A REPRESENTAÇÃO SOBRE OS ÍNDIOS NOS LIVROS

Transcrição

A REPRESENTAÇÃO SOBRE OS ÍNDIOS NOS LIVROS
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO POPULAR,
COMUNICAÇÃO E CULTURA
A REPRESENTAÇÃO SOBRE OS ÍNDIOS
NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA DO BRASIL
Nayana Rodrigues Cordeiro Mariano
João Pessoa- PB
2006
NAYANA RODRIGUES CORDEIRO MARIANO
A REPRESENTAÇÃO SOBRE OS ÍNDIOS
NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA DO BRASIL
Dissertação apresentada ao curso de
Mestrado do Programa de Pós-graduação em
Educação Popular, Comunicação e Cultura,
do Centro de Educação, da Universidade
Federal da Paraíba, como requisito à
obtenção do título de Mestre.
Área de Concentração: Fundamentos e
Processos em Educação Popular
Orientador: Prof°
Ferreira Pinheiro
João Pessoa- PB
2006
Dr.
Antonio
Carlos
M333r
Mariano, Nayana Rodrigues Cordeiro.
A representação sobre os índios nos livros didáticos de
história do Brasil/Nayana Rodrigues Cordeiro Mariano.-João
Pessoa, 2006.
109p.
Orientador: Antonio Carlos Ferreira Pinheiro.
Dissertação (Mestrado)-UFPB/CE.
1. Livro didático 2. Índios 3. História da educação.
CDU: 371.671(043)
NAYANA RODRIGUES CORDEIRO MARIANO
A REPRESENTAÇÃO SOBRE OS ÍNDIOS
NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA DO BRASIL
BANCA EXAMINADORA
Profº Dr. Antonio Carlos Ferreira Pinheiro
Orientador – PPGE/UFPB
Profº Dr. Ricardo Pinto de Medeiros
Membro – PPGARQ/UFPE
Profª Drª. Regina Célia Gonçalves
Membro – PPGH/UFPB
João Pessoa- PB
2006
Para Terezinha e Paulo, meus pais.
AGRADECIMENTOS
Ao professor Antonio Carlos, agradeço a confiança e a criteriosa orientação ao
longo de todo o trabalho. Sua presença foi fundamental para o amadurecimento da minha
dissertação.
Aos professores Regina Célia Gonçalves e Ricardo pinto de Medeiros, sou grata
pelas importantes indicações de leitura e pelas sugestões fundamentais para o
desenvolvimento da minha dissertação.
Meu agradecimento à professora Rosa Godoy, sempre prestativa e erudita, pelas
críticas e sugestões precisas que enriqueceram meu trabalho, bem como por, gentilmente,
ter-me cedido valiosos livros.
Agradeço ao professor João Azevedo Fernandes, exímio conhecedor da temática
indígena, que teceu importantes comentários na feitura desse trabalho.
À professora Ariane Norma de M. Sá, pelos incentivos e auxílio com a bibliografia.
À Serioja Mariano, minha irmã, pelas leituras incansáveis e pelo incentivo. Esse
agradecimento se estende aos meus irmãos Yuri, Giovani, Danuza e Janina.
Aos amigos Carmelo, Emmanuel, Luciana, Fabrício e Max, que sempre estiveram
por perto, agradeço a presença amiga e os momentos de descontração, espero que tenhamos
longos e prazerosos anos de convívio.
Minha gratidão a Felipe, Guaraciane, Nina, Ítallo, Vanessa, Waldemar, Laércio e
Nadiane, pelo apoio com os livros didáticos, e a Luciana Calissi, pelos empréstimos.
Um agradecimento especial a Luciano Lima, pelo estímulo e dedicação que foram
essenciais nesse período.
RESUMO
O presente trabalho analisa a imagem construída sobre os índios nos livros didáticos de
História do Brasil. Dessa forma, selecionamos obras produzidas no final do século XIX e
início do XX, período em que esses compêndios começaram a ser discutidos e concebidos,
bem como manuais escolares atuais (décadas de 1990 e 2000). A partir desse recorte
temporal, percebemos a maneira pela qual esses livros abordaram e abordam a temática
indígena. Essa temporalidade mostrou-se essencial para avaliarmos mudanças e
permanências no tocante ao assunto estudado. Também procuramos entender determinadas
representações que foram elaboradas acerca desses povos. Assim, o imaginário produzido
pelos cronistas e viajantes a partir do século XVI, as teorias raciais do XIX, o Indianismo, o
Positivismo e as abordagens atuais foram discutidas no presente estudo. Contudo,
observamos que a temática ainda é relegada a um segundo plano e as sociedades indígenas
são pouco pesquisadas e trabalhadas na área de Educação. Tal constatação também foi feita
a partir de entrevistas realizadas na rede pública de ensino com alunos que se posicionaram
acerca do assunto. A partir dessas análises, o trabalho busca oferecer uma contribuição para
a construção de uma visão mais ampla e crítica sobre o tema em questão.
Palavras-Chave: Livro Didático, Índios, História da Educação.
ABSTRACT
The present work aims at analyzing the image of indians built up in textbooks of History of
Brazil. In this way, works produced at the end of the 19th century and at the beginning of
the 20th were selected, together with the current school manuals (decades of 1990 and
2000). Departing from this temporal element, we observed the way used by these books to
approach the indigenous issue. This temporality revealed to be essential to evaluate changes
and permanencies regarding the topic studied. We attempted to understand certain
representations which were made up around these peoples. Being so, the imaginary
produced by chroniclers and travelers from the 16th century, the Indianism, the Positivism
and the present approaches were discussed in the present study. Yet, we observed that the
topic is still taken for granted and the indigenous societies are little researched in the
Education field. Such observation was also done based on interviews carried out in the
public teaching institutions with students positioning about the topic. Based on these
analyses, the work attempts to offer a contribution to the construction of a broader and
more critical view of the topic raised here.
Key-words: Textbooks; Indians; History of Education.
SUMÁRIO
Introdução
9
Capítulo I – O Livro Didático e Suas Interfaces
16
1- O Livro Didático como Objeto de Pesquisa em História da Educação
16
2- História e Manuais Escolares: O Livro como Objeto Cultural
24
Capítulo II – O Encontro Com o Outro: A Imagem dos Índios na Historiografia
42
1- Do Paraíso à Detração
42
2- As Teorias Raciais do Século XIX
50
3- O Indianismo
54
4- O Indígena e a República
59
Capítulo III – A Representação Sobre os Índios
na Historiografia Didática
69
1- A Imagem dos Índios nos Primeiros Manuais Escolares
69
2- Os Índios nos Livros Didáticos Atuais: Mudanças ou Permanências?
82
Considerações Finais
93
Referências Documentais e Bibliográficas
98
9
INTRODUÇÃO
Esse trabalho faz uma análise da imagem construída sobre os índios nos livros
didáticos de História do Brasil. Para tanto, investigamos dois períodos distintos, analisamos
alguns manuais escolares produzidos e utilizados no final do século XIX e início do XX,
assim como selecionamos livros didáticos do ensino médio, usados atualmente (décadas de
1990 e 2000). O critério que conduziu à escolha dos livros, foi o seu uso no universo
escolar de maneira continuada, isto é, pela grande inserção que possuíam e possuem em
suas épocas, formando sucessivas gerações de educandos.
A opção de trabalhar nessa temporalidade, abrangendo duas épocas diferentes e
inseridas em um tempo longo, envolveu-se ao próprio objeto da pesquisa, pois foi a partir
do Oitocentos que esses livros começaram a ser pensados, discutidos e produzidos no
Brasil. A escolha de um tempo longo foi necessária para percebermos as mudanças e/ou
permanências sobre a temática estudada, visto que, com esse procedimento metodológico,
poderíamos melhor compreender o nosso objeto de estudo na sua historicidade.
É importante salientar que a persistência de determinadas representações, a
conservação de certas práticas, se mostram perceptíveis, essencialmente, na chamada longa
duração. Assim conseguimos perceber “[...] amplos pedaços de história, sucessão de
estruturas ou de modelos de comportamento, que, mais do que se sucederem, se sobrepõem
e se encaixam como as telhas de um telhado.” (VOVELLE, 1998, p. 75).
O interesse pelo tema surgiu a partir da feitura da nossa monografia de final do
Curso de Licenciatura em História (UFPB), intitulada A Representação dos Índios na
Historiografia Paraibana (MARIANO, 2003), em que percebemos quão lacunar e
10
estereotipada é a temática indígena nessa produção. Ademais, constatamos que essa
representação genérica também estava presente em muitos livros didáticos, o que
demonstra a relevância dessa discussão, tendo em vista que esse é o material impresso mais
utilizado no universo escolar, e é a partir dele que os alunos recebem uma gama de
informações sobre a alteridade.
É interessante ressaltar que, a partir da chegada dos europeus à América, uma
considerável elaboração de representações sobre os povos aqui encontrados começou a ser
construída. O olhar de estranhamento perante a nova terra e seus habitantes foi relatado por
vários cronistas e viajantes desse período. Diante disso, a partir século XVI, duas imagens
alicerçaram essas discussões: o bom e o mau selvagem, representações essas que estavam
carregadas de elementos que os diferenciavam dos cristãos europeus. A leitura dessa
diferença foi feita por muitos pensadores a partir da idéia de falta, isto é, do que estava
“ausente” no outro.
Já no século XIX, foi sustentada por diversas correntes de pensamento a tese da
extinção dos povos indígenas. A partir, sobretudo, de pressupostos evolucionistas, os índios
passaram a ser vistos como primitivos, sendo os europeus, os povos então “civilizados”, a
referência nessa escala evolutiva. Muitos autores, partindo de uma perspectiva utilitária e
funcionalista, descreveram os índios a partir da atuação dos europeus, não hesitaram em
impor as suas concepções de mundo e, nas suas representações, não havia lugar para o
diferente. Na realidade, “tomavam o objeto como algo representado e imaginado pelo
sujeito. Não havia propriamente um trabalho de pensamento a exigir reflexão em torno do
que era visto.” (NOVAES, 1999, p. 10). Havia, dessa forma, uma apropriação de
determinados valores e idéias e a conseqüente edificação imaginária sobre a alteridade.
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Como conseqüência dessas construções, os índios são quase sempre estudados no
passado, aparecem em função do colonizador, representação essa que reforça a tendência
etnocêntrica de grande parte da historiografia em curso. Desde então, esses povos têm tido
uma participação pouco expressiva em nossa historiografia e no cotidiano escolar, sendo
geralmente estudados como coadjuvantes, vítimas indefesas, dominados, aldeados e
assimilados, nunca vistos com autonomia. Essas interpretações construíram uma imagem
estática dos índios e tendem a afastá-los da história, e, o que é mais preocupante, essa
representação está posta em muitos livros didáticos, e, no âmbito escolar, esse manual é um
influente instrumento no processo de ensino-aprendizagem.
O etnocentrismo é um evento que está presente na história das sociedades e
conceitua-se como uma percepção de mundo onde o “nosso” grupo é pensado como centro
de tudo e os “nossos” valores são colocados como referências para os demais. De acordo
com Rocha (2004, p. 9), “a sociedade do ‘eu’ é a melhor, a superior, é representada como o
espaço da cultura e da civilização por excelência. É onde existe o saber, o trabalho, o
progresso. A sociedade do ‘outro’ é atrasada. São os selvagens, os bárbaros.”
Nesse sentido, essa postura tende a dificultar a maneira como pensamos o diferente,
visto que, ao exercermos a alteridade, devemos nos colocar no lugar do outro na relação
interpessoal e, assim, exercer a cidadania e estabelecer uma relação construtiva com as
diferenças.
Contudo, o nosso objetivo é entender que tipo de conhecimento esses manuais
produziram e produzem sobre aqueles que são diferentes de nós e em que consiste a
representação dessa diferença; pretendemos discutir as deficiências mais recorrentes
presentes nestes manuais, bem como as omissões mais significativas; procuramos
12
compreender em que medida a elaboração dos manuais didáticos acompanha a produção
historiográfica, no que se refere às pesquisas e estudos mais recentes.
Assim, o presente trabalho está inserido em uma linha de pesquisa interdisciplinar.
A partir da década de 1920, com o movimento dos Annales e toda a sua contribuição para
as novas abordagens, temas, fontes e problemas, a História passou a aproximar-se de outras
disciplinas como a Antropologia, a Geografia, a Educação, a Sociologia, dentre outras, o
que proporcionou discussões interdisciplinares. O principal ponto de convergência entre
estas áreas tem-se dado, fundamentalmente, no terreno da História Cultural, onde o limite
entre elas é fugaz. Logo, partimos da idéia de cultura histórica, para repensar a
representação sobre esses povos nos livros didáticos, contribuindo para uma nova leitura.
Pois, como chama a atenção Reis (1999, p. 9), “a história é necessariamente escrita e
reescrita a partir das posições do presente, lugar da problemática da pesquisa e do sujeito
que a realiza”. E reescrever a história é compreender as dimensões temporais do texto, que
estão carregadas de influências, sejam sociais, políticas, econômicas ou culturais.
A História Cultural, por sua vez, proporcionou a ampliação das fronteiras entre as
diversas áreas e, conseqüentemente, uma variedade de abordagens e fontes descortinou um
leque de possibilidades de estudo. Segundo Burke (2005, p. 10), “o terreno comum dos
historiadores culturais pode ser descrito como a preocupação com o simbólico e suas
interpretações”, buscando tornar conhecida a maneira como, em diferentes lugares e
contextos, uma “determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler.”
(CHARTIER, 1990, p. 16).
Dessa forma, as representações do universo social são produzidas, e, assim,
podemos compreender as maneiras pelas quais as sociedades incutem seus valores, práticas,
enfim, as suas concepções de mundo. O conceito de representação é uma categoria central
13
na História Cultural, e é manifestada por padrões, normas, instituições, imagens,
cerimônias.
De
acordo
com
Pesavento
(2005,
p.
40),
“representar
é,
pois,
fundamentalmente, estar no lugar de, é presentificação de um ausente; é um apresentar de
novo, que dá a ver uma ausência”. Contudo, a representação é uma construção que também
encobre ordenamento, identificação, legitimação e exclusão.
Ademais, entendemos que o livro didático não é uma produção neutra, visto que,
traz consigo condicionantes das políticas educacionais vigentes, do mercado editorial, das
concepções teórico-metodológicas do autor, enfim, de uma série de fatores que influenciam
esta produção. Portanto, “no ponto de articulação entre o mundo do texto e o do sujeito
coloca-se uma teoria da leitura capaz de compreender a maneira em que os discursos
afetam o leitor e o conduzem a uma nova norma de compreensão de si e do mundo.”
(CHARTIER, 1990, p. 24).
Pretendemos analisar a representação sobre os índios nos livros didáticos de
História do Brasil, pois o que está posto, é uma certa invisibilidade histórica: são lacunas,
omissões, estereótipos que necessitam ser reavaliados, já que esses povos merecem ser
desligados dessas concepções teórico-metodológicas que estão cristalizadas na história.
Nesse trabalho utilizamos como recurso às fontes primárias, visto que, em um
estudo dessa natureza, o livro didático é tratado como documentação básica para análise.
Os relatos de cronistas, viajantes, religiosos e naturalistas também foram utilizados e têm
muito a revelar, em suas entrelinhas, sobre a complexidade das ralações de alteridade.
Logo, a pesquisa foi realizada nas bibliotecas públicas da cidade de João Pessoa, tais como:
Biblioteca Central, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Biblioteca Prof Silvio
Frank Allen, do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR);
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Biblioteca Irineu Pinto, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), dentre
outras.
Vale salientar a especificidade e limite das fontes, pois não existe no Brasil uma
política de preservação de livros didáticos, o que tornou a pesquisa mais difícil. É
interessante, também, ressaltar que todo recorte temporal tem um nível de restrição, de
finitude, enfim, de limitação e deve adquirir formas próprias de acordo com os objetivos de
estudo. Dessa maneira, as nossas problematizações deram contorno ao nosso objeto de
pesquisa, pois “a história pode ser algo universalmente apreendido, por deficiente que seja
a capacidade humana de evocá-la e registrá-la, e algum tipo de cronologia, ainda que
irreconhecível ou imprecisa segundo nossos critérios, pode ser uma mensuração necessária
disso.” (HOBSBAWM, 1998, p. 35).
Quanto à estrutura, a dissertação divide-se em três capítulos. O primeiro capítulo
discute o livro didático e suas interfaces, com o propósito de entendê-lo enquanto objeto
cultural, isto é, fruto de um contexto, de uma temporalidade, que possui uma historicidade.
Logo, analisamos a sua trajetória desde o Oitocentos, período em que foram discutidos e
produzidos, até os dias atuais. Neste capítulo, também discutimos a importância desse
objeto como fonte de pesquisa em História da Educação.
O segundo capítulo trata a construção de determinadas imagens sobre os índios na
historiografia: para tanto, analisamos, a partir do século XVI, os discursos de cronistas e
viajantes, as teorias raciais do XIX, o Indianismo, o Positivismo e as contribuições atuais
sobre a temática em questão. Essas discussões mostraram-se fundamentais para podermos
articular, no capítulo seguinte, a historiografia não didática com a didática.
O terceiro e último capítulo analisa a representação sobre os índios nos livros
didáticos de História. Nesse momento, avaliamos esses manuais em duas épocas diferentes,
15
com o intuito de percebermos as mudanças e as permanências no tocante ao assunto
estudado, e foi a partir da análise de livros didáticos antigos e atuais, que compreendemos
as inúmeras ligações que permeiam estes dois momentos distintos.
16
CAPÍTULO I
O LIVRO DIDÁTICO E SUAS INTERFACES
1-O Livro Didático Como Objeto de Pesquisa em História da Educação
Apesar de ilustre, o livro didático é o primo pobre da
literatura, texto para ler e botar fora, descartável
porque anacrônico: ou ele fica superado dados os
progressos da ciência a que se refere ou o estudante
o abandona, por avançar em sua educação. Sua
história é das mais esquecidas e minimizadas, talvez
porque os livros didáticos não são conservados,
suplantando seu ‘prazo de validade’. (LAJOLO;
ZILBERMAN, 1999, p.120)
A história cultural, em especial, o estudo das representações, tem se firmado entre
os historiadores que se interessam pela compreensão das sociedades históricas a partir da
análise dos seus discursos, das suas idéias, imagens, versões, comportamentos e práticas
que integram a complexa e dinâmica investigação cultural. Nesse contexto, a História da
Educação ganhou um espaço de destaque para tais análises, pois, a partir dela, podemos
entender um período, uma temporalidade, aliás, carregada de sentidos, uma vez que os
fenômenos educacionais/educativos são manifestações da mais alta significação em relação
à cultura de uma determinada sociedade. É também no âmbito educacional que se
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produzem/reproduzem conhecimentos e saberes. Entender todos esses fenômenos na sua
historicidade é uma das preocupações da História da Educação.
A História da Educação surgiu com o propósito de colaborar para a organização
pedagógica e, enquanto disciplina, nasceu no final do século XIX, em especial nas Escolas
Normais e nos cursos de formação de professores. Desde a sua concepção, sempre possuiu
uma íntima relação com a Pedagogia, o que a caracterizou como um ramo desta.
As práticas pedagógicas e o caráter utilitário do sistema educacional marcaram,
durante décadas, os trabalhos de História da Educação. Tudo o que era escrito e pensado se
referia à solução prática dos problemas de ensino, bem como à formação de professores.
Como herança desse período, a História da Educação sofreu uma certa marginalização na
sua trajetória, o que dificultou o seu estabelecimento como uma área de estudo autônoma
(LOPES; GALVÃO, 2001).
