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JORNALISMO & COMUNICAÇÃO Ano 16 • n° 180 . março/2003 • R$ 6,00 -9 Y y d:J 1'11. 11 fllJ-u ;¢a¢, !Ifuli .t.1J, 1J1¢ ¢!¢¢ ¢ ¢Ì11¢JJY:.1 Mapa da Mídia Roberto Duailibi : "Não há governo sem comunicação ENTREVISTA Persona : Perso n Mariana Duccini e Rodrigo Manzan o Fotos : Adolpho e Gustavo Varga s Na década de 40, o encontro entre uma jovem escritora chamada Lygia Fagundes Telles e o já veterano Mário de Andrade, na Confeitaria Vienense, em São Paulo, guardou uma convers a interessante . Falando entusiasticamente de literatura, Lygia citava sem parar o nome d e escritores, dizia de seu amor pelos russos (particularmente Dostoiévski), declamava trechos d e poesias . O mestre modernista surpreendeu-a, então, com a súbita pergunta : "O que é important e para você, ser considerada mais bonita ou mais inteligente?" Como se pode supor, Lygi a respondeu que a inteligência, ou precisamente, "ser mais inteligente", era mais importante . Para voltar a falar de literatura, logo em seguida . Boas décadas depois, o cenário é, agora, o restaurante Verdi, em Higienópolis, São Paulo . Os interloctores : dois repórteres e Marina Person, a VJ da MTV, que apresentou vários programa s na emissora e que, atualmente, à frente de "Meninas Veneno", imprime sua identidade à atração, um debate sobre temas polêmicos do cotidiano feminino . Volta, inclusive, a apresenta r o Cine MTV, programa que marcou sua estréia na emissora . O dilema entre beleza e inteligência , ao menos para Marina, parece superado . Com formação em cinema pela Escola de Comunicaçõe s e Artes da USP, vasto repertório cultural e um considerável respaldo genético - é filha do s também cineastas Regina Jeha e Luiz Sérgio Person, autor dos emblemáticos "São Paulo S .A" e "O caso dos irmão Naves" e morto em 1976, em um acidente de carro - Marina é considerada , sim, uma mulher bonita . Sem que isso atente contra seu lado, digamos, intelectual . O projeto que mais absorve as energias da VJ, no momento, é deliberadamente autoral , desde o nome : "Person" . Trata-se de um documentário sobre a vida e obra de seu pai . Como tinha apenas sete anos quando Luiz Sérgio faleceu, o "pai real" foi substituído pelo mito . Co m o filme em fase de edição, esse é, pois, o momento de destruição do mito . De resto, como te m acontecido a boa parte das mulheres, de Eva a Simone de Beauvoir. IMPRENSA - No decorrer das décadas , ícones femininos, como Pagu o u Leila Diniz, por exemplo, fora m artífices de idéias e ações qu e contrariavam muitas convençõe s sociais, questionavam valore s estabelecidos . Quem, hoje, faz ess e papel, na sua opinião ? Marina Person - Mulheres brasileiras, só ? IMPRENSA - Não necessariamente . Marina - Existem várias . . .falando d o universo que conheço bem e com o qua l eu lido, acho que Madonna é um ícon e inegável, uma mulher que influencio u várias gerações, de várias maneira s diferentes . Não só pela ousadia . Ela é uma mulher que soube aproveitar a popularidade de massa, é conhecid a tanto no Japão quanto no interior d o Brasil, deu uma boa mexida naquel a coisa da moral americana, do sexo, d a religião . Hoje em dia, acho que ela est á um pouco desvirtuada, numa onda d e violência, não estou sacando bem qua l é a dela . É engraçado, logo agora qu e ela é mãe, fazendo uns clipes co m violência . Não curto muito, mas é u m ícone, com certeza . No Brasil (pens a longamente), acho que a mulher n a política, de um modo geral, te m crescido . O novos tempos têm sido bons : Marta (Suplicy), (Luiza) Erundina , Benedita (da Silva) . Esse crescimento é interessante, num tempo pós-Pagu, pós Leila Diniz, pós-Tarsila (do Amaral) . 