ELZA MARIA RIEHS SUZUKI CRIMES PREVIDENCIÁRIOS SOB A

Transcrição

ELZA MARIA RIEHS SUZUKI CRIMES PREVIDENCIÁRIOS SOB A
ELZA MARIA RIEHS SUZUKI
CRIMES PREVIDENCIÁRIOS SOB A ÓTICA DA LEI Nº 9.983/00.
Monografia apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de bacharel em Direito das
Faculdades Integradas Curitiba.
Orientador: José Carlos Cal Garcia Filho.
CURITIBA
2003
ELZA MARIA RIEHS SUZUKI
CRIMES PREVIDENCIÁRIOS SOB A ÓTICA DA LEI Nº 9.983/00.
Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em
Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos
professores:
Orientador:
______________________________________________
Prof. José Carlos Cal Garcia Filho.
______________________________________________
Professor 1º Membro da Banca.
______________________________________________
Professor 2º Membro da Banca.
Curitiba,
de
de 2.004.
ii
DEDICATÓRIA
À minha família, pelo
estímulo, compreensão, solidariedade e paciência nos
longos finais de semana que subtraí de seu convívio,
dedicados a escrever este trabalho.
iii
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que
contribuíram para a realização do presente trabalho e,
em especial, ao professor orientador, José Carlos Cal
Garcia Filho, por suas valiosas e imprescindíveis
sugestões.
iv
O Direito não é uma pura teoria,
mas uma força viva. Por isso, a Justiça sustenta em
uma das mãos a balança em que pesa o Direito, e na
outra a espada de que se serve para o defender. A
espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a
espada é a impotência do Direito.
Rudolf Von Ihering
v
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS.....................................................................................................
RESUMO...................................................................................................................
.
VIII
IX
1
INTRODUÇÃO.........................................................................................................
1
2
A
SOCIAL.......................................................................................
SEGURIDADE
4
2.1
CONCEITO...........................................................................................................
2.1.1
A
saúde..............................................................................................................
2.1.2
A
assistência
social............................................................................................
2.1.3
A
previdência
social...........................................................................................
4
6
7
8
2.2
FONTES
DE
FINANCIAMENTO
DA
SEGURIDADE 10
SOCIAL..............................
2.3
NATUREZA
JURÍDICA
DA
SEGURIDADE 13
SOCIAL............................................
2.4 NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS.................................. 14
3 PRINCÍPIOS DA SEGURIDADE SOCIAL.............................................................. 15
3.1
PRINCÍPIO
DO
SOLIDARISMO...........................................................................
3.2 PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE DA COBERTURA E DO
ATENDIMENTO...
3.3
PRINCÍPIO
DA
UNIFORMIDADE
E
EQUIVALÊNCIA
DAS
PRESTAÇÕES........
3.4 PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE E DISTRIBUTIVIDADE NAS PRESTAÇÕES...
3.5 PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DO VALOR DOS BENEFÍCIOS...............
3.6 PRINCÍPIO DA EQÜIDADE NA FORMA DE PARTICIPAÇÃO NO
CUSTEIO.....
3.7
PRINCÍPIO
DA
DIVERSIDADE
NA
BASE
DE
FINANCIAMENTO.......................
3.8
PRINCÍPIO
DA
ADMINISTRAÇÃO
DEMOCRÁTICA
E
DESCENTRALIZADA....
15
16
17
17
18
18
18
19
4 CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL....................................................... 20
4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CRIMINALIZAÇÃO DAS CONDUTAS.................. 20
4.1.1
A
discussão
sobre
a
abolitio 27
criminis.................................................................
4.2 O CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA FINS PENAIS.................... 31
5 OS CRIMES PREVIDENCIÁRIOS SOB A ÓTICA DA LEI 9.983/00...................... 33
5.1
A
INSERÇÃO
DE
DADOS
FALSOS
EM
SISTEMA
DE
INFORMAÇÕES............
5.2 MODIFICAÇÃO OU ALTERAÇÃO NÃO AUTORIZADA EM SISTEMA DE
INFORMAÇÕES........................................................................................................
.
5.3 DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS OU RESERVADAS................
5.4
VIOLAÇÃO
DE
SIGILO
FUNCIONAL...................................................................
5.5
FALSIFICAÇÃO
DE
SELO
OU
SINAL
PÚBLICO.................................................
5.6
FALSIFICAÇÃO
DE
DOCUMENTO
PÚBLICO.....................................................
41
44
46
48
49
51
vi
5.7
O
PREVIDENCIÁRIO.................................................................
ESTELIONATO
6 A SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS..............................
55
60
6.1
A
EXTINÇÃO
DA
PUNIBILIDADE........................................................................
6.2 O PERDÃO JUDICIAL OU A APLICAÇÃO EXCLUSIVA DE MULTA..................
6.3 CAUSA DE ATENUAÇÃO OU DE CONVERSÃO DA PENA...............................
66
7 A APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.................................................
70
7.1
A
RESPONSABILIDADE
PELA
AUTORIA
DO
CRIME........................................
7.2 CAUSA DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE........................................................
7.2.1
A
questão
do
parcelamento
do
débito...............................................................
7.3 O PERDÃO JUDICIAL OU A APLICAÇÃO EXCLUSIVA DA MULTA..................
7.4 A QUESTÃO DO DOLO.......................................................................................
7.4.1
A
alegação
de
dificuldades
financeiras..............................................................
7.5
A
QUESTÃO
DA
PRISÃO
POR
DÍVIDA...............................................................
77
8
CONCLUSÃO..........................................................................................................
98
REFERÊNCIAS.........................................................................................................
.
101
vii
LISTA DE SIGLAS
67
69
82
83
85
87
90
94
CLPS
CNAS
CND
CNPS
CP
CPMF
-
CTN
CTPS
DJU
FGTS
GFIP
INSS
LOPS
MPAS
MPF-F
MPS
NFLD
PCSS
RAIS
RFFP
RGPS
STF
STJ
SUS
TIAF
TRF
-
Consolidação das Leis da Previdência Social
Conselho Nacional de Assistência Social
Certidão Negativa de Débitos
Conselho Nacional de Previdência Social
Código Penal
Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de
Valores e Créditos de Natureza Financeira
Código Tributário Nacional
Carteira de Trabalho e Previdência Social
Diário de Justiça da União
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social
Instituto Nacional do Seguro Social
Lei Orgânica da Previdência Social
Ministério da Previdência e Assistência Social
Mandado de Procedimento Fiscal-Fiscalização
Ministério da Previdência Social
Notificação Fiscal de Lançamento de Débito
Plano de Custeio e Organização da Seguridade Social
Relação Anual de Informações Sociais
Representação Fiscal para Fins Penais
Regime Geral da Previdência Social
Supremo Tribunal Federal
Superior Tribunal de Justiça
Sistema Único de Saúde
Termo de Início de Ação Fiscal
Tribunal Regional Federal
viii
RESUMO
O tema do presente estudo é a Lei nº 9.983/00, que entrou em vigor em de 17 de julho de
2000, com eficácia a contar de 15 de outubro de 2000 e que versa sobre crimes
previdenciários, acerca dos quais determinou a inclusão de diversos artigos no Código
Penal. Para possibilitar uma melhor compreensão quanto à importância do bem jurídico
protegido, buscou-se conceituar a Seguridade Social, evidenciar os valores nela
compreendidos e demonstrar os princípios que a informam, que são colocações
universais das quais resultam as demais normas que a regem. Delineou-se um breve
histórico da evolução dos diplomas legais antecedentes à atual lei, relativos à
criminalização de comportamentos prejudiciais à Previdência Social. Foram enfocadas as
principais condutas lesivas praticadas contra o patrimônio previdenciário, analisando-se
os tipos penais contemplados pela Lei 9.983/00 no tocante ao seu conceito, objetividade
jurídica, elementos objetivos e subjetivos, momento consumativo, tentativa, sujeitos do
delito, penas, tipos de ação penal, bem como no que se refere às hipóteses de
inaplicabilidade da pena, de extinção de punibilidade e de perdão judicial. Avaliou-se a
controvérsia interpretativa permitida pela redação do artigo 168-A, inserido no Código
Penal, geradora de díspares abordagens doutrinárias e jurisprudenciais em relação ao
crime de apropriação indébita previdenciária. Foram analisadas, também, outras
questões polêmicas, tais como a legalidade ou não da pretensão de prisão do devedor, a
natureza do dolo, a possibilidade de o Ministério Público iniciar a ação penal antes de o
crédito previdenciário estar definitivamente constituído na via administrativa e a forma
como deve se dar a denúncia em relação aos administradores da empresa, questões
essas ainda não de todo pacificadas pela doutrina e pela jurisprudência e merecedoras,
portanto, de uma abordagem mais aprofundada.
ix
1 INTRODUÇÃO
A partir de outubro de 2.000, os ilícitos penais praticados em prejuízo da
Previdência Social foram redefinidos e transportados do artigo 95 da Lei nº 8.212/91
(PCSS - Plano de Custeio e Organização da Seguridade Social) para a Lei nº 9.983/00,
que entrou em vigor em de 17 de julho de 2000, com eficácia a contar de 15 de outubro
de 2000.
A determinação constante naquela lei quanto à inserção desses crimes no Código
Penal objetivou dar-lhes uma maior visibilidade e salvaguardá-los da instabilidade a que
se sujeitavam na legislação previdenciária.
Visou o legislador dotar o Ministério Público e o Poder Judiciário de instrumentos
para combater aqueles que sonegam contribuições previdenciárias ou as descontam de
seus empregados e não as recolhem aos cofres públicos, bem como para inibir outras
condutas que visem à obtenção particular de vantagens em detrimento dos interesses da
Previdência Social no tocante a seu processo de arrecadação. Considerando a
importância do bem jurídico tutelado, o comportamento delituoso praticado mediante
fraude, falsidade, estelionato, sonegação, apropriação indébita e outras condutas lesivas
ao patrimônio da Previdência Social não poderia ficar restrito ao ilícito administrativo.
O diploma legal em questão alterou a redação de determinados tipos delitivos e
introduziu no Código Penal algumas figuras típicas penais.
Além disso, ampliou, para fins penais, o conceito de funcionário público por
equiparação, visando incluir sob a égide da nova lei não apenas os servidores públicos,
como também todos aqueles que exercem cargo, emprego ou função em entidade
paraestatal e os que trabalham para as empresas prestadoras de serviços contratadas ou
conveniadas para a execução de atividades típicas da Administração Pública.
Determinadas condutas, comissivas ou omissivas, passaram a sofrer o efeito da norma
penal como mais uma forma de buscar-se a efetivação dos princípios previstos
constitucionalmente para a Seguridade Social e de assegurarem-se as fontes de recursos
para prover benefícios e serviços aos milhões de segurados e seus dependentes,
protegendo-os contra contingências que os impeçam de satisfazer suas necessidades
básicas.
Atendendo à máxima de que o direito penal deve andar de mãos dadas com a
realidade, adaptando-se os diplomas legais às novas tendências que despontam no
comportamento humano, a lei traz alguns dispositivos inovadores, tais como os que
contemplaram a tipificação de condutas praticadas por meio de informática, os quais,
ainda por um bom tempo, haverão de continuar despertando o interesse e sendo objeto
de análise pelos operadores jurídicos.
A lei aborda questões polêmicas, ainda não pacificadas. Diversos temas vêm
produzindo doutrina e jurisprudência discordante. Dentre eles, a pretensão da prisão do
devedor; a necessidade ou não do prévio exaurimento da via administrativa como
pressuposto para a ação penal; a ocorrência ou não da abolitio criminis do delito de
apropriação indébita anteriormente previsto no artigo 95, alíneas “d”, “e” e “f” da Lei nº
8.212/91, em decorrência da nova redação dada pela Lei nº 9.983/00 e a obrigatoriedade
ou não de, nos crimes societários, a denúncia discriminar a relação existente entre cada
administrador e o ilícito penal imputado.
Também não há consenso doutrinário quanto ao crime de não recolhimento de
contribuições previdenciárias, hoje denominado de apropriação indébita previdenciária,
inserido no artigo 168-A do Código Penal, cuja redação permite diferentes interpretações.
Para parte da doutrina e da jurisprudência, basta que haja o desconto ou a
cobrança da contribuição e que essa não seja repassada aos cofres públicos no prazo
legal, para configurar-se o crime, presumindo-se o dolo de forma genérica.
Para outra
parcela dos operadores do direito, há a necessidade de haver o dolo específico, o ânimo
especial de apropriar-se ou de desviar para outros fins os valores arrecadados, a
consciência de que havia a obrigação do repasse da contribuição previdenciária, aliada à
possibilidade inequívoca de atuar conforme a maneira determinada pela lei.
Além disso, há diferentes entendimentos sobre se a alegação de dificuldades
financeiras eximiria a responsabilidade pelo crime de apropriação indébita, por motivo de
inexigibilidade de conduta diversa.
Merece, pois, o tema, cuja atualidade é manifesta, uma abordagem mais
aprofundada. É a que se propõe o presente trabalho, que não tem a pretensão de estudar
a teoria geral dos crimes, razão pela qual não vamos tratar dos institutos penais, senão
na medida em que interessarem para a análise dos tipos delituosos nele referidos.
2 A SEGURIDADE SOCIAL
2.1 CONCEITO
A Seguridade Social visa auxiliar a consecução dos objetivos fundamentais
traçados para a República Federativa do Brasil pela Carta Magna, em seu artigo 3º: a
construção de uma sociedade justa, livre e solidária, o desenvolvimento nacional, a
promoção do bem de todos, mediante assistência aos menos favorecidos e a redução
das desigualdades sociais e regionais por via de uma melhor distribuição de rendas.
Na medida em que procura assegurar a dignidade da pessoa humana,
protegendo-a contra os infortúnios, as incertezas e o perigo de passar privações, fazendo
com que todos se tornem menos vulneráveis às contingências inesperadas, influencia
para que se tenha tranqüilidade em relação ao futuro e colabora para que se alcance a
paz social.
É objeto do Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal de 1988, que
cristalizou o Estado de Seguridade Social no Brasil em seus artigos 194 a 204.
Compreende, consoante o artigo 194 da Carta Magna, um conjunto integrado de ações
de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
É, pois, gênero de um sistema de direitos de responsabilidade do Estado, cujo
objetivo é garantir o bem-estar e a justiça social e do qual são espécies três subsistemas
de proteção social: saúde, previdência social e assistência social.
O Deputado Nelson Jobim, relator da Revisão Constitucional, em seu Parecer 78,
de 1994, ressaltou que “a concepção de seguridade social assumida pela Constituição
Federal de 1988 foi inovadora em relação a preceitos basilares dos programas sociais
desenvolvidos até então em nosso País, bem como constitui significativo avanço no
campo da definição dos direitos fundamentais para um exercício pleno da cidadania”.
Como assinala Valéria Maria SANT’ANNA, “podemos entendê-la como um
conjunto de medidas através das quais o Estado procura atender às necessidades de
segurança do ser humano. Todavia, melhor que conceituá-la será tentar compreender
que ela se constitui, na realidade, de maneira a proporcionar a cada um de nós a garantia
de poder viver tranqüilos no tocante a determinadas necessidades inerentes à própria
condição humana”.
No mesmo sentido, Wagner BALERA cita que ”o termo seguridade traduz a idéia
de tranqüilidade, sobretudo no futuro, que a sociedade deve garantir a seus membros. A
extensão em que esse benefício é alcançado varia muito, no espaço e no tempo, em
função de fatores os mais diversos. A idéia essencial, no entanto, é essa: tranqüilidade,
segurança, no presente e no futuro”.
Marcus Orione Gonçalves CORREA e Érica Paula B. CORREA a definem como
“um instrumento estatal, específico de proteção das necessidades sociais, individuais e
coletivas, sejam elas preventivas, reparadoras e recuperadoras, na medida e nas
condições dispostas pelas normas e nos limites de sua capacidade financeira”.
De acordo com Alfredo J. RUPRECHT, “o fundamento da seguridade social são
as contingências que se produzem nas comunidades, procurando cobrir suas
conseqüências e, eventualmente, impedir que aconteçam, caso que incide na órbita da
previdência”.
Em princípio, na sociedade em que vivemos, onde o trabalho é valor social e
fundamento constitucional, compete a cada um suportar suas próprias necessidades.
Quando o indivíduo não puder fazê-lo por seus próprios meios, em decorrência de
contingências definitivas ou temporárias, tais como perda da capacidade de labor, idade
avançada, estado físico ou mental precários, cabe à Seguridade Social, de forma
subsidiária, prover o segurado e seus dependentes de meios para a manutenção de suas
necessidades básicas, dando-lhes tranqüilidade no sentido de que sua qualidade de vida
não será consideravelmente afetada pela adversidade.
A assistência à saúde e a assistência social são direitos cujos benefícios e
serviços independem de contribuições diretas por parte dos segurados, estendendo-se a
qualquer cidadão que deles necessite. Já a fruição das prestações da previdência social
é condicionada ao pagamento de contribuições sociais, assim são beneficiárias apenas
as pessoas que contribuíram para o sistema.
São prestados pela Seguridade Social benefícios e serviços. Os primeiros são
prestações pecuniárias devidas às pessoas por ela protegidas, como as aposentadorias e
as pensões, enquanto que os serviços referem-se a bens incorpóreos como o serviço
social, a assistência médica e a reabilitação profissional.
O sistema de Seguridade Social está centralizado nas mãos do Estado, que
organiza o custeio, estabelece e concede os benefícios e serviços. As atividades relativas
à saúde são de responsabilidade do Ministério da Saúde. O órgão incumbido da
assistência e da previdência social é o Ministério da Previdência Social, ao qual se
subordina o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, autarquia federal encarregada das
ações ligadas à previdência social.
2.1.1 A saúde
A saúde, primeiro dos três programas de seguridade social, é garantida pela
Constituição Federal como direito de todos e dever do Estado, que deve socorrer aquele
que necessite do sistema.
Nas palavras de Sérgio Pinto MARTINS, “a saúde pretende oferecer uma política
social e econômica destinada a reduzir riscos de doenças e outros agravos,
proporcionando ações e serviços para a proteção e recuperação do indivíduo”.
Vige, aí, o princípio da universalidade no atendimento. O acesso à saúde é
universal e deve ser prestado tanto às pessoas que contribuem para a seguridade,
quanto àquelas que não o fazem, inclusive aos estrangeiros em trânsito no Brasil, de
forma igualitária e gratuita.
Não há que se falar em contribuição direta por parte do beneficiado. Quem arca
com os custos é o Estado.
A política pública de saúde, destinada a reduzir riscos de doenças e seus
agravamentos, é implementada pelo Ministério da Saúde. Em atendimento ao direito
universal à saúde, foi instituído, pelo artigo 198 da Constituição Federal, o Sistema Único
de Saúde (SUS), integrado por serviços públicos sanitários regionais. É gerido, no âmbito
federal, pelo Conselho Nacional de Saúde e, regionalmente, por colegiados criados junto
às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
2.1.2 A assistência social
Conforme Sérgio Pinto MARTINS “a assistência social irá tratar de atender aos
hipossuficientes, destinando pequenos benefícios a pessoas que nunca contribuíram para
o sistema”.
É instrumento utilizado pela sociedade para auxiliar os mais carentes, prevenindo
ou remediando situações de infortúnio que surjam na vida do indivíduo. Tem por
finalidade evitar que a pessoa, desprovida de recursos mínimos necessários à
sobrevivência, seja levada à miséria, relegada à condição de indigência. Amplia os
conceitos de cidadania e de melhoria de vida para milhões de brasileiros, em especial
para os da área rural, os idosos e os portadores de deficiências, para os quais, muitas
vezes, o benefício assistencial representa a única fonte de sobrevivência.
Está prevista nos artigos 203 e 204 da Carta Magna, a qual determina que será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição, e fixa seus
objetivos: a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o
amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de
trabalho; a habilitação e reabilitação dos deficientes e a promoção de sua reintegração à
comunidade.
Garante o texto constitucional, ainda, nos termos da lei, benefício no valor de um
salário mínimo mensal, a título de amparo assistencial, à pessoa portadora de deficiência
e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover sua própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família. Atualmente, para efeito desse benefício, é considerado
idoso aquele que tem mais de sessenta e sete anos e é tida como pessoa portadora de
deficiência aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em razão de
anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênita ou adquirida.
Ensinam Carlos Alberto Pereira de CASTRO e João Batista LAZZARI que a
assistência social é prestada por entidades e organizações sem fins lucrativos, no
atendimento e assessoramento aos beneficiários da Seguridade Social, bem como pelos
que atuam na defesa e garantia de seus direitos, segundo as normas fixadas pelo
Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS, órgão responsável pela política
assistencial em âmbito federal. Na área regional, a execução das ações fica a cargo dos
poderes públicos estaduais e municipais, entidades beneficentes e de assistência social.
Já a habilitação e a reabilitação profissionais são encargos da Previdência Social, quando
decorrentes de atividade laborativa e de entidades de assistência social, quando se
referem a pessoas portadoras de deficiências congênitas.
2.1.3 A previdência social
O regime de previdência social pública brasileiro busca consolidar os direitos
assegurados ao homem na Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa
tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,
velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle”.
Constitui um sistema público de grande alcance social e importante instrumento
de redistribuição da renda nacional. É um conjunto de atos que visam formar fundos
financeiros para enfrentar contingências que atinjam aqueles que para ela contribuíram.
Foi instituída para suprir a renda do trabalhador, quando de sua incapacidade
laborativa. Objetiva assegurar aos beneficiários os meios indispensáveis de manutenção,
por motivo de incapacidade, doença, idade avançada, tempo de serviço, invalidez e
reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente, além de outras
prestações definidas em lei.
Tem caráter contributivo. Qualquer pessoa pode ter acesso aos planos de
previdência pública, mas a condição para ser considerada segurada é a de que contribua.
Ao contrário do que ocorre com a saúde e com a assistência social, somente aqueles que
contribuíram, ou seus dependentes, terão direito aos benefícios previdenciários.
Consoante Wilson Leite CORRÊA, “não podemos confundir e supor que a
previdência social, mais especificamente o INSS, tem a atribuição de garantir benefícios
assistenciais às pessoas que não podem prover seu sustento ou tê-lo provido por seus
familiares, isso é função da assistência social”.
Compreende o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e os regimes
próprios de previdência social dos servidores públicos e dos militares.
O órgão governamental incumbido de organizar, arrecadar, fiscalizar e
regulamentar o custeio do RGPS, bem como da concessão de benefícios e serviços é o
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, autarquia pertencente à administração
pública, subordinada ao Ministério da Previdência Social.
As diretrizes normativas para que o Estado possa atender aos ditames
constitucionais relativos à Previdência Social encontram-se na Lei nº 8.212, de 24 de
julho de 1.991, que dispõe sobre a organização, plano de custeio e outras providências e
na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que regulamenta os planos de benefícios.
Os segurados incluídos no Regime Geral de Previdência Social são divididos em
dois grandes grupos: o dos trabalhadores empregados e o dos contribuintes individuais.
O fato de o trabalhador enquadrar-se em determinada situação já o qualifica como
segurado do sistema previdenciário, independentemente de sua vontade.
O grupo dos segurados empregados é constituído pelo conjunto de trabalhadores
que mantém vínculo empregatício com os setores privado e público, exceto o servidor
estatutário ou o servidor ocupante de cargo efetivo com regime previdenciário próprio.
O grupo de contribuintes individuais é composto pelos autônomos (aqueles que
trabalham por conta própria), empresários ou empregadores, domésticos, segurados
especiais (o produtor, parceiro, meeiro e arrendatário rurais, o pescador artesanal e o
assemelhado que exerçam essas atividades individualmente ou em regime de economia
familiar, ainda que com auxílio eventual de terceiros) e pelos não remunerados, que
contribuem facultativamente, ou seja, que se filiam ao sistema por vontade própria (donas
de casa, estudantes ou quaisquer outras pessoas que não figurem no rol de contribuintes
obrigatórios).
Os contribuintes individuais recolhem sua contribuição por ato próprio, enquanto
que as contribuições dos empregados para o sistema são recolhidas ao Instituto Nacional
do Seguro Social por intermédio da empresa onde trabalham.
2.2 FONTES DE FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL
Constituindo um sistema de cobertura universal, onde a demanda por serviços e
benefícios é sempre crescente, a Seguridade Social, para se manter sadia e
compatibilizada com os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e
da criação de uma sociedade justa e solidária, precisa contar com fontes de custeio que
lhe assegurem os meios econômicos e financeiros necessários à manutenção das
prestações concedidas.
A Carta Magna, em seu artigo 195, § 5º, estabelece que nenhum beneficio ou
serviço da Seguridade Social pode ser criado, majorado ou estendido sem que,
previamente, seja estabelecida sua fonte de custeio total. Tem-se, aí, o princípio
constitucional de preexistência da fonte de custeio, que não admite exceções.
Ao contrário da saúde e da assistência social, onde a fruição das prestações
independe de contribuições diretas, a previdência social adota regime essencialmente
contributivo, havendo necessidade de recolhimento das contribuições sociais para o
acesso aos benefícios e serviços ofertados.
Considerando a magnitude do sistema de Seguridade Social e visando dar-lhe
sustentação, de forma a garantir os benefícios e serviços aos milhões de segurados e
seus dependentes, os constituintes de 1988 criaram um conjunto diversificado de fontes
de financiamento, constituído por um sistema de contribuições sociais tripartite, composto
pelo Estado, o empregador e o empregado, especificado em regramento contido no artigo
195 da Constituição Federal. Prevê aquele dispositivo:
Art 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, a
pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
II - do trabalhador e demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre
aposentadorias e pensões concedidas pelo regime geral da previdência social de que trata o art.
201;
III - sobre a receita de concurso de prognósticos.
A diversidade de fontes visa dotar o sistema de pleno financiamento e de autosustentação.
A participação indireta da sociedade se dá através de contribuições por meio de
impostos e mediante a compra de produtos e serviços, em cujo preço final está embutida
a carga tributária.
A União, os Estados e os Municípios contribuem com recursos oriundos de seus
orçamentos fiscais, fixados na lei orçamentária anual. A União arca, ainda,
supletivamente, com eventuais insuficiências financeiras oriundas do pagamento de
benefícios de prestação continuada da previdência social pública, como aposentadorias e
pensões.
O empregador, pessoa natural ou jurídica, que admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviços, contribui de três formas: sobre a folha de salários e
demais rendimentos do trabalho, sobre a receita ou o faturamento e sobre o lucro.
O trabalhador, para fazer jus aos benefícios e serviços previdenciários, também
deve contribuir para o sistema com um percentual estabelecido, incidente sobre seu
salário de contribuição.
Ao modelo constitucional, acrescentou-se a Contribuição Provisória sobre a
Movimentação ou Transmissão de Valores e Créditos de Natureza Financeira - CPMF,
capaz de atingir o mercado informal da economia, cuja arrecadação, consoante a Lei nº
9.311/96, reverte para o Fundo Nacional de Saúde, órgão que reúne os recursos
destinados à área da saúde.
