DISCURSO DO SENHOR JACQUES CHIRAC PRESIDENTE DA
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DISCURSO DO SENHOR JACQUES CHIRAC PRESIDENTE DA
DISCURSO DO SENHOR JACQUES CHIRAC PRESIDENTE DA REPÚBLICA SOBRE A MODERNIZAÇÃO DO DIÁLOGO SOCIAL *** CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL – PARIS TERÇA-FEIRA, 10 DE OUTUBRO DE 2006. Senhor Presidente, prezado Jacques Dermagne, Senhor Ministro, Senhoras e Senhores, Sua Assembléia ocupa um lugar eminente no seio das instituições da República. O Conselho Econômico e Social está no centro de nossa vida democrática. Seus debates de seus trabalhos se alimentam da diversidade de seus membros, de sua preocupação com a expertise e com o diálogo. O Conselho Econômico e Social encarna e contribui para manter viva a democracia social. É, pois, naturalmente, diante de vocês que desejo evocar uma reforma essencial para o futuro de nosso país: a modernização do diálogo social. Há sessenta anos, quase exatamente, nosso país instaurou o paritarismo, essa idéia nova segundo a qual são os representantes dos assalariados e das empresas que têm vocação para criar nossos regimes de proteção social. Hoje, é necessário vencer uma etapa decisiva: colocar os parceiros sociais no centro da elaboração das normas e das reformas sociais. É uma escolha da sociedade. É indispensável para continuar a modernização de nosso pacto social. Podemos ficar orgulhosos desse pacto social. Ele é um elemento de nossa identidade. É uma força para a Nação. Fizemos a escolha de ter uma seguridade social que nos assegura contra os riscos da vida, um sistema de saúde que está entre os melhores do mundo, serviços públicos em todo o território e para todos. Todos esses atrativos essenciais para as francesas e os franceses contribuem também para a competitividade de nosso país. Não é por acaso que a França é o segundo país no mundo a receber investimentos estrangeiros e tem atualmente o mais alto crescimento da zona euro. Aos ideólogos, aos pessimistas profissionais, eu oponho esta realidade: longe de estar ultrapassado, nosso pacto social está bem vivo. Mas ele deve demonstrar permanentemente a capacidade de se modernizar. A solução não está na imitação de outros modelos. Só se constrói sustentavelmente a partir do que se é. O desafio está em liberar as capacidades de iniciativa e de comprometimento da Nação transformando, juntos, as regras do diálogo social. * Em quatro anos, o caminho percorrido é considerável. Reformas necessárias e por muito tempo diferidas foram conduzidas, com vontade de diálogo com os parceiros sociais: as aposentadorias, o seguro de saúde, a criação de um novo ramo da proteção social para cobrir o risco de dependência vinculada à idade ou às deficiências. Era necessário, também, acabar com a falsa e destrutiva idéia de que haveria na França uma fatalidade ao desemprego. Desde fevereiro de 2005, o desemprego retrocede. Centenas de milhares de famílias reencontram a esperança e fazem projetos novamente. É o fruto da política de emprego coerente, ativa e que repousa sobre princípios claros, conduzida com determinação pelo Primeiro Ministro Dominique de Villepin. O primeiro princípio, e sem dúvida o mais fundamental, é que cada um tem seu lugar no mercado de trabalho, à condição que se lhe dê a oportunidade. A solução não é a falsa racionalidade da divisão do trabalho. É o direito para todos de serem levados na direção do emprego. É a ambição do plano de coesão social de Jean-Louis Borloo. O segundo princípio consiste em valorizar novamente o trabalho com o aumento do SMIC1, da bonificação pelo emprego2 e a queda do imposto sobre a renda. O trabalho deve ser sempre melhor remunerado que o benefício assistencial. O terceiro princípio é que as empresas só recrutem empregados se elas tiverem um ambiente favorável e se elas estiverem liberadas de impedimentos inúteis. Donde a queda dos encargos, a modificação para 35 horas e o contrato para novas admissões. O último princípio é que é necessário dar prioridade à pesquisa, à inovação, à indústria para ir à conquista dos empregos de amanhã. SMIC: salaire minimum interprofessionnel de croissance – salário mínimo interprofissional de crescimento. É o salário mínimo, fixado pelo governo, abaixo do qual nenhum assalariado pode ser remunerado. 