estruturalismo na França em muito se deveu ao
encontro de Lévi-Strauss e Jakobson em Nova York em 1942, ao mesmo tempo que se dava
também o encontro entre o estruturalismo e a cibernética na 5ª conferência Macy. Jakobson
estava na primeira linha das discussões entre cibernética e teoria da informação (Dosse,
1993, v. 1, p. 75-81).
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constituídas por leis invariáveis, à moda das ciências duras. A antropologia passa,
assim, a estudar os códigos culturais humanos, de modo a extrair deles leis gerais e
“estruturas universais”. O interesse de Saussure, Jakobson, Shannon e Wiener recai
sobre as relações e os sistemas e não sobre os referentes ou objetos. Quéré, por
exemplo, destaca as relações existentes entre o modelo informacional e o
estruturalismo: 1. Antecede a mensagem; 2. Delimita as balizas da comunicação; 3. É
independente dos conteúdos informativos; e 4. Está numa posição de exterioridade
em relação à fonte (emissor) (Queré apud Lafontaine, 2007, p. 89). É nesse sentido
que Saussure entendia que não é o falante que fala a língua, mas sim que é falado por
ela.
Foi a partir da teoria sobre o simbólico de Lévi-Strauss que Lacan recompôs a
psicanálise freudiana, afastando-a principalmente das referências biológicas e
afirmou que “[o] insconsciente não é o primordial, nem o instintivo, e, de elementar,
conhece apenas os elementos do significante” (Lacan, 1998, p. 526), lugar vazio das
trocas simbólicas. Mas é a partir do Seminário 2 [1954-55] que surgem na obra de
Lacan as marcas das teorias cibernéticas e informacionais. Com a noção de simbólico,
ele afirma que “a função simbólica constitui um universo no interior do qual tudo
aquilo que humano deve ordenar-se” 10 (Lacan, 1985, p. 44) e acrescenta que “o
mundo simbólico é o mundo da máquina” 11 (Lacan, 1985, p. 66) e, nesse mesmo
raciocínio, põe o homem como sujeito descentrado e lembra que as máquinas
também são feitas de discurso (informacional):
Concebido como pura ficção, o sujeito lacaniano só existe no horizonte da
ordem simbólica que o determina, que toma a forma de circuito cibernético.
Pelo menos é isto que Lacan defende quando afirma que o inconsciente é o
discurso do outro, não de um outro “abstrato”, mas sim o “o discurso do
circuito em que estou integrado (Lafontaine, 2007, p. 97).
“(...) A função simbólica não é nova como função, ela tem lineamentos em outros lugares
que não na ordem humana, mas trata-se apenas de lineamentos. A ordem humana se
caracteriza pelo seguinte – a função simbólica intervém em todos os momentos em todos os
níveis de sua existência” (Lacan, 1985 [Seminário Livro 2], p. 44).
11 “A palavra é inicialmente este objeto de troca com o qual a gente se reconhece, e porque
vocês disseram a senha, a gente não quebra a cara, etc. A circulação da palavra começa assim,
e ela se infla a ponto de construir o mundo do símbolo que permite cálculos algébricos. A
máquina é a estrutura como desvinculada da atividade do sujeito. O mundo simbólico é o
mundo da máquina” (Lacan, 1985, p. 66).
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Esse “circuito integrado” a que ele se refere diz respeito ao circuito das “portas
cibernéticas”, cuja cadeia combinatória funciona independente de qualquer
subjetividade e Lacan define a cibernética como “uma ciência da sintaxe” (Lacan,
1985, p. 380). Se lembrarmos da primazia que a linguística estrutural dá à fonologia e
à sintaxe (e, por isso, do papel atribuído ao significante), compreende-se que o
simbólico, para Lacan, é uma transposição do modelo cibernético, uma verdadeira
encarnação maquínica do simbólico – muito diferente do imaginário – que ordena a
cultura humana. Para Lacan, o simbólico se impõe a partir do exterior, segundo as
mesmas combinações matemáticas apresentadas por Lévi-Strauss e, dessa forma,
concebe o ser humano unicamente em sua relação com o Outro, com o universo
simbólico da mediação. É claro que a psicanálise lacaniana não se restringe a isso, e o
próprio Lacan vai fazer ainda sucessivas viradas teóricas e clínicas, mas já se pode
medir até aqui o quanto essas articulações são sintomáticas das influências da
cibernética em seu pensamento.
Outro exemplo, na mesma linhagem da sintaxe importada da teoria da
informação é a lógica do significante (Dor, 1989), formulada a partir do signo
linguístico de Saussure, constituído de significado (conceito ou representação
psíquica) e significante (imagem acústica). Lacan retomou o conceito de significante
como elemento central de sua teoria, entendido como elemento significativo do
discurso que determina os atos, palavras do “sujeito”. Essa noção foi construída a
partir de Saussure e Lévi-Strauss e posteriormente incluiu as articulações de
Jakobson sobre os dois eixos da linguagem (sintagma e paradigma), resumidos na
metáfora e na metonímia.
Além de tudo que já se falou sobre a lógica do significante em Lacan, podemos
acrescentar mais um aspecto: no movimento de representação do sujeito lacaniano de
um significante para outro significante, o movimento no sentido de atingimento do
objeto do desejo (objeto a), esse objeto se desloca metonimicamente para um
horizonte sempre inatingível. Parece estar em um processo perene de dissipação,
como algo que sempre escapa a qualquer movimento de apreensão. Esse é o sentido
entrópico do objeto a. Permanece ainda nessa lógica do significante algo que lembra
as bases da teoria da informação e seus fundamentos físicos. No processo mesmo de
produção da informação a partir da entropia, algo permanentemente se perde,
justamente aquilo que poderia fechar o circuito do processo informativo. Estamos no
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vigor do modelo cibernético, informacional de base termodinâmica e do
entendimento da funcionalidade da mente a partir de um paradigma cibernético e
informacional.
Além dessas relações acima apresentadas entre a psicanálise desse momento e
a cibernética, podemos também destacar outros aspectos que também têm uma funda
relação como esse paradigma e sua ideia de artificialismo geral do universo: por
exemplo, a ideia de “desmontagem da pulsão” (Lacan, 1979, p. 153-64), quando dá
claro indicativo de que o circuito pulsional opera como uma máquina. Lacan,
juntamente com Freud, descarta as possibilidades de redução da ideia de pulsão a
qualquer sentido puramente biológico ou orgânico. Destaca que, quando Freud fala
de “investidos pulsionalmente”, destaca que a característica da pulsão é ser uma
konstante Kraft, uma força constante. E ele não a concebe como uma momentane
Stosskraft (no sentido de (força de) momento na cinemática, quem sabe referência a
uma força cinética):
A constância do impulso proíbe qualquer assimilação da pulsão a uma
função biológica, a qual tem sempre um ritmo. A primeira coisa que diz
Freud da pulsão é, se posso me exprimir assim, que ela não tem dia nem
noite, não tem primavera nem outono, que ela não tem subida nem descida.
É um força constante. Seria preciso levar em conta igualmente os textos e a
experiência (Lacan, 1979, p. 157)
Segundo Lacan, a pulsão se parece com uma montagem que, de saída, se
apresenta como não tendo “pé nem cabeça” – no sentido em que se fala de montagem
numa colagem surrealista.
Se aproximarmos os paradoxos que vimos de definir no nível do Drang ao
objeto, ao do fim da pulsão, creio que a imagem que nos vem mostraria a
marcha de um dínamo acoplado na tomada de gás, de onde sai uma pena de
pavão que vem fazer cócegas no ventre de uma bela mulher que lá está
incluída para a beleza da coisa. A coisa começa a se tornar interessante pelo
seguinte, que a pulsão define, segundo Freud, todas as formas pelas quais
se pode inverter tal mecanismo. Isto não quer dizer que se reverte o dínamo
– desenrolam-se seus fios, são eles que se tornam a pena de pavão, a
tomada do gás passa pela boca da moça e pelo meio sai um sobre de ave
(Lacan, 1979, p. 161).
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Lacan então articula um de seus raciocínios mais importantes sobre a pulsão:
“(...) a curva da terminação da sexualidade no ser vivo. Como espantar-se que seu
último termo seja a morte? Pois que a presença do sexo está ligada à morte” (Lacan,
1979, p. 168). Essa metáfora da curva, do arco, foi retirada de Heráclito: “Ao arco é
dado o nome da vida (Bios) e sua obra, é a morte” (Lacan 1979, p. 168). E Lacan
acrescenta: “O que a pulsão integra de saída em toda a sua existência, é uma dialética
do arco, diria mesmo do arco e da flecha. Por aí podemos situar seu lugar na
economia psíquica” (p. 168). Nessa trajetória, assim descrita, ressoa a tradição do
modelo termodinâmico e cibernético.