12 IMPRENSA - Você demora um pouc o para se lembrar de ícone s brasileiros . . . Marina - Não queria citar os mesmos . Acho que existem mulheres que s e destacam em suas profissões, mas ne m sempre representam algo forte fora d e seu trabalho . Por isso é difícil . Acho lega l quando a pessoa consegue transcende r seu campo de ação . Fernand a Montenegro, por exemplo, é uma put a atriz, mas se você for pensar, ela nã o sacudiu algum valor da sociedade, nã o transformou, efetivamente, algum a coisa . Ela desempenha muito bem u m papel, que é ode ser a grande dama d o teatro brasileiro . Bic / CO Ni 1-"t.." 1"Acho legal quando a pesso a consegue transcender seu ., campo de ação" «y, kTt . IMPRENSA - Como equilibrar a tensão, sempre existente, entre a liberação sexual, que vem send o uma conquista feminina, e o risc o de que isso acabe se traduzindo n a transformação da mulher em objeto ? Marina - Realmente isso é dificílimo, é uma tarefa delicada, porque a tendência de uma sociedade machista como a nossa é de classificar. Se a mulhe r posa para um ensaio sensual, pronto , virou a gostosa do mês . No mê s seguinte, vem uma mais nova, mai s gostosa, mais bunduda . . .Acho qu e existem mulheres que consegue m superar isso, mas a tendência é a d e colocar tudo no mesmo saco : se voc ê posou para a Playboy, acaba send o encarada como mais uma Daniel e Winnits, mais uma Débora Secco . ficar igual a tudo . O fotógrafo (Valéri o Trabanco) me disse que nenhuma fot o sairia do estúdio dele sem que eu visse e cumpriu a palavra . A confiança fo i fundamental, eu nunca tinha feito foto s como aquelas . IMPRENSA - Como você acha que a mulher brasileira média recebe ess e paradigma de "mulher ideal" qu e acaba sendo imposto pelos veículo s de comunicação ? Marina - Acho uma merda isso . Mas a gente tem exemplos de mulheres qu e se dão bem e cujas conquistas nã o passam pelo valor "beleza" . Acho que , para cada Gisele Bündchen que aparec e tem sempre uma . . .(pensativa) não vo u citar para não ficar chato, não vou dizer : "acho aquela mulher talentosa, poré m vontade de viver e era aprisionada nu m corpo debilitado : poliomielite quand o criança, um acidente depois, mi l problemas . É um exemplo de mulhe r que queria muito viver. Tinha um a força, essa coisa dos amantes, da s amantes, do amor . Isso é fonte de vid a para qualquer um e, para ela, er a fundamental, ela tinha alegria de viver . Eu acho chocante a história dela, u m exemplo de ser humano muito forte , que transpôs um limite físico quas e insuperável . Mas sei lá, penso també m em grandes escritoras, atrizes, cantoras , Maysa, Elis . . . IMPRENSA - Mas quando você er a pequena, quem admirava ? Marina - Ah, a Sônia Braga! (risos) . Achava a coisa mais linda do mundo , para mim foi marcante . Amav a o filme "A moreninha" . Que m IMPRENSA Ness e tempos têm sido bons: "0 novos mais? Minha mãe, a Paul a contexto, como foi o se u Saldanha, que apresentav a ensaio para a Vip, o qu e Marta (Suplicy), (Luiza) Erundina , o "Globinho", a Mart a te motivou ? é Benedita (da Silva) . Esse crescimento Suplicy, lembro daquel a Marina - Para mim, fo i interessante, num tempo pós-Pagu, pós - mulher falando de sexo, n a muito legal . Fiquei muit o do almoço (tenta imita r em dúvida se deveria Leila Diniz, pós-Tarsila (do Amaral) ." a hora voz) : "Eu já falei para a s fazer, por todas essa s mulheres não introduzirem essa s questões, pensei : "Vou estar lá , feia" (risos) . Mas acho que existe m coisas estranhas na vagina " posando de gostosa do mês . . ." . Na hora , (gargalhadas) . Eu tinha nove anos, atrizes, cantoras que são exemplos d e pode ser legal estar na capa da revista , ficava pensando por que as mulhere s para a vaidade é ótimo . Depois, pod e sucesso e até de sensualidade, d e charme, que não são, realmente , faziam aquilo . Não entendia nada ! ser ruim . Mas no Brasil, a tendência é mulheres estonteantes . Agora, eu ach o achar que se uma mulher é inteligente, IMPRENSA - Quando a MTV começo u só poderá ser sempre uma intelectual . muito cruel . Às vezes eu olho, vejo cad a mulher maravilhosa e penso : "Nunc a a se estruturar no Brasil , Se outra é gostosa, então será burra , que vou ser assim, nunca fui" . Com o representava um espaço paralelo , ou piranha . . .