Como campo de pesquisa, a História da Educação é relativamente nova e, de acordo
com Scocuglia (2003), graças às “amplificações historiográficas”, aos avanços nas
discussões teórico-metodológicas, a História da Educação vem sendo considerada História:
Como é possível conhecer a história de um indivíduo, de um grupo, de
um país...sem compreender suas educações, suas escolas, suas
pedagogias? Como subsistiria uma história das ‘representações’, ou
história das ‘práticas culturais’, sem o entendimento do educativo
pedagógico, seja ele escolar ou não? Certamente incluindo a História da
Educação, da escola, da pedagogia, dos educadores, da legislação
educacional etc, na chamada história cultural. (SCOCUGLIA, 2003, p.
89-90)
Atualmente, as pesquisas desenvolvidas nesse campo são muito inovadoras e
frutíferas. Para Lopes e Galvão (2001), essa mudança de perspectiva foi e está sendo
influenciada por duas tendências historiográficas: o Marxismo e a Nova História.
18
Segundo as referidas autoras, Louis Althusser (1918-1990) e Antonio Gramsci
(1891-1937) foram os pensadores mais estudados nos anos de 1970 no Brasil. O Marxismo
contribuiu, assim, de forma decisiva, na maneira de se pensar, entender e pesquisar a
História da Educação, indicando-lhes novas abordagens, categorias sociais, fontes e objetos
de pesquisa.
Alguns estudiosos, porém, enfocaram a análise dos seus trabalhos apenas nas
configurações econômicas e políticas. Logo, “os aspectos econômicos e políticos de uma
determinada época serviam para explicar (quase) tudo” (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 37), o
que empobreceu a feitura de muitos trabalhos que seguiram essa perspectiva.
Atualmente, a Nova História, especialmente a Nova História Cultural, tem
influenciado a História da Educação. Esse movimento surgiu na década de 1920, na França,
com a publicação da revista Annales d’histoire économique et sociale, uma iniciativa de
Lucien Febvre (1878-1956) e Marc Bloch (1886-1944), que “pretendia exercer uma
liderança intelectual nos campos da história social e econômica. Seria o porta-voz, melhor
dizendo, o alto-falante de difusão dos apelos dos editores em favor de uma abordagem nova
da história.” (BURKE, 1997, p. 33).
A Escola dos Annales, como ficou conhecida, surgiu como uma insatisfação em
relação à história política convencional, na busca por uma substituição da tradicional
narrativa dos acontecimentos, com total repulsa à história linear e acontecimental. Seus
idealizadores objetivavam uma história-problema, interdisciplinar, como forma de
superação da historiografia metódica e positivista do século XIX.
Essa inovação proposta pelos Annales buscava uma história das atividades humanas
e não apenas uma história política, diplomática e factualista. Nesse contexto, a história
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passou a ser entendida como produto do historiador, não havendo, assim, uma realidade
pronta e acabada. Essas características marcaram a primeira fase do movimento.
Na segunda fase, Fernand Braudel (1902-1986) foi um dos principais inspiradores e
contribuiu com os conceitos de conjuntura e estrutura, o que trouxe mudanças na concepção
de tempo histórico, que deixou de ser linear e progressiva, alcançando a idéia de duração,
isto é, o tempo histórico passou a ser visto como múltiplo, diverso, complexo e nele
observamos mudanças e permanências:
o historiador dos Annales abordou a história com um ‘novo olhar’, isto é,
com uma nova representação do tempo histórico. Ao se aproximarem das
ciências sociais, os Annales realizaram uma revolução epistemológica
quanto ao conceito de tempo histórico, ou melhor, uma renovação
profunda, uma mudança substancial na forma de sua compreensão, mas
sem perder a sua ligação com o projeto inaugural de Heródoto: ‘conhecer
as mudanças humanas no tempo’. (REIS, 2000, p. 15)
Nos anos de 1960, emergiu a terceira fase, e o movimento foi marcado por uma
espécie de fragmentação, com uma historiografia diversificada e com uma ampla
abordagem na história sociocultural.
Dentro das várias inovações propostas pelos Annales está o diálogo com diversas
áreas, e na terceira geração essa interdisciplinaridade tornou-se mais ampla, bem como o
alargamento no conceito de fontes históricas, entendidas como qualquer vestígio deixado
pelas sociedades passadas. De acordo com Burke (1997):
[...] a mais importante contribuição do grupo dos Annales, incluindo-se
as três gerações, foi expandir o campo da História por diversas áreas.
O grupo ampliou o território da História, abrangendo áreas inesperadas
do comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos
historiadores tradicionais. Essas extensões do território histórico estão
vinculadas à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento de novos
métodos para explorá-las. (p.126, grifos nossos)
20
Nesse sentido, a História da Educação vem conquistando seu espaço e ganhando um
novo olhar por parte dos pesquisadores e estudiosos. Tais contribuições têm proporcionado
uma rediscussão e uma ampliação dos temas e objetos estudados. Com o aumento dos
assuntos abordados pela História da Educação, os pesquisadores foram problematizando,
incorporando e ampliando o uso de novas fontes.
Nesse contexto, o livro didático surgiu como um objeto riquíssimo de pesquisa,
pois, a partir das influências e contribuições postas pelas tendências historiográficas
anteriormente citadas, esses manuais escolares passaram a ser estudados de forma mais
ampla e crítica.
Atualmente, o livro didático não é mais entendido como uma produção isenta de
parcialidade, visto que traz consigo influência das políticas educacionais em voga, do
mercado editorial, das vinculações teórico-metodológicas do autor, enfim, de uma gama de
fatores que influenciam essa produção. Contudo, o livro didático deve ser entendido como
um objeto cultural (CHARTIER, 1990), pois possui uma grande variedade de conotações.
Dessa forma, abre-se um leque de discussões e análises que, anteriormente, eram ignorados
em estudos dessa natureza. Ele está inserido em um contexto político, econômico, social e
cultural e deve ser analisado como tal:
As obras, os discursos, só existem quando se tornam realidades físicas,
inscritas sobre as páginas de um livro, transmitidas por uma voz que lê
ou narra, declamadas num palco de teatro. Compreender os princípios
que governam a “ordem do discurso” pressupõe decifrar, com todo o
rigor, aqueles outros que fundamentam os processos de produção, de
comunicação e de recepção dos livros. (CHARTIER, 1999, p. 8)
Com esse novo olhar sobre os livros didáticos, diferentes temáticas e perspectivas
devem ser consideradas, uma variedade de campos de conhecimento podem verticalizar
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questões ligadas a sua produção, circulação, mudança/permanência, valores, conteúdos,
usos e práticas, bem como aos diferentes agentes que estão envolvidos: autores, editores,
autoridades, alunos e professores.
O livro didático é um objeto de pesquisa importante na História da Educação, pois
ele acompanha os alunos em todas as fases da aprendizagem, é portador de uma memória
nacional, possui um valor cultural e merece todo o nosso respeito, porém, não vem
recebendo um tratamento adequado, visto que, não vem sendo preservado.
Diante do exposto, podemos perceber que o livro didático constitui uma fonte
privilegiada de pesquisa, porém, é pouco valorizado pela nossa sociedade, é um objeto visto
como de segunda categoria, que tem um uso efêmero, pois é destinado a uma determinada
série e por um determinado período letivo, o que acarreta um processo seletivo e seu
conseqüente descarte:
Pouquíssimos são os espaços dedicados à preservação da memória
nacional ou regional da educação. Daí a dificuldade que temos de acesso
a fontes nessa área. Na verdade, a pesquisa histórica em educação requer
que realizemos um verdadeiro trabalho de ‘garimpagem’ sobre fontes na
área educacional. (CORRÊA, 2000, p. 13)
Em um estudo realizado na década de 1980, esse descaso foi percebido por
pesquisadores que concluíram: “apenas 32.7% das escolas públicas conservam o livro pelo
período de três anos, que, segundo os professores entrevistados, é o período oficialmente
reconhecido pelo PLIDEF1 como o tempo de vida útil de um livro.” (OLIVEIRA;
GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984, P. 101). Nessa pesquisa, 61.8% das escolas públicas
analisadas utilizavam os livros por menos de três anos. Os autores, então, tentaram entender
1
O Programa do Livro Didático Para o Ensino Fundamental foi criado em 1980.
22
as razões para a “substituição freqüente dos livros”, e constataram que 55.5% das escolas
mudavam os livros pelo “envelhecimento do conteúdo e forma”. Dessa amostra, 27.8% dos
entrevistados fizeram referência à “pressão das editoras” que estimulavam a troca, enquanto
16.7% dos professores apontaram como causa da substituição a “imposição da escola”.
Ainda com relação ao valor dado aos livros didáticos, para o mercado editorial é um
material extremamente valorizado e por isso é rapidamente descartado, o alto volume de
tiragem e circulação mostram bem essa relação.
As editoras têm um papel fundamental nessa substituição. Essa indústria cultural
que transformou o livro didático numa mercadoria, faz com que os novos lançamentos
substituam rapidamente os livros de anos letivos anteriores. Segundo a referida pesquisa,
70.5% das escolas têm acesso aos lançamentos através de propagandas das editoras. Os
livros, assim, passaram a ser cada vez menos reutilizados e, conseqüentemente descartados,
ou seja, não são guardados ou preservados.
A mesma pesquisa demonstrou que menos de 50% das escolas conservavam e
armazenavam esse material, ficando evidente que, apesar da maioria das escolas possuírem
um espaço físico que poderia ser utilizado para esse fim, isso não ocorre, provavelmente
pela falta de uma política de incentivo à preservação desses manuais.
Tal constatação é feita a partir de um passeio por nossos arquivos e bibliotecas,
onde esses manuais não são catalogados e guardados, isto é, raramente são encontrados nas
prateleiras dessas instituições. Consideramos esse um fator determinante para o anonimato
do livro didático e para a memória coletiva que está perdendo uma fonte significativa para a
história do pensamento e das práticas educativas. Felizmente, algumas iniciativas começam
a mudar esse quadro, é o caso da Biblioteca do Livro Didático, na Faculdade de Educação
da USP, implantada pela professora Circe Bittencourt na década de 1990.
23
Mas, o que fica evidente, é o total descaso com os livros escolares mais antigos,
que, como foi dito anteriormente, não foram conservados, e essa prática tem contribuído
para a não preservação dessas fontes atualmente. Mas, como chama a atenção Bloch
(1963), ao discutir a transmissão dos testemunhos:
Ao contrário do que parece por vezes imaginar os principiantes, os
documentos não surgem, aqui ou acolá, por artes mágicas. A sua
presença ou a sua ausência, em determinado fundo de arquivo, em
determinada biblioteca, em determinado terreno, dependem de causas
humanas que de maneira alguma escapam à análise, e os problemas
que a sua transmissão levanta, longe de se encontrarem somente ao
alcance de exercícios de técnicos, respeitam, eles mesmos, ao mais
íntimo da vida do passado, porque aquilo que se encontra afinal em jogo
não é nem mais nem menos do que a passagem da memória das coisas
através das gerações. (p. 65-66, grifos nossos)
A dificuldade de encontrarmos livros didáticos tanto antigos quanto os mais
recentes, isto é, a falta desse material em arquivos, bibliotecas e acervos em geral, nos
mostra como esses manuais são pouco valorizados na nossa sociedade. As ausências, por si
só, revelam uma face da cultura em que esses livros estão inseridos, mas como salienta
Ferro (1989, p. 2), “os silêncios são tão história quanto a história”. Portanto, nesse processo
de produção do conhecimento histórico, o livro didático pode e deve sair do seu anonimato.
Apesar das lacunas, das limitações impostas pelo próprio estado de preservação, das
próprias limitações que envolvem qualquer tipo de pesquisa, esses manuais merecem ser
resgatados de muitas perspectivas que o retiraram de cena.
24
2-História e Manuais Escolares: O Livro Como Objeto Cultural
O livro sempre visou instaurar uma ordem; fosse a
ordem da sua decifração, a ordem no interior da qual
ele deve ser compreendido ou, ainda, a ordem
desejada pela autoridade que o encomendou ou
permitiu a sua publicação. (CHARTIER, 1999, p.8)
O livro didático, contrariamente o que pensa o senso comum, é um instrumento
educacional extremamente complexo, podendo, assim, ensejar diferentes leituras, é também
um objeto cultural de difícil definição, pois é marcado pela atuação de vários sujeitos que
estão envolvidos na sua produção, circulação e consumo. Contudo, entendemos o livro
didático como todo material impresso estruturado para o processo de ensino-aprendizagem.
Atualmente, é um objeto muito criticado, mas apesar de ser passível de críticas, é
um recurso muito importante no processo de aprendizagem de crianças e jovens, bem como
é o material impresso mais utilizado no universo escolar. A sua trajetória tem mostrado que
esse material vem sofrendo mudanças ao longo da sua história, o que nos faz acreditar que
essa renovação, qualitativa e quantitativa, trouxe aspectos positivos e negativos. Contudo,
ao analisarmos os livros didáticos de História do Brasil, podemos entender melhor algumas
características que marcaram essa trajetória.
É complexo exprimir com exatidão o ensino de História no Brasil anterior ao século
XIX, momento em que se formava o Estado nacional e em que foram discutidos e
produzidos os projetos para a educação no Império. Mas é importante frisar que “a
montagem de uma rede de instituições de saber estável no Brasil é bastante recente.
Controlado pelos jesuítas, o ensino na colônia portuguesa limitava-se às escolas
25
elementares, não existiam centros de pesquisa ou de formação superior.” (SCHWARCZ,
1993, p. 23). Os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, fundaram escolas, igrejas e deram
instruções básicas aos nativos e descendentes de portugueses. Sua proposta pedagógica, o
Ratio Studiorum, surgiu para unificar as práticas pedagógicas desses religiosos devido ao
aumento do número de colégios por eles administrados. Os ensinamentos religiosos e a
memorização alicerçavam essa proposta, que se manteve mesmo após a expulsão dos
jesuítas em 1759, pelo Marquês de Pombal, então Ministro de D. José I. Dessa forma,
A educação brasileira, desde os primeiros anos da colonização
portuguesa, não se faz a partir de condicionantes endógenos, mas surge
de adaptações de modelos importados de países ditos mais adiantados,
que atendem a interesses da elite dominante, na construção de seus
quadros políticos e na manutenção de seu poderio econômico.
(CASTELO BRANCO, 2005, p. 57)
O objetivo era a formação de uma elite letrada que subsidiaria a administração
metropolitana. A partir de 1808, com a vinda da família real para o Brasil, essa necessidade
administrativa aumentara, D. João tinha como objetivo criar instituições centralizadoras que
mantivessem o domínio na Colônia. Nessa época, foram criados estabelecimentos como a
Imprensa Régia, o Museu Real, a Biblioteca Real2, uma Academia de Belas Artes, dentre
outras. Com a volta de D.João VI para Portugal, seu filho D. Pedro deu continuidade a esse
processo.
A composição da História, como disciplina escolar no Brasil, ocorreu na primeira
metade do século XIX, período em que vários projetos educacionais foram discutidos, com
o intuito de uma melhor estruturação do sistema de ensino, e, nesse processo, a importância
dos compêndios para a efetivação desse aprendizado começou a ser debatida. Havia o
2
Hoje se denomina Biblioteca Nacional.
26
interesse de formar uma elite dirigente e, ao mesmo tempo, moldar a massa populacional,
estabelecendo mecanismos de controle, pois o intuito era ordenar, civilizar e instruir, isto é,
assegurar a ordem e propagar a almejada civilização eram condições essenciais para se
manter o status quo. Para Mattos (1990, p. 259), “instruir ‘todas as classes’ era, pois, a
possibilidade de estabelecer o primado da Razão, superando a ‘barbárie’ e a desordem das
ruas.”
Nesse sentido, os primeiros livros didáticos utilizados no Brasil, no século XIX,
vieram da Europa, especialmente da França, onde foram produzidos com o objetivo de
sistematizar e controlar o ensino e a aprendizagem dos educandos. A partir das propostas
postas em pauta pela Revolução Francesa, a educação escolar passou por inúmeras
discussões, objetivando, assim, a propagação de um ensino unificado, alicerçado por uma
cultura universal, que estaria presente nos compêndios escolares, nas propostas pedagógicas
e nos currículos a serem seguidos:
O “caso” francês tornou-se exemplar ao deixar claras as vinculações
entre o fortalecimento do Estado-nação, a construção e consolidação de
uma identidade nacional coletiva, a afirmação nacional perante outras
nações, a legitimação de poderes constituídos e a História enquanto
conhecimento social e culturalmente produzido e seu ensino nas escolas.
(FONSECA, 2003, p. 26)
No Brasil, esse modelo educacional francês foi seguido, por isso uma legislação foi
elaborada, com o intuito de formar um indivíduo amante da sua pátria e produtivo, ajustado
aos interesses do sistema social e econômico em voga.
É nesse contexto do Oitocentos que a História emerge como disciplina escolar
autônoma, uma ferramenta para o entendimento sobre o “progresso humano”, onde os
educandos teriam a oportunidade de aprender sobre os grandes vultos, as datas memoráveis
27
e o passado glorioso das civilizações. Nessa linha, no Brasil, “[...] a base do ensino centrouse nas traduções de compêndios franceses: para o ensino de História Universal, o
compêndio de Derozoir; para História Antiga, o de Caiz; e para História Romana, o de
Durozoir e Dumont.” (NADAI, 1993, p. 146). Portanto, esses livros didáticos estrangeiros
eram traduzidos3 para o português e utilizados nas escolas brasileiras onde os alunos
aprendiam, essencialmente, a História da Europa Ocidental.
Alguns políticos, entretanto, falavam da escassez desse material na nova nação e,
de acordo com Bittencourt (1993, p. 19), “relatórios oficiais relativos à escolarização nas
primeiras décadas do Império registraram constantes reclamações sobre a ausência de
manuais escolares.”
Nesse período, as reclamações eram constantes no tocante a instrução pública, visto
que, o seu progresso, “é em grande parte uma questão de dinheiro. Não há boas escolas
nem bons mestres sem muita despesa” (OLIVEIRA, 2003, p. 53). Essas impressões de
Antônio de Almeida Oliveira que escreveu no XIX mostram apenas alguns problemas
relativos a instrução pública no Império.
Além das queixas pela falta de material, ausência de professores capacitados,
remuneração insuficiente e instalações inadequadas para o funcionamento das cadeiras
isoladas, muitas críticas foram feitas pela carência de obras nacionais, pois como os
manuais eram de autoria estrangeira, sentia-se falta de obras redigidas no Brasil, livros que
fizessem com que o país se reconhecesse, histórica e geograficamente.
Diante disso, um dos objetivos marcantes na produção desses manuais girava em
torno do seu poder de condução. Desse modo, o interesse recaiu sobre o seu poder de
transmissão, de indução de práticas e hábitos necessários à recém criada nação.
3
Na ausência de compêndios traduzidos, utilizava-se o manual na língua original.
28
Contudo, havia um outro problema a ser discutido, pois no Brasil os professores
eram leigos, mas esse assunto já havia sido pensado pelo filósofo francês Antoine-Nicolas
Condorcet (1743-1794) que, em seu texto Second Mémoire sur l’Instrution Publique,
idealizou dois tipos de livros didáticos: os Compêndios ou Manuais Escolares, dos alunos,
e os Livros dos Mestres. Portanto, percebemos que, inicialmente, também foi pensado um
livro que servisse às necessidades do professor. E de acordo com Bittencourt (1993, p. 22),
“a concepção de livro didático fornecida por Condorcet, [...] foi bastante conhecida por
nossos legisladores. O texto educacional de Martim Francisco d’Andrada [...] foi
praticamente uma tradução adaptada da obra de Condorcet”. Desse modo, na sessão de 7 de
julho, a Constituinte de 1823, por intermédio da Comissão de Instrução Pública, analisando
o texto Memória Sobre a Reforma de Estudos da Capitania de São Paulo, de Martim
Francisco d’Andrada, admitiu que a obra era:
um verdadeiro methodo, tanto de ensinar, como de aprender, [...] pelo
arranjamento analitico, com que classifica o começo e progresso gradual
dos conhecimentos humanos, e pela indicação que faz das materias que
successivamente devem ser ensinadas, do methodo a seguir, da escolha
dos compendios, e sua composição, pela falta de publicação, e adopção
de um tão luminoso sistema em todas as provincias do Brasil. (DIÁRIO
DA ASSEMBLÉIA GERAL, 2003, p.43)
Em síntese, os legisladores deram um parecer favorável à referida memória, que
deveria ser impressa para servir de guia aos professores e de incentivo para a produção de
compêndios escolares. No XIX, os professores deveriam possuir qualidades e virtudes, o
que revela os versos a seguir:
Puro nos costumes, no dever exato. Modesto, polido, cheio de bondade.