Máquinas desejantes
Na sequência do acima exposto, poderíamos tratar também de outras questões
ligadas à computação e à cibernética, mas que não cabem no espaço deste breve
artigo. Dando um salto, faremos aqui uma breve apresentação de questões propostas
por Deleuze e Guattari que tomaram o conceito de máquina como pensada a partir de
Turing e da cibernética, para articular aspectos fundamentais da mente segundo a
psicanálise – como o quadro pulsional descrito por Freud –, além da crítica
endereçada a uma estagnação da psicanálise em que havia recaído o legado freudiano
no final dos anos 60.
Do começo ao final do Anti-Édipo vemos a afirmação de que tudo é máquina,
de modo que na produção da realidade só há maquinações. Quando Deleuze e
Guattari empregam o termo máquina, a intenção parece ser a subversão do sentido
adquirido nas teses mecanicistas para pensar uma maquinaria que não só representa
o homem e a natureza, mas também como aquilo que os produz incessantemente.
Esses arranjos maquínicos funcionarão por si mesmos, dispensando a ação de
qualquer elemento transcendente para torná-los animados ou para designar-lhes
princípios e finalidades. E aí não se trata de metáfora da realidade, mas é a própria
realidade em sua produção por todos os domínios e escalas, em produção desejante
permanente. Para eles, o homem constitui uma só peça com a máquina ou constitui
uma só peça com outra coisa para constituir uma máquina, que pode ser um artefato,
um animal ou outros homens. Isso, desde que esse caráter seja comunicado por
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recorrência ao conjunto de que faz parte em condições bem determinadas (Deleuze &
Guattari, 1972, p. 404).
Em toda parte são máquinas com seus acoplamentos e conexões. Uma
máquina órgão para uma máquina energia, sempre fluxos e cortes. Há
sempre uma máquina produtora de um fluxo e uma outra que lhe é ligada,
operando um corte, na extração de fluxo (o seio – a boca) como a primeira é
por sua vez ligada a uma outra, em relação à qual ela se comporta como
corte ou extração, a série binária é linear em todas as direções. O desejo não
cessa de efetuar acoplamentos de fluxos contínuos e de objetos parciais,
essencialmente fragmentários e fragmentados. O desejo faz escorrer,
escorre e corta. Fluxo de babas, esperma, urina, que são produzidos por
objetos parciais, constantemente cortados por outros objetos parciais, os
quais produzem outros fluxos, recortados por outros objetos parciais
(Deleuze e Guattari, 1976, p. 20).
Os autores efetuam análises críticas originais da psicanálise, e oferecem
propostas teóricas e práticas para os problemas que identificam no legado freudiano.
Pretendem conceber um inconsciente imanente e produtivo e o registro econômico
do inconsciente freudiano é valorizado nesse projeto.
Os conceitos de máquina desejante e corpo sem órgãos12, por exemplo,
articulam-se com a teoria das pulsões na retomada positiva e específica da teoria
freudiana através dos conceitos de máquina desejante e de corpo sem órgãos,
empreendimento vigoroso na investigação do inconsciente e do desejo, onde se busca
retomar linhas alternativas que nascem da própria psicanálise, mas que estavam
esquecidas. Dois princípios se destacam nessa leitura: 1. O inconsciente não é
representativo, mas produtivo (“o inconsciente não é um teatro, mas uma fábrica,
uma máquina de produzir”); 2. O inconsciente não se constitui no campo individualfamiliar, mas no campo social (“o inconsciente não delira sobre papai-mamãe, ele
delira sobre as raças, as tribos, os continentes, a história e a geografia, sempre um
campo social”). As afirmações de certo modo resumem o tipo de confronto que eles
estavam tendo com a psicanálise daquele momento.
Remetemos o leitor a O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia (Rio de Janeiro: Imago,
1972) e Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia (Rio de Janeiro: Editora 34, 1995-1997),
obras seminais dos autores sobre essas questões.
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Em oposição à mecânica que concebe o inconsciente como um organismo,
constrói-se um modelo de fluxos livres e não codificados, com um funcionamento
maquínico que reconheça os aspectos moleculares marcados pelas dispersão e
interação autônomas de suas partículas na consideração de que os organismos são
máquinas que contém tal abundância de partes que devem ser comparados a peças
extremamente diferentes de máquinas distintas que se remetem umas às outras,
maquinando uma sobre as outras (1972, p. 296). E o motor das máquinas é o desejo:
“a máquina introduz-se no desejo, a máquina é desejante e o desejo maquinado”
(1972, p. 297). Empregando uma articulação que provém da cibernética, eles também
unificam as categorias de homem, natureza e máquina, onde o humano, o natural e o
maquínico são a mesma coisa, pois todos são processos de produção molecular. Já
não há nem homem nem natureza, mas unicamente um processo que os produz um
no outro, e liga as máquinas: tudo é máquina (1972, p. 8). Assim, o princípio
unificador de todos os seres encontra-se no próprio processo de composição e
fragmentação das máquinas desejantes. Trata-se de um processo infinito em que tudo
é produção de máquinas, resultado de outra produção de máquinas.
Nosso interesse neste artigo é o destacamento que Deleuze e Guatarri puderam
fazer sobre a psicanálise freudiana a partir de referências explícitas das máquinas de
Turing e da cibernética. Essa correlação pode ser importante para a articulação que
vem a seguir.
A mente-espelho da Nova Psicanálise
Segundo MD Magno 13, uma das coisas que sempre chamou a atenção no
pensamento é o fato de, ao que quer que seja colocado para nossa mente, o contrário
também ser pensável ou exigível. Pensadores de diversas áreas se depararam com
essa qualidade básica do psiquismo, o qual, por outro lado, está configurado
mediante aparelhos de recalque, limitações e travamentos. Mesmo que pareçamos
Criador da Nova Psicanálise ou NovaMente, em 1986, na linhagem Freud-Lacan. É uma
nova articulação da psicanálise a partir do conceito de pulsão (considerado como conceito
fundamental) e suas consequências. Esse pensamento tem se mostrado à altura das
complexas questões contemporâneas em múltiplos campos do conhecimento e coaduna-se
com teorias científicas atuais e frequentemente demonstrou antecipá-las em pontos cruciais.
Os Seminários e Falatórios de MD Magno estão sendo publicados desde 1977. Para maiores
informações: www.novamente.org.br.
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constantes, o que se passa em nossas mentes é um vale-tudo radical, pois, ao que
quer que se diga, com um pouco de esforço, é possível virar pelo avesso (Magno
[1999], p. 29).
A essa competência da mente e suas possibilidades, a nova psicanálise14
chama de revirão 15, fundamentado no princípio de catoptria (do gr. katóptron =
espelho), princípio de base psicanalítica que afirma que o que quer que haja evoca seu
avesso ou enantiomorfo. Esta competência é dada e está disponível a qualquer
pessoa que dela faça uso. Destaca-se nessa articulação um desejo de simetria
absoluta como princípio primeiro e organizador de tudo que há em qualquer tempo e
lugar. Se essa simetria se produz ou não, não é a questão principal, pois isso depende
das condições de resistência das formações em jogo, pois o que se destaca é a simetria
como possibilidade constante e sempre em busca de sua efetivação (Magno, [1990],
v.1, p. 105). O funcionamento do princípio de catoptria é conjeturado para o Haver 16,
donde sua aplicação aberta e genérica: o que quer que haja, em qualquer ordem de
havência, tem a propriedade de ser uma forma simetrizável ou reversível em seu
avesso, contrário ou oposto. Trata-se de catoptria radical, pois ao que quer que se
coloque, tem-se o avesso “em todos os sentidos e com várias possibilidades de
avessamento interno a esse processo: enantiomorfia total” ([1990], v.1, p. 106-107).
Ao final do texto, Pequeno Glossário da Nova Psicanálise, com definições dos conceitos
aqui empregados.
15 O termo revirão foi cunhado a partir da criação de James Joyce, em Finnegans Wake,
riverrun e da tradução que dele fizera Glauber Rocha no título de seu romance Riverão
Sussuarana. Além do próprio verbo da língua portuguesa “revir”, que, segundo o Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, vem do latim “revenire” e significa “vir de novo”,
“voltar”, “regressar”.