É cansativo rotular a s que fazia experimentações, fugind o competir com Gisele Bündchen, Luan a pessoas . Eu não sou uma intelectual , Piovani, Camila Pitanga? Cad a da tendência em massa da mídi a não é isso, mas porque faço uma linh a mulherão . . . tradicional . Hoje, após vário s de entrevista, de debate, gosto d e programas emblemáticos terem sid o assuntos culturais, isso não quer dize r extintos, assim como boa parte da s que não possa também fazer foto s IMPRENSA - E suas referência s atrações jornalísticas, como voc ê sensuais . Como mulher, foi muito lega l femininas, quais são ? Marina - Várias, não sei se tenho u m encara essa relação ? para mim . Toda mulher gosta de s e Marina - Outro dia ainda estav a . Acho que é um pouc o padrão, uma referência diferente, qu e sentir desejada . Acho que (a pintora pensando nisso, no que tinha mudad o de hipocrisia dizer : "Não preciso disso" . não seja um chavão mexicana) Frida Kahlo, uma mulher na MTV. Apesar de o jornalismoter sid o Tomei muito cuidado ao escolher a s sofrida pra caralho, que tinha muita muito reduzido (essa questão ainda nã o fotos, para não ficar vulgar, para não 14 foi bem resolvida na emissora, h á algumas propostas futuras), acho que o espaço de debate aumentou muito . Programas como "Barraco", "Erótica" , "Meninas Veneno", que discutem tema s com uma certa abertura que não existi a no começo . Nesse sentido, o "Erótica " foi desbravador, por falar de sexo tã o declaradamente . O problema é qu e começou a correr em círculos, porqu e as pessoas tinham, quase sempre, a s mesmas questões . O fato, por exemplo, de a MTV fazer campanhas massiva s sobre uso de camisinha, desde o começo, acho muito importante . Coloca o jovem numa posição d e responsabilidade, sem aquela coisa d e só sexo, drogas e rock and roll . Às vezes, pode dar impressão de que a gente fa z apologia dessas coisas, mas a gent e insiste nessa coisa da responsabilidade . E sempre o debate, com relação à violência no Brasil, legalização da s drogas, política, preservação d a natureza . São assuntos que não tinha m muito espaço no começo da MTV. IMPRENSA - Partindo da questão d a legalização das drogas, voc ê enfrenta algum tipo de conflit o interno, do ponto de vista comercial , já que o Ministério da Saúde e algumas ONGs são anunciantes, o u do ponto de vista da inter-relaçã o entre colegas, tendo em vista que o Jairo Bouer, por exemplo, j á chegou a se posicionar contra a s drogas, e, durante a programação, algumas pessoas se posiciona m favoravelmente, há exibição d e clipes como os do Planet Hemp . . . ? Marina - Eu nunca recebi nenhum a ordem explícita da direção para nã o falar sobre o assunto . Acho que tem qu e usar o bom senso . Eu sou a favor d a legalização de todas as drogas, ach o que é o único jeito de se acabar co m esse mal que existe na sociedade, que é o tráfico . Acho que essa responsabilidade deve ser passada, sim , para o cidadão . Agora, se o Brasil te m estrutura para isso . . .tem estrutura par a agüentar o tráfico? O que é pior? Pod e ser que haja algum tempo de desbunde , mas o cidadão deve ter acesso à educação para saber que aquilo não é legal, mas se ele quiser experimenta r e, ainda, se quiser passar a vid a drogado, deve ter livre-arbítrio par a isso . Mas deve saber das conseqüências . Tudo bem, não vou ficar falando isso n a televisão, mas quando me perguntam , tenho a liberdade de falar. IMPRENSA - Como são selecionado s os temas para os episódios d o "Meninas Veneno" ? Marina - No começo, as pessoas d a equipe fizeram um braim storm , depoi s começou a chegar muita sugestão . Também tem algumas matérias d e revistas que inspiram episódios . IMPRENSA - Como você administra a relação entre entrevistador e entrevistado? Alguns temas são be m delicados, como você quebra o constrangimento das pessoas , nesses casos? Marina - É na lata! (risos) . . .