Paciente, pio, firme no caráter. Zeloso, ativo e tão prudente, em punir
29
como em louvar. Agente sem ambições, apóstolo em que a infância se
modela. Espelho em que os mundos se refletem. Mito e sacerdote, juiz e
pai, eis o mestre, eis o professor. (OLIVEIRA, 2003, p. 204)
Na realidade, os mestres seriam os responsáveis pela arte de ensinar, isto é deveriam
habilitar, preparar e munir os meninos para a vida social por meio da instrução.
Outra medida discutida foi a organização de uma legislação que pudesse controlar a
produção e o conteúdo veiculado nos compêndios escolares. Esses manuais não deveriam
divulgar conhecimentos considerados perigosos pela elite nacional, isto é, deveria haver
uma propagação de ensinamentos pautados na moral e nos valores da época. Nesse
contexto, além dos mecanismos de vigilância, as editoras entraram em cena na produção
desse material:
Para efetuar a transformação de um material didático no produto de
maior consumo da cultura escolar, os editores associaram-se ao Estado,
engendrando atuações conjuntas em suas formas de circulação.
Estabeleceram-se entre ambos tramas, por intermédio das quais o livro
didático disseminou-se no quotidiano escolar, transformando-se no
principal instrumento do professor na transmissão do saber.
(BITTENCOURT, 1993, p. 78)
A partir de 1808, quando foi criada a Imprensa Régia4, a literatura didática ficava a
cargo desse órgão. Contudo, em 1822, com o fim do monopólio da impressão na capital
pela Imprensa do governo, as editoras particulares começaram a produzir no Brasil. A
maioria concentrava-se no Rio de Janeiro, então capital do Império, local privilegiado para
as articulações políticas e culturais, articulações essas, necessárias para o desenvolvimento
de um negócio lucrativo. As primeiras editoras que despontaram, B. L. Garnier5, E. & H.
4
A Imprensa Régia também reproduzia documentos do governo, panfletos, sermões e outras publicações.
Baptiste Louis Garnier foi o mais importante livreiro editor do século XIX no Brasil, além de diversas obras,
publicou compêndios para a instrução pública (HALLEWELL,1985).
5
30
Laemmert e Nicolau Alves & Cia6, monopolizaram o mercado e essa característica marcou
o cotidiano escolar visto que essa tendência se mantém até hoje.
Os primeiros compêndios escolares escritos no Brasil ficaram a cargo dos
intelectuais do Império. Com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em
1838, do Imperial Colégio Pedro II, em 1837, que fora estruturado para ser o
estabelecimento padrão do ensino secundário no Império7, e da Escola Militar, no Rio de
Janeiro, esses manuais começaram a ser produzidos pelos membros dessas instituições.
A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), com a função de
“construir uma história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar
fatos buscando homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos”
(SCHWARCZ, 1993, p. 99), representa o modelo de instituições voltadas para a
preservação dessa história pátria, identificada com referências luso-brasileiras: grandes
personalidades, datas memoráveis, grandes fatos políticos, enfim, questões de um passado
que servisse de referência para as gerações futuras. Nesse contexto:
O livro didático tornou-se, rapidamente, o texto impresso de maior
circulação, atingindo uma população que se estendia por todo o país. A
obra didática caracterizou-se, desde seus primórdios, por tiragens
elevadas comparando-se à produção de livros em geral. A circulação dos
livros escolares superava todas as demais obras de caráter erudito,
possuindo um status diferenciado e até certo ponto privilegiado,
considerando-se que a sociedade se iniciava no mundo da leitura.
(BITTENCOURT, 1993, p. 109)
Muitos intelectuais utilizavam a literatura didática para propagar suas idéias e tornar
público seus trabalhos. Dentre os autores de livros de História do Brasil, podemos citar:
6
A sua especialidade eram os livros colegiais e acadêmicos, o que propiciou o alicerce dos seus negócios
(HALLEWELL,1985).
7
Com o advento da República, o colégio passou a ser denominado Ginásio Nacional.
31
Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde (1802-1839), natural de Portugal, fora criado no
Brasil, fez seus estudos na Academia Militar do Rio de Janeiro e era sócio do IHGB, onde
teve seu livro Resumo de História do Brasil aprovado, em 1834, para a instrução pública.
Essa obra originou-se de um compêndio francês, Resumé de l’histoire du Brésil, de autoria
de Ferdinand Denis.
José Inácio de Abreu e Lima (1794-1869), natural de Recife (PE) também estudou
na Academia Militar do Rio de Janeiro e teve seu Compêndio de História do Brasil (1844)
adotado no Colégio Pedro II e em vários liceus do país, apesar das suas divergências com
Francisco Adolfo de Varnhagen, pois sua obra, lançada pela editora Laemmert, causou
polêmica, ao ser avaliada pelo IHGB, e considerada plágio. Abreu e Lima foi um homem
atuante, tendo participado do movimento de 1817 e das campanhas pela independência da
Venezuela e Colômbia com Simon Bolívar.
Vários autores, a exemplo de Basílio de Magalhães, Viriato Corrêa, Rocha Pombo,
Affonso Celso, Joaquim Manoel de Macedo, entre outros, escreveram livros didáticos no
final do século XIX e início do XX. Esses manuais foram muito utilizados pelos
estabelecimentos de ensino e formaram muitas gerações, pois foram reeditados e
reutilizados sucessivas vezes. Esses livros tinham o intuito de ensinar a História Pátria e
desenvolver nos alunos sentimentos de nacionalidade.
Esses intelectuais, sócios do Instituto, eram médicos, políticos, literatos, advogados,
e ocupavam suas cadeiras a partir de uma teia de relações pessoais, a maioria associados à
política imperial. Devido às suas especialidades profissionais, possuíam uma forte
penetração na sociedade civil, sempre com o intuito de ensinar e propagar conhecimentos.
Nesse contexto, a escola e, conseqüentemente, os compêndios escolares, passaram a ter um
papel fundamental na divulgação de determinados valores pautados nos moldes europeus,
32
pois um dos meios para se atingir a tão almejada “civilidade”, era por intermédio da
educação:
A literatura didática produzida no decorrer do século XIX era herdeira
dessa concepção de educação formal, cabendo-lhe uma dura tarefa.
Deveria assegurar ao professor o domínio de um conteúdo básico a ser
transmitido aos alunos e garantir a ideologia desejada pelo sistema de
ensino. (BITTENCOURT, 1993, p. 25)
Dos vinte e sete membros iniciais do IHGB, três eram professores, destes, dois do
Colégio Pedro II e um, da Academia Militar. Como chama a atenção Callari (2001, p. 60),
o IHGB “teve atuação decisiva nos debates historiográficos e na sua divulgação, ainda que
de maneira indireta, através dos livros didáticos.”
Como uma das reclamações constantes, por parte dos legisladores, era a falta de
compêndios genuinamente nacionais, o IHGB, enquanto instituição detentora de
conhecimentos na época, entrou na discussão. Alguns concursos e premiações foram
instituídos para incentivar a feitura desses livros, pois o número de escolas estava
aumentando e havia a necessidade de uma maior quantidade desses manuais. Justiniano
José da Rocha, por exemplo, sócio do IHGB, jornalista, político e professor de História
Pátria, solicitou ao Instituto uma comissão encarregada de planejar um compêndio de
História do Brasil. Assim, podemos perceber que havia interferência dessa agremiação
também nos assuntos educacionais.
Nesse contexto, o discurso instituinte era centrado na exaltação das qualidades
nacionais, configurando uma ideologia que enaltecia o Estado nacional como forma ideal
de organização, com a elevação de seus valores e de sua cultura. Dessa forma, a visão de
história que prevalecia no IHGB, era pautada no nacionalismo.
33
Com a criação do Colégio Pedro II (1837), o ensino de História começou a ser
inserido nos currículos, porém, não existia uma política nacional para o livro didático
(CAIMI, 1999). A disciplina História Pátria ou História do Brasil não era autônoma e
ocupava uma posição secundária, sendo transmitida pelas datas e fatos considerados
relevantes.
Durante todo o século XIX, o Estado esteve presente em todas as discussões sobre a
produção, controle e distribuição dos livros didáticos. Da mesma forma, no início do século
XX, percebemos a sua intervenção nas reformas educacionais que se estruturavam a partir
das novas necessidades do país.
A partir de 1930 é que começou a crescer o número de livros didáticos feitos no
Brasil. Para Caimi (1999, p. 34-5), “[...] fato que se deveu especialmente a dois fatores: o
encarecimento do livro estrangeiro, provocado pela crise de 1929, e o desenvolvimento de
uma política educacional consistente, através de Francisco Campos, então Ministro da
Educação e Saúde Pública”. A reforma8 por ele proposta objetivava a centralização do
ensino e a unificação nacional a partir de programas-modelo. As escolas teriam um papel
fundamental na formação da consciência nacional e a História, nesse contexto, era a
disciplina ideal para tal construção. O Programa de História para o Ensino Secundário
Brasileiro, de 1931, mostra os objetivos dos legisladores:
Conquanto pertença a tôdas as disciplinas do curso a formação da
consciência social do aluno, é nos estudos de História que mais
eficazmente se realiza a educação política, baseada na clara compreensão
das necessidades de ordem coletiva e no conhecimento das origens, dos
caracteres e da estrutura das atuais instituições políticas e
administrativas. (HOLLANDA, 1957, p.18)
8
Com a Reforma Francisco Campos (Decreto 19.890/31) o ensino secundário no Brasil passou a ter duas
etapas: o Fundamental, destinado a uma formação geral, e o Complementar, obrigatório para quem fosse
seguir o ensino superior.
34
Com a Reforma Francisco Campos, em 1931, foi produzido o primeiro programa de
ensino para as instituições secundárias no Brasil. Antes, essa tarefa era realizada pelos
professores do Colégio Pedro II e das escolas secundárias (ABUD, 1998). Os assuntos a
serem aprendidos, eram os mesmos já consagrados pelo IHGB desde o concurso Como
Escrever a História do Brasil, realizado em 1844, logo, a “formação de Portugal”, os
“grandes descobrimentos” e, posteriormente, o Brasil, eram temas enfocados. Temas como
a formação do povo brasileiro, a organização do poder político, a ocupação do território,
enfim, deveriam ser trabalhados nas escolas a partir de uma perspectiva de homogeneidade,
de unidade étnica, administrativa e territorial.
Em 1937, foi criado o Instituto Nacional do Livro (INL), na gestão Gustavo
Capanema no Ministério da Educação, que deu continuidade à proposta centralizadora da
educação iniciada por Francisco Campos. Esse órgão tinha como objetivo distribuir e
propagar obras de interesse educativo. Com essas reformas educacionais, o ensino de
História ganhou destaque nas propostas de construção da unidade nacional:
Na terceira e quarta séries do curso ginasial o estudo da História do
Brasil visa precipuamente à formação da consciência patriótica, através
dos episódios mais importantes e dos exemplos mais significativos dos
principais vultos do passado nacional. Assim como nas aulas de História
Geral, serão postas em relevo as qualidades dignas de admiração, a
dedicação aos grandes ideais e a noção de responsabilidade. (SERRANO
apud HOLLANDA, 1957, p. 53)
O que direcionava o ensino de História, era a idéia de construção nacional, pautada
nos “grandes acontecimentos”, nos “sentimentos de patriotismo”, na “história biográfica”,
enfim, na formação de condutas e de deveres da população:
35
Desde que a História se estruturou como disciplina escolar, a formação e
o fortalecimento do sentimento de identidade nacional foi um dos
objetivos de seu ensino. A questão da identidade nacional brasileira se
colocava com muita força entre intelectuais e educadores brasileiros da
primeira metade deste século. Entre estes últimos, os que participaram
dos órgãos públicos educacionais procuraram fazer com que a História
fosse um veículo para suas idéias, que foram incorporadas pelos
programas e pelos manuais escolares. (ABUD, 1998, p. 103)
Contudo, na década de 1930, percebemos uma modernização dos livros didáticos,
que passaram a incorporar ilustrações, mapas e documentos, mas, apesar dessas mudanças,
o modelo francês permaneceu em voga. Nesse período, houve um aumento do número de
escolas e, conseqüentemente, da necessidade do alunado ter acesso a esses manuais. Nesse
contexto, os livros didáticos passaram a ser planejados para os alunos e não mais para o
corpo docente, que passou a ter formação universitária. As editoras concentraram-se em
São Paulo e no Rio de Janeiro e começaram a solicitar a presença desses professores para a
produção desse material, que passou a ter uma abordagem essencialmente política e
econômica.
Em 1938, foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), cuja função,
na prática, era fiscalizar a produção, sugerir mudanças, indicar obras e examinar a entrega
desse material, pois, durante o Estado Novo (1937-1945), aquele órgão exercia um controle
político-ideológico sobre a produção didática, e foi nessa época que se constituiu uma
política pública com regras específicas. Dessa forma, a educação foi utilizada como um
meio de propagação para a formação da nacionalidade, e o livro didático ganhou destaque
na disseminação desse ideário:
36
O período do Estado Novo é rico em legislações e decretos que visam a
constituição do que na época se denominava, insistentemente, a
‘consciência nacional’, a ‘construção da nacionalidade’, a ‘afirmação do
Estado Nacional’. O momento da construção era visto ao mesmo tempo,
como o momento do expurgo de tudo o que ameaçasse o projeto de
definição da brasilidade. (BOMÉNY, 1984, p. 34)
A partir de 1945, o que ficou evidente é que o Estado não estruturou nenhuma
mudança significativa na literatura didática. Na década de 1950, “o ensino de História
pouco se afastou das concepções e das práticas tradicionais, se considerarmos uma análise
dos livros didáticos em uso nessa época, bem como outros tipos de fontes: cadernos de
alunos, planos de aulas de professores [...].” (FONSECA, 2003, p. 55). Outra constatação é
que muitos manuais ainda eram estrangeiros, apesar das discussões pela nacionalização
dessa literatura.
A partir do golpe de 1964 se exacerbaram os meios de monitoração desse material.
Em 1966, foi criada a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED), que
passou a dirigir a distribuição dos livros didáticos. O ensino secundário foi transformado
em curso profissionalizante e a disciplina História, pouco era discutida. No tocante às
concepções de História, não houve mudanças significativas: as datas, fatos e personagens
marcantes continuaram direcionando os ensinamentos.
Com a Ditadura, a censura aos conteúdos desses manuais foi marcante, bem como o
incentivo a determinadas formas de conduta, com um controle ideológico para formar um
cidadão acrítico. Também houve monitoração sobre o sistema de ensino brasileiro, a
exemplo da implantação de disciplinas como Educação Moral e Cívica e Organização
Social e Política Brasileira. Os livros didáticos deveriam se guiar pelas propostas exigidas
pelos governos ditatoriais:
37
[...] a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e
éticos da nacionalidade; o fortalecimento da unidade nacional, [...] o
culto à pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes
vultos de sua história; o preparo do cidadão para os exercícios das
atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo [...].
(DECRETO-LEI n 68.065 apud FONSECA, 1993, P. 37)
Na década de 1970, com a massificação do ensino fundamental e médio, isto é, com
a proposta de “escola para todos”, houve um aumento significativo do número de alunos
nas escolas, sem o devido investimento no setor educacional, por parte do Estado. Esse
movimento aprofundou uma série de problemas, entre eles, a ausência de professores
qualificados e a precária estrutura física escolar, inadequada para a quantidade de alunos.
Nesse processo, esse professor pouco qualificado, as vezes formado nas chamadas
Licenciaturas Curtas, agora com um aumento significativo na sua jornada de trabalho,
devido à massificação do ensino, e com os baixos salários recebidos, passou a dar uma
centralidade ao uso do livro didático, que se transformou no único recurso para assegurar o
ensino na sala de aula.
Essa convergência do professorado para o livro didático revela, indiretamente, a
desqualificação docente nesse período, visto que essa centralidade não ocorrera nos anos de
1930 a 1960. Nesse último período, os livros permaneciam por longo tempo no mercado,
eram publicados por poucas editoras e os professores, apesar dos baixos salários, possuíam
uma carga de trabalho menor. O livro era utilizado juntamente com outros materiais
didáticos. Com a massificação do ensino, porém, esse material passou a ter uma função
paliativa e era distribuído para camuflar os problemas educacionais (GATTI JÚNIOR,
2004).
Na década de 1980, foi realizada uma pesquisa sobre livros didáticos de História.
Nessa amostra, 80% dos professores entrevistados utilizavam o livro didático como fonte
38
de pesquisa e apoio pedagógico (FRANCO apud CAIMI, 1999, p.25). A centralidade do
livro didático foi tema de pesquisa nos Estados Unidos, onde cerca de 75% do tempo
dispensado aos trabalhos em classe é focalizado nesse material (APPLE apud GATTI
JÚNIOR, 2004, p. 25). Para Gatti Júnior (2004):
No Brasil, não há dados precisos sobre este assunto. Porém, é possível
afirmar, com boa chance de acerto, que o país alcança um nível, senão
maior, pelo menos muito próximo daquele que se apresenta nos Estados
Unidos. (p. 26)
Entretanto, a partir da década de 1970, os livros didáticos passaram a ser feitos para
um determinado público escolar. Os manuais produzidos nesse período trouxeram
mudanças quanto ao conteúdo e à forma: além das ilustrações presentes, os livros possuíam
exercícios, planejamentos, o que “facilitava” a vida dos professores, tornando-se, assim, um
material indispensável para o corpo docente.
Essa demanda favoreceu as editoras que passaram a produzir incessantemente livros
didáticos para essa clientela. “O Estado, por sua vez, passou a ser o grande pai, pois, além
de figurar como principal agente na política nacional sobre o livro didático, era também o
maior comprador desse produto.” (CAIMI, 1999, p. 39). Gatti Júnior (1999) ressalta, ainda,
que:
A passagem do autor individual à equipe técnica responsável ocorreu
durante esses últimos trinta anos, mesmo porque foi nesse período que o
consumo de livros didáticos cresceu vertiginosamente, alcançando o
primeiro lugar em vendagem no mercado editorial nacional. Deste modo,
a produção praticamente artesanal cedeu lugar à implantação de uma
poderosa indústria editorial. (p. 217)
39
Em 1985, foi criado o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), e, a partir de
1996, o Ministério da Educação e Cultura formou uma Comissão de Avaliação dos livros
didáticos: “desde então, estipulou-se que a aquisição de obras didáticas com verbas
públicas para distribuição em território nacional estaria sujeita à inscrição e avaliação
prévias, segundo regras estipuladas em edital próprio.” (MIRANDA; LUCA, 2004, P. 127).
Nos anos de 1990, Caimi, ao supervisionar estágios de formandos em História,
percebeu que esses manuais continuaram sendo utilizados como únicos recursos didáticos.
A autora aponta algumas razões para essa centralidade e dependência dos professores com
relação aos livros:
•
•
•
•
•
O livro traz o conteúdo disposto seqüencial e simplificadamente, de
acordo com a idade dos leitores/consumidores;
Reúne em um único instrumento textos, documentos, ilustrações, mapas,
materiais geralmente de difícil acesso para grande parte dos alunos;
Oferece sugestões quanto à elaboração do planejamento anual, trazendo,
às vezes, como apêndice, nas suas páginas finais, o plano de ensino
completo;
Contempla propostas de atividades extras;
Enfim, trata-se de um recurso facilitador da vida do professor,
geralmente obrigado a cumprir cargas horárias e jornadas de trabalho
excessivamente longas (CAIMI, 1999, p. 26).