16 Haver: primeiramente, o Haver (forma substantivada) é concebido, em sentido
cosmológico, como conjunto aberto do que HÁ – o que se chama universo ou multiverso, por
exemplo –, em qualquer forma e disponibilidade com que se apresente. O que quer que haja,
materialmente dado ou ficcionalmente construído, real ou virtual, manifesto ou latente, faz
parte do Haver e suas possibilidades de mutações. Nele não há “fora”, o que quer que haja lhe
pertence e isso que há se constitui como Um, único e singular. Mas esse Haver não é estático
ou imóvel. Suas conformações estão em permanente agonística e metamorfose, pois o Haver
é “movimento desejante puro: tudo que deseja é não-Haver” (Magno [1990], v. 1, p. 89). A
causa desse movimento é a força básica suposta ao Haver é o que Freud nomeou como
Pulsão [de morte] em Além do Princípio do Prazer (1920) (Magno [1992], 14) e (Alonso,
2010).
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O que qualifica esse princípio é a catoptria, o puro espelho como modelo de
operação lógica de avessamento que estrutura os movimentos da mente e do Haver,
questão nuclear na obra de Magno 17.
A máquina de revirão
Torna-se senso comum em nosso tempo o reconhecimento de que o homem é
um ser artificialista e tecnológico, um “deus de prótese”, como disse Freud em O
mal-estar na civilização. Cria o mundo mediante artifícios e artefatos, através de
operações de transformação ou metamorfose de tudo que o cerca. Ele tem
competência e desempenho (Chomsky) mental para tanto. As mutações que deixa no
planeta Terra, na Lua e, em breve, provavelmente em outros astros – desde a
domesticação do fogo às mais complexas naves espaciais –, dão prova dessa vocação
tecnológica. Nesse sentido, todas as formas de arte e de técnica atestam os mais
variados interesses que ultrapassam a utilidade imediata de qualquer aparelho ou
engenho e se constituem como extensões de sua mente e de seu corpo (McLuhan,
2005). Também pode-se verificar, cada vez mais, que não há barreira radical ou
heterogeneidade entre o que constrói artificialmente e o mundo natural e físico em
que vive.
Se a mente está aparelhada para operar essas transformações, é provável que
haja compatibilidade entre o sistema que nos constitui e aquele que podemos
transformar mediante novos artifícios. Todas as limitações e recalques com que nos
deparamos diariamente – naturais ou culturais – são efeitos de parcializações ou
fronteiras que, de algum modo, produzem a separação das coisas entre si, gerando a
relação “dentro / fora”, “eu / outro”, “inclusão / exclusão”, etc. Por outro lado, os
artifícios que fabricamos são possibilidades de dissolução de tais fronteiras, mas
posteriormente também eles se tornam novas formas de prisão e limitação. Não há a
prótese definitiva que possa resolver tudo de uma vez por todas.
Desde seus artigos O hífen na barra (1972), Gerúndio (1973) e de seu primeiro Seminário
Senso contra censo: Da obra de arte (1976). Além de recorrer à tradição lacaniana de tomar
o espelho como modelo estrutural do sujeito, ele se utiliza sistematicamente de outros
autores para extrair um entendimento das propriedades reflexivas do espelho, no sentido de
sua lógica e competência de reflexão. Sobretudo, das obras de Marcel Duchamp (Le Grand
Verre e Etant Donnés), Fernando Pessoa, Lewis Caroll, Guimarães Rosa (Grande Sertão:
Veredas e Primeiras Estórias) e Velázquez, (o quadro As Meninas). Esses autores são
referências constantes em sua produção.
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Como dissemos, a nova psicanálise apresenta uma hipótese para esta
habilidade de artificialização de nossa mente. Toda produção artística e tecnológica
feita pelo homem resulta de uma função de simetrização, a função catóptrica da
mente. Ela é concebida como máquina que espelha ou revira o que quer que se lhe
apresente, produzindo o arquivo infinito de artifícios (a cultura) com que a
humanidade convive há milhares de anos. Esse modelo destaca a função de reversão,
avessamento ou revirão de que o cérebro é capaz como sendo a função originária que
teria tornado possível o surgimento da linguagem, da arte, da técnica, da ordem
simbólica (com suas transcrições ou traduções culturais e comportamentais).
Sendo, antes de tudo, uma máquina de avessamento ou revirão, a mente é a
competência de articular as informações recebidas no regime de sua enantiose, isto é,
no regime de pura e simplesmente poder efetivar a função contrária do que
comparece. Por enantiose ou enantiomorfismo devemos entender a operação de
avessamento de toda e qualquer formação que nossa mente é capaz de sonhar ou
pensar, por ser sua competência fundamental a habilidade de propor uma formação
reversa.
A nova psicanálise designa como idioformação 18 a qualquer formação do
Haver constituída primária e secundariamente com a eventual disponibilidade de ser
comovida pela hiperdeterminação, conceito que será comentado mais abaixo. O caso
conhecido é o homem, mas podem ser outras formações como os ETs, “máquinas
espirituais” (Kurzweil, 1999) ou qualquer outra que tenha tal competência e
desempenho. Magno chama de pessoa às idioformações do “nosso caso”, a “espécie
humana”. Pessoa é uma rede de formações em transa e que resistem a quaisquer
outras que lhe sobrevenham. Essa rede infinita organiza-se em polo com foco e
franja (Magno [2005], p. 106-115). O “ser humano” é caso de encarnação dessa
disponibilidade ao reviramento que há no Haver. Assim, não é a chamada “espécie
Magno [1995], p. 231: “Uma idioformação é uma (qualquer) formação que tenha disponível
para si (mesmo que não aplicada hic et nunc) a hiperdeterminação. Então, essas coisas que
chamam de gente, que se tem o hábito de, não sei por quê, chamar de Sujeito – pois não há aí
Sujeito disponível o tempo todo –, são idioformações não porque são Sujeitos, ou
subjetividades, mas porque são formações tão sintomáticas, tão limitadas quanto quaisquer
outras mas tendo a disponibilidade eventual da hiperdeterminação – coisa que outras
formações não têm. Chamo-as de idioformações pois parecem completamente idiotas quando
não estão no exercício da hiperdeterminação. Assim fica melhor, pois se descola das pessoas,
da história do tal Sujeito. Pode haver por aí outras idioformações desconhecidas por nós”.
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humana” que qualifica o revirão, conforme veremos a seguir. Pelo contrário, é o
homem que é por ele qualificado. Pode-se se reconhecer que há pulsão, como revirão,
e que somos um caso de encarnação dessa ordem disponível ao reviramento –
tratando-se então de um caso de idioformação –, embora seja a única que
conhecemos até o momento.
Pessoa e hiperdeterminação
Conforme já vimos, quando se trata de “idioformação do nosso caso” (seres
humanos), a nova psicanálise chama de pessoa. Essa ideia, que resulta da concepção
da mente como espelho, pode nos dar uma noção da compatibilidade da tese
psicanalítica com as pesquisas da cibernética e da informática. No aparelho teórico
que estamos descrevendo, a pessoa é concebida como uma rede de formações
“naturais” e “culturais”, com vários níveis e em interações recíprocas, que se organiza
em polos que, por sua vez, se apresentam de modo focal e franjal 19. É uma formação
complexa, com n componentes que se organizam em dada configuração, que também
pode estar gravitando em torno de outras formações e assim sucessivamente. E, como
todo polo, é um aglomerado de resistências a outras formações já constituídas e
também organizadas polarmente.
O que caracteriza a pessoa em sua singularidade é poder ser, ainda que
aprisionada em um grande conjunto de formações que a determinam e constituem,
afetada eventualmente pela hiperdeterminação: poder ser afetada pelo determinante
último e radical capaz de produzir eventos que suspendem as outras formas de
determinação em vigor e possibilitam o surgimento de formações originais e novas
“...ao considerar as formações, é preciso fazê-lo no sentido abrangente, pois isso é
infinitamente grande para todos os lados e não sei quais são suas conexões. Lembram do que
eu dizia do foco e da franja, e de que, até para se produzir um conhecimento, uma quantidade
de coisas fica fora? Não só o campo é infinito de formações, pois não há como fazer a leitura
dele todo, como cada uma das formações tem que ser pensada como formação de formações,
não se sabe onde isso termina. A história da física, por exemplo, antigamente parava na ideia
de átomo, mas foi crescendo: o átomo tomou outra característica e hoje temos a suposição,
incomprovada ainda, de que há umas três ou quatro cordas mínimas como última formação
das formações. Será? A infinitude, tanto na abrangência do campo como dentro de cada
formação, é fractal. É o conceito de Mandelbrot, de que já falei aqui há anos: a coisa vai se
expandindo para dentro e para fora. Pode-se até, com frequência, ter uma forma mínima que
percebemos organizar todo o campo, mas aquilo é infinito no extensivo e no intensivo”
(Magno [2000/2001], p. 481).