Esclarecem Carlos Alberto Pereira de CASTRO e João Batista LAZARRI que o
estabelecimento da condição de contribuinte não decorre sempre do mesmo fator:
Há pessoas que têm obrigação de contribuir porque desta decorre sua condição de beneficiário do
sistema - são os segurados do regime. A obrigatoriedade de sua participação se impõe para que
possam fruir dos benefícios e serviços previstos em lei, sendo fundamental a comprovação das
contribuições – ou pelo menos do enquadramento como segurado obrigatório - para este fim.
Outras pessoas têm a obrigação de contribuir porque a lei simplesmente lhes determina tal ônus,
sem que tenham qualquer contraprestação pelo fato de verterem recursos para o sistema. O liame
obrigatório tem fundamento, nestes casos, no ideal de solidariedade que fundamenta a Previdência
Social, embasado na teoria do risco social, segundo o qual toda a sociedade deve suportar o
encargo de prover a subsistência dos incapacitados para o trabalho. É o que ocorre com as
empresas, ao contribuírem sobre a folha de pagamento de seus trabalhadores, bem como sobre o
faturamento e o lucro; também é o mesmo fundamento para se exigir do empregador doméstico e
do produtor rural que verta contribuições para ao regime. Também é o motivo invocado para a
cobrança de contribuições sobre apostas em concursos de prognósticos e, ainda, serve de base
para se exigir a CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira de todo e qualquer
indivíduo que movimente valores em instituições financeiras.
A preocupação do constituinte em garantir recursos ao sistema levou à
permissão, contida no parágrafo 4º do art 195 da Carta Magna, para a instituição, pela
União, através de lei complementar, de novas fontes de custeio para manter ou expandir
a Seguridade Social, desde que sejam não cumulativas e não tenham base de cálculo ou
fato gerador próprios de outro imposto previsto no texto constitucional.
Afastou-se, também, o princípio da anterioridade. Criadas ou majoradas, as
contribuições podem ser cobradas depois de decorridos noventa dias da data da
publicação da correspondente lei, não se aplicando a regra que permite a cobrança do
tributo apenas a partir do primeiro dia do exercício subseqüente (artigo 195, § 6º, da
Constituição Federal de 1988).
Consoante o artigo 149 da Constituição Federal, cabe apenas à União a
instituição de contribuições sociais, ressalvadas as que podem ser instituídas pelos
demais entes federativos com o intuito de custear os sistemas de previdência e
assistência social dos servidores estaduais, municipais e do Distrito Federal.
O Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1.999, que regulamenta a Previdência
Social, enumera, em seu artigo 213, outras receitas da seguridade social:
Art.213. Constituem outras receitas da seguridade social:
I - as multas, a atualização monetária e os juros moratórios das contribuições sociais;
II - a remuneração recebida pela prestação de serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança
prestados a terceiros;
III - as receitas provenientes da prestação de outros serviços e de fornecimento e arrendamento de
bens;
IV - as demais receitas patrimoniais, industriais e financeiras;
V - as doações, legados, subvenções e outras receitas eventuais;
VI - cinqüenta por cento da receita obtida com a apreensão de bens utilizados no tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, repassada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aos
órgãos responsáveis pelas ações de proteção à saúde, para ser aplicada no tratamento e
recuperação de viciados em entorpecentes e drogas afins;
VII - quarenta por cento do resultado dos leilões de bens apreendidos pela Secretaria da Receita
Federal;
VIII - cinqüenta por cento do valor total do prêmio recolhido pelas companhias seguradoras que
mantém seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias
terrestres, a ser destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS) para o custeio da assistência
médico-hospitalar aos segurados vitimados em acidentes de trânsito;
IX - outras receitas previstas em legislação específica.
As tarefas concernentes à arrecadação, fiscalização e administração das
contribuições cabem, via de regra, ao Instituto Nacional do Seguro Social. No entanto,
algumas contribuições, como a incidente sobre o lucro da empresa, são de competência
da Secretaria da Receita Federal, órgão da administração direta da União e que não
compõe o sistema de seguridade social.
2.3 NATUREZA JURÍDICA DA SEGURIDADE SOCIAL
A seguridade social é um complexo de relações jurídicas, onde os direitos e
obrigações são estabelecidos em lei. Tem caráter estatutário e não contratual. Nela,
intervêm quatro pessoas: o Estado, o INSS, o empregador e o empregado, que se
relacionam juridicamente através de direitos e obrigações que resultam não da autonomia
da vontade das partes e sim do preceito normativo legal.
Sobre o assunto, assim se manifesta CESARINO JUNIOR:
No seguro social, tal como está estabelecido entre nós, intervêm quatro pessoas: o Instituto
Nacional da Previdência Social, o Estado, o empregador e o empregado.Destas, abstraindo-se do
poder de controle do Estado sobre as autarquias, duas somente têm obrigações, são sujeitos
passivos: o Estado e o empregador, meros contribuintes; duas têm ao mesmo tempo direitos e
obrigações: o Instituto, que tem o direito de receber as contribuições (do Estado, do empregador e
do empregado) e a obrigação de conceder os benefícios (aposentadorias, auxílios, etc), e o
empregado (substituído, em caso de morte e, às vezes, no seguro maternidade, por um ou mais
dependentes) que tem o direito de exigir a concessão dos benefícios e a obrigação de pagar a sua
contribuição, aliás, de consentir no desconto de sua contribuição do seu salário.Todas essas
obrigações resultam exclusivamente de lei e não da autonomia da vontade. Têm, portanto, caráter
estatutário e não contratual.
2.4 NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS
A ampla maioria da doutrina e da jurisprudência pátrias considera que a
contribuição social tem natureza eminentemente tributária.
É espécie do gênero tributo, enquadrando-se na definição dada àquele pelo artigo
3º do Código Tributário Nacional: é uma prestação compulsória, instituída em lei,
arrecadada em moeda ou em valor que nela se possa exprimir, não é sanção de ato ilícito
e é cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. É uma prestação
pecuniária obrigatória, paga ao Estado, com a finalidade de constituir um fundo
econômico destinado ao fomento do sistema de Seguridade Social.
Respeitadas
as
peculiaridades
específicas,
sujeita-se
aos
princípios
constitucionais tributários, tais como, dentre outros, os da irretroatividade, legalidade e
não confisco.
No entendimento de J. Franklin Alves FELIPE:
Com a nova Constituição, não vislumbramos razões para deixar de considerar a contribuição
previdenciária como tributo. Muito mais que na própria Constituição de 1967, na Constituição de
1988 a contribuição previdenciária se identifica com os tributos. Está no capítulo do Sistema
Tributário, sem qualquer equívoco que justifique uma interpretação restritiva de sua concepção
tributária.
Aliás, nada mais fez a Constituição do que legislar sobre o óbvio, respeitando o princípio de que a
lei não deve alterar a natureza das coisas. A contribuição previdenciária sempre foi tributo, que é,
em si mesmo, uma prestação pecuniária compulsória, exigível daqueles que incorram em
situações legalmente definidas como fato gerador ou hipótese de incidência.
3 PRINCÍPIOS PRÓPRIOS DA SEGURIDADE SOCIAL
Os fundamentos da seguridade social são definidos por princípios diretores,
integrantes de seu regime jurídico, que visam protegê-la.
Além do princípio basilar da solidariedade e dos que podem ser recolhidos no
direito positivo comum, como, dentre outros, os da legalidade, igualdade, direito
adquirido, precedência do custeio em relação à prestação, indisponibilidade e
irrenunciabilidade dos benefícios, a Seguridade Social rege-se por um conjunto de
princípios próprios, que lhe dão identidade, relacionados nos incisos I a VII do parágrafo
único do artigo 194 da Carta Magna:
Art.194 (...)
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com
base nos seguintes objetivos:
I. universalidade da cobertura e do atendimento;
II.uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III.seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV.irredutibilidade do valor dos benefícios;
V.eqüidade na forma de participação no custeio;
VI.diversidade da base de financiamento;
VII.caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com
participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos
colegiados.
3.1 PRINCÍPIO DO SOLIDARISMO
A solidariedade é a base da seguridade social. É pressuposto genérico
estabelecido no objetivo fundamental fixado para o país no artigo 3º, I, da Constituição
Federal: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Implica na aceitação da responsabilidade de toda a sociedade em garantir a
segurança de seus membros contra contingências inesperadas.
De acordo com Alfredo J. RUPRECHT, “a solidariedade é uma instituição
profundamente humana. A sociedade impõe eticamente a seus integrantes uma
subordinação do interesse individual ao bem comum, isto é, exige forçosamente que haja
solidariedade entre eles”.
Salientam Marcos Orione Gonçalves CORREA e Érica Paula B. CORREA que há
entendimento doutrinário unânime no sentido de que esse é o mais importante princípio,
por isso denominado princípio fundamental. Uma vez ausente, é impossível falar-se em
seguridade social, a qual abrange toda uma coletividade, tendo por contribuintes aqueles
que, possuindo capacidade para tal, contribuem em favor dos desprovidos de renda.
Forma-se um todo, onde cada um depende do outro. O montante pago por aquele
que contribuiu não tem relação direta com o benefício ou serviço que receberá. A
contribuição de cada um custeará as prestações concedidas a todos os que se
enquadrem nas situações de risco previstas nos diplomas legais.
A responsabilidade pela sobrevivência financeira da seguridade social é partilhada
entre o Estado e a sociedade em geral. Todos contribuem para assegurar os benefícios a
serem prestados aos que necessitem. Funciona como um sistema de redistribuição de
rendas. As contingências são distribuídas entre o grupo, onde o que pode mais contribui
com mais. Cada uma das pessoas envolvidas contribui com sua cota, visando à
constituição do numerário necessário à concessão dos benefícios.
3.2 PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE DA COBERTURA E DO ATENDIMENTO
Decorre do princípio da isonomia. Todos os que se encontram no país, sem
exceções, fazem jus aos benefícios e serviços, sem distinções de quaisquer espécies,
não cabendo discriminar em função de sexo, nacionalidade, idade, raça ou entre
segurados urbanos ou rurais. É a chamada proteção universal. Todos devem ser
amparados pela seguridade social, observadas suas características próprias.
Ressalte-
se que somente têm direito às prestações aqueles que se enquadrem nas situações
previstas em lei. Não haverá o direito de auferir benefícios que a lei não reconheça ou
não estenda a determinadas pessoas. No caso da previdência social há que se observar,
ainda, o princípio contributivo.
A respeito do tema, leciona Sérgio Pinto MARTINS:
A universalidade de cobertura deve ser entendida como a necessidade daquelas pessoas que
foram atingidas por uma contingência humana, como a impossibilidade de retornar ao trabalho, a
idade avançada, a morte, etc. Já a universalidade de atendimento refere-se às contingências que
serão cobertas, não às pessoas envolvidas, ou seja, às adversidades ou aos acontecimentos em
que a pessoa não tenha condições próprias de renda ou de subsistência. Na saúde, há
universalidade de atendimento, pois todos têm direito de socorrer-se do sistema,
independentemente do pagamento de contribuições, sendo direito da pessoa e dever do Estado
(art.196 da Constituição Federal).
Já Carlos Alberto Pereira de CASTRO e João Batista LAZZARI manifestam-se no
sentido de que:
Por universalidade de cobertura, entende-se que a proteção social deve alcançar todos os eventos
cuja reparação seja premente, a fim de manter a subsistência a quem dela necessita. A
universalidade de atendimento significa, por seu turno, a entrega das ações, prestações e serviços
da seguridade social a todos os que necessitem, tanto em termos de previdência social - obedecido
o princípio contributivo - como no caso da saúde e da assistência social.
3.3 UNIFORMIDADE E EQUIVALÊNCIA DAS PRESTAÇÕES
A Carta Magna disciplina a uniformidade e equivalência de benefícios e serviços
às populações urbanas e rurais, ou seja, não podem ser estabelecidas distinções,
devendo-se tratar da mesma forma os segurados de ambas as categorias.
A uniformidade diz respeito às contingências, aos eventos que serão cobertos,
que devem ser os mesmos para ambas as populações. A equivalência não quer dizer que
os benefícios serão necessariamente iguais, já que equivalência não significa igualdade.
Serão, porém, equivalentes, dentro do possível, dependendo da análise dos fatores
envolvidos em cada caso, tais como idade, sexo, tempo de contribuição, etc.
3.4 PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE E DA DISTRIBUTIVIDADE NAS PRESTAÇÕES
Por seletividade entende-se, conforme Wladimir Novaes MARTINEZ, “a escolha
de um plano básico compatível com a força econômico financeira do sistema e as reais
necessidades do protegido”.
Assim, os serviços e benefícios a serem prestados serão selecionados consoante
as possibilidades econômico-financeiras do sistema, dentre as maiores carências sociais
que possam ser objeto da proteção da seguridade social.
A distributividade significa que algumas pessoas terão os benefícios, outras
receberão menos ou não os receberão. Nem todos passam pelas mesmas dificuldades,
assim a distribuição é feita aos mais necessitados, em detrimento dos menos carentes. A
escolha de quem será atendido e de quais serviços serão prestados é política e deve
obedecer aos dispositivos legais.
Exemplificam a aplicabilidade desse princípio o salário família, que é pago em
função dos filhos menores de quatorze anos que possuam os trabalhadores que
percebam até determinado limite de salário mensal e o auxílio reclusão, pago aos
dependentes dos segurados de baixa renda, presos.
3.5 PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DO VALOR DOS BENEFÍCIOS
Visa garantir a manutenção do valor real do benefício. Objetivando preservar o
padrão de vida do favorecido, os benefícios prestados são irredutíveis e devem ser
atualizados periodicamente, na forma da lei.
3.6 PRINCÍPIO DA EQÜIDADE NA FORMA DE PARTICIPAÇÃO NO CUSTEIO
Somente os que estejam no mesmo patamar contributivo cooperam de forma
igual. Cada um deve participar de forma justa, conforme seu poder aquisitivo.
Assim, os trabalhadores contribuem de forma diferenciada da empresa, que tem
melhores condições financeiras. Mesmo dentre os trabalhadores, existem alíquotas
diferenciadas, conforme a remuneração auferida.
3.7 PRINCÍPIO DA DIVERSIDADE NA BASE DE FINANCIAMENTO
É a sociedade, como um todo, quem financia as prestações da seguridade social.
O artigo 195 da Constituição Federal, buscando dar segurança jurídica ao sistema, prevê
várias formas de custeio, através de contribuições oriundas das empresas, dos
empregados, dos entes públicos, das loterias de prognósticos e outras instituídas em lei.
3.8 PRINCÍPIO DA ADMINISTRAÇÃO DEMOCRÁTICA E DESCENTRALIZADA
Esse princípio trata da fiscalização e da atuação da seguridade social, mediante a
participação da sociedade, com vistas a dar segurança e moralidade ao sistema,
minimizando a probabilidade de fraudes.
A gestão administrativa prevista constitucionalmente é quadripartite e tem por
principais atribuições as de fiscalizar as atividades exercidas, propor medidas corretivas
ou inovações, exercer o controle atuarial do sistema e liderar a elaboração de planos
estratégicos plurianuais.
Governo, aposentados, trabalhadores e empregadores terão participação nos
órgãos onde se delibera sobre questões previdenciárias. Dentre eles, cita-se o Conselho
Nacional da Seguridade Social, que tem a função de estabelecer as diretrizes gerais e as
políticas de integração entre as áreas e o Conselho Nacional de Previdência Social CNPS, que objetiva estabelecer diretrizes gerais e apreciar as decisões políticas e os
planos
e
programas
aplicáveis
à
previdência
social,
e
que
foram
criados,
respectivamente, através das Leis nº 8212/91 e nº 8213/91.
4 CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL
4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CRIMINALIZAÇÃO DAS CONDUTAS
O sistema de Seguridade Social pátrio, moldado sob a forma de regime de
repartição, precisa contar com ampla capacidade financeira para bem efetivar os
princípios constitucionalmente previstos e para se manter sadio e capaz de atender à
crescente demanda por benefícios e prestações.
Visando resguardar os bens jurídicos e os interesses relacionados com a
Seguridade Social, bem como garantir o recebimento dos recursos que lhe são
destinados, que se constituem em viga mestre do sistema, o legislador, já desde a
criação dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões, na década de trinta,
preocupou-se em coibir as fraudes e outras condutas ilícitas praticadas contra o
subsistema de proteção social representado pela Previdência Social.
Como assinala Rodrigo Sanchez RIOS:
Um sistema tributário justo, inspirado nos princípios básicos da igualdade e da capacidade
contributiva, passa necessariamente pela repressão do crime fiscal. (...) A conduta que vise fraudar
o fisco, através, basicamente, do falso, do estelionato e da apropriação indébita, não poderá
restringir-se ao âmbito do ilícito administrativo. Esta conduta é grave, intolerável e com incidência
social reprovável, visto que o bem jurídico que lesa é merecedor de tutela penal.
Um dos primeiros diplomas legais que objetivou a referida proteção, incriminando
as citadas práticas, foi o Decreto-Lei nº 65, de 14 de dezembro de 1937, que, em seu
artigo 5º, atribuía ao crime de omissão de repasse das contribuições previdenciárias
descontadas pelos empregadores, da remuneração de seus empregados, as mesmas
penas do crime de furto por equiparação referido no artigo 331, nº 2, da Consolidação
das Leis Penais de 1932:
Art.5º. O empregador que retiver as contribuições recolhidas de seus empregados e não as
recolher na época própria incorrerá nas penas do art. 331, n.2, da Consolidação das Leis Penais,
sem prejuízo das demais soluções estabelecidas neste Decreto-Lei.
Tratava-se, na realidade, do crime de apropriação indébita, que se tornou
autônomo apenas na redação do art. 331 do Código Penal de 1940:
Art.331. É crime de furto, sujeito às mesmas penas e guardadas as disposições do artigo
precedente:
(...)
2. Apropriar-se de coisa alheia que lhe houver sido confiada, ou consignada por qualquer título,
com a obrigação de restituir, ou fazer dela uso determinado.
A LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social (Lei nº 3.807, de 26/08/60, com a
redação determinada pelo Decreto-lei nº 66, de 21/11/66), marco da unificação da
Previdência Social no Brasil e, posteriormente, a CLPS - Consolidação das Leis da
Previdência Social, aprovada pelo Decreto nº 77.077, de 24/01/76 e, após, pelo Decreto
nº 89.312/84, e que tinha como fundamento a LOPS e leis posteriores, relacionavam
condutas tidas como caracterizadoras de ilícitos penais previdenciários.
Naqueles diplomas legais, a tipificação das condutas dava-se por assemelhação
ou equiparação. Para definir os delitos contra a previdência social, o legislador não criava
tipos penais autônomos e específicos. Utilizava definições de condutas típicas já
existentes no ordenamento jurídico nacional.
As citadas leis enumeravam crimes equiparados aos de sonegação fiscal,
apropriação indébita, falsidade ideológica e estelionato. Fugindo à boa técnica legislativopenal, não continham sanção expressa diretamente em seu texto. Descreviam os
preceitos primários das condutas típicas e, explicitamente na primeira e implicitamente na
segunda, remetiam a sanção, preceito secundário, à legislação penal própria (Lei nº
4.729, de 14/07/65, para o crime de sonegação fiscal e artigos 168, 171 e 299 do Código
Penal, para apropriação indébita, estelionato e falsidade ideológica, respectivamente).
Consoante o artigo 155 da Lei nº 3.807, de 26/08/60:
Art. 155. Constituem crime:
I - de sonegação fiscal, na forma da Lei n° 4.729, de 14 de julho de 1965, deixar de:
a) incluir, na folha de pagamento dos salários, empregados sujeitos ao desconto das contribuições
previstas nesta Lei, conforme determinação do item I do art. 80:
b) lançar em títulos próprios de sua escrituração mercantil, cada mês, o montante das quantias
descontadas de seus empregados e o da correspondente contribuição da empresa, conforme
estabelece o item II do art. 80;
c) escriturar, nos livros, elementos discriminativos próprios, as quantias recolhidas a título de cota
de previdência dos respectivos contribuintes;
II - de apropriação indébita, definido no art. 168 do Código Penal, além dos atos previstos no art.
86, a falta de pagamento do salário - família aos empregados quando as respectivas cotas tiverem
sido reembolsadas à empresa pela Previdência Social;
III - de falsidade ideológica, definido no art. 299 do Código Penal, inserir ou fazer inserir:
a) nas folhas de pagamento, a que se refere o item I do art. 80, pessoas que não possuem
efetivamente a condição de segurado;
b) na carteira profissional de empregado, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita;
c) em quaisquer atestados, necessários à concessão ou pagamento de prestações aos
beneficiários da Previdência Social, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita;
IV - de estelionato definido no art. 171 do Código Penal:
a) receber ou tentar receber, dolosamente, qualquer prestação de benefício da Previdência Social;
b) praticar qualquer ato que acarrete prejuízo à Previdência Social, visando a usufruir vantagens
ilícitas;
c) emitir e apresentar, para pagamento pela Previdência Social, fatura de serviços não executados
ou não prestados.
O decreto nº. 89. 312, de 23 de janeiro de 1984, que aprovou a nova CLPS Consolidação das Leis da Previdência Social, previa, em seu artigo 146:
Art. 146. A falta de recolhimento, na época própria, de contribuição ou outra importância devida à
previdência social e arrecadada dos segurados ou do público, é punida com a pena do crime de
apropriação indébita, considerando-se pessoalmente responsáveis o titular de firma individual e os
sócios solidários, gerentes, diretores ou administradores de empresa abrangida pela previdência
social urbana.
Já o artigo 222 do referido decreto enumerava:
Art. 222. Constituem crimes:
I - de sonegação fiscal, a empresa deixar de:
a) incluir, na folha de pagamento dos salários empregado sujeito ao desconto das contribuições
previdenciárias;
b) lançar mensalmente em títulos próprios de sua contabilidade o montante das quantias
descontadas de seus empregados e o da correspondente contribuição da empresa;
c) escriturar, nos livros e elementos discriminativos próprios as quantias arrecadadas a título de
cota de previdência;
II - de apropriação indébita, além do previsto nos artigos 146 e 217, § 2º, a falta de pagamento do
salário-família ao empregado quando as respectivas cotas foram reembolsadas à empresa;
III - de falsidade ideológica, inserir ou fazer inserir:
a) na folha de pagamento de salários, pessoa que não possui a qualidade de segurado;
b) na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado, declaração falsa ou diversa da que
devia ser escrita;
c) em atestado necessário à concessão ou pagamento de prestação, declaração falsa ou diversa
da que devia ser escrita;
IV - de estelionato:
a) receber ou tentar receber, dolosamente prestação de entidade do SINPAS;
b) praticar ato que acarrete prejuízo a entidade do SINPAS, para usufruir vantagem ilícita;
c) emitir e apresentar, para pagamento por entidade do SINPAS, fatura de serviço não prestado.
A Lei nº 8.137, de 27/12/90, que trata de crimes contra as ordens tributária e
econômica e contra as relações de consumo, revogou tacitamente as figuras anteriores
de apropriação indébita, ao regular completamente a matéria. Definiu, no artigo 2º, II, c/c
art 1º, caput, comportamento ilícito praticado contra a Seguridade Social, atribuindo-lhe,
na mesma lei, a respectiva sanção. As condutas típicas que não foram por ela abordadas
continuaram sendo tratadas na legislação penal própria.
Prevê aquela Lei:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributos, ou contribuição social e
qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendeiras;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer
natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento
relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou
inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a
venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo
com a legislação.
Pena - reclusão, de 2 (dois ) a 5 ( cinco ) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que
poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da
dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra
fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou
cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar, ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem
sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de
imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da
obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda
Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis ) meses a 2 (dois ) anos, e multa.
A Lei nº 8.212/91, que trata do custeio da previdência social, regulou inteiramente
a matéria objeto da Lei nº 3.807/60. A partir daí, as condutas tipificadas passaram a ser
abordadas como crimes contra a Seguridade Social propriamente ditos, especificados em
lei própria, tida como especial em relação às mesmas condutas definidas na Lei nº
8.137/90.
Conforme aquele diploma legal:
Art. 95. Constitui crime:
a) deixar de incluir na folha de pagamento da empresa os segurados empregado, empresário,
trabalhador avulso ou autônomo que lhe prestem serviço;
b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa o montante das
quantias descontadas dos segurados e o das contribuições da empresa;
c) omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos, remunerações pagas ou creditadas e
demais fatos geradores de contribuições, descumprindo as normas legais pertinentes;
d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade
Social e arrecadada dos segurados ou do publico;
e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham integrado custos ou
despesas contábeis relativos a produtos ou serviços vendidos;
f) deixar de pagar salário-família, salário-maternidade, auxílio natalidade ou outro benefício devido
ao segurado, quando as respectivas quotas e valores já tiverem sido reembolsados à empresa;
g) inserir ou fazer inserir em folha de pagamentos, pessoa que não possui a qualidade de segurado
obrigatório;
h) inserir ou fazer inserir em Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado, ou em
documento que deva produzir efeito perante a Seguridade Social, declaração falsa ou diversa da
que deveria ser feita.
i) inserir ou fazer inserir em documentos contábeis ou outros relacionados com as obrigações da
empresa, declaração falsa ou diversa da que deveria constar, bem como omitir elementos exigidos
pelas normas legais ou regulamentares específicas;
j) obter ou tentar obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo direto ou indireto da
Seguridade Social ou de suas entidades, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício, contrafação, imitação, alteração ardilosa, falsificação ou qualquer outro meio fraudulento.
§ 1° No caso dos crimes caracterizados nas alíneas “d”, “e” e “f” deste artigo, a pena será aquela
estabelecida no art. 5° da Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986, aplicando-se à espécie as
disposições constantes dos artigos 26, 27, 30, 31 e 33 do citado diploma legal.
§ 2 ° A empresa que transgredir as normas desta Lei, além das outras sanções previstas, sujeitarse-á, nas condições em que dispuser o regulamento:
a) à suspensão de empréstimos e financiamentos, por instituições financeiras oficiais;
b) à revisão de incentivos fiscais de tratamento tributário especial;
c) à inabilitação para licitar e contratar com qualquer órgão ou entidade da administração pública
direta ou indireta, federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal;
d) à interdição para o exercício do comércio, se for sociedade mercantil ou comerciante individual;
e) à desqualificação para impetrar concordata;
f) à cassação de autorização para funcionar no país, quando for o caso.
§ 3° Consideram-se pessoalmente responsável pelos crimes acima caracterizados o titular de firma
individual, os sócios solidários, gerentes, diretores ou administradores que participem ou tenham
participado da gestão de empresa beneficiada, assim como o segurado que tenha obtido
vantagens.
§ 4° A Seguridade Social, através de seus órgãos competentes, e de acordo com o regulamento,
promoverá a apreensão de comprovantes de arrecadação e de pagamento de benefícios, bem
como de quaisquer documentos pertinentes, inclusive contábeis, mediante lavratura do competente
termo, com a finalidade de apurar administrativamente a ocorrência dos crimes previstos neste
artigo.
A redação do artigo 95 limitava-se a instituir o preceito primário, enunciando os
crimes sem cominar as respectivas penas, à exceção das alíneas ”d”, “e” e “f”,
consideradas crime de apropriação indébita, para o qual o § 1º fazia remissão à pena
cominada no artigo 5º da Lei nº 7.492/86, que tratava de crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional e que era de dois a seis anos.
