Designer mineira se forma no mestrado da Central Saint Martin, em
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Designer mineira se forma no mestrado da Central Saint Martin, em
E STA D O D E M I N A S 14 ● D O M I N G O , 1 1 D E O U T U B R O D E 2 0 0 9 FEMININO&MASCULINO GENTE Designer mineira se forma no mestrado da Central Saint Martin, em Londres, com coleção inspirada nas raízes brasileiras: índios, pedras nativas e memórias da cultura tupiniquim JOALHERIA CULTURAL FOTOS: CASSIA TABATINI/DIVULGAÇÃO LAURA VALENTE Quando conheci Kika Alvarenga, formada em artes plásticas, estilismo e ourivesaria, ela estava cursando o primeiro ano de mestrado em joalheria na Central Saint Martin, em Londres, escola referência mundial em design e moda. À época, pouco mais de um ano, já produzia anéis, colares, pulseiras e broches com viés autoral e apelo contemporâneo – peças forjadas em metais nobres e matérias-primas totalmente alternativas, como fibras da palmeira tucum, além das pedras brasileiras quartzo rosa e turmalina negra. Optou pela especialização no intuito de encontrar novos desafios e sentidos para a carreira e não deu outra. Finalizado, o trabalho tomou o próprio caminho, se transformando num ponto de encontro entre design, arte e moda. O projeto, que já pretendia falar de memórias, levou Kika a abordar o resgate de raízes culturais brasileiras e misturálas a fragmentos de realidade atuais, como o jeitinho brasileiro de resolver problemas na base da gambiarra. O resultado é uma coleção com 40 modelos, que já estão sendo comercializados na descolada Feathers e no Museu Tate Britain, em Londres, e também no Brasil, nas lojas que revendem a grife (Sônia Pinto, Essencial e Ellus Guest, em São Paulo; Dona Coisa, no Rio de Janeiro, e Fata Morgana, em Belo Horizonte). A DORNO É COMUNICAÇÃO “Minha intenção era desenvolver um trabalho que resgatasse memórias, mas a proposta era muito ampla: de quem, como, por quê? Aí, entrei num processo de reconhecer o que é o adorno corporal para conseguir entender o que é a joalheria e acabei chegando à mídia, numa forma de comunicação. Na pesquisa em livros, museus e internet, constatei que o adorno foi a primeira forma de expressão artística do homem. Antes de pintar paredes (pintura rupestre) ele pendurou um colar no pescoço.” ESTRUTURA DE ENSINO - “O sistema de ensino na Central Saint Martin é muito diferente do nosso. Eles têm uma estrutura gigantesca, muito completa, mas cabe ao aluno saber usufruí-la e isso inclui até o contato com os orientadores. O meu mestrado não teve aula, não precisei cumprir créditos. Tive algumas reuniões e orientações durante o curso, mas coube a mim buscar mais.” CULTURA BRASILEIRA - “O primeiro ano foi muito difícil, tanto pelo choque cultural quanto pelo sistema de ensino, além da língua. Porque já falava inglês, mas o acadêmico é mais rebuscado, dei uma penada. Não pensei em largar porque não faz parte da minha personalidade, tenho um ego inflado nesse sentido, acredito que vou conseguir e aí me dá mais vontade de provar que posso. Até porque, no fim das contas, é a terceira vez que moro fora do país, que reafirmo minha nacionalidade, meu patriotismo. E a experiência se tornou um grande projeto falando da cultura brasileira. Então, chegou num ponto, no fim do primeiro ano, em que eu não estava mais fazendo um mestrado falando sobre o trabalho da Kika, mas passei a usar esse trabalho para falar de uma cultura que não é ainda reconhecida na sua completude. Com ele, quero fazer parte do movimento de artistas e designers que falam do Brasil e suas peculiaridades, como os Irmãos Campana, os Irmãos Gêmeos, a grife Auá. Sobre arestas, frestas e sutilezas dessa cultura.” A coleção de Kika traz 40 modelos, forjados de um tudo: turmalina, tucum, textura pele humana e banho de ouro negro DESCOBERTA - “Quando comecei a entender o que era joia, voltei para o meu trabalho, busquei seu significado e percebi que definia muito a peça pelo