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configurações no sistema. A HiperDeterminação, como Magno escreve, é a
possibilidade de ocorrência de neutralização no conjunto das forças que existem em
dada situação. Então, mesmo que determinada e oprimida pelo conjunto de
formações que a constituem, há para a pessoa a possibilidade de exasperação, de
atrito em um ponto limite que revira tudo pelo avesso (princípio de catoptria /
revirão) e repõe o jogo novamente, porque não há saída para “fora” desse sistema. É
o vigor máximo da função catóptrica. Dessa forma, é possível acontecer um ato de
criação para o vivido nessa experiência e a emergência de uma nova prótese, de uma
tecnologia, que facilite o manejo da realidade.
O único caso conhecido de pessoa até o momento, com mente revirante,
somos nós mesmos, mas talvez haja outras formações também complexas que sejam
afetadas pelo movimento hiperdeterminante e pelo reviramento – “extraterrestres”
(ETs), ou futuramente “máquinas espirituais” (Kurzweil, 1999) –, com mente
homóloga quanto à competência e performance.
Ray Kurzweil (1948-) chama de singularidade (2005, p. 9) o momento de
culminância da união entre nossa existência e os pensamento biológicos com a
tecnologia, o que resultará em um mundo ainda humano, mas que transcende nossas
raízes biológicas. Na pós-singularidade, não haverá distinção entre humano e
máquina ou entre realidade física e virtual. Se podemos supor que algo de humano
ainda vai restar neste mundo é o fato de pertencermos à espécie que busca ampliar
seu limite físico e mental para além do meio que a cerca. A hipótese de Kurzweil é
convergente com a de pessoa que a nova psicanálise está propondo para pensar nosso
tipo de mente. Ocasionalmente, somos capazes de atos radicais de criação em
qualquer campo do conhecimento, criação esta que resulta da mente revirante e
especular que portamos.
O algoritmo fundamental da psicanálise
Ao afirmar que o inconsciente é máquina de revirão, de avessamento, Magno
também considera que há função catóptrica como repetição de um “princípio
alucinatório” constitutivo da mente. Mente esta cuja base é sua competência de
indiferenciação, de neutralização das polaridades ou diferenças que comparecem
mediante a função catóptrica (que a tudo põe a possibilidade de avessamento). Os
travamentos e emperramentos desta função resultam do que Freud chamou de
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resistência e recalque, os quais, de inúmeras maneiras, limitam o poder de
indiferenciar ou neutralizar qualquer formação que se apresente.
O ponto de partida do pensamento psicanalítico é a ideia de pulsão, pensada
originalmente por Freud ([1920]) como pulsão de morte e reformulada por Magno
como: Haver desejo de não-Haver (AÃ). Esse é o algoritmo fundamental da
psicanálise. É a mesma e única pulsão que ordena qualquer outra forma de pulsão
(de vida, de destruição, oral, anal, etc.) que tenha sido recortada por Freud ou outros
teóricos da psicanálise. Assim, a mente (que Há) é regida por um princípio de
catoptria que alucina sua extinção (não-Haver) como requisição (desejo) de simetria
absoluta, a qual, em última instância, por impossibilidade de concretização desse
gozo último, de Morte, impõe à própria máquina catóptrica sua reversão para o
mesmo lado do espelho. Note-se que, neste ponto, o espelho é tomado como limite
absoluto, sem qualquer possibilidade de avesso. Para efeitos didáticos, apresenta-se o
modelo do revirão mediante a lógica de avessamento da banda de Moebius 20.
Vejamos abaixo sua esquematização:
x
2
A
-x
22
n
Ã
Destaca-se aí a superfície unilátera da banda de Moebius desenhada segundo
o percurso longitudinal sobre ela, nomeado pelos matemáticos como oito interior21.
A hipótese do Revirão é apresentada formalmente pela primeira vez em (Magno [1982]).
Cf. principalmente as seções: 10. Introdução à matemúsica-2 (A Chã Psicanálise ou o ICS da
A a Z), p. 176-193; e 12. O halo, o alelo, p. 208-220. Cf. também a produção subsequente do
autor, com destaque para [1999] e [2000/2001].
21 Da banda de Moebius (ou contrabanda, como chama Lacan) a topologia também extrai a
lógica do oito interior (ou oito dobrado ou invertido). É o percurso longitudinal sobre a
superfície unilátera da banda a partir de um ponto qualquer, resultando uma dobradura (o
anel superior do oito é dobrado no interior do anel inferior). Os dois anéis se superpõem e,
no ponto em que lhes é comum, inscreve-se o ponto catóptrico, especular (também chamado,
por Magno, de Real do Revirão ou ponto bífido), que inverte absolutamente tudo que passa
por ele como se fosse um furo de passagem entre um anel e outro. Notamos, também, que,
com o percurso em oito interior, atravessa-se duas vezes o mesmo ponto e decompõe-se a
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Nele estão inscritas as diferenças x / -x, que podem ser indiferenciadas ou
neutralizadas no ponto terceiro n, onde estes pontos positivo (x) e negativo (-x) se
equivalem. O que interessa à psicanálise, além do terceiro ponto – lugar de
indiferenciação –, é principalmente a vontade de simetria (entre A e Ã), que está na
base do conceito de pulsão. Trata-se da função lógica do espelho: para além dos
avessamentos que opera (pois a mente é pura função de catoptria), há a função
alucinatória de uma vontade de simetria absoluta, que jamais comparece na
experiência, pois é uma simetria absolutamente impossível. É essa “polaridade” de
último grau – que está no esquema como sendo a “segunda potência do binário” (2²)
– que a fórmula Haver desejo de não-Haver descreve.
Esse é o trauma e/ou a condenação apontados por Freud, que comparece para
a mente propondo a simetria absoluta e a impossibilidade de atingi-la. É, portanto,
uma experiência de quebra de simetria que se coloca como início de tudo que há. E a
dissimetria que se produz em função dessa impossibilidade ressoa no Haver como as
clausuras e fronteiras das situações com que nos defrontamos cotidianamente das
mais variadas formas e maneiras. Mas é também sobre ela que se operam todas as
formas de artifício e técnica que nos caracterizam.
Certamente que essa capacidade especular do espelho plano é muito inferior à
catoptria cerebral, pois o princípio de catoptria põe um espelho absoluto, capaz de
qualquer tipo de avessamento ou reversão. A única reversão impossível é a da
simetria absoluta que, como vimos, é impossível e coincidiria com a extinção absoluta
que não há.
Ao tomar o conceito de pulsão como fundamental e de formular o princípio de
catoptria e o revirão, Magno refaz o projeto freudiano por inteiro em consonância
com as transformações que vêm ocorrendo desde o final dos anos 1980. A emergência
da nova psicanálise se deu na virada das transformações promovidas por Lacan e seu
retorno a Freud e o diálogo com as novas ciências da informação desde seus
antecedentes nos anos 1970.
Desde Senso contra senso: da obra de arte, etc. que podemos acompanhar o
percurso de MD Magno tanto pelo campo das matemáticas e formas de conhecimento
superfície em duas partes distintas. As partes pertencem à mesma formação e constituem
uma única peça que se organiza a partir do ponto neutro e suas polarizações.
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já incorporados à psicanálise por Lacan, quanto pela teoria da informação,
cibernética, teoria dos jogos, teoria dos sistemas, teoria do caos e pela nova biologia
que também estava pensando o ser vivo em termos de sistema e informação, como se
pode verificar nas obras de Jacques Monod (1971) e François Jacob (1983), a partir
do modelo que fora proposto por Erwin Schrödinger em O que é vida? Aspecto físico
da célula viva (1977), hoje obra clássica sobre o assunto. Em Hífen na barra e
Gerúndio, considera-se a máquina que está na base do funcionamento mental – e
mesmo do ser vivo – a partir da ideia de íntegron e os efeitos da entropia sobre
qualquer sistema vivo ou não.