Os demais crimes continuaram, por analogia, a ter suas penas baseadas, pela
jurisprudência, nas leis tributárias e penais anteriormente editadas. No entanto, a redação
imperfeita do artigo 95 deu margem a discussões doutrinárias, pois, de acordo com o
princípio da legalidade, garantia fundamental inserida no artigo 5º, XXXIX, da Carta
Magna e no artigo 1º do Código Penal, para que haja crime, é preciso que uma lei
anterior o defina e fixe a pena a ele cominada.
No ensinamento de Heleno Cláudio FRAGOSO, “a norma penal é constituída do
conjunto formado pelo preceito e pela sanção, que constituem unidade lógica
indissolúvel. A norma sem preceito ou sem sanção é inexistente”.
A respeito do citado artigo 95, assim se manifesta Antonio Lopes MONTEIRO:
Note-se que à exceção das alíneas d, e e f do antigo art. 95 da Lei 8.212/91, consideradas crimes de
apropriação indébita, as demais não previam o preceito secundário, ou a sanctio júris. Dizer ser
crime “deixar de incluir na folha de pagamento da empresa os segurados empregado, empresário,
trabalhador avulso ou autônomo que lhe prestem serviços” é apenas o preceito primário da norma
penal. Que tipo de crime é esse se não tem sanção? Qual a pena a ele cominada? Quais os
elementos objetivos e subjetivos do tipo? Contra essa forma de legislar penalmente é que se
revoltaram os autores, obrigando-os a negar-lhes a vigência, como Clèmerson, retrocitado, ou a
admiti-los como crime por mera semelhança, como fez Pimentel.
Cita aquele autor, ainda, que “em relação ao art. 95, vigente até o advento da Lei
nº 9.983/2000, alguns autores afirmavam que apenas as alíneas d e f poderiam ser
consideradas crimes, pois possuíam os dois preceitos, o primário e o secundário, ou seja,
a descrição típica e a sanção”.
Para Luiz Flávio GOMES:
É verdade que outros “crimes” estavam formalmente descritos nas demais alíneas do antigo art. 95
(“a”, “b”, “c”, etc), mas o legislador se “esqueceu” de impor a respectiva sanção. Como não existe
delito sem sanção, permaneceram no ordenamento jurídico (até 14.10.2000) com a natureza de
uma mera recomendação moral. Agora todas as alíneas do art. 95 referido foram expressamente
revogadas (cf. art. 3º da Lei 9.983/00). Muitas dessas alíneas antigas se transformaram em delito
na nova lei. Passaram a ser crime em 15.10.2000. Têm vigência penal, portanto, a partir desta
data. O que não se transformou em delito, “desapareceu” do ordenamento jurídico.
Nelson Bernardes de SOUZA, juiz federal em Campinas, São Paulo, posiciona-se
em sentido contrário: “apesar dessa lacuna, as hipóteses elencadas nas citadas alíneas
continuarão a serem punidas. É que a Lei nº 8.212/91 é especial em relação à lei anterior,
de nº 8.137/90 e aos dispositivos do Código Penal em que se amoldavam condutas que
violavam bens e interesses da previdência social. Os chamados delitos previdenciários,
embora previstos em lei especial, não escapam às teorias e princípios gerais do Direito
Penal”.
Ainda segundo aquele magistrado:
Não se trata de aplicação de analogia, proibida em Direito Penal em matéria de normas
incriminadoras. Trata-se, apenas, da aplicação dos princípios próprios que regulam o instituto da
tipicidade, segundo os quais o tipo que está na lei, que contém a descrição abstrata da conduta e a
tipicidade, encontra-se na ação, que revela o comportamento do agente amoldável àquela
descrição. Desse modo, pode haver subsunção típica das condutas do artigo 95 em tipos da Lei
8.127/90 ou em tipos previstos no Código Penal, aplicados subsidiariamente. Deixa de haver a
tipicidade pela lei especial, porém, está ela presente na norma incriminadora de caráter geral.
Em 15 de outubro de 2000 entrou em vigor a Lei nº 9.983, publicada no Diário
Oficial da União de 17de julho de 2000, que “altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de
dezembro de 1940 - Código Penal e dá outras providências”.
Esse novo diploma legal revogou o artigo 95 da Lei nº 8.212/91, exceto o
parágrafo 2º, e acrescentou à Parte Especial do Código Penal dispositivos definindo
condutas típicas no âmbito da Previdência Social (artigos 168-A, 313-A, 313-B e 337-A),
além de alterar os artigos 153, 296, 297, 325 e 327.
No tocante aos crimes cometidos por meio de informática, ampliou o alcance da
proteção penal para toda a Administração Pública.
A partir da vigência da nova lei que, suprindo a omissão da Lei nº 8.212/91,
cominou penas para todos os crimes nela previstos, passaram a ter tipificação específica
no Código Penal condutas ilícitas praticadas contra a Previdência Social quer por
contribuintes, quer por funcionários públicos ou os a eles equiparados.
Consoante bem frisou Luiz Flávio GOMES, a lei penal é válida, regra geral, para
delitos futuros. Retroage, segundo a previsão contida na Constituição Federal, artigo 5º,
inciso XL, apenas na parte em que for mais benéfica ao réu. Assim, para os delitos que
estão sendo pela primeira vez tipificados pela Lei nº 9.983/00 como, por exemplo, os
informáticos, ela é irretroativa, só se aplicando para os fatos ocorridos após sua vigência
(a partir de 15/10/2000). No que se refere aos delitos que antes já estavam tipificados na
legislação penal brasileira, tem-se, em alguns casos, como no do art 168-A, § 1º, I, que
praticamente repete a redação da Lei nº 8.212/91, art 95, d, um conflito de leis penais no
tempo. No caso, no que diz respeito à pena, a lei atual é aplicável e retroage, pois prevê
um patamar máximo menor.
Na mesma linha, Henrique Geaquinto HERKENHOFF manifesta-se no sentido de
que “a redução da pena máxima para a apropriação indébita previdenciária (CP, Artigo
168-A) e o privilégio para os crimes de pequena monta (CP, Artigo 168-A, § 3º, I, e Artigo
337-A, § 2º, II) beneficiam os réus e devem aplicar-se às condutas verificadas antes de
sua vigência”.
Ainda no entender aquele autor, “como não são muitas as novidades de redação,
pode afirmar-se que prevalece quase tudo que a doutrina e a jurisprudência vinham
firmando a respeito dos crimes contra a Previdência Social”.
4.1.1 A discussão sobre a abolitio criminis
A Lei nº 9.983/2000 revogou, expressamente, o artigo 95 e suas alíneas da Lei nº
8.212/91, com exceção do § 2º, dando uma melhor tipificação às condutas ilícitas
praticadas contra a previdência social e atribuindo-lhes a respectiva sanção.
O delito de apropriação indébita previdenciária, anteriormente descrito no artigo
95, alíneas “d”, “e” e “f” da Lei nº 8.212/91, teve nova redação dada pela Lei nº 9.983/00 e
inserida no art.168-A do Código Penal:
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes,
no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que
tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis
ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido
reembolsados à empresa pela previdência social.
§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o
pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à
previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
Há discussão doutrinária sobre se teria ocorrido, aí, o que se denomina de abolitio
criminis, ou seja, a abolição do crime, para fatos anteriores à data da vigência da Lei nº
9.983/00.
Assevera Luiz Flávio GOMES:
No que diz respeito especificamente às alíneas “d”, “e” e “f”, que já retratavam figuras delituosas,
não ocorreu nenhuma “abolitio criminis” porque todas as figuras típicas anteriores acham-se
devidamente inseridas nos novos tipos penais. Não se deu, como veremos, uma descontinuidade
normativo-típica. Ao contrário, tudo o que estava nos tipos anteriores encontra-se presente nos
novos. O fato de o art. 3º. da Lei 9.983/00 ter expressamente revogado todas as alíneas do antigo
art 95 ( Lei 8.212/91) não significa abolitio criminis porque o conteúdo da proibição anterior continua
intacto nos novos dispositivos legais.
Analisando o assunto, assim se expressa Luiz Henrique Pinheiro BITTENCOURT,
advogado em São José dos Campos, SP:
Caso não houvesse a revogação expressa do tipo penal pela lei 9.983/00, haveria a tácita, pois na
comparação dos referidos dispositivos chegaremos à conclusão da abolitio criminis, por serem,
objetivamente, incompatíveis entre si os artigos 168-A, §1º, I e o artigo 95, “d’, da lei 8.212/91, pois
veja: 1. O dispositivo revogado falava em Seguridade Social, que compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. A lei revogadora menciona
Previdência Social, que é a técnica de proteção social que visa a propiciar os meios indispensáveis
à subsistência da pessoa humana, quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável
que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento,
incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte,
mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos
participantes.
2. Ao redirecionar o tipo penal para um enquadramento mais restrito a nova ordem legal acabou por
modificar o âmbito de atuação do ius puniendi, que agora tem outro escopo, qual seja, somente as
contribuições ou outras importâncias deixadas de recolher e destinadas à Previdência Social e não
mais à Saúde ou à Assistência Social, integrantes da Seguridade Social; 3. A nova lei tipifica
“deixar de recolher no prazo legal”, enquanto que a revogada mencionada “deixar de recolher na
época própria”. Este elemento normativo deixava margem a dúvidas quanto à norma que deveria
estipular qual seria época do recolhimento, poderia ser uma lei, um regulamento, uma portaria, etc.
A lei 9.983, de 14 de Julho de 2000, ao falar ‘no prazo legal’ aplicou técnica mais apurada, deixando
claro que somente a lei pode estipular o prazo para o recolhimento das contribuições; 4. A lei
revogadora refere-se a contribuição descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros
ou arrecadada do público. A lei revogada mencionava contribuição devida à Seguridade Social e
arrecadada dos segurados ou do público. Vê-se que a lei nova acrescentou as contribuições
descontadas de pagamentos efetuados a terceiros o que não existia no texto anterior. 5. Por fim, a
lei revogada trata de contribuição devida, a revogadora diz destinada, não mais importando se é
devida ou não, basta ser destinada à Previdência Social. A nova lei trouxe mais abrangência ao
texto anterior.
Concluindo, a lei 9.983 de 14 de Julho de 2000, revogou expressamente o artigo 95, da lei 8.212,
de 24 de Julho de 1991. Outrossim, necessário se faz a aplicação da abolitio criminis, contido no
artigo 2º do Código Penal, declarando-se a extinção da punibilidade, nos termos do artigo 107, III,
do mesmo Codex.
Antonio Lopes MONTEIRO exprime-se em sentido contrário:
Tendo havido uma vacatio legis de 90 dias, entenderam alguns autores que, durante esse período,
havia-se operado a abolitio criminis e, como tal, dever-se-iam extinguir a punibilidade (art.107, III,
do Código Penal) e todos os demais efeitos penais nos termos do art. 2º do Código Penal. É bem
verdade que alguns autores consagrados entendem que já na vacatio legis uma lex mitior opera
imediatamente a abolitio criminis. Há até decisões nesse sentido. Não nos parece, contudo,
respeitando as opiniões em contrário, ser esta a melhor interpretação. Primeiro porque na vacatio
legis – até porque a nova lei não havia entrado em vigor – não se pode afirmar que tenha havido
revogação da lei anterior. Depois porque no caso da Lei 9.983/2000 houve a revogação da lei
anterior, mas as figuras delituosas permaneceram. A rigor a descrição típica não é a mesma. Mas a
conduta incriminada sim. Não é porque o novo tipo fala em previdência social e o antigo seguridade
social ou ainda deixar de recolher no prazo legal versus deixar de recolher na época própria, que os
crimes previdenciários deixaram de existir. A revogação do art. 95 da Lei 8.212/91 significou
apenas que a partir da vigência da nova lei, os crimes previdenciários estão inseridos no Código
Penal. Contudo, os fatos praticados até essa data continuam regidos pelo art. 95 da Lei 8.212/91. A
jurisprudência vem se firmando nesta posição.
Nos primeiros acórdãos sobre o tema, o entendimento foi o de que a conduta
havia sido atingida pela abolitio criminis:
PENAL – LEI 8.212/91, ART. 95, “D”, E “F” –REVOGADO PELA LEI 9.983/2000, ART. 3º, ART.171
DO CP.ABOLITIO CRIMINIS.
1. Em face de expressa revogação dos dispositivos legais (Lei 8.212/91,art,95, “d”, e “f”) que
ensejam o oferecimento da denúncia, evidentemente não há como aplicá-los nem como fazer
incidir sobre tais condutas os dispositivos da lei mais nova.
2. Necessário se faz a utilização da abolitio criminis contida no art. 2º do Código Penal, declarandose a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, III, do mesmo codex.
3. A nova definição jurídica do fato não acarreta conseqüência para hipótese tratada nos autos, sob
pena de ofensa à garantia constitucional da irretroatividade.
4. Não subsiste o crime do art. 171 do Código Penal, tendo em vista que a ilicitude referida na
denúncia foi mero instrumento para a consumação do delito ora atingido pela abolitio criminis, em
face do princípio da especialidade.
5. Extinção da punibilidade do réu, prejudicada a apelação em face da abolitio criminis, com fulcro
no art. 107, III, do Código Penal.
Diverso é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que tem decido pela
inocorrência da abolitio criminis:
PENAL. RECURSO ESPECIAL.APROPRIAÇÃO INDÉBITA DA CONTRIBUIÇÃO. ABOLITIO
CRIMINIS .I - Inocorrência da alegada abolitio criminis, uma vez que a novatio legis (art. 168-A, §
1º, do Código Penal, acrescentado pela Lei nº 9.983/00), conquanto tenha revogado o disposto no
art. 95 da Lei nº 8.212/91, manteve a figura típica anterior no seu aspecto substancial, não fazendo
desaparecer o delito em questão.
CRIMINAL. HC. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
ART. 95 DA LEI N.º 8.212/95. ABOLITIO CRIMINIS. DESCRIMINALIZAÇÃO PELA NORMA DO
ART. 3º DA LEI 9.983/2000. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. O art. 3º da Lei
9.983/2000 apenas transmudou a base legal de imputação para o Código Penal, continuando sua
natureza especial em relação à apropriação indébita simples prevista no art.168 do CP. II.
Inexistência de alteração na descrição da conduta anteriormente incriminada.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região editou a Súmula 69, que versa sobre a
matéria: “a nova redação do artigo 168-A do Código Penal não importa em
descriminalização da conduta prevista no art. 95, d, da Lei 8.212/91”.
Filiamo-nos ao entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência no
sentido de que não ocorreu a descriminalização da conduta, eis que houve apenas
sucessão de normas com o mesmo conteúdo. A Lei 9.983/00 não deixou de considerar o
fato como criminoso. Ao contrário, estabeleceu a continuidade do delito, ao inseri-lo no
art. 168-A do Código Penal.
4.2 O CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA FINS PENAIS
Segundo o artigo 327, caput, do Código Penal, “considera-se funcionário público,
para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo,
emprego ou função pública”.
A Lei nº 9.983/00, além de alterar a redação de determinados tipos delitivos e
introduzir figuras típicas no Código Penal, ampliou, para fins penais, o conceito de
funcionário público, ao redefinir o § 1º do artigo 327, que citava, anteriormente, que
“equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade
estatal”.
A nova redação dada ao citado parágrafo, que versa sobre a figura do funcionário
público por equiparação, estabelece:
Art.327(...)
§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade
paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a
execução de atividade típica da Administração Pública.
Considerando o fato de que o Estado vem, progressivamente, terceirizando suas
atividades típicas por meio da contratação de empresas particulares, objetivou o
legislador tutelar a adequada prestação de serviços públicos, incluindo sob a égide da
nova lei, além dos servidores públicos propriamente ditos e daqueles que exercem cargo,
emprego ou função em entidade paraestatal, também os que trabalham para as
empresas prestadoras de serviços contratadas ou conveniadas para a execução de
atividades típicas da Administração Pública.
Ressalte-se que funcionário público, atualmente cognominado de servidor público,
é designação genérica que alcança todo aquele que mantém vínculo de trabalho com a
administração estatal, agregado em cargo ou em emprego público. É parte integrante da
categoria maior de agentes públicos, que compõe uma noção mais ampla, qualificando
todos aqueles que servem ao Poder Público, mesmo que momentaneamente, sejam eles
agentes políticos, servidores públicos, particulares em colaboração com o Estado ou
agentes delegados.
Sobre o assunto, assim se posiciona Wladimir Novaes MARTINEZ: “a despeito de
a Constituição Federal e a Lei 9.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União)
não mais se referirem a funcionário, preferindo a expressão servidor, a lei insiste em
mencionar a nomenclatura superada para manter a coesão do CP”.
Com a ampliação do conceito introduzida pela Lei nº 9.983/00, são considerados
funcionários públicos, para fins penais, os agentes políticos, os servidores ocupantes de
cargo, função ou emprego público na Administração Pública direta, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, os servidores da Administração Pública indireta
(autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), bem como
os empregados de empresas privadas, concessionárias ou permissionárias de serviços
públicos ou contratadas ou conveniadas para a execução de atividades típicas da
Administração Pública.
5 OS CRIMES PREVIDENCIÁRIOS SOB A ÓTICA DA LEI Nº 9.983/00
São considerados crimes previdenciários clássicos a apropriação indébita, a
sonegação, a falsidade documental e o estelionato. Os três primeiros, com o advento da
Lei 9.983/00, foram transportados do artigo 95 da Lei nº 8.211/91 para os artigos 168-A,
337-A e §§ 3º e 4º do artigo 297 do Código Penal. O estelionato previdenciário, que não
foi tratado pela Lei nº 9.983/00, continua sendo objeto do artigo 171 do Código Penal,
com o aumento de pena previsto no § 3º.
Saliente-se que a Lei nº 9.983/00 não cuidou exclusivamente desses delitos.
Objetivando tutelar o erário público, protegendo a regularidade da arrecadação das
contribuições previdenciárias e dotando o aparelho repressivo e judiciário do Estado de
instrumentos para combater o injusto previdenciário, criminalizou uma série de condutas
lesivas ao bem jurídico representado pela Seguridade Social.
Nas palavras de Marcus Orione Gonçalves CORREA e Érica Paula B. CORREA
“vários são os delitos cometidos contra a seguridade social. Não raro a Justiça Federal
depara-se com fraudes previdenciárias, cuja finalidade precípua é a obtenção particular
de vantagens em detrimento do sistema previdenciário”.
Ensina Antonio
Lopes MONTEIRO que “o legislador procurou avançar
criminalizando outras condutas que, de alguma maneira, pudessem aumentar o rombo
dos cofres da Previdência Social. Nesse ponto, devemos dizer que a lei se antecipou a
outros diplomas legais, tipificando condutas praticadas por meio de informática,
facilitando assim o trabalho do operador de direito”.
Na lição de Wladimir Novaes MARTINEZ, “auxiliar instrumental da arrecadação do
INSS, a lei revitaliza conceitualmente os ilícitos. Revindo-os, introduziu infrações ligadas à
área de informações cometidas contra a Administração Pública em geral”.
Sobre as condutas tipificadas pela Lei nº 9.983/00 escrevem Carlos Alberto
Pereira de CASTRO e João Batista LAZZARI que, “entre os crimes previstos estão a
apropriação indébita previdenciária, a inserção de dados falsos no sistema informatizado
da Previdência Social, a violação desse sistema, a sonegação de contribuição, a
falsificação de documentos e o acesso sem autorização ao sistema. As penas previstas
como punição variam de dois a doze anos de prisão e multa.”
Os crimes contra a Previdência Social podem ser formais, materiais ou de mera
conduta.
Nos primeiros, o comportamento delituoso objetiva um resultado material, porém a
consumação ocorre antes. O resultado é mero exaurimento do delito, dele independendo
a consumação, que se dá no momento da conduta. Bastam o comportamento do agente
e a vontade de concretizar o tipo para que se configure o dano potencial. O legislador
antecipa a consumação, satisfazendo-se com a simples ação.
Já nos crimes materiais, a lei descreve uma ação e um resultado, exigindo a
produção desse para que se considere consumado o delito. Faz-se necessária a
ocorrência da efetiva lesão ao bem jurídico protegido. Se a conduta não atinge o
resultado material previsto no tipo penal, não se consuma o crime.
Crimes de mera conduta são os em que não há necessidade de um resultado
material. A incriminação se esgota com o simples comportamento do sujeito ativo.
Para Flávio Augusto Monteiro de BARROS:
Segundo a relação entre a conduta e o resultado, os delitos podem ser materiais, formais ou de
mera conduta. Delitos materiais ou causais são os que alojam, no tipo legal, um resultado
naturalístico cuja ocorrência é necessária à consumação. Exemplos: homicídio, lesão corporal,
furto, etc. Delitos formais ou de consumação antecipada são os que alojam, no tipo legal, um
resultado naturalístico cuja ocorrência, porém não é necessária à consumação. Exemplo: calúnia,
difamação, injúria, rapto, etc. Delitos de mera conduta ou de simples atividade são os que contêm
apenas a definição da conduta, não alojando, no tipo legal, nenhum resultado naturalístico.
Exemplo: reingresso de estrangeiro expulso (CP, art.338), ato obsceno (CP, art. 233) e quase todas
as contravenções.
De acordo com Manoel Pedro PIMENTEL:
Os crimes formais se compõem de conduta e resultado considerado relevante para o direito,
resultado esse que pode não se apresentar destacado da ação, mas que é um resultado material.
Os crimes de mera conduta se realizam tão-somente com a conduta, não sendo relevante para o
direito o resultado natural que dela decorra. (...) A diferença específica desta última categoria,
portanto, está na inexistência de resultado material juridicamente relevante. A conduta do agente é
considerada suficiente para configurar a ofensa ao direito tutelado, ou para constituir a violação da
norma. A conduta e tão-somente a conduta, perfaz o elemento material do crime.
Os crimes previdenciários podem, ainda, ser comissivos, onde a conduta
realizadora é uma ação positiva, uma atividade humana conscientemente dirigida a um
fim específico, ou omissivos, consistentes em uma inação, em uma abstenção de um
comportamento que o indivíduo, no caso, poderia e tinha o dever jurídico de realizar para
evitar o resultado.
O sujeito ativo pode ser próprio ou comum. No primeiro caso, a Lei exige que o
agente tenha uma determinada qualificação. Se ausente essa, o fato é atípico. No
segundo, qualquer pessoa pode praticar a conduta tipificada, não se exigindo dela
nenhuma qualidade especial.
Para a caracterização dos delitos previstos na Lei nº 9.983/00, a vontade do
agente adquire fundamental importância. Não é prevista modalidade culposa ou
resultante de erro, caso fortuito ou força maior. O dolo, seja ele direto ou eventual, é o
elemento volitivo primordial.
Destaca René Ariel DOTTI que “o dolo é o conhecimento dos elementos que
integram o fato típico e a vontade em praticá-lo ou, pelo menos, em assumir o risco de
sua verificação. Ele pode ser direto (quando o agente quis o resultado) ou eventual
(quando o agente assumiu o risco do resultado)”.
Configura-se o dolo direto quando o agente tem consciência e vontade de realizar
o comportamento proibido pela norma jurídica e está disposto a produzir o resultado. É o
querer a realização do evento. Tem-se o dolo eventual quando o sujeito ativo prevê o
resultado e, embora não o querendo, a ele adere, assumindo o risco de produzi-lo.
O dolo pode, ainda, ser genérico, que é o dolo comum, não dirigido a um fim em
especial, ou ser específico, quando o tipo exige determinada finalidade para o
comportamento delituoso.
Nas palavras de Flávio Augusto Monteiro de BARROS, “verifica-se o dolo genérico
nos tipos penais em que a vontade do agente se esgota com a prática da conduta
objetivamente criminosa. Exemplo: matar alguém (CP, art.121). Já o dolo específico
projeta-se nos tipos penais que exigem do agente uma finalidade particular, que
ultrapassa os limites do fato material. Exemplo: raptar mulher honesta para fins
libidinosos(C.P. Art. 219)”.
Ante o interesse do Estado em tutelar o patrimônio público, a ação penal nos
crimes previdenciários é, via de regra, pública incondicionada. Nesse sentido, foi editada
a súmula 609 do Supremo Tribunal Federal: “é pública incondicionada a ação penal por
crime de sonegação fiscal”.
A propositura da ação penal, que será julgada pela Justiça Federal, cabe ao
Ministério Público Federal. Se o crime for de menor potencial ofensivo, assim
consideradas as infrações para as quais a lei comine pena máxima não superior a dois
anos, ou multa, a competência para julgar o feito é do Juizado Especial Federal Criminal.
Visando à instauração do correspondente procedimento para a apuração do
delito, o auditor fiscal da Previdência Social, quando constatar, no exercício de suas
atribuições, a ocorrência de fatos que configurem, em tese, a prática de ilícito penal,
formalizará notícia-crime, através da Representação Fiscal Para Fins Penais – RFFP. A
Representação será remetida, através da Procuradoria do Instituto Nacional da
Previdência Social, ao Ministério Público, para que esse, se entender conveniente e
oportuno, requisite à Polícia Federal a instauração de inquérito policial e proponha ao
poder judiciário a ação penal pública.
Ao elaborar a Representação Fiscal, o auditor fiscal identificará o crime em tese,
noticiando a verificação de uma situação delituosa. Não cabe à fiscalização provar a
autoria e a materialidade do delito, nem investigar a vontade do sujeito ativo. A
constatação de estarem presentes os aspectos materiais descritos no tipo penal é
suficiente para a presunção relativa da ocorrência de dolo e a conseqüente lavratura da
Representação. A apuração da responsabilidade ou culpa do agente será procedida
posteriormente, pelas formas legalmente previstas. No curso da ação penal, como
argumento de defesa, o agente poderá produzir prova elidindo a presunção de dolo.
O Ministério Público não depende da Representação Fiscal para denunciar ou
solicitar a abertura de inquérito para eventos onde entreveja a existência de crimes
previdenciários. Pode aquele órgão, ainda, vislumbrar, nos autos originados pela
Representação Fiscal, o cometimento de outros crimes além daquele noticiado.
O procedimento penal a ser seguido nos crimes contra a previdência social será o
comum ordinário, constante dos artigos 394 a 405 e 498 a 502 do Código de Processo
Penal, ou o sumário, previsto nos artigos 539 e 540 daquele Código para os crimes a que
não for cominada, ainda que alternativamente, a pena de reclusão. Em ambos os casos,
deve ser observado, também, o procedimento especial dos artigos 513 a 518 do CPP, se
a conduta delituosa foi praticada por funcionário público.
Cabe,
ainda,
ressaltar
que,
conforme
a
jurisprudência
dominante,
há
independência entre as instâncias administrativa e penal, não havendo necessidade do
prévio esgotamento da via administrativa como pressuposto para o exercício da ação
penal. Nesse sentido, vejam-se as decisões judiciais abaixo:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE SONEGAÇÃO. DISCUSSÃO EM
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. TÉRMINO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA
PERSECUTIO CRIMINIS. ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA INDEPENDENTES. VIA
INADEQUADA. EXAME NECESSÁRIO E APROFUNDADO DAS PROVAS. ORDEM DENEGADA.