Em 2001, a pesquisa O uso do livro didático no ensino de História (ARAÚJO apud
BITTENCOURT, 2004, p. 318) mostrou que esses manuais continuam sendo muito
utilizados na preparação das aulas e no planejamento escolar. Os professores entrevistados
relataram, ainda, que os livros didáticos também serviam para “recordar” assuntos pouco
estudados na licenciatura.
Ao discutirmos a centralidade desses manuais escolares, não estamos desaprovando
seu uso, mas consideramos questionável a forma como muitos professores o utilizam, isto
40
é, como único e exclusivo material didático. O que fica claro, é que, devido a uma
formação superior precária, aos baixos salários, longas jornadas de trabalho, falta de
incentivos aos debates por parte das escolas, enfim, tudo isso levou a maioria dos
professores a uma total dependência do livro didático, que se transformou no principal
instrumento de difusão do saber histórico escolar. O que é preocupante, por exemplo, é que
muitos livros didáticos não acompanham as discussões historiográficas mais recentes, o que
ocasiona uma visão genérica, omissa ou preconcebida de determinados assuntos.
Atualmente, muitas obras sofreram mudanças estéticas, mas perpetuando, posicionamentos
tradicionais. Na realidade, o mercado dita as regras a serem seguidas:
Realmente, o pensamento educacional, a ideologia, a metodologia, isso
tudo tem que atender à necessidade do mercado. A gente procura ter
diversas coleções em várias áreas [...]. Então se você tem três, quatro,
cinco coleções, a área está praticamente atendida, desde que se tenha uma
venda boa, porque se eu tenho três coleções , mas nenhuma vende, então
tem espaço para outras. (GUIZZO apud MUNAKATA, 1998, p. 274)
Nessa entrevista concedida a Kazumi Munakata, o gerente editorial da Ática, João
Guizzo, nos mostra as reais intenções das editoras no tocante às mudanças na literatura
didática que tem que atender unicamente ao mercado, visto que esses livros se tornaram
uma mercadoria. A autora de livros didáticos Joana Neves critica esse posicionamento:
A avaliação dos livros didáticos deixa claro que a ‘qualidade’ destes
indica uma, pouco disfarçada, submissão ao mercado consumidor, para
o qual não é exatamente a qualidade do ensino o que mais interessa. A
lógica parece ser a da facilitação, tanto para os professores como para os
alunos. (NEVES, 2000, p. 42)
A partir da década de 1980, com o aumento do número de cursos de pós-graduação,
várias propostas incentivaram um ensino de História mais crítico, plural e interdisciplinar.
41
Pretendia-se um ensino democrático e participativo, e essa tendência exprimia, também, o
momento político vivido no Brasil. Esse movimento repudiava a feitura da história linear,
factual e heróica, e, nesse período, o marxismo influenciou a historiografia didática.
Nos anos de 1990, uma outra contribuição se fez presente a partir da chamada Nova
História, com o alargamento no conceito de fontes históricas, com a proposta de inserção de
setores sociais antes negligenciados, na busca por uma história das ações humanas, uma
história- problema, cotidiana, vista de baixo, das mentalidades, por uma história cultural,
enfim, um leque de abordagens se descortinava e ampliava os horizontes. A história social e
cultural começou, assim, a substituir a tradicional história política, e novos sujeitos
entraram em cena: mulheres, índios, negros, trabalhadores, etc.
Mas, apesar de todas essas contribuições, muitos livros didáticos de História do
Brasil reproduzem posturas tradicionais, mantém arraigados certos conteúdos e
metodologias que
prejudicam o processo de ensino-aprendizagem. Essa afirmativa é
evidente quando nos debruçamos sobre a construção de determinadas imagens sobre os
índios, quando percebemos que determinadas representações alicerçavam as discussões no
século XIX, por exemplo, e esse imaginário está presente em livros didáticos atuais. Assim,
a pluralidade cultural não vem sendo discutida de forma satisfatória no universo escolar,
visto que esses livros formam sucessivas gerações, numa cadeia de transposição didática
que envolve a elaboração de programas e currículos, a participação de professores, órgãos
governamentais, editoras, enfim, atores coletivos e individuais, todos envolvidos na
discussão, seleção e produção de conhecimentos.
42
CAPÍTULO II
O ENCONTRO COM O OUTRO:
A IMAGEM DOS ÍNDIOS NA HISTORIOGRAFIA
1- Do Paraíso à Detração
A natureza exuberante da América extasia quem
chega. Assombra-o, para o bem e para o mal, o que
lhe era sombra, desconhecimento. E o conquistador
relata, copiosamente, essa descoberta [...].
Narrativas profundas, cheias de espanto, finas de
observação, ainda que imprecisas, testemunham a
saga inaugural dos tempos modernos: o confronto
entre mundos desiguais, culturas diversas, naturezas
diferentes. (SILVEIRA, 1997, p.237-238)
“Em 1500, o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral”. Essa afirmativa está
presente em muitos livros didáticos e referencia o início da história do Brasil, que
comemorou em 22 de abril de 2000 os seus 500 anos. Na realidade, o que os nossos alunos
deveriam aprender, é que a nossa história começou há milhares de anos com a presença de
vários grupos indígenas nesta terra.
Além dessa questão não ser bem problematizada no ensino fundamental e médio,
período em que crianças e jovens recebem uma série de informações sobre a alteridade, ela
é, muitas vezes, posta
de forma genérica, secundária, lacunar ou estereotipada. A
historiografia didática acompanhou as discussões teóricas sobre a temática indígena que
povoaram a mente de cronistas e viajantes do século XVI, de pensadores do Oitocentos até
43
a contemporaneidade, porém alguns manuais perpetuam representações que não condizem
com o atual estado da arte, isto é, com a fase atual das reflexões sobre o tema.
Antes de nos debruçarmos sobre essa problemática, vamos entender a formação de
algumas imagens sobre os índios, a partir da análise historiográfica do assunto em questão.
Tal abordagem tem por finalidade perceber como o tema tem sido tratado, ao longo do
tempo, por determinados autores e obras (SILVA, 2001).
A partir do período das grandes navegações e da chegada de Cristóvão Colombo nas
terras que foram denominadas como América ou Novo Mundo, uma considerável
elaboração de imagens sobre os povos que aí habitavam, começou a delinear-se. Estas,
contudo, produzidas a partir dos padrões culturais europeus.
Bettencourt (1998), em seu texto intitulado Cartas brasileiras: visão e revisão dos
índios, nos traz uma análise dos primeiros relatos sobre os povos encontrados no que viria a
ser o Brasil. Para a autora, a “carta de achamento do Brasil”, de Pero Vaz de Caminha,
merece nossa atenção pois traz um relato rico de informações. Escrita por um homem que
recebeu uma formação de caráter humanista, justificando-se, assim, o interesse pelo
elemento humano, que ganhou destaque no seu texto:
Ao descrever a “fundação” dessa nova terra, se coloca em pé de
igualdade com o cronista do Gênesis, ou mesmo o supera, já que ele tem
a posição privilegiada de testemunha ocular. [...] a novidade que os
habitantes da terra representam para os olhos renascentistas do escrivão é
tanta que ele não se cansa em descrevê-los. (BETTENCOURT, 1998, p.
39).
Desse período, 1500, sete documentos foram preservados: quatro são oficiais e
encontram-se incompletos; o quinto é a carta do Mestre Johan Faras, de natureza
44
astronômica, não tendo descrição sobre a terra e seus habitantes; o sexto é o relatório de um
piloto anônimo e o sétimo a carta de Caminha (BETTENCOURT, 1998).
A carta de Caminha é datada do dia 1º de maio de 1500 e a narrativa, de forma
simples, é dividida em nove dias. A visão do paraíso toma conta da sua abordagem, o
encantamento e espanto são descritos nas formas e cores dos novos habitantes: “a feição
deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos.
Andam nus, sem cobertura alguma. [...] e nisso têm tanta inocência como em mostrar o
rosto.” (CAMINHA apud RIBEIRO; MOREIRA NETO, 1993, p.85). O fato de andarem
nus nos mostra a vivência no paraíso, a construção de uma imagem edênica, onde não
havia a noção de culpa ou vergonha. A edificação do Éden também fica evidente quando
Caminha diz que eles não precisavam lavrar ou criar, pois a natureza os provia. Assim, esse
novo espaço para os europeus começou a ganhar sentidos, com uma configuração que se
reproduziu em todos os cronistas e viajantes, que, a partir da comparação e da negação,
construíram a imagem do outro.
A referida carta, entretanto, somente foi publicada em 1817, no livro Corografia
Brasílica, de Aires de Casal. A nova gente, tão estranha e tão diferente dos europeus, foi
descrita de forma positiva, como ingênuos, virtuosos e belos. Contudo, essa primeira
representação apolínea se desfez a partir da convivência com os cristãos, especialmente os
missionários, que se posicionaram como aptos a “salvar” esses povos. Em meados do
século XVI, chegou ao Brasil a primeira missão catequista, que tinha no seu comando o
Padre Manuel da Nóbrega (1517-1570). A pedido de D. João III, Nóbrega integrou a
armada de Tomé de Sousa e chefiou o primeiro grupo de inacianos que vieram para a
Colônia portuguesa na América. Nesse período, a visão idílica elaborada por Caminha
começou a mudar, pois, após esses primeiros contatos, o modo de vida dos índios foi sendo
45
conhecido e o fato de cultuarem a natureza e os astros, por exemplo, foi visto pelos
portugueses como prática idólatra. O “paganismo” deveria ser corrigido, o canibalismo era
algo que deveria ser totalmente repudiado, os índios que foram representados como
criaturas puras e belas, a partir da colonização, passam a ser preguiçosos, apáticos, cruéis,
pérfidos. Enfim, a visão do paraíso se transformaria na depreciação e a proposta era a
evangelização, a escravidão e, quando necessário, o extermínio.
Nas correspondências dos jesuítas desse período, percebemos a imagem negativa
que foi passada sobre essas sociedades, discutindo-se, inclusive, a sua condição humana. O
Padre José de Anchieta (1534-1597), que partiu para o Brasil integrando a comitiva de
Duarte da Costa, segundo Governador-Geral, endossa essa representação, ao examinar se os
mesmos possuíam alma e se eram passíveis de catequese. Na realidade, esses missionários
da Companhia de Jesus, que objetivavam a cristianização dos índios, estavam inseridos no
projeto de conquista e colonização portuguesa e utilizaram-se das igrejas e escolas, por eles
fundadas, para conseguirem seus objetivos. Seus escritos refletem esse período vivenciado
por eles, com suas propostas e visões de mundo:
A consideração clássica de que o homem se distinguia essencialmente
daqueles seres chamados bárbaros, na medida em que eram racionais e
virtuosos enquanto os bárbaros eram irracionais, ferozes e cruéis, foi
herdada pelo cristianismo. Também os cristãos viam os outros, os
bárbaros, os que estavam fora dos limites do mundo cristão, como
alienados da virtude – ou seja, da humanidade. (FERREIRA NETO,
1997, p. 314)
No Diálogo Sobre a Conversão do Gentio (1558), Nóbrega ensinava aos catequistas
a atuação missionária. A obra é uma peça didática e nela os personagens refletem os
anseios do colonizador e do missionário, preocupações que estavam em voga e que
46
dominavam o pensamento daquele contexto (BRANDÃO, 2000). Essa mentalidade é
evidente em uma das passagens da peça:
Por demais é trabalhar com estes! São tão bestiais, que não lhes entra no
coração coisa de Deus! Estão tão encarniçados em matar ou comer, que
nenhuma outra bem aventurança sabem desejar! [...] vemos que são cães
em se comerem e matarem, e são porcos nos vícios e nas maneiras de se
tratarem [...]. (NÓBREGA apud BRANDÃO, 2000, p. 106)
Para o Padre Manuel da Nóbrega, os índios eram bárbaros, animalescos, mas
possuíam alma. Assim, deveriam ser conduzidos ao cristianismo e inseridos na
“civilização” pois, dessa forma, seriam úteis ao projeto colonizador.
José de Anchieta, em todos os seus escritos, sejam cartas, poesias, peças de teatro,
também refletiu a sua incumbência religiosa e o seu engajamento no projeto colonizador,
no qual o Estado representava o poder e a Igreja, a correção, para que a ordem
proporcionasse uma dominação efetiva. O discurso de Anchieta nos mostra um homem
inserido no seu tempo, que buscava moldar os índios a partir de referências cristãs e
européias:
[...] é esta uma gente tão má, bestial e carniceira, que só por tomar um
nome novo ou vingar-se de alguma cousa passada não tivera em conta
qualquer mancebo soberbo matar-nos [...] por mui fera que seja a sua
natureza, trabalhamos com todo cuidado póla domar. (ANCHIETA,
1933, p. 214)
Desse contexto, segue-se uma série de representações sobre os índios a partir das
elaborações de imagens dos cronistas e viajantes europeus que estiveram no Brasil, a
exemplo do alemão Hans Staden, que naufragou na costa brasileira e foi feito prisioneiro
pelos Tupinambá, relatando, em suas memórias, o modo de vida, as práticas, a organização
47
social desse grupo. Em 1557, escreveu Viagens ao Brasil, em que, com uma visão cristã,
narrou os homens e seus costumes numa obra rica em texto e com várias xilogravuras.
Jean de Léry (1534-1611), missionário calvinista, no seu trabalho A História de
Uma Viagem Feita à Terra do Brasil, publicada em 1578, trouxe à tona a imagem do
nobre selvagem ao retratar “[...] o nu atlético e apolíneo de constituição escultural [...]”
(BELLUZZO, 1998, p.51), ao privilegiar o estudo da natureza humana, com a retomada do
saber clássico, nesse período renascentista europeu.
Essas representações foram postas, também, na iconografia presente nas obras de
vários autores que participaram de missões científicas no Brasil. Eram expedições feitas por
naturalistas, botânicos, médicos, artistas, que ilustraram seus escritos com a pintura, uma
forma de se aproximar do público-leitor, bem como uma maneira de legitimar o que estava
sendo posto nesses relatos de viagens, já que o método era a observação e o objeto de
estudo, a natureza e o homem.
Assim, “a linguagem do desenho, com seus códigos próprios e seus significantes,
revela-se como
documento visual de uma temporalidade, como
‘arquivo de
identidades’[...].” (ALEGRE, 1998, p. 60) . Contudo, podemos perceber que:
[...] a descoberta do ‘outro’ chega até nós, inicialmente, pela voz dos
cronistas do século XVI e XVII, espantados diante da natureza e dos
habitantes da terra. No século XVIII são engenheiros, cartógrafos e os
primeiros naturalistas que surgem, nas trilhas do iluminismo, escrevendo
memórias onde procuram inventariar as riquezas econômicas do país.
Mas, é com a passagem da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, no
começo do século XIX, que o movimento de viajantes estrangeiros tornase mais intenso e as expedições se multiplicam [...]. (ALEGRE, 1998,
p.64)
48
Toda a literatura de viagem nos encanta com as imagens que são carregadas de
significados, que trazem à tona as temporalidades vivida por esses pensadores, imagens que
nos falam de um contexto, que nos fazem compreender as influências sociais, políticas ou
econômicas que permeiam suas construções, ora silenciando, ora enfatizando determinadas
representações.
O leitor, a partir das literaturas de viagem, começou a ter em mente várias
representações sobre os índios. Nas expedições do príncipe Maximilian Wied-Neuwied,
que permaneceu no Brasil por dois anos (1815-1817), do zoólogo Johann Baptiste von Spix
e do botânico Carl Friedrich von Martius (1817-1820), do pintor e geógrafo Hércules
Florence (1825-1829), do botânico Auguste de Saint-Hilaire (1817-1823) e, com toda a
contribuição de Jean Baptiste Debret (1816-1831), pintor que esteve no Brasil com a
Missão Artística Francesa e, ainda, Johann Moritz Rugendas (1821-1825), integrante da
Expedição Langsdorff, como desenhista e documentarista, várias imagens penetravam o
cotidiano europeu.
Imagens se delinearam sobre o outro, que passaram a povoar o imaginário popular.
Elas nos mostram os argumentos e perspectivas de uma temporalidade, pois, no século
XIX, todos esses viajantes viam o Brasil como um verdadeiro laboratório. É válido frisar
que esses autores anteriormente citados, embora passíveis de crítica, são extremamente
importantes para entendermos o período e as temáticas que abordaram, e, devido às suas
contribuições,
se
tornaram
clássicos,
referências
obrigatórias.
Porém,
devemos
compreender que as suas produções refletem o pensamento de uma época, carregada de
influências culturais, sociais, técnicas e pessoais.
49
Compreendendo-se a mentalidade de uma época, podemos entender melhor o lugar
social9 desses pensadores, pois no Oitocentos, o Brasil era visto como um país de “raças
miscigenadas”, que estavam passando por um processo de cruzamento e, a longo prazo,
acreditava-se, seria branco. Todo ideário sobre a “evolução histórica das culturas” era
utilizado para preservar as peculiaridades da ascendência ocidental, tudo arquitetado a
partir do método comparativo e hierarquizador, utilizado para distinguir os povos aqui
encontrados, dos cristãos europeus.
Nesse contexto, o século XIX reservou um grande espaço para o debate sobre as
diferenças e desigualdades entre os homens. Leiam-se, as diferenças entre os povos
encontrados no Novo Mundo e a referência européia, os povos “civilizados”.
9
Michel de Certeau (1982), ao discutir a operação historiográfica, relaciona o lugar social, a metodologia
utilizada e o discurso ou escrita da história. Tais articulações nos mostram a edificação de uma determinada
realidade. Realidade essa em que o autor faz suas opções, ora silenciando, ora privilegiando determinados
aspectos na construção da sua versão de história.
50
2- As Teorias Raciais do Século XIX
Durante o século XIX [...] impôs-se a perspectiva
que buscava nas diferenças físicas entre os homens
indícios de caráter e de personalidade. Legitimando
domínios, tutelas e, eventualmente, extermínios em
massa, não faltaram trabalhos preocupados em
demonstrar o atraso histórico das culturas não
ocidentais. (FERREIRA NETO, 1997, p.320)
O século XIX foi um período fértil no seu imaginário sobre a temática indígena.
Nesse ambiente, foram produzidas diferentes teorias raciais que, para serem entendidas,
exigem uma discussão sobre o pensamento do século XVIII, visto que tais teorias se
basearam em pressupostos desse período. Esses “novos homens”, no século XVIII,
passaram a ser caracterizados como primitivos, entendidos dentro de uma
sucessão
progressiva que os via no início da espécie humana, podendo passar de um estágio a outro a
partir de uma possível perfectibilidade, entendida por Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
como uma escala evolutiva (SCHWARCZ, 1993).
Porém, a visão do “bom selvagem” presente em Rousseau foi modificada. A partir
da conquista e conseqüente colonização do Novo Mundo, os nativos passaram a ser vistos
de forma negativa. Como chama a atenção Gerbi (1996), no seu livro O Novo Mundo:
História de Uma Polêmica (1750-1900), foram vários os teóricos que endossaram essa
visão negativa da América. A tese da “imaturidade das Américas”, por exemplo, do
naturalista francês Georges Buffon (1707-1788), qualificava o continente e seus habitantes
a partir da idéia de carência:
51
O selvagem é débil e pequeno nos órgãos de reprodução; não tem pêlos
nem barba, nem qualquer ardor por sua fêmea; embora mais ligeiro que o
europeu, pois possui o hábito de correr, é muito menos forte de corpo; é
igualmente bem menos sensível e, no entanto, mais crédulo e covarde.
(BUFFON apud GERBI, 1996, p. 21)
Além das discussões postas sobre a “inferioridade dos habitantes das Américas”, os
debates sobre a origem do homem também fizeram parte das teorias raciais pensadas no
XIX, com o intuito de buscar diferenças e desigualdades entre os povos, então descobertos,
e a “civilização européia”.