material. Identifiquei pedras mineiras e muita matéria-prima de origem indígena (pena, algodão, fibra de tucum, cocos, ossos, miçangas). Vi que a fibra de tucum, por exemplo, é uma das possibilidades da palmeira de mesmo nome, explorada pelos crahôs, do Tocantins, e pude entender que o índio tem um comportamento de usufruir ao máximo de uma mesma fonte. Conectei isso com o design ecológico, autossustentável, entrei nessa consciência.” INSIGHT - “Mergulhei no meu próprio trabalho e percebi que já falava das memórias da cultura brasileira. Quem é o brasileiro? Temos uma história que fala dos portugueses, dos africanos, mas não do índio como referência cultural. O país tem muito minério, pedras e rochas, mas também não falamos disso como construção cultural. Acredito que precisa- mos de assumir todas as nossas referências e aceitá-las. Só assim construiremos o Brasil com a força que ele tem. Vamos parar de olhar nosso colonizador, parar de olhar para fora como referência em comportamento, em tudo. Que independência é essa?” RESULTADO - “Fiquei felicíssima. Disse pronto, é isso, agora ninguém me segura. E aí passei a defender essa ideia muito forte, tive que peitar muitos orientadores. Porque eles questionavam o fato de eu querer falar da minha cultura com uma coleção toda preta (em turmalina negra). E eu dizia, isso também é Brasil. E tive que trazer um monte de elementos para mostrar esse lado: a Serra Pelada, as favelas, o catador de papel, toda a violência do país e sustentar esse argumento nas apresentações visuais, ao lado de imagens do nosso carnaval. Aí entrei na questão dos contrastes, porque somos um país de contrastes. Meu trabalho tem isso: peças enormes, porém leves, P e B, fios finíssimos de seda com a pedra, pesada e dura. Também fiz uma paralelo da gambiarra com esse comportamento indígena, que é aproveitar tudo o que tem, do jeito que tem, e transformar em algo para uso próprio. O que é a gambiarra? Um comportamento contemporâneo das classes mais baixas, que conseguem resolver necessidades de forma criativa.” COLEÇÃO - “A coleção tem a textura da turmalina, do tucum, da pele humana (que imitei em prata, porque o homem é a razão de a joia existir). Algumas levam banho de ouro negro, que vai saindo da peça ao longo do tempo com o uso, o que representa a memória. Em outras, fiz movimentos com caquinhos de turmalina, mudei os veios da pedra de direção. Ao todo são 40 modelos, entre colares, pulseiras, anéis, brincos e broches, que passaram com louvor pela banca examinadora da Saint Martin. Todo mundo ficou impressionado. No fim das contas, consegui me comunicar com tanta força que alguns professores me pediram para usar imagens do trabalho em palestras.” REPERCUSSÃO - “Estou felicíssima, porque saí daqui meio angustiada e o mestrado me formou como profissional. Hoje, tenho certeza do que quero – usar a joia como meio de comunicação – e confiança o suficiente para chegar lá. Usei investimento próprio, mas parte da coleção já está sendo vendida. Poucas peças são únicas e tem com público-alvo colecionadores. Para outras já havia pedidos. Uma parte está em exposição e à venda no Museu Tate Britain, em Londres, na loja Feathers, também de lá, e no Brasil. Não faço mais de 50 peças de cada modelo, porque é um trabalho extremamente artesanal. O preço para o consumidor varia de R$ 240 – um fio de tucum com turmalina a R$ 5,2mil – peças mais elaboradas.” PROJETOS - “Pretendo ficar na ponte área Londres/BH/São Paulo, porque preciso abrir um mercado internacional. Tenho um trabalho muito específico e dois caminhos: um é vender para lojas especiais. O outro é me enveredar no nicho das artes. Nesse sentido, já tenho algumas portas abertas. Afinal, esse trabalho tomou o próprio caminho. É ponto de encontro entre design, arte e moda, se construiu e se destina a agradar a um público pequeno, agrada a um nicho específico. Por isso tenho que mostrá-lo ao mundo.” %! 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