No plano de procedimento fiscal, a decisão dele esperada, pelo menos em princípio, não produz o
comprometimento da análise judicial precedente, sobretudo porque a falta de dispositivo legal
impede a hipótese reducionista. A diversidade dos fatos e das avaliações sob os aspectos
administrativo e penal, tendo finalidades disformes (aplicar multa e aplicar pena), nos compele a
dizer que o convencimento de uma e de outra órbita possa sustentar-se por pilares aparentemente
diferentes, onde a visualização da conduta e suas conseqüências perfaçam caminhos muitas vezes
próprios e dicótomos. O que vale ressalvar apenas, no primeiro momento, é a identificação do
mesmo fato gerador no sentido da autuação fiscal, sujeita ou não a discussões posteriores. A esse
aspecto, é preciso lembrar que se houvesse qualquer subordinação da atividade penal em relação
a procedimento fiscal, a lei o teria dito textualmente. Ademais, o entendimento a favor da
prejudicialidade, impedindo a seqüência natural da persecutio criminis, converte a atividade do
contribuinte num poder contrário aos ditames do bom senso, visto que o Estado estar-se-ia envolto
a infindáveis polêmicas introdutórias com as quais se engessaria qualquer atividade punitiva. Seria,
em verdade, um desestímulo ao intuito arrecadatório, pois, bastava a simples discussão
administrativa para interromper, sabe lá por quanto tempo, a pretensão punitiva estatal. Por fim, a
superação dos óbices quanto ao entendimento da prejudicialidade, haja vista que promove a
indicação de ter ou não o contribuinte procedido com fraude, além de ter sonegado ao recolhimento
do tributo devido, atrai, e não há dúvida disso, o exame correspondente do material probatório.
Seria, em outras palavras, um despropósito, num caminho tão diminuto, frear a possibilidade de o
Estado ver discutido tema por demais intricado, dependente, em todo caso, da atividade cognitiva
plena. Ordem denegada.
PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE SONEGAÇÃO.DISCUSSÃO EM
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. TÉRMINO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA
PERSECUTIO CRIMINIS. ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA INDEPENDENTES E
DIVERSAS.
Afigura-se incorreto pensar que o simples andamento administrativo paralisa o Estado
-Administração quanto à possibilidade de investigar a possível existência de crime e suas
circunstâncias; as esferas penal e administrativa são totalmente independentes. Ademais, o
trancamento de ação penal ou de inquérito policial, mediante o writ, é hipótese excepcional que
somente se justifica quando demonstrado inequivocamente que o fato apontado não constitua
crime ou inexistiu, ou quando ausente qualquer elemento indiciário da participação do indiciado ou
denunciado nos fatos apurados, ou, ainda, quando se acha extinta a punibilidade.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - VÍCIOS NO PROCEDIMENTO FISCAL ABOLITIO
CRIMINIS, DOLO ESPECÍFICO E CRIME FORMAL - ANISTIA -APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
Possíveis vícios no procedimento administrativo, tais como a falta de notificação, não maculam a
ação penal, mesmo porque não há falar em dependência da instância criminal com a
administrativa. O procedimento administrativo-fiscal, ademais, não é condição jurídica sequer para
a propositura da ação penal. Precedentes do STJ.
PROCESSO PENAL – CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL – AÇÃO PENAL – PRÉVIO
ESGOTAMENTO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA
DE CADA ACUSADO - DESNECESSIDADE.
Aqui, como também no E. Supremo Tribunal Federal, tem-se proclamado que é desnecessário o
esgotamento da via administrativa para a propositura de eventual ação penal. Por outro lado, no
que tange à individualização da conduta de cada acusado na peça vestibular, ressalto que em
crimes de autoria coletiva tal não se faz indispensável, bastando a narrativa genérica do delito, sem
que se tolha, evidentemente, o exercício da defesa. Este tem sido o posicionamento pacífico desta
E. Corte.
Doutrinariamente, no entanto, não é pacífico tal entendimento. Na visão de Luiz
Flávio GOMES:
O tema (a polêmica) merece uma acurada atenção. Há anos, em nosso país, nos crimes tributários
(fiscais) ou previdenciários, tenta o legislador encontrar um ponto de equilíbrio entre o interesse do
Estado (que primordialmente é o de arrecadar impostos, valendo-se inclusive e sobretudo da
ameaça do direito penal), do Ministério Público (que é o de processar o infrator, visando a condenálo criminalmente) e do contribuinte (que é o de não ver-se privado de sua liberdade nem de seus
bens, senão consoante o devido processo legal, com direito ao contraditório e à ampla defesa com
os meios e recursos a ela inerentes- CF, art. 5º, incs. IV e LV). (...) A jurisprudência dominante,
como sabemos, vem sublinhando a regra de que não é necessário o prévio exaurimento da via
administrativa nos crimes tributários ou previdenciários. Em outras palavras, a existência de
processo administrativo-fiscal, afirma-se, não impede a instauração da ação penal pelo Ministério
Público, até porque cuida-se de ação penal incondicionada (Súmula 609 do STF). Esse majoritário
entendimento, entretanto, não leva em conta que o recurso administrativo-fiscal suspende a
exigibilidade do tributo (CTN, art.151). Como então conciliar a processabilidade do contribuinte, isto
é, a instauração da ação penal que hoje é amplamente admitida pelo STF, com a inexigibilidade de
tributo, que ainda não se sabe se é devido ou indevido? No direito tributário sabe-se que a
obrigação tributária nasce quando ocorre o fato gerador (CTN, art.113). Surge o crédito tributário
quando a obrigação se torna conhecida do Fisco (CTN, art. 139). Com o lançamento, constitui-se o
crédito tributário (CTN, art.142) e, a partir daí, ele é exigível. Mas, se houver recurso, resulta
suspensa essa exigibilidade (CTN, art.151,III). Somente a decisão final constitui o crédito
definitivamente (CTN, art.174). Em suma, enquanto não há decisão administrativa definitiva, não há
crédito tributário definitivo. Sendo assim, parece inevitável que o melhor caminho, no atual contexto,
inclina-se no sentido do acolhimento da tese de prejudicialidade, suspendendo-se o processo e a
prescrição em todas as hipóteses em que esteja em jogo a exigibilidade do crédito tributário.
Em sentido contrário é o pensamento de Henrique Geaquinto HERKENHOFF:
Aplica-se aos crimes fiscais o princípio da independência entre a instância penal e civil, bem como
entre a administrativa e judicial; a decisão judicial transitada em julgado não extingue propriamente
o crédito mas afirma que ele nunca existiu ou que foi quitado; a decisão administrativa no mesmo
sentido não vincula a ação penal, posto que relevantíssima para reconhecer-se ou negar-se a
materialidade do delito, ou, eventualmente, a extinção da punibilidade pelo pagamento. A toda
evidencia, o lançamento do tributo não é condição para a propositura da ação penal, muito menos a
representação da autoridade fiscal: desde que a materialidade do delito possa ser suficientemente
demonstrada por outros meios, não é preciso conhecer com exatidão o valor ‘apropriado’ ou
sonegado.
Por sua vez, Wladimir Novaes MARTINEZ entende que:
Nada obstante iterativas decisões do Poder Judiciário Federal, acolhida a supremacia da justiça, no
tocante ao mérito, no mínimo, os dois processos caminharão paralelamente, não se sabendo, de
antemão, o resultado de ambos. Pode-se, administrativamente, concluir-se quanto à inexistência
material do débito e, por conseguinte, não subsistir crime. Discutido no judiciário civil ou penal, da
mesma forma, todo o trabalho procedimental interno perderá sentido. O correto parece ser o
expediente prosseguir, enquanto o penal não chegar a fase de exame de mérito da inadimplência;
nesse momento, este último terá de ser sobrestado.
Não comunga do mesmo pensamento Guilherme Calmon Nogueira da GAMA,
que se manifesta no sentido de inexiste condição de procedibilidade ou questão
prejudicial ou, ainda, qualquer elementar do tipo penal, quanto ao encerramento do
processo administrativo para efeito do processo penal. Acresce que não há propriamente
uma prevalência da instância criminal sobre as outras, mas sim o reconhecimento de que,
como no processo penal vigoram princípios mais extremados na proteção do status
libertatis do cidadão, dentre eles o da verdade real, a sentença criminal detém a
presunção de haver solucionado o conflito de acordo com o que realmente ocorreu e não
por ilações ou ficções jurídico-processuais.
Não questionamos a independência existente entre as instâncias penal e
administrativa. Suas atividades, ao contrário de se excluírem, complementam-se. No
entanto, entendemos que, em especial nos casos discutíveis, geradores de uma maior
controvérsia em relação à correção do lançamento tributário, não se deva imputar ao
contribuinte a prática de crime de natureza fiscal anteriormente ao lançamento definitivo,
ou seja, da decisão final em procedimento administrativo que comprove a materialidade
delitiva, a regular apuração da existência da supressão ou redução do tributo, antes da
qual se tem apenas uma expectativa de crédito tributário.
Quanto ao que são os casos mais discutíveis, esclarece Wladimir Novaes
MARTINEZ que contribuições indiscutíveis são aquelas sobre as quais não pairam
dúvidas e que não têm sido objeto de questionamento jurisprudenciário ou doutrinário.
Normalmente não chamam a atenção e todos, a rigor, sabem quais são. Já as discutíveis
são as que vêm sendo contestadas, umas mais e outras menos, na administração e no
judiciário, sendo que a discussão tem a ver, por vezes, com o momento histórico.
Exemplificando, as horas extras, no passado, foram muito discutidas, mas hoje é assente
que compõem o salário de contribuição.
5.1 A INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMAS DE INFORMAÇÕES
A inserção de dados falsos em sistema de informações, novo tipo penal
introduzido pela Lei nº 9.983/00 no Título XI do Código Penal, atinente aos crimes contra
a Administração Pública, é descrita como:
Art. 313-A Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir
indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração
Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Trata-se de crime praticado por intermédio de meios eletrônicos, através da
utilização dos sistemas informatizados ou dos bancos de dados da Administração
Pública. Apenado com dois a doze anos de reclusão e multa, ocorre quando o funcionário
autorizado insere dados falsos ou facilita para que alguém o faça, ou altera ou exclui
indevidamente dados corretos daqueles sistemas, com o intuito de obter vantagens
indevidas para si ou para outrem, ou de causar dano.
A tipificação da conduta objetivou proteger a segurança e a regularidade dos
sistemas informatizados e dos bancos de dados da Administração Pública em geral e da
Previdência Social em particular, que somente podem ser modificados dentro dos limites
legalmente permitidos.
Bastante abrangente, o crime é, segundo Damásio E. de JESUS, um tipo misto
alternativo, onde a ocorrência de um ou mais núcleos do tipo, num mesmo contexto
fático, constitui crime único.
A respeito do assunto, Antonio Lopes MONTEIRO manifesta-se no sentido de que
“o artigo 313-A situa-se no Título XI da Parte Especial do Código Penal, entre os crimes
praticados pelo funcionário público contra a Administração em geral. Protege-se, pois, a
probidade administrativa, que deve ser intrínseca à Administração Publica, em seu
aspecto material e moral. É o interesse do Estado, aqui representado pela Previdência
Social, que a norma está tutelando”.
Na acepção de Luiz Régis PRADO:
É inegável que, com o advento dos microprocessadores e, por conseqüência, dos
microcomputadores, essas máquinas, que eram restritas a poucas áreas governamentais ou
universidades, tornaram-se extremamente populares, facilitando a vida do homem moderno,
difundindo-se o seu uso não só no ambiente privado, como também na Administração Pública, que
passou a enfocar o computador como instrumento necessário para a melhor eficiência dos serviços
prestados ou colocados à disposição da coletividade. No entanto, não obstante as inúmeras
vantagens propiciadas pelo uso do computador, pode ele também ser utilizado para atentar contra
bens juridicamente relevantes; daí a razão de ser da mencionada norma incriminadora.
Ensina Wladimir Novaes MARTINEZ que “sistemas informatizados são os
procedimentos que se utilizam de técnicas de informática, conjugados sistematicamente e
organizados com certo objetivo. Banco de dados é o programa (software) que armazena
informações consultáveis em arquivo ou unidade de disco (disco rígido, disquete ou cd).”
Mais adiante, cita, ainda, aquele autor:
A previdência dispõe de banco de dados computadorizados, cadastro oficial no qual registra o
recolhimento de contribuições, estima o valor de benefícios, controla as quitações das listagens de
pagamentos das prestações, emite correspondência tradicional escrita, levanta débitos, imprime
notificações fiscais, promove a inscrição da divida fiscal, gerencia cobranças administrativas ou
judiciais, elabora precatórios, etc., gestionando um conjunto de números hospedados em seus
computadores e terminais operacionais. Novos elementos são acrescidos por mecanismos
singelos, aduzidos à rede de informações.
É delito próprio, onde o sujeito ativo é o servidor público, ou a pessoa a ele
equiparada, autorizado a inserir, alterar ou excluir dados em meio informático.
Wladimir Novaes MARTINEZ entende que “equivocou-se o legislador ao aludir ao
agente autorizado, pois também o não autorizado, a fortiori, estará praticando o mesmo
delito”.
Em sendo a conduta praticada por funcionário não autorizado, explicita Rui
STOCO:
Estranho paradoxo estabeleceu o legislador. Em exegese literal do texto da lei, poderia parecer que
somente o funcionário autorizado que inserir dados falsos ou praticar as demais ações ali
estabelecidas responderá pelo crime. Aquele que não estiver autorizado a operar o sistema, ainda
que sua conduta se subsuma ao preceito, não incidirá na sanção, livrando-se da incidência da lei.
Não é exatamente o que deve ocorrer. Não sendo o funcionário autorizado, sua conduta não se
subsume apenas ao novo delito de “Inserção de dados falsos em sistema de informações”. Mas se
o legislador equiparou o funcionário público ao particular, quando não esteja autorizado a operar o
sistema, cabe então concluir que não ficará impune.
Conforme Júlio Fabbrini MIRABETE, “é possível o concurso de agentes pela
participação criminosa, por meio de instigação, ou mesmo a co-autoria, quando a conduta
de inserção, alteração ou exclusão é praticada por terceiro”.
Para Henrique Geaquinto HERKENHOFF, “sujeito ativo é necessariamente um
funcionário público, admitindo-se a co-autoria e a participação do particular, desde que
conheça a condição do primeiro e contribua voluntariamente – quando não for o autor
indireto – para a intromissão ilícita no sistema de dados da Administração, com ou sem
interesse pessoal na fraude”.
O sujeito passivo é o Estado, em especial a Previdência Social, podendo ocorrer
de figurar como vítima, secundariamente, também o segurado que tenha sofrido eventual
prejuízo como, por exemplo, não receber seu benefício em decorrência da fraude
praticada pelo agente.
É crime doloso, que requer um fim especial de agir, qual seja, causar dano à
Administração Pública ou viabilizar a obtenção de vantagem indevida para o autor ou
para outrem.
O delito é formal, não havendo necessidade, para que se consume, da obtenção
da vantagem ou do efetivo dano, que corresponderão ao mero exaurimento do crime.
Em relação às condutas inserir, alterar ou excluir dados, trata-se de crime
comissivo. Já a facilitação pode ocorrer por via de ação, permitindo-se ou facilitando-se o
acesso de terceiro ao sistema informatizado, ou de omissão, quando aquele que deveria
impedir a inserção indevida de dados pelo terceiro não o faz, aquiescendo com o
procedimento.
A consumação se dá no momento em que os dados falsos passam a fazer parte
do sistema informatizado ou do banco de dados que se pretendia adulterar ou quando os
dados corretos são neles indevidamente alterados ou excluídos. A tentativa é possível,
caracterizando-se quando agente inicia os atos preparatórios e é interrompido antes da
implementação do delito.
Como exemplos desse tipo de crime, pode-se citar a alteração irregular, pelo
servidor, de bases de cálculo de benefícios; a inclusão, no banco de dados da
previdência, de alguém como beneficiário, quando não o é; a inserção de um falso
vínculo empregatício, com o objetivo de acrescer o tempo de contribuição, possibilitando
que o beneficiado obtenha, indevidamente, aposentadoria; a inserção de pagamentos
inexistentes de contribuições e a quitação não regular de débitos pendentes em nome do
administrado.
Não foi prevista pelo legislador a possibilidade de o magistrado não aplicar a pena
ou de substituí-la pela de multa, nem autorizada a extinção da punibilidade, como previsto
para outros crimes considerados mais graves pela doutrina, como o de apropriação
indébita previdenciária.
5.2
MODIFICAÇÃO
OU
ALTERAÇÃO
NÃO
AUTORIZADA
EM
SISTEMA
DE
INFORMAÇÕES
Prevista no artigo 313-B do Código Penal, a modificação ou alteração não
autorizada de sistema de informações é crime também relacionado com a informática.
Trata-se de delito praticado por funcionário publico ou por pessoa a ele equiparada que,
sem autorização ou sem que tenha havido solicitação por parte de autoridade
competente, altera ou modifica sistema de informações ou programa de informática da
previdência social:
Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática
sem autorização ou solicitação de autoridade competente.
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou
alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.
Diferentemente do artigo 313-A, onde o agente falsifica, altera ou exclui
indevidamente dados dos arquivos do sistema ou do banco de dados, utilizando-se, para
tal, de computador, aqui, ele altera o próprio sistema ou programa de computação.
Objetiva tutelar a incolumidade dos sistemas de informação e programas de
informática da Administração Pública e, mais especificamente, da Previdência Social,
para que não sejam modificados ao bel-prazer do servidor público.
O delito, punido com três meses a dois anos de detenção, e multa, é formal, não
exigindo o resultado danoso. Se esse ocorrer, é causa especial do aumento da pena, de
um terço até a metade, previsto no parágrafo único do artigo 313-B.
É crime próprio, onde o sujeito ativo é o servidor público ou pessoa a ele
equiparada, não se exigindo que esteja autorizado a operar o sistema de informações.
Com fulcro no artigo 30 do Código de Penal, admite-se o concurso de agentes.
O sujeito passivo é o Estado, sobretudo a Previdência Social, podendo ser
também o administrado, na hipótese de resultar dano a terceiro.
O dolo é genérico, traduzindo-se na vontade livre e consciente de praticar a
conduta típica, não se exigindo nenhum fim especial de agir. Deve, porém, estar presente
o elemento normativo do tipo, ou seja, a inexistência de autorização ou de solicitação por
parte da autoridade competente.
Observa Rui STOCO que “trata-se de crime comissivo por excelência, pois só é
possível alterar a programação do sistema de informática mediante interferência efetiva”.
A consumação ocorre com a real modificação ou a alteração, total ou parcial, do
sistema de informações ou do programa de informática. Teoricamente, o delito admite
tentativa, se bem que, no caso, a prova é difícil.
Note-se que há uma disparidade entre as penas previstas nos artigos 313-A
(reclusão de dois a doze anos, e multa) e 313-B (detenção de três meses a dois anos, e
multa). Nesse último, a penalidade é bem menor, apesar de, nas hipóteses do artigo 313A, o funcionário estar autorizado a proceder a modificações de dados no sistema
informatizado, fazendo-o indevidamente, enquanto que, nas do artigo 313-B, atua sem
autorização ou sem solicitação da autoridade competente.
Sobre o assunto, assim se posiciona Rui STOCO:
Há incoerência e violenta exacerbação no delito do art.313-A, pois modificar ou alterar o próprio
sistema operacional que suporta as informações do programa de informática é muito mais grave e
perigoso do que inserir dados falsos em um arquivo isoladamente, Nem se diga que no primeiro
delito a anormalidade do tipo, exigindo a intenção de obter vantagem indevida ou de causar dano,
justifica a quantidade exacerbada da pena base. Ora, no art. 313-B não se previne um fim especial
do agente, mas, evidentemente, como também não se previu a figura em modalidade culposa,
ressuma evidente que a intenção do agente poderá ser de qualquer natureza, inclusive com o fim
de obter vantagem indevida, de causar dano, de paralisar todo o sistema de processamento de
dados de uma repartição, da Unidade Fiscal, da Receita Federal, etc., seja por espírito de
vingança, seja para apaniguar amigos contribuintes, seja, ainda, para obter vantagem pecuniária.
Não encontramos justificação lógica ou plausível para o estabelecimento de penas-base diversas
nos delitos constantes dos artigos 313-A e 313-B.
5.3 DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS OU RESERVADAS
A Lei nº 9.983/00 deu nova redação ao artigo 153, sediado no Capítulo VI, Título I,
Parte Especial do Código Penal, que versa sobre crimes contra a liberdade individual,
inserindo os parágrafos 1º-A e 2º, para criminalizar a divulgação, sem justa causa, de
informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos
sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública:
Art.153 (...)
§ 1º- A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei,
contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública.
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Somente se procede mediante representação.
§ 2º Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada.
Trata-se de norma penal em branco, incompleta ou aberta, pois depende de
definição em lei sobre quais são as informações consideradas sigilosas ou reservadas.
Contém um elemento normativo, sem justa causa, cuja análise da existência ou não
caberá ao julgador, no caso concreto.
De acordo com Cezar Roberto BITENCOURT:
O vocábulo “informações” pode ter uma abrangência exagerada, incompatível com as limitações
próprias do direito penal. Por isso, o texto legal se encarrega de limitar-se àquelas “definidas em
lei”. Assim, não bastam tarjas, faixas, carimbos ou coisa do gênero que as definam como sigilosas
para que adquiram essa condição. Faz-se necessário que o texto legal (estritamente falando, lei)
assim o defina. Caso contrário, esbarra-se na atipicidade.
César Dario Mariano da SILVA se expressa no sentido de que “haverá justa causa
se houver um motivo plausível para a divulgação do segredo, como quando há
consentimento do interessado; para a apuração de crime de ação penal pública; dever de
testemunho judicial; defesa de direito ou de interesse legítimo; comprovação do crime ou
de sua autoria,etc. Nesses casos, o fato é atípico”.
O dispositivo visa proteger tanto os segredos da Administração Pública, incluídas,
aí, as informações sigilosas ou reservadas atinentes à Previdência Social, quanto a
intimidade dos administrados que venham a ser prejudicados pela divulgação do segredo,
sem justa causa.
O crime, cuja pena varia de um a quatro anos, e multa, é comum, não havendo
exigência de que o sujeito ativo seja servidor público. Pode ser qualquer pessoa, inclusive
o particular que venha a ter acesso, ainda que por equivoco, à informação sigilosa. O
sujeito passivo é o Estado ou o administrado cuja intimidade foi devassada.
A consumação se dá com a efetiva divulgação do segredo a uma ou mais pessoas
não autorizadas a conhecê-lo, sendo possível a tentativa, quando o agente é
surpreendido prestes a divulgar a informação sigilosa.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico, não se exigindo especial fim de
agir. Deve o agente, porém, ter consciência da ilegitimidade da conduta, da qualidade
confidencial das informações e de que a divulgação poderá vir a causar dano.
É delito formal. Para a consumação, independe da produção de resultado danoso,
bastando sua potencialidade. No entanto, se ocorrer prejuízo para a Administração
Pública, a ação penal, que seria pública condicionada à representação do administrado
atingido, passa, por força do contido no § 2º, a ser incondicionada.
5.4 VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL
Ainda com o escopo de tipificar condutas praticadas na área de informática, por
meio de utilização de computadores, a Lei nº 9.983/00 incluiu os § 1º, incisos I e II e § 2º
no artigo 325, que versa sobre o crime de violação de sigilo funcional e que se insere no
Título XI - “dos crimes contra a administração pública”, Capítulo I - “dos crimes praticados
por funcionário público contra a administração em geral”, do Código Penal. Com a
alteração, aquele artigo ficou assim redigido:
Art. 325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou
facilitar-lhe a revelação:
Pena: detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, se o crime não constituir crime mais
grave.
§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:
I - permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra
forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da
Administração Pública;
II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.
§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem.
Pena – reclusão, de (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Visa tutelar o sigilo dos arquivos de dados e dos sistemas eletrônicos da
Administração Pública, obstando o acesso ilegítimo a eles. Objetiva, também, resguardar
a intimidade dos administrados.
No caso, não se trata de revelação direta de informações e sim de permitir-se ou
de facilitar-se o acesso a elas por aquele que não esteja autorizado a conhecê-las ou de
o próprio servidor utilizar-se indevidamente, para qualquer finalidade, do acesso restrito.
É delito próprio, onde o sujeito ativo é o funcionário público que permite ou facilita,
por meio de ação ou de omissão, o acesso de pessoas não autorizadas aos bancos de
dados ou sistemas informatizados ou que, por via comissiva, invade impropriamente, ele
mesmo, os referidos sistemas.
O sujeito passivo é o Estado e, em segundo lugar, aquele que eventualmente foi
prejudicado pela atuação delituosa.
O dolo é genérico, não se exigindo especial fim de agir. O crime é formal, não
havendo a necessidade da ocorrência de dano para configurar-se. No entanto, se for
causado prejuízo à administração pública ou a qualquer outra pessoa, estará presente a
causa especial de aumento de pena prevista no § 2º.
A consumação se dá com a permissão ou a facilitação do acesso ao terceiro,
entendendo-se aí ser possível a tentativa, ou com a utilização indevida, pelo servidor, do
acesso restrito. Contrariando Antonio Lopes MONTEIRO, para quem “essa modalidade
não admite tentativa” , Rui STOCO assim se manifesta:
Contudo quer nos parecer que também nessa hipótese é possível o conatus, pois nem sempre será
possível obter o acesso imediatamente (mesmo que se trate de servidor autorizado), exigindo-se
todo um procedimento de busca, de pesquisa e de obtenção da senha secreta para ingressar no
sistema restrito e obter informações sigilosas ou reservadas. Se o servidor for surpreendido antes de
obter a informação o crime não se consuma, ficando no plano da tentativa.
5.5 FALSIFICAÇÃO DE SELO OU SINAL PÚBLICO
A Lei nº 9.983/00 agregou o inciso III ao § 1º do artigo 296 do Código Penal,
situado no Título X - dos Crimes contra a fé pública, Capítulo III, que cuida de falsidade
documental. Com o acréscimo, aquele artigo, que em sua versão original ocupa-se da
falsificação de selo ou sinal público, ficou assim redigido:
Art. 296 Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:
I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;
II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de
tabelião:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado;
II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito
próprio ou alheio.
III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros
símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.
§ 2º Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a
pena de sexta parte.
A proteção dada pelo inciso III visa resguardar a fé publica, estendendo-se a
qualquer símbolo utilizado na identificação da administração estatal, ainda que não criado
por lei e, em especial, aos da Previdência Social. Pune tanto a falsificação (imitação do
verdadeiro) quanto a alteração (modificação) ou o uso indevido desses símbolos.
José SILVA JÚNIOR explica o que são marcas, logotipos e siglas:
Além dos selos e sinais públicos, com o inciso III, introduzido pela Lei 9.983, de 14.07.2000, o
legislador ampliou o objeto material do crime. Incorpora-lhe expressões de uso corrente: marcasinal especial de forma variável (letra, desenho, emblema); logotipo –reunião de duas ou mais
letras ou sinal em forma de desenho); sigla- conjunto de letras iniciais de um vocábulo, constituindo
abreviatura convencional.
Henrique Geaquinto HERKENHOFF salienta que “pune-se tão somente a conduta
capaz de induzir em erro, não a simples caricatura, nem a variação artística, crítica ou
humorística”.