A visão monogenista foi bem aceita e seus formuladores acreditavam que todos os
seres humanos teriam se originado de Adão e Eva, segundo as escrituras bíblicas, e as
diferenças encontradas nos habitantes do Novo Mundo era resultado de um declínio, uma
alteração negativa, uma depravação ou degenerescência do Éden. A partir de meados do
século XIX, essa vertente começou a ser criticada pelas ciências biológicas, que
acreditavam em vários centros de criação, defendendo, assim, uma visão poligenista da
origem do homem. Em 1859, com a publicação de A origem das espécies, de Charles
Darwin, esse debate entre monogenistas e poligenistas começou a diluir-se, pois ambos
incorporaram o modelo evolucionista e “atribuem ao conceito de raça uma conotação
bastante original, que escapa da biologia para adentrar questões de cunho político e
cultural.” (SCHWARCZ, 1993, p. 55).
A alteridade passou a ser discutida a partir da idéia de evolução, o que equivaleria
aos diferentes “estágios do progresso humano”. Assim, uma geração que ficou conhecida
como os “fundadores” da antropologia, como Edward Burnett Tylor (1832-1917), James
George Frazer (1854-1941) e Lewis Henry Morgan (1818-1881), objetivaram definir as
52
etapas da evolução das sociedades, e o critério delineador passou a ser questões culturais10
como: religião, governo, propriedade, etc.
Todas essas teorias raciais também estiveram presentes no Brasil e, a partir das
obras publicadas pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, podemos observar como
essas questões foram trabalhadas pelos intelectuais que eram sócios dessa instituição.
Porém, como foram estruturadas essas questões raciais dentro de uma associação que
buscava uma identificação portuguesa, branca e elitista na feitura da história do Brasil?
Qual a representação sobre os índios nesse contexto?
Havia empecilhos para a aceitação de algumas teorias que interpretavam de forma
negativa a miscigenação e, conseqüentemente, tornavam inviável o projeto nacional. Logo,
os intelectuais11 do Império passaram a adaptar doutrinas, regras e métodos a realidade do
Brasil. Logo, do Evolucionismo Social12 absorveu-se a “evolução das raças”, do
Darwinismo Social13 incorporou-se a “hierarquia natural” e, dessa maneira, foram
elaborados trajetos para o destino da nação (CASTRO, 2005).
No projeto do IHGB, prevalecia uma visão de que os índios poderiam ser resgatados
do seu “estado bárbaro” e trazidos à “civilização”. Projeto esse, idealizado pelo naturalista
alemão Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), vencedor do concurso Como
Escrever a História do Brasil, proposto pelo IHGB em 1844. Martius defendia a tese do
país composto por “três raças”: o branco civilizado, o índio que poderia ascender à
civilização, e o negro incivilizável (REIS, 1999). De acordo com Schwarcz (1993, p.112),
“o projeto vencedor propunha, portanto, uma ‘fórmula’, uma maneira de entender o Brasil.
10
A cultura entendida como capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na sociedade.
Esses intelectuais eram uma mescla de literatos, políticos, cientistas, etc.
12
O Evolucionismo Social afirmava que as sociedades originavam-se de “estágios primitivos” e,
gradativamente, tornavam-se mais “civilizadas”.
13
No Darwinismo Social acreditava-se que as sociedades humanas possuíam características biológicas e
sociais que as diferenciavam umas das outras, tornado-as mais ou menos aptas.
11
53
A idéia era correlacionar o desenvolvimento do país com o aperfeiçoamento específico das
três raças que o compunham.”
É interessante destacar a visão do maior representante do pensamento histórico do
século XIX no Brasil, Francisco Adolfo de Varnhagen (1819-78) que, em linhas gerais,
seguiu o modelo proposto por Martius para a temática indígena, dedicando várias páginas
da sua obra História Geral do Brasil (1854-57) a temas como guerra, trabalho, organização
social, língua e religião. Porém, a imagem dos índios foi delineada de forma negativa e
decadente: eram bárbaros, violentos, infiéis, imorais, devendo representar um antimodelo
do Brasil, isto é, o modelo de um passado que não deveria servir de exemplo às gerações
futuras (REIS, 1999). Varnhagen buscava uma identificação portuguesa, branca e elitista na
feitura da história do Brasil:
[...] em diversos escritos, inclusive na sua obra prima sobre a história do
Brasil, e especialmente no seu Memorial Orgânico, Varnhagen usa de
argumentos morais, históricos, biológicos e filosóficos para descartar o
índio como parte fundamental da nação brasileira. (GOMES, 1988, p.
116)
Contudo, essa postura antiindígena era combatida, existiam posições contrárias a
esse pensamento dentro do próprio IHGB. Através da revista dessa agremiação, parte da
sociedade tinha acesso a artigos em defesa dos índios, a exemplo dos escritos de Gonçalves
Dias, José de Alencar e Gonçalves de Magalhães, símbolos do movimento indianista. Essa
tendência literária romântica marcou o pensamento dos séculos XIX e XX ao edificar o
índio como símbolo emblemático da identidade nacional.
54
3 – O Indianismo
Quem examina a historiografia brasileira
oitocentista reconhece-lhe logo certa imbricação
com a literatura. De fato, inicialmente subordinada
como gênero literário, ela viu o seu nascimento
coincidir com o processo de autonomização
crescente de seus pressupostos e de sua poética.
Assim, é na medida em que se constitui como
discurso peculiar, que a historiografia produz a sua
própria gênese moderna. (PUNTONI, 2003, p. 634)
O Indianismo, com sua idealização, valorização e invenção do índio, esteve presente
em obras produzidas desde o Brasil Colônia. Autores do Arcadismo, no século XVIII,
como Basílio da Gama, que publicou em Lisboa Uraguai (1769) e Santa Rita Durão, com
Caramuru (1781), já traziam à tona essas imagens sobre os índios. Contudo, “o Arcadismo
realizou a representação do índio palatável ao gosto ocidental [...]. Descobria-se que a
imagem domesticada substituía com vantagens a incômoda realidade étnica brasileira,
selvagem e plural.” (AMOROSO; SÀEZ, 1998, p. 239).
No século XIX, o Romantismo era um modelo predominante nos discursos do
IHGB acerca da temática indígena. À imagem do nobre selvagem, seguia a política
indigenista do Império, com o projeto de conduzir os índios, via catequese, ao ingresso
gradual na sociedade nacional. Dessa forma, a literatura foi utilizada como instrumento de
valorização do país, com um intuito patriótico, contribuindo, assim, para o
engrandecimento da nação.
Um dos exemplos desse pensamento está presente na poesia indianista de Gonçalves
Dias (1823-1864), que se bacharelou em Direito em Coimbra e, no Brasil, dedicou-se ao
jornalismo, também foi professor. Dias escreveu o poema O Índio, quando fazia o curso de
55
Direito em Portugal. No Romantismo, sofreu influência de autores portugueses como
Alexandre Herculano. Ao chegar ao Brasil, em 1846, foi nomeado para compor o IHGB.
Em 1852, escreveu Brasil e Oceania, em que o autor buscava:
a comparação dos caracteres físicos, morais e intelectuais dos indígenas
destas duas porções do mundo, considerados no tempo da descoberta,
para deduzir desta comparação qual deles oferecia mais probabilidade à
civilização. (DIAS apud AMOROSO; SAÈZ, 1998, p. 237)
Em 1854, viajou à Europa, em uma comissão da Secretaria de Negócios
Estrangeiros, onde trabalhava. Também viajou ao Ceará e Amazonas, em 1859, como chefe
de uma sessão para estudos etnográficos. Foi o primeiro poeta do Romantismo brasileiro a
discutir a cultura indígena.
Gonçalves Dias consolidou o Romantismo, incorporando à nossa literatura temas e
formas que serviram de modelo para as gerações posteriores. A sua poesia indianista
expressou um ideal de homem brasileiro, um herói brasílico, representado por um índio
mítico e lendário, inspirado no bom selvagem de Rousseau e associado a sentimentos de
patriotismo que faziam desse índio um legítimo representante dessa nacionalidade. O
Romantismo trouxe à tona a imagem do índio como extensão da natureza, pela harmonia
das formas, inocência dos atos e bravura na defesa da terra.
Gonçalves de Magalhães (1811-1882) foi outro expoente desse pensamento.
Nasceu no Rio de Janeiro, era médico de formação, foi diplomata e viveu quatro anos na
Europa. Nesse contexto, entrou em contato, na França, com os escritos de Ferdinand Denis,
que tinha como projeto literário o indianismo, temática que o impressionou desde a sua
viagem ao Brasil, em 1816. Contudo, Magalhães, que também era membro do IHGB, e
56
escreveu A Confederação dos Tamoios (1856), entre outras obras, passou a utilizar como
discurso legitimador da brasilidade a temática indígena.
Essa especificidade da nação construída na figura do índio também esteve presente
nos textos de José de Alencar (1829-1877), que se formou em Direito mas dedicou-se ao
jornalismo e à literatura. Nos seus escritos, os índios receberam tons míticos e lendários, a
bondade, valentia e pureza eram marcas características desses povos. Os adjetivos serviam
para qualificar essa personalidade que identificaria a nova nação. Essa figura foi fundida a
partir do herói português, a exemplo de Peri, personagem de Alencar em O Guarani (1857).
Peri “é o protótipo do ‘bom selvagem’, mas, ao mesmo tempo é um barão português. Tem
heroísmo, nobreza, inteligência, beleza” (FIORIN, 2000, p. 39). Dentre suas obras, também
destacamos Iracema (1865) e Ubirajara (1874).
Nas obras dos autores desse gênero literário, percebemos tanto o discurso
historiográfico dessa época quanto a imaginação literária, ambos com o intuito de enaltecer
a nova nação. Esse projeto centralizador, idealizado por Martius, ganhou força no
indianismo romântico:
[...] o indianismo, funcionava, em parte, como um mecanismo de
compensação para a auto-imagem da elite que se tinha por européia. O
indígena (assim: abstrato e genérico) era preenchido com caracteres,
traços, que mais os aproximavam dos ideais nobilitantes de nossa elite do
que da crua descrição etnográfica dos povos indígenas (diversos,
heterogêneos). (PUNTONI, 2003, P. 637)
No indianismo, o índio foi revestido de herói, os românticos preocuparam-se em
“[...] equipará-lo qualitativamente ao conquistador, realçando ou inventando aspectos do
seu comportamento que pudessem fazê-lo ombrear com este, no cavalheirismo, na
generosidade, na poesia” (CÂNDIDO, 2000, p. 19), pois havia o intuito de se criar um
57
passado glorioso para o Brasil. Assim, o índio foi equiparado a um cavaleiro medieval,
nobre e guerreiro:
A altivez, o culto da vindita, a destreza bélica, a generosidade,
encontravam alguma ressonância nos costumes aborígines, como os
descreveram cronistas nem sempre capazes de observar fora dos padrões
europeus e, sobretudo, como os quiseram deliberadamente ver escritores
animados do desejo patriótico de chancelar a independência política do
país com o brilho de uma grandeza heróica especificamente brasileira.
Deste modo, o indianismo serviu não apenas como passado mítico e
lendário, mas como passado histórico. (CÂNDIDO, 2000, p. 20)
Ainda no século XIX, uma outra interpretação indianista surgiu com as idéias de
Capistrano de Abreu (1853-1927). Natural de Maranguape (CE), fez seus primeiros estudos
em Fortaleza, posteriormente dirigiu-se ao Rio de Janeiro, onde foi professor do Colégio
Pedro II e funcionário da Biblioteca Nacional. Capistrano opunha-se ao discurso
assimilacionista do Império e buscava as explicações sobre a índole de um povo.
Capistrano de Abreu qualificava o povo brasileiro como um mestiço de branco e
índio, diferenciando-se de Varnhagen, que defendia um Brasil português e branco. Na sua
obra Capítulos de História Colonial (1907), o seu principal personagem era o povo, e os
índios ganharam destaque na formação do Brasil, ao serem descritos em seus hábitos,
línguas, costumes. Enfim, a sua visão partia dos nativos, da terra brasileira, e não o
contrário. Nesse período, século XIX, discutiam-se as teorias raciais, o determinismo, o
evolucionismo e o positivismo e, nesse contexto, Capistrano de Abreu inovou na sua
interpretação sobre o Brasil, ao incluir, em suas discussões, o social e o cultural, ao
contrário da forma de fazer história praticamente política e administrativa, como era
comum à época (REIS, 1999).
58
Contudo, o Indianismo, no século XIX, elegeu o índio como símbolo da identidade
nacional: o homem natural, o bom selvagem, de Rousseau, foi retomado pela literatura com
o intuito de se forjar um novo herói para a nova nação que se edificava. Criou-se a imagem
do índio nobre, um guerreiro de sentimentos puros e grandiosos, uma referência a ser
seguida. Todo esse imaginário prevaleceu no ideário republicano que se alicerçou no
indianismo para modelar essas sociedades. O índio foi resgatado para ser retratado como
um símbolo, construído de forma imponente, como um cavaleiro medieval, cheio de
qualidades, virtudes e valores europeus.
59
4- O Indígena e a República
O índio tornou-se, assim, um filho bastardo da nossa
civilização. Além de criança, o índio ainda tem sido
visto como se estivesse sofrendo de uma doença
terminal, condenado inexoravelmente ao seu fim,
para que seria dever social e humanista, se não
cristão, do Estado, amenizar o seu sofrimento e
cuidar para que venha a ter uma boa morte.
(GOMES, 1988, p. 133)
A República, por sua vez, influenciada pelo Indianismo, alicerçado no século XIX,
reservou um pequeno lugar para os índios no seu imaginário, que foi delineado, também,
pelas idéias positivistas que adentravam o Brasil.
O Positivismo surgiu e desenvolveu-se na França, na primeira metade do século
XIX, com o intuito de fazer de sua filosofia uma ciência, com ênfase nos métodos
empíricos. O seu idealizador, Auguste Comte (1798-1857), criou um projeto para
reorganizar a sociedade, que pautado na Lei dos Três Estados, compreendiam os estágios
do progresso humano:
A base da doutrina formulada por A. Comte é a teoria dos três estados.
De acordo com essa teoria, o conhecimento humano estaria sujeito a
passar, inevitavelmente, por sucessivos estados na sua evolução: o
Teológico, o Metafísico e o Positivo. Assim, as sociedades mais
primitivas e os povos mais civilizados seriam apenas estados diferentes
dessa evolução. (GAGLIARDI, 1989, p. 44)
60
A Lei dos Três Estados foi apresentada no Curso de Filosofia Positiva (1830-1841)
e via as sociedades numa marcha evolutiva, numa escala gradativa, que poderia ascender de
um estado a outro a partir da reforma, da ordem e do progresso.
No Brasil, a partir de 1850, começaram a aparecer defensores das idéias de Comte.
Esse ideário é bem representado em algumas escolas como a Politécnica e a Escola Militar
do Rio de Janeiro. Os grupos eram formados por militares, membros da classe média,
intelectuais que retornavam de seus estudos na Europa e defendiam suas teses com fortes
influências do Positivismo. Dentre eles, destacam-se: Luís Pereira Barreto (1840-1923),
Alberto Sales (1857-1904), Antonio da Silva Jardim (1860-1891), Miguel Lemos (18541917), Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927), Cândido Mariano da Silva Rondon (18651958), entre outros.
Com a morte de Auguste Comte, assumiu seu posto Pierre Lafitte (1823-1903), que
ajudou a criar, em 1878, a Sociedade Positiva do Rio de Janeiro, embrião do futuro
Apostolado Positivista do Brasil, instituição de muita influência no início da República.
Como dito anteriormente, o Positivismo, baseado na filosofia de Auguste Comte,
caracterizava-se pelo evolucionismo e pela idéia de progresso. Nessa perspectiva, os índios
eram vistos como primitivos, contudo, poderiam adentrar no estágio positivo (GOMES,
1988). Essa imagem do índio como primitivo, fraco, inocente, que precisaria sair desse
estágio e ascender a um estágio “superior”, sob a proteção do Estado14, reforçava a visão do
índio como uma criança. Essa concepção de dependência, na qual o índio precisaria da
proteção do Estado, o colocou na condição jurídica de órfão:
14
O Código Civil de 1916 definiu os índios como “relativamente incapazes” em relação a questões civis.
61
Essa visão infantilista do índio, através do seu reconhecimento legal
como menor de idade, [...] procura justificar essa condição com
argumentos políticos, como a alegação de que só assim é que o Estado
brasileiro pode defender o índio das injustiças sociais e econômicas que
são cometidas contra ele [...]. O paternalismo é justificado como uma
necessidade histórica. (GOMES, 1988, p. 132)
O projeto do Positivismo brasileiro, idealizado por integrantes da classe média, era
oferecer condições de integração gradual desses povos à nação brasileira, através da
educação. Esse projeto, em um primeiro momento, foi infrutífero, pois, até então, vigorava
a política indigenista que fora implementada desde o período colonial, ou seja, catequese e
civilização:
Porém, o Apostolado Positiva, através sobretudo de Teixeira Mendes,
continuava a manifestar sua visão integrativa e racionalista do índio, em
artigos e ensinamentos na Escola Militar, e através da sua revista oficial,
no Rio de Janeiro [...]. Por esses meios, conclamava o Estado a exercer a
função gestora da política indigenista. (GOMES, 1988, p. 122)
Em 1910, foi criado o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que nasceu sob
controle e inspiração do Positivismo; como ideologia política, o SPI caracterizou-se pelo
anticlericalismo e cientificismo. Nos anos seguintes, a imagem dos índios foi marcada
ainda pelo Positivismo oficial:
Eles nos deram a base do novo caráter nacional, [...] resistência, bravura,
generosidade e honestidade trazidos pelo índio à formação do nosso
povo, eis o que consideramos precioso, tanto no passado como ainda no
presente. (RONDON apud GARFIELD, 2000, p. 17)
Rondon era um positivista ortodoxo, acreditava no progresso inevitável das
sociedades como “evolução do estágio primitivo ao estágio positivo”. Os positivistas
desejavam um relacionamento pacífico entre o Estado e os índios bem como que esse
62
relacionamento fosse mediado por um órgão governamental, sem nenhum vínculo com
ordens religiosas.
Durante o Estado Novo (1937-1945), intelectuais ligados ao governo, preocupados
com a propagação da idéia de integração nacional, sustentaram a imagem do índio como
um patriota, “[...] defendidos por Vargas por conterem as verdadeiras raízes da
brasilidade.” (GARFIELD, 2000, p.14). Nesse projeto, Getúlio Vargas encontrou todo
apoio na figura do Coronel Rondon, que procurou exaltar os índios como guerreiros e
amigos, características essas, associadas, ainda, ao romantismo do século XIX.
Essa imagem romanceada do índio foi retomada devido às preocupações
enfrentadas naquele momento, como ressalta Garfield (2000, p. 20): “[...] durante o Estado
Novo, o Estado orquestrou ou promoveu um discurso indigenista que ecoava todas as
questões proeminentes na política mundial da época: racismo, xenofobia e chauvinismo”.
Assim, Vargas tentava exaltar a autenticidade do país.
No início do século XX, o país ainda não possuía universidades15 e a representação
sobre os índios, nesse contexto, ficava a cargo de entidades como o Serviço de Proteção aos
Índios, composta, na sua maioria, por defensores do pensamento positivista. É válido
ressaltar que esses pensadores analisaram os grupos indígenas com base no conhecimento
científico de sua época, e embora sejam passíveis de crítica, suas produções refletem os
debates teóricos desse período, vivenciado por eles.
Atualmente, percebe-se um viés etnocêntrico, ainda, presente na nossa sociedade,
como conseqüência dessas interpretações anteriormente analisadas. Podemos perceber que
15
A primeira universidade brasileira foi criada em 1920, pelo Decreto Federal n. 14.343, implementada pelo
Presidente Epitácio Pessoa e, denominada, Universidade do Rio de Janeiro. Mas, como chama a atenção
Hallewell (1985, p. 295), “a primeira universidade do Brasil, no sentido geralmente aceito da palavra, foi a
criada em São Paulo, em 1934”.