às vezes, te m que usar uma certa delicadeza, deixar a pessoa mais à vontade, esperar que el a comece a rir. . .no geral, é um pouco d e feeling, de saber a hora de chutar a bola . IMPRENSA - Os meninos també m participam do programa . Com a experiência que você adquiriu ness e tempo todo, diria que a expectativ a de meninas em relação a meninos, e vice-versa, é muito discrepante ? Marina - Acho que não é uma questã o de rapazes e garotas, mas de pessoas e pessoas . Existem meninos que tê m expectativas muito parecidas com a s femininas, que são românticos , procuram a "princesa encantada" . E tem meninas que fazem o estilo : "esto u 15 na boa, não quero namorar ninguém , quero mais é me divertir e não venha m me encher o saco!" . Eu não classificari a entre meninos e meninas, apesar d e sentir, de acordo com a média, que a s meninas são mais românticas, quere m arrumar um namorado sensível, e os meninos passam por uma fase d e ansiedade, de achar que perdem temp o se ficarem com uma menin a só . Tem discrepâncias, ma s tem muita coisa em comum . Todo mundo quer ser amado . conviver com ele, procuro encontra r coisas que vão além desse ser human o que "nunca decepcionou ninguém" . A í é que está a graça da vida . IMPRENSA - A obra de seu pai , cronologicamente, dividiu terren o com o Cinema Novo e o Cinem a Marginal, escolas que movimen - IMPRENSA - Você costum a colocar bastante su a opinião pessoal no s programas . . . Marina - Às vezes, estou afi m de falar, às vezes, não, entã o só vou jogando a bola para os outros . . .Para mim, é com o uma conversa entre amigas . Tem dia que você está mai s animada, mais extrovertida , com vontade de falar . Outros dias, você está mai s afim de ouvir, ou de tirar u m sarro, quando o humor está mais afiado . Mas vari a muito, porque tenho o humor muito variado , também . IMPRENSA - O documentário que você est á produzindo, "Person" , tem que finalidad e emocional para você? É um resgate do mito, um a humanização do mito, já que voc ê conviveu pouco com seu pai ? Marina - É destruir o mito (risos) . Com o eu não tive muita convivência com ele , procuro achar o ser humano por trás d o mito . Como ela já morreu, tinha um a personalidade exuberante, trabalho u com muita gente legal, a tendência é a s pessoas falarem bem, exaltarem . Isso é bacana e, pensando que ele era me u pai e eu não tive oportunidade de taram o interesse dos teóricos e d o público . Assim, o trabalho de Lui z Sérgio Person (e de outros artista s que não se inseriam nesse s movimentos) ainda não teve o devido reconhecimento, não houv e ainda o resgate de seus filmes . O documentário que você est á produzindo tem essa preocupação ? Marina - Na verdade, uma das coisa s que tento falar no filme é de não 16 comparar a obra do papai como Cinem a Novo ou o Cinema Marginal, mas d e reforçar uma coisa que er a fundamental para ele, que era ser u m artista independente . Ele não pertenci a a nenhuma panelinha . Ele tinha ess e espírito livre . Quando fez "São Paul o S .A", o pessoal do Cinema Novo tento u cooptá-lo, classificar o filme como um a obra do movimento, mas ele nã o quis . Aí teve aquela reação do s cinemanovistas : "Então não é um filme do Cinema Novo! " (risos) . A rixa dele com o Gláube r (Rocha) e o Cacá (Diegues) ia po r ai, para ele, não interessav a participar de um grupo . Aind a mais ele, que fez um filme tã o diferente do outro . Quando nã o conseguiu dinheiro para faze r os filmes que queria, foi para a publicidade . Quando canso u daquilo, mandou todo mundo à puta que pariu, colocou u m roteiro debaixo do braço e fo i tentar filmar nos EUA . Num a época em que ninguém fazi a isso! Papai chegou lá na maio r cara de pau, bateu na Willia n Morris, mostrou o roteiro . Quando eles disseram que er a melhor filmar as belezas do Rio , o carnaval, a reação dele foi d o tipo "vão para a puta que pariu , também!" (risos) . Depoi s resolveu fazer teatro, monto u um teatro para isso! (o Teatro Augusta) . Ele era assim . Morre u com 39 anos - idade em que os cineastas, hoje, começam a trabalhar . IMPRENSA - Aproveitando su a formação de cineasta e su a experiência nisso, qual o melho r cineasta e o melhor filme brasileiros ? Marina - (rindo) "São Paulo S .A" e me u pai . É tudo o que posso dizer, se m nenhuma vergonha, minha gente !