Cita ainda aquele autor que “o que se protege aqui é a fé pública decorrente do
emprego desses signos estatais identificadores, e não o direito autoral ou a exclusividade
do uso da marca”.
Como bem ensina Antonio Lopes MONTEIRO, “como em todo tipo de falsificação,
deve ela ser idônea a enganar a generalidade das pessoas, o chamado homem médio.
Assim, se for demasiado grosseira, não haverá adequação típica, sendo considerado
crime impossível”.
Trata-se de crime comissivo, onde o dolo é genérico, não sendo necessário um
fim específico para a ação. Deve o agente, porém, ter ciência de que o símbolo identifica
órgão ou entidade da administração estatal.
O delito é comum, não exigindo especial qualificação do sujeito ativo, que pode
ser qualquer pessoa penalmente imputável. A condição de o agente ser funcionário
público não é elementar do tipo e sim causa especial do aumento de pena previsto no §
2º, se praticar a conduta valendo-se do cargo.
O sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o individuo prejudicado pela
conduta delituosa.
É crime formal, pois independe dos efeitos que venham a ocorrer. Será crime
único se o autor da falsificação for o mesmo que proceder ao uso indevido.
Consuma-se com a alteração, falsificação ou o efetivo uso indevido do símbolo. A
tentativa é possível para a alteração e a falsificação. Quanto ao uso, a doutrina não é
pacífica, entendendo alguns autores não ser de todo impossível, se bem que de difícil
caracterização. Já outros, como Antonio Lopes MONTEIRO, discordam: “tentar usar já é
usar”.
5.6 FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO.
Ao alterar dispositivos já existentes no Código Penal, a Lei nº 9.983/00
acrescentou ao artigo 297, que se reporta à falsificação de documento público, o § 3º,
com três incisos, e o § 4º. Prescreve o citado artigo:
Art. 297 Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público
verdadeiro:
Pena - reclusão, 2 ( dois) a 6 ( seis ) anos, e multa.
§ 1° Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a
pena de sexta parte.
§ 2º Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade
paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os
livros mercantis e o testamento particular.
§ 3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:
I - na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova
perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;
II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva
produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido
escrita;
III - em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da
empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.
§ 4º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do
segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de
prestação de serviços.
O dispositivo, que já era previsto no art. 95, g, h, e i da Lei nº 8.212/91, porém
sem a cominação de penas, cuida de formas de falsidade ideológica de documentos
destinados a comprovar fatos ou relações jurídicas ante a Previdência Social.
Visa tutelar a fé pública, a presunção de autenticidade e a credibilidade que
devem permear os documentos públicos e os que a ele são equiparados e, mais
especificamente, nos § 3º e § 4º, onde não importa se o documento é público ou
particular, a fé que devem possuir os documentos ligados à Previdência Social.
Considera-se documento público aquele que é elaborado pelo servidor público no
exercício de suas funções, de acordo com as formalidades legais, bem como aqueles que
a lei assim houve por bem igualar, como é o caso do § 2º do artigo 297, para o qual se
tem como exemplos a CND – Certidão Negativa de Débitos e a NFLD - Notificação Fiscal
de Lançamento de Débito, emitidas pelo Instituto Nacional da Previdência Social, que é
entidade paraestatal, na categoria de autarquia federal.
A lei não equiparou os documentos destinados a fazer prova ante a Previdência
Social a documentos públicos, porém cominou à sua falsificação a mesma pena que
previu à daqueles.
A tipificação das condutas inseridas pela Lei nº 9.983/00 nos incisos I a III do § 3º
do referido artigo pretende coibir práticas que venham em prejuízo da previdência social
e, em especial, evitar que pessoas por ela não seguradas obtenham benefícios indevidos
ou
que
segurados
sejam
contemplados
com
benefícios
superiores
aos
que
verdadeiramente fariam jus.
No dizer de César Dario Mariano da SILVA “nessas condutas, a forma do
documento é verdadeira, mas seu conteúdo é falso. Não há falsificação da parte externa
do documento, mas inserção falsa ou inexata de dados que possam causar danos à
previdência social”.
Já a conduta do § 4º objetiva coibir não só prejuízos para a previdência social,
como também para o segurado.
Segundo Henrique Geaquinto HERKENHOFF:
O parágrafo 3º ora acrescentado ao artigo 297 do Código Penal trata das fraudes que se cometem
contra o INSS e geralmente visam à “comprovação” de um período de contribuição inexistente,
para o fim de obter benefício previdenciário; inversamente, o parágrafo 4º trata principalmente da
ocultação da prestação laboral e do contrato respectivo, quando não tiver a finalidade de suprimir
ou reduzir as contribuições do empregado e do empregador (CP, art.337-A, inciso I), bem como
outros encargos, em prejuízo da Administração Pública e do próprio trabalhador, que não recebe
seu FGTS e demais vantagens, e ainda fica à margem da Previdência Social”.
É amplo o rol de documentos de informação que podem produzir efeito perante a
previdência social. Dentre eles, a Ficha de Registro de Empregados, os cartões ponto, os
laudos técnicos relativos à presença, no ambiente de trabalho, de agentes químicos ou
biológicos nocivos à saúde do trabalhador, os holerites de salários, a comunicação de
acidente de trabalho, a GFIP - Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço e Informações para a Previdência Social, os Livros Diários da empresa, a
RAIS - Relação Anual de Informações Sociais, as folhas de pagamento, etc.
Exemplificando esse tipo de crime, pode-se citar a anotação, na CTPS -Carteira
de Trabalho e Previdência Social, com data anterior à real, da admissão de um
empregado, para que esse possa se aposentar antes do tempo; a informação, naquele
documento, de um salário a maior que o verdadeiro, de forma a obter-se um maior
benefício; a inserção, na folha de pagamento da empresa, de uma pessoa que lá não
trabalha, com o intuito de obtenção de beneficio previdenciário; a confecção de falsos
laudos que habilitem o segurado à aposentadoria especial, com quinze, vinte ou vinte e
cinco anos de trabalho; o não registro de um acidente de trabalho, a não informação do
vínculo laboral do empregado na GFIP - Guia de Recolhimento para o Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social, etc.
Destaca Damásio E. de JESUS que “em todos os crimes em que se encontra a
falsidade, esta deve ser idônea, i.e., ter a capacidade de enganar, de ser potencialmente
lesiva. Não pode, portanto, ser grosseira, sob pena de atipicidade”.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Se for funcionário público e cometer o
delito prevalecendo-se do cargo, a pena eleva-se em um sexto (§ 1º).
Sujeito passivo é o Estado, mais precisamente a Previdência Social, podendo
secundariamente ser o segurado e seus beneficiários que tenham sido prejudicados pela
conduta danosa.
O tipo subjetivo é o dolo simples, a vontade de falsificar ou de omitir dados no
documento, sabendo que da conduta podem decorrer prejuízos a terceiros.
É crime formal, onde é indiferente a ocorrência ou não de prejuízos para que se
consume, bastando a potencialidade lesiva do falso, e comissivo, com exceção da
conduta prevista no § 4º, que se dá por omissão.
A consumação se dá com a falsa inserção da anotação no documento ou, no
tocante à omissão de dados, quando se esgota o prazo legalmente determinado para
inseri-los. É admissível a tentativa, embora seja difícil comprová-la.
Henrique Geaquinto HERKENHOFF, quanto ao crime inserido no § 3º, observa
que, para a consumação do delito, “não é necessária a efetiva apresentação ou utilização
do documento, que poderá tipificar o uso de documento falso (CP, art.304) ou o
estelionato (CP, art 171)”.
Ainda conforme aquele autor, quanto à omissão tipificada no § 4º, “se a conduta
tem por finalidade a supressão de contribuição social, aplica-se o art. 337-A do Código
Penal”.
Ressalte-se que quem falsifica o documento para o cometimento de estelionato
responde apenas por estelionato, nos termos da súmula 17 do Superior Tribunal de
Justiça: “quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por
esse absorvido”.
Sobre o assunto, assim se manifesta Andreas EISELE:
Qualquer conduta fraudulenta que um contribuinte praticasse com o fito de cometer evasão fiscal
pela manutenção do Fisco em erro, poderia, em tese, caracterizar estelionato, sem prejuízo de
eventuais falsidades perpetradas como meio à execução, que seriam absorvidas pelo critério da
consunção, a solucionar o concurso aparente de leis. O que define a tipificação do fato em uma ou
outra norma (estelionato ou falsidade), é a modalidade de enfoque com que se considera o crime
tributário, ou seja, classificando-o como crime de dano, no qual o resultado é indispensável para
sua consumação, ou, por outro lado, tomando-o como modalidade de crime de perigo, no qual a
consumação ocorre com a prática da conduta fraudulenta que tem a finalidade específica de servir
de meio a uma evasão que pode, eventualmente, vir a se perpetrar materialmente.
5.7 O ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO
Estelionato é figura penal básica e genérica que criminaliza a conduta fraudulenta
que visa a obtenção de vantagem indevida pelo agente, em detrimento de terceiros.
Conforme ensina Andreas EISELE, “nas relações sociais, o Direito visa proteger a
boa-fé dos sujeitos que praticam atos jurídicos e, para tanto, reprime criminalmente o
eventual embuste perpetrado contra outrem, o qual sirva de meio para a obtenção de
vantagem patrimonial indevida em favor do fraudador”.
O estelionato previdenciário, figura anteriormente prevista na alínea j do art. 95 da
Lei nº 8.212/91, não foi contemplado pelas alterações introduzidas no Código Penal pela
Lei nº 9.983/00, a qual, em seu artigo 3º, revogou aquela alínea. Assim, esse delito
continua sendo regido pelo art. 171 do Código Penal, que cita:
Art. 171 Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 ( cinco ) anos, e multa.
§ 1º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz poderá aplicar a pena
conforme o disposto no art. 155, § 2º.
(...)
§ 3º A pena aumenta-se de um terço se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito
público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
Esclarece Gianpaolo Poggio SMANIO que “a lei cita o artifício, que ocorre quando
o agente emprega aparato que modifica a coisa. Exemplos: encenação, disfarce, efeitos
da luz; e o ardil, que é a insídia, a astúcia, a conversa enganosa, de caráter intelectual. E
admite qualquer outro meio fraudulento (fórmula genérica); portanto, qualquer que seja a
conduta do agente apta a enganar a vítima. Exemplo: mentira, silêncio etc”.
A súmula 24 do Supremo Tribunal Federal orienta que “aplica-se ao crime de
estelionato em que figura como vítima entidade autárquica da Previdência Social, a
qualificadora do § 3º do art. 171 do Código Penal”.
A percepção de benefício previdenciário mediante fraude é considerada
estelionato previdenciário. Outro exemplo desse crime é a utilização de uma CNDCertidão Negativa de Débitos falsificada ou adulterada, em uma concorrência pública, no
intuito de obter-se vantagem indevida, em detrimento da Previdência Social.
O sujeito ativo, que pode ser qualquer pessoa penalmente imputável, é aquele
que induz ou mantém alguém em erro, mediante engodo. Como bem atesta Damásio E.
de JESUS:
É possível que um sujeito empregue fraude contra a vitima, enquanto outro obtém a indevida
vantagem patrimonial. Nesse caso, ambos são sujeitos ativos do delito.(...) Pode ocorrer que o
agente, empregando engano, obtenha da vítima vantagem ilícita para terceiro. O Código Penal,
definindo o fato, diz que a obtenção é para o sujeito ‘ou para outrem’. Esse terceiro cometerá o
crime na hipótese de ser destinatário doloso do proveito ilícito.
O tipo subjetivo é o dolo específico, a vontade pré-ordenada do agente em
enganar a vítima, para obter proveito injusto.
Saliente-se que, para sua configuração, o delito exige um duplo resultado: a
obtenção da vantagem ilícita e o prejuízo alheio. Assim, é crime material, que se
consuma no momento em que o autor obtém o proveito patrimonial indevido, em
detrimento alheio.
Admite-se a tentativa, que ocorre quando a vítima é enganada, porém a vantagem
ilícita não se efetiva, por circunstâncias alheias à vontade do agente ou quando, obtida a
vantagem ilícita, não se configura o prejuízo alheio. Nesse sentido, há julgado do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal: “para a configuração da tentativa do caput do art. 171, é
imperioso que o agente logre enganar a vítima, porém sem a obtenção da vantagem
ilícita, ou se obtida esta, não lhe imponha prejuízos ou a terceiros”.
Na concepção de Camila Sant’Ana David de SOUZA, a jurisprudência dominante
tem considerado o estelionato de rendas mensais praticado contra entidade de direito
público como crime continuado, onde a prescrição começa a correr da prática do último
ato integrante da continuidade delitiva, conforme entendimento firmado pelo STF. Coloca
a autora que uma pequena parte o considera crime permanente, onde a contagem do
prazo prescricional inicia-se quando cessada a permanência. Prossegue para esclarecer
que há, ainda, entendimento isolado no sentido de desconsiderar-se o tipo estelionato
previsto no artigo 171 do Código Penal, para enquadrar-se a conduta no crime previsto
por lei especial, ou seja, a Lei Orgânica da Previdência Social. Sustenta-se, no caso, que
a lei penal mais específica, que criou outra tipificação para a conduta qualificada pelo
sujeito passivo, restou por derrogar a norma geral prevista no Código Penal.
Assinala Luiz Flávio GOMES que “em cada parcela indevida recebida, há uma
lesão patrimonial. Sendo assim, um resultado jurídico autônomo em relação a cada ato
de recebimento injusto. A conduta fraudulenta (apresentação de tempo de serviço falso,
por exemplo) é uma só. Mas os resultados jurídicos são diversos”.
Continua aquele autor, para destacar que:
Quem, com uma só conduta fraudulenta (dotada de periculosidade ex ante), produz vários
resultados jurídicos (lesões ao bem jurídico tutelado, em contextos fáticos distintos), responde por
concurso formal de crimes (CP, art.70). A prescrição, conseqüentemente, conta-se consoante o
disposto no art. 19 do CP, que diz: “No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade
incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”.
A definição sobre se o estelionato previdenciário que vise obter-se benefício
indevido configura-se em crime instantâneo ou permanente, é de suma importância na
fixação do início do prazo prescricional. Se considerado crime permanente, a prescrição
inicia-se apenas quando da cessação da permanência, ou seja, quando do recebimento
da última parcela do benefício. Já se considerado crime instantâneo, o início do prazo
prescricional é a data do recebimento da primeira parcela, quando ocorre o momento
consumativo, nos termos do art. 111, I, do Código Penal.
Para Damásio E. de Jesus, trata-se de delito instantâneo, consumado com a
obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio e onde, em sendo parcelada a vantagem,
há um só delito, que se consuma com a obtenção da primeira parcela.
Luiz Flávio GOMES corrobora esse entendimento:
Na fraude na obtenção de benefício previdenciário, não há como vislumbrar a existência de crime
permanente, que apresenta uma característica particular: a consumação no crime permanente
prolonga-se no tempo desde o instante em que se reúnem os seus elementos até que cesse o
comportamento do agente.(...) Com maior precisão, impõe-se conceituar: permanente é o crime
cuja consumação sem solução de continuidade se prolonga no tempo. No estelionato
previdenciário (fraude na obtenção de benefício dessa natureza) a lesão ao bem jurídico
(patrimônio do INSS) não se prolonga continuamente (sem interrupção) no tempo. Trata-se de
lesão instantânea (logo, delito instantâneo)”.
Também o Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de tratar-se o
estelionato previdenciário de crime instantâneo:
Concluído o julgamento de habeas corpus em que se discutia, para fins de verificação do prazo
prescricional, a natureza do crime de estelionato imputado ao paciente – candidato a prefeito que,
em troca da promessa de voto, providenciou certidão de nascimento da eleitora com a data de
nascimento adulterada, para que esta obtivesse perante o INSS a aposentadoria por idade. Tratase, na espécie, de habeas corpus contra acórdão do STJ que entendera configurado o caráter
permanente da mencionada infração, por se tratar de fraude em percepção de benefício
previdenciário, que dura no tempo, devendo ser considerada como termo inicial da prescrição a
data em que cessou o recebimento indevido da aposentadoria (CP, art. 111, III). A Turma
acompanhou o voto do Ministro Marco Aurélio, relator, considerando que a mencionada conduta
caracteriza-se como crime instantâneo de resultados permanentes, e deferiu habeas corpus para
declarar extinta a punibilidade do paciente pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva a
partir do dia em que confeccionada a certidão de nascimento falsa (CP, art.111, I).
Já o Superior Tribunal de Justiça, no entanto, vem decidindo que o referido crime
tem caráter permanente:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A
PREVIDÊNCIA SOCIAL. CRIME PERMANENTE. O DIES A QUO PARA A CONTAGEM DO
LAPSO PRESCRICIONAL. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. INEXISTÊNCIA DA PRESCRIÇÃO
RETROATIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ESTATAL PELA PRESCRIÇÃO SUPERVENIENTE
DECLARADA DE OFÍCIO. RECURSO PREJUDICADO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, em várias oportunidades, tem-se pronunciado acerca da
controvérsia sobre o momento da consumação do crime de estelionato contra a Previdência Social,
com a prática de fraude para obtenção de benefício previdenciário de forma sucessiva e periódica,
reconhecendo a natureza permanente da ação delituosa.
2. Destarte, o dies a quo do prazo prescricional retroativo se dá com a cessação do recebimento do
benefício previdenciário (art. 111, inciso III, do CP). Inexistência da prescrição retroativa.
PENAL. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. (ART. 171 § 3º, DO
CP). CRIME PERMANENTE. CONTAGEM DO LAPSO PRESCRICIONAL A PARTIR DA
CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. PRESCRIÇÃO RETROATIVA NÃO CONFIGURADA.
A prática da fraude para obtenção de benefício previdenciário de forma sucessiva, com
recebimento de prestações periódicas, indica a natureza permanente de ação delituosa, devendo o
termo inicial do prazo prescricional retroativo contar-se da cessação da permanência, ou seja, da
data da interrupção do recebimento das prestações (art. 111, III, do CP). Recurso conhecido, mas
desprovido.
6 A SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
A sonegação fiscal, assim como a apropriação indébita, é uma das formas de
manifestação da evasão tributária, que difere da elisão tributária, vez que nessa o
contribuinte busca lacunas da lei no intuito de evitar ou de pagar menos tributos,
enquanto que naquela, visando eliminar, reduzir ou retardar o pagamento da obrigação
tributária existente, comete ilícito criminal.
Na evasão ou fraude, há a fuga da obrigação tributária mediante atos ilegais
praticados, via de regra, no instante ou após a ocorrência do fato gerador, enquanto que
na elisão ou economia fiscal há ação legal do contribuinte para reduzir ou evitar o
pagamento do tributo, a qual se dá antes da ocorrência do fato que originaria a obrigação
tributária.
Nas palavras de Erevardo MACIEL, “no Brasil, a maior injustiça fiscal é a
sonegação, porque estabelece concorrência desleal, propicia enriquecimento indevido,
favorece o crime organizado e, ao fim e ao cabo, reduz a capacidade de o Estado reduzir
as desigualdades sociais”.
A Lei nº 4.502/64, em seu artigo 72, conceitua a fraude:
(...) é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a
ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou excluir ou modificar suas
características, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir seu
pagamento.
Se praticados com o intuito de evasão fiscal, os atos fraudulentos são
genericamente intitulados de sonegação fiscal, cuja definição encontra-se no artigo 71 da
Lei nº 4.502/64:
(...) toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o
conhecimento por parte da autoridade fazendária:
I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza e circunstâncias
materiais;
II - das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou
o credito tributário correspondente.
Ao deixar de recolher as contribuições devidas à Previdência Social, o agente
poderá apenas estar inadimplente, caso em que incide em ilícito civil. Se, porém, além de
não recolher a contribuição, utilizar-se de algum artifício para aparentar não ser ela
devida, fugindo da atuação da fiscalização, comete sonegação. Pode, ainda, incidir no
crime de apropriação indébita previdenciária, se não recolher aos cofres do INSS os
valores que arrecadou dos segurados ou do público.
O sonegador não deve, pois, ser confundido com o inadimplente. O primeiro,
imbuído de má-fé e dolo, esquiva-se de suas obrigações, mediante fraude, omissão,
ocultação de informações, ao passo que o segundo reconhece seu débito, porém, sem
qualquer intenção dolosa, não tem condições de com ele arcar, por falta de suporte
financeiro.
De acordo com Rodrigo Fernando de Freitas LOPES:
O crime de sonegação fiscal é o que mais diretamente está ligado com a Crise do Estado, pois os
tributos são, sem dúvida alguma, a principal fonte da receita pública direta do Estado e o maior
encargo dos particulares. A obrigação tributária é do tipo impositiva e independe da vontade das
partes. Em momentos de crise, como o atual, há uma grande tendência ao não cumprimento das
obrigações tributárias de forma espontânea, sendo extremamente necessário, por parte do Estado,
desenvolver esforços punitivos para a realização da cobrança de débitos tributários dos
contribuintes.Tal fenômeno ocorre porque o desvio de receita dos tributos coloca em xeque a
própria existência do Estado, como arcabouço social destinado a defender o interesse público e
implementar o bem estar de toda a coletividade. A utilização do arcabouço penal para punir os
ilícitos tributários independe das práticas sancionatórias no campo administrativo (multas fiscais) ou
civis (prisão por dívida e cobrança de multa moratória ou compensatória). O mesmo fato praticado
pelo agente contra a administração tributária pode ensejar sanções administrativa, cível e penal
que, no caso, são autônomas e cumulativas.
A sonegação fiscal no âmbito previdenciário era anteriormente descrita nas
alíneas a, b e c do artigo 95 da Lei nº 8.212/91, que não lhe cominava pena, razão pela
qual entendia-se que continuava submetida à Lei nº 8137/90, de 27/12/90, que trata de
crimes contra as ordens tributária e econômica e contra as relações de consumo.
Com a edição da Lei nº 9.983/00, a conduta foi levada para o Código Penal, ao
qual se acrescentou o artigo 337-A, no Capítulo II do Título XI, que versa sobre crimes
praticados pelo particular contra a Administração em geral e que cita:
Art. 337-A Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as
seguintes condutas:
I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela
legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador
autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;
II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias
descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;
III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e
demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições,
importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em
lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
§ 2º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for
primário e de bons antecedentes, desde que:
I - (VETADO)
II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido
pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas
execuções fiscais.
§ 3º Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$
1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou
aplicar apenas a de multa.
§ 4º O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos
índices do reajuste dos benefícios da previdência social.
O inciso I do § 2º, vetado, previa:
I - tenha promovido, após o início da ação fiscal, e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da
contribuição social previdenciária, mesmo que parcelada, inclusive acessórios: ou
O veto presidencial decorreu da inserção, no inciso, do termo “mesmo que
parcelada”, por temer-se que o parcelamento beneficiasse o agente, ainda que não
honrado até a extinção do débito, vez que o texto não deixava claro se deveria ele estar
ou não cumprido antes do recebimento da denúncia. Não podendo vetar apenas aquelas
palavras, o Presidente da República vetou integralmente o inciso.
Saliente-se que o inciso seria um incentivo ao não pagamento das contribuições
e, portanto, contrário ao interesse público.
Na lição de Rui STOCO, “a inclusão da expressão ‘e demais fatos geradores de
contribuições previdenciárias’ converte o inciso III em norma penal em branco. Com essa
amplitude e abertura, a lei não penal – com função integradora e de preencher o claro da
norma penal em estudo – poderá criar novas hipóteses de fatos geradores”.
A Lei nº 9.528/97 instituiu a GFIP – Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social, documento por meio do qual
as empresas e / ou os empregadores devem, obrigatoriamente, desde o início do ano de
1999, prestar mensalmente informações à previdência social, referentes a todos os fatos
geradores de contribuições previdenciárias. Seu caráter é declaratório e tem natureza de
confissão de dívida.
Preceitua o artigo 225, § 1º do Decreto nº 3.048/99:
As informações prestadas na Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e
Informações à Previdência Social servirão como base de cálculo das contribuições arrecadadas
pelo Instituto Nacional do Seguro Social, comporão a base de dados para fins de cálculo e
concessão dos benefícios previdenciários, bem como constituir-se-ão em termo de confissão de
dívida, na hipótese do não recolhimento.
Constatada a omissão de sua entrega ou a falsificação das informações nela
inseridas, pode caracterizar-se, na análise do caso concreto, a ocorrência, em tese, dos
crimes previstos nos artigos 297, § 3º, incisos I e II e § 4º (falsificação de documento
público), 299 (falsidade ideológica) ou 337-A, incisos I e III (sonegação de contribuições
previdenciárias) do Código Penal.
Como bem realça Luiz Régis PRADO, quanto à sonegação de contribuições
previdenciárias, “os tipos penais descritos exigem sempre a superveniência de um
resultado, que é a supressão ou a redução da contribuição social previdenciária. A
falsidade ideológica de que se serve o agente para a prática delitiva é mero crime-meio
para que a evasão se concretize; logo, tal figura, por si só, é insuficiente para que o tipo
se realize na sua plenitude”.
Ainda que não efetue o pagamento da contribuição devida, se essa foi
corretamente declarada em GFIP entregue à rede bancária até a data fixada legalmente,
que hoje é de até o dia sete do mês subseqüente, esvazia-se a previsão dos incisos I e III
do artigo 337-A, vez que haverá aí tão somente o inadimplemento e não a sonegação da
contribuição social previdenciária. Ressalve-se, porém, a possibilidade de enquadramento
no crime de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do Código Penal), mesmo
que declarada a contribuição não recolhida, se foi ela descontada ou arrecadada de
terceiros.
Exemplo típico do delito de sonegação de contribuições previdenciárias é o do
empregador que, no intuito de diminuir os valores a serem recolhidos à Previdência
Social, não registra parte de seus empregados, não os inclui na folha de pagamento, não
os declara em GFIP, nem lança em sua contabilidade os valores a eles pagos.
O bem jurídico protegido é o interesse patrimonial da Previdência Social,
prejudicada com a evasão de divisas por via da supressão ou redução de contribuições
das quais depende para subsistir.
O sujeito ativo é aquele que detém o poder de ordenar ou de realizar o
pagamento e de informar ou determinar que se informe à previdência todos os fatos
geradores de contribuição. É, via de regra, o contribuinte a quem a lei elegeu como
responsável tributário. O sujeito passivo é o Estado, aqui representado pela Previdência
Social.
Assevera, com propriedade, Luiz Régis PRADO:
Sujeitos ativos do delito em análise tanto podem ser o empresário individual como aqueles que
ocupam cargos administrativos ou técnico-contábil-financeiro nas sociedades empresarias, como
os sócios gerentes, os membros do Conselho de Administração, os diretores, os contadores, os
gerentes de contabilidade, os gerentes administrativos e financeiros, os chefes de setor, de divisão
ou de departamento de emissão de documentos fiscais de interesse do INS, etc. Poderá haver
concurso de agentes dentro da empresa ou fora dela. Citem-se os exemplos de empresas
coligadas ou controladas pela mesma holding, bem como a hipótese da delegação da contabilidade
a empresa especializada. O empregador figura como sujeito passivo da obrigação previdenciária,
como contribuinte e responsável pelo recolhimento da respectiva contribuição. Não se pode
esquecer, contudo, que o sujeito passivo da obrigação previdenciária nem sempre será o sujeito
ativo do crime aqui enfocado, como na hipótese da pessoa jurídica, que sofrerá tão somente as
sanções fiscais administrativas, enquanto a ação penal será interposta contra seu administrador
e/ou funcionário que tenha praticado o delito. Aliás, não basta a comprovação de que o agente seja
diretor da empresa para que se lhe impute a prática delitiva, sendo necessário que se demonstre
que este contribuiu dolosamente com sua conduta à perpetração do crime.