2 Ajuda ao retorno ao emprego ou à continuação de uma atividade profissional. É calculada sobre a renda da atividade. 1 O objetivo é passar, ao longo do ano que vem, para baixo da barreira dos 8% de desempregados. * Porém, nossa ambição deve ir muito além disso. Deve ser de libertar nosso país do emprego de massa, este flagelo que, há vinte e cinco anos, fez tantos estragos. Para tanto, será necessário inovar. Fazer escolhas. Inventar novos equilíbrios. Nossas empresas precisam realmente de mais flexibilidade. Isto não deve ser traduzido por mais precariedade para os assalariados, mas, ao contrário, por novas garantias. É necessário dar continuidade à modernização do código do trabalho e pôr em prática uma verdadeira seguridade social profissional. As duas coisas andam necessariamente lado a lado. A aproximação ANPE-UNEDIC3 é uma primeira etapa. Mas ela é insuficiente. A seguridade social profissional que precisamos pôr em prática deverá acompanhar cada francesa e cada francês ao longo de sua vida profissional. Deverá levar seus direitos individuais para a formação profissional. Dar-lhes direito a balanços de competência regulares. Oferecer-lhes um serviço personalizado de retorno ao emprego em caso de desemprego. Permitir as mudanças de status e, evidentemente, oferecer seguro-desemprego. * Unidos é que alcançaremos essas reformas. Mas não com os métodos e os hábitos de hoje. É preciso sair da lógica do conflito, ainda muito presente em nosso país. É preciso fundar a cultura da negociação, do compromisso, da responsabilidade. Isso supõe uma verdadeira revolução de espíritos. Minha convicção é de que cada um – Estado, sindicatos, organizações patronais – está, doravante, pronto a assumir o compromisso, mais ainda que hoje, de se responsabilizar, de não mais hesitar em se questionar. ANPE – Agence nationale pour l’emploi – Agência Nacional de Emprego; UNEDIC – Union nationale interprofessionnelle pour l’emploi dans l’industrie et le commerce – União Nacional Interprofissional do Emprego na Indústria e no Comércio. 3 O Estado permanece ainda muito freqüentemente apoiado em uma concepção abstrata sobre o interesse geral. A primazia da democracia representativa não significa que o Estado deva fazer tudo, e menos ainda que ele deva fazer tudo sozinho. A legitimidade da alternância política tampouco justifica as lógicas de fazer tábua rasa e os sobressaltos sistemáticos nas políticas. Ela não justifica as mudanças incessantes de legislação, onde o efeito de sua difusão atinge muito freqüentemente a eficácia, até mesmo a realidade de ação. Os parceiros sociais devem, também, acelerar suas evoluções. Os sindicatos devem se libertar de uma antiga tradição de protesto que desemboca freqüentemente no enfrentamento e, ao final, no conservadorismo. É necessário romper com essa idéia de que se engajar seria de algum modo aventurar-se. Aceitar a modernização de certos direitos, se for para maior progresso social. É melhor considerar o interesse de todas aquelas e de todos aqueles que nem sempre estão diretamente vinculados aos sindicatos, mas que aspiram a um mercado de trabalho mais aberto e mais dinâmico. Penso nos jovens, nos desempregados, nos excluídos, nos assalariados precários. Quanto às organizações patronais, elas têm razão de pedir maior reconhecimento do papel do empreendedor e da empresa. Mas elas também têm, às vezes, tendência a se satisfazer com uma visão muito estreita dos interesses da empresa: como se o dinamismo econômico do país pudesse se acomodar na exclusão de categorias inteiras de pessoas do mercado de trabalho. Como se o justo aumento de salários fosse um freio para o crescimento. Para acelerar essas evoluções, é necessário hoje mudar as regras do jogo e construir uma nova arquitetura de responsabilidades. Primeiramente, cabe ao Governo definir seus objetivos políticos no campo social. Espero