Na apresentação do Pleroma (1986), há a descrição do HAVER e seu motu
perpetuo, a tão sonhada máquina que parece impossível de ser construída na física,
mas, para a psicanálise, ela está dada desde sempre: o modo de funcionamento
plerômico (pleno) do Haver. Nela se considera a entropia (segunda lei da
termodinâmica), entendida como o empuxo de não-Haver (pulsão de morte) sobre o
Haver, exercendo-se desde o momento da explosão, e paulatinamente vai eliminado
as diferenças no sentido da neutralização ou indiferenciação: “[M]inha tese é de que
Freud tinha talento, gênio inventivo, mas não tinha recursos do saber para lhe dar
um esquema mais adequado. .. [E]le não tinha cibernética, informática, a matemática
posterior, etc. , portanto ficou sem recurso” (Magno, [1986]1988, p. 186). E nas
sessões 3. É o que não pode ser que não e 4. K: no princípio era o fim, explora
minuciosamente as relações entre o modelo freudiano do psiquismo (os princípios de
prazer, nirvana, realidade) e o princípio de constância (konstante Kraft) em
correlação às leis da termodinâmica, em especial a 1ª e a 2ª e os mecanismo do
feedback propostos pela cibernética. E como bem sabemos, essas questões estão no
centro da recomposição promovida por Magno na psicanálise mediante a proposta do
revirão e suas consequências.
Posteriormente, há o diálogo com os conceitos de autopoiese (Maturana e
Varela), auto-organização, sistemas complexos (a complexidade), recursão, a “série
de das máquinas” propostas por Daniel Dennett, entre as quais Magno inclui a
máquina de MD: revirão (Revirão 2000/2001), que vamos considerar mais adiante
neste texto. É também o caso de Stephen Wolfram, em New Kind of Science (NKS),
em que desenvolve a ideia de von Neumann de autômatos celulares como formação
simples, capaz de produzir formações extremamente complexas e mesmo
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estocásticas e aleatórias. Wolfram propõe o princípio de equivalência computacional
e Ed Fredkin considera que o Universo é um programa de computador. Para a nova
psicanálise, como há a ideia de homogeneidade do campo, tanto a hipótese de
Fredkin, em sua digital philosophy, como a de Wolfram, são perfeitamente
conjeturáveis e exequíveis.
Cérebro & mente
O Haver, com sua tendência catóptrica, sua vontade de movimento de uma
simetria radical (uma hipersimetria) – o simétrico de qualquer coisa seria seu avesso
absoluto –, esse Haver, em seu modo de funcionamento, independentemente de onde
possamos situá-lo, é o que Magno chama de cérebro ou mente. Não é o órgão que está
em nosso corpo, e sim a máquina que funciona entre as galáxias, na cabeça dos
homens ou onde quer que compareça, como uma potente máquina catóptrica e
articuladora com suas pequenas formações, sejam primárias ou secundárias, que
acontecem por uma fractalização radical na medida em que é impossível passar a
não-Haver. Sempre houve o sonho de reproduzir, de pro-duzir, esse mesmo aparelho
pensante novamente por outra maneira, outro tipo de artifício não tão espontâneo
quanto esse que nos produziu. Pesquisa-se um artifício que nós mesmos possamos
manejar de tal maneira que a reprodução das idioformações se tornasse um artifício
industrial. Isso tudo é tão natural ou tão artificial quanto qualquer natureza
justamente porque acontece dentro dela e são seus modos de produção que estão
sendo repetidos nos laboratórios de pesquisa.
A maior polêmica hoje é em torno da futura possibilidade de existência ou não
de alguma máquina que seja uma idioformação como nós. De modo geral, psicólogos
e filósofos contemporâneos procuram qual seja o modo lógico, ou o modo de
concepção, para fazer a inserção de uma máquina de pensamento dentro do hard, de
algum tipo de primário (= formações dadas, espontâneas, “naturais”) e assim construir uma máquina tão potente quanto a do artifício espontâneo que deu nesse
primata capaz de fazer a reviravolta para a “externalidade” como aconteceu neste
planeta. Há aqueles que acham que se vai construir a máquina idioformação,
enquanto outros acham que não é possível. A psicanálise tem que pensar a respeito
dessa questão na medida em que instalou no pensamento o conceito de pulsão e isso
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tudo tem a ver com esse movimento pulsional e com a reflexão sobre a possibilidade
de ele vir a transbordar sua fonte espontânea que é o corpo de macaco que herdamos.
O cérebro não é um computador no sentido dos que já existem e o computador
ainda não é um cérebro, embora já tivesse sido chamado de cérebro eletrônico.
Segundo Kurzweil, é parecido com o cérebro de uma aranha, mas mesmo uma aranha
é mais inteligente do que computadores atuais. E há hoje pesquisas de todo tipo sbre
o cérebro com artifícios e aparelhos cada vez mais sofisticados na esperança de que se
possa encontrar inscrições que permitam compreender de que maneira funciona a
mente desta espécie.
Autômatos e marionetes
A partir da hipótese acima apresentada, a seguinte questão se coloca: qual é,
no limite, a possibilidade de supor alguma “liberdade” para as pessoas? Aceitamos ou
não sermos considerados uma marionete, um robô, um títere, em um palco? Haverá
alguma liberdade? De que tipo? Se houver – por mais complexos que sejam os
computadores e os mecanismos da tecnologia contemporânea –, nada parece levar à
construção de algo que tenha um horizonte de liberdade, de autonomia. Se não há
liberdade, então, só é preciso encontrar o mecanismo para construir a marionete que,
com
uma
aparência
de
autonomia,
vai
simplesmente
apresentar
grande
complexidade e, por isso mesmo, vai parecer que exibe e exerce liberdade.
As idioformações, onde quer que surjam dentro da máquina do Haver, dos
universos que estão disponíveis ou não à nossa observação, elas terão tendência a
virar pelo avesso, a não ficar mais imediatamente submetidas a processos evolutivos
como um pensamento darwiniano, e serão capazes de, elas mesmas, começarem a
produzir artefatos, artifícios de maneira a reinstalar a máquina de revirão no mundo
através de qualquer tipo de tecnologia. Onde quer que apareça uma idioformação, sua
tendência é reconhecer-se como tal. A tendência, então, será o entendimento cada vez
mais aproximado disso e o tesão de produção de engenhos (em inglês, engine) que
Magno coloca no mesmo nível do artifício, no mesmo nível da arte. É a tendência a
levar as idioformações à reprodução industrial de seu próprio modo de construção.
Uma vez conhecido bem o cérebro, conhecidas bem as máquinas computacionais,
mesmo num regime de pura binariedade (0,1), de máquina de Turing e suas
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consequências, será possível construir uma máquina hiperdeterminada, uma
idioformação? E, além disso, está também em construção o computador quântico 22 e
o computador cognitivo 23 da IBM.
A série das máquinas
Em uma perspectiva darwinista, Daniel Dennett (1942-) faz a suposição de que
grande variedade de organismos foram criados espontaneamente às cegas no
processo evolutivo por recombinação e mutação de genes, que ele designa de modo
genérico como criaturas darwinistas. Posteriomente, aqueles que nasceram com
“reforçadores apropriados” são chamados de criaturas skinnerianas, pois já se
Um computador quântico é um dispositivo que executa cálculos fazendo uso direto de
propriedades da mecânica quântica, tais como sobreposição e interferência. Teoricamente,
computadores quânticos podem ser fabricados e o mais desenvolvido até o momento trabalha
com poucos q-bits de informação. O principal ganho desses computadores é a possibilidade
de resolver, em tempo eficiente, problemas que na computação clássica levariam tempo
impraticável (exponencial no tamanho da entrada), como por exemplo, a fatoração em
primos de números naturais. A redução do tempo de resolução deste problema possibilitaria
a quebra da maioria dos sistemas de criptografia usados atualmente. Contudo, o computador
quântico ofereceria um novo esquema de canal supostamente mais seguro.
23 O mundo da computação pode estar prestes a sofrer uma reviravolta graças ao "SyNAPSE",
projeto para a elaboração de chips que simulam o comportamento do cérebro humano e que,
no futuro poderá equipar computadores que “aprendam” com a experiência do utilizador. A
parceria entre a IBM, as universidades de Columbia, Cornell, Califórnia e Wisconsin, nos
EUA, e a DARPA (agência americana responsável pelo desenvolvimento de tecnologia com
fins militares) tem como objetivo desenvolver computadores que possam simular as
atividades cognitivas de sentir, perceber, interagir e reconhecer o que o cérebro pode fazer,
algo que, até agora, tem sido dificultado pela arquitectura dos processadores comuns. Tratase de um computador “cognitivo” que será capaz, por exemplo, de lançar um alerta de
tsunami, depois de analisar informações de diferentes sensores marinhos e recolher dados
sobre temperatura, pressão e altura das ondas. Além disso, poderá ter funções de menor
relevo como ajudar a gerir estoques de produtos frescos graças ao “sentido do olfato”. Os
membros deste projeto esperam conseguir mudar assim a forma como se utiliza os
computadores, fazendo-os agir como um cérebro. Nesta nova arquitectura, são utilizados
processadores digitais que funcionam como neurônios, nos quais as ligações internas
simulam as que ocorrem entre as sinapses, as zonas de contato entre as células nervosas.