A jurisprudência tem entendido que o sócio que não detém poderes de
administração ou gerência da empresa deve ser absolvido do crime de sonegação fiscal.
Referindo-se ao assunto, assim se pronuncia Rui STOCO:
Se o crime for praticado visando reduzir ou suprimir contribuição social previdenciária em favor de
firma individual, sociedade comercial, instituição financeira ou empresa de qualquer natureza, serão
pessoalmente responsáveis o titular da firma individual, os diretores, administradores, gerentes ou
funcionários responsáveis. Cabe observar, contudo, que essas pessoas devem ter participado do
ato da sonegação, ou seja, se diretor, só será responsável penalmente se exercer poderes de
gerência, por força do contrato social; se funcionário, ter contribuído para a prática delituosa.
Mesmo a pessoa que não faça parte da empresa, como sócio gerente, gerente contratado ou
empregado, poderá ser sujeito ativo do delito, em co-autoria, como, ad exemplum, o contador
responsável, nos termos do art.29.
A conduta, no caso, é mista. Trata-se de crime onde a ação de suprimir ou de
reduzir a contribuição previdenciária é realizada através de omissão de declarações, de
onde surge o resultado jurídico almejado. O agente não leva ao conhecimento do Instituto
Nacional do Seguro Social todos os fatos que gerariam contribuições previdenciárias a
serem recolhidas, nem as recolhe.
Elucida Andreas EISELE que “o crime é material, pois apenas se consuma com a
ocorrência do resultado naturalístico consistente na evasão, e as condutas nucleares do
tipo são a supressão e a redução (ou melhor, os atos ou omissões que as
implementam)”.
Consoante Henrique Geaquinto HERKENHOFF “a conduta se consuma na data
em que as contribuições previdenciárias são lançadas a menor em virtude da omissão
ilícita; se o tributo é integralmente suprimido, a consumação ocorre quando se exaure o
prazo legal para o correto lançamento. É inadmissível a tentativa: ou é integralmente
lançada a contribuição, no prazo legal, ou está consumada a infração”.
Ainda segundo aquele autor, “a continuidade delitiva não apenas é admissível,
como se trata do caso mais comum; quase sempre o agente oculta sistematicamente,
parcial ou totalmente, o fato gerador ou o verdadeiro montante da base de cálculo das
contribuições sociais que deveria pagar. Lançado o tributo pela autoridade arrecadadora,
interrompe-se o nexo de continuidade, e a reiteração da conduta implicará novo crime”.
O elemento subjetivo é o dolo, a particular vontade do agente em suprimir ou
reduzir a contribuição social e qualquer acessório (multas, juros, etc.). Inexistindo essa
finalidade, descaracteriza-se a sonegação, o que não quer dizer que não possa se
configurar a prática de outro crime autônomo, como o de falsidade, estelionato, etc.
Sobre o tema, Henrique Geaquinto HERKENHOFF explica.
É atípica, ao menos por esta parte, a conduta de quem pratica a omissão capaz de reduzir ou
suprimir o tributo, mas efetiva o correto lançamento; é duvidosa a existência de dolo quando o
tributo sonegado é corretamente recolhido; tais situações, por esdrúxulas que possam parecer,
ocorrem com relativa freqüência, seja por erro ou ignorância do agente, seja porque ele visava
fraudes diversas, tais como: saque indevido do FGTS, e do Seguro –Desemprego, ocultação do
acúmulo indevido de empregos, etc.”.
6.1 A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
Preceitua Victor Eduardo Rios GONÇALVES que, “com a prática da infração
penal, surge para o Estado o direito de punir o agente, ou seja, a punibilidade, que nada
mais é do que a possibilidade jurídica de o Estado impor a sanção ao autor do delito”.
A punição reflete a condenação da sociedade. A extinção da punibilidade por
meio de uma causa legalmente prevista não faz desaparecer o injusto penal praticado, e
sim, apenas, a pretensão punitiva.
De acordo com o § 1º da Lei nº 9.983/00, extinguir-se-á a punibilidade no crime de
sonegação fiscal se, antes de iniciada a ação fiscal, o agente declarar ou confessar
espontaneamente os valores devidos, na forma da lei. Ressalte-se que a confissão da
dívida propicia a sua cobrança e execução no âmbito civil.
Não se exige, pois, a quitação do tributo, e sim apenas a denúncia espontânea
dos valores devidos. Não têm relevância, no caso, o valor da contribuição devida, nem as
circunstâncias pessoais do agente, tais como a não reincidência e os bons antecedentes.
Tem-se, aí, tratamento diferenciado do dado pelo legislador à apropriação indébita
previdenciária, no art.168-A, onde, para que ocorra a extinção da pretensão punitiva do
Estado, não basta a confissão, é preciso o recolhimento aos cofres públicos da
contribuição social da qual o agente se apropriou.
A instauração da ação fiscal se dá com a notificação ao contribuinte do início da
averiguação, através do Mandato de Procedimento Fiscal-Fiscalização (MPF-F), criado
pelo Decreto nº 3.969, de 15 de outubro de 2001, e que lhe é apresentado pelo Auditor
Fiscal da Previdência Social, no exercício de suas atribuições, acompanhado do Termo
de Início da Ação Fiscal – TIAF.
Manifesta-se Rui STOCO da seguinte maneira, ao comentar o § 1º:
Impõem-se duas observações importantes: a primeira para evidenciar que o legislador, no
que se refere ao benefício da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, vinha evoluindo no
sentido de abandonar o início, na esfera administrativa, da ação fiscal própria como momento da
ocorrência da causa extintiva, para permitir que esse momento avançasse até o julgamento da
autoridade de primeira instância administrativa. Em seguida, avançou ainda mais, para permitir o
pagamento até o recebimento da denúncia e não apenas até o oferecimento da denúncia, que
impede o magistrado de conceder a oportunidade de o indicado honrar o débito e livrar-se da ação
penal. Na Lei 9.983/2000 e, especificamente no artigo 337-A, houve um retrocesso evidente, pois só
permitiu a extinção da punibilidade do agente se o agente declara e confessa a sonegação antes do
inicio da ação fiscal, voltando a um passado longínquo e muito menos garantista.
6.2 O PERDÃO JUDICIAL OU A APLICAÇÃO EXCLUSIVA DE MULTA
Francisco de Assis TOLEDO esclarece que, “segundo o princípio da insignificância,
que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza
fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, Não deve
ocupar-se de bagatelas”.
A Lei nº 9.983/00, em seu § 2º, II, materializou, em parte, esse princípio, ao
facultar ao juiz que deixe de aplicar a pena, ou aplique tão somente a de multa, caso o
agente seja primário, tenha bons antecedentes e desde que o valor das contribuições,
acrescido de acessórios, seja inferior ao estabelecido administrativamente pela
previdência como o mínimo previsto para ajuizamento de suas ações fiscais, que está
fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pela Portaria MPAS 4910, de 04 de janeiro de
1999.
Assinala Antonio Lopes MONTEIRO que “a primariedade opõe-se à reincidência,
tal como prevista nos artigos. 63 e 64 do Código Penal. Os antecedentes referem-se à
vida criminal pregressa do agente, sobretudo condenações anteriores que não geram
reincidência”.
A diferença para o princípio da insignificância é que nesse, que já vem sendo
adotado pela jurisprudência para delitos fiscais onde o valor do tributo não ultrapasse R$
1.000,00 (hum mil reais), há o reconhecimento da atipicidade do fato, enquanto que, no
caso em estudo, apenas é facultado ao julgador conceder o perdão judicial ou aplicar a
pena de multa.
É direito subjetivo do condenado, se preenchidos cumulativamente os requisitos
subjetivos e objetivos legalmente fixados, que o juiz, a seu critério, após a análise do caso
concreto, escolha qual benefício aplicará.
Com relação à sentença que concede o perdão judicial, destaca Antonio Lopes
MONTEIRO que:
A natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial é ainda hoje questão controvertida
na doutrina e na jurisprudência. Para alguns, é condenatória, o que vale dizer que o juiz primeiro
condena e logo após deixa de aplicar a pena. Essa solução implica conseqüências de ordem penal
como maus antecedentes, lançamento do nome do condenado no rol dos culpados, reparação de
danos na esfera civil, etc. O fundamento é o artigo 120 do Código Penal, pois não teria sentido esse
dispositivo, que expressamente excluiu como efeito da sentença concessiva do perdão tão
somente a reincidência, permanecendo a contrario sensu os demais delitos secundários, Mas
outros autores, como Celso Delmanto, Heleno C.Fragoso e Alberto Silva Franco entendem que a
partir do momento em que o perdão é uma causa extintiva da punibilidade, a sentença que o
concede é declaratória, não subsistindo qualquer efeito, inclusive de natureza secundária. Hoje
ganha força este entendimento na esteira da Súmula 18 do STJ: “a sentença concessiva do perdão
judicial é declaratória de extinção de punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.
Damásio E. de JESUS é um dos autores que discordam da natureza declaratória
da sentença que concede o perdão judicial. Expressa-se no sentido de sempre a haver
considerado condenatória, pois o perdão judicial só pode ser aplicado em sentença de
mérito e essa, por coerência e de acordo com a literalidade da lei, não deve ser
declaratória da extinção da punibilidade e sim condenatória. Reconhece, porém, que a
jurisprudência amplamente dominante concorda com a tese da Súmula 18 do STJ,
segundo a qual a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória de extinção de
punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório. Atesta aquele autor que,
adotado o princípio sumular, não haverá diferença quanto aos efeitos entre a aplicação
do § 1º (extinção da punibilidade) e do § 2º, 1ª parte (perdão judicial), pois ambos levam à
extinção da pretensão punitiva.
6.3 CAUSA DE ATENUAÇÃO OU DE CONVERSÃO DA PENA
No § 3º encontra-se permissão para que o juiz reduza a pena de um terço até a
metade, ou aplique apenas a pena de multa, se o empregador for pessoa física cuja folha
de pagamento não ultrapasse o valor de R$ 1.510,00 (hum mil, quinhentos e dez reais)
na data da publicação da Lei nº 9.983/00, atualizável nas mesmas datas e índices de
reajuste dos benefícios da previdência social.
Da mesma forma que no artigo anterior, desde que preenchidos os requisitos que,
no caso, são de ordem objetiva, há o direito subjetivo do agente na aplicação do
benefício, cabendo a escolha ao juiz.
Entende Celso DELMANTO que “ao conferir tratamento diferenciado ao
empregador pessoa física e ao empregador pessoa jurídica, cuja responsabilidade penal
recai exclusivamente sobre seus dirigentes, salvo nos crimes ambientais, este § 3º viola a
garantia constitucional da isonomia, prevista no art. 5º, caput, da Magna Carta, devendo
ser aplicado em ambos os casos, ou seja, tanto ao particular quanto aos dirigentes da
pessoa jurídica”.
7 A APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA
No âmbito previdenciário, a apropriação indébita, anteriormente tipificada na letra
“d” do artigo 95 da Lei nº 8.212/91, foi inserida pela Lei nº 9.983/00 no Código Penal, no
capítulo V, Título II, que trata dos crimes contra o patrimônio, artigo 168-A, com a
seguinte redação:
Art. 168-A Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no
prazo e forma legal ou convencional:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que
tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis
ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido
reembolsados à empresa pela previdência social.
§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o
pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à
previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for
primário e de bons antecedentes, desde que:
I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da
contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou
II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido
pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas
execuções fiscais.
Com relação ao desconto de contribuição, a Lei nº 8.212/91, que versa sobre o
plano de custeio da Seguridade Social, cita, em seu artigo 33, § 5º:
§ 5º O desconto de contribuição e de consignação legalmente autorizadas sempre se presume feito
oportuna e regularmente pela empresa a isso obrigada, não lhe sendo lícito alegar omissão para se
eximir do recolhimento, ficando diretamente responsável pela importância que deixou de receber ou
arrecadou em desacordo com o disposto nesta Lei.
O disposto no parágrafo acima serve de base para a cobrança administrativa da
importância reputada devida pelo INSS. Para efeitos penais, porém, não basta a
presunção, que é relativa. Há que se demonstrar que o valor não recolhido foi
efetivamente descontado.
O que caracteriza o crime de apropriação indébita propriamente dito é o abuso de
confiança, o fato de o agente, a quem foi confiada a posse ou a detenção de alguma
coisa móvel, que não lhe pertence, passar a se comportar, num determinado momento,
como se dono da coisa fosse. É, pois, atuar como proprietário de algo que não é seu. De
início, passa a deter a coisa licitamente, de forma precária. Posteriormente, surge o
ânimo de dela apropriar-se, de não restituí-la ou de dela dispor.
A apropriação indébita previdenciária não se confunde com a genérica, tipificada
pelo artigo 168 do Código Penal. Não se faz necessário, na primeira, demonstrar a
inversão da posse, que não é elemento do tipo, como ocorre na segunda.
Nesse sentido, julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região cita:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 95, DA LEI Nº 8.212/91. REVOGAÇÃO. LEI Nº 9.983/00.
ART. 168-A, DO CÓDIGO PENAL. ABOLITIO CRIMINIS.INOCORRÊNCIA. APROPRIAÇÃO
INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CRIME OMISSIVO.
1. A Lei nº 9.983/00 não acarretou, em relação ao tipo penal do art.95, 'd', da Lei nº 8.212/91,
abolitio criminis, uma vez que o fato delituoso - deixar de recolher contribuição previdenciária
arrecadada dos segurados - permaneceu sendo considerado como crime.
2. Embora o legislador tenha dado ao tipo penal do art. 168-A o nomen juris de "apropriação
indébita previdenciária", contudo,diferentemente da apropriação indébita prevista no caput do art.
168,do Código Penal, naquela não se exige, para a realização da conduta típica, a vontade livre e
consciente de apropriar-se do bem, e não o restituir.
3. Para a configuração do delito previsto no art. 168-A, do Código Penal, basta a intenção de não
repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal,
conduta essencialmente omissiva. Precedentes da Quarta Turma deste Tribunal Regional Federal.
Também Damásio E. de JESUS entende que, no caso do artigo 168-A, “o nomen
juris ‘apropriação indébita’ previdenciária, porém, é inadequado, uma vez que os novos
tipos penais nada têm que ver com as figuras do art.168 do CP, que exigem a precedente
posse ou detenção do objeto material e ato posterior de dominus, i.e., não requerem que
o autor se locuplete com os valores das contribuições, bastando, desde que recolhidas,
que não sejam repassadas aos cofres públicos".
A propósito do tema, assim se pronuncia Alberto Silva FRANCO:
O tipo do art. 168 do Código Penal exige, para sua configuração típica, que o agente tenha a posse
ou a detenção, lícita evidentemente, de alguma coisa móvel (mesmo coisa fungível, como o
dinheiro) e que, em seguida, torne tal coisa sua, através de um ato apropriatório. Ora, na hipótese
da denominada apropriação indébita previdenciária, o empresário não recebe do trabalhador a
contribuição social destinada à previdência, posto que o empresário, quando paga o salário, já
desconta aquela contribuição, dela não tendo o trabalhador disponibilidade. Isso significa que o
importe dessa contribuição social permanece sempre em poder do empresário e, portanto, quando
efetua a transferência para a previdência, o valor da contribuição sai do próprio ativo da empresa.
Luiz Flávio GOMES esclarece que só se pode apropriar-se de algo que se possui,
ainda que contabilmente, e que a falta de transferência real de patrimônio não significa
ausência de lesão ao bem jurídico. Explica que uma operação contábil, uma vez
realizada, é algo que pertence à realidade e não uma ficção. Quem contabiliza um
desconto da previdência e depois não o repassa, sabendo disso e fazendo fazê-lo,
apropria-se do que deveria ter recolhido.
Como bem atesta Antonio Lopes MONTEIRO, “veja-se que o texto fala em
‘contribuições recolhidas dos contribuintes’. Por outro lado, vivemos numa época de
moeda escritural, ou mesmo digital, que trafega por meio de impulsos eletrônicos nos
sistemas informatizados dos bancos. Assim, não é possível exigir como integrante do tipo
um desconto no sentido físico, uma conduta de descontar”.
O desconto ou a retenção da contribuição previdenciária é realizado pelo
responsável tributário. O sujeito passivo da obrigação tributária divide-se em contribuinte
de fato, que é aquele que tem relação pessoal e direta com o fato passível de tributação
e em contribuinte de direito ou responsável, terceiro obrigado legalmente ao recolhimento
do tributo a cujo fato gerador esteja vinculado de forma indireta.
Sobre o assunto, ensinam Carlos Alberto Pereira de CASTRO e João Batista
LAZZARI:
O sujeito passivo da obrigação principal pode assumir a condição de contribuinte ou responsável.
Diz-se ser contribuinte quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o
respectivo fato gerador; chama-se responsável quando, sem revestir a condição de contribuinte,
sua obrigação decorra de disposição expressa de lei (art 122, parágrafo único do CTN). Assim, por
exemplo, os segurados empregados, empregados domésticos e trabalhadores avulsos são
contribuintes da Seguridade Social; entretanto, não são os responsáveis pela obrigação principal –
recolhimento da contribuição por eles devida- já que a legislação de custeio cometeu tal encargo
aos tomadores dos seus serviços (art.30, I, da Lei n. 8.212/91). Eventuais inadimplementos das
contribuições de segurados dessas espécies não serão debitados a estes, mas sim à empresa, ao
empregador doméstico, ou à empresa que explorou a mão de obra avulsa, respectivamente (art.33,
§ 5º, da Lei n.8.212/91).
Prosseguindo, colocam aqueles autores que:
A retenção do tributo – ou da contribuição social – é a ação praticada pelo responsável tributário,
determinado por lei, de deduzir, da base de cálculo do contribuinte, o valor do tributo devido. Não se
confunde com o recolhimento, que é ato de efetuar a entrega do valor do tributo ao órgão da
arrecadação. Assim, o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser o contribuinte, quando ele
próprio seja o responsável pelo recolhimento, ou um terceiro, denominado responsável, ao qual a
lei comete a obrigação de fazer o recolhimento pelo contribuinte (CTN, art. 121, I e II).
Segundo a Lei nº 8.212/91, são os seguintes os responsáveis tributários pela
arrecadação e retenção de contribuições ou importâncias devidas à previdência social:
- as empresas: a firma individual ou a sociedade que assume o risco de atividade
econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e as
entidades da administração pública direta, indireta e fundacional;
- os equiparados a empresas: a cooperativa, a associação ou entidade de
qualquer natureza ou finalidade, a pessoa física proprietária ou dona de obra de
construção civil em relação ao segurado que lhe presta serviços, a missão diplomática e a
repartição consular de carreira estrangeira, o operador portuário ou o órgão gestor de
mão de obra. Tanto eles, quanto as empresas, são obrigados a arrecadar e a recolher ao
INSS as contribuições devidas pelos seus empregados e pelos contribuintes individuais
que lhes prestem serviços;
- os empregadores domésticos e / ou os contribuintes individuais, em relação ao
desconto dos valores devidos pelos segurados a seu serviço;
- as pessoas jurídicas adquirentes de produtos rurais de produtores pessoas
físicas, que são responsáveis pela retenção das contribuições devidas sobre a
comercialização desses produtos;
- as empresas tomadoras de serviços, inclusive de trabalho temporário, que
estejam legalmente sujeitos à retenção de contribuição, a qual incidirá sobre o valor
correspondente na nota fiscal / fatura;
- as federações de futebol profissional, que devem reter a contribuição devida
sobre a receita bruta da realização de eventos desportivos;
- as empresas responsáveis pela retenção da contribuição incidente sobre
patrocínio, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e
transmissão de espetáculos desportivos, calculada sobre o valor da correspondente nota
fiscal;
- os órgãos gestores de mão de obra, em relação à contribuição dos
trabalhadores avulsos que lhes prestem serviços;
- os sindicatos de trabalhadores avulsos, com referência à contribuição desses
trabalhadores;
- a pessoa jurídica responsável pelos concursos de prognósticos (loterias,
apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas, concursos de sorteios de números),
quanto às contribuições feitas pelos contribuintes apostadores, embutidas no valor das
apostas.
A tipificação da conduta visa tutelar a integridade financeira da Seguridade Social.
Consoante Alberto Silva FRANCO, “em verdade, o bem jurídico protegido não se
circunscreve apenas aos interesses patrimoniais da previdência, enquanto fonte
arrecadadora da seguridade social; cinge-se, sim, à própria seguridade social enquanto
instituição central da política social do Estado Democrático e Social de Direito,
merecedora de dignidade penal e, em determinadas situações, necessitada de tutela
dessa ordem”.
A hipótese prevista no caput do artigo 168-A penaliza aquele que deixar de
repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, na forma e
prazo legais. Refere-se, em especial, ao estabelecimento bancário conveniado ou outro
autorizado, como, por exemplo, a casa lotérica, que, recebendo do contribuinte o
pagamento relativo ao valor da contribuição social por ele devida, não procede ao
repasse da importância aos cofres da previdência social, consoante o que ficou
estabelecido no convênio.
Na lição de Luiz Régis PRADO:
A arrecadação da receita destinada ao custeio da Previdência Social ordinariamente é feita pela
rede bancária, embora possa concretizar-se de outra forma, mediante prévia decisão do Conselho
Nacional de Seguridade Social (art.60 da Lei 8.212/91). Em face da expressão normativa
empregada pelo legislador, a conduta incriminada restringe-se àquela praticada por agentes ligados
à rede bancária ou a quaisquer outros estabelecimentos autorizados a receberem as contribuições
examinadas que deixem de repassar os valores destinados à Previdência Social, no prazo
estabelecido em lei ou por convênio celebrado entre o INSS e tais estabelecimentos.
No inciso I do § 1º do artigo 168-A penaliza-se a conduta daquele que deixar de
recolher, no prazo legal, contribuições ou outras importâncias destinadas à seguridade
social e descontadas de pagamentos efetuados a segurados, a terceiros, ou arrecadadas
do público.
Nas palavras de Júlio Fabbrini MIRABETE: “são segurados obrigatórios o
empregado, o empregado doméstico, o empresário, o trabalhador autônomo, o
trabalhador avulso e o segurado especial. Mas a lei se refere também a terceiros,
individualmente, e ao público. Assim, é indiferente de onde provenha a contribuição ou
qualquer importância destinada à Previdência Social. Basta que tenha sido ela
descontada de pagamento, ou seja, de qualquer remuneração”.
Por “outra importância” entende-se qualquer valor devido à seguridade social que
não possua natureza jurídica de contribuição social. É o caso, por exemplo, em que a
empresa, por requisição do INSS, desconta da remuneração de seu empregado valor
relativo a benefício concedido indevidamente e, após, não repassa o valor aos cofres da
previdência social.
A conduta tipificada pelo inciso II do § 1º do artigo 168-A refere-se ao não
recolhimento, no prazo legal, das contribuições sociais a cargo da empresa que tenham
sido repassadas ao custo dos produtos vendidos ou dos serviços por ela prestados.
Registram Carlos Alberto Pereira de CASTRO e João Batista de LAZZARI que, “neste
caso, o contribuinte de fato é o consumidor final. Justifica-se o tipo penal, pois não se
pode admitir que a pessoa que não suportou o encargo da relação econômica se omita
de recolher a contribuição para a Previdência Social”.
Para Luiz Flávio GOMES, “se o contribuinte não mantém contabilidade regular ou
registros de suas operações, não poderá cometer o delito em questão. Pode configurar o
delito de sonegação de contribuição previdenciária, previsto no art. 337-A do CP”.
No inciso III do § 1º tem-se o não repasse ao segurado beneficiário de um valor a
ele devido e já reembolsado pela previdência social. É o caso da empresa que não paga
ao empregado o valor do salário família, mesmo após haver-se ressarcido do respectivo
valor junto ao INSS, mediante o abatimento na Guia de Recolhimento de contribuições
devidas. Enquadra-se também nesse tipo delitivo a empresa que mantém convênio com o
INSS para pagamento de benefícios a seus empregados e que não repassa o valor a
quem de direito, apesar de compensar a importância com a quantia que deveria recolher
a título de contribuição social, deduzindo-a da correspondente Guia de Recolhimento.
O sujeito ativo do delito de apropriação indébita previdenciária é aquele a quem
incumbe, por dever legal ou por convênio, repassar à Previdência Social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, as arrecadadas de seus empregados ou do público em
geral, bem como as que tenham integrado os custos de seus produtos ou serviços e,
ainda, aquele que se reembolsou junto à previdência e não repassou ao segurado
benefício a ele devido. Incluem-se dentre os possíveis sujeitos ativos o agente que
trabalha na agência bancária conveniada que deixou de repassar ao INSS, no prazo de
convencionado, as contribuições que por meio dela foram recolhidas. Aqueles que
concorreram para o delito, tais como os mandatários, prepostos, contadores, também
respondem pelo crime.
Como sujeito passivo tem-se o Estado e, em especial, a Previdência Social,
lesada em seu patrimônio que, em última análise, pertence a todos os cidadãos
integrantes do sistema previdenciário. É, como enfatiza Alberto Silva FRANCO, “o Estado
ou, de modo mais preciso, a Seguridade Social, sob a angulação da previdência social,
não apenas à medida que sofre diminuição patrimonial, mas também à medida que a
ordem social não logra atingir, por carência de recursos, os objetivos constitucionais do
bem estar e da justiça sociais".
Para a jurisprudência majoritária, trata-se de conduta omissiva própria. Alguns
doutrinadores, porém, optam pela conduta mista, pois, da mesma forma que na
sonegação de contribuições previdenciárias, o delito envolve um agir e um não agir: o
comportamento ativo preliminar de receber ou de descontar um valor e a omissão
consistente em deixar de repassá-lo ou de recolhê-lo à previdência social ou de pagá-lo
ao segurado. Pode, ainda, envolver o ato comissivo de o agente lançar em suas
despesas contábeis ou custos as contribuições devidas e o omissivo de deixar de
repassá-las aos cofres previdenciários. É, pois, crime plurissubsistente, na medida em
que não se perfaz apenas com um ato.
A consumação, que independe de resultado, dá-se no momento em que se
esgota o prazo legal para o recolhimento ou repasse ao INSS da contribuição ou para o
pagamento ao segurado beneficiário do valor reembolsado por aquela autarquia. Quanto
à tentativa, Carlos Alberto Pereira de CASTRO e João Batista de LAZZARI informam que
“em virtude de sua natureza, não há previsão da ocorrência do delito pela forma tentada.
Assim, o agente recolhe as contribuições e, neste caso, não haverá crime, ou, então,
deixa de recolhê-las e o crime estará consumado”.
Ocorre, via de regra, de forma continuada. É comum o caso onde o agente
desconta mensalmente as contribuições dos segurados a seu serviço e não as repassa
aos cofres públicos por vários meses e até anos. Há incidência, aí, do aumento de pena
previsto no artigo 71 do Código Penal, em vista da continuidade delitiva.