63
os índios são quase sempre estudados no passado, sob a ótica do colonizador, representação
essa que reforça a tendência de uma parte da historiografia corrente. Desde então, esses
povos têm tido uma participação inexpressiva em nossa historiografia, sendo, geralmente,
estudados como atores coadjuvantes, vítimas indefesas, nunca vistos com autonomia. A
construção dessas imagens tende a cristalizar os índios e retirá-los da história, e, o que é
mais preocupante, essa representação está posta em muitos livros didáticos. E, no âmbito
escolar, o livro didático é um influente instrumento no processo de aprendizagem:
Eles não só operacionalizam as normas estabelecidas pela posição
hegemônica do pensamento de uma sociedade, como também se
transformam em instrumentos normativos. Os textos de nossa história
desempenham o papel complementar de formadores de um quadro
simbólico explicativo da realidade social, da cultura na qual o aluno está
inserido, e servem, portanto, como fornecedores do referencial para o
comportamento dos grupos que vivenciam esta realidade. (TELLES,
1993, P. 73)
A escola é um espaço importantíssimo no processo de aprendizagem de crianças e
adolescentes e, dentro deste espaço, o livro didático assume um papel de destaque, pois é a
partir dele que os alunos recebem uma série de informações sobre outros povos e outras
culturas. Para tanto, “cabe enfatizar que o livro didático é, muitas vezes, o único material
impresso disponível para os alunos, cristalizando para eles, e muitas vezes para o professor,
parte do conhecimento a que eles têm acesso.” (GRUPIONI, 1998, p. 486).
Com esse congelamento de determinadas imagens sobre os índios, ocasionado por
uma não problematização da temática, esses povos acabaram aprisionados ao passado:
Entre os efeitos dessa obra – colonização, evangelização, [...] extermínio
– destaca-se um: a certeza de que os povos indígenas pertencem ao
passado das Américas e ao passado do Brasil. Passado, aqui, assume três
sentidos. Passado cronológico: os povos indígenas são resíduo ou
64
remanescente em fase de extinção como outras espécies naturais.
Passado ideológico: os povos indígenas desapareceram ou estão
desaparecendo, vencidos pelo progresso da civilização que não puderam
acompanhar. Passado simbólico: os povos indígenas são apenas a
memória da boa sociedade perdida. (CHAUÍ, 1998, p.12)
O passado tornou-se, assim, a única época viável e visível para essas sociedades. As
reservas indígenas são postas como uma realidade insustentável e a contemporaneidade
desses povos, a legitimidade de seus projetos de futuro, juntamente com o seu crescimento
demográfico, são camuflados por uma visão pessimista e decadente:
[...] autores tão diversos como Gabriel Soares de Sousa, Simão de
Vasconcelos, Alexandre Rodrigues Ferreira, Carl F. P. von Martius, F.A.
Varnhagen, Karl von den Steinen, Capistrano de Abreu, Florestan
Fernandes e Darcy Ribeiro, entre tantos outros, como os integrantes dos
institutos históricos e geográficos estaduais, todos buscaram, a seu modo,
diante dos desafios políticos e limites teóricos de suas respectivas épocas,
atribuir um significado à história das populações indígenas. Porém, se há
um traço comum entre esses observadores e pensadores, tão dispersos no
tempo, é o pessimismo com que encaravam o futuro dos povos indígenas.
(MONTEIRO, 1998, p. 222)
A partir de 1970, com a criação de vários cursos de pós-graduação, a historiografia
brasileira tem incorporado nas suas discussões atores sociais que foram, durante anos,
relegados a um segundo plano. A temática indígena vem sendo pesquisada por
antropólogos, historiadores, educadores e estudiosos em geral. Novos autores têm
contribuído com uma visão mais ampla e crítica, como: John Manuel Monteiro, Ronaldo
Vainfas, Aracy Lopes da Silva, Luís Donisete Benzi Grupioni, Manuela Carneiro da Cunha,
entre outros.
Mas, apesar da produção e acumulação de um conhecimento considerável sobre
essas sociedades, esse conhecimento ainda está muito preso aos espaços das universidades,
pois chegamos ao século XXI com uma profusão de imagens sobre os índios. É a visão
65
genérica do índio, que é percebida na comemoração do “Dia do Índio”16, nas escolas de
todo o Brasil, onde as crianças são pintadas pelas professoras e enfeitadas com penas para
representá-los; é a imagem do índio condenado pela “civilização” à extinção inexorável,
índio esse, que nos deixou toda uma herança cultural (como se ele já tivesse morrido); são
índios vistos como seres inferiores, ingênuos, dignos de nossa compaixão e piedade.
Na história do Brasil, a temática indígena ainda é relegada a um segundo plano, os
estudos historiográficos são poucos e os livros didáticos, muitas vezes, perpetuam uma
imagem preconceituosa desses povos. Esses manuais assumem um papel de destaque no
ambiente escolar, como foi dito anteriormente, é a partir deles que crianças e adolescentes
aprendem sobre outras culturas:
Dos descobridores aos nossos contemporâneos, as sociedades indígenas
foram, quase sempre, projetadas ao lado da natureza por uma cultura
incapaz de acolher a alteridade. Figuras como a de bárbaros, bons
selvagens, primitivos e arcaicos foram elaboradas nesse processo de
contato, pacificação e convívio experimentado pelas populações nativas
no Novo Mundo após a chegada e instalação dos europeus. (GRUPIONI,
1998, p. 13)
A representação sobre os índios na história do Brasil tem sido edificada de forma
simplista e estereotipada, tanto pela historiografia mais tradicional, quanto pelos livros
didáticos que a reproduzem, como podemos ver na apresentação a seguir:
Telles (1993), em seu trabalho intitulado A Imagem do Índio no Livro Didático:
Equivocada, Enganadora, mostra que a maioria desses manuais continua com uma postura
evolucionista, etnocêntrica, folclorizada e fragmentada desses povos. Omitem fatos como a
tomada de terras, o genocídio de grupos, sendo passada uma visão negativa dos índios,
16
Em 1934, Getúlio Vargas decretou o 19 de abril como Dia do Índio.
66
quando falam que “não possuíam escrita”, “não possuíam estado”, “eram pagãos” ou que
“viviam na idade da pedra lascada”. É interessante ressaltar que esses autores não explicam,
por exemplo, o que entendem por pedra lascada, estando implícita uma idéia de
evolucionismo, enfim, o que se percebe, é que esses manuais tomam como critérios
norteadores os padrões culturais das sociedades européias e europeizadas, como a
brasileira.
Para Almeida (1993), no texto O Racismo nos Livros Didáticos, esses manuais
possuem uma visão padrão dos povos indígenas: inicialmente, “aparecem” na história a
partir do contato com os europeus, como se os índios não possuíssem passado e, assim, é
edificada a idéia da ocupação de “espaços vazios”, o continente sul americano, por
exemplo, é apresentado como tal. Nesse primeiro momento, os índios são mostrados como
cordiais e amigos; em seguida, são representados como inimigos do progresso, pois
atrapalham a colonização. Em muitos manuais, lê-se que “os índios não gostavam de
trabalhar por muito tempo”, mais uma vez não se especificando o conceito de trabalho em
relação a determinadas sociedades, nem que a noção de trabalho é culturalmente relativa.
Simplesmente ignora-se a diversidade cultural desses povos. Por fim, abordam a temática
indígena na atualidade, mas sempre reforçando a idéia de decadência, como se estivessem
fadados ao desaparecimento. Geralmente, esses capítulos se encerram com a sentença de
morte desses povos, pois estes se transformam em herança cultural: “fabricavam redes e
vasos”, “pintavam o corpo”, enfim, tudo descrito no tempo pretérito.
De acordo com Barros (2000), no texto Essa é Uma Outra Mesma História: Os
Índios nos Livros Didáticos de História do Brasil, esses manuais são responsáveis pela
formação da visão nacional de História no espaço escolar e, nesse contexto, os índios estão
67
sendo representados ainda de forma simplificadora, omissa, e sem comprometimento com
as discussões e contribuições teóricas mais recentes.
Assim, os alunos não podem perceber a riqueza da diversidade cultural desses
grupos, a fala de muitos livros didáticos se encaixa nos discursos de cronistas e viajantes do
século XVI, ou segue o paradigma evolucionista do século XIX, que povoava a mente de
muitos pensadores desse período. De acordo com Grupioni (1998), no seu trabalho
intitulado Livros Didáticos e Fontes de Informações sobre as Sociedades Indígenas no
Brasil:
Os manuais escolares continuam a ignorar as pesquisas feitas pela
história e pela antropologia no conhecimento do outro, revelando-se
deficientes no tratamento da diversidade cultural existente no Brasil. É
com esse material, equivocado e deficiente, que professores e alunos têm
encontrado os índios na sala de aula. Preconceito, desinformação e
intolerância são resultados mais que esperados deste quadro. (p. 491).
Contudo, podemos perguntar: como trabalhar a pluralidade cultural com os alunos
se muitos livros didáticos abordam a questão de forma estereotipada e preconceituosa? Que
tipo de conhecimento esses livros transmitem sobre aqueles que são diferentes de nós e em
que consiste a representação dessa diferença? Como discutir com os alunos a
contemporaneidade desses povos e a legitimidade de seus projetos de futuro, se muitos
manuais mostram os índios como povos fadados ao desaparecimento e à extinção?
Por conseguinte, reescrever a história indígena requer uma análise da historiografia
anterior e uma compreensão do universo histórico e cultural desses povos, pois “[...] não é a
marcha inelutável e impessoal da história que mata os índios: são ações e omissões muito
tangíveis, movidas por interesses concretos.” (CUNHA apud MONTEIRO, 1998, p. 227).
68
Para tanto, devemos nos debruçar em uma análise mais ampla e crítica, com perspectivas
mais seguras sobre a temática em questão.
69
CAPÍTULO III
A REPRESENTAÇÃO SOBRE OS ÍNDIOS
NA HISTORIOGRAFIA DIDÁTICA
1- A Imagem dos Índios nos Primeiros Manuais Escolares
Bom e mau selvagem são imagens opostas e parecem
catalizar o imaginário sobre os índios na nossa
sociedade. Imagens cristalizadas ao longo de séculos,
elas parecem, hoje, revelar algo de concreto e diante
delas não se pode ficar indiferente. (GRUPIONI,
1998, p. 483)
Os primeiros livros didáticos escritos no Brasil, como vimos, foram produzidos
pelos intelectuais do Império. Com a criação do IHGB (1838), do Colégio Pedro II (1837),
e da Escola Militar, no Rio de Janeiro, esses manuais começaram a ser compostos pelos
membros dessas instituições. Partindo desse pressuposto, percebemos a importância dessas
instituições na construção do saber escolar, dessa forma, selecionamos alguns livros
produzidos e utilizados no final do século XIX e início do XX para entendermos a
representação sobre os índios nesse contexto. Contudo, procuramos seguir as idéias
originais, o sentido do texto, tornando-o mais inteligível, para tanto, a paráfrase foi o meio
utilizado.
Um dos primeiros livros didáticos de história do Brasil foi Lições de Historia do
Brazil (1861), de
Joaquim Manuel de Macedo. Uma obra publicada pela Garnier,
70
patrocinada pelo IHGB e que possuiu grande penetração na sociedade, sendo utilizada da
segunda metade do século XIX ao início do XX.
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) nasceu no Rio de Janeiro, foi jornalista,
romancista, membro do IHGB e do Conselho Diretor da Instrução Pública da Corte, foi
também professor de História e Geografia do Brasil no Colégio Pedro II. Macedo escreveu
peças de teatro, contos e romances; suas obras mais conhecidas são A Moreninha (1844), O
Moço Loiro (1845) e Os Dois Amores (1848).
O seu livro didático foi adotado pelo Conselho Superior de Instrução Pública e
reeditado até 1925, solidificando um tipo de conhecimento sobre a história do Brasil que
marcou a cultura escolar por várias gerações. No prefácio da primeira edição (1861),
Macedo expôs sua obra e mostrou seus objetivos: “Apresentamos hoje ao publico este
compendio [...], e pedimos licença para dizer sobre elle algumas breves palavras. Uma obra
escripta para servir ao estudo de meninos não deve ser longa, e nosso compendio á primeira
vista desagradará pela sua apparente extensão” (p.4).
A obra possui 529 páginas e o autor se preocupa com a memorização da mesma:
“Um menino que teve decorado uma lição nem por isso sabe a lição; para que a saiba é
indispensavel que comprehenda o que significam as palavras que repetio de cór” (p.4). Para
que a memorização não fosse prejudicada, Macedo anexou ao final de cada “lição” um
“quadro synoptico”; assim, os alunos poderiam “reproduzir de cór na pedra ou no papel e
gravar na memoria toda a materia estudada” (p. 4).
Lições de Historia do Brazil é uma obra eminentemente político-administrativa.
Inicia-se com a expansão marítima, fala da chegada dos portugueses ao Brasil, das
primeiras expedições, do Governo-Geral, enfim, segue a sua cronologia com a edificação
de uma galeria de “heróis” que serviriam de modelo para os educandos. O livro não possui
71
imagens ou bibliografia e todo capítulo, além do quadro sinótico, traz algumas explicações
e perguntas, para o autor, necessárias à memorização do assunto, que os alunos deveriam
repetir oralmente e por escrito.
A Lição V é intitulada O Gentio do Brasil. Nesse momento, o autor fala do Brasil e
seus habitantes: “No meio porém d’esta natureza opulenta e de proporções colossaes, o que
se apresentou aos olhos dos descobridores e conquistadores do Brasil menos digno de
admiração e mais mesquinho foi o gentio que habitava esta vasta região.” (MACEDO,
1905, p. 38, grifos nossos). Segue caracterizando os índios: “Os caracteres physicos do
selvagem eram e são os seguintes: estatura pequena, compleição forte e robusta [...], orelhas
pequenas , olhos também pequenos, pretos e tomando uma direcção obliqua [...]”,
(MACEDO, 1905, p. 39). Ao descrevê-los, parece traçar em detalhes um quadro, uma
imagem estática, bem como os representa de forma negativa e genérica:
Hospitaleiro, como os Arabes, até com o proprio inimigo que o
procurava, agreste, simples, inculto e barbaro, zeloso mais que tudo da
sua independencia, audaz e bravo nos combates, cruelissimo na vingança,
astucioso e sagaz, indolente na paz, impavido e heróe em face da morte,
o gentio tinha todos os defeitos e vícios do selvagem, mas possuia
tambem alguns sentimentos nobres e generosos. (MACEDO, 1905, p. 41,
grifos nossos)
Joaquim Manuel de Macedo termina o capítulo com alguns conceitos: “Gentio: quer
dizer a gente que não tem fé, nem conhece a lei de Déos.” (MACEDO, 1905, p. 42).
Também traz uma lista de exercícios em que enfoca a chegada dos portugueses ao Brasil e
alguns questionamentos sobre os índios, como por exemplo: “Quaes eram as principais
qualidades boas e más do gentio?.” (MACEDO, 1905, p. 45).
72
A Lição VI, também dedicada aos índios, é intitulada O Gentio do Brasil em
Relação á Familia. Nessa passagem, o autor qualifica os índios a partir do signo da falta,
quando fala que não possuíam leis, indústria, governo, ciência, escrita, religião, enfim, uma
série de “ausências” que os colocavam na condição de selvagens: “chamam-se os povos
que ignoram a arte de escrever, que não têm policia, que não tem religião, ou professam
religião absurda, e que vivem em plena liberdade de natureza.” (MACEDO, 1905, p. 52).
A obra Lições de Historia do Brazil é, na realidade, uma leitura sobre o Brasil do
século XIX, reflete as preocupações do IHGB quanto à exaltação da colonização
portuguesa, da ação da Igreja Católica, enfim, do papel civilizador em que o país deveria
mirar-se.
Joaquim Manuel de Macedo, em seus escritos, também deixa claras as suas
vinculações com a obra de Varnhagen, inclusive quanto à temática indígena, que é descrita
com características negativas. Os índios são representados como selvagens e, nesse sentido,
Macedo foge aos ensinamentos do Instituto, que possuía uma visão mais romanceada
desses povos.
Outro livro selecionado para análise, utilizado no ensino brasileiro, intitulado
Porque me Ufano do Meu Paiz, de Affonso Celso, teve sua quinta edição publicada no Rio
de Janeiro, pela Garnier, em 1900, e vendeu 300 mil exemplares. A obra foi publicada
também na Itália e na Alemanha. O título da obra, por si só, é bastante sugestivo e ela foi
escrita para dar “exemplos e conselhos que vos façam uteis á vossa familia, á vossa nação e
a vossa especie” (p.3).
O Conde Affonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (1860-1938) foi político, poeta,
tradutor, professor e por vários anos esteve a frente do IHGB. Seu livro foi alicerçado a
partir “dos motivos de superioridade do Brasil”, dentre estes destacando-se a sua grandeza
73
territorial, a natureza, o clima, a ausência de calamidades, enfim; destes “motivos de
superioridade”, o autor chama a atenção para os elementos que entraram na formação do
“typo nacional”:
É hoje verdade geralmente aceita que, para a formação do povo
brazileiro, concorreram tres elementos: o selvagem americano, o negro
africano e o portuguez. Do cruzamento das tres raças resultou o mestiço
[...]. qualquer daquelles elementos, bem como o resultado delles, possue
qualidades de que nos devemos ensoberbecer. Nenhum delles fez mal a
humanidade ou a deprecia. (CELSO, 1900, p. 61)
Affonso Celso utilizou como documento a carta de Caminha para descrever a
“bondade e hospitalidade” dos índios para com a “gente civilizada”. O autor ressalta que os
índios aceitaram a catequese dos jesuítas, que foram descritos como “o elemento moral da
primitiva sociedade brasileira”, e elenca alguns “indios notáveis” como “Tebyriçá que
auxiliou os jesuítas” e “Ararigboya que ajudou os portugueses”, pois “sem exaggeros de
fantasia, encontram-se na historia dos nossos indios traços sublimes.” (CELSO, 1900, p.63,
grifos nossos). Dessa forma, percebemos que os referidos índios são memoráveis, dignos de
atenção, por terem se aliado aos portugueses. Para o autor:
A historia não registra noticia de um povo que, com menos recursos,
mais fizesse do que o portuguez. Larga é a sua contribuição para o
progresso humano, que nunca empeceu. Subjugou o mar tenebroso,
dilatou o perímetro aproveitavel do planeta, e, sendo um dos mais
diminutos e menos povoados reinos da Europa, formou esse colosso: o
Brazil. (CELSO, 1900, p. 75)
Contudo, os portugueses eram exemplos de “união, patriotismo, amor ao trabalho e
philantropia” (CELSO, 1900, p. 76), deveriam ser seguidos nos seus ensinamentos de
civilidade e amor ao próximo. Dessa maneira, vai edificando a sua história do Brasil, com a
74
valorização do “branco português”, do “selvagem americano” e do “negro africano” e o
“resultado da fusão dessas tres dignas e valorosas raças: o brasileiro, bom, pacifico e
serviçal.” (CELSO, 1900, p. 194).
O autor busca uma história do Brasil de composição uniforme, um Brasil
“perfeitamente homogeneo, material e moralmente, pelo lado social e pelo lado ethinico,
pois nelle se cruzam e se fundem todas as raças.” (CELSO, 1900, p. 194).
Sua obra é a consolidação do projeto do IHGB, ao enfatizar a tese do progresso
linear e gradual, com uma história nacionalista, homogênea, sem tensões, conflitos ou
contradições que pudessem atingir a ordem vigente, uma história grandiosa, que forjou uma
identidade a partir do “cruzamento de todas as raças”, em que o índio, representado na
figura do bom selvagem, e o negro, deram suas contribuições para a formação de um tipo
nacional, o mestiço, que teve, no elemento branco, o alicerce para a edificação da tão
almejada civilidade. Porque Me Ufano do Meu Paiz condensou os conteúdos que deveriam
ser ensinados: a grandiosidade do país, as suas riquezas, a ausência de calamidades e
tensões, seu povo pacífico, que teve na figura do branco português o seu maior legado.