Trata-se de uma abordagem completamente diferente da dos chips de silício com transístores
que se utilizam atualmente. De acordo com a IBM, este novo tipo de computador vai
consumir menos energia e ser mais compacto que os aparelhos atuais. Embora sejam
programados da mesma forma, vão “aprender” com as experiências, encontrar correlações ou
desenvolver hipóteses, tal como o cérebro humano. Até agora, já foram desenvolvidos dois
protótipos do chip, que estão sendo testados. Os seus núcleos são formados com uma linha
muito fina de silício, com diâmetro duas mil vezes inferior ao de um fio de cabelo. Estes chips
possuem o equivalente a 256 “neurônios”. A IBM está testando dois tipos de estruturas para
esses chips: uma com 262 mil “sinapses” programadas e outra com 66 mil
(http://www.cienciahoje.pt/)
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reconhece neles o “condicionamento operante” (Skinner) como uma extensão da
seleção darwiniana (Dennett, 1997, 80). E, embora não sejam os únicos, os seres
humanos são exemplos de criaturas popperianas, capazes de uma pré-seleção entre
os comportamentos ou ações possíveis e com a possibilidade de descartar os que são
estúpidos ou maléficos antes ainda de arriscar-se na “vida real”. Elas supostamente já
portam um mecanismo de “filtro interno” que deve conter muita informação sobre o
meio externo e seus padrões e regularidades, o que lhes permite fazer simulações
para facilitar a escolha. Essa sucessão de criaturas compõe a “torre evolutiva” do
surgimento de vida inteligente na Terra (Dennett, 1997).
Em Consciousness Explained (1991), Daniel Dennett apresenta uma sequência
de máquinas que supõe estarem conduzindo à fabricação ou produção de máquinas
pensantes, no sentido acima descrito. Essa série por ele descrita se constitui
primeiramente da máquina de Turing, o modelo universal da lógica computacional
clássica, seguida da máquina de Von Neumann (descrita no First Draft of a Report
on the EDVAC, cujo resultado efetivo foi o ENIAC), que já é uma realização do
modelo de Turing no sentido da computação contemporânea (a “arquitetura de von
Neumann). E a que ele chama de máquina joyceana, que seria o dispositivo de
“elucubração total”, bastante parecida com suas ideias de uma “teoria dos esboços
múltiplos (multiple drafts model). Mas mesmo se não se pode evocar o “realmente
experienciar” independentemente das precipitações das narrativas, essas narrativas
dão origem, elas sim, ao que Dennett chama uma linha do tempo, uma sequência de
acontecimentos do ponto de vista de um “observador”. Na teoria da máquina
joyceana, a consciência é resultado do paralelismo do processamento cerebral, isto é,
da consciência, com uma máquina virtual de funcionamento serial resultante da
máquina material (nosso cérebro) que possui um funcionamento paralelo. Por isso,
precisou fazer a pergunta “como a consciência se constituiria?, pois supõe que, só
fazendo a leitura desse maquinismo, poderá reproduzir a máquina com semelhança à
construção do cérebro e da consciência humanos. A hipótese de Dennett é de que o
cérebro, em sua função de consciência, marcharia como aparelho de múltiplos
esboços concomitantes, que dão a impressão de subjetividade, de eu-dade, de
consciência diante do mundo, afastando-se da ideia de sujeito de Descartes. Seria,
então, a multiplicidade concomitante de versões dentro da máquina cerebral que,
mesmo com a aparelhagem disponível e sua complexificação no nível da computação,
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é capaz de nos permitir, no futuro, construir uma máquina com competência
homóloga à mente humana. Essa comparação é entre a mente humana e os processos
computacionais são algoritmos que realizam operações inteligentes e, de forma
semelhante, os processos cerebrais também aconteceriam como se uma grande
diversidade de algoritmos estivessem em ação para constituir o que reconhecemos
como comportamento. Então, a máquina joyceana seria aquela que, operando a
partir da máquina de Turing e a de Von Neumann, constituiria a múltipla visão –
bastante parecida, obviamente, com a escrita joyceana, pelo menos de Finnegans
Wake – capaz de vir a possibilitar a construção de uma máquina com consciência.
Para ele, biologia e psicologia são engenharias reversas, pois já temos o artefato e
estamos tentando descobrir como funciona e como está projetado. A inteligência
artificial está fazendo o movimento ao contrário, tentando construir o artefato a
partir do conhecimento disponível (Dennett, 1998). Essa é a aposta de Dennett na
I.A. forte.
Por via muito diferente, Magno faz a suposição de que é possível produzir a
idioformação artificiosa. À medida que as fronteiras forem cada vez mais
desmanchadas e não soubermos mais onde começam ou terminam quantidade e
qualidade, talvez possamos constituir máquinas – no sentido lógico, principalmente
– cada vez mais sofisticadas, macias, soft, de tal maneira que não será tão complicado
pensar na possibilidade da constituição de robôs pensantes ou revirantes, que podem
ser chamadas de criaturas freudianas.
Então, por que pensar que apenas a sequência de máquinas de Turing, de Von
Neumann e mesmo a joyceana, de Dennett, são as máquinas suficientes? Que
máquina, para além das de Turing, Von Neumann, joyceana, etc., pode se acrescentar
no seio dessa produção de modo a aumentar a possibilidade de conjectura dessas
construções? É nessa série que Magno acrescenta a máquina plerômica de MD, a
máquina de revirão 24. Nenhum desses aparelhos de abordagem genética, biológica,
computacional, lógica é uma máquina que invoque a hiperdeterminação. Para além
dos acoplamentos e conexões complexas que já podem ser feitas no campo das
máquinas, é preciso ir mais longe. E se fosse possível construir uma máquina, um
robô, alguma coisa, que, para além de toda a complexidade opositiva e até com os
24
Cf. seção 2 de “Arte da fuga”: MD Turing: revirão. In: (Magno [2000/2001]).
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recalques parciários que existem no Haver, etc., tivesse a possibilidade de revirão e,
portanto, de hiperdeterminação? Construído este aparelho, ele seria como nós, as
pessoas. Mas falta introduzir a máquina do revirão na sequência das de Turing, von
Neumann, joycena, etc. para se pensar a possibilidade de replicação dessa mente em
revirão.
A máquina do revirão e a hiperdeterminação
Sem o revirão, as máquinas não teriam liberdade, autonomia? Magno supõe
que a hiperdeterminação disponibiliza para a oportunidade de invocar o que quer
que haja disponível em dado momento em sua enantiose e que não se apresenta aqui
e agora como presença, isto é, em seu avesso. A máquina de revirão, se pudesse ser
instalada computacionalmente, seria um computador com a disponibilidade de, ao
que quer que se colocasse para ele, poder dizer não apenas não como também
enunciar um contrário. Enunciando um contrário, a plenitude plerômica comparece
como mera possibilidade.
Se há o Haver, então todas as possibilidades já estão nele e não há nada “fora”
dele. Portanto, sem a inclusão da hiperdeterminação para além da combinatória
computacional, não haveria possibilidade de surgimento de uma idioformação nem
na mais refinada tecnologia. Isto é, a emergência de uma máquina capaz de uma
desprogramação radical e com a chance de colher uma nova possibilidade de
existência, de um ato de criação e não ficasse apenas de uma repetição automática.
Calcular, computar e pensar
Voltamos ao começo deste artigo: as máquinas podem pensar? Depende de
como se define o verbo pensar. Se as máquinas raciocinam, calculam, efetuam, não
há a menor dúvida que sim, as coisas, os bichos, as pessoas pensam. Entretanto,
pensar para a psicanálise está para além de raciocinar, de meramente articular.
Pensar é com-siderar a hiperdeterminação diante de todas as sobredeterminações.