7.1 A RESPONSABILIDADE PELA AUTORIA DO CRIME
Responsabilidade penal é a obrigação que tem alguém de arcar com as
conseqüências jurídicas de um delito. Tais conseqüências traduzem-se na pena, que não
pode ser imputada à pessoa jurídica beneficiada com o ilícito penal e sim às pessoas
físicas direta ou indiretamente responsáveis pela conduta criminosa. Há a possibilidade
de mais de um agente realizar o mesmo crime, em co-autoria ou participação. Nesse
caso, cada um responderá na proporção de sua culpabilidade.
A respeito do tema, assim se manifesta João José LEAL:
Na doutrina, há muita discussão e divergência sobre a conveniência política e, principalmente,
sobre a viabilidade jurídica de se atribuir capacidade penal à pessoa jurídica. Entendem alguns
autores que a vida moderna reservou-lhe um papel tão importante no desempenho das atividades
comercial, industrial, agropecuária e civil, que se faz necessário atribuir-lhe responsabilidade
criminal pela prática de determinadas condutas consideradas nocivas aos interesses coletivos. No
entanto, o Direito Penal estabelece como condição fundamental para a prática de um crime que
seja este produto de uma ação finalista, ou seja, dirigida a um fim. O sujeito deve possuir
capacidade pessoal ou moral de escolha em relação ao cometimento da infração penal, faculdade
esta que se torna difícil identificar na pessoa jurídica. Além disso, a responsabilidade moral ou
pessoal pela prática do crime, segundo a lógica do sistema, determina a imposição de uma sanção
criminal de natureza pessoal. Isso, na prática, impossibilita a aplicação de verdadeiras penas
criminais às pessoas jurídicas. É mais lógico e conveniente que estas continuem recebendo a
sanção do direito civil e, principalmente, do direito tributário, ficando a responsabilidade criminal
para seus sócios diretores.
A Lei nº 8.212/91 relacionava, em seu artigo 95, § 3º, revogado pela Lei nº
9.983/00, as pessoas que poderiam ser responsabilizadas pelos crimes tipificados
naquele artigo:
§ 3º. Consideram-se pessoalmente responsáveis pelos crimes acima caracterizados o titular da
firma individual, os sócios solidários, gerentes, diretores ou administradores que participem ou
tenham participado da gestão da empresa beneficiada, assim como o segurado que tenha obtido
vantagens.
Tal relação não se mostrava completa. Apenas as pessoas ali citadas poderiam,
em princípio, ser punidas pelo crime de apropriação indébita previdenciária, o que
deixava de fora diversas outras, não expressamente relacionadas, tais como os
mandatários, contadores ou prepostos dessas pessoas, os síndicos dos condomínios, os
empregadores domésticos e demais pessoas que concorreram para o delito. Por outro
lado, responsabilizava objetivamente indivíduos pelo simples fato de exercerem
determinada atividade, como a titularidade ou a administração da empresa, sem adentrar
na verdadeira autoria do injusto penal. Isso foi suprido pela Lei nº 9.983/00, que não
discriminou as pessoas que podem cometer crimes contra a previdência social.
Acerca da matéria, expõe Francisco Ferreira MACIEL:
Essa forma de incriminação, mediante presunção da autoria do crime a partir da titularidade da
empresa, não encontra respaldo no texto constitucional vigente, que consagra o princípio da
individualização da pena. Não é justo, nem constitucional que um cidadão possa ser condenado
pelo crime de apropriação indébita previdenciária apenas pelo fato de ser, por exemplo, sócio
solidário de uma empresa, sendo que um dos sócios administra a área financeira e administrativa
(autor do crime) e outro sócio administra a área da produção e comercial, não praticou a conduta
típica. Entretanto, pelo fato de ser sócio solidário será incriminado. Sob esse aspecto, a Lei n.
9983/00 melhorou o texto, deixou de discriminar os diversos tipos de sócios ou administradores das
empresas, passiveis de serem responsabilizados pessoalmente pela prática do crime. Qualquer
pessoa pertencente à administração da empresa, titular, gerente, empregado, mandatário, gerente
ou preposto, se praticar a conduta típica, poderá ser penalizado. Ao invés de qualificá-lo como
crime próprio de titular de empresa, passa a ser crime comum, até porque, o empregador
doméstico, por exemplo, poderá ser responsabilizado criminalmente.
Mais adiante, prossegue aquele autor para salientar que “pode ocorrer o crime
sem a participação ou conduta dos sócios, gerentes ou administradores. Não é incomum
o proprietário da empresa, igualmente, tornar-se vítima do crime. Entregar o valor a ser
recolhido a um contador, por exemplo, para que esse execute o recolhimento; que, por
sua vez, aproveitando-se da boa fé empresário, apropria-se do valor a recolher à
previdência social”.
Na mesma esteira segue o pensamento de Carlos Alberto Pereira de CASTRO e
João Batista de LAZZARI:
A simples comprovação de que o sujeito participava da gestão da empresa não basta para
incriminá-lo; há que se demonstrar que ele tenha concorrido para a ocorrência do resultado. Deve
ser responsabilizado o administrador que, de fato, tinha o poder de mando, isto é, que decida pelo
não-recolhimento das contribuições arrecadadas. Não é suficiente para a condenação figurar o
nome do réu no contrato social ou congênere; deve ficar caracterizado ter sido ele o responsável
pelo atendimento do dever legal”.
Marcus Orione Gonçalves CORREA e Érica Paula B. CORREA adotam
semelhante colocação doutrinária:
No que concerne à redação constante no art. 95, d, da Lei n. 8212, de 1991, haveria que se
analisar, ainda, outra questão importante – que se mantém intacta mesmo com a alteração
promovida pela Lei n. 9.983, de 2000. Geralmente, tratava-se de delito cometido por integrante de
pessoa jurídica. Assim, ao realizar a fiscalização em determinada empresa, o fiscal detectava a não
quitação de valores devidos à Previdência. Portanto, haveria de se ter em mente, de modo
prioritário, que o empregador – pessoa jurídica – que não realizava o desconto tem, geralmente,
estrutura societária, em que as atribuições diversas são divididas entre os sócios (nas sociedades
de responsabilidade limitada) ou delegadas a diretores (de modo geral nas sociedades anônimas).
Assim, haveria que se verificar, diante do contrato social, a estrutura da sociedade e concluir quem,
dentre os sócios e diretores, seria responsável pelo recolhimento das contribuições. Portanto, não
basta ser sócio para ser denunciado. Somente deveria(m) ser denunciado(s) o(s) sócio(s)
responsável (is), na dinâmica da empresa, pelo recolhimento. Geralmente, trata-se do sócio que
cuida do setor administrativo. No entanto, nada obsta, como é comum em certas sociedades
limitadas - de menor complexidade- que, embora conste do contrato social que certo sócio é o
encarregado da parte administrativa, todos os sócios participem da totalidade das deliberações a
respeito da utilização do, muitas vezes, escasso numerário da empresa. Nesse caso, a prova
testemunhal será de inegável importância. No entanto, o contrato social é a prova, geralmente,
mais contundente das funções do sócio na sociedade.
Torne-se a dizer que não cabe ao auditor fiscal da previdência social que levanta
a existência do débito investigar qual foi a vontade do sujeito ativo, nem provar a autoria e
a materialidade do delito. Verificando, no exercício de suas atribuições, a ocorrência, em
tese, do crime de apropriação indébita previdenciária, elaborará Representação Fiscal
para Fins Penais a ser remetida ao Ministério Público Federal, na qual indicará quem
eram os responsáveis pela empresa no período envolvido, bem como prestará demais
informações levantadas a respeito do ocorrido.
Compete ao Ministério Público, se entender conveniente e oportuno, requisitar à
Polícia Federal a instauração de inquérito policial e propor ao Poder Judiciário a ação
penal pública, no curso da qual, como argumento de defesa, o acusado poderá produzir
prova elidindo a presunção de dolo ou da autoria.
No entanto, para que a ação penal bem se desenvolva, entendemos ser
imprescindível que o Ministério Público, apesar da discricionariedade que lhe é
concedida, antes do oferecer a denúncia, solicite à autoridade policial competente que
apure o crime, bem como sua efetiva autoria, sempre que necessário para trazer aos
autos elementos esclarecedores sobre o ilícito, em especial quanto à participação de
cada um dos administradores. A denúncia deve descrever, de maneira clara e suficiente,
a conduta dos acusados, de forma a possibilitar-lhes a ampla defesa. Afastar-se-ia,
assim, se for o caso, a responsabilidade dos administradores da empresa ou de alguns
deles que, apesar de relacionados no contrato social, não participaram do crime. Isso
evitaria a inversão do ônus da prova, que atualmente ocorre com o oferecimento da
denúncia com base apenas nas peças de informação geradas no procedimento
administrativo fiscal e na presunção legal de que a empresa seria a beneficiária primeira
do injusto penal.
Como bem destaca Antonio Lopes MONTEIRO, “aqui deve residir a preocupação
do Ministério Público e do magistrado durante a instrução criminal. É bem verdade que a
condição de sócio-gerente, diretor ou procurador é um forte indício de culpabilidade do
acusado, mas a comprovação da responsabilidade irá depender de seu envolvimento
com a administração da empresa através de outros meios de prova”.
Esse entendimento é corroborado por decisão do Supremo Tribunal Federal, “em
se tratando de crime societário, a denúncia deve discriminar a relação entre as
obrigações administrativas de cada sócio e o ato ilícito que lhe está sendo imputado, sob
pena de violar o princípio da ampla defesa”.
Análogo foi o posicionamento que constou em decisão do TRF da 2ª. Região:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME
PREVIDENCIÁRIO. NÃO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
REJEIÇÃO DE DENÚNCIA JÁ RECEBIDA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA O OFERECIMENTO
DA EXORDIAL. RECONHECIMENTO DE NULIDADE ABSOLUTA. INEXISTÊNCIA DE SUPORTE
PROBATÓRIO. RECURSO IMPROVIDO. CONCESSÃO DE
HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO, PARA O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
Tendo o juiz, já recebida a denúncia, verificado a falta de justa causa para o oferecimento da
mesma, nada o impede de rejeitá-la por nulidade absoluta do ato perpetrado. A peça acusatória
deve conter exatamente a descrição real dos fatos para que o réu possa exercer a ampla defesa,
constando, para tanto, o mínimo de suporte e lastro probatório. Em se tratando de crime
previdenciário de não-recolhimento, mister se faz a devida identificação dos administradores da
empresa, como também os responsáveis pelos recolhimentos,não se admitindo a responsabilidade
objetiva na esfera penal. Assim, não exercendo, o réu, nenhum tipo de controle sobre a gerência da
empresa, não poderia cometer o suposto ilícito penal em tela. Recurso improvido. Concessão de
Habeas Corpus, de ofício, para o trancamento da ação penal.
Não se pode descuidar, porém, do previsto no § 2º, artigo 13, do Código Penal, no
sentido de que existe omissão penalmente relevante quando a pessoa devia e podia agir
para evitar o resultado. Como ressalta Francisco Ferreira MACIEL, “ao empresário cabe
zelar pelo cumprimento de todas as obrigações tributárias (principal e acessórias) da
empresa, vigiar o cumprimento de todas as obrigações. Se seus empregados ou
prepostos, ou contratados, terceirizados ou não, descumprem essas obrigações
tributárias, seu titular deve responder pela omissão de vigilância sobre seus subordinados
em co-autoria com estes”.
Saliente-se que, apesar do entendimento doutrinário majoritário sobre a
necessidade da identificação de cada sócio em relação às funções administrativas e ao
ilícito imputado, o Superior Tribunal de Justiça vem julgando de modo diverso:
NÃO INDIVIDUALIZAÇÃO DE CONDUTAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA.
No que se refere à violação ao art. 41, do CP, onde se alega que é inepta a denúncia oferecida sem
apontar a participação de cada acusado no fato delituoso, impende ressaltar que é entendimento
pacificado no âmbito desta Corte que não se configura cerceamento de defesa o oferecimento da
denúncia, nos crimes de autoria coletiva sem a individualização minuciosa da conduta dos
acusados.
CRIMINAL.RHC. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA DENÚNCIA GENÉRICA.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES
Tratando-se de crimes societários, de difícil individualização da conduta de cada participante,
admite-se a denúncia de forma mais ou menos genérica, por interpretação pretoriana do art. 41 do
CPP. Precedentes.
7.2 CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
O § 2º do artigo 168-A prevê a ocorrência de causa extintiva da punibilidade se o
agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições,
importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma
definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
Não basta confessar o débito. É preciso pagá-lo, acrescido de todos os encargos
incidentes e antes do início da ação fiscal, para se configurar a causa de extinção da
punibilidade. A confissão ou a declaração da dívida sem que se comprove o efetivo
recolhimento dos valores devidos não extinguirá o delito.
Esclarece Cezar Roberto BITENCOURT que “pela lei anterior (n.9.249/95),
segundo o STF, o pagamento extintivo da punibilidade podia ser feito até o recebimento
da denúncia. A nova lei (n. 9.983), nesse particular mais restritiva, é muito mais severa,
pois admite a extinção da punibilidade somente quando o pagamento for efetuado antes
do início da ação fiscal. Logo, é irretroativa, não se aplicando aos fatos ocorridos antes de
sua vigência (14-10-2000)”.
Se houver o pagamento depois de iniciada a ação fiscal, porém antes do
oferecimento da denúncia, há a possibilidade de perdão judicial ou de aplicação somente
da pena de multa, se o agente é primário e de bons antecedentes (§ 3º, I, do art. 168-A).
Ressalvada essa última hipótese, se a liquidação do débito for realizada
posteriormente ao início da fiscalização e até o recebimento da denúncia, pode servir, por
analogia, de causa de redução da pena em um a dois terços, por arrependimento
posterior,
conforme
previsto
no
artigo
16
do
Código
Penal.
A
expressão
espontaneamente, ali contida, deve, segundo Gianpaolo Poggio SMANIO, “ser
interpretada extensivamente, uma vez que, ainda quando o agente for provocado pelo
fisco, durante uma investigação, poderá agir espontaneamente para obter a extinção da
punibilidade, não sendo necessário que a iniciativa da confissão e do pagamento parta do
agente sem qualquer motivação, por puro arrependimento".
Já o pagamento após o recebimento da denúncia e antes do julgamento constituise em atenuante genérica, consoante o artigo 65, III, “b” do Código Penal.
7.2.1 A questão do parcelamento do débito.
Na vigência da lei anterior, de nº 8.212/91, o STJ havia firmado o entendimento de
que o parcelamento procedido antes do recebimento da denúncia tinha o condão de ser
extintivo da punibilidade. Entretanto, para os delitos configurados posteriormente à Lei nº
9.983/00, essa não contempla a exclusão da pretensão punitiva do Estado pelo
parcelamento da dívida e sim, apenas, pelo seu pagamento integral, antes de iniciada a
fiscalização.
Exceção a essa regra foi introduzida pela Lei nº 10.684/2003, que trata do
Parcelamento Especial de Tributos e Contribuições, denominada PAES e também,
conhecida como REFIS II, por reeditar parte da Lei nº 9.964/2000, que tratou do
Programa de Recuperação Fiscal destinado a promover a regularização de valores em
aberto, relativos a tributos e contribuições sociais administrados pela Secretaria da
Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social. Permitiu aquele diploma legal
o parcelamento, em até cento e oitenta prestações, mensais e sucessivas, das dívidas
vencidas até 28 de fevereiro de 2003.
Prevê a citada lei, em seu artigo 9º, a suspensão da pretensão punitiva do Estado
quanto aos crimes previstos nos artigos 168-A (apropriação indébita previdenciária) e
337-A (sonegação de contribuições previdenciárias) do Código Penal, durante o período
em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída
no regime de parcelamento. Se inadimplente por três meses consecutivos ou seis meses
alternados, o que ocorrer primeiro, o contribuinte será excluído do parcelamento especial,
restabelecendo-se a pretensão punitiva. Dar-se-á a extinção da punibilidade dos crimes
quando ocorrer o pagamento integral dos débitos, inclusive acessórios. Durante a
suspensão da pretensão punitiva, não correrá a prescrição criminal.
Sobre o tema, vejam-se os julgados a seguir:
PENAL.
RECURSO
ESPECIAL.
APROPRIAÇÃO
INDÉBITA
DE
CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
Somente o parcelamento deferido antes do recebimento da denúncia é que, na linha de precedentes
da 3ª Seção (ressalvado entendimento do relator), pode acarretar a extinção da punibilidade.
PROCESSO PENAL – CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL – INÉPCIA DA DENÚNCIA EXTINÇÃO
DA PUNIBILIDADE PELO PARCELAMENTO DO DÉBITO – INOCORRÊNCIA
O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, cujo acórdão teve como Relator o eminente
Ministro MOREIRA ALVES (c.f. INQO – 1028/RS; TRIBUNAL PLENO, DJU de 30/08/96), entendeu
que se o pagamento é fracionado não cabe a extinção da punibilidade até ser paga a última parcela,
podendo a denúncia ser recebida. Somente o pagamento integral do débito tributário ou contribuição
social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia, autoriza a extinção da punibilidade.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS. APROPRIAÇÃO
INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. REFIS. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRAZO
PRESCRICIONAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
I– Se a empresa dirigida pelos denunciados já havia sido devidamente incluída, antes do
recebimento da denúncia, no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, resta suspensa, desde a
sua inclusão, a pretensão punitiva do Estado, bem como o curso do prazo prescricional.
II – O indevido recebimento da denúncia, pelo fato de estar suspensa a pretensão punitiva do
Estado, enseja a anulação do processo.
III– A extinção da punibilidade dos crimes relacionados ao recolhimento de tributos e contribuições
de empresas beneficiárias do REFIS somente se verifica com o pagamento integral dos débitos
parcelados.
RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. LEI N.º 8.212/91, ART. 95, ALÍNEA
d. LEI N.º 9.983/00. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO-OCORRÊNCIA. ADESÃO AO REFIS POSTERIOR
AO
RECEBIMENTO
DA DENÚNCIA. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA.
IMPOSSIBILIDADE.
1. A teor da jurisprudência assente deste Superior Tribunal de Justiça, o art. 3º da Lei n.º 9.983/2000
não descriminalizou o delito tipificado no art. 95, alínea d, da Lei n.º 8.212/91, pelo que não se falar
em abolitio criminis.
2. Para a pretendida suspensão da pretensão punitiva do Estado, o art. 15 da Lei n.º 9.964/2000
exige que a adesão ao REFIS tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia.
3. In casu, a adesão foi posterior ao recebimento da denúncia, razão pela qual não incide sobre a
espécie a benesse legal instituída, sem qualquer mácula ao princípio da igualdade.
7.3 O PERDÃO JUDICIAL OU A APLICAÇÃO EXCLUSIVA DE MULTA
A exemplo do crime de sonegação previdenciária, aqui também o legislador
facultou ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa, desde que,
consoante o § 3º do art.168-A, o agente seja primário e de bons antecedentes e “tenha
promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da
contribuição social, previdenciária, inclusive acessórios” ou “o valor das contribuições,
acrescido de acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência
social, administrativamente, como sendo o mínimo previsto para ajuizamento de suas
ações fiscais”. Tal limite está atualmente fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pela
Portaria MPAS 4910, de 04 de janeiro de 1999.
Preenchidas as condições exigidas em lei, a concessão do benefício é um dever e
não faculdade do juiz, constituindo-se em direito subjetivo do agente.
A escolha da penalidade a ser aplicada cabe ao juiz, na análise do caso concreto,
conforme seja necessário e suficiente para a prevenção e reprovação do crime,
consoante o artigo 59 do Código Penal:
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA–TÉRMINO DO PROCEDIMENTO FISCAL
ABOLITIO CRIMINIS, DOLO ESPECÍFICO E CRIME FORMAL-ESTADO DE NECESSIDADEPERDÃO JUDICIAL (ART. 168-A, § 3º, II, DO CP) -APELAÇÃO PROVIDA.
O perdão judicial (causa da extinção da punibilidade) inserto no Art. 168-A, § 3º, II, do CP, é direito
subjetivo do réu primário e de bons antecedentes e será concedido pelo julgador sempre que o
débito seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social como sendo o mínimo para
o ajuizamento de suas execuções fiscais (atualmente R$ 5.000,00), permanecendo, contudo, a
possibilidade de aplicação da pena de multa, sem prejuízo dos demais efeitos da sentença
condenatória: Súmula 18/STJ e precedentes do STF.
Destaque-se, novamente, que há diferença de efeitos entre a sentença que
concede o perdão judicial e a que aplica somente a pena de multa. A primeira, consoante
a súmula 18 do STJ, é declaratória extintiva de punibilidade, não gerando, portanto,
efeitos secundários. Já a que determina a aplicação de multa é condenatória, resultando
em reincidência e antecedentes criminais.
Inexistindo a primariedade ou os bons antecedentes, é possível o pagamento do
débito levar à redução da pena, por arrependimento posterior, conforme permissão
contida no artigo 16 do Código Penal.
Defende Luiz Flávio GOMES que se pode vislumbrar, no § 3º do art. 168-A, uma
típica hipótese de aplicação do princípio da insignificância que vem sendo amplamente
admitido no caso de descaminho de pequena monta. Para aquele autor, a literalidade do
que está naquele parágrafo, que levaria à instauração do processo criminal inclusive na
hipótese de insignificância para, ao final, conceder-se o perdão judicial ou aplicar-se a
multa, conflita com o razoável. Sendo a insignificância uma causa excludente da
tipicidade, quando o valor do crédito previdenciário é ínfimo, não excedendo a R$
1.000,00 (hum mil reais) o melhor caminho é a rejeição liminar da denúncia, caso não
tenha havido pedido de arquivamento do inquérito policial ou da notitia criminis. Se
recebida a denúncia, caberia habeas corpus para trancamento da ação penal, por faltalhe justa causa.
Corroborando esse entendimento, acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região
assinala:
PENAL. RECURSO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART.168-A DO
CÓDIGO PENAL (ANTIGO ART. 95, "D", DA LEI Nº 8.212/91). LEI 9.441/97. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA EM RAZÃO DO VALOR DO DÉBITO.RECURSO IMPROVIDO.
1. A Lei nº 9.441/97 extinguiu os créditos do INSS de valor não superior a R$ 1.000,00.
2. Injustificada a intervenção do direito penal, pelo princípio da insignificância, quando o valor
devido pelo denunciado foi objeto de extinção do crédito no órgão competente. Precedentes deste
Tribunal. Recurso do Ministério Público Federal improvido.
7.4 A QUESTÃO DO DOLO
Na vigência da lei anterior, de nº 8.212/91, havia grande controvérsia a respeito de
ser a apropriação indébita previdenciária crime de dolo específico ou delito de mera
conduta, onde o dolo seria o genérico, independendo do ânimo do agente.
Parte da doutrina e da jurisprudência inclinava-se no sentido de que bastava que
houvesse o desconto ou a cobrança da contribuição e que essa não fosse repassada aos
cofres públicos no prazo legal, para configurar-se o crime, presumindo-se o dolo de forma
genérica. Para outra parcela dos operadores do direito, havia a necessidade de
demonstrar-se o dolo específico, o ânimo especial do agente em apropriar-se ou em
desviar para outros fins os valores de contribuições previdenciárias arrecadadas de
terceiros ou descontados dos contribuintes.
Como bem atesta Wellington Cláudio Pinho de CASTRO, ao discorrer sobre o
tema:
Em um primeiro momento, a jurisprudência dos tribunais federais inclinou-se no sentido de que a
referida conduta era modalidade de apropriação indébita, exigindo para a configuração do delito a
presença do elemento volitivo consistente no animus de ter para si os valores não recolhidos
(animus rem sibe habendi). Conseqüentemente, se não restasse comprovado esse elemento
anímico, por sinal, de difícil comprovação, a conduta era atípica e o acusado absolvido.
Posteriormente, esse entendimento evoluiu para reconhecer que o tipo seria autônomo, e não
modalidade de apropriação, cuidando-se na verdade de crime omissivo puro (ou próprio) que
prescinde da intenção de apropriar-se dos valores não recolhidos. Com base nessa jurisprudência, a
simples conduta de o agente arrecadar a contribuição do empregado e não recolhê-la aos cofres da
previdência, independente da destinação dada a esses recursos, configura o crime.
Semelhante é a colocação do. Juiz Federal do Estado do Rio Grande do Sul, Dr.
Celso KIPPER, em brilhante artigo sobre a matéria:
A primeira constatação que se impõe da leitura da legislação passada e presente sobre a matéria é
a de que em nenhum momento o delito de falta de recolhimento das quantias descontadas dos
salários dos empregados a título de contribuição previdenciária configurou o crime de apropriação
indébita, a exigir para a sua consumação, a prática da conduta descrita no tipo do art. 168 do Código
Penal. A equiparação existente na legislação anterior à Lei nº 8.137/90 entre o delito em questão e o
de apropriação indébita foi determinada apenas para o efeito da pena ('Será punida com as penas...
' 'é punida com pena'). Aliás, nem poderia ser diferente. Em primeiro lugar, porque se os tipos penais
transcritos estivessem subsumidos no art. 168 do Código Penal, não teriam razão de existir, bastaria
verificar diretamente a presença dos requisitos necessários à configuração da apropriação indébita
nos casos de falta de recolhimento dos contribuintes previdenciárias. Em segundo lugar, as
condutas descritas nos artigos transcritos são substancialmente diferentes da conduta estipulada no
art. 168 do Código Penal, tornando-se incompatível qualquer equiparação dos elementos dos delitos.
Com efeito, o crime de apropriação indébita é comissivo, pois consiste na prática de um fato que a
norma penal proíbe (apropriar-se de coisa alheia móvel de que tem a posse ou a detenção). O delito
em exame, ao contrário, é e sempre foi omissivo, visto que se configura com a omissão (a falta de
recolhimento, deixar de recolher) de um fato que a norma penal ordena.(...) A primeira conseqüência
da estrutura omissiva do tipo do delito de não recolhimento das contribuições arrecadadas dos
segurados, e da não-equiparação ao crime de apropriação indébita, é a de que não se exige para a
consumação do primeiro o animus rem sibi habend, ou seja, o propósito de inverter o título da posse
passando a possuir a coisa como se fosse sua, com a deliberada intenção de não restituir, própria
da acepção do vocábulo apropriar-se, elemento integrativo do tipo penal do segundo delito. Havendo
o desconto dos empregados das quantias relativas à contribuição previdenciária, e a posterior
omissão no seu recolhimento aos cofres da Seguridade Social, consuma-se o delito sem que seja
preciso investigar, no animus do agente, a intenção de restituir ou não as quantias descontadas. O
dolo necessário é genérico, consistente na intenção de descontar do salário dos empregados as
quantias referidas e de deixar de repassá-las à Seguridade Social”.
Consoante Gianpaolo Poggio SMANIO, “não há necessidade do dolo de apropriarse dos valores; ou seja, animus rem sibi habendi, a intenção de inverter o título da posse,
passando a possuir a coisa como se fosse sua, que é a característica da apropriação
indébita, não faz parte do elemento subjetivo da apropriação previdenciária”.