Outro autor de destaque, Viriato Corrêa (1884-1964), nasceu no Maranhão, foi
jornalista, professor, contista, romancista, teatrólogo, dramaturgo e escreveu uma série de
livros infanto-juvenis. Foi também membro da Academia Brasileira de Letras. Dentre suas
obras: Histórias de Nossa História, Terra de Santa Cruz, Nossa Gente e Era Uma Vez. Seu
livro mais conhecido é Cazuza, publicado em 1938, uma obra didática destinada às
crianças, que relata a vida de um menino e suas experiências na escola.
O livro, publicado em pleno Estado Novo, nos mostra todo o projeto que alicerçava
esse governo, com o intuito de formar um novo indivíduo, ajustado às questões que
75
estavam em pauta naquele momento, como trabalho, educação, pátria, tolerância,
obediência, temas relevantes na ideologia do governo Vargas.
A obra didática por nós selecionada para análise é O Brasil dos Meus Avós, da
Companhia Editora Nacional, publicada em 1927. Esse livro foi muito utilizado no
ambiente escolar e, nele, a única referência aos índios é quando o autor descreve a primeira
missa, enfocando a presença do frei Henrique Soares e dos “gentios” que queriam o
“liquidar traiçoeiramente”. Em alguns manuais escolares, a temática indígena não era
discutida, simplesmente ignorava-se o assunto.
Vicente Tapajós (1917-1998) também escreveu vários livros didáticos, era membro
do IHGB, atuou no magistério como professor de História por mais de 50 anos, lecionou no
Colégio Pedro II, no Instituto de Educação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro,
entre outras instituições de ensino. Publicou vários livros de História que foram adotados
nas escolas e formaram sucessivas gerações, obras que foram reeditadas e possuíram
grande penetração na sociedade civil, dentre elas: História da América, História do Brasil,
Compêndio de História do Brasil, Compêndio de História da América, Compêndio de
História Geral, entre outras (Vide Anexos).
No Compêndio de História do Brasil Para o Curso Ginasial, publicado pela editora
Forense em 1939, Vicente Tapajós elaborou sua obra com várias imagens e mapas por ele
mesmo desenhados. Seu livro segue o programa oficial para a produção desses manuais, e,
na unidade I, discute as grandes navegações, a chegada de Cabral ao Brasil e as primeiras
expedições, numa sucessão linear de fatos considerados importantes para a formação da
população.
Na II unidade intitulada O Íncola, o autor objetiva mostrar “o selvagem brasileiro e
seus primeiros contatos com os europeus”. Logo, chama a atenção para as diferenças
76
existentes entre os vários grupos que habitavam o Brasil, mas “podemos afirmar que,
comum a todos, eram apenas o desconhecimento do uso dos metais, a falta de animais de
carga, o desconhecimento da escrita [...]” (TAPAJÓS, 1939, p. 42, grifos nossos), tudo
descrito a partir da comparação, da negação e da hierarquização de valores, padrões e
práticas válidas para a sociedade brasileira.
A questão religiosa também foi discutida de forma negativa e genérica, ao afirmar
que “alguns grupos tinham muito vaga idéia de Deus, acreditando na existência de ser
poderoso chamado Tupã.” (TAPAJÓS, 1939, p. 43). Segue a sua descrição falando dos
primeiros contatos com os europeus:
O indígena brasileiro vem sendo apresentado à mocidade, desde muito,
quase como animal feroz, antropófago, capaz de tôdas as crueldades. A
verdade histórica é, porém, muito diferente. O selvagem, na realidade,
nada mais era que uma criança grande. Recebeu muito bem os
descobridores, mostra-nos Caminha em sua preciosa carta. Chegou a
trocar presentes com os portuguêses, ajudou-os a levantar a cruz
construída com madeira da terra, respeitosamente assistiu à missa de
primeiro de maio, imitando em tudo os europeus. (TAPAJÓS, 1939, p.
49, grifos nossos)
O fato de identificar o índio como uma “criança grande”, um índio bondoso e
inocente, mostra o ideário presente na visão de muitos pensadores da República, e por
assim acharem, é que o Código Civil de 1916 (Lei 3.071/16) tratava os índios como
“relativamente incapazes”. A referida Lei dizia que todos eram capazes de direitos e
obrigações mas, “os menores de 16 anos, os loucos e os silvícolas” eram incapazes,
ficando, assim, sob a tutela do Estado até que fossem integrados à “civilização do país”. Ao
representá-los como primitivos e fracos, o Código os colocava na condição de dependência
77
e essa visão infantilista reforçava a necessidade de proteção do Estado. Esse ideário é bem
representado pelos defensores do Positivismo no Brasil.
Basílio de Magalhães (1874- 1957) também teve seus livros didáticos reeditados
sucessivas vezes e com grande penetração no âmbito escolar. Nasceu em Minas Gerais, foi
jornalista e professor de História em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde dirigiu o Instituto
de Educação. Foi eleito Deputado Federal e Senador por Minas Gerais. Das suas obras,
podemos destacar: O Folclore no Brasil; O Café na História, no Folclore e nas Belas
Artes; A Montagem Portuguesa; O Suplício de Caneca; Os Jornalistas da Independência,
entre outras. Também escreveu vários livros didáticos: História da Civilização, Lições de
História do Brasil, Quadros de História Pátria, obras que foram adotadas em vários
estabelecimentos de ensino.
No prefácio da obra didática História do Brasil (1942), editada pela Francisco
Alves, o autor ressalta: “tenho lecionado História do Brasil e História da Civilização há
cêrca de meio século. Si tudo isso muito me desvanece mais ainda me sinto orgulhoso em
poder confessar que datam de quase 50 anos as minhas Lições de História do Brasil.”(p.3).
Essa obra teve sua primeira edição publicada em 1895 e foi o alicerce para os seus
livros posteriores, que foram utilizados e reutilizados em várias instituições de ensino. Para
Magalhães, “trabalhos didáticos que já desde longo tempo esgotados e que tiveram
generoso acolhimento em todo o país” (p.3), bem como foram redigidos de acordo com o
Programa Oficial de História do Brasil.
O referido programa, elaborado por pensadores comprometidos com o Estado,
revela as íntimas relações da historiografia didática com os interesses estatais, em que a
afirmação das identidades nacionais, a legitimação dos poderes políticos, deveriam estar
78
presentes nos livros didáticos, a partir das lições de história consolidadas pelo passado
glorioso da nação, pelos sentimentos de civismo e pelos grandes vultos da pátria.
É interessante ressaltar que, a partir das reformas do sistema de ensino, em 1931,
com Francisco Campos e, em 1942, com Gustavo Capanema, os programas curriculares
(Vide Anexos) passaram a fazer parte da cultura escolar, indicando conteúdos e definindo
metodologias. Assim, o livro didático foi utilizado como um instrumento pedagógico na
construção de uma identidade nacional.
O livro História do Brasil (1942) segue o mesmo modelo cronológico das obras
anteriormente citadas. Seu texto também se inicia com a chegada dos portugueses, e todos
os acontecimentos posteriores se desenrolam a partir dela. O autor, no prefácio desse livro,
fala da sua metodologia:
Excuso-me de ponderar que as datas postas interparenteticamente no
texto e as muitas notas que vão ao pé de cada página têm por mira
precípua poupar o grande esforço de memória dos docentes, tanto quanto
permitir aos discentes o necessário confronto cronológico ou a
dilucidação de pontos obscuros da marcha ascencional da nossa
nacionalidade. (MAGALHÃES, 1942, p. 6)
Nessa passagem, percebemos que havia uma seleção dos saberes a serem ensinados,
com o intuito de serem absorvidos e incorporados pelos alunos. Nesse processo de
transposição didática17, é indiscutível o seu interesse em uma história linear, progressiva e
patriótica.
O livro, inicialmente, discute como Portugal e Espanha foram em busca de novas
rotas, enfatiza os feitos de Cristóvão Colombo, fala da expedição de Cabral e, no segundo
17
Perrenoud, (1993 p. 25) define como transposição didática a essência do ensinar, ou seja, "a ação de
fabricar artesanalmente os saberes, tornando-os ensináveis, exercitáveis e passíveis de avaliação no quadro de
uma turma, de um ano, de um horário, de um sistema de comunicação e trabalho".
79
capítulo, apresenta O Indígena: Etnografia e Etnologia do Selvagem Brasileiro. Nesse
momento, caracteriza alguns grupos: “os Gés são os mais atrasados”, “os Caraíbas são
antrófagos e foram a princípio chamados canibais”.
Basílio de Magalhães passa a analisar os índios a partir do seu “estado político,
social, econômico, religioso e cultural”. O autor ressalta que eram nômades, andavam nus,
possuíam um chefe espiritual, praticavam uma agricultura incipiente, não possuíam escrita,
enfim, “estavam ainda os nossos primeiros íncolas na infância dos conhecimentos
científicos” (MAGALHÃES, 1942, p. 47). Dessa forma, representa os índios a partir da
imagem do selvagem, isto é, “indivíduos sem cultura”, por manifestarem uma “natureza
não civilizada”. Contudo, em toda a obra, o autor utiliza-se de Varnhagen e Rocha Pombo
para referenciar os seus escritos sobre os índios, que, nesse contexto, foram descritos como
povos atrasados, sem cultura e fadados à extinção.
Outro autor de livro didático muito utilizado, José Francisco da Rocha Pombo
(1857-1933), foi Jornalista, professor, poeta, e deputado provincial em 1886. Ingressou por
concurso no Colégio Pedro II e lecionou, também, na Escola Normal. Foi sócio efetivo do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Publicou, além de livros de poesias, obras de
variados assuntos: Nossa Pátria, com mais de 40 edições, História da América, História do
Rio Grande do Norte, História do Paraná, Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa,
No Hospício, Visões, dentre outras.
Rocha Pombo, na obra didática História do Brasil, que teve sua oitava edição
publicada em 1958, inicia seus escritos também falando do “descobrimento do Brasil” e
segue, em uma obra volumosa, com 502 páginas, com várias ilustrações, descrevendo suas
interpretações sobre o Brasil que se estendem até o início da República. A temática
indígena é discutida no capítulo I, intitulado O Descobrimento do Brasil e o Íncola.
80
Nesse capítulo, fala da chegada dos portugueses: “encontraram os portugueses em
Pôrto Seguro uma gente em pleno estado de selvageria.” (POMBO, 1958, p. 24, grifos
nossos). Em seguida, descreve alguns instrumentos, moradias e festas: “a vida do índio, na
paz, era uma festa contínua [...], celebravam as estações, as colheitas, as pescarias, as
grandes vitórias contra os inimigos.” (POMBO, 1958, p. 31). Num segundo momento, o
autor discute a relação entre índios e portugueses:
A relação dos adventícios com os indígenas era o problema capital e de
solução mais difícil para os colonizadores. Ou tinham de eliminar ou
excluir as populações que encontravam [...], ou haviam de associar-se a
elas. Como excluir sem sacrilégio, e sem criar para o futuro [...] problema
ainda mais grave? E como fazer a aliança de duas raças em uma
disparidade de cultura tão profunda e tão extensa?. (POMBO, 1958, p.
80)
Rocha Pombo, nessa passagem, mostra um dos debates do século XIX, que era
justamente: o que fazer com esses povos? Para ele, a solução encontrada foi a aliança e essa
deveria ser “o processo histórico único e legítimo”. Assim, os índios deveriam ser dirigidos
para o “espírito da civilização”. É interessante ressaltar que essa obra analisada data de
1958, é a sua oitava edição, mas, o que fica evidente, é que esses manuais permaneciam
inalterados por muitos anos.
A obra em questão também reflete os anseios do Oitocentos, foi muito utilizada no
universo escolar e permaneceu em voga da segunda metade do século XIX à segunda
metade do século XX, servindo também de referência para outros autores de livro didático,
que acolheram seus métodos e procedimentos na confecção de suas obras.
Contudo, podemos constatar que todas essas obras analisadas anteriormente traziam
à tona uma história essencialmente política e factual, que tinha como principal personagem
81
a elite administrativa e militar do país. Os autores utilizavam uma abordagem cronológica e
estimulavam a memorização, com o intuito de inculcar determinados valores para a
garantia da “ordem e do progresso”, visto que aprender significava memorizar.
O modelo proposto pelo IHGB, quando promoveu o concurso, em 1844, para a
construção da história do Brasil, é predominante nessas interpretações analisadas. Como
Escrever a História do Brasil, monografia premiada nesse concurso, do botânico alemão
Karl Philipp von Martius, definiu marcos para a feitura dessa história, como: o
“descobrimento do Brasil”, a “Independência”, tudo alicerçado a partir de Portugal, tendo
em vista que a nação brasileira deveria ser apresentada como fruto da expansão marítima.
No tocante a temática indígena, é predominante o discurso presente na obra de Varnhagen,
onde essas sociedades foram representadas com repulsa, com resistência e restrições, visto
que é edificada uma imagem que exprime negação.
Na primeira metade do século XX, como vimos, os livros didáticos mantiveram as
mesmas versões e metodologias no ensino de história do Brasil, inclusive, esta continuou
sendo um apêndice da História da Civilização e manteve o elemento branco e cristão como
referência.
82
2- Os Índios nos Livros Didáticos Atuais: Mudanças ou Permanências?
Na reavaliação das sociedades indígenas e das
políticas indigenistas, a historiografia tem, e terá, um
papel fundamental, decisivo até. Pois cabe aos
historiadores, através de uma revisão séria das
abordagens vigentes, que relegam os índios a um
papel fugaz e mal explicado (...), não apenas resgatar
esses esquecidos da história, mas antes redimir a
própria historiografia de seu papel conivente na
tentativa,
fracassada, de erradicar os índios.
(MONTEIRO, 1998, p. 227)
Para analisar livros didáticos atuais, optamos por trabalhar com alguns autores que
produziram suas obras nas décadas de 1990 e 2000. Esse recorte mostrou-se essencial para
podermos avaliar várias edições do mesmo livro. Selecionamos obras do ensino médio que,
durante esse período, foram bastante utilizadas no processo de ensino-aprendizagem.
Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick fizeram uma parceria, em 1997, e
publicaram, pela editora Moderna, a primeira edição de História: das Cavernas ao Terceiro
Milênio. Mota é graduada em História, Mestre em Artes e professora do ensino médio e
superior em Itabira, Minas Gerais. Braick é graduada em História, Mestre em História e
professora do ensino médio em Belo Horizonte.
A referida obra pretendia sintetizar todos os assuntos referentes à história humana
em um único volume. Um estilo de produção que começou a disseminar-se pelo cotidiano
escolar nos anos de 1990 e foi uma estratégia utilizada pelo mercado editorial para o
crescimento nas vendas de livros do ensino médio.
Esse tipo de produção teve grande aceitação por parte dos alunos, que adquiriam
apenas uma obra em que teriam oportunidade de estudar todos os assuntos de três anos
letivos. Mas esses livros didáticos que pretendem, em um único volume, dar conta de “toda
83
a história”, pecam pelas simplificações e omissões que são marcas características dessas
produções.
No tocante à temática indígena, as referidas autoras discutem a questão na unidade
III, que é intitulada Os Hóspedes da América, um título problemático, pois pode levar os
alunos a pensarem que esses povos não eram habitantes da sua terra. Na abordagem
escolhida pelas autoras, apenas os índios de língua Tupi são apresentados, isto é, alguns
habitantes do litoral brasileiro são caracterizados, enquanto os índios do interior não
aparecem na discussão. Essa opção é bastante problemática pois ignora-se toda uma
diversidade cultural, bem como generaliza-se os índios do litoral ao apresenta-los com
características padrão.
O contraditório é que as autoras utilizam-se de trechos de estudiosos do assunto para
destacar a importância de se discutir a diversidade cultural, bem como os riscos das
generalizações, mas apresentam uma visão genérica desses povos. Quando falam de
moradia, por exemplo, não discutem os variados tipos de habitação ou a maneira como um
determinado grupo compreende o espaço por ele habitado; ao discutirem o canibalismo,
não explicitam que grupos praticavam o exocanibalismo ou o endocanibalismo, ou, ainda,
como se davam tais rituais.
O que fica evidente, é que, mesmo escrevendo na década de 1990, período em que
as discussões teóricas sobre a temática já haviam mudado bastante, as referidas autoras
perpetuam visões tradicionais. No prefácio do livro a proposta é mostrar uma visão mais
abrangente mas isso não ocorre. Essa constatação se evidencia ao conceituarem os
sambaquis: “Designação dada a antiqüíssimos depósitos, situados ora na costa, ora em
lagoas ou rios do litoral, e formados de montões de conchas, restos de cozinha e de
esqueletos amontoados por tribos selvagens que habitaram o litoral [...].” (MOTA;
84
BRAICK, 1997, p. 159, grifos nossos). O termo selvagem, na realidade, vem atravessando
séculos e permanece no imaginário escolar, como observamos nessa passagem.
O livro traz propostas interessantes como o diálogo com autores que escrevem sobre
o tema, alguns conceitos e imagens, mas poucas páginas são dedicadas ao assunto. Os
recursos utilizados não são trabalhados pedagogicamente e a temática ainda está muito
presa as universalizações.
A segunda edição dessa obra foi lançada em 2002, isto é, cinco anos depois, e as
únicas alterações feitas são referentes ao título da unidade, que passou a ser Os Diferentes
Povos da América; a introdução de um mapa que é apenas ilustrativo, pois não se discute os
diferentes povos que habitavam cada região, e pequenas modificações no texto. A visão
genérica permanece: “para facilitar o nosso estudo, optamos por agrupar comunidades
indígenas de acordo com um conjunto de características comuns entre elas.” (MOTA;
BRAICK, 2002, p. 168).
Nessa unidade há duas propostas interessantes. A primeira é um texto
complementar, que fala sobre o Código Civil de 1916, que tratava os índios como
“relativamente incapazes” quanto aos atos da vida civil. Nesse texto, essa questão é bem
trabalhada e os alunos podem perceber os índios como sujeitos ativos e capazes. A segunda
proposta é a indicação do filme Hans Staden (2000), o problema é que as autoras parecem
não ter assistido ao filme, pois fazem a seguinte sinopse: “O filme conta a história de Hans
Staden, viajante alemão que em 1550 naufragou no litoral de Santa Catarina. Acabou morto
e devorado em um ritual antropofágico.” (MOTA; BRAICK, 2002, p. 177). O filme
realmente conta a história do alemão Hans Staden, que naufragou na costa brasileira, foi
feito prisioneiro pelos Tupinambás, viveu entre eles por alguns meses e conseguiu sua
85
liberdade. E graças aos seus escritos, hoje sabemos muito sobre a o modo de vida desse
grupo.
Por fim, os índios “aparecem” de forma efêmera em capítulos que discutem a
conquista, a colonização, a presença dos jesuítas, tudo descrito a partir das ações dos
portugueses: “O escambo foi a maneira utilizada para assegurar o trabalho indígena na
extração do pau-brasil. Em troca de miçangas, tecidos e roupas, canivetes, facas e outros
objetos [...].” (MOTA; BRAICK, 2002, p. 199). Nessa passagem, percebemos que as
autoras não explicitam que o conceito de trabalho para nós é diferente do conceito de
trabalho para os índios. Outra constatação é que o escambo é mostrado como uma permuta
positiva para os portugueses, que davam “miçangas ou canivetes” em troca de trabalho.
Mais uma vez, não se discute a importância desses objetos para essas sociedades que não os
possuíam.
Quando discorrem sobre a interiorização e a consolidação da conquista, ignoram os
habitantes da região, falam dos vaqueiros, dos agregados, dos paulistas, mas o território é
apresentado como um espaço vazio. Não se discute que essa ocupação foi lenta devido à
resistência dos vários grupos da região, na realidade, o que as autoras evidenciam é uma
visão eurocentrista.
Outro livro analisado foi Toda a História: História Geral e História do Brasil, de
José Jobson de A. Arruda e Nelson Piletti. Jobson é Doutor em História Econômica,
professor da USP, da UNICAMP e autor de dezenas de livros, dentre eles, muitas obras
didáticas escritas desde a década de 1960. Piletti é Doutor em Educação, professor da
FEUSP e também autor de vários livros didáticos.
Na apresentação do livro, os autores ressaltam: “Toda a História! Desde o projeto,
a proposta deste livro é ambiciosa: reunir em um único volume os conteúdos mínimos
86
necessários para os cursos de História do ensino médio. Fomos, em 1994, os primeiros a
assumir este grande desafio” (p.4). A primeira edição desta obra é de 1994 e, como
salientam os autores: “de lá para cá, como acontece com qualquer livro, Toda a História
ganhou vida própria. Recebeu elogios de professores e alunos; além, é lógico de críticas e
propostas de mudanças. A nova versão reflete um pouco dessa trajetória. Nela [...] todo o
seu conteúdo foi reescrito e, nesse trabalho, consultamos as obras mais recentes da
historiografia.” (p.5).
Na décima primeira edição, publicada em 2000, a temática indígena é trabalhada no
capítulo 44, Portugal Chega à América. Os autores falam dos feitos de Pedro Álvares
Cabral e do contato com os índios: “No dia 23, os portugueses fizeram os primeiros
contatos com os nativos, muito cordiais segundo o escrivão Pero Vaz de Caminha.”
(ARRUDA; PILETTI, 2000, p. 182, grifos nossos). Nessa passagem, os autores utilizam a
carta de Caminha para referenciar esse momento de contato, mas não fazem as devidas
problematizações ao documento. Não se discute o contexto em que essa carta foi escrita,
muito menos, os interesses que estavam por trás dela. Assim, a visão de cordialidade que é
passada no texto reforça a representação dos índios como criaturas puras e belas,
representação essa, presente desde o século XVI e que permanece no universo escolar. Os
índios “aparecem” no texto, também, quando os autores falam sobre a extração de paubrasil:
A extração do pau-brasil se dava de forma rudimentar, provocando a
destruição das florestas. Os traficantes contavam com a ajuda dos
índios, que cortavam a madeira e a levavam até os navios, em troca de
peças de tecido, roupas, contas coloridas, canivetes, facas. (ARRUDA;
PILETTI, 2000, p. 183, grifos nossos)
87
Nessa passagem, a questão do trabalho também não é problematizada e os assuntos
são apresentados sempre a partir dos feitos dos colonizadores, que são enfocados no texto
como os únicos sujeitos ativos nesse processo.
O capítulo 45, Primeiros Passos da Colonização Portuguesa, ressalta: “[...] a
população era nômade, vivia da caça e da pesca, não praticava o comércio, nem utilizava
dinheiro; produziam apenas o necessário para o próprio sustento.” (ARRUDA; PILETTI,
2000, p. 190). Essa passagem exemplifica apenas um dos trechos, presente nessa obra, em
que os autores abordam a questão de forma negativa e simplificadora. Contudo, qualificam
o outro, o diferente, a partir da sua particularidade cultural, com a valorização do seu
próprio grupo, construindo uma imagem que favorece a sua sociedade, destituindo,
portanto, a possibilidade do outro ser diferente. Como chama a atenção Morin (2001, p.
57), “os que vêem a diversidade das culturas tendem a minimizar ou a ocultar a unidade
humana; os que vêem a unidade humana tendem a considerar como secundária a
diversidade das culturas”.
Sobre os índios na atualidade, dizem os autores: “A maioria dos povos indígenas
hoje encontra-se em reservas [...].” (ARRUDA; PILETTI, 2000, p. 189). Dessa forma os
autores resumem o assunto, ao falarem da temática hoje, em nenhum momento se discute a
contemporaneidade desses povos, o seu crescimento populacional ou os seus projetos de
futuro, enfim, os nossos alunos podem chegar à conclusão que os índios pertencem ao
passado.
Ao discutirem, no capítulo 51, Os Portugueses Conquistam o Interior, não
apresentam os diversos povos que habitavam o interior do Brasil, simplesmente ignora-se a
temática. Em suma, dessa obra analisamos várias edições e, na realidade, não percebemos
88
mudanças no conteúdo, alguns títulos foram trocados, algumas imagens modificadas e o
livro está mais colorido.
A temática indígena é discutida no texto de acordo com o avanço do processo de
conquista e conseqüente colonização, isto é, a partir da presença portuguesa às terras
americanas. Essa tendência é percebida desde a escolha dos títulos: “Portugal chega à
América”, “Primeiros passos da colonização portuguesa”, “Os portugueses conquistam o
interior”, enfim, é um assunto recheado de simplificações, generalizações e que permanece
sem atualizações a cada “nova” edição.
Outro livro selecionado para análise foi História e Consciência do Brasil, de
Gilberto Cotrim, autor de vários livros didáticos, graduado em História pela Universidade
de São Paulo, professor do ensino médio e mestrando em Educação, Arte e História pela
Universidade Mackenzie. A terceira edição dessa obra é de 1996 e foi editada pela Saraiva.
Na apresentação, o autor destaca: “Este livro [...] foi criteriosamente elaborado para atender
a um ensino crítico, dinâmico e atualizado. Assim, o livro apresenta um enfoque abrangente
dos fatores econômicos, sociais e políticos [...]. Tudo exposto em linguagem acessível e
didática, enriquecida por mapas, documentos e ilustrações.” (p.3).
No capítulo I, A Expansão Européia e a Conquista do Brasil, o autor fala sobre a
formação de Portugal, a expansão marítima, a concorrência espanhola e o início da
conquista. Ao retratar os primeiros contatos, utiliza como documento a carta de Caminha:
“Em outros trechos da Carta de Caminha, torna-se claro que os primeiros contatos entre
portugueses e indígenas, embora cautelosos, foram marcados por um clima de
cordialidade.” (COTRIM, 1996, p. 21, grifos nossos). Mais uma vez nos deparamos com o
uso de um documento, a carta de Pero Vaz de Caminha, escrita no século XVI, utilizada
para exemplificar um assunto, mas sem as devidas referências de origem e sem sugestões
89
que permitam uma atividade pedagógica. O autor fecha o capítulo com um texto e um
exercício, onde nada faz referência aos índios.
O Impacto da Conquista da América é o título do segundo capítulo, em que o autor
diz que “espanhóis e portugueses ficaram muito admirados, por exemplo, com a cor, a
aparência física e a nudez ingênua de indígenas [...].” (COTRIM, 1996, p. 29, grifos
nossos). Aqui, ainda há traços do que aparece na carta de Caminha, só que na percepção do
autor, o que é mais problemático.
Em seguida, ele fala das primeiras expedições, das capitanias hereditárias, do
Governo Geral, enfim, ao discutir a economia colonial, relata a extração de pau-brasil: “A
princípio, o trabalho do índio era conseguido amigavelmente com o escambo, isto é,
mediante a troca por algumas bugigangas e quinquilharias de pouco valor [...].”
(COTRIM, 1996, p. 53). O que prevalece nesse trecho, é uma postura etnocêntrica, isto é,
o autor leva em consideração os valores da sua sociedade para avaliar as demais. Outra
constatação é que o trabalho indígena é mostrado apenas na extração do pau-brasil; na
realidade, eles foram extremamente importantes no desenvolvimento da economia colonial
e isso não é ressaltado em nenhum momento.
Ademais, a organização social dos índios não é discutida, o livro não possui
bibliografia, não discute a temática atualmente e o capítulo se encerra com o tópico
Herança Cultural Indígena, momento em que o autor fala das “muitas contribuições do
indígena para o povo brasileiro: alimento, objetos e utensílios, vocabulário, técnicas e
hábitos.” (COTRIM, 1996, p. 69). Essa visão prevaleceu no século XIX, período em que se
acreditava, a partir de posturas evolucionistas, que os índios desapareceriam e deles
herdaríamos apenas algumas práticas e hábitos.
90
A versão mais recente dessa obra é História Global: Brasil e Geral. Nesse estilo de
produção, o autor pretende apresentar todo o conteúdo de pré-história e história antiga,
medieval, contemporânea, da América e do Brasil. Em 2002, foi publicada a sua sexta
edição e, na apresentação, Cotrim ressalta: “Este livro apresenta uma visão global da
história do ocidente, incluindo a história do Brasil. Procuramos abranger os processos
históricos das sociedades analisando aspectos políticos, sociais e culturais” (p.6). O livro
possui muitas imagens, quadros explicativos, mapas, questões de vestibular e uma pequena
bibliografia, onde quase não há obras referentes à temática indígena.
No capítulo XXI, intitulado Início da Colonização, o autor fala da chegada de
Cabral e das primeiras expedições, enfatizando a extração do pau-brasil. Em seguida, fala
dos jesuítas, da catequese dos índios e dos aldeamentos: “Nos aldeamentos ocorria a
aculturação dos indígenas, ali aprendiam a doutrina católica, alguns ofícios e costumes da
cultura européia.” (COTRIM, 2002, p. 239).
A maioria dos livros didáticos, quando fala do contato entre índios e missionários,
resume a questão mostrando os índios como aldeados, dominados e assimilados, a vertente
predominante é apenas a da perda. Não se discute as variadas formas de resistência, as
adaptações e negociações que foram constantes após os primeiros contatos. A “aculturação”
é a sentença de morte mostrada nesses manuais, pois, a partir dos primeiros contatos, os
índios são representados como povos absorvidos pelo sistema colonial, o que levaria a um
processo de descaracterização e conseqüente extinção.
A cultura não é pensada como um produto histórico que se modifica a partir da
articulação entre as diferentes sociedades, e sim como uma relação de dominação imposta
pelos europeus. É importante que não esqueçamos todas as formas de violência e sujeição a
que esses povos foram submetidos, mas não devemos entendê-los apenas sob essa ótica. Na
91
realidade dominação e resistência caminham juntas nesse processo. Não podemos negar os
males que a colonização representou para esses povos, contudo os índios também foram
agentes históricos dessa ação e não apenas vítimas indefesas.
Em 2003, foi publicada a sétima edição dessa obra e em 2005, a terceira tiragem. O
que fica evidente desse material, são as permanências dos conteúdos, muda-se algumas
imagens mas os textos são praticamente os mesmos. As modificações presentes nessas
edições são apenas estéticas e todos os mapas e documentos, em geral, são apenas
ilustrativos, não havendo propostas pedagógicas para se trabalhar em sala de aula.
Contudo, o que fica evidente nas obras analisadas anteriormente, é que as variadas
formas de organização social, as diferenças culturais e lingüísticas, as especificidades dos
diferentes tipos de contato, a resistência adaptativa, as novas formas sociais que se
formaram, o atual crescimento demográfico, os seus modos de vida hoje, enfim as
sociedades indígenas, de um modo geral, são desconsideradas, dando espaço para
construções omissas, simplificadoras e estilizadas desses povos.
Diante dessas versões sobre os povos indígenas, um desafio se apresenta no
universo escolar: como pensar o diferente? Para evitarmos uma postura que visualiza
apenas dominadores e dominados, devemos quebrar esquemas deterministas que reforçam a
imagem da desigualdade, de povos evoluídos e primitivos, representações essas que estão
arraigadas na historiografia didática. Sem desconsiderar a violência, a opressão e os danos
causados no processo de conquista e colonização, é possível compreender as sociedades
indígenas como sujeitos ativos e capazes.
Uma constatação é a recorrência e a redundância de certos assuntos sobre os índios
nos livros didáticos. Quase todos os livros privilegiam os mesmos aspectos das sociedades
indígenas. Assim, os índios foram cordiais com os europeus nos primeiros contatos,
92
trabalharam na extração do pau-brasil em troca de “bugigangas”, passaram por um processo
de “aculturação” e, por fim, desapareceram ou são moradores de reservas e vivem em uma
realidade difícil. Dessa forma, na cultura escolar, quase nada sabemos sobre os seus modos
de vida, as suas concepções de mundo, as relações de guerra e aliança, os seus sistemas de
parentesco, a complexidade da vida ritualística ou a dinâmica cultural das sociedades
indígenas contemporâneas.
Os povos indígenas foram submetidos a vários tipos de exploração, compartilharam
experiências, vivenciaram relações conflituosas, sofreram perdas e prejuízos mas não
desapareceram, transformaram-se, misturaram-se e foram reelaborando suas culturas e
tradições.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O historiador é também um pássaro de minerva:
passa a noite reexaminando o dia. Por outro lado,
não tem certeza de que pode conhecer o passado-dia,
pois a noite presente em que ele está é o lugar do
sonho. Ao terminar o dia, ele o conhece ou o
imagina? Sempre estará dominado por essa dúvida.
(REIS, 1999, p. 8)
Os padrões conservadores ainda presentes hoje no ensino de História foram gerados
no Brasil oitocentista, quando da criação de instituições como o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o Colégio Pedro II. O IHGB, como vimos, elaborou um modelo
para a feitura da história do Brasil e o Colégio Pedro II, por sua vez, transformou esse
modelo em programas de ensino. Essas instituições pretendiam dar uma história à nova
nação e, assim, reservar-lhe um lugar na civilização ocidental cristã. Por isso, a História do
Brasil era uma continuidade da História da Civilização, isto é, da História portuguesa.
Atualmente, a História Geral, antigamente denominada História da Civilização, também
rege esse modo de fazer história, sendo o padrão eurocentrista uma sólida tradição que
resiste a mudanças.
Nesse contexto, ao analisar a representação sobre os índios, nos livros didáticos de
História, percebemos que a temática está envolta num ambiente de muita desinformação.
Os povos indígenas ainda são pouco conhecidos e estudados na área de educação, há uma
visão simplista e, muitas vezes, genérica dessas sociedades.
No século XIX, a representação sobre índios ora era argumentada pelas teorias
raciais que estavam repletas de interpretações, e reforçavam as diferenças e desigualdades,
94
hierarquizando e desqualificando, buscando sempre legitimar domínios e mostrar o “atraso”
dos povos não ocidentais, como, também, por uma visão romanceada, em que o “nobre
selvagem” deveria servir de referência.
A partir das obras publicadas pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
percebemos a inserção dessas teorias no Brasil. Nessa instituição, prevalecia uma
concepção simpática dos índios, os “bons selvagens” foram representados como símbolo da
identidade nacional, embora Varnhagen, o maior representante do Instituto, fosse contra
essa idealização.
Já no início do século XX, a República relegou pouco espaço, no seu imaginário, à
temática indígena. Influenciados pelo Indianismo e Positivismo, muitos autores de livros
didáticos desse período descreveram os índios como legítimos representantes da identidade
nacional, vistos como uma herança cultural, de atitudes e sentimentos nobres, que ajudaram
na construção da brasilidade.
É nesse contexto histórico e cultural que alguns livros didáticos analisados foram
produzidos. Essas obras referentes ao final do século XIX e início do XX, embora passíveis
de crítica, ainda que as suas versões pequem, muitas vezes, pela omissão ou pela forma
estereotipada e preconceituosa com que abordam o tema, é importante ressaltar que
refletem o pensamento de uma sociedade, de um período, enfim, de uma temporalidade.
A respeito dos livros didáticos atuais (décadas de 1990 e 2000), percebemos que
eles dedicam um pequeno espaço para as discussões sobre a temática indígena. São
passadas concepções fragmentadas, folclorizadas e cômodas, existem muitos silêncios em
volta do assunto e esses manuais permanecem distantes da realidade histórica. É
interessante ressaltar que esses autores que estão produzindo atualmente, isto é, em um
período em que as discussões teóricas sobre a temática já avançaram bastante, não
95
deveriam ignorar as pesquisas e as contribuições que a História e a Antropologia têm
proporcionado.
Concordamos com Morin (2001, p. 98), quando afirma que “a incapacidade de
conceber um complexo, e a redução do conhecimento de um conjunto, ao conhecimento de
uma de suas partes, provocam conseqüências [...] no mundo das relações humanas”. Dessa
forma, o etnocentrismo se apresenta a partir das omissões, das simplificações, enfim, de
idéias preconcebidas que provocam posicionamentos egocêntricos.
Alguns desses problemas poderiam ser enfrentados caso os autores de livros
didáticos se dispusessem a rever seus conhecimentos, apontar suas deficiências e contribuir
para ampliar as possibilidades de estudo dessas sociedades na história. Assim como todos
nós, professores, poderíamos incluir a temática nas capacitações, estimular o conhecimento
sobre esses povos através de seminários, cursos e proporcionar o acesso a publicações de
fontes de informação e pesquisa. A diversidade cultural está nos currículos, nos parâmetros,
e essas sugestões deveriam ser discutidas e implementadas no âmbito da escola. A prática
educativa, o exercício dos parâmetros deveriam entrar em voga. Apesar de todas essas
discussões, é evidente que “o que será colocado em prática depende da luta política e dos
recursos econômicos, [...] as finalidades da educação continuam sendo uma questão
nacional” (PERRENOUD, 2002, p. 13).
Outro problema identificado é o pequeno número de autores envolvidos na
produção da obra, um e, no máximo, dois autores para dar conta de muitos assuntos, o que
dificulta uma revisão dos conteúdos, pois “a falibilidade dos seres humanos em darem
conta de toda a complexidade social; e os seus limites, decorrentes da sua inserção social,
sua formação [...], suas experiências pessoais, [...] todo esse conjunto de dimensões
96
constitutivas de suas vidas, afeta a maneira como vêem e interpretam o mundo.”
(SILVEIRA, 2003, p. 6).
Constatamos que, das obras selecionadas, nenhuma trabalha com eixos temáticos,
todas seguem a periodização tradicional. De acordo com Neves (1999, p. 2) esse ensino
programático gera problemas, como o “isolamento dos acontecimentos estudados que,
aprisionados na seqüência cronológica e na delimitação espacial estabelecida, perdem
qualquer conexão com o seu contexto”.
Vale ressaltar, também, a relação entre a desqualificação docente e o consumo de
livros didáticos, o que favorece o mercado editorial. Nesse processo, eles se transformaram
em “verdadeiros pacotes educacionais” (BITTENCOURT, 2004, p.298), já que os
professores não estão tendo uma profissionalização adequada, o mercado assimilou as
deficiências docentes mais recorrentes e passou a atender essa demanda. E, como chama a
atenção Silveira (2003, p. 10), “ser professor de História pressupõe o atributo de ser
historiador, e a mediação (que não deixa de ser atributo) de ser educador.”
Contudo, nesse momento, a pesquisa chega ao fim. Não buscamos um livro didático
ideal mas é inadmissível que tais conteúdos sejam transmitidos aos alunos dessa forma
lacunar, genérica, preconceituosa, com livros defasados, sem sugestões de atividades
pedagógicas e que não acompanham a produção historiográfica mais recente.
Apresentar uma versão mais abrangente e crítica sobre a produção do conhecimento
no livro didático foi a nossa proposta. A partir daí, lançar possibilidades de um maior
aprofundamento nessa área de estudo. Os hiatos são grandes, como vimos, e algumas
discussões devem ser aprofundadas, como a articulação entre conteúdo e metodologia, as
competências dos professores, a relação entre a desqualificação docente e o uso do livro
97
didático, enfim, um leque de questões se abre para trabalhos futuros, cujo desenrolar ainda
tem muito a transparecer.
Contudo, as novas abordagens que chegam até nós, hoje, possibilitam descortinar
uma outra perspectiva sobre as sociedades indígenas conhecida por poucos, bem como
analisar certas construções que permeiam o imaginário didático, já que, em quase dois
séculos de ensino de história no Brasil, implantou-se em nossa cultura escolar uma herança
cronológica, determinista, evolucionista e eurocêntrica.
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