que, todo ano, o Primeiro Ministro faça, diante de sua Assembléia, um discurso sobre a atual situação social da Nação. Para tornar mais forte e mais coerente o exercício, pelo Estado e pelos parceiros sociais, de suas competências, é necessário instaurar um encontro anual, que lhes permita intercambiar seus diagnósticos, seus objetivos e suas respectivas agendas. Esse diálogo permitirá apreender o conjunto dos mecanismos sociais, principalmente aqueles ao lado dos quais as relações sociais ocorreram freqüentemente ao longo dos últimos anos: a globalização das trocas comerciais, as novas formas de relações de trabalho, a terceirização, a necessidade de maior mobilidade para as empresas e os assalariados. Esse trabalho em comum permitirá, também, ultrapassar as situações, que conhecemos com freqüência, nas quais Estado e parceiros sociais trocam tiros sob risco de tomar más decisões. Em seguida, e volto ao centro da reforma, é necessário rever o compartilhamento entre o que consigna a lei e o que consigna o contrato. É preciso mudar o modo de elaboração da lei. Devemos retomar o texto e o espírito do artigo 34 da Constituição: “a lei determina os princípios fundamentais do direito do trabalho, do direito sindical e da seguridade social”. É preciso ter mais contrato e menos lei. Foi com esse espírito que, baseados na “Posição Comum” adotada pelos parceiros sociais, modernizamos, há dois anos, as regras da negociação coletiva. Nós vencemos hoje uma nova etapa. Fixamos uma regra nova: não será mais possível modificar o código do trabalho sem que os parceiros sociais tenham sido postos em condição de negociar sobre o conteúdo da reforma empreendida. E nenhum projeto de lei será apresentado ao Parlamento sem que os parceiros sociais sejam consultados sobre seu conteúdo. Esta nova regra do jogo vai transformar radicalmente nossos modos de pensar e de agir. Evidentemente, a última palavra ficará para a representação nacional. Mas os poderes públicos deverão aprender a legiferar, ou a emitir resoluções, baseados no trabalho dos parceiros sociais, que têm conhecimento e expertise incomparáveis sobre as realidades sociais. O Estado estenderá esta iniciativa, também, para o campo da função pública. É preciso fortalecer e modernizar as relações sociais, principalmente instituindo novas instâncias de diálogo. Os parceiros sociais deverão trabalhar diferentemente. A consulta a eles não poderá servir de pretexto à inação, ou até ao bloqueio. As negociações deverão acontecer em um prazo claramente delimitado, conciliável com o tempo e as exigências da ação política. Sob o olhar da Nação, os parceiros sociais assumirão suas responsabilidades: eles já sabem fazê-lo enquanto gestores dos regimes de seguridade social ou do seguro-desemprego. Essa reforma repousa sobre uma aposta. Mas no sentido mais nobre do termo: a aposta no diálogo, no engajamento e na responsabilidade. À imagem do que nossos vizinhos europeus souberam fazer, inclusive aqueles que tinham tradições sociais comparáveis às nossas. À imagem também dos mecanismos executados em nível de União Européia. O projeto de lei sobre a reforma do diálogo social, cujas disposições são objeto de uma grande concertação com os parceiros sociais, será apresentado em breve na Comissão Nacional da Negociação Coletiva antes de ser submetido ao parlamento. O Conselho Econômico e Social foi consultado a respeito de outras questões importantes, como a negociação nas pequenas e médias empresas, a representatividade e o financiamento dos sindicatos. Vocês logo enviarão suas conclusões ao Governo. Saibam que estaremos muito atentos a elas e que as tomaremos em grande consideração. * Senhoras e Senhores, A reforma do diálogo social que assumimos hoje é uma reforma capital para o futuro. Os que fundaram a seguridade social nos mostraram o caminho, colocando os parceiros sociais no centro do funcionamento de nosso pacto social. Cabe a nós inscrevermo-nos nessa visão, profundamente adaptada ao nosso tempo. É uma das chaves do dinamismo de nosso país, com fidelidade ao que somos. Obrigado.