Seguindo a mesma linha, Andreas EISELE assim se manifesta:
A vontade penalmente relevante restringe-se à móvel do ato de não recolher o tributo ou
contribuição social, não sendo integrantes dessa apreciação subjetiva os motivos ou finalidade da
conduta. Ou seja, o dolo restringe-se à vontade (intenção / opção consciente) de não cumprir a
prestação da obrigação tributária no termo legal. (...) Como elementar é prevista apenas a omissão
de recolhimento e não qualquer outra intenção que tenha movido o agente, assim como os motivos
determinantes (resistência à atuação estatal, oposição político partidária, entendimento no sentido
de que o recolhimento é indevido, etc), ou a finalidade da conduta (utilização da receita para
pagamento de outras obrigações, como as trabalhistas, de fornecedores ou de investimentos na
atividade produtiva, ou ainda o mero enriquecimento ilícito, etc.). Da mesma forma, não é necessária
a caracterização do ânimo do apoderamento definitivo do valor (diversamente do que ocorre na
apropriação indébita), ou inversão do título da posse no sentido de transferência da propriedade,
assim como a presença de qualquer outra finalidade ou motivação da conduta, pois o tipo não
contempla qualquer elemento subjetivo específico externo à conduta “deixar de recolher” que é
suficiente à sua consumação.[...] Portanto, o dolo suficiente para a prática da conduta é o direto e
genérico, e não o específico, pois nenhuma finalidade própria (apropriação no sentido de
apoderamento definitivo ou qualquer outra forma similar de aquisição da propriedade, assim como o
destino dado ao valor evadido) é requerida como motivadora do não recolhimento do tributo.
Hoje, vem se consolidando o entendimento jurisprudencial no sentido de que o
elemento subjetivo da apropriação indébita previdenciária é o dolo genérico, a
consciência que tinha o agente de que deveria repassar o valor arrecadado, descontado,
contabilizado ou reembolsado. Não é preciso evidenciar qual a intenção do autor do
delito,
não
importando,
por
exemplo,
demonstrar-se
seu
enriquecimento
ou
locupletamento, bastando provar-se que deixou de efetuar o repasse ou recolhimento a
que era obrigado, num determinado prazo, findo o qual perfaz-se o tipo penal. A obtenção
de vantagem pessoal não é elemento fundamental para a caracterização do tipo penal.
Já o prejuízo ao sistema previdenciário é mero exaurimento do crime.
Nesse sentido, vejam-se os seguintes julgados:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DENÚNCIA REJEITADA. NÃO
RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. LEI Nº 8.212/91, ARTIGO 95,
ALÍNEA D. LEI Nº 9.983, DE 14 DE JULHO DE 2.000. ARTIGO 168-A, DO CÓDIGO PENAL. CRIME
OMISSIVO PRÓPRIO. RECURSO PROVIDO.
1- O crime de não recolhimento ou de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias,
descontadas dos salários dos empregados, na forma própria de apropriação indébita, que, há muito
tempo, tem merecido tratamento de crime de mera conduta, ou crime omissivo próprio, em que o
simples fato de não recolher ou deixar de recolher ou não repassar aos cofres da previdência social
opera o resultado delituoso, não foi alterado quando se erigiu este crime ao tipo especial de
apropriação indébita das contribuições previdenciárias, à época dentro da seara da legislação sobre
a previdência social, com a edição da Lei nº 8.212/1991, nem tampouco teve sua natureza
modificada com a inclusão do artigo 168-A no texto do Código Penal, pela Lei nº 9.983/2000, pois o
legislador nada mais fez do que detalhar ou aperfeiçoar, no texto codificado específico, uma conduta
que antes já se mostrara punível.
2- Não se exige que da omissão resulte algum dano a quem quer que seja, bastando, para
concretizar o fato, que o sujeito não realize o comportamento exigido. Esse comportamento traduz
uma quebra do dever global imposto constitucionalmente a toda sociedade: o tipo penal tutela a
subsistência financeira da Previdência Social
PENAL. RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DA CONTRIBUIÇÃO. ABOLITIO
CRIMINIS. TIPO SUBJETIVO. ESPECIAL FIM DE AGIR.
I - Inocorrência da alegada abolitio criminis, uma vez que a novatio legis (art. 168-A, § 1º, do Código
Penal, acrescentado pela Lei nº 9.983/00), conquanto tenha revogado o disposto no art. 95 da Lei nº
8.212/91, manteve a figura típica anterior no seu aspecto substancial, não fazendo desaparecer o
delito em questão. Precedentes.
II - O tipo subjetivo na figura delituosa de não recolhimento da contribuição descontada de
empregados é congruente, esgotando-se no dolo. O nomen iuris não pode acarretar, por si,
alteração na incriminação explicitada no tipo. A exigência do especial fim de agir, v.g., animus rem
sibi habendi ou, ainda, de fraude (não autorizada, pois de estelionato não se trata) se evidencia
juridicamente desamparada. Recurso não conhecido.
DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DE APROPRIAR-SE DOS VALORES NÃO
RECOLHIDOS. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES.
É firme e reiterado o entendimento no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o crime
previsto no art. 95, alínea d, da Lei n.º 8.212/91, se consuma com o simples não recolhimento das
contribuições previdenciárias descontadas dos empregados no prazo legal, ressalvados os casos de
extinção de punibilidade.
Em consonância com o posicionamento acima descrito, o dolo do crime de apropriação indébita
previdenciária é a vontade de não repassar à previdência as contribuições recolhidas, dentro do
prazo e da forma legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi, sendo, portanto, descabida a
exigência de se demonstrar o especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência
Social como elemento essencial do tipo penal. Precedentes.
7.4.1 A alegação de dificuldades financeiras
A Lei nº 9.983/00, bem como a Lei nº 8.212/91, não eximem a responsabilidade
pelo crime de apropriação indébita previdenciária em decorrência da existência de
problemas econômicos ou financeiros que impeçam a empresa de efetuar o recolhimento
das contribuições devidas à previdência social. A propósito da questão, julgados do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim entenderam:
Alegações de dificuldades financeiras da empresa não se constituem em causa de exclusão da
culpabilidade, que se consubstanciaria na inexigibilidade de conduta diversa, tratando-se de
argumento metajurídico, que não se repercute na exigibilidade da obrigação tributária principal que
originou o débito fiscal incriminado. Patente nos autos que os incriminados dispunham da
alternativa do parcelamento do débito até o recebimento da denúncia, único meio que permitiria
lhes exigir conduta diversa da incriminada no tipo.
É inadmissível a alegação de dificuldades financeiras posteriores como justificativa para o não
recolhimento oportuno das contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados
das empresas. O dinheiro descontado dos salários dos empregados, com relação à previdência
social, não pertence ao empresário, também não podendo ele utilizar-se desse dinheiro para
qualquer outra finalidade que não seja o pagamento das contribuições previdenciárias.
No entanto, vêm se multiplicando as decisões em contrário nos tribunais,
admitindo a absolvição do responsável em virtude de inexigibilidade de conduta diversa,
desde que comprovada inequivocamente a indisponibilidade financeira da empresa:
PENAL. NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DOS
SALÁRIOS DOS EMPREGADOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INEXIGIBILIDADE DE
CONDUTA DIVERSA PELO JUÍZO A QUO. SENTENÇA CONFIRMADA. DIFICULDADES
FINANCEIRAS COMPROVADAS.
É de ser mantida a r. decisão proferida pelo juízo monocrático que absolveu o acusado sob o
fundamento da aplicação do princípio da inexigibilidade de conduta diversa, eis que a decisão foi de
encontro aos fundamentos enfocados, ante a comprovação das dificuldades financeiras alegadas.
Embora o sistema penal vigente não contemple tal modalidade, vê-se que a lei não pode esgotar
todas as justificativas da conduta humana, pois a antijuridicidade não pode ser apreciada somente
diante do frio texto da lei. O direito deve ser visto em um sentido mais amplo, aplicando-se o mais
justo para cada caso em concreto, dentro dos conceitos da razoabilidade. Dessa forma, não se
trata de propagar a impunidade, todavia, não se pode atender ao excessivo rigor da lei,
principalmente no caso em tela, em que está devidamente comprovado que o apelado não agiu por
vontade livre e consciente ao deixar de recolher as contribuições previdenciárias. Apelo improvido.
PENAL - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NÃO RECOLHIMENTO. DIFICULDADES
FINANCEIRAS DA EMPRESA. COMPROVAÇÃO INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA.
EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE. RECONHECIMENTO. PROVIMENTO DO RECURSO.
Restando comprovada a difícil situação financeira da empresa, que inclusive teve decretada a sua
falência, resta autorizado o reconhecimento da causa excludente da culpabilidade, pela
inexigibilidade de conduta diversa. Provimento do recurso para absolver o acusado.
PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. OMISSÃO DE
RECOLHIMENTO. LEI Nº 8.212/91, ART. 95, "D". LEI Nº 8.212/91, ART. 95, "d". REVOGAÇÃO
PELA LEI Nº 9.983/00. ABOLITIO CRIMINIS. INOCORRÊNCIA.
Configura-se o crime de apropriação indébita por omissão no recolhimento de contribuições
previdenciárias descontadas dos salários dos empregados com a apropriação dos valores por ato
de vontade do agente-elemento subjetivo-, não se descaracterizando o delito a mera alegação de
dificuldades financeiras, não cabalmente demonstradas. - A modificação legislativa introduzida pela
Lei nº 9.983/00, que deu nova definição ao crime de omissão no recolhimento de contribuições
previdenciárias não importou em abolitio criminis em relação aos fatos pretéritos, mas apenas deu
nova moldura ao tipo, preservando a antijuricidade da conduta. - Recurso especial não conhecido.
APELAÇÃO CRIMINAL. NÃO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
INOCORRÊNCIA DO ANIMUS REM SIBI HABENDI. IMPOSSIBILIDADE REAL DE AGIR.
ABSOLVIÇÃO.
Tratando-se de crime previdenciário, mister se faz atestar a real possibilidade de agir do acusado,
sob pena de restar atípica a conduta. No caso vertente, verifica-se a inocorrência do animus rem
sibi habendi, tendo em vista a situação caótica pela qual passava a empresa dos apelantes, não
podendo de outro modo agir. Destarte, ante a ausência do dolo específico na conduta dos agentes,
imperiosa se torna a absolvição dos ora acusados. Recursos providos.
No entender do juiz Amir José Finocchiaro Sarti, “a sanção penal deve ser
reservada para os espertalhões que enriquecem às custas do patrimônio alheio,
especialmente, do patrimônio público, não para quem, apesar de todos os esforços, não
consegue atender tempestivamente todas as obrigações de sua empresa. O real
empobrecimento do réu é um dos sinais eloqüentes da ocorrência da situação excludente
(ou justificante)”.
Nas palavras de Roberto Carvalho VELOSO:
Na verdade, o que não se pode é, em princípio, estabelecer que nenhuma causa de exclusão da
antijuridicidade ou da culpabilidade não se aplica a determinado tipo penal, isso porque tais regras
são genéricas, podendo ser aplicadas a todos os crimes indistintamente, lógico que analisando-se
as circunstâncias de cada caso individualmente, seja em crimes contra a previdência social seja em
crimes de homicídio. Assim é que se espera que os doutos operadores do Direito cada vez mais
tragam ao Judiciário, na qualidade de matéria a ser discutida nos autos processuais, a
inexigibilidade de conduta diversa como causa de exclusão da culpabilidade.
Conforme o Procurador da República Carlos Eduardo Copetti LEITE, “como
‘elisão’ para tal crime, em 99,99% das vezes vem a alegação de ‘dificuldades financeiras’.
Ou seja, era ‘tocar a empresa e gerar lucros’ou ‘recolher o INSS e jogar os empregados
ao desamparo’, segundo os réus. Algumas vezes, no entanto, verifica-se que tais
‘dificuldades financeiras’ nunca existiram, ou seja, a empresa está de fato ‘quebrada’ mas
seus sócios vão muito vem, obrigado”.
Desta forma se pronunciou a relatora, desembargadora federal Sylvia Steiner, em
apelação contra condenação no crime de apropriação indébita previdenciária:
De fato, as dificuldades financeiras acarretadoras de inexigibilidade de outra conduta (excludente
de culpabilidade) devem ser de tal monta que ponham em risco a própria sobrevivência da
empresa cabendo ao acusado cabal demonstração de tal circunstância, nos termos do art. 156 do
Código de Processo Penal, trazendo aos autos elementos concretos de que a existência da
empresa estava comprometida, caso reconhecesse as contribuições devidas, e, assim, não lhe
restando outra alternativa que não a omissão dos recolhimentos. Observo que meros indícios de
percalços econômicos vivenciados circunstancialmente por dada empresa e cuja gravidade e
intensidade não é aferível ou demonstrado, não bastam à configuração da denominada
inexigibilidade de conduta diversa, pois estaríamos a banalizar um instrumento de exclusão de
culpabilidade que deve incidir em casos especialíssimos, vale dizer, nas hipóteses raras em que o
recolhimento da contribuição social geraria a bancarrota da empresa ou demissão de funcionários,
eis que não seria lícito exigir o cumprimento da norma legal em detrimento da existência da própria
empresa.
Semelhante é a colocação doutrinária de Henrique Geakinto HERKENHOFF, em
cuja concepção, se o agente ou a pessoa jurídica por ele dirigida estava - e permanece
até a denúncia - em situação de insolvência civil ou pré-falência, não dispondo, mesmo
que contabilmente, da quantia necessária para o pagamento do tributo, é de se
reconhecer a inexigibilidade de conduta diversa. Porém, isso não deve ocorrer quando há
disponibilidade financeira, embora insuficiente, e o agente prioriza pagamentos a
fornecedores e a outros credores, o que, aliás, violaria a ordem legal de preferência entre
os credores do insolvente / falido. Ainda no dizer daquele autor, não se deve admitir a
escusa com base em apertos financeiros indefinidamente prolongados, revelando que a
empresa baseava na apropriação indébita a sua pretensão de lucro, que é natural e lícita,
mas que deve apoiar-se na competência administrativa e não na ilicitude.
Observe-se que a alegação pode ser elidida pela demonstração de que, quando
do cometimento do ilícito, o contribuinte dispunha de condições para arcar com o
cumprimento de suas obrigações. Isso pode ser procedido, por exemplo, evidenciando-se
sinais de riqueza como a distribuição de lucros aos integrantes da sociedade, o aumento
de suas retirada mensais a título de pró-labore, novas aquisições para compor o ativo
imobilizado, etc.
Em suma, devem ficar amplamente demonstradas as dificuldades financeiras da
empresa e a real impossibilidade do cumprimento do dever que lhe foi legalmente
imposto e não uma simples priorização de pagamentos.
7.5 A QUESTÃO DA PRISÃO POR DÍVIDA
Em decorrência de o artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, prever que
somente poderá haver a prisão civil por dívida nos casos de depositário infiel ou de
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia, surgiram discussões a
respeito da constitucionalidade ou não da criminalização da conduta de apropriação
indébita previdenciária.
A prisão civil é uma das formas coercitivas de se obter o cumprimento de uma
obrigação legalmente exigível, não importando, ao contrário da prisão penal, em uma
condenação criminal.
A Lei nº 8.866, de 11 de abril de 1994, estabeleceu que é depositária infiel da
fazenda pública a pessoa à qual a legislação tributária ou previdenciária imponha a
obrigação de reter ou receber tributos ou contribuições de terceiro e efetuar o
correspondente recolhimento aos cofres públicos. Em seu artigo 4º, § 2º, estabelece a
possibilidade de decretação da prisão civil por até noventa dias, como sanção ao não
repasse dos valores. No caso, ocorre a infidelidade, vez que o agente, em decorrência da
aplicação da lei previdenciária, arrecadou ou descontou a importância do segurado ou do
terceiro, assumindo assim a responsabilidade de um depositário, a quem caberia
repassar o valor aos cofres da previdência.
Já quanto à sanção penal ao agente do delito de apropriação indébita
previdenciária, a jurisprudência e a maioria da doutrina entendem que não fere preceito
constitucional.
Elucida Andreas EISELE que, no caso da Lei nº 8.866/94, trata-se de sanção civil
por inadimplemento de dívida, que se amolda à exceção contida no artigo 5º, LXVII, da
Constituição Federal, pois tem como fundamento a conduta remissa do depositário infiel,
divergindo, assim, da sanção penal cominada pela prática de fato que possa harmonizarse com a conduta tipificada criminalmente no artigo 168-A do Código Penal. Em o fato se
amoldando às duas hipóteses, as sanções penal e civil serão aplicadas cumulativamente,
pois possuem fundamentos e finalidades diversas.
Esse também é o pensamento de Júlio Fabbrini MIRABETE: “além da prática do
crime, o responsável pode ser passível de prisão administrativa, conforme a Lei nº 8.866,
de 11-4-94, que dispõe sobre o depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública
e dá outras providências”.
Para Pedro Roberto DECOMAIN, “não se trata de prisão civil por dívida, mas sim
da criminalização pelo não pagamento de uma. O inciso constitucional aventado não
impede, com efeito, que o legislador considere criminoso o não pagamento de uma
dívida, desde que repute essa conduta suficientemente grave para se constituir em ilícito
penal”.
Conforme julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que afastou a
inconstitucionalidade alegada em razão de prisão por dívida, “os valores relativos às
contribuições previdenciárias descontados dos empregados e não repassados ao INSS
não constituem dívida do empregador em relação ao órgão previdenciário, até porque tais
valores jamais lhe pertenceram, mas, sim, aos empregados, segurados do ente público”.
O TRF da 4ª. Região, através da Súmula nº 65, assim se manifestou sobre o
tema: “a pena decorrente do crime de omissão de recolhimento de contribuições
previdenciárias não constitui prisão por dívida”.
Outro ponto que suscitou dúvidas foi o relativo a se haveria confronto entre a
prisão penal por apropriação indébita tributária ou previdenciária e o contido no artigo 7,
item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969,
conhecida por Pacto de São José da Costa Rica, que estabelece que “ninguém deve ser
detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária
competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
Andreas EISELE assim discorre sobre o tema:
Enquanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos veda a utilização da sanção privativa
de liberdade como medida de cobrança de prestações obrigacionais de conteúdo pecuniário e
natureza civil, a legislação penal tributária brasileira tipifica uma espécie de inadimplência tributária,
erigindo tal conduta à categoria criminal. Embora os dispositivos aparentem certa semelhança, eis
que o ato ilícito substrato de ambas as normas é idêntico, as modalidades normativas albergadas
em cada qual são diversas, pois incidem de forma própria sobre o fato, gerando efeitos específicos
e independentes. Dessa forma, não há antinomia entre as normas em comento, o que seria o
pressuposto para a incidência de regras solucionadoras de eventual contradição interna do
ordenamento jurídico, que poderia acarretar a revogação (ou, no caso específico, a ineficácia) de
uma delas. Na hipótese, as normas coexistem harmonicamente, cada qual atuando em uma
diferente esfera do ordenamento. Portanto, a sanção privativa de liberdade não pode ser utilizada
como meio civil para cobrança de uma dívida. Porém, o sujeito que pratica a conduta de
inadimplência pode ser punido criminalmente pelo fato, se este estiver tipificado na legislação
penal.
De acordo com julgado do Superior Tribunal de Justiça:
CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. ART. 95 DA LEI N.º 8.212/95. ABOLITIO CRIMINIS. DESCRIMINALIZAÇÃO
PELA NORMA DO ART. 3º DA LEI 9.983/2000. INOCORRÊNCIA. PACTO DE SAN JOSÉ DA
COSTA RICA. ÍNDOLE CIVIL. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO.
O art. 3º da Lei 9.983/2000 apenas transmudou a base legal de imputação para o Código Penal,
continuando sua natureza especial em relação à apropriação indébita simples, prevista no art. 168
do CP, não modificando, contudo, a descrição da conduta anteriormente
incriminada. Precedentes
A omissão de recolhimento de contribuições ou de impostos é fato típico penal e não constitui
dívida civil. O Pacto de San José da Costa Rica é de índole eminentemente civil, não sendo
aplicado nos casos de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias. Precedentes.
Recurso conhecido e desprovido.
Corroboramos o entendimento no sentido de que o disposto no artigo 168-A do
Código Penal não contraria os preceitos inseridos no artigo 5º, LXVII, da Constituição
Federal e no artigo 7, item 7, da Convenção de São José da Costa Rica. No primeiro
caso, a proibição refere-se, explicitamente, à prisão civil e não à penal. Já no segundo,
deve ser adotada a interpretação sistemática e não a literal, implicando em não se
estender a garantia ao campo penal e em harmonizar-se a tutela prevista na Convenção
com a contida na Constituição Federal. Ressalte-se, ainda, que em nosso ordenamento
jurídico os tratados ingressam no sistema interno com força de lei ordinária, que é
passível de revogação por lei posterior, no caso, a Lei nº 9.983/00, que inseriu o artigo
168-A no Código Penal.
A esse respeito, José Francisco REZEK assevera, com propriedade:
De setembro de 1975 a junho de 1977 estendeu-se, no Plenário do Supremo Tribunal Federal, o
julgamento do RE 80.004, em que ficou assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do
conflito entre o tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador
republicano, deve ter sua prevalência garantida pela justiça – sem embargo das conseqüências do
descumprimento do tratado, no plano internacional. Admitiram vozes majoritárias que, faltante na
Constituição do Brasil garantia de privilégio hierárquico do tratado internacional sobre as leis do
Congresso, era inevitável que a Justiça devesse garantir a autoridade da mais recente das normas,
porque paritária sua estrutura no ordenamento jurídico.
CONCLUSÃO
É incontestável a importância da Seguridade Social na proteção à saúde, à
assistência social e, principalmente, no amparo previdenciário às pessoas seguradas e
seus dependentes, na medida em que assegura sua dignidade e sobrevivência no
advento de circunstâncias que as impeçam de provê-las por seus próprios meios.
A Constituição Federal de 1988 concebe-a como um conjunto integrado de ações
de responsabilidade dos poderes públicos e da sociedade, norteado pelos princípios
basilares da
solidariedade,
uniformidade,
eqüidade,
universalidade,
seletividade,
distributividade e diversidade da base de financiamento.
Uma previdência social pública de qualidade, que atenda aos anseios de proteção
social de todo o povo brasileiro, necessita de meios adequados à sua sustentação. A
Carta Magna contempla, em seu artigo 195, de forma apropriada, as fontes para o
financiamento da Seguridade Social, custeada solidariamente por toda a sociedade, de
forma direta e indireta, segundo a capacidade de cada um. Todavia, essas fontes são,
muitas vezes, comprometidas pela evasão de receitas mediante condutas criminosas
praticadas contra o sistema previdenciário.
O presente trabalho objetivou oferecer um conjunto de informações sobre os
crimes perpetrados em desfavor da Seguridade Social e, principalmente, contra a
previdência social, que foram inseridos no Código Penal pela Lei nº 9.983/00, mediante a
qual foram criados tipos penais específicos, abandonando-se a técnica imperfeita dos
diplomas legais anteriores, que apresentavam fórmulas incompletas e tipificavam
condutas por equiparação ou assemelhação.
Buscou-se, também, abordar várias questões polêmicas relevantes que permeiam
o tema, contrapondo-se diversas opiniões doutrinárias e jurisprudenciais a elas
relacionadas, sobre as quais destacamos as conclusões que se seguem, sem prejuízo
das demais inseridas no curso da exposição.
O entendimento preponderante é o de que, face à independência entre as duas
instâncias, não é exigido o prévio esgotamento da via administrativa para o início da
persecução criminal, até porque a ação penal é incondicionada. Entretanto, em especial
nos casos mais discutíveis, sujeitos a maiores controvérsias e contestações, entendemos
ser adequado que a imputação de crime de natureza fiscal ao contribuinte observe o
término da discussão administrativa sobre a regular apuração do crédito previdenciário. É
a certeza da existência do tributo devido e não pago que comprova a materialidade
delitiva, pressuposto para a ação penal.
A sanção penal ao agente do delito de apropriação indébita previdenciária não
fere o preceito constitucional constante do artigo 5º, LXVII, da Carta Magna, pois a
garantia ali prevista refere-se, expressamente, à proibição de prisão civil em decorrência
de dívidas e não de prisão penal. Da mesma forma, não ofende a vedação de detenção
por dívidas, contida no artigo 7, item 7, da Declaração de Direitos Humanos, que deve ser
interpretada de forma sistemática e harmônica com o conteúdo da Constituição Federal,
não se estendendo ao campo penal, por ser de índole eminentemente civil.
A nova redação dada pela Lei nº 9.983/00 ao delito de apropriação indébita
previdenciária, anteriormente tipificado nas alíneas “d”, “e” e “f” da Lei nº 8.212/91, não
implicou em abolitio criminis para ocorrências anteriores à vigência da lei mais recente.
Não ocorreu a descriminalização da conduta e sim, apenas, sucessão de normas com o
mesmo conteúdo.
Embora a própria legislação tenha adotado a nomenclatura de apropriação
indébita previdenciária para designar a omissão de recolhimento de contribuições sociais
por agentes de retenção, tem-se, aí, um tipo diverso da genérica, tipificada no artigo 168
do Código Penal. Na primeira, não é necessária a precedente posse ou detenção e ato
posterior de domínio como ocorre na segunda, nem se requer que o autor se locuplete
com os valores das contribuições.
Segundo o entendimento jurisprudencial que hoje vem se consolidando, a
realização da conduta típica correspondente ao crime de apropriação indébita
previdenciária não demanda o dolo específico, a vontade livre e consciente de apropriarse do bem e de não o restituir. O dolo é genérico. Basta que, retidas as contribuições,
não sejam elas repassadas aos cofres públicos. Trata-se de crime de mera conduta, que
é aquele cuja norma instituidora não prevê qualquer resultado naturalístico. Não importam
os motivos que moveram o agente ou sua finalidade. O crime prescinde do animus rem
sibe habendi, da presença do elemento volitivo de ter para si os valores não recolhidos.
Não se exige, também, que o sujeito passivo sofra prejuízo. Esse é mero exaurimento do
crime.
A regra geral seguida nos crimes de apropriação indébita e de sonegação de
contribuições previdenciárias é a da responsabilização penal a partir da composição
societária da empresa, cabendo àquele que foi incriminado por participar da gestão da
firma produzir, no curso da ação penal, como argumento de defesa, provas elidindo a
presunção de dolo ou de autoria do delito. O ideal, no entanto, seria evitar-se essa
inversão do ônus da prova. Para tanto, antes do oferecimento da denúncia e sempre que
necessário para se trazer aos autos elementos esclarecedores, deveriam ser apurados,
em inquérito policial, o crime e sua efetiva autoria, possibilitando a discriminação, na
denúncia, da relação entre o sócio e a conduta imputada, afastando-se a
responsabilidade criminal daqueles que, apesar de relacionados no contrato social, não
participaram do crime.
Em que pese o novo diploma legal não contemplar a aplicação do princípio da
inexigibilidade de conduta diversa decorrente de problemas econômicos ou financeiros
que impeçam o recolhimento das contribuições devidas à previdência social, a
jurisprudência vem admitindo a absolvição do responsável, desde que inequivocamente
comprovada a indisponibilidade financeira da empresa. Atenua-se o rigor da lei, de forma
a aplicar-se o mais justo ao caso concreto.
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