Isso parece que nenhum animal ou máquina pode fazer. Pensar inclui a referência
constante à hiperdeterminação, a referência constante à indiferenciação, a
reconhecer permanentemente que as transas das formações são meras transas das
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formações e que isso termina aí e que EU, essa polarização que aqui está, escapa das
formações, quaisquer que sejam, porque tem acesso à hiperdeterminação, à condição
de escapar da sobredeterminação. Isso é pensar, fora disso não é pensar: é raciocinar,
calcular, computar. A complexidade da nossa cultura é de ordem secundária
(formações artificiais, próteses, criadas por nossa mente), uma máquina
computacional, mas isso não é pensar, é raciocinar ou calcular. Pensar é referir-se à
hiperdeterminação e manter-se na perplexidade diante das formações. Não adianta
cálculo algum, porque cálculo algum dará conta desse processo, que é da ordem do
evento, do acontecimento.
Considerações finais
Vejamos os seguintes passos e articulações que decorrem da exposição acima:
1. A questão em torno da máquina de calcular e computar é antiga em nossa cultura e
frequentemente confundida com pensar ou criar. A cultura ocidental é atravessada
por essa problemática desde seus primórdios. A máquina de Turing teve vários
antecedentes (o ábaco, Pascal (a Pascaline), Leibniz, Babbage (a máquina analítica)),
mas só ela formulou matematicamente a possibilidade da máquina universal que
pretende dar conta de toda e qualquer computabilidade possível.
2. O revirão de MD Magno, com as hipóteses do princípio de catoptria e da quebra
de simetria, se afirma como modelo pleno e suficiente para a descrição do
funcionamento da mente e do Haver por inteiro. A hiperdeterminação já descrita
acima é, em última análise, a competência máxima da mente. É a chance de criação e
emergência de novas formações no sistema, reconfigurando as possibilidades já
dadas. Só assim temos a suspensão do automatismo repetitivo das formações e
chance de evento e criação (a emergência da arte no seio do Haver). Pode-se falar
então em dois níveis de automatismo: a) o automatismo (discreto) das formações
primárias e secundárias, regidas por seus algoritmos constituintes, que podem ser
suspensos e revirados em algum momento (mesmo que dure milênios); b) o
automatismo
plerômico
(o
Haver
é
um
sistema/máquina
auto-recursivo,
autorreferente e hiperdeterminado (cf. autopoiese de Maturana e Varela) com seu
motu perpetuo.
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3. Como fica a hipótese de Turing-Church dada a máquina catóptrica de MD Magno?
Lembremos que essa hipótese afirma que a capacidade de computação representada
pela máquina de Turing é o limite máximo que pode ser atingido por qualquer
dispositivo de computação (Menezes, 2002, p. 139), isto é, essa hipótese afirma que
qualquer outra forma de expressar algoritmos terá no máximo a mesma capacidade
computacional da máquina de Turing. Como a noção de algoritmo ou função
computável é intuitiva, a hipótese de Church não é demonstrável. Mas a
computabilidade de que aí se trata é da ordem do cálculo e da ordenação binária. A
máquina do revirão é uma máquina que tem a possibilidade de suspender e revirar
qualquer outro algoritmo já dado e proceder a uma reprogramação geral do sistema,
pois conta com a possibilidade de hiperdeterminação e avessamento (a suspensão de
qualquer determinismo já constituído em algoritmo e mecanismo de repetição),
capaz de reconfiguração geral de qualquer ordem sistêmica. Essa máquina
certamente extrapola os limites da máquina universal de Turing ao mesmo tempo
que a inclui como parte de seu modo de funcionamento. A máquina de revirão inclui
o que a máquina de Turing põe de lado como sendo da ordem do entrópico, caótico e
incomputável.
4. O filme Blade Runner (O caçador de andróides) – que aborda a possibilidade de
máquinas revirantes, máquinas espirituais, capazes de um ato radical de rebelião, a
“rebelião dos anjos” (Magno), semelhante a que podemos fazer – serviu de guia
quanto a questão da disponibilidade da competência de avessamento da mente de
que dispomos. Com diz o andróide Roy: “Nós não somos computadores. Nós somos
organismos vivos”. E requer para si e para os outros andróides tratamento
semelhante àquele dados aos humanos. Nesse filme, vemos abordada a questão da
possibilidade de emergência de idioformação, formação capaz de ser afetada pela
hiperdeterminação, e com competência de reviramento e indiferenciação. Essa é a
grandeza desse filme dirigido por Ridley Scott, que nos deixa o lembrete do
artificialismo absoluto da máquina do Haver.
Referências
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Glossário da Nova Psicanálise
(Organizado por: Paula de Oliveira Carvalho e Nívia Bittencourt)
ALEI – “Haver desejo de não-Haver” ou “Haver quer não-Haver” ou “Haver tesão de nãoHaver” e estenografa-se A→Ã. É a máquina fundamental da clínica, que Freud chamou de
Pulsão (de Morte), indicando o desejo de alcançar o Gozo Absoluto: extinguir-se, sumir
radicalmente, seja no nível micro (homem), seja no macro (Haver).
Arte – Tomando o radical ART no sentido etimológico de processo puro e simples de
articulação, a Arte se generaliza para toda e qualquer operação de criação, de invenção, que
resulte na produção do novo, para além das formações já dadas.
Artifício – Tudo que há é artifício. Tudo se construiu por algum artifício, por uma
articulação. Apresenta-se em dois níveis: Artifício Espontâneo e Artifício Industrial. Ver
Artifício Espontâneo e Artifício Industrial.
Artifício Espontâneo – Designa o modo de construção, mais resistente, das formações já
dadas, presentes no Haver desde sempre. Inclui o que se chama de Natureza. Ver Artifício e
Artifício Industrial.
Artifício Industrial – Designa o modo de construção, mais maleável, das formações
produzidas pelas Idioformações - que podem forçar a reversão do espontâneo, do já dado.
Ver Artifício e Artifício Espontâneo.
Ato Poético – Ato criativo, em que há a intervenção da Hiperdeterminação. Ver Criação.
Binário – Referido à lógica da dualidade entre formações de polos opostos. Há dois
binários: (a) o binário simples ou “interno” (entre formações modais do Haver que se
opõem); e (b) o binário ao quadrado ou “externo”, elevado à segunda potência, (22), quando a
massa homogênea do que há se opõe ao não-Haver desejado.
Bipolaridade – Dualismo presente em toda e qualquer afetação psíquica, fazendo parte do
Pathos humano. A bipolaridade funciona em qualquer situação e não apenas nas ditas
nosologias. Ver Patologia.
Cais Absoluto – Lugar extremo do Haver, onde o conjunto pleno do que há opõe-se ao que
não-há. Lugar de máxima afetação e angústia, pois o não-Haver é requerido pelo Haver,
mesmo não havendo. Lugar ao qual todos se vinculam absolutamente (e não entre si), lugar
de Hiperdeterminação, de Vínculo Absoluto. (Metáfora poética retirada de Fernando Pessoa).
Catoptria (Princípio de) – Do grego kátoptron: ‘luz’, ‘espelho’, ‘refletor’. Princípio de
funcionamento dos espelhos produtores de reflexão, no sentido de absoluta reversão,
enantiose ou Revirão. Emana da neutralidade do Haver e do psiquismo. Ver Revirão.
Causa – O movimento do Haver em direção a não-Haver produz o excesso em vazio (pois
não-Haver não há), que funciona, em seguida, como Causa do movimento pulsional.
Comunicação – O ápice da comunicação ocorre no silêncio absoluto, na impossibilidade de
dizer a experiência de Haver, mas vinculado absolutamente a ele. Nesse Vínculo Absoluto se
fundamenta toda e qualquer comunicação, decorrente de transas e transes entre formações,
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herdeiras de vinculações aos regimes Primário e Secundário. Sua teoria mais genérica é a
Transformática.
Criação – Criar é ultrapassar o que já está dado, reverter o que parecia irreversível. A partir
da indiferenciação interna no Haver, sob o empuxo da Hiperdeterminação, o indiscernível se
discerne e o achado de algo novo é acolhido pela primeira vez. Ver Arte.
Criatividade – Simples re-combinatória de formações, sem recurso à HiperDeterminação.
Contrapõe-se a Criação.
Cultura – Em sentido genérico e abrangente, é o modo de existência da espécie humana. Em
um de seus sentidos específicos, é vista como Neo-etologia.
Enantiose ou enantiomorfismo – Possibilidade de reversão ao avesso absoluto, a partir
da razão catóptrica ou razão enante-homórfica.
Excesso – Só há excesso. Não existe falta. Em virtude do excesso, o Secundário é
“inventado” por nós, ou melhor, secretado mediante nós, em decorrência da pressão do
Originário.
Formação –Toda e qualquer conjuntura destacável, desenhável, dentro do Haver, seja qual
for a forma ou a materialidade de seus elementos ou dela mesma. O próprio Haver em sua
plenitude é uma formação (aliás, de última instância), assim como o é o Revirão que se supõe
funcionar no Haver.
Formação do Haver – O que quer que se organize, o que quer que se forme, espontânea ou
industrialmente, como modalização decorrente da fractalidade do Haver, seja da ordem de
um ser vivo, de uma formação psíquica, qualquer coisa. As formações do Haver se
movimentam no empuxo d’ALEI, como ressonância ou metáfora da impossibilidade última
de Haver passar a não-Haver. Ver ALEI.
Haver (A) – O conjunto aberto de tudo que há e que pode vir a haver. Inclui o chamado
Universo.
HiperDeterminação – Empuxo do não-Haver que, como o nome diz, é tão exterior ao
Haver que nem há, mas nele se inscreve e se re-inscreve na espécie humana, como Causa.
Exasperação da diferença entre a homogeneidade do Haver como Um e o não-Haver. Aplicase sobre o aparelho de Revirão, para suspender as determinações primárias e as
sobredeterminações secundárias.
Homogeneidade – O Haver, em sua totalidade, é homogêneo no seu seio. O que dá a
impressão de heterogeneidade são as fechaduras das formações, que impedem as transas
dentro do Haver.
IdioFormação – Uma (qualquer) formação que tenha disponível para si (mesmo que não
aplicada hic et nunc) a Hiperdeterminação. O Haver e o Homem são exemplos de
Idioformações.
IdioFormação (Princípio de) – Idios: ‘mesmo’. O universo tem uma formação em
reflexão, espelho, catoptria e, em última instância, produz algo que repete a sua reflexão.
Repete-se a si mesmo. Ver Catoptria (Princípio de).
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Imanência – O fato de haver formações coloca uma imanência da qual não se sai nunca. A
transcendência é colocada de direito, mas não há de fato.
Indiferenciação (Indiferença) – Neutralização. Resultado da equivalência entre dois
polos opostos, com superação da dualidade, revelando um terceiro lugar que sofre o empuxo
da HiperDeterminação. Estado neutro do Real.
Morte – ‘A Morte não há’, porque não há o gozo da morte. É impossível para qualquer um
ter experiência de morte, sua ou de outro. O que existe são experiências de perda, castração.
não-Haver (Ã) – Avesso radical do Haver. Designa o gozo absoluto requerido pela pulsão, o
Impossível. É conjecturado, de direito, pela catoptria do Haver, mas de fato, ele não há. As
IdioFormações, por sua constituição íntima, não podem não conjecturar o não-Haver em
última instância, como Causa de desejo.
NovaMente (ou Nova Psicanálise) – Aparelho clínico de simulação da suspensão dos
recalques, criado em 1986, por MD Magno, na linhagem de Freud e Lacan. Trata-se de uma
reedificação da psicanálise com base nos mais importantes achados desses dois mestres. Tem
se mostrado à altura de orientar uma leitura da situação atual do mundo, sobretudo em seus
aspectos de conhecimento. Coaduna-se com as teorias contemporâneas da cosmologia e da
física, e demonstrou antecipá-las em diversos pontos cruciais.
Originário (OR) (Nível ou Regime) (Recalque) – Fundamenta-se na axiomatização da
ALEI. Designa a dissimetria radical do Haver e do psiquismo, decorrente da impossibilidade
do Haver passar a não-Haver.
Pessoa – IdioFormação do caso humano. Situada em determinado pólo, apresenta foco e
franja e, em sua extensão máxima, abrange o Haver por inteiro. Ver IdioFormação e Haver.
Ponto Bífido – Ponto neutro, com possibilidade (não de se orientar, mas) de ser
direcionado ora para um lado ora para outro.
Primário (Nível ou Regime) (Recalque) – Conjunto de formações que o Haver oferece
espontaneamente. As formações materiais existentes no Haver. No primário de nosso corpo
há dois níveis: autossoma (constituição biótica) e etossoma (conjunto dos comportamentos
inerentes ao autossoma).
Prótese – Invenção resultante de invocação da Hiperdeterminação. Pode ser psíquica,
verbal, tecnológica, etc. Imita nossa originariedade, pois a prótese fundamental é o
Originário. Ver Originário.
Pulsão – Conceito fundamental da Nova Psicanálise que segue a última instância elaborada
por Freud, a Pulsão de Morte. Inscreve-se no movimento da libido como tesão e estrutura-se
como Revirão. O próprio movimento do que há como modo de funcionamento do Haver.
Deste conceito se deduzem todos os outros: recalque, inconsciente, repetição, transferência,
narcisismo, etc.
Real – Ponto absolutamente neutro, indiferente, que não dá passagem para o não-Haver,
porque ele não há. Comparece no Haver como marca do não-Haver, como inscrição do
impossível. Ver Cais Absoluto.
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Recalque – Conceito que estrutura o pensamento psicanalítico. O que incide sobre as
formações, embargando o movimento pleno da pulsão. O que quer que emperre o Revirão é
fundação de Recalque. O que quer que não esteja comparecendo aqui e agora é da ordem do
Recalque. Ver Recalque (Regimes ou Registros do).
Recalque (Níveis ou Regimes de) – 1°) Primário – Regime das formações materiais
que o Haver oferece espontaneamente, recalcantes do Revirão. No Primário de nosso corpo
há dois níveis: autossoma (constituição biótica) e etossoma (conjunto dos comportamentos
inerentes ao autossoma). 2°) Secundário – Regime secretado pelas Idioformações como
imitação do modo de produção do Primário. Inclui o que se chama de simbólico e de cultura.
3°) Originário – Quebra de Simetria no Haver e no psiquismo, dada pela impossibilidade
de o Haver passar a não-Haver. Competência que têm as Idioformações de reviramento
radical do que quer que se apresente. Fundamenta-se na axiomatização da ALEI.
Reificação – Processo progressivo/regressivo entre níveis, variando em três graus segundo
sua intensidade. Primeiro grau (analogia): reificação branda que se dá no Secundário, por
imitar o modo de construção do que estava no Primário, não sendo necessariamente
recalcante. Segundo grau (metáfora): recalcamento. Terceiro grau (hipóstase): reificação do
Secundário sobre o Primário, hiper-recalque, onde o que é proibido é tomado como
impossível.
Resistência – O Haver é resistência em estado puro, originária, pois não passa a não-Haver.
Abaixo disso temos inúmeros níveis de resistência. As formações do Haver, às vezes, não
resistem, perecem. Tudo que há se inclui na política, no jogo das resistências. A Nova
Psicanálise supõe a vida como pura resistência à pulsão pelo não-Haver.
Revirão – Máquina lógica tomada como exemplar dos movimentos do psiquismo e do
Haver. Decorre d’ALEI e se presentifica para as Idioformações na possibilidade que têm de
pensar, querer e mesmo produzir o avesso de tudo que lhes é apresentado.
Secundário (Nível ou Regime) (Recalque) – Regime produzido pelas Idioformações
enquanto referidas ao Primário (etossoma e autossoma), mas empuxadas pelo Originário,
que é sua competência de reviramento radical do que quer que se lhes apresente. Inclui o que
se chama de simbólico e cultura.
Sexuação – Modos lógicos de estabelecimento de gozo. Concerne às modalidades de gozo
decorrentes do Tesão do Haver pelo não-Haver. São quatro sexos: O Quarto sexo, é o Sexo
Desistente, ou Sexo da Morte, que quer eliminar o Tesão completamente, mas não comparece
por impossibilidade de entrar em funcionamento. O Terceiro Sexo é o Sexo Resistente que se
põe como Um, o sexo do Haver, que simplesmente indica qual é o movimento do Tesão, sua
afirmação diante da não existência da eliminação do Tesão. Quando o Haver se fractaliza
diante da não havência do não-Haver, este Terceiro Sexo se modaliza em duas polaridades:
Sexo Consistente, que imita o Um do sexo resistente e faz uma universalização; e Sexo
Inconsistente, cujo modo de atingimento de gozo é na infinitização, sem designar fronteiras.
Simetria – Aquilo que é desejado pelo Haver e pelo psiquismo, por imposição da catoptria,
de acordo com ALEI: Haver desejo de não-Haver.
Simetria, Quebra de – A fractalização do Haver diante de um espelho absoluto, por
desejar seu avesso catóptrico e não conseguir atingi-lo. Ocorre pelo fato de não-Haver ser
impossível. Inclui o que Freud chamou de castração e indicou como recalque originário
(Urverdrangung).
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Sobredeterminação – Imensa gama de elementos, de formações que determinam a vida
da gente. Podem ser de nível Primário